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Guias e Dicas
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A crise asiática, Trabalhos de Administração Empresarial

Trabalho acadêmico que estuda os motivos e o desenrolar da crise asiática ocorrida em 1997

Tipologia: Trabalhos

Antes de 2010

Compartilhado em 09/02/2008

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Baixe A crise asiática e outras Trabalhos em PDF para Administração Empresarial, somente na Docsity! “AS CAUSAS DA CRISE ASIÁTICA” 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A CRISE Para que possamos entender de forma definitiva as causas reais da crise asiática ocorrida em meados de 1997 é interessante, em primeiro lugar, notarmos a existência de alguns fundamentos macroeconômicos básicos que, grosso modo, estiveram todo o tempo por de trás dos fenômenos de ordem financeira que desestabilizaram profundamente a economia de países que, até então, eram considerados prósperos, seguros e estáveis. Econômica e financeiramente falando, invariavelmente sempre vamos encontrar pelo mundo afora duas categorias básicas de países: primeiro os países que se acham na condição de credores internacionais; e segundo, aqueles países que, ao contrário, são levados à difícil condição de devedores internacionais. Os devedores internacionais seriam justamente aqueles países que dependem de um influxo constante de recursos externos para assim financiarem seus processos de crescimento e desenvolvimento. Financiamentos esses bancados exatamente pelos países credores que, dispondo de fundos financeiros excedentes, saem a procura de novas alternativas de investimento (de caráter produtivo ou não) para seus capitais ociosos e acabam encontrando essas alternativas nos países tidos como devedores (que a propósito sempre são levados, dada a condição de tomadores de recursos, a remunerar os investimentos internacionais a taxas mais elevadas. Tal situação, é verdade, poderia ser considerada normal e aceitável se levássemos em conta a tese de que todo o fluxo de capitais existente entre países credores e devedores ocorre sempre de um modo previsível e dentro de um horizonte de longo prazo. Ou seja, teríamos, com certa regularidade, capitais sendo transferidos de um país a outro com o ânimo de fincar raízes e ir gradativamente sendo acumulados com o passar do tempo no interior dos países devedores (destinatários dos recursos). Contudo, observa-se ainda hoje algo que foi notório durante a crise asiática, isto é, dentre as diversas modalidades de capital que circulam internacionalmente visando primordialmente equilibrar os excessos e as carências de poupança existentes entre os países credores e os países devedores estão, sempre a marcar forte presença, os chamados capitais especulativos e voláteis de curto prazo. Capitais que passeiam pelo mundo na ânsia de ganhos imediatos e cuja extrema mobilidade é ao mesmo tempo causa e conseqüência do processo de globalização e desregulamentação dos mercados financeiros mundiais, da elevação da oferta monetária e de uma integração sem precedentes das praças financeiras internacionais. Vemos então que esses capitais voláteis tem um comportamento totalmente oposto àquilo que seria desejável pelos países tomadores de recursos externos (devedores), uma vez que circulam de maneira irregular, imprevisível e sem estabelecer qualquer vínculo de longo prazo com os países que os recebem, tornando ainda mais grave e arriscada a atual situação de dependência externa desses países. Dependência que tem como 1 uma de suas inúmeras facetas, os históricos déficits em transações correntes registrados por tais países e o constante acúmulo de dívida externa (situação típica dos países devedores, incluindo, é claro os países asiáticos). Mas o que estaria realmente por de trás desses déficits crônicos em conta corrente (que em muitos casos têm apresentado uma forte tendência de elevação com o passar do tempo)? Na verdade, déficits em conta corrente resultam do simples fato de que há países que no todo necessitam consumir e investir internamente uma quantia que é maior do que aquilo que lhes cabe em termos de renda nacional e também maior em relação ao que conseguem poupar internamente num dado intervalo de tempo. É o que os economistas costumam chamar de insuficiência da renda e da poupança interna. Um fato que leva determinados países a não poderem financiar autonomamente e de forma sustentada seus projetos de desenvolvimento econômico e social, e por isso são obrigados à recorrerem aos aportes de capitais do estrangeiro (a chamada poupança externa). O problema aqui é que a renda nacional, de onde deveria ser destacada uma parcela correspondente a poupança interna do país (poupança essa que seria novamente reinvestida trazendo mais produção e mais renda) não consegue se elevar significativamente à medida que ocorre um aumento cada vez maior na dependência externa do país juntamente ao fenômeno típico e constante de repatriação de capitais vindos de fora. Assim fica difícil contornar de maneira definitiva a situação crônica dos elevados déficits em conta corrente desses países porque o fluxo de capitais estrangeiros que eles recebem geram uma contrapartida posterior materializada na forma de uma saída de recursos sob a rubrica de remessa de lucros, dividendos, juros, pagamentos de royaltes, etc. Saída que torna-se maior e mais freqüente nos momentos de crise cambial ou a simples ameaça dela, como se verificou nos países asiáticos, agravando ainda mais o déficit e reduzindo sobremaneira a capacidade daqueles países em honrarem seus compromissos externos e pagarem suas dívidas. A par disso se percebe ainda que quando um país capta muito dinheiro externo para alavancar seu crescimento uma fatia considerável da renda doméstica bruta que é produzida se deve, em tese, ao uso de fatores de produção pertencentes a não residentes no país (sejam eles pessoas ou empresas). Remetendo ao exterior essa renda de propriedade de estrangeiros não residentes no país num montante maior do que a renda trazida de fora temos então o valor da Renda Nacional sempre inferior ao da Renda Interna Produzida. Gerando uma Renda Nacional insuficiente são se pode ter uma poupança interna compatível com as necessidades de crescimento do país e, em conseqüência mantêm-se a situação de dependência externa. A situação de dependência externa, (que é concomitantemente causa e conseqüência dos contínuos déficits em conta corrente de inúmeros países - incluindo os asiáticos), na verdade já vem continuamente alimentando um processo que, feito instável, imprevisível e, por tal razão de incerteza, até mesmo irracional em função de um fenômeno, muitas vezes passional, caracterizado pelo intenso fluxo de capitais especulativos, não poderia ter outro desfecho senão aquilo que se presenciou durante a crise asiática. Entretanto, como se não bastasse a ocorrência de tudo isso, outros fatores também contribuíram decisivamente para tornar inevitável a crise asiática e ainda por cima agravar ainda mais o quadro de instabilidade financeira de países 2 forma de riqueza material que deveria ser, no futuro, mais do que suficiente para honrar os serviços dessa dívida externa que vinha sendo acumulada. Obviamente, se pedimos emprestado no exterior fundos para aplicação em investimentos que imediatamente se mostram inviáveis, sem liquidez, sem promessa de retorno, impagáveis e ainda sujeitos à perdas financeiras expressivas (devido a um processo muitas vezes irracional e inconseqüente de especulação) o resultado, é claro, não poderia ter sido outro, ou seja, com o tempo foi-se naturalmente desaparecendo por completo qualquer resquício de confiança por parte dos agentes internacionais que, em última instância são os que provêm esses fundos. Sem acreditarem mais na capacidade de alguns países da Ásia em cumprirem seus compromissos financeiros externos (crença que se tornou certa logo após o estouro da bolha) e temerosos de que os crescentes déficits em conta corrente apresentados por esses países acabassem por desaguar numa súbita desvalorização das moedas asiáticas, os investidores externos não tinham outra coisa a fazer senão desfazerem suas posições de investimento, remetendo para fora seus capitais. Derrubando de vez as cotações das moedas locais, a saída momentânea de uma enxurrada de dólares trouxe instabilidade e pânico aos mercados asiáticos, o que levou um número ainda maior de investidores a levarem de volta seus capitais. Novas entradas de capital externo também foram suspensas até que se restabelece-se a normalidade e a confiança no mercado asiático, o que fez com que se agravasse ainda mais a situação das contas externas dos países envolvidos na crise, que estarrecidos, viam as cotações de suas moedas despencarem de um instante para outro. Após esse breve relato sobre alguns aspectos gerais relacionados com as causas da crise asiática, nosso objetivo agora é aprofundarmos um pouco mais a análise do que realmente foi essa crise e de como ela poderia ter se originado. Tentando chegar à gênesis da crise, nos deteremos na abordagem de tópicos mais específicos que, vistos na sua essência, nos permitirão percorrer em detalhes os diversos meandros da crise asiática e descrever com um grau maior de precisão quase que todas as facetas sob a quais se personificou a crise de 1997 que abalou o mundo econômico, financeiro e político mundiais 2. RESERVAS VOLÁTEIS E MOEDAS SOBREVALORIZADAS Vimos anteriormente como um acúmulo excessivo e descontrolado de déficits em conta corrente pode tornar perigosa e insustentável a situação externa de países periféricos e dependentes crônicos de poupança externa, exatamente como alguns países localizados no sudeste asiático. Ficou claro também como o agravamento de tal situação de desequilíbrio no balanço de pagamentos pôde levar esses países a uma crise cambial, financeira e de moeda cujas conseqüências acabaram por ser devastadoras para a economia daquela região da Ásia. O fenômeno que passou a ser comum nos países asiáticos dependentes, onde conjugava-se, ao mesmo tempo, crescimento insuficiente e baixo da renda nacional, taxa interna de poupança incapaz de atender a demanda por investimentos e, sobretudo, mal direcionamento do gasto interno (criando bolhas de consumo e alimentando processos especulativos 5 desnecessários), criou ainda um outro elemento a mais de insustentação dos déficits em contas correntes, prolongando-os perigosamente ao longo do tempo. Outros fatores, típicos em tais circunstâncias, também, é claro, começaram a surgir agravando sobremaneira o quadro de instabilidade e incerteza que, naquele momento, já nos levava a crer no desabamento completo do modelo econômico- financeiro dos chamados tigres asiáticos. Entre esses fatores estava, como de certo, um aumento contínuo e desafiador da dívida externa de alguns daqueles países, acompanhado de uma sensível diminuição nos influxos de investimentos diretos estrangeiros de longo prazo e, tudo isso, somado a uma quase inexistência de linhas de crédito oficiais externas. Tudo graças em grande parte ao próprio ambiente de total desconfiança em relação à solvência e a liquidez da maioria dos países do Sudeste da Ásia, que assim se viam impossibilitados de financiar, de um modo mais vantajoso, estável e seguro, seus perenes déficits externos. Déficits que ao que tudo indica precisavam e ainda precisam desesperadamente serem financiados, se possível com recursos de longo prazo, sob pena de fazer inviável o processo de crescimento e desenvolvimento econômico da quase totalidade dos países emergentes, incluindo aqueles situados no continente asiático. Segundo Roubini, a experiência asiática nos sugere a existência de um cenário macroeconômico de certa forma bastante cruel para com os países asiáticos e por que não dizer para também uma série de outros países emergentes, periféricos e dependentes do globo. O fato é que, por força de um conjunto infeliz de circunstâncias, tais países acabaram por ter que ir carregando, como o passar dos anos, um volumoso estoque de dívidas de curto prazo, onde os principais credores eram pertencentes à esfera privada, ou seja como se já não bastasse a ingrata situação de acumular irrefreadamente dívidas impagáveis, ainda se tinha que negociar pagamentos de juros e amortizações em prazos curtíssimos com credores, na sua maioria muito pouco flexíveis e imediatistas (como é o caso de grande parte dos bancos e demais fornecedores privados internacionais). Obviamente que, vivendo sob tais condições de endividamento era sempre patente e indisfarçável o risco de ocorrerem, por motivos de desconfiança generalizada na capacidade desses países honrarem seus compromissos externos, fugas em massa de capitais financeiros que, temendo a tomada por parte dos governos dos países asiáticos de determinadas medidas consideradas radicais como controle de câmbio ou desvalorização acentuada das moedas locais, acabaram por desencadear um processo feroz de ataque especulativo contra essas mesmas moedas. Mesmo porque, havia sempre pairando no ar a ameaça de uma recusa súbita dos credores internacionais em rolar, refinanciar ou repactuar os empréstimos concedidos aos países do sudeste asiático, o que certamente tornava muito mais crítico o quadro de desconfiança e pânico, reforçando, deste modo, as expectativas que os investidores já possuíam sobre o futuro trágico das moedas desses países, configurando então a iminência de ataques especulativos sem precedentes. Os índices elevados de participação das dívidas de curto prazo no montante total da dívida externa de boa parte dos países asiáticos e, o que é mais preocupante, o quanto, em termos percentuais, essas dívidas de curto prazo têm representado ao longo dos anos 90 quando comparadas com as reservas em moeda forte desses 6 países (o que nos fornece uma idéia mais precisa sobre a liquidez e a capacidade dos países asiáticos de honrarem em dia seus compromissos externos) é demonstrada nos dois quadros abaixo. O que deixa evidente o fato de que, meses antes da crise (fins de 1996) países como Coréia e Indonésia já não tinham como pagar suas dívidas de curto prazo com suas reservas cambiais, ao mesmo tempo em que Filipinas e Tailândia já tinham quase que totalmente comprometidas suas reservas com os pagamentos dessas dívidas de curto prazo. DÍVIDAS DE CURTO PRAZO (COMO PERCENTAGENS DO TOTAL DA DÍVIDA EXTERNA) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 CORÉIA 30,87 28,19 26,99 25,85 25,47 51,60 50,20 INDONÉSIA 15,92 18,00 20,52 20,17 18,05 20,87 24,98 MALÁSIA 12,43 12,14 18,18 26,58 21,13 21,19 27,83 FILIPINAS 14,48 15,24 15,93 14,01 14,29 13,38 19,34 SINGAPURA 17,51 18,92 19,91 17,87 13,28 14,56 19,81 TAILÂNDIA 29,63 33,13 35,22 53,01 60,67 72,36 41,41 HONG KONG 45,97 46,63 45,89 41,19 30,04 28,36 43,57 CHINA 16,85 17,89 19,01 17,80 17,40 18,91 19,72 TAIWAN 88,31 86,49 86,93 84,99 76,75 72,18 68,44 DÍVIDAS DE CURTO PRAZO (COMO PERCENTAGENS DOS SALDOS EM RESERVAS CAMBIAIS) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 CORÉIA 72,13 81,75 69,62 60,31 54,06 171,45 203,23 INDONÉSIA 149,28 154,62 172,81 159,70 160,36 189,42 176,59 MALÁSIA 19,54 19,05 21,12 25,51 24,34 30,60 40,98 FILIPINAS 479,11 152,31 119,37 107,68 95,00 82,85 79,45 SINGAPURA 2,65 2,67 2,35 2,04 1,75 1,78 2,60 TAILÂNDIA 62,55 71,31 72,34 92,49 99,48 114,21 99,69 HONG KONG 23,52 21,78 18,38 17,09 16,49 14,16 22,35 CHINA 31,49 24,68 66,76 68,33 33,04 29,62 23,74 TAIWAN 21,56 20,21 21,00 23,64 21,76 21,64 21,31 Além do mais, notava-se a existência de um outro aspecto fundamental que, sendo observado ao longo do tempo (principalmente durante os anos 90), permitiu complicar sobremaneira a já difícil situação dos países da Ásia. Afinal de contas, não é de hoje que se verifica nesses países uma constante absorção em larga escala de capitais estrangeiros de curto prazo, os chamados capitais voláteis (“hot moneys”), que são, a bem da verdade, altamente reversíveis, isto é, podem ser repatriados quase que instantaneamente a qualquer momento. Em tese, percebeu-se que, graças a extrema magnitude e intensidade dos influxos desses capitais especulativos (que visavam apenas o ganho imediato), os montantes de dinheiro externo que vinham continuamente entrando na maioria dos países asiáticos já eram bem mais do que suficientes para cobrir os déficits que esses mesmos países tinham em suas contas correntes (cobertura essa que, vale observar, se dava em condições de instabilidade 7 processo de crescimento econômico de todos esses países emergentes da Ásia. Confirmando a tese que acabamos de defender, apresentamos a seguir uma tabela e também um gráfico que indica claramente como, ao longo dos anos 90, os saldos comerciais da maioria dos países asiáticos tenderam sempre a ocupar a zona representativa de déficit (área negativa do gráfico), ou em alguns casos, a se situarem muito próximo a essa zona. SALDOS COMERCIAIS ASIÁTICOS (COMO PERCENTAGENS DO PIB) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 CORÉIA -0,81 -3,04 -1,42 0,06 -1,22 -1,63 -4,36 -1,44 INDONÉSIA 1,68 0,91 1,81 1,48 0,72 -0,76 -1,14 0,22 MALÁSIA 2,1 -3,74 1,39 -0,11 -1,59 -3,75 0,58 - FILIPINAS -5,73 -3 -4,27 -8,53 -8,95 -8,8 -9,44 -12,3 SINGAPURA 6,76 10,62 9,29 8,12 14,87 15,38 13,62 12,55 TAILÂNDIA -7,75 -6,88 -4,7 -4,56 -5,18 -7,09 -6,65 0,14 TAIWAN 4,74 4,39 1,69 1,6 1,66 1,61 3,45 2,35 Obs: Valores Negativos Representam Déficits Em que pese a necessidade de fazer com que as moedas asiáticas retornassem às suas cotações de equilíbrio e dessem um novo ânimo às exportações dos tigres, quase todos os países emergentes da Ásia (com exceção apenas de Coréia e Taiwan) insistiram na manutenção de regimes de câmbio fixo ao longo do período que antecedeu a crise e assim deixaram que suas moedas continuassem sobrevalorizadas. A propósito disso, Roubini, também compartilha da idéia de que os regimes cambiais adotados em alguns países da Ásia foram elementos decisivos para a não reversão das tendências de apreciação ou valorização de algumas moedas locais asiáticas em relação ao dólar norte americano e da correlação implícita existente entre o fenômeno da sobrevalorização excessiva dessas moedas e a crise fatídica de 1997. Inclusive, observando atentamente o comportamento das taxas de câmbio asiáticas vemos que na primavera de 1997 o valor real de algumas das moedas asiáticas tinham (tomando como base o ano de 1990) se apreciado de maneira significativa considerando os padrões internacionais. Para tanto, os números são claros, visto que na Malásia a moeda local, em termos reais, se valorizou frente ao dólar em 19%, nas Filipinas em 23%, na Tailândia em 12%, na Indonésia em 8%, na Singapura em 18% e 30% em Hong Kong. As exceções ficaram a cargo de países como Coréia e Taiwan, que contrariamente tiveram suas moedas depreciadas, em termos reais, na casa de 14% (Coréia) e 10% (Taiwan), devido basicamente aos regimes de câmbio mais flexíveis existentes nesses dois países (Coréia e Taiwan). Isso sem falar na China que também apresentou, nos últimos anos, uma forte desvalorização de sua moeda apostando em regimes de câmbio mais flexíveis (o que fortaleceu sobremaneira a poder de competição externa dos chineses, tornando mais difícil para os demais países asiáticos reverterem suas situações de desequilíbrio externo, levando ao agravamento da situação que em seguida levaria á crise). Voltando aos comentários de Roubini, fica evidente que, por de trás desses regimes que mantiveram sobrevalorizadas as moedas locais (regimes típicos de países como 10 Malásia, Indonésia, etc), está na verdade o uso do câmbio como uma espécie de âncora de suporte à política monetária desses países ou, em outras palavras, a idéia de buscar obter, através do câmbio fixo, um maior controle sobre o nível de preços interno que, servindo às estratégias de estabilização de algumas economias asiáticas, trouxeram como conseqüência (a partir do instante em que as taxas de inflação doméstica superavam os índices de inflação do resto do mundo), uma considerável apreciação do valor das moedas locais dos países que entravam nesse tipo de regime. A relação entre a valorização de determinadas moedas da Ásia e os seguidos déficits em conta corrente também é mencionada por Roubini, principalmente quando se constata que os países cuja moeda estava sobrevalorizada apresentavam piora nos seus déficits em conta corrente, enquanto países como China e Taiwan, que tinham experimentado depreciação no valor de suas moedas ostentavam superávits em suas contas correntes. À exceção apenas da Coréia que, graças a conjugação de outros fatores como crescimento exagerado, bolhas de consumo, especulação financeira, dificuldade em concorrer no mercado internacional com outros países, dentre outros, continuou a ter que arcar com seguidos déficits em sua conta corrente, em que pese o fato da moeda coreana ter sofrido um processo de depreciação real ao longo da década de 90. A seguir exibimos duas tabelas que tentam mostrar por um lado os contínuos déficits em conta corrente que foram norma em vários países emergentes da Ásia e, de outro, o processo de valorização das moedas asiáticas tendo como referência o ano de 1990 (base = 100) SALDO EM CONTAS CORRENTES (COMO PERCENTAGENS DO PIB) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 CORÉIA -1,24 -3,16 -1,7 -0,16 -1,45 -1,91 -4,89 INDONÉSIA -4,4 -4,4 -2,46 -0,82 -1,54 -4,27 -3,41 MALÁSIA -2,27 -9,08 -4,06 -10,11 -11,51 -13,45 -5,59 FILIPINAS -6,3 -2,46 -3,17 -6,69 -3,74 -5,06 -5,86 TAILÂNDIA -8,74 -8,61 -6,23 -5,68 -6,38 -8,35 -8,51 HONG KONG 8,4 6,58 5,26 8,14 1,98 -2,21 -2,43 CHINA 3,02 3,07 1,09 -2,17 1,16 0,03 0,52 TAIWAN 7,42 6,97 4,03 3,52 3,12 3,05 4,67 Obs: Valores Negativos Representam Déficit VALORIZAÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO REAL NOS PAÍSES DA ÁSIA - (1990 = 100) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 CORÉIA 96 91,5 87,7 85,2 84,7 87,7 87,2 INDONÉSIA 97,4 99,6 100,8 103,8 101 100,5 105,4 MALÁSIA 97 96,9 109,7 111 107,1 106,9 112,1 FILIPINAS 92,4 103,1 107,1 97,4 111,7 109,6 116,4 TAILÂNDIA 102,2 99 99,7 101,9 98,3 101,7 107,6 HONG KONG 99,7 103,9 108,5 116 114,5 116 125,8 TAIWAN 96,5 95,7 95,7 91,4 92,6 90,4 89,6 11 Já Krugman acrescenta que as taxas de câmbio asiáticas tornaram-se sobrevalorizadas principalmente em relação ao Japão, de cujo mercado dependia fortemente os países emergentes do sudeste asiático. Ainda segundo Krugman, tudo isso esteve ligado ao fato de que Tailândia, Malásia, Singapura, Filipinas e Hong Kong tinham suas moedas fixas em relação ao dólar justamente num momento onde se observava que as taxas de inflação nesses países eram superiores as taxas de inflação dos EUA e Japão e, concomitantemente a isso, o dólar americano vinha se valorizando contra o iene, fortalecendo, do ponto de vista comercial, o Japão comparativamente aos EUA e, numa escala bem maior, esse mesmo Japão comparativamente aos demais países do sudeste asiático. Deste modo, a conta corrente dos países asiáticos (excluindo a China) teria, segundo Krugman, passado de uma situação de superávit em 1993 (mais ou menos 5,5 bilhões de dólares) para cerca de 25 bilhões de dólares de déficit em 1995 e 35 bilhões em 1996. Em tese, o que se pretendeu dizer até agora, a respeito do grau de apreciação real da maioria das moedas asiáticas, está intimamente relacionado com as circunstâncias que deram início à crise na Ásia, pois o fenômeno de sobrevalorização cambial e a sua total falta de sustentabilidade a longo prazo (uma vez que a paridade fixa das moedas apreciadas não podia ser mantida por muito tempo - em parte devido aos desequilíbrios macroeconômicos e à própria volatilidade das reservas cambiais que, em princípio, estavam sendo freqüentemente usadas para defender a cotação dessas moedas no mercado) acabou por se configurar como um barril de pólvora a mais, dentre tantos, prestes a explodir, desencadear a crise e detonar seu nefasto mecanismo de contágio que, de uma só vez, abalou toda a economia emergente da Ásia, além de fazer com que uma série de outros países do mundo pudessem sentir na pele seus efeitos. Como já dissemos, moedas sobrevalorizadas levaram a perda de competitividade no comércio internacional da maioria dos tigres asiáticos (países que, segundo a tese de Roubini, competiam externamente com produtos similares e praticamente nos mesmos mercados). Como os desequilíbrios externos gerados por tal situação eram, por assim dizer, financiados com capital externo e como muitos desses empréstimos e demais fluxos financeiros de curto prazo não estavam protegidos contra possíveis desvalorizações da moeda local, ou seja, devido a política de câmbio fixo adotada nos países que recebiam dinheiro de fora, grande parte dos investidores e/ou credores (que direta ou indiretamente vinham fornecendo capital para sustentar a economia desses países) não estavam “redgeados”, todos, sem exceção, ficaram prontos a, dependendo da situação, repatriarem imediatamente seus capitais ou então suspenderem as operações de empréstimo e financiamento que eram direcionadas para os países da Ásia. O problema é que tal situação, (que na verdade era apenas uma expectativa de crise e não a crise real), induzia a todos a elaborarem as chamadas profecias que se auto cumprem, ou seja, quando os agentes econômico- financeiros, que operam nos mercados, acreditam que um determinado evento vai ocorrer, eles imediatamente são levados a tomar uma série de decisões que, visando se precaverem contra os efeitos negativos desse evento, acabam por desencadear na prática esse evento sobre o qual existia apenas uma expectativa de ocorrência. Também alimentando esse processo de profecias auto-realizáveis (que 12 rompe por completo a situação de equilíbrio e leva a sucessivas desvalorizações de parte a parte. Na tentativa de restabelecer os níveis de paridade até então existentes entre as moedas dos tigres asiáticos, fazer voltar à situação de equilíbrio anterior à crise e, antes de mais nada, evitar que as diferenças de paridade entre as moedas provocasse uma redução significativa nos saldos comerciais dos países com moedas menos desvalorizadas ou mais apreciadas (redução essa feita em benefício da correspondente melhora nos saldos comerciais daqueles outros países que tiveram suas moedas fortemente desvalorizadas), é que acabou-se entrando num processo quase que predatório e irracional, onde todos os países afetados de um modo ou de outro pela crise, concomitantemente resolviam depreciar, de forma desesperada e violenta, suas moedas visando manter, a qualquer custo, o grau de competitividade de suas exportações, principalmente em relação aos outros países da região que também desvalorizavam suas moedas. Esses tipos de atitudes, chamadas de desvalorizações competitivas por Roubini, é claro trouxe ainda mais instabilidade para a região do sudeste asiático, gerando um fluxo maior de saída de capitais por parte dos investidores estrangeiros que, constantemente submetidos a perdas nos valores reais de seus investimentos cotados em dólar e temerosos de que novas perdas pudessem ocorrer, não tinham outra alternativa senão transferirem suas aplicações para mercados mais seguros, estáveis e de menor risco. Expondo em mais detalhes a gravidade da crise asiática e seu efeito multiplicador de perdas nota-se, inclusive, que essas fortes desvalorizações trouxeram elevações drásticas nos valores das dívidas e nos seus serviços (juros), levando um sem número de empresas com passivos elevados em moeda estrangeira a amargarem prejuízos quase que irreparáveis ou até mesmo irem irremediavelmente à falência. Cumpre-se notar que tal fato acabou sendo um elemento agravante a mais verificado logo após o desencadear da crise de moeda na Tailândia em julho de 1997, visto que logo em seguida Coréia do Sul e Indonésia também começam a ver suas moedas se desvalorizarem e, em conseqüência desse flagelo, são justamente Coréia do Sul e Indonésia que em dezembro de 1997 e janeiro de 1998 respectivamente declaram moratória de suas dívidas externas, adicionando mais combustível à crise. 3. DESCONTROLE FINANCEIRO, BOLHAS ESPECULATIVAS E CRISE MORAL Pelo que se tem percebido até o momento, a compreensão dos diversos meandros e peculiaridades inerentes às causas da crise asiática pode ocorrer a partir de múltiplas abordagens. Abordagens que em realidade acabam por nos trazer à luz determinadas pré-condições que, de uma forma ou de outra, estiveram todo o tempo agindo sobre os alicerces do modelo econômico-financeiro que imperava no sudeste asiático, levando-o a um desmoronamento trágico que começou em meados de 1997 e se estendeu durante longos meses. Falando em modelos asiáticos, cumpre a par disso, citarmos Krugman que, por exemplo, põe em discussão, entre outras coisas, a crônica vulnerabilidade de boa parte das economias asiáticas, vulnerabilidade essa que permitiu que os efeitos nocivos de um ataque especulativo e de uma crise de moeda surgida num país específico da Ásia (no caso a Tailândia) pudesse se alastrar em questão de meses por toda a região do sudeste asiático, atingindo em cheio 15 países até então inseridos no rol das grandes potências emergentes do globo, como a Coréia. Entretanto, Krugman afirma que essa relação de contágio é perfeitamente compreensível quando se analisa mais especificamente a situação macroeconômica daqueles países emergentes da Ásia cujos sistemas econômicos e produtivos se mostravam mais interligados e apresentavam características mais próximas como é o caso de Malásia, Tailândia e Indonésia que, cabe lembrar, acostumaram-se a competir nos mercados internacionais se valendo, principalmente, da venda de grandes quantidades de produtos intensivos em mão-de-obra (não se encaixando, portanto, no modelo coreano de exportações). Partindo de tal constatação, vemos então que a situação de correlação econômica da Coréia com os outros três países asiáticos citados (Malásia, Tailândia e Indonésia) é bem menos contundente e bem menos explícita, não se configurando, deste modo, a existência de ligações econômico-competitivas mais estreitas entre os três países acima mencionados e a Coréia que, a bem da verdade, possui uma estrutura produtiva diferenciada em relação aos outros países do sudeste asiático. Sendo assim, para enfocarmos a crise asiática como um todo, desvendando-a a partir da análise de seus aspectos globais (aspectos esses que agiram ao mesmo tempo sobre uma gama diversa de países), não é suficiente apenas nos determos em circunstâncias como moedas sobrevalorizadas, desvalorizações competitivas e disputa predatória por mercados. Uma vez que, pela própria tese defendida por Krugman, a crise cambial asiática (fortemente marcada por uma sucessão, aparentemente sem fim, de violentas quedas no valor das moedas locais frente ao dólar e por uma total exaustão das reservas em divisas da maioria dos chamados tigres asiáticos), na verdade é, na opinião de Krugman, mera conseqüência, mero sintoma, dentre vários, que foram desencadeados pelo colapso dos mercados financeiros asiáticos. Colapso que, sob certo ponto de vista, foi nada mais nada menos do que a própria corporificação da chamada crise asiática. Crise que, segundo as próprias palavras de Krugman, teve sua origem fundamental associada a uma brutal inflação de preços de ativos de investimento que, num dado instante e de forma abrupta e violenta, teve que necessariamente ser corrigida e ajustada de acordo com padrões de avaliação mais realistas. Considerando as teses e os princípios levantados, expostos e defendidos por Krugman, somos então obrigados a sair em busca de outros elementos e fatores que, inerentes a todos os países daquela região da Ásia que foram “contaminados” pela crise cambial (sofrendo, cada um a seu modo, diversas modalidades de ataques especulativos contra suas respectivas moedas), deverão finalmente nos conduzir a novas e impressionantes constatações, levando-nos ao descobrimento de determinadas facetas econômicas, financeiras e políticas típicas entre os tigres asiáticos afetados pela crise. Facetas que nos permitirão a revelação de causas mais profundas associadas com a crise de 1997. Determinado a desvendar essas facetas, Krugman resolve apostar todas as suas fichas numa teoria causal que destaca primeiramente um processo de excessivo endividamento dos agentes econômicos e financeiros asiáticos favorecido em grande parte por políticas de crédito exageradamente expansivas. Desta maneira, ainda 16 segundo Krugman, a crise cambial que se instalou na Ásia pode ser vista como conseqüência de um grave e forte desajuste nos mercados monetários e de crédito asiáticos, desajustes que, diga-se de passagem, eram perfeitamente observáveis em todos os países afetados pela crise. A magnitude desses desajustes (que variavam de país para país) fica bastante evidenciada na medida em que nos defrontamos com o que já vinha acontecendo em períodos anteriores à crise, ou seja, uma incrível onda de superinvestimentos financiados com crédito externo farto e barato. Crédito que era canalizado e intermediado através de um conjunto de instituições financeiras bancárias e não bancárias de caráter local que, na verdade, compunham um sistema na sua maior parte totalmente endividado e alavancado em dólares (elevando sobremaneira o risco cambial das operações) e, como se não bastasse, ainda mal regulamentado, mal fiscalizado pelas autoridades de cada país e, o que é pior, mancomunado com os poderes públicos que, aceitando, avalizando e, de certo modo até, contribuindo diretamente para expandir ainda mais as orgias de investimento e gastos desproporcionais à riqueza efetivamente produzida em cada país, só fez por elevar continuamente, de forma ostensiva, o verdadeiro castelo de cartas em que se transformou o sistema financeiro asiático, sistema esse montado sobre uma extensa pirâmide de empréstimos, emissão frenética de papéis (em geral lançados em cima de garantias governamentais) e incontáveis compromissos de pagamento futuro. Pirâmide que, frise-se, tinha suas bases fundadas sobre uma riqueza essencialmente monetária, especulativa e volátil. A inflação de preços de determinados tipos de ativo de investimento como ações, imóveis, terras, dentre outros, que se seguiu a esse fenômeno de super-avalancagem das operações financeiras e de crédito produziu aquilo que todos chamavam à época de bolha especulativa. Bolha que, saliente-se, também esteve intimamente relacionada com um excesso de otimismo nunca antes visto e que foi, em grande medida, resultado de períodos longos e ininterruptos de crescimento econômico pelos quais passaram os tigres asiáticos. Isso sem mencionar o fato de que as taxas de consumo, renda e investimento também se mostraram sempre elevadas durante um bom período de tempo, ampliando ainda mais o clima de otimismo exagerado e extremada confiança no futuro verificada concomitantemente ao surgimento da tal bolha especulativa. Os quadros que apresentamos a seguir confirmam de modo incontestável o “boom” de crescimento dos chamados tigres asiáticos e dos elevados índices de investimento verificados nesses países ao longo dos anos 90. ÍNDICES DE CRESCIMENTO DO PIB VERIFICADOS ENTRE OS PAÍSES EMERGENTES DA ÁSIA (EM PERCENTAGENS) 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 CORÉIA 9,13 5,06 5,75 8,58 8,94 7,10 5,47 INDONÉSIA 6,95 6,46 6,50 15,93 8,22 7,98 4,65 MALÁSIA 8,48 7,80 8,35 9,24 9,46 8,58 7,81 FILIPINAS -0,58 0,34 2,12 4,38 4,77 5,76 9,66 SINGAPURA 7,27 6,29 10,44 10,05 8,75 7,32 7,55 TAILÂNDIA 8,18 8,08 8,38 8,94 8,84 5,52 -0,43* TAIWAN 7,55 6,76 6,32 6,54 6,03 5,67 6,81 HONG KONG 4,97 6,21 6,15 5,51 3,85 5,03 5,29 17 metalurgia, automóveis e transporte aéreo (indústrias cuja demanda era declinante e que, em razão disso, gerava capacidade ociosa, lucros marginais e quase nenhum ganho de eficiência). Além disso, consumiram-se fortunas na construção de campos de golfe, condomínios e escritórios de luxo, sem falar que bilhões foram enterrados em projetos faraônicos do governo que, assim como todos os outros gastos citados, não tinham a menor condição de gerar o retorno necessário para a cobertura dos empréstimos. Assim desta maneira, sem tornar sustentável o processo de crescimento econômico via elevação dos índices de produtividade e melhora no grau de eficiência alocativa dos recursos disponíveis, acentuou-se a tendência de um esgotamento do ciclo de prosperidade e riqueza material dos tigres que, apesar de tal fato, dispunham ainda de astronômicas somas de dinheiro em circulação (que na verdade vinham sendo fomentadas pela crescente escalada financeira mundial e mantidas em expansão pelos bancos locais e pelos agentes especuladores). O incrível disso tudo é que a oferta excedente de moeda e crédito produzia uma demanda artificial que, de certo modo, fazia nascer a tal da bolha apenas em mercados específicos (como aqueles já citados, ações, imóveis, terras, etc) não expandindo seus efeitos inflacionários para os setores de bens e serviços das economias asiáticas, ou seja, o fenômeno da bolha não causava uma inflação geral, de caráter galopante, nas economias asiáticas1. Aperfeiçoando a análise a respeito do fenômeno da bolha especulativa, Aluízio Beviláqua, autor do livro “Crise na Ásia – O Tufão e a Muralha de Papel, ressaltou numa de suas palestras, a existência de uma teoria que busca justificar a bolha especulativa como um desequilíbrio entre a oferta de dinheiro, de capital monetário e de títulos negociáveis e a respectiva base produtiva real e palpável existente na economia dos tigres. Na verdade, ainda segundo Aluízio Beviláqua, é um ciclo perene de especulação que cria as condições desse desequilíbrio e colabora no sentido de desenvolvê-lo. Desequilíbrio que se dá quando a base financeira se desloca, se desprende da base produtiva. Explicando em outras palavras poderíamos raciocinar da seguinte forma: Na medida em que produção e moeda passam a oscilar de uma maneira quase que independente uma da outra, verifica-se, na maioria das vezes, que a produção real de bens e serviços, está sempre, ao contrário da moeda, limitada pela evolução ou não dos índices de eficiência e eficácia da economia como um todo. Evolução que deveria ocorrer pelo acúmulo constante de uma determinada quantidade de capital físico e intelectual que fosse capaz de gerar aumentos significativos na produtividade geral do país, alavancando, sob bases sólidas, seu potencial de produção e de formação de riqueza material concreta e visível. A questão é que, no caso dos tigres asiáticos, foi detectado o atingimento do ciclo máximo de expansão do capital produtivo (como, a propósito, já foi mencionado anteriormente). 1.O que pode ser perfeitamente explicado se levarmos em conta o fato das moedas da maioria dos países da região estarem sobrevalorizadas, criando a chamada âncora cambial que, barateando as importações, inibia a elevação de determinados custos internos; além do fato dos déficits em conta corrente estarem servindo como uma espécie de amortecedor das pressões de demanda interna, ou seja, qualquer acréscimo na demanda por algum produto que superava o nível de oferta interna era suprida por meio do aumento das importações que, produzia mais déficit em 20 conta corrente, mas conseguia restabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda interna, impedindo o recrudescimento do processo inflacionário. Esgotando-se o processo de crescimento sustentado das economias dos tigres, viu- se em seguida algo no mínimo paradoxal, ou seja, o chamado lado financeiro das economias asiáticas insistindo em, sob todas as formas e a qualquer custo, continuar alimentando um modelo econômico que (como foi exaustivamente falado) não tinha mais quaisquer condições de produzir ganhos reais significativos. E fazia isso expandindo a oferta de recursos monetários e de crédito além das necessidades reais demandadas pelo sistema econômico. Sendo assim, observou-se então àquela época, a inexistência de uma base econômica capaz de absorver de forma produtiva, rentável e eficaz as excessivas quantidades de moeda e crédito disponibilizadas no sistema, e o resultado acabou sendo o redirecionamento desses recursos financeiros para mercados que se limitavam a negociar e a renegociar ativos já existentes, formando então a bolha especulativa ou bolha de ativos. A gênesis da bolha também pode ser entendida sob um outro ponto de vista. Como já dissemos, os altos índices de crescimento econômico, o intenso fluxo de capitais, a farta disponibilidade de recursos para investimento, a profusão de avais e garantias e, sobretudo, a crença inabalável na existência de um milagre e de um ciclo de prosperidade aparentemente inexaurível, conduziu a um aumento exagerado na confiança que os agentes econômicos, financeiros e políticos asiáticos tinham a respeito de seus negócios (no caso dos agentes econômicos e financeiros) e também a respeito de seus programas de governo (no caso dos agentes políticos). Na medida em que todos raciocinavam desta maneira, tornava-se então cristalino na mente das pessoas a idéia de que era perfeitamente possível obter lucros cada vez maiores no futuro, ao mesmo tempo em que também se acreditava na possibilidade certa de trazer mais prestígio e poder para os países daquela região asiática, afiando ainda mais as garras dos “temidos tigres”. Porém, o espetacular nisso tudo era que os agentes asiáticos acreditavam piamente no fato de se poder chegar a tais resultados sem correr praticamente nenhum risco, já que todas as perspectivas e projeções apontavam sempre para o sucesso dos países, das empresas e dos indivíduos situados no sudeste asiático, escamoteando, de uma certa forma, as inconsistências, os desequilíbrios estruturais e a insustentabilidade a longo prazo do chamado milagre. Infladas, portanto, as expectativas, acalentava-se então, de modo inquebrantável, o sonho de que era possível, a partir do investimento em determinados negócios ou em determinados ativos, amealhar altas taxas de retorno a um risco relativamente baixo ou quase nulo, visto que se tinha como certa as garantias expedidas pelos governos locais, se acreditava que jamais faltariam recursos para financiar as operações e rolar as dívidas e também se supunha que as taxas de crescimento continuariam sendo elevadas e que a força exportadora dos tigres não diminuiria tão cedo. Obviamente que o surgimento de ativos ou de negócios supostamente de grande rentabilidade e de baixo risco fazia a todos vislumbrarem o “melhor dos mundos”, ou seja, era a descoberta dos investimentos perfeitos. Tal fato, como não podia deixar de ser, levou os agentes econômicos e financeiros asiáticos a montarem suas carteiras baseadas justamente nesses ativos considerados “fantásticos” (levando também os próprios bancos e demais intermediários financeiros não-bancários a subverterem as avaliações de risco dos 21 empréstimos que faziam ou do dinheiro que repassavam). A procura intensa e contínua por papéis e ativos de investimento como imóveis, ações, etc tidos como miraculosos (além da alavancagem de outras modalidades de negócio), trouxe como repercussão o fenômeno da crescente valorização no preço dos ativos existentes. Valorização que, fundada em análises e projeções distorcidas de risco e retorno, fizeram com que tais ativos acabassem valendo bem mais do que aquilo que seria considerado razoável em condições normais. Vemos então que, no caso asiático, os agentes, na verdade, passaram a confiar demais nos seus cálculos de lucro futuro e projetaram fluxos de caixa excessivos, interferindo sobre os fundamentos de avaliação e precificação dos ativos, conduzindo ao fenômeno da supervalorização que, em realidade, ganha a conotação de bolha especulativa, uma vez que muitos dos desajustes verificados ao longo do processo de mensuração e análise dos ativos estavam sendo causados pelas práticas manipuladoras e formadoras de tendência dos especuladores que atuavam nos mercados. Mesmo esclarecendo em linhas gerais aquilo que poderíamos chamar de “fundamentos teóricos” ligados à formação da bolha, contudo, ainda falta-nos entender o porque da manutenção, por longos períodos, desse tipo de situação totalmente irreal, ou em outras palavras, por que razão não entraram em ação mecanismos de equilíbrio destinados a, gradativamente, desaquecer a economia dos países que se viam submetidos a esse processo surrealista que fatalmente levaria a uma grave crise ao menor sinal de retrocesso nas expectativas dos agentes envolvidos, expectativas que, em suma, estavam mantendo em estado de permanente super euforia os mercados asiáticos, apesar das fortes evidências que apontavam na direção inversa, ou seja, para um esgotamento do modelo econômico- financeiro vigente e também para a necessidade de um maior controle dos déficits em conta corrente daqueles países, para a urgência em se proceder a profundas reformas estruturais nas economias asiáticas, para uma maior austeridade monetária e fiscal, para uma eficaz regulamentação dos sistemas bancários e para uma flexibilização gradual e assistida das taxas de câmbio. Analisando a situação sob um outro prisma, em tese, o que deveria ter ocorrido na Ásia (se seus mercados fossem, em geral, ao menos um pouco “eficientes”) era vermos os fundamentos dos ativos atuando como parâmetros que indicariam aos agentes a possibilidade real de uma queda nos retornos percentuais futuros daqueles ativos cujos preços se encontram sobrevalorizados devido à alta procura, fazendo esses ativos menos atrativos para compra e atenuando assim o processo de elevação constante do preço desses mesmos ativos. Ou em outras palavras, se um determinado papel ou investimento que vale hoje $ 100 e que tem um retorno projetado de digamos $ 50 para os próximos 12 meses (oferecendo, portanto, um retorno de 50% ao ano) apresenta, de um instante para outro uma elevação no seu preço (passando a valer agora, por exemplo, $ 200), a tendência seria haver uma queda na procura por esse ativo, acompanhada em seguida por uma redução correspondente do seu valor, uma vez que o ganho projetado de $ 50 estaria agora representando, para o investidor no momento da compra, um retorno percentualmente menor (25 % ao ano), pois estaria sendo calculado sobre o valor atual do ativo, ou seja $ 200. Supondo que os agentes tivessem bem clara essa 22 garantias patrocinadas pelos governantes locais e dentro de um ambiente dominado pela mais pura licenciosidade, podiam continuar a amealhar lucros aparentemente fáceis e sem risco. Vivendo então sob um clima de total permissividade e falta de moral, os tigres asiáticos foram legitimando um tipo de cultura e um modo peculiar de se fazer as coisas que ia se evidenciando na medida em que, por exemplo, empréstimos bancários eram realizados graças a influências políticas mesquinhas que tinham como principal motivação satisfazer redes de interesse e agradar aos apadrinhados. Além disso, muitos desses acordos e conchavos se davam às escondidas e de forma totalmente espúria, tornando-se muito difícil averiguar o que realmente pertencia ao Estado e o que era de propriedade da iniciativa privada. A verdade é que tal conjunto de circunstâncias também acabava fazendo com que muito do dinheiro público acabasse sendo emprestado em condições incrivelmente excepcionais a empresas que os governos de então consideravam como vitais e estratégicas para a economia ou para o prestígio do país, o que muitas vezes significava apenas um pretexto a mais para satisfazer interesses privados ou então para realizar desejos idiossincrásicos dos governantes e das autoridades de plantão. Apenas a título de ilustração, na Tailândia existiam pelo menos 58 empresas tecnicamente falidas que o governo de então vinha mantendo apenas porque as famílias que controlavam essas empresas tinham conexões políticas em Bangcoc. Já na Indonésia o problema maior era o nepotismo oficializado e os esquemas abertos de favorecimento ilícito, onde, por exemplo, a família do presidente Suharto desenvolvia uma série de negócios com juros subsidiados por bancos estatais. Ao mesmo tempo em que os recursos financeiros existentes eram distribuídos a partir de motivações espúrias, não havia também, em quase nenhum dos casos, uma análise objetiva, por exemplo, do perfil dos tomadores, das condições do mercado e, ainda por cima o risco das transações pesava pouco nas decisões de crédito. Porém, essa realidade de malbarateamento de grandes somas em dinheiro se torna mais assombrosa se atentarmos para o fato de que, no final das contas, um grande número de instituições intermediadoras e repassadoras dos fundos disponíveis e até do sistema financeiro asiático como um todo estavam ali apenas objetivando promover a canalização de capitais para a aplicação em projetos de prioridade questionável, de alto risco e com retorno incerto3. 3. Segundo Krugman, havia também uma estranha lógica quando da decisão em se canalizar recursos para aplicações em projetos mais arriscados e de ganho duvidoso. Em tese, como as operações engendradas por esses intermediários possuíam o aval e a garantia das agências governamentais (fazendo o risco de perda total se igualar a zero em qualquer hipótese), era preferível para eles, ao invés de apostarem em alternativas de investimento mais seguras (que ofereciam por exemplo, um retorno certo de 7), aplicarem altas quantias em projetos que poderiam render 20 supondo um cenário favorável e perda igual a zero num cenário completamente desfavorável (apostando sempre, é óbvio, na certeza das garantias oferecidas pelo governo). Ou seja, considerando probabilidades idênticas de ocorrência de cada um dos cenários levantados (favorável e desfavorável), o ganho médio esperado chegaria a 10, representando assim um lucro superior aos investimentos mais seguros e de retorno previsível e certo. Incorporando esse espírito os bancos coreanos, por exemplo, resolveram emprestar candidamente 13 bilhões de dólares a chaebols (gigantescos conglomerados empresarias característicos da Coréia) que nitidamente apresentavam sérias restrições em termos de saúde financeira. Em resumo, o que se verificava era uma boa parte do dinheiro fácil captado no exterior sendo jogado nos mercados via 25 empréstimos de “pai para filho” e também via investimentos desnecessariamente arriscados que, em realidade, se viam amparados (eles todos) mais em interesses políticos, alianças pecaminosas e promessas de ganhos sem esforço e acima da média, do que na qualidade, na eficiência e no retorno produtivo que obrigatoriamente deveriam resultar de tais gastos. Sendo assim, todo esse conjunto de práticas serviam, em última instância, como mantenedoras e alimentadoras do descompasso e do desencontro financeiro vigente àquela época nas economias do sudeste asiático que por fim levaria ao estouro da bolha e à crise. 4. A INVIABILIDADE DO MILAGRE ASIÁTICO E A CRISE Têm se demonstrado até aqui com extrema clareza que a crise asiática de 1997 foi, no frigir dos ovos, nada mais nada menos do que o resultado combinado de uma complicada teia de fatores e circunstâncias de caráter sui-genêris que, imersas num ambiente de indiscriminada globalização, fez imediatamente vir à superfície uma série de desequilíbrios estruturais importantes relacionados principalmente ao modo como se desenvolveu efetivamente o chamado “milagre do sudeste asiático”. Entre os tantos desequilíbrios associados com o milagroso modelo de crescimento dos tigres estava, sem sombra de dúvida, um brutal descompasso patrimonial entre ativos e passivos que, conforme nos ensina Otaviano Canuto num de seus artigos, se revelou evidente junto aos agentes econômicos e financeiros asiáticos. Descompasso que era marcado, por um lado, pelo fato de haver no período pré-crise, um significativo número de instituições, em especial as não-bancárias (além de vários outros tipos de intermediários financeiros), carregadas especulativamente com ativos que, na prática, possuíam baixíssima liquidez e difícil retorno, vis-à-vis um enorme acúmulo de débitos e compromissos de curto prazo e, de outro lado, pela existência de um excessivo grau de endividamento por parte de gigantescos conglomerados empresarias (em especial, os coreanos) que, procurando exacerbar o espírito asiático de agressividade econômica até então vigente naqueles países emergentes, apostaram demasiado alto na vitória inabalável dos tigres nos mercados internacionais e desgraçadamente em seguida acabaram perdendo, em virtude do novo quadro de competição comercial que se formava àquela época, boa parte de suas receitas de exportação (que num passado não muito distante eram sempre crescentes) e, e conseqüência disso, perdendo também as garantias de retorno e de solvência financeira de seus negócios. Negócios que tinham no avanço constante dos volumes de exportação a fonte primária e fundamental de alavancagem e crescimento dos fluxos de caixa dessas grandes organizações empresarias asiáticas que, vendo seriamente impactados seus desempenhos comerciais externos, ficaram às voltas com seus descompassos patrimoniais (nascidos de portentosos investimentos) e que amargamente mostravam-se inapelavelmente refletidos sob a forma de elevados índices de capacidade produtiva ociosa. Demonstrando cabalmente que o modelo de desenvolvimento econômico asiático de então estava com seus dias contados e teria seu fim sancionado pela crise que viria logo em seguida. Sendo assim, passando a ser notória a percepção de que a gravidade desses descompassos (tanto de ordem econômica como financeira) exigiria, dentro de um 26 breve intervalo de tempo, uma imediata e impiedosa liquidação, a qualquer preço, de toda aquela montanha de ativos (reais e financeiros) excessivamente alavancados, visando, em última análise, restabelecer o equilíbrio técnico das operações, iniciou-se um processo, muitas vezes até aleatório, de tomadas de decisões que os especialistas chamaram de efeito caixa, ou em outras palavras, a necessidade imperiosa de liquidação dos ativos. Situação que, segundo muitos, poderia ser considerada como uma das principais causas imediatas da crise asiática. Entretanto, é crucial que seja observado que os aspectos relacionados, direta ou indiretamente, ao fenômeno do descompasso patrimonial asiático, foram na verdade, elementos sempre presentes durante os longos períodos de prosperidade experimentados pelos tigres e que ficaram conhecidos como os tempos do milagre. Em suma, a extrema ousadia dos investimentos produtivos da região (investimentos que tempos depois se revelariam em grande parte ineficientes), a ausência de critérios de avaliação dos riscos normalmente associados aos negócios que eram feitos (principalmente os de maiores proporções), a farta profusão de garantias estatais de última instância, dentre outros aspectos, são todos postos, pelos estudiosos do assunto, como pré-requisitos essenciais para fomentar, desenvolver e levar adiante o chamado milagre dos tigres asiáticos. Milagre que lançou as sementes que fizeram nascer uma euforia enlouquecedora nos mercados, transformando, como dizia Otaviano Canuto, apostas especulativas aparentemente virtuosas em saltos no precipício, pois, no fundo, “milagres”, na maioria das vezes, não podem se manter artificialmente por muito tempo convivendo, sobretudo, com graves distorções macroeconômicas (como déficits em conta corrente, excesso de endividamento externo, desequilíbrios fiscais, reservas voláteis, etc). Ou seja, tudo enfim tem que acabar um dia, de um jeito ou de outro. Trabalhando a partir da óbvia constatação de que milagres artificiais são insustentáveis, Krugman, por exemplo, anos antes da crise asiática, chegou a levantar uma hipótese que, apesar de controversa, ao menos tentava explicar o porque da inviabilidade a longo prazo do milagre econômico apresentado pelos tigres asiáticos. Paul Krugman resolveu então defender uma tese baseada na exaustão dos fatores produtivos que vinham desde então potencializando o alto crescimento econômico desses tigres. Além disso, Krugman apontava que tal exaustão ou esgotamento (que levou ao fim os ciclos de investimento produtivo no sudeste asiático) se deu, uma vez concluídas duas etapas consideradas como decisivas no processo de desenvolvimento das economias emergentes da Ásia: primeiro a incorporação em setores industriais modernos, dos imensos contingentes de camponeses subempregados característicos da região; e segundo, pela universalização da educação que capacitava minimamente essas pessoas para o trabalho produtivo. Paralelamente a estes dois episódios, eram também detectadas durante os períodos do milagre, altas taxas de poupança e investimento, o que permitia a contínua absorção de grandes contingentes de mão-de-obra. Com a ressalva, é claro, de que uma vez plenamente utilizadas essas fontes de produção, necessariamente as taxas de crescimento na região teriam de acomodar-se em níveis mais baixos. Entretanto, Krugman, foi mais adiante na sua análise e também concluiu que o uso dos fatores de produção, disponíveis em abundância nos países que viviam 27 apresentada por Canuto, “...este processo, materializado através de certa divisão e repasse intra-regional de tarefas, defrontou-se com dificuldades para manter a exuberância de seu ritmo.” Tentando localizar onde estariam essas dificuldades, Canuto continua dizendo: “...O Japão especializou-se crescentemente nos segmentos tecnologicamente mas sofisticados em indústrias como eletrônica, telecomunicações, automobilística e bens de capital. Os tigres cresceram em direção a atividades de fabricação intensiva em mão-de-obra qualificada naqueles ramos, integrando-se ao drive exportador japonês. Por seu turno, os chamados tigrinhos ocuparam espaços anteriormente ocupados pelos tigres na produção e exportação em setores tradicionais intensivos em mão-de-obra não qualificada, como calçados, vestuários e montagem na eletrônica e na automobilística. A integração em redes de produção de âmbito regionalmente internacionalizado teve, como suporte, fluxos de investimento direto ou joint-ventures, além de crédito bancário, acordos de transferência tecnológica e venda de componentes e equipamentos, da frente para trás na revoada de gansos”. Partindo dessa análise, Canuto conclui que: “...Levando-se em consideração as óbvias dificuldades de homogeneização pelo alto, ou seja, de todos os países tornarem-se réplicas do Japão ou mesmo dos tigrinhos virarem tigres, a máquina exportadora asiática só poderia continuar crescendo acima do mundo mediante ampliação colossal em suas parcelas nos mercados dos Estados Unidos e na magnitude do déficit comercial deste país.” Nos inspirando nas palavras de Canuto fica claro perceber destacadamente o fato de que, em realidade, era o Japão o fiel da balança que comandava e, em última instância, dava o tom ao modelo de crescimento do sudeste asiático, já que tudo era feito “da frente para trás na revoada de gansos”. Ou seja, essa expressão “revoada de gansos” nos faz imaginar o Japão como o principal alicerce, como a mola propulsora do milagre asiático, já que de acordo com a metáfora cunhada pelo economista japonês Kaname Akamatsu (a dos “gansos voadores”), o Japão teria sido o líder da formação de gansos (sendo o primeiro país a decolar na Ásia e, portanto, estando “à frente” desse processo), seguido pelas cidades-entrepostos (Hong Kong e Singapura) e pelos países médios (Coréia e Taiwan), engrossando-se o vôo nesta década com os outros países do sudeste da Ásia (como Tailândia, Indonésia e Malásia). Colocando o Japão no centro das atenções, conclui-se facilmente que a situação de recessão vivida por este país (que teve o seu momento crucial no início dos anos 90 quando a bolha de ativos japonesa estourou, devido ao aumento nas taxas de juros que, acompanhada do fim do ciclo de crescimento japonês, levou a uma forte recessão durante o triênio 1993-1995 e estagnou a economia japonesa mesmo com a posterior queda nos juros nominais patrocinada pelo governo do Japão) serviu, sem sombra de dúvida para primeiro, por em baixa um dos pilares que sustentavam o milagre dos tigres e segundo, para exacerbar a situação de crise no sudeste asiático, dada as interligações produtivas financeiras e de crédito existentes entre o Japão e os demais tigres. Em adição a isso tudo, talvez seja bastante provável que o problema do milagre asiático esteja também relacionado com as próprias transformações globalizantes ocorridas pelo mundo afora e que impuseram a adoção de novos paradigmas e sacramentaram outros tipos de valores e fórmulas de convivência que, conforme indicavam os fatos e as evidências, estavam entrando em total dissonância e se 30 chocando violentamente com os métodos de ação que de há muito tempo já vinham sendo postos em prática por de trás das cortinas de bambu que separavam o sudeste asiático do resto do mundo. Com efeito, a instauração de regras mais duras de competição, o surgimento de uma concorrência mais acirrada e a consolidação de uma dinâmica de mercado mais flexível e multifacetada, de certo modo acabou realçando em cores mais nítidas todo um universo de distorções que sempre foram uma marca característica da maioria dos países da Ásia (o que inclui até o Japão), e que durante muito tempo viveram disfarçadas sob fantasias de tigre ou então de ganso voador. Em última análise, todos esses países, em menor ou maior grau, desenvolveram ao longo de décadas um tipo especial de capitalismo: o que os americanos chamam de “crony capitalism”, ou em outras palavras, conforme disse certa vez o economista Roberto Campos, o capitalismo dos “cupinchas”, revelando, ainda segundo Campos, a influência de critérios político-burocráticos nas decisões de investimento em detrimento dos critérios mais rigorosos impostos pelo mercado que faziam mais eficientes e promissores os investimentos. O déficit democrático inerente ao autoritarismo confunciano reinante na Ásia, também tiveram, de acordo com Campos, um insuspeitado poder de distorção que ajudou a conduzir à falência e ao desmoronamento o milagre asiático, redundando na famigerada crise de 1997. Finalizando, em artigo brilhante publicado na revista Business WeeK, Bruce Nussbasum também relaciona a desgraça do modelo político-econômico do Japão e do sudeste asiático com os tempos mais velozes que vieram na esteira do fenômeno de globalização dos mercados e de economias voltadas a um modelo reestruturado de laissez-faire, onde, ao contrário do tipo de planejamento incestuoso entre Estado e iniciativa privada praticado nos países da Ásia, quem comanda as ações e têm a cargo de si todos os riscos e os ganhos decorrentes das iniciativas econômicas são empresas e indivíduos independentes do julgo estatal, apesar de, é bom lembrar, devidamente regulados e fiscalizados pela sociedade e pelos poderes públicos. Ainda segundo Nussbaum, vigorava na Ásia durante o milagre uma política onde o mais importante era crescer rápido e não crescer certo. Vícios como falta de transparência, protecionismo, intervenção estatal e corrupção também foram elementos que afloraram no sudeste asiático neste período, apesar de serem, na verdade, traços resultantes de uma herança milenar. REFERÊNCIAS DE TEXTO E FONTES DE CONSULTA • “ As Causas da Crise Asiática” – autor Nouriel Roubini – site: www. stern.nyu.edu/ ~nroubini/NOTES/macro1(até 5).html • “ O Que Aconteceu Na Ásia” – autor Paul Krugman – site: web.mit.edu/krugman/ www/DISINTER.html • Artigos de Otaviano Canuto publicados no jornal “O Estado de São Paulo” – site: www.eco.unicamp.br/con_ artigos/assunto 31 • “ A Crise na Ásia ” – monografia apresentada por Suely Midori Hatakeyama – site: www.ime.usp.br/~bianconi/mono/intro.html • “ Economistas Avaliam A Crise Asiática ” – vários autores – site: fws.uol.com.br/ folio.pgi/fsp1997 • Palestra de Aluísio Beviláqua publicada no jornal INVERTA – site: www.inverta.com.br/espcrise.html • “ O Que Aconteceu na Ásia” - matéria publicada na revista EXAME (3/12/1997) autoria de Adriano Silva – site: www2.uol.com.br/exame/51eco.html • “ Será Que os Tigres Viraram Vegetarianos? “- artigo publicado por Roberto Campos no jornal “Folha de São Paulo” – site: fws.uol.com.br/folio/fsp1997.nfo • Tabelas Quantitativas extraídas da parte do final do texto “Quais as Causas da Crise Asiática” – autoria de Nouriel Roubini, Giancarlo Corsetti e Paolo Pesenti – site: www.stern.nyu.edu/~roubini/asia/AsianCrisis.pdf 32
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