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Guias e Dicas
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Os Fundamentos do Ateísmo, Notas de estudo de Direito

Esclarecimento do Ateísmo segundo André Cancian.

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 15/10/2008

PorDoSol
PorDoSol 🇧🇷

4.5

(202)

443 documentos

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Baixe Os Fundamentos do Ateísmo e outras Notas de estudo em PDF para Direito, somente na Docsity! OS FUNDAMENTOS DO ATEÍSMO André Díspore Cancian “Por simples bom senso, não acredito em Deus. Em nenhum.” Charles Chaplin Etimologicamente, a palavra ateu é formada pelo prefixo a  que denota ausência  e pelo radical grego theós  que significa Deus, divindade ou teísmo. Ou seja, a palavra ateu pode significar sem deus ou sem teísmo. Como a imprecisão desse primeiro significado o torna impróprio para representar a noção de descrença ateística, usa-se como base a acepção teísmo, que significa crença na existência de algum tipo de deus ou deuses de natureza pessoal. Neste caso, chegamos a uma definição mais coerente e clara de indivíduo ateu  aquele que não acredita na existência de qualquer deus ou deuses. Assim, quando queremos uma palavra que representa tal perspectiva, usamos o termo ateu ligado ao sufixo ismo, que, na língua portuguesa, é usado com o significado de doutrina, escola, teoria ou princípio artístico, filosófico, político ou religioso. E, deste modo, chegamos a uma definição bastante nítida do que é ateísmo: estado de ausência de crença na existência de qualquer deus ou deuses. Antes de tudo, é importante salientar que, comumente, a maioria dos ateus, quando se refere à sua posição, diz apenas que não acredita em deus/deuses. Isso não está incorreto, mas, na verdade, com isso quer dizer que não acredita na existência de deus/deuses. Afirmar apenas  não acredito em Deus pode dar margem à interpretação errônea de que a pessoa em questão acredita em sua existência, mas é contra Deus, contra seus mandamentos, ou então que não lhe dá qualquer crédito, o desacredita, o difama, fato este que, não raro, dá origem a vários preconceitos em relação à posição ateísta. Esclarecido este ponto, vejamos quais são os tipos de ateísmo existentes. Há várias modalidades de ateísmo, as quais diferem fundamentalmente quanto à atitude do indivíduo para com a idéia de uma divindade. Vale lembrar que tais classificações são meramente didáticas, feitas apenas para delinear as circunstâncias mais comuns em que o ateísmo pode ser encontrado. As duas modalidades-tronco são: 1.0)  ateísmo implícito; 2.0)  ateísmo explícito. A primeira, filosoficamente, é pouco relevante, e subdivide-se em: 1.1)  ateísmo puro; 1.2)  ateísmo prático. A segunda subdivide-se em outras duas variedades que são comumente denominadas: 2.1)  ateísmo passivo ou ateísmo cético; 2.2)  ateísmo ativo ou ateísmo crítico. 1.0)  O ateísmo implícito, como o próprio nome indica, é a variedade de ateísmo que existe tacitamente. Neste caso, o ateísmo não se fundamenta na rejeição consciente e deliberada da idéia de deus, baseada em conceitos filosóficos e/ou científicos, mas simplesmente existe enquanto um estilo de vida que não leva em consideração a hipótese da existência de algum deus para se guiar. O ateísmo implícito pode ser dividido em ateísmo puro e ateísmo prático. 1.1)  O ateísmo puro é o estado de ausência de crença devido à ignorância ou à incapacidade intelectual para posicionar-se ante a noção da existência de uma divindade. Nesta categoria entram todos os indivíduos que nunca tiveram contato com a idéia de um deus; por exemplo, alguma tribo, grupo ou povo que se encontre isolado da civilização e que seja alheio à idéia de um deus. Também se enquadram nesta categoria os indivíduos incapazes de conceber a idéia de um deus  seja isto por imaturidade intelectual ou por deficiências mentais; por exemplo, poderíamos citar crianças de pouca idade; pessoas que sofrem de alguma enfermidade mental incapacitante também se enquadram nesta categoria. 1.2)  O ateísmo prático enquadra aqueles que tiveram contato com a idéia de deus, ou seja, que conhecem as teorias sobre as divindades, mas não tomam qualquer atitude no sentido de negá- la, rejeitá-la ou afirmá-la, permanecendo, deste modo, neutros sobre o assunto. Os integrantes desta categoria comumente se classificam como agnósticos, isto é, aqueles que julgam impossível saber com certeza se há ou não uma divindade. Sob esta ótica, devido a essa impossibilidade, afirmam que seria inútil qualquer esforço intelectual no sentido de comprovar ou refutar a existência de um deus. Qualquer pessoa que tem conhecimento da existência das religiões e de suas teorias, mas vive sem se preocupar se há ou não algum deus ou julga impossível sabê-lo com certeza, sem rejeitar ou afirmar explicitamente a idéia de deus, é classificada como pertencente ao ateísmo prático. 2.0)  O ateísmo explícito é a rejeição consciente da idéia de deus. A causa desta rejeição freqüentemente é fruto de uma deliberação filosófica; contudo, não é possível fazer qualquer outras palavras, além de ser independente da moral, o ateísmo a precede em profundidade filosófica. Ou seja, na melhor das hipóteses, somente será possível deduzir, individualmente, valores a partir do ateísmo, mas nunca o ateísmo a partir dos valores. Daí a impossibilidade de a bondade, por exemplo, servir de respaldo a ele; e o mesmo vale para objeções ao ateísmo baseadas em delitos cometidos por indivíduos ateus. Há também uma grande tendência de se querer vincular a responsabilidade das ações à visão de mundo do indivíduo, e tal tendência está ligada à idéia de que esta vem sempre carregada de valores e deveres  neste caso, também vinculada ao mal-entendido de que o ateísmo é uma crença positiva. Por exemplo, se um cristão faz uma caridade em nome de Deus e usa a Bíblia para justificar tal feito, então se pode dizer que o cristianismo é, em certo grau, responsável por tal ação. Isso porque toda religião tem seus dogmas, suas verdades, seus princípios superiores, em suma, seu cânone  tu deves . Portanto, ela define o que é o bem e o que é o mal, o que é certo e o que é errado, e assim por diante. Diferentemente, o ateísmo encontra-se alheio a todo esse rebuliço de valores que os humanos cultivam. Se um ateu faz algo bom ou ruim, isso não se deve ao ateísmo, pois o ateísmo não diz coisa alguma a respeito do que devemos ou não fazer. O ateísmo não diz o que é o bem nem o que é o mal, muito menos o que é certo ou errado. Ele não arrasta consigo nenhuma espécie de valor, e é por isso que não se pode atribuir-lhe qualquer tipo de culpa ou responsabilidade. Tudo recai tão-somente sobre os ombros do arbítrio individual, não sendo possível qualquer espécie de generalização da causa de seu ato que venha a abarcar o ateísmo. Por isso, todo ateu que defende valores morais específicos  mesmo se forem de benevolência e de caridade  sem deixar claro que isso não tem qualquer relação com sua descrença, estará, sem perceber, prestando um grande desserviço aos ateus. Talvez a intenção seja boa, isto é, pense que com isso está revertendo o estereótipo negativo que tipicamente se tem dos ateus  de que são todos pervertidos, frustrados, imorais, insensíveis, criminosos. O problema, naturalmente, reside no fato de que esse contra-ataque pressupõe a falsa idéia de que o ateísmo deve se defender de acusações morais  e isso só termina por gerar mais confusão ainda. A personalidade dos ateus não tem qualquer relação direta com o ateísmo. Todos esses estereótipos sociais de como os ateus são não passam de preconceito, ilusão, pois, como vimos, o ateísmo não é capaz de justificar nada disso. O fato de algum ateu ser altruísta ou egoísta, bondoso ou maldoso, compassivo ou cruel é apenas reflexo de seu temperamento e dos valores adotados pelo indivíduo em particular. Não delinear essa distinção entre o ateísmo e a moral faz com que as pessoas pouco aprofundadas no assunto se acostumem a encarar os padrões comportamentais dos indivíduos descrentes como uma conseqüência de seu ateísmo; ou seja, do mesmo modo que os ateus caridosos darão uma boa imagem ao ateísmo, os ateus criminosos irão macular e infamar sua imagem. Além de isso dar luz a diversos e indesejáveis estereótipos, estes ainda ocultam a verdadeira face do ateísmo  a neutralidade. Portanto, ateus não compartilham necessariamente qualquer similaridade, exceto a descrença, é claro. Ateus podem ser bons ou maus, santos ou pervertidos, altruístas ou egoístas, individualistas ou coletivistas; podem ser democratas, comunistas, anarquistas ou monarquistas; podem ser filósofos, médicos, psicólogos, professores, eletricistas, lixeiros, escritores, comerciantes, alpinistas, atores ou qualquer outra coisa. O ateísmo, em si mesmo, é estritamente neutro, e, portanto, vazio de quaisquer implicações morais ou filosóficas. Ateísmo é apenas o nome que se dá ao estado de ausência de teísmo  ou seja, tão-somente a ausência de crença na existência de quaisquer deuses. E, enfim, se pode ser dito que os ateus têm algo em comum, este algo é exatamente não ter nada em comum, pelo menos não necessariamente, como uma regra geral. Todas as pessoas, um dia, já foram ateístas  sem exceção. Todos os bebês nascem sem discernimento suficiente para compreender a noção de um deus. Como vimos acima, esse estado é enquadrado como uma categoria de ateísmo. É claro que não se trata de uma descrença deliberada, mas demonstra quão absurdo é tentar derivar qualquer espécie de conseqüência do fato de alguém ser ateu. Certamente os religiosos fervorosos objetarão essa idéia, dizendo que é injusto taxar qualquer pessoa incapaz de formar seu juízo a respeito do assunto como uma ateísta. Contudo, vejamos: injusto por quê? Há algo de errado em ser ateu? É sinal de perversão, insanidade? É claro que não (talvez sim para alguns teístas intolerantes...). Mas, enfim, nesta situação, a palavra parece estar descrevendo perfeitamente a perspectiva do indivíduo em relação à idéia da existência de divindades. Por exemplo, certamente ninguém levantaria objeções à pretensão de classificar um bebê como um indivíduo apolítico por ser incapaz de conceber o que é a política e posicionar-se em relação a ela; tampouco à idéia de que todos eles são analfabetos. Como se pode dizer, afirmou Richard Dawkins, que uma criança de quatro anos seja Muçulmana, Cristã, Hindu ou Judia? É possível falar de um economista de quatro anos de idade? O que você diria sobre um neo- isolacionista de quatro anos ou um liberal Republicano de quatro anos? A questão está na incoerência de imputar posições positivas a quem não pode responder por elas, sequer pode concebê-las. Em nossa sociedade, entretanto, a palavra ateu encontra-se tão carregada de preconceitos, tão estigmatizada, que chamar um indivíduo de ateu, longe de ser uma mera classificação neutra, na verdade aparenta ser uma espécie de insulto. Objetivamente, percebemos que essa animosidade para com a definição apresentada de ateísmo puro, na realidade, não tem nada de razoável, impessoal ou desinteressado. O problema certamente não está na definição, mas nos preconceitos que são nutridos em relação à posição ateísta. O grau em que um indivíduo religioso se sente incomodado com a idéia de se chamar uma criança desinformada de atéia pode ser usado para medir o grau de preconceito e intolerância que possui em relação ao ateísmo. Digam o que disserem, o ateísmo não é uma perversão, nem uma teimosia, nem uma insensibilidade, nem qualquer outra coisa senão a ausência de crença na existência de deus  o resto fica por conta dos preconceitos. Entretanto, quando analisamos a perspectiva religiosa, torna-se compreensível que tais preconceitos existam. O fato de alguém rejeitar a verdade óbvia de que existe um criador, e declarar- se abertamente ateu, só pode significar que se trata de uma pessoa insensível, cínica, ressentida, frustrada com a vida e revoltada com Deus. Mas, logicamente, tal raciocínio é de todo unilateral. O problema não está nos ateus, mas no fato de que homens convictos são prisioneiros de seus pontos de vista. Quem jura lealdade absoluta a uma doutrina ou ponto de vista específico inevitavelmente fecha os olhos para todo o resto e, deste modo, a imparcialidade torna-se algo impossível. Homens comprometidos com um ponto de vista perdem sua liberdade de pensamento, tornam-se incapazes de enxergar a realidade senão através de uma ótica parcial e pessoal, e assim tudo passa a dividir-se em dois grupos: os que, como eles, sabem da verdade, e os outros, que estão todos errados e perdidos. Sem dúvida, uma atitude lamentável, pois qualquer pessoa razoavelmente esclarecida sabe que o uso da convicção  ou da fé  como único critério da verdade fatalmente conduz a uma completa falta de imparcialidade que cega e tolhe a visão de mundo. vigiando constantemente, apesar de não podermos detectá-los. 3)  A verdadeira divindade, que criou o mundo e os homens, é Zeus, com a ajuda de Apolo e Dionísio. Eles e inumeráveis outros deuses estão todos no Olimpo nos observando. 4)  A Terra em que vivemos é um elétron; o Sol é um conjunto de prótons e nêutrons; nosso sistema planetário como um todo é um átomo de flúor gigantesco. Os físicos modernos discordam de tal afirmação, mas isso acontece porque o homem ainda não possui tecnologia suficiente para observar e analisar a realidade de modo preciso. 5)  O Universo só parece mecânico e impessoal; na verdade, o mundo em que vivemos é auto-consciente. 6)  Há uma civilização pacífica que habita o núcleo do Sol; ela se protege do calor através de um sistema hiper-tecnológico que nos é inconcebível; nela vivem milhões de unicórnios, centauros e minotauros em um grau de desenvolvimento muito superior ao nosso. 7)  Há um grande dragão alado vermelho cuspidor de fogo em meu quarto; contudo, toda vez alguém tenta observar ou confirmar sua existência, este desaparece imediatamente de modo misterioso. Então perguntemos: como alguém seria capaz de refutar tais hipóteses? Não temos qualquer motivo para julgá-las verdadeiras, mas, mesmo assim, não temos como provar que são definitivamente falsas. É esse o problema das negações universais. Por exemplo, no caso da sexta hipótese, o único modo de provar que tais seres não existem seria ir até o núcleo do Sol e olhar se estão lá ou não, mas isso não é realmente uma boa idéia, pois freqüentar locais que estão a milhões de graus Celsius é relativamente perigoso. Basicamente, isso significa que não podemos provar a inexistência dessa tal civilização helionuclear. Entretanto, faz algum sentido declarar que essa impossibilidade serve como uma evidência de sua existência? Definitivamente, não. Ademais, o fato de alguém acreditar piamente em tal hipótese é irrelevante à sua veracidade. O mesmo se aplica, naturalmente, à idéia de deus: trata-se somente de uma hipótese sem comprovação  uma especulação, realmente. Só precisamos trocar a afirmação  Há seres vivos no centro do Sol por  Deus criou o mundo ou  Deus existe . Não existem razões para julgarmos que a hipótese divina deveria fugir à regra. Pelo mesmo motivo que as pessoas, normalmente, não acham sensato acreditar que estamos sendo vigiados por cogumelos imateriais, os ateus acham sensato não acreditar na hipótese da existência de um deus criador. Devemos notar, entretanto, que isso não implica de modo algum a impossibilidade da existência de cogumelos imateriais ou deuses. De fato, nenhuma das hipóteses apresentadas acima é impossível. Simplesmente não acreditamos nelas porque não temos motivos para julgar que são verdadeiras. Como vemos, não há qualquer traço de extremismo em tal raciocínio, como poderia parecer à primeira vista. Esse contra-argumento dos teístas   prove-me que Deus não existe  , que costuma ser aceito prontamente como válido pelos desavisados, é uma falácia argumentativa que recebe o nome de Inversão do ônus da prova, na qual aquele que afirma a veracidade de uma proposição coloca sobre os incrédulos o dever de provar sua falsidade e, se estes forem incapazes de fazê-lo, imediatamente ficaria comprovada a veracidade da proposição. O engano, nota-se, é óbvio: como poderíamos fazer isso  provar a inexistência de tal deus  se, na realidade, nem mesmo existem provas de sua existência para refutarmos? Na realidade, o dever de provar a veracidade recai sobre os ombros daquele que afirma algo. Se algum indivíduo diz  Deus existe , é sobre ele que fica a responsabilidade de provar a veracidade de sua proposição, ou seja, provar a existência de Deus. Se falhar em prová-la, então não teremos motivos para aceitá-la e, assim, a descrença torna-se plenamente justificada. Assim, vemos que ateus não têm o dever de provar coisa alguma, pois, no ato de descrer, não estão afirmando nada. Em geral, o que dizem é simplesmente o seguinte: Não acredito em deus porque não tenho motivos para fazê-lo; caso tivesse algum motivo, acreditaria; mas não encontrei nenhum. Ante a ausência de evidências, ser ateu não passa de uma simples questão de honestidade intelectual. Bertrand Russell resumiu muito bem o conceito fundamental nesta passagem: Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados  em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa idéia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade. Mas isso não é suficiente para fechar a questão. Há uma frase  a qual, aliás, é bastante famosa entre os ateus  que serve como um aviso para que mantenhamos nossa mente sempre aberta: ausência de evidência não é evidência da ausência. A simples falta de evidências não é suficiente para justificar a crença na inexistência, e a maioria dos ateus realmente não acredita de modo definitivo na inexistência divina. Entretanto, não podemos ignorar o fato de que há certos ateus que acreditam na inexistência de deus(es). Como vimos, são os que pertencem à categoria do ateísmo crítico. Para justificar tal posicionamento, a ausência de evidência não é suficiente. Neste caso, torna-se necessário demonstrar a impossibilidade da existência divina. E, deste modo, poder-se-ia dizer que esta posição é dogmática, pois é impossível provar definitivamente a inexistência de qualquer deus. Mas o pequeno detalhe que faz toda a diferença reside no fato de que não tentam provar a impossibilidade da existência de qualquer divindade, mas de uma divindade específica de tal ou tal religião. O ateu crítico usa a própria crença do indivíduo teísta para fundamentar sua argumentação. Se alguém diz:  Eu acredito em Deus , o ateu crítico pergunta coisas como:  Que é Deus? ,  Qual é a natureza desse Deus? ,  Quais são seus atributos? . Por exemplo, estudando as definições do Deus bíblico, o ateu crítico poderia procurar contradições nos atributos desta divindade e, usando a regra lógica da não-contradição  tudo aquilo que se autocontradiz é necessariamente falso  , usa essa informação para argumentar contra a existência de tal ser. Assim, do mesmo modo que a regra da não-contradição justifica a crença na inexistência de entes cujos atributos se excluem mutuamente  como cubos esféricos ou círculos hexagonais , também justifica a crença na e consoladoras, precisa aprender a conviver com tais limitações, pois a atitude de responder uma pergunta se valendo de um mistério, na realidade, não explica coisa alguma. Isso, naturalmente, não significa fechar-se totalmente para outros pontos de vista. Em nosso conhecimento, há  e deve haver  lugar para a dúvida, para a incerteza, pois deste modo nosso conhecimento não ficará cristalizado na forma de crenças impermeáveis às novas evidências que vierem a ser descobertas e às novas teorias que vierem a ser formuladas. Se não aceitarmos que nossa visão de mundo é provisória, que sempre estará sujeita a revisões, ela se tornará obsoleta rapidamente. Então devemos conceder à hipótese da existência de um deus alguma plausibilidade? Certamente: a mesma que concederíamos a uma especulação bastante improvável que, há milênios, está à espera de evidências que a comprovem. Vale a pena fazermos, aqui, um breve comentário sobre a posição denominada agnosticismo. Equivocadamente, costuma-se pensar que esta jaz no limiar da dúvida entre o teísmo e o ateísmo, quando, na verdade, ela é independente da questão da crença/descrença em um deus. Tal visão diz respeito somente à impossibilidade de a mente humana conceber, compreender ou julgar alguns tipos de questões  afirmando que tais assuntos estão além do escopo da racionalidade humana, sendo, portanto, impossível formular sobre eles qualquer juízo seguro. É errado pensar no agnóstico como um indivíduo meio-termo entre as duas perspectivas, ou seja, que não afirma nem nega a existência de uma entidade superior, supostamente representando uma posição de questionamento sensato em vez de um extremismo ateísta. O agnosticismo certamente não é uma terceira opção entre o teísmo e o ateísmo, e é fácil evidenciar o porquê. O agnosticismo envolve a crença em deus? Não. Envolve a descrença em deus? Não. Então que relação necessária tem com esta questão? Nenhuma. Como explicou George H. Smith, O termo  agnóstico , em si mesmo, não indica se alguém acredita ou não num deus (...) agnosticismo não é uma posição independente ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um critério diferente. A rigor, a palavra agnóstico significa apenas sem conhecimento, isto é, trata-se de um termo genérico que diz respeito somente à afirmação da impossibilidade de se obter conhecimento acerca de alguma coisa ou assunto qualquer. Então seria mais correto dizer algo como: este indivíduo  ateu ou teísta  é agnóstico em relação à questão da existência de deus ou de alguma  questão x qualquer. Portanto, como podemos perceber, não existe um meio-termo entre acreditar e não acreditar, ou seja, entre teísmo e ateísmo. Afirmar  acho impossível saber com certeza não é uma solução, mas uma evasiva. O que comporta um meio-termo, na verdade, é a lacuna que fica entre a negação e a afirmação de deus, e tal lacuna corresponde ao ateísmo cético ou ao ateísmo prático. Como se pode notar, essa noção do agnosticismo é uma posição errônea comumente adotada por aqueles que não são teístas, mas que na verdade não consideram a existência de deus uma hipótese absurdamente improvável, como alguns ateístas mais fervorosos. Mas, sem dúvida, os agnósticos desse tipo são, tecnicamente, ateus. Provavelmente muitos se denominam como tais porque têm receio do estigma social vinculado ao ateísmo, que é muito forte; então transferem o significado de suas posições a outros termos que soam mais brandos, como agnóstico  como convém, pois em cima do muro não caem tantas pedras. Voltando ao assunto principal, é sempre comum vermos, devido a todos os mitos que existem sobre o ateísmo, indivíduos imaginando e se perguntando como os ateus são. Talvez pensem que são criaturas exóticas raríssimas, que vivem num submundo oculto, se vestem de preto e advogam pela destruição de todas as religiões  mas isso não passa de fantasia. Em sua maioria, ateus são pessoas realmente comuns, que apenas baseiam na lógica e nas evidências suas opiniões sobre a realidade. O fato é que, provavelmente, todas as pessoas já se depararam com ateus casualmente, mas sem se aperceberem disso, daí acharem que são tão raros. Na realidade, se não perguntarmos diretamente aos indivíduos, é quase impossível descobrir se são ateus. São poucos aqueles que gritam aos quatro ventos que não acreditam em nenhum deus. Sem dúvida, também há os ateus mais exacerbados, tipicamente denominados ateus militantes, alguns dos quais mantêm uma postura hostil para com a religião. Alguns julgam que ela é uma grande travanca ao progresso da humanidade  principalmente aqueles que têm algum conhecimento de História. Mas isso, fundamentalmente, como vimos, não pode ser encarado como uma conseqüência direta do ateísmo, pois não existe uma Santa Escritura Ateísta que dita  Tu vilipendiarás a religião e escarnecerás a crença do teu próximo . Se algum ateu procede de tal maneira, trata-se apenas de um posicionamento individual, e querer imputar a causa de seu comportamento agressivo ao ateísmo é uma atitude errada e desonesta. Muitos também pensam que os ateus são irredutíveis em sua descrença, que são descrentes crônicos, incapazes de mudar seu ponto de vista. Se podemos dizer que os ateus são irredutíveis, o são apenas na atitude de não acreditar em hipóteses sem comprovação. Certamente, se algum teísta surgisse com uma prova realmente válida para a existência de deus, até os ateus mais ferrenhos teriam de dar o braço a torcer. Aliás, não há motivos para se pensar o contrário. Afinal, por que algum indivíduo se oporia à existência de um criador? Quem não gostaria de ser a coroa da criação? Quem escolheria ser um efêmero mamífero, um grão de pó pensante, se pudesse ser o imortal supra-sumo do Universo? Para citar Peter Atkins: Seria de fato fascinante se o Universo tivesse um propósito; seria provavelmente prazeroso haver vida após a morte. Porém, não há um só pedacinho de evidência em favor de nenhuma das duas especulações. Como é fácil de compreender por que as pessoas anseiam por um propósito cósmico e vida eterna, e não existe evidência para ambos, me parece uma conclusão inescapável que nenhum dos dois existe. Realmente seria ótimo se todos nós fôssemos tão especiais quanto gostaríamos de ser, mas o fato é que não temos motivos para acreditar que somos. Novamente, é a integridade intelectual que nos impede de acreditar em algo infundado somente porque é confortante. Pelo exposto acima, percebemos que o ateísmo, ao contrário da imagem que se pinta dele, não é representado por uma seita de iconoclastas fanáticos, imorais e desequilibrados querendo destruir a religião a todo custo. Sem dúvida, o ateísmo apresenta-se como uma posição totalmente razoável, lúcida e sensata quando encarada na perspectiva objetiva  isto é, sem se levar em conta fatores subjetivos (o modo como  gostaríamos que a realidade fosse ,  no que precisamos acreditar para viver etc.). E, como foi pontificado no início deste trabalho, o que os indivíduos livres- pensadores buscam, em geral, não são certezas absolutas: buscam aquilo que é mais provável de ser verdadeiro. O objetivo deste capítulo foi desfazer alguns dos principais mitos, preconceitos e calúnias que gravitam ao redor do ateísmo, para que assim sejamos capazes de enxergar a posição de modo
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