Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Qualidade de Vida no Trabalho, Trabalhos de Sistemas de Informação

- - - - - - -

Tipologia: Trabalhos

Antes de 2010

Compartilhado em 16/09/2008

marcilio-pereira-4
marcilio-pereira-4 🇧🇷

3 documentos

1 / 13

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Qualidade de Vida no Trabalho e outras Trabalhos em PDF para Sistemas de Informação, somente na Docsity! QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO: ORIGEM, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS ARTIGO Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 Anselmo Ferreira Vasconcelos Bacharel em Comunicação Social pela ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing. Consultor de Empresas e Pesquisador E-mail: afv@uol.com.br RESUMO Este artigo faz uma retrospectiva do conceito de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) até os dias atuais. Analisa a contribuição dada por alguns pesquisadores nesse campo de estudo e identifica as suas dimensões. Além disso, avalia as dificuldades e obstáculos enfrentados para a adequada implementação de programas de QVT. Aborda, ainda, a conduta workholic, predominante na direção de muitas empresas, e conclui que há muito por fazer para transformarmos o ambiente de trabalho num local melhor para o nosso desenvolvimento e evolução. 1. INTRODUÇÃO Nesta virada de milênio tem sido intenso o esforço empreendido pelas organizações para sobreviver – e quanto a isso, acreditamos, haverá pouca discordância –, como também tem sido enorme o desgaste e o sacrifício impingido ao trabalhador moderno. Se a teoria da administração tem sido pródiga na criação de novas ferramentas de gestão – afinal, surgem novas propostas, antigas propostas são aperfeiçoadas ou, ainda, cunhadas com um novo rótulo praticamente todos os dias –, infelizmente aquelas que visam proporcionar uma melhor condição de trabalho e satisfação na sua execução – e não apenas aumento do ganho pecuniário – ainda deixam muito a desejar. Portanto, analisaremos neste trabalho a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) como ferramenta de gestão. A primeira parte busca deslindar a origem e evolução da QVT, enfatizando a contribuição de alguns pesquisadores, ao longo do século XX, para o estudo do assunto. A segunda parte conceitua QVT e abrange as suas dimensões, isto é, as áreas com as quais faz interface. A terceira parte destaca as dificuldades e obstáculos para uma efetiva implantação dos programas de QVT nas organizações. A quarta parte discorre sobre as perspectivas e desafios para a consolidação da QVT, e a última parte ressalta a necessidade de transformação do ambiente de trabalho em um local aprazível, onde possamos sentir satisfação e alegria na execução das nossas atividades profissionais. 2. ORIGEM E EVOLUÇÃO Segundo RODRIGUES (1999), com outros títulos e em outros contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar ao trabalhador na execução de suas tarefas, a qualidade de vida sempre foi objeto de preocupação da raça humana. Historicamente exemplificando, os ensinamentos de Euclides (300 a.C.) de Alexandria sobre os princípios da geometria serviram de inspiração para a melhoraria do método de trabalho dos agricultores à margem do Nilo, assim como a Lei das Alavancas, de Arquimedes, formulada em 287 a.C., veio a diminuir o esforço físico de muitos trabalhadores. No século XX, muitos pesquisadores contribuíram para o estudo sobre a satisfação do indivíduo no trabalho. Entre eles destacamos Helton Mayo, cujas pesquisas, conforme FERREIRA, REIS e PEREIRA (1999), HAMPTON (1991) e RODRIGUES (1999), são altamente relevantes para o estudo do comportamento humano, da motivação dos indivíduos para a obtenção das metas organizacionais e da Qualidade de Vida do Trabalhador, principalmente a partir das pesquisas e estudos efetuados na Western Eletric Company (Hawthorne, Chicago) no início dos anos 20, que culminaram com a escola de Relações Humanas. Anselmo Ferreira Vasconcelos Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 24 Merece igualmente crédito o trabalho de Abrahan H. Maslow, que concebeu a hierarquia das necessidades, composta de cinco necessidades fundamentais: fisiológicas, segurança, amor, estima e auto-realização. Douglas McGregor, autor da Teoria X, por sua vez, considerava, entre outras coisas, que o compromisso com os objetivos depende das recompensas à sua consecução, e que o ser humano não só aprende a aceitar as responsabilidades, como passa a procurá-las, conforme FERREIRA, REIS e PEREIRA (1999). Essa teoria, aliás, na sua essência, busca a integração entre os objetivos individuais e os organizacionais. Segundo RODRIGUES (1999), várias das dimensões destacadas por McGregor são analisadas e consideradas em programas de QVT. Vale mencionar também Frederick Herzberg. As pesquisas desse autor detectaram que os entrevistados (engenheiros e contadores) associavam a insatisfação com o trabalho ao ambiente de trabalho e a satisfação com o trabalho ao conteúdo. Assim, os fatores higiênicos – capazes de produzir insatisfação – compreendem: a política e a administração da empresa, as relações interpessoais com os supervisores, supervisão, condições de trabalho, salários, status e segurança no trabalho. Os fatores motivadores – geradores de satisfação – abrangem: realização, reconhecimento, o próprio trabalho, responsabilidade e progresso ou desenvolvimento (FERREIRA, REIS e PEREIRA, 1999 e RODRIGUES, 1999). NADLER e LAWLER apud FERNANDES (1996), FRANÇA (1997) e RODRIGUES (1999) oferecem uma interessante e abrangente visão da evolução do conceito de QVT, conforme a Tabela 1. Vale ressaltar que o desafio imaginado pelos seus idealizadores persiste, isto é, tornar o QVT uma ferramenta gerencial efetiva e não apenas mais um modismo, como tantos outros que vêm e vão. E esse desafio torna-se mais instigante neste momento em que nos vemos às voltas com uma rotina diária cada vez mais desgastante e massacrante. Quando se pensava que os seres humanos poderiam finalmente desfrutar do rápido progresso alcançado em várias ciências, paradoxalmente o que temos visto é o trabalho como um fim em si mesmo. Após os sucessivos processos de downsizing, reestruturação e reengenharia que marcaram toda a década de 90, nota-se atualmente que as pessoas têm trabalhado cada vez mais, e, por extensão, têm tido menos tempo para si mesmas (VEIGA, 2000). HANDY (1995: 25), com base nessa realidade, declarou que: “O problema começou quando transformamos o tempo em uma mercadoria, quando compramos o tempo das pessoas em nossas empresas em vez de comprar a produção. Quanto mais tempo você vende, nessas condições, mais dinheiro fará. Então, há uma troca inevitável entre o tempo e o dinheiro. As empresas, por sua vez, tornam-se exigentes. Querem menos tempo das pessoas que eles pagam por hora, porém mais das pessoas que pagam por ano, porque, no último caso, cada hora extra durante o ano é gratuita.” Mais adiante analisaremos detidamente as conseqüências desta afirmação. TABELA 1 - EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE QVT CONCEPÇÕES EVOLUTIVAS DO QVT CARACTERÍSTICAS OU VISÃO 1. QVT como uma variável (1959 a 1972) Reação do indivíduo ao trabalho. Investigava-se como melhorar a qualidade de vida no trabalho para o indivíduo. 2. QVT como uma abordagem (1969 a 1974) O foco era o indivíduo antes do resultado organizacional; mas, ao mesmo tempo, buscava-se trazer melhorias tanto ao empregado como à direção. Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e perspectivas Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 27 pessoal e o trabalho. Todavia, como veremos mais adiante, estamos muito distantes de uma prática minimamente ideal nesse campo. Por fim, em Relevância do Trabalho na Vida investiga-se a percepção do empregado em relação à imagem da empresa, à responsabilidade social da instituição na comunidade, à qualidade dos produtos e à prestação dos serviços. Felizmente, esses aspectos vêm tendo significativos avanços no campo empresarial. TABELA II - CATEGORIAS CONCEITUAIS DE QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO – QVT CRITÉRIOS INDICADORES DE QVT 1. COMPENSAÇÃO JUSTA E ADEQUADA Eqüidade interna e externa Justiça na compensação Partilha de ganhos de produtividade 2. CONDIÇÕES DE TRABALHO Jornada de trabalho razoável Ambiente físico seguro e saudável Ausência de insalubridade 3. USO E DESENVOLVIMENTO DE CAPACIDADES Autonomia Autocontrole relativo Qualidades múltiplas Informações sobre o processo total do trabalho 4. OPORTUNIDADE DE CRESCIMENTO E SEGURANÇA Possibilidade de carreira Crescimento pessoal Perspectiva de avanço salarial Segurança de emprego 5. INTEGRAÇÃO SOCIAL NA ORGANIZAÇÃO Ausência de preconceitos Igualdade Mobilidade Relacionamento Senso Comunitário 6. CONSTITUCIONALISMO Direitos de proteção ao trabalhador Privacidade pessoal Liberdade de expressão Tratamento imparcial Direitos trabalhistas 7. O TRABALHO E O ESPAÇO TOTAL DE VIDA Papel balanceado no trabalho Estabilidade de horários Poucas mudanças geográficas Tempo para lazer da família Anselmo Ferreira Vasconcelos Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 28 CRITÉRIOS INDICADORES DE QVT 8. RELEVÂNCIA SOCIAL DO TRABALHO NA VIDA Imagem da empresa Responsabilidade social da empresa Responsabilidade pelos produtos Práticas de emprego Fonte: WALTON apud FERNANDES (1996: 48). Para SUCESSO (1998), pode-se dizer, de maneira geral, que a qualidade de vida no trabalho abrange: • Renda capaz de satisfazer às expectativas pessoais e sociais; • Orgulho pelo trabalho realizado; • Vida emocional satisfatória; • Auto-estima; • Imagem da empresa/instituição junto à opinião pública; • Equilíbrio entre trabalho e lazer; • Horários e condições de trabalho sensatos; • Oportunidades e perspectivas de carreira; • Possibilidade de uso do potencial; • Respeito aos direitos; e • Justiça nas recompensas. Para SILVA e DE MARCHI (1997), a adoção de programas de qualidade de vida e promoção da saúde proporcionariam ao indivíduo maior resistência ao estresse, maior estabilidade emocional, maior motivação, maior eficiência no trabalho, melhor auto-imagem e melhor relacionamento. Por outro lado, as empresas seriam beneficiadas com uma força de trabalho mais saudável, menor absenteísmo/rotatividade, menor número de acidentes, menor custo de saúde assistencial, maior produtividade, melhor imagem e, por último, um melhor ambiente de trabalho. 4. DIFICULDADES E OBSTÁCULOS Em resumo, o assunto não é novo, mas a sua aplicação tem sido inadequada. Ou, como afirma o Professor Lindolfo Galvão de Albuquerque da FEA/USP (LIMONGI e ASSIS, 1995: 28): “[...] existe uma grande distância entre o discurso e a prática. Filosoficamente, todo mundo acha importante a implantação de programas de QVT, mas na prática prevalece o imediatismo e os investimentos de médio e longo prazos são esquecidos. Tudo está por fazer. A maioria dos programas de QVT tem origem nas atividades de segurança e saúde no trabalho e muitos nem sequer se associam a programas de qualidade total ou de melhoria do clima organizacional. QVT só faz sentido quando deixa de ser restrita a programas internos de saúde ou lazer e passa a ser discutida num sentido mais amplo, incluindo qualidade das relações de trabalho e suas conseqüências na saúde das pessoas e da organização.” Ainda para o prof. Albuquerque, conforme relatam LIMONGI e ASSIS (1995: 29): “QVT é uma evolução da Qualidade Total. É o último elo da cadeia. Não dá para falar em Qualidade Total se não se abranger a qualidade de vida das pessoas no trabalho. O esforço que tem que se desenvolver é de conscientização e preparação para uma postura de qualidade em todos os sentidos. É necessária a coerência em todos os enfoques. QVT significa condições adequadas e os desafios de respeitar e ser respeitado como profissional. O trabalho focado em serviço social e saúde é muito imediatista. É necessário colocar a QVT num contexto mais Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e perspectivas Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 29 intelectual, não só concreto e imediato. O excesso de pragmatismo leva ao reducionismo. QVT deve estar num contexto mais amplo de qualidade e de gestão. A gestão das pessoas deve incluir esta preocupação.” 5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS A revista HSM Management publicou um levantamento efetuado pela consultoria internacional Bain & Company sobre as ferramentas gerenciais mais utilizadas pelos executivos na América do Sul, Europa, Estados Unidos e Canadá (HSM MANAGEMENT, 2000). A ferramenta, digamos, mais voltada aos interesses pessoais dos executivos foi “Remuneração por Desempenho”, com 78%, 67% e 77% de preferência, respectivamente (Tabela III). Nota-se, portanto, que em termos de incentivo e bem-estar do trabalhador o foco, de um modo geral, é eminentemente pecuniário. Todavia, esse resultado apresenta alguns paradoxos. Ou seja, QVT como instrumental gerencial  e pelo que foi exposto até aqui  vai muito além da obtenção de um salário polpudo. Outras considerações devem ser feitas à sua correta e adequada implementação. Não obstante a pesquisa da Bain & Company indicar um elevado grau de utilização de programas de Gestão de Qualidade Total, aliás com os quais a QVT tem um ligação umbilical, ainda há muito a ser feito. Segundo FERNANDES (1996: 38-39), “Apesar de toda a badalação em cima das novas tecnologias de produção, ferramentas de Qualidade etc., é fato facilmente constatável que mais e mais os trabalhadores se queixam de uma rotina de trabalho, de uma subutilização de suas potencialidades e talentos, e de condições de trabalho inadequadas. Estes problemas ligados à insatisfação no trabalho têm conseqüências que geram um aumento do absenteísmo, uma diminuição do rendimento, uma rotatividade de mão-de-obra mais elevada, reclamações e greves mais numerosas, tendo um efeito marcante sobre a saúde mental e física dos trabalhadores, e, em decorrência na rentabilidade empresarial.” TABELA III – RANKINGS COMPARADOS América do Sul Europa Estados Unidos e Canadá Benchmarking – 85% Benchmarking – 88% Planejamento Estratégico – 92% Planejamento Estratégico – 83% Planejamento Estratégico – 77% Missão/Visão – 86% Gestão da Qualidade Total – 83% Aferição da Satisfação do Cliente – 76% Aferição da Satisfação do Cliente – 80% Terceirização – 80% Remuneração por Desempenho – 67% Benchmarking – 79% Remuneração por Desempenho – 78% Terceirização – 67% Terceirização – 78% Aferição da Satisfação do Cliente – 65% Segmentação da Clientela – 66% Remuneração por Desempenho – 77% Segmentação da Clientela – 55% Missão/Visão – 65% Alianças Estratégicas – 69% Missão/Visão – 50% Gestão da Qualidade Total – 65% Estratégias de Crescimento – 66% Anselmo Ferreira Vasconcelos Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 32 • 50% levam trabalho para casa; • 50% se queixam de estresse; e • 60,8% consideram que a jornada de trabalho interfere em suas vidas pessoais. Modernamente, o trabalho transformou-se numa fonte de supressão da liberdade. Aos que não se “enquadram” as conseqüências são amplamente conhecidas. O trabalho deixou de ser uma fonte de prazer e realização. O trabalho não mais representa um instrumento de crescimento e satisfação pessoal e profissional. Os ativos humanos mais valorizados são cooptados por meio de programas de aquisições de ações (stock options) ou ganhos variáveis atrelados à performance. A década de 90 pode ser considerada trágica para o trabalhador. As conquistas até então obtidas em matéria de QVT foram solapadas por uma nova ordem, lamentavelmente muito distante da humanização nas empresas. Para OLIVEIRA (1998), as empresas exigem que os seus empregados lhes confiem todo o seu capital intelectual e que se comprometam com o seu trabalho. Todavia, as empresas não se comprometem com seus empregados. Aliás, elas recomendam que os seus empregados cultivem sua empregabilidade se quiserem continuar ocupando seus postos atuais. Conseqüentemente, o empregado hoje deve apresentar um conjunto de habilidades e capacidades cada vez maior, isto é, os requisitos explícitos. Sem eles não há grandes possibilidades de uma vida digna. As organizações têm sido implacáveis na exigência desses requisitos explícitos. A lista cresce cada dia mais. Mas há também outras exigências: os requisitos implícitos, que são caracterizados pelas horas extras dedicadas ao empregador e ao trabalho. São medidas pelas jornadas noturnas extras (reuniões internas e externas, convenções, happy hours com fornecedores ou superiores hierárquicos etc.) e viagens constantes  que distanciam o empregado cada vez mais, física e mentalmente, do aconchego do lar. E as conseqüências já se fazem sentir. Um dos espectros desse novo contexto é a ética do workaholic. Conforme CALDAS (1988:33), “[...] a ética do workaholic: não é a de trabalhar para viver, mas viver para trabalhar. Para o workholic, sua carreira é sua vida, seu culto. E o culto da carreira, que rege sua obsessão, é guiado pela Deusa do Sucesso. Ele reza as receitas de profetas, gurus e “gente bem-sucedida”: ele adora heróis empresariais, venera seus símbolos e prega sua palavras e ações com fervor, como se fossem verdades universais, como se todos devessem conhecer seu evangelho.” O mesmo autor (p. 33) acrescenta que: “Mas como o sucesso é um destino hipotético, a carreira moderna e a obsessão do workaholic é uma corrida que não tem fim, nem ponto de chegada, nem vencedores. [...] Ser workholic é, em essência, ser moderno. Admira-se o indivíduo obcecado por trabalho, como se isto fosse certo e preciso. Como se ele soubesse aonde vai, ou para quê. Como se ele refletisse sobre seu destino, ou sobre seu caminho. [...] Em nossa ânsia de “não ficar para trás”, cada vez mais nos movemos mais rápidos, e cada vez mais de forma menos reflexiva: passamos da emoção à ação, sem a mediação da razão, do pensamento. Corremos tanto que os detalhes nos escapam, como as nuances entre o certo e o errado, entre o saudável e o doentio, entre o urgente e o necessário.” Para WOOD JR. (1998) a maioria dos workholics não percebe o aspecto patológico de sua conduta. Na visão do autor, trata-se dos “mestres da racionalização”, mas que também são avessos à reflexão. Chegam a confundir sua conduta com trabalho sério, e, em conseqüência, não distinguem qualidade de quantidade. Como o momento favorece as empresas, elas naturalmente incentivam esse tipo de comportamento. Dirigentes, executivos ou empregados em posições mais modestas têm de se curvar, gostando ou não, a esse comportamento, paradoxalmente autodestrutivo e paradigmático. Esse é o preço da sobrevivência. Infelizmente, aqueles que têm  por força do cargo e do poder de que estão investidos  condições de mudar, ou pelo menos de admitir novas formas de comportamento no trabalho e novos modelos mentais, propositadamente não o fazem. Esse é o caso, por exemplo, de Jürgen Qualidade de Vida no Trabalho: origem, evolução e perspectivas Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 33 Schrempp  atual manda-chuva da montadora DaimlerChrysler  , que, de acordo com relato da FORTUNE (2000), coloca os negócios sempre antes de considerações pessoais ou de carreira. Dirigentes com esse perfil não julgam seus subordinados apenas pelos resultados por estes alcançados. Para eles, todos os subordinados devem viver os “valores” da empresa  na verdade, os deles próprios. Segundo COLVIN (2000), Jack Welch, o badalado n.º 1 da General Eletric, fala abertamente a respeito da necessidade de demitir os executivos que não vivem os valores da organização, mesmo se eles produzem resultados. Esses dirigentes são movidos por uma estranha obsessão. O convívio familiar, o desenvolvimento de nossas potencialidades, o relaxamento físico e mental, o envolvimento com os problemas dos filhos, o tempo para reflexão, o bem-estar no sentido mais amplo, enfim, não fazem parte de seus universos. Eles vivem para trabalhar. Seus padrões mentais estão bem cristalizados. Eles ainda  e talvez, o pior de tudo  são grandes geradores de estresse no trabalho, exatamente por sua conduta doentia. Não nos interessa aqui discorrer muito mais sobre os males do estresse, eles já são sobejamente conhecidos. Todavia, é forçoso reconhecer que, se estresse é doença, conforme exposto acima, por conseguinte, muitos dirigentes workholics  que, por sua vez, não se apresentam na melhor das suas condições psíquicas  estão propagando anomalias em suas organizações. Portanto, se os programas de QVT não decolaram de maneira satisfatória, a causa principal serão os dirigentes das organizações que não cumprem com sua responsabilidade social. Portanto, quando DE MASI (2000) indaga por que o atual desenvolvimento técnico não é acompanhado de um avanço semelhante na convivência civil e na felicidade humana; como e por que milhões de trabalhadores, embora libertados do embrutecimento físico, dotados de máquinas portentosas, encarregados de deveres intelectuais por vezes até agradáveis e bem pagos vivem numa condição estressante e insuportável; como e por que a conquista da precisão transformou-se em idéia fixa da pontualidade, da produtividade a todo custo, da competitividade, dos prazos, dos controles, das avaliações, dos confrontos; e, como e por que o progresso material não se traduziu em melhor qualidade de vida, enfim, a resposta está na mentalidade de dirigentes interessados apenas nas glórias passageiras. Eles desumanizam as organizações que dirigem. Eles não são efetivamente agentes do progresso humano; estão muito longe disso. Sua conduta autocrática e tacanha não permite vislumbrar as finalidades nobres do trabalho. E cedo ou tarde eles são tragados pelo próprio monstro que geraram. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para LEVERING (1986), um bom lugar para se trabalhar possibilita, entre outras coisas, que as pessoas tenham, além do trabalho, outros compromissos em suas vidas, como a família, os amigos e os hobbies pessoais. Para o autor, da perspectiva de um empregado isto é uma questão fundamental de justiça. Na sua visão, não é justo que um local de trabalho seja a única coisa nas vidas das pessoas  aliás, como temos visto atualmente na esmagadora maioria dos casos. Um contexto com essa característica, segundo ele, não permite que as pessoas se desenvolvam ou se tornem mais completamente humanas. Conforme FREITAS (1999:7), “Não está sendo solicitado que as empresas (e, acrescentaríamos nós, seus dirigentes) abram mão de sua visão monetarizada de mundo, mas que elas honrem em ações o que costumam pregar em discursos que dizem que o ser humano é o seu principal ‘ativo’. O ser humano, mortal e frágil, tem lá seus defeitos, comete erros e faz suas bobagens, mas quando ele é estimulado a substituir o coração por um chip ou máquina registradora, o mundo deve ter medo.” Portanto, se somos seres racionais, embora nem sempre pareça, é hora de agirmos como tal. A infelicidade causada no ambiente moderno de trabalho, como foi retratada, a propósito, no filme Anselmo Ferreira Vasconcelos Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 1, janeiro/março 2001 34 “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin, tem de ser banida. Certas idéias e conceitos de reconhecido valor às vezes não são prontamente aceitos e incorporados, exatamente pelas transformações que eles requerem. Um exemplo insofismável é o representado pelos ideais cristãos. A grande maioria dos povos os aceita e venera. Entretanto, poucos de fato vivem e se comportam de acordo com as suas recomendações e preceitos. A QVT, da mesma maneira, porém numa escala e âmbito, é evidente, infinitamente menores, nos impõe o mesmo desafio: o de mudar. Nesse sentido, DE MASI (2000: 330) assim conjectura: “O novo desafio que marcará o século XXI é como inventar e difundir uma nova organização, capaz de elevar a qualidade de vida e do trabalho, fazendo alavanca sobre a força silenciosa do desejo de felicidade.” Se é nas organizações que passamos a maior parte de nossas vidas, natural seria que as transformássemos em lugares mais aprazíveis e saudáveis para a execução do nosso trabalho. Locais onde pudéssemos, de fato, passar algumas horas vivendo, criando e realizando plenamente – com qualidade de vida, satisfação e alegria. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, L. G. e FRANÇA, A.C.L. Estratégias de recursos humanos e gestão da qualidade de vida no trabalho: o stress e a expansão do conceito de qualidade total. Revista de Administração. São Paulo, abr./jun. 1998, vol. 33, n.º 2, p. 40-51. CALDAS, Miguel P. O Fascínio do Stress e a Modernidade do Workholic. In: Encontro Internacional de Gestão de Competências em Qualidade de Vida no Trabalho, 1º, Anais, São Paulo: FEA/USP, FIA, PROPEG, 1998, p. 31- 34. COLVIN, Geoffrey. Managing. In: The Info Era. Fortune, New York, n.º 5, p. F-2 a F-5, 13 Mar. 2000. DE MASI, Domenico. O futuro do Trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 3ª ed., Rio de janeiro: Editora José Olympio Ltda. e Brasília: Edit. da UNB, 2000. FERNANDES, Eda. Qualidade de Vida no Trabalho: como medir para melhorar. Salvador: Casa da Qualidade Editora Ltda., 1996. FERREIRA, A. Antonio, REIS, Ana C. F. e PEREIRA, Maria I. Gestão Empresarial: de Taylor aos nossos dias. Evolução e Tendências da Moderna Administração de Empresas. São Paulo: Editora Pioneira, 1999. FORTUNE. Is the World Big Enough for Jürgen Schrempp? New York, nº 5, p. 40-43, 13 mar. 2000. FRANÇA, A C. Limongi. Qualidade de vida no trabalho: conceitos, abordagens, inovações e desafios nas empresas brasileiras, Revista Brasileira de Medicina Psicossomática. Rio de Janeiro, vol. 1, n.º 2, p. 79-83, abr./mai./jun. 1997. ______. A qualidade de vida no trabalho é um bom investimento, Revista Inova: Gestão e Tecnologia. São Paulo, v. 2, n.º 8, p. 5, maio/agosto 1995. ______ e ASSIS, M. P. de. Projetos de Qualidade de Vida no Trabalho: caminhos percorridos e desafios. RAE Light. São Paulo, v. 2, nº2, p. 26- 32, mar./abr. 1995 FREITAS, M. Ester. O Day-After das Reestruturações: As Irracionalidades e a Coisificação do Humano, RAE Light. São Paulo, v. 6, n.º 1, p. 5-7, jan./mar. 1999. HAMPTON, David R. Administração: processos administrativos. São Paulo: Editora McGran- Hill Ltda., 1991. HANDY, Charles. A era do paradoxo. Dando um sentido para o futuro. São Paulo: Makron Books, 1995. HSM MANAGEMENT. Quem tem medo das ferramentas gerenciais? Barueri, n.º 19, p. 122- 130, mar/abr 2000.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved