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História da Educação no Brasil República - Apostilas - Filosofia Parte1, Notas de estudo de Filosofia

Apostilas de Filosofia sobre a Seleção de textos sobre a História da Educação no Brasil República.

Tipologia: Notas de estudo

2013
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Compartilhado em 11/04/2013

PorDoSol
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Baixe História da Educação no Brasil República - Apostilas - Filosofia Parte1 e outras Notas de estudo em PDF para Filosofia, somente na Docsity! 1 Seleção de textos sobre a História da Educação no Brasil República 1. A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA - 8 p. – No período da primeira república, o movimento anarquista trouxe uma contribuição inestimável para a reflexão sobre a educação brasileira. Esse movimento foi impulsionado principalmente pela imigração italiana, mas também recebeu a contribuição de intelectuais brasileiros e de imigrantes espanhóis e portugueses.................................... 2 2. VIOLÊNCIA FAMILIAR NA REPÚBLICA (1894- 1926) - 4 p. – Este Texto foi originalmente apresentado como comunicação livre no XIX Encontro Nacional da ANPUH, Belo Horizonte, 1997. Foi meu primeiro trabalho sobre família. Em 1996, durante o encontro Regional da ANPUH, em Mariana eu assisti entusiasmada a uma apresentação da saudosa professora Eni Mesquida Sâmara sobre família e fiquei apaixonada pelo tema..................................................................................................................... 9 3. O ENSINO NO BRASIL: DA REPÚBLICA VELHA À REFORMA FRANCISCO CAMPOS – 6 p. – Para que possamos entender as principais Leis Educacionais que foram implantadas no Brasil a partir do início da República em 1889 até os anos de 1930 com as Reformas de Francisco Campos, ou seja, passando pelo período da chamada Era Vargas, devemos nos reportar ao final Império e sua transição para a República, contextualizando essa fase histórica que foi marcada por grandes mudanças estruturais e econômicas ocorridas na sociedade brasileira.................................................................................................... 13 4. O PROJETO DE ASCENSÃO SOCIAL ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA NA DÉCADA DE 1930 - 8 p. – O presente texto tem como objetivo trazer algumas considerações sobre os anos de 1930 no que concerne à valorização da escola como projeto de ascensão e inserção social, valor já consubstanciado no fim do século XIX, no limiar da República........................................................................................ 18 5. BRASIL NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA (1946-1964) - 6 p. – O Brasil Nacional- Desenvolvimentista se constituiu na sociedade brasileira por um período marcado por efervescentes processos sócio-históricos assim mapeados: no plano mundial termina a 2ª Guerra (1945), o que representou para a humanidade uma nova fase nas relações internacionais e nas diversas esferas da vida societal....................................................................................................................................... 24 6. A EDUCAÇÃO NOS ANOS DE CHUMBO: A POLÍTICA EDUCACIONAL AMBICIONADA PELA “UTOPIA AUTORITÁRIA” (1964-1975); O CICLO DE REFORMAS EDUCACIONAIS PROPOSTO PELA “UTOPIA AUTORITÁRIA” (LEIS Nº. 5540/68 E 5692/71) – 7 p. – Na atual conjuntura nacional vê-se a ocorrência de um fenômeno educacional preocupante: a revitalização da “Teoria do Capital Humano”, norteado pelo ideário das competências e da formação flexível para a “empregabilidade”....................... 30 7. A EDUCAÇÃO NO ESTADO MILITAR (1964-1985) – 8 p. – O objetivo deste trabalho é analisar a educação no Brasil em face das influências sobrevindas no período militar........................................... 37 8. ESTÁ FALTANDO ELA: A HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA FEMININA AO REGIME MILITAR NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA – 4 p. – Nos últimos anos tem sido crescente o número de estudos que abordam a História da luta empreendida por mulheres contra o regime civil-militar instalado no Brasil entre 1964 e 1985....................................................................................................................... 45 9. UMA HISTÓRIA POLÍTICA DA TRANSIÇÃO BRASILEIRA: DA DITADURA MILITAR À DEMOCRACIA - 16 p. – O artigo trata da história política brasileira do golpe político-militar de 1964 ao segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Escrito sob a forma de um resumo explicativo, três temas unificam a narrativa sobre a transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático: o militar, o político e o burocrático.................................................................................................................................. 49 10. RUPTURAS E PERMANÊNCIAS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Do regime militar à LDB/96 - 7 p. – O presente trabalho objetiva analisar as transformações ocorridas no sistema educacional brasileiro no período da ditadura militar (1964-1985)........................................................................ 65 11. A CONQUISTA DO ESPAÇO PELA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE BRASILEIRA - 5 p. – De forma organizada e coletiva, ou individualmente, foram inúmeras as mulheres que contribuíram para a construção da condição feminina atual. A elas deve-se o reconhecimento da cidadania feminina, com leis e reformas sociais que até hoje beneficiam o sujeito feminino............................................................................ 72 12. A EDUCAÇÃO E AS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL - 7 p. – Este trabalho analisa como se processam na educação e no mundo do trabalho as relações de gênero e de raça. O objeto de estudo circunscreve-se em torno das desigualdades socialmente dadas entre homens e mulheres no Brasil contemporâneo............................................................................................................................ 77 13. A MULHER E A HISTÓRIA: um papel desigual - 4 p. – Esta abordagem objetiva discutir até que ponto as escolas reproduzem os modelos discriminatórios de uma sociedade com caráter androcêntrico, ou seja, que enaltece o homem como o centro das discussões........................................................................ 84 2 A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA Angela Maria Souza Martins Núcleo de Estudos em Educação Brasileira – NEB - UNIRIO Introdução Para se alcançar a meta da humanização, que não se consegue sem o desaparecimento da opressão desumanizante, é imprescindível a superação das “situações-limites” em que os homens se acham coisificados. Paulo Freire (1996, p.95) No período da primeira república, o movimento anarquista trouxe uma contribuição inestimável para a reflexão sobre a educação brasileira. Esse movimento foi impulsionado principalmente pela imigração italiana, mas também recebeu a contribuição de intelectuais brasileiros e de imigrantes espanhóis e portugueses. Assim, a partir do final do século XIX e início do século XX, começou uma propaganda sistemática do anarquismo e do anarco-sindicalismo, no Brasil. Foram criadas algumas escolas, publicados muitos jornais e realizadas inúmeras palestras e espetáculos teatrais com peças revolucionárias, ações que levaram à prisão muitos anarquistas, inclusive vários foram expulsos e outros tiveram de mudar de atividades para se esconder. Os anarquistas tinham como meta a mudança de consciência, ou seja, buscavam ações que pudessem discutir os valores tradicionais da sociedade e transformassem os valores presentes na consciência do homem contemporâneo. Assim, eles consideravam a ação educacional imprescindível para a transformação das relações sociais e econômicas, com a intenção de instituir uma sociedade fraterna, igualitária e democrática, por isso a proposta educacional anarquista defendia o ideário racional-libertário. Segundo Lima (1915), o homem vem ao mundo com predisposições, estas podem ser transformadas e aperfeiçoadas pela atuação da educação e do meio. Assim, a educação é um meio importante para mudar valores e princípios, que são fundamentais para a implantação de um novo tipo de sociedade. A criação de escolas que seguissem a pedagogia racional libertária era uma estratégia na luta para a transformação profunda da sociedade, porque não adianta implantar um novo tipo de governo ou modelo econômico se o homem não promoveu uma mudança radical nos seus valores. Tomando como pressuposto fundamental a mudança de valores, uma das questões mais significativas enfrentadas pela pedagogia libertária foi o seu confronto com as idéias tradicionais veiculadas pela Igreja Católica Apostólica Romana e o ideário capitalista, porque os anarquistas procuravam se libertar de todo tipo de opressão. A educação racional libertária era necessariamente anticlerical e um modo de enfrentar todo tipo de dogmatismo e a exploração do homem pelo homem. Mas como podemos compreender os pressupostos da pedagogia racional libertária? Quais foram os princípios que embasaram essa tendência pedagógica? Como ela se efetivou no contexto educacional brasileiro? A Pedagogia Racional Libertária: pressupostos e princípios O que inicialmente nos chama a atenção na pedagogia racional libertária é a junção das categorias racional e libertária. Precisamos refletir o que representa a racionalidade para o homem moderno e contemporâneo. Sabemos que desde os séculos XVI e XVII, o mundo passa por mudanças significativas. Com a instauração do modo de produção capitalista, os dogmas católicos foram questionados, instaurou-se gradativamente uma mudança cultural, econômica, política e social. Agregada ao poder da racionalidade, também surgiu o movimento humanista que procurou compreender em profundidade o mundo dos homens, valorizou a cultura greco-latina e construiu uma visão antropocêntrica de mundo em contraposição à visão teocêntrica medieval. O movimento humanista avançou em direção a secularização, buscando a erudição por meio da cultura greco- romana clássica, a laicização da educação e o conhecimento acurado da natureza física. A instrução tornou-se fundamental para o homem moderno. Nesses novos tempos, o homem não deveria ser um mero expectador do mundo, ele precisava conhecer mais profundamente a realidade à sua volta. Mesmo porque, de acordo com Monroe (1969), a educação humanista da Renascença tinha como finalidade formar o “o homem perfeito, apto a participar das atividades das instituições sociais 5 cooperação entre indivíduos livres. Esses princípios poderiam conduzir uma luta permanente pelos direitos e deveres de uma sociedade igualitária e seriam a base de uma educação integral, que tem como meta a capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d). A partir desses princípios, os anarquistas passam a sugerir um novo tipo de educação, porque acreditavam que as crianças não nascem com idéias preconcebidas, (Cf. Guardia, s/d), elas adquirem todos os seus princípios e valores ao longo da vida, por isso se educássemos uma criança com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional, ela ficaria preparada para qualquer tipo de estudo (Cf. Guardia, s/d). Procuram implantar uma escola que não trabalhe com limitações e dogmatismo, buscando fundamentar o conteúdo curricular na ciência. A meta da educação é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. Para tal, o ensino deve estar baseado nas ciências naturais. Consideram a ciência um patrimônio de todos, pois ela permite dissipar erros e capacita os homens para que conheçam efetivamente os objetos. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), a ciência não impede o conhecimento, mas o impulsiona e confere realidade as coisas e faz com que não caiamos nas malhas das fábulas ou sonhos. A ciência deve ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois se educamos a criança com fábulas e erros de toda espécie, essa criança será educada para ser um adulto que impedirá o progresso. Assim, nos primórdios da educação devemos guiar as crianças na direção do conhecimento racional, pois na primeira infância a vida é receptiva.O professor semeia as idéias para que mais tarde elas frutifiquem. Devem ser estimuladas também as atitudes próprias de cada aluno, para que com seu valor individual, cada aluno seja um membro útil da sociedade. Um dos mais significativos intelectuais da pedagogia libertária anarquista, Ferrer y Guardia propõe a criação de uma Liga que defendesse a educação racional, cujos objetivos eram propiciar: uma base racional e científica ao ensino; uma educação completa e harmoniosa que desenvolvesse a formação da inteligência e do caráter e a preparação de uma pessoa física e moralmente equilibrada. Guardia afirmava que o homem é um complexo de múltiplas facetas, ou seja, a conjugação de coração, inteligência e vontade. Ferrer y Guardia acreditava que a educação racional libertária seria um instrumento de emancipação e propagação das idéias libertárias diante do adestramento feito pelo ensino orientado pelas diretrizes da pedagogia tradicional, que habituava as crianças a obedecer, a crer e a pensar segundo seus dogmas sociais. O que podemos depreender dessa nossa breve reflexão sobre as categorias racional e libertária no pensamento pedagógico anarquista é que esses princípios buscam instaurar uma nova mentalidade no processo educacional, este tornar-se-ia um instrumento de emancipação e, ao mesmo tempo, estratégia de luta política; a educação seria uma força a serviço da transformação. Fizemos questão de buscar as idéias de Ferrer y Guardia porque este pensador anarquista influenciou profundamente a pedagogia libertária no Brasil e inspirou a fundação das Escolas Modernas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre e em Belém do Pará. As primeiras escolas baseadas na pedagogia racional libertária surgiram no contexto educacional brasileiro, no início do século XX, quando se acentuou o debate sobre o papel social e político da escola. A Pedagogia Racional Libertária no Brasil A missão da Escola Moderna consiste em fazer com que meninos e menina tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. (Guardia, s/d, p.21) Nas primeiras décadas do século XX, instaurou-se, no Brasil, uma discussão entre as propostas pedagógicas tradicional, escolanovista e libertária. Nesse momento, acentuou-se o debate sobre a importância da disseminação da instrução, porque o Brasil apresentava índices alarmantes de analfabetismo. Nesse período, houve um intenso fluxo de imigração italiana e espanhola, estes imigrantes trouxeram para o movimento sindical o ideário anarquista. A educação e as atividades culturais eram estratégias de luta importantes para o movimento anarquista. Assim, este movimento mostra a necessidade de se implantar escolas com uma nova proposta pedagógica, que impedisse a manipulação da consciência das classes populares, ou seja, que impossibilitasse a subordinação intelectual. Para os anarquistas a abertura de escolas era uma estratégia cultural e política importante, porque essas instituições possibilitariam o desenvolvimento de mentes livres e racionais. 6 Com essa intenção são criadas as Escolas Modernas no Brasil, baseadas na pedagogia racional libertária, inspiradas em Ferrer y Guardia, que deveriam respeitar a liberdade da criança, seu movimento natural, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo e espírito crítico. A pedagogia racional libertária tinha como pressuposto enfrentar o processo de dominação e criar uma nova mentalidade, pautada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade. Era necessário desenvolver as aptidões naturais dos educandos, de maneira que eles ampliassem suas potencialidades e, assim, formar-se-ia um ser humano pleno que atuaria em diferentes segmentos: artístico, produtivo, e social. A ação da pedagogia racional libertária não se destinava apenas a crianças e jovens, ela também atuava no ensino profissional para adultos. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias. A primeira Escola Moderna brasileira foi criada em maio de 1912, em São Paulo, foi dirigida pelo professor João Penteado, um anarquista, admirador de Ferrer y Guardia. A Escola Moderna nº 1, de São Paulo, tornou-se um paradigma da educação libertária no Brasil. Ela surgiu com o apoio de anarquistas e de pessoas que ansiavam mudanças educativas: socialistas, livres-pensadores, entre outros, que formaram um Comitê Organizador da Escola Moderna “encarregado pelos representantes de vários centros liberais e associações econômicas de expor ao público o programa da Escola Moderna, angariar fundos e explicar as bases do ensino racionalista” (Luizetto, 1986, p.31). Essa escola utilizava o método racional e a co-educação de sexos e classes sociais e a insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais, assim como demonstrava o sucesso entre os livres- pensadores das possibilidades apresentadas pelo conhecimento científico, inclusive essas propostas podiam descambar para uma postura positivista de ensino (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.2). A Escola Moderna buscava seguir os preceitos da proposta racional libertária, a educação deveria estar pautada em princípios morais que valorizassem a solidariedade, a cooperação, o respeito ao outro e a liberdade para formar um novo homem que construísse um novo tipo de organização social. O estudo da ciência seria o fio condutor de seu currículo, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo racionalismo científico. Mas, de acordo com a proposta libertária, esse racionalismo deveria estar a serviço do homem e não podia escravizá-lo, sua função era libertar os homens dos dogmas. Essa escola tinha como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Seus alunos deveriam estar imbuídos de um espírito de observação e crítica racional de modo que enfrentassem a moral vigente e pudessem empreender a crítica a sociedade de então (Cf. silver@iis.com.br Boletim da Escola Moderna, 1919). Segundo o periódico A Plebe de 1917, na Escola Moderna “eram oferecidos três cursos: primário , médio e adiantado, no período diurno (das 11h 30m às 16h30m) e noturno (das 19h às 21h). O curso primário compunha-se das seguintes matérias: “Rudimentos de Português, Aritmética, Caligrafia e Desenho. O curso médio, de “Gramática, Aritmética, Geografia, Princípios de Ciência, Caligrafia e Desenho”. E o curso adiantado, de “Gramática, Aritmética, Geografia, Noções de Ciências Físicas e Naturais, História, Geometria, Caligrafia, Desenho, Datilografia” (apud Luizetto, 1986, p.35-36). Além das disciplinas mencionadas acima, para as meninas também era oferecido um curso de costura e bordado. A grade curricular não divergia muito das demais escolas de então, mas na Escola Moderna existiam outras atividades que imprimiam uma diferença no seu modelo pedagógico. Por exemplo: eles incentivavam a leitura e produção de periódicos. Havia um jornal, denominado O Início que era editado pelos estudantes, nesse jornal, ficava explícito as intenções da escola que era propiciar uma educação aliada a uma instrução de acordo com a razão e a verdade (...) cultivar os sentimentos de amor pela paz, pela instrução, pelas letras e pela humanidade, fazendo despertar na infância o desejo de uma vida fraternal, humana, livre dos prejuízos, resultantes das convenções sociais (O Início, apud Luizetto, 1986, p.36) Os anarquistas preconizavam também os métodos baseados na ação, não só no sentido de preparar para o trabalho como também para a militância de seus alunos. Existia um forte vínculo entre a 7 educação anarquista e a produção de periódicos, pois os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras atividades, para conseguir transformar a sociedade. Nas reuniões, nas atividades culturais e nas aulas, a leitura e discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, buscavam caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e atingir a meta final que era a revolução social. A produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Criou-se um caminho informal de aprendizagem e divulgação de idéias, fortaleceu-se uma espécie de rede de informações. Eles faziam reuniões em diferentes espaços, como fábricas, escolas ou centros de cultura para realizar a leitura em voz alta dos artigos de jornais e revistas, ações que propiciavam o processo de alfabetização de muitos trabalhadores (Cf. Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004). Os anarquistas acreditavam que essas ações fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa. De acordo com Neiva Kassick e Clóvis Kassick, O trabalho dos militantes na imprensa anarquista se deu também através da tradução de textos e de relatos de experiências libertárias em educação, que, às vezes, era responsável pelo fato de novas iniciativas serem conhecidas simultaneamente na Europa e no Brasil. Desse modo, os anarquistas brasileiros, em especial os educadores, puderam ter conhecimento imediato das experiências desenvolvidas fora do Brasil e que atendiam à demanda da educação popular em outros países. À medida que essas informações circulavam e eram discutidas, forneciam os instrumentos para que os trabalhadores pudessem avaliar as condições precárias da educação que lhes era oferecida e criar suas próprias alternativas (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.4). Devemos destacar que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades, o que configura um trabalho político importante. As estratégias de caráter pedagógico foram fundamentais para a ação anarquista. Os anarquistas acreditavam que a educação poderia atuar de modo significativo na mudança profunda da realidade e seria uma estratégia importante para implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata, onde cada um seria responsável pela gestão, ou seja, a educação libertária precisava desenvolver uma consciência anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, formando uma nova forma de organização social – a autogestão. Além da primeira Escola Moderna, criada, em São Paulo, no Belenzinho, na Revista A Vida, editada em 1915, é noticiada a criação de mais uma escola racionalista libertária em São Paulo, Escola Nova Acaba de instalar-se em São Paulo, à rua Alegria, 26 (sobrado), um instituto de instrução e educação, para meninos e meninas, e que se serve dos metodos racionaes e cientificos da pedagogia moderna. As materias de ensino são ministradas em três cursos especiaes, primario, medio e superior. Curso primario: portuguez, aritmetica, geografia, botanica, zoologia, caligrafia e desenho. Curso medio: portuguez, aritmetica, geografia, mineralogia, botanica, zoologia, fisica, quimica, geometria, historia universal, caligrafia, desenho. Curso superior: aritmetica, algebra, botanica, zoologia, mineralogia, fisica, quimica historia universal, geologia, astronomia, desenho, portuguez, italiano, espanhol, etc. Os cursos primario e medio acham-se a cargo dos educacionistas Florentino de Carvalho e Antonio Soares. O curso superior acha-se sob a direção de intelectuais de reconhecida competência, figurando entre eles o professor Saturnino Barbosa, Drs. Roberto Feijó, Passos Cunha, A. de Almeida Rego, Alfredo Júnior, os quaes lecionam materias de sua respectiva especialidade. Como se vê, a Escola Nova é uma bela iniciativa, que merece todo o apoio dos amigos da educação racionalista (A Vida, 1915, p. 79-80). Essas experiências pedagógicas assinalam as tentativas realizadas por aqueles que defendiam a proposta racionalista libertária para trilhar um caminho com o intuito de construir uma sociedade igualitária e justa. A educação foi a estratégia utilizada para instaurar a reflexão sobre as desigualdades sociais e econômicas. Muitos consideram essa estratégia utópica e ingênua, mas a opção por uma tendência política e a instalação de mecanismos políticos como os partidos ou a fundação de sindicatos tornam-se ineficazes, se aqueles que militam nessas instâncias não realizaram uma mudança profunda e radical de seus valores e princípios. Consideramos que a reversão de valores e princípios é imprescindível caso queiramos instaurar um novo tipo de homem e sociedade. É necessário empreender uma revolução política e econômica, aliada a uma revolução de princípios e valores, o que necessariamente nos faz passar pelas mudanças profundas no campo da educação. Não 10 marido. Com relação aos maus tratos, acusava o marido de lhe fazer ofensas físicas e morais, sendo que a última, que teria ocasionado sua fuga de casa, foi feita na base do chicote. Acusava também o marido de possuir duas amantes. Tudo foi confirmado pelas testemunhas arroladas. A apelante ganhou o processo e a posse dos filhos menores, assim como a pensão alimentícia. Recebeu como sua parte na separação dos bens a quantia de 14:612$000. Em 30 de dezembro de 1900 foi concluído o processo e efetuado o divórcio. O segundo, também envolveu uma família rica. Mariana Cândida de Almeida pediu divórcio de Benjamim José do Nascimento Pereira,[6] no ano de 1894. O marido recusou-se a cooperar com o processo, negando-se a fazer o inventário de seus bens. Conforme regia a lei, seus bens poderiam ser confiscados. A autuação começou em 1894. Os conjures casaram-se em 24 de dezembro de 1885. A requerente reclamava dos maus tratos que sofria nas mãos do marido. Ele chegava ao ponto de machucá-la. Além disso, havia também o agravante dele ser adúltero e forçá-la a manter relações sexuais contra sua vontade. Freqüentava, aos domingos, os pagodes e casas de jogos, de onde retornava só na segunda-feira. As testemunhas arroladas pelo advogado da suplicante confirmam as acusações de maus tratos, que ela teria recebido por parte do marido, e também, confirmam seus maus hábitos. A carta precatória saiu em 1896 e o processo foi encerrado. O terceiro processo envolve não apenas maus tratos entre os conjures, mas também se estende para os filhos. A requerente é Maria Brigida Balbina Palmeirão e o réu é Manuel dos Santos Palmeirão.[7] O processo teve início em 1923. O casamento ocorreu em 06 de fevereiro de 1904, ele comerciante com 26 anos de idade, ela com 17 anos de idade. A requerente pediu separação do marido tendo como razões, dentre outras coisas o fato do marido viver maritalmente com outra mulher em Juiz de Fora e de ser vítima de injúrias e a espancamento quando ele aparecia em casa. Consta dos autos que o oficial de justiça teve dificuldades em autuar o réu, que estava se escondendo da justiça. O casal possuía 4 filhos: Maria Augusta (18 anos); Cacilda (17 anos); Augusto Cesar (15 anos, estudante da Academia de Comércio); e Adélia (15 anos, estudante na escola Stella Matutina). Avaliava os bens imóveis do marido em cerca de l00 contos de réis. Nota-se nesse processo um grande número de testemunhas arroladas, a maioria tendo depoimentos extensos a cerca da vida do casal. Destacamos a 9a. testemunha da requerente: Aldhemar Ferreira Leite, 18 anos, analfabeto. Confirmou que o réu tinha uma amante e que ela era teúda e manteúda e que sabia disso porque a dita senhora era sua irmã. Contou que ela vivia honestamente com seu marido até que, a cerca de um ano atrás teria sido seduzida pelo réu, abandonando seu lar legítimo e forçando seu marido, por desgosto de saber da traição, a mudar-se para Petrópolis. Acrescentou que, a 3 meses aproximadamente, havia convencido a irmã a voltar atrás e se reconciliar com o marido, Oscar Ferreira Mattos, indo morar com ele em Petrópolis. No dia do embarque para a dita cidade. O réu teria aparecido na estação ferroviária e, com posse de um revolver, ameaçado de morte a amante, caso ela resolvesse abandoná-lo e ao irmão, caso insistisse em reconciliar o casal. Ele e a irmã foram socorridos por um grupo de senhores presentes naquele momento na estação. Para se defender, o depoente sacou um canivete. O episódio foi terminar na delegacia, onde o réu ameaçou o depoente com um processo criminal e convenceu a amante, dessa forma, a retornar com ele para sua companhia. As testemunhas arroladas pela defesa procuraram confirmar as boas qualidades do réu e diziam ser a requerente geniosa. Negavam o fato do réu ter uma amante. Algumas delas até confirmaram depoimento do réu de que a esposa era alcoólatra, chegada a feitiçaria e freqüentadora de casas espíritas. A. Ayres, 24 anos, casado, comerciante, oriundo de Recife, alfabetizado, contou que ouviu dizer em seu estabelecimento comercial, onde a requerente freqüentava quase que diariamente, que ela fazia feitiços contra o marido. Em seu depoimento final, a requerente chega a declarar que o réu não tinha idoneidade para ficar com a guarda dos filhos, pois que ele foi autor do defloramento das duas menores. Uma foi internada no Asilo João Emílio (segundo a requerente, como forma do pai se vingar pela filha não ter cedido aos caprichos dele), que a outra filha era casada com um indivíduo arranjado pelo réu. A requerente teve ganho de causa. O quarto processo foi o que Maria Luiza de Fátima moveu contra seu marido Antônio Delgado Pinto,[8] em 1921. Motivo: agressão do marido, que interferiu quando a esposa repreendia as filhas, dando-lhe um soco nas costas e partindo, em seguida, para cima dela com um faca em punho, ficando ela ferida. Deu parte na polícia. Segundo a queixosa, não seria esta a primeira vez que isso acontecia. Após o exame de corpo delito, os quesitos legais foram preenchidos e constatada a agressão. Uma testemunha arrolada deu o seguinte depoimento: Pedro Ferreira de Carvalho, 45 anos, solteiro, lavrador, disse que o casal é irreconciliável, não podendo mais viverem juntos. A causa do desentendimento seria o fato da requerente freqüentar culto metodista. A cerca de um ano ela se queixava do fato de receber ofensas físicas por parte do marido. A requerente ganhou a ação. 11 O último processo que temos a analisar não trata realmente de um caso apenas de violência física, mas de uma ação que uma menina moveu de nulidade de seu casamento, indo de encontro com a vontade de seus pais. Zulmira Berberick pediu em 1898 a nulidade de seu casamento com Henrique de La Pena Gusmão[9] (26 anos - professor). Segundo a requerente, ela foi forçada a uma casamento que não queria, e que hoje vive infeliz ao lado de um homem com o qual não tem bom relacionamento, por incompatibilidade absoluta de gênios. Ela diz ter abandonado o lar conjugal após ser agredida pelo marido. O casamento teria ocorrido em 15 de julho de 1897. Casamento feito sob contrato e em comum acordo entre o noivo e os pais da noiva. No entanto, ela nasceu em 27 de dezembro de 1883, não tendo, portanto a idade exigida por lei para que se casasse com o rapaz, que seria de 14 anos. Os pais, querendo o casamento dela, pediram uma certidão de nascimento onde ela aparecia 1 ano mais velha (fato favorecido por não haver mais Livro de Batismo na Matriz), ficando ela com idade para entrar com o pedido de casamento. Seus pais enganaram o padre, que agiu de boa fé. Tendo ela se casado quando era de menor, foi amparada pela lei, que concede a anulação do casamento de memores até seis meses após completar 14 anos. Da analise desses cinco casos pudemos chegar a algumas conclusões. A primeira é em relação à condição social e financeira: a maioria dos casais possuíam uma boa ou até excelente situação financeira, sendo figuras conhecidas na sociedade local. Em outros caso, verificamos que nos processos que envolviam pessoas de camadas baixas a separação ocorria em acordo mútuo, sendo o número de litígios, nesse caso, menor. A segunda diz respeito à atitude das mulheres agredidas com relação a seus maridos. Peguemos como exemplo o último caso: a princípio pareceria improcedente que uma adolescente de 14 anos, na virada do século XIX, orientada por um adulto dê início a uma processo de anulação denunciando seus próprios pais por terem fraudado a documentação para o casamento. A mulher que se separa no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX é uma mulher que embora não seja emancipada não está em acordo com o tratamento que recebe do marido. Ela exige respeito e rompe com uma relação conjugal que em muitos casos estudados já possuí mais de 10 anos. Ela prefere o estigma de ser divorciada ou separado do que permanecer ao lado de um homem que maltrata a ela e a seus filhos Em terceiro, pudemos constatar que muitos maridos colocavam a culpa do fracasso de seu casamento na esposa. Ela apanha por que é geniosa, gastadeira, porque não é boa dona de casa ou porque o marido desaprova sua religião. O homem não assumia seus erros, pois o chefe da casa nunca podia estar errado. Não que que a maioria das esposas fossem santas: também elas se mostravam em muitos casos intolerantes e agressivas. Os filhos sofriam com a agressividade dos pais, que pregavam uma moral que não tinham e chegavam a abusar deles. Se o homem está insatisfeito a culpa é da mulher que não soube satisfazê-lo. Haja visto a carga de responsabilidades que o novo modelo de família e de homem colocou sob suas costas. Ele havia sido criado em um sistema diferente e teve de seu pai um exemplo diferente. A urbanização era um processo novo e a maioria das pessoas haviam vivido na zona rural e pertencido a uma família que, se não era patriarcal, possuía ainda resíduos daquele modelo. Colocaríamos, portanto, o homem da virada do século como um homem em transição. Sua esposa já não é tão dócil quanto sua mãe o era: ela cobra seus deveres como homem e como marido. Sua própria inserção na sociedade estava mudando. Ela não aceita tão pacatamente o adultério do marido e nisso é apoiado pela ideologia sanitarista que os médicos brasileiros colocavam em prática no início do século, a exemplo do que vinha sendo feito na França.[10] Conclusão Em um estudo recente, Roger Langley e Richard C. Levy[11]analisaram nos EUA vários casos de espancamento de mulheres e levantaram vários motivos para a permanência desse problema dentro do núcleo conjugal. Muitos deles podem ser aplicados à mulher que viveu o clima de repressão masculina durante todo o século XX pois apesar das mudanças de mentalidade, muitos preconceitos encontram-se enraizados dentro da sociedade, no que tange as relações entre parceiros. A mulher que é espancada hoje, não difere muito da mulher maltratada da virada do século XIX para o XX, pois a culpa pelo fracasso da relação sempre há de recair sobre ela. O imaginário criado durante os últimos séculos leva a mulher a culpar-se por sua própria insatisfação, reforçando o mito da superioridade masculina. A violência é uma das formas de imposição de poder mais comum e própria da natureza do homem. Ela é usada geralmente contra o mais fraco, ou seja, contra mulheres, crianças e velhos. Para muitos a violência é um fenômeno que se localiza nas ruas, fora do ambiente familiar. Na verdade, é 12 nele onde ela começa a ser cultivada. Pessoas violentas provêm de famílias violentas, onde a criança é oprimia pelos pais e onde o marido bate ou ofende com gestos ou palavras a esposa. As pressões diárias o stress da vida urbana e de se viver em um país periférico como o Brasil já são por si só fatores que contribuem para o desequilíbrio de muitos lares. No entanto, no início do século os indivíduos entraram em choque com algo ainda mais desarticulador: o decadência da família patriarcal e a ascensão do modelo burguês da família nuclear. A revisão dos papéis do homem e da mulher, embora tivesse sido um processo inevitável, rompeu com uma antiga relação de poder que teve que ser estabelecida em outros níveis. O controle que o homem tinha sobre sua esposa e suas filhas já não mais o mesmo. O século XX cria o marginal, o homem pobre que trabalha na manufaturas, e estende a promiscuidade para a mulher que trabalha fora, comparada e classificada juntamente com as prostitutas.[12] O Estado passa a intervir na família através da medicina e da psiquiatria. Os sanitaristas encabeçaram esse movimento. Seguindo este raciocínio talvez devêssemos analisar a violência familiar naquele período como um processo de reorganização dos papéis sociais, da redefinição das fronteiras familiares onde a participação de todos os membros é revista e reorganizada de acordo com os interesses da sociedade burguesa e republicana em formação. É um momento de transformação das estruturas e relações de poder a nível individual e coletivo. A família não poderia ser colocada fora do processo. Sua intocabilidade é um mito que se opõe a todo um processo de revisão de valores que se inicia na célula familiar. É um paradoxo: a família que era símbolo de permanência (tradicional) dá espaço para a família dinâmica (moderna), simples em sua composição, sucessora de um modelo incompatível com a nova face do país, mas presa a costumes e hábitos que se chocam com as novas visões do mundo. Notas [1] Amor cortês foi a primeira manifestação de amor delicado. Era dirigido à mulher casada, considerada inconquistável. Ele era um jugo educativo pois ensinava a servir, e servir era o dever de todo bom vassalo. “Assim como sustentava a moral do casamento, as regras do amor delicado vinham reforçar as regras da moral vassálica. Elas sustentariam, assim, na França, na segunda metade do século XII, o renascimento do Estado.” (DUBY, Georges. Idade Média, Idade dos homens: do amor e outros ensaios. /trad. Jonatas Batista Neto/São Paulo, Cia das Letras, 1989. p. 65) [2] “Confessa-o o criminoso, que diz haver tido na noite de 17 do corrente forte discussão com a victima, acabando por garganteal-a covardemente, só deixando a indefesa e infeliz, depois d’ella haver exhalado o último suspiro nas mãos férreas do seu algoz” (Gazeta de Leopoldina. Barbaro crime. Leopoldina, 21 de ago. 1913, n. 105, anno XIX, p. 01. [3] Arquivo Histórico da UFJF. Processo criminal - 1897, sem numeração. [4] O divórcio, cuja significação difere da que possuí hoje, foi instituído no Brasil pelo Decreto 181 de 24 de janeiro de 1891 e reconhecido pela constituição em 1891, secularizando o casamento. Designava tão somente a separação de corpos e bens, concedida nos casos de: 1) adultério; 2) sevícia ou injúria grava; 3) abandono voluntário do domicílio conjugal por mais de 2 anos contínuos; 4) mútuo consentimento dos conjures, casados a mais de 2 anos. Não era permitido um segundo casamento. O desquite foi introduzido pelo Código Civil de 1916 e veio a substituir o divórcio, sem alterá-lo de forma significativa. (DICIONÁRIO de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas/MEC, 1988. pp. 366-7) [5] Arquivo Histórico UFJF. Doc.: 326A01, 66C50, 369A15, 19A17 e 33A12. Assunto: Ação de divórcio [6] Idem. Doc.: 13B13. Assunto: Ação de divórcio. [7] Idem. Doc.: 82B38. Assunto: Ação de desquite [8] Idem. Doc.: 71D60. Assunto: Ação de desquite. [9] Idem. Doc.: 88A04 01. Assunto: Anulação de casamento. [10] ARAÚJO, Rosa Maria Barbosa de. Op. cit. 1993. [11] LANGLEY, Roger, LEVY, Richard C. Mulheres espancadas: fenômeno invisível. / trad. Cláudio Gomes Carina./ 2. ed. São Paulo; Ed. Hucitec: 1980 [12] Ver: RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1889-1930. Op. cit. 1985. http://historiadoensino.blogspot.com/2007/08/violncia-familiar-na-repblica-1894-1926.html 15 Quanto à localização das escolas profissionais propostas pelo Governo central para os estados da Federação, essas foram dispostas seguindo um padrão de instalação administrativo e político. A localização das escolas obedeceu mais a um critério político do que econômico, pois foram instituídas nas capitais dos estados, embora, na época, poucas capitais contassem com um parque industrial desenvolvido e os estados tivessem suas atividades manufatureiras concentradas em outras cidades. As escolas constituíam eficiente mecanismo de “presença” e de barganha política do governo federal, nos Estados, junto às oligarquias locais. (idem, 2003, p. 83). Quanto à finalidade educacional das escolas, que foram chamadas de escolas de aprendizes, estas tinham bem claras as suas diretrizes e objetivos, ou seja, o de formação de operários, por meio de ensino prático de conhecimentos técnicos convenientes e necessários ao estado da Federação em que a escola estivesse funcionando, sempre consultando os industriais locais. Muitas dessas escolas permaneceram, mesmo após a Revolução de 30, durante a chamada Era Vargas. Ao assumir o poder em fins de 1930, o Governo Provisório, a fim de estabelecer seu regime administrativo (além de se estabelecer como poder vigente), já sob o comando de Getúlio Vargas, cria através do decreto n° 19.402, de 14/11/30, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, não se constituindo propriamente uma novidade, visto que no início da Primeira República um Ministério com a mesma nomenclatura havia existido. Naturalmente, não com todo o respaldo político agora embutido, e, por curto espaço de tempo (Romanelli, 1978, p.131). A esse novo Ministério criado pelo novo Governo competia o estudo e o encaminhamento de todos os assuntos referentes ao ensino, bem como aqueles atrelados à saúde pública e à assistência hospitalar. Através desse mesmo decreto as Instituições, Departamentos e Repartições públicas que estivessem de algum modo atrelados à área educacional ficariam vinculados a esse Ministério. O novo Ministério, sob o comando do Ministro Sr. Francisco Campos, criado com poderes amplos e com controle sobre o setor educacional, logo que surge, executa como uma das primeiras realizações a reforma conhecida como Reforma Francisco Campos, que se tornou efetiva através de uma série de decretos. Sendo eles os seguintes: • Decreto n° 19.850 – 11 de abril de 1931: cria o Conselho Nacional de Educação. • Decreto n° 19.851 – 11 de abril de 1931: dispõe sobre a organização do Ensino Superior no Brasil e adota o Regime Universitário. • Decreto n° 19.852 – 11 de abril de 1931: dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. • Decreto n° 19.890 – 18 de abril de 1931: dispõe sobre a organização do Ensino Secundário. • Decreto n° 20.158 – 30 de junho de 1931: organiza o Ensino Comercial, regulamenta a profissão de Contador e dá outras providências. • Decreto n° 21.241 – 14 de abril de 1932: consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário (Saviani, 2004, p. 32). Até a Reforma Francisco Campos, o Brasil não tinha uma estrutura de ensino organizado à base de um sistema nacional (Romanelli, 1978, p.131). Cada estado da Federação tinha seu próprio sistema, sem que este estivesse atrelado ao poder central. Por isso, sem ter uma política nacional de educação, o ensino secundário era ministrado na maior parte do território nacional como curso preparatório de caráter propedêutico. Além do mais, todas as reformas anteriores a de Campos, e que eram efetuadas pelo poder central, eram direcionadas quase que exclusivamente para o Distrito Federal. Eram colocadas como modelos para os estados, no entanto, sem que esses fossem obrigados a adotá-las. Desse modo, o Governo Central ficava sem ter o controle e sem direcionar a educação dos estados. À reforma educacional implementada por Francisco Campos é creditado o mérito de, pela primeira vez, ser colocada em prática no sistema educacional brasileiro uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior, que foi imposta a todo o sistema educacional do país, dando início à ação objetiva do Estado na Educação (idem, ibidem). Além das mudanças já mencionadas, estabelecia definitivamente o currículo seriado; a freqüência obrigatória; dois ciclos (um fundamental outro complementar), que se constituiriam em pré- requisitos para o ensino superior (FEE, 1983, p. 26). Fica claro na reforma apresentada a ênfase ao Ensino de Nível Secundário, o que pode ser explicado devido às pressões que o Estado sofria das classes médias urbanas que vislumbravam na educação um canal, ou seja, um veículo de ascensão social (SÁ, 1979, p. 56). 16 Apesar de já existirem à época manifestações e reivindicações que apontavam, e de certo modo, viam a necessidade de reestruturar e ampliar o ensino fundamental, é necessário salientar que embora a Reforma Campos fosse, de certo modo, mais objetiva na centralização do poder do Governo Central nas questões educacionais, este, no entanto, não foi contemplado. Os primeiros anos da década de 1930 foram marcados, no âmbito educacional, pelas idéias postas em discussão pelo que foi chamado, Movimento Escola, que teve sua gestação no início do Séc. XX, e que ganhou projeção em 1930, pelas mãos de Lourenço Filho, publicando o livro “Introdução ao Estudo da Escola Nova”. Esse movimento, que era formado por educadores da época, já havia se organizado, na década de 1920, em uma associação intitulada de Associação Brasileira de Educação, sob a sigla (ABE), tendo um papel importante como instrumento de pressão sobre as autoridades governamentais, no sentido de renovação do setor educacional. A Associação Brasileira de Educação realizou várias Conferências Nacionais de Educação. A primeira delas, em 1927, deu-se em Curitiba/PR (Romanelli, 1978, p. 130). Os integrantes desse movimento, intitulado de Escola Nova, também foram chamados de Renovadores da Educação e travaram um debate com os Educadores Tradicionais, revelando, desse modo, um antagonismo entre os grupos, tendo os “renovadores” uma visão mais adequada ao momento histórico, no qual se apresentava (FEE, 1983. p.27). Assim, os renovadores “... se opunham aquela concepção de educação de poucos, discriminada e incapaz de dar solução aos problemas práticos, símbolo de elite, uma educação fundamental, universal e ao mesmo tempo voltada para o trabalho produtivo, através de uma escola comum a toda população” (Sá, 1979, p. 62). E essa forma de pensar a educação no Brasil se tornou o conteúdo principal do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, lançado em 1932 (Saviani, 2004, p. 33). As idéias contidas no Manifesto dos Pioneiros, que, em síntese, eram a ampliação da educação pública, a gratuidade, o ensino laico, a obrigatoriedade e a igualdade de direito de gênero à educação, foram o foco principal das lutas pela transformação do sistema escolar vigente, o qual verá na Constituição de 1934, no capítulo II sobre educação, algumas de suas idéias contempladas. Apesar de toda ebulição provocada pelas idéias do Movimento Escola Nova, o que concretamente se realizou nesse período foi a Reforma Francisco Campos, que, mesmo conferindo uma nova estrutura ao sistema de ensino, não conseguiu romper com o velho molde elitista do ensino que caracterizou a fase anterior. À medida ignorou as necessidades do ensino primário e que, dentro do ensino técnico, só cuidou do comercial, deixando à margem o industrial – importante numa sociedade que se voltava cada vez mais para a industrialização, a Reforma acabou por aprimorar um sistema que atendia basicamente à demanda da burguesia e das classes médias. (FEE, 1983, p. 28). Mas, o Estado e o Movimento Escola Nova pareciam ter suas consciências atadas em diversos pontos, pois viam necessidade de atender às exigências que viriam com o avanço da industrialização e com o desenvolvimento dos centros urbanos. Além disso, os representantes dessa corrente de pensamento tinham a percepção de que a ampliação do sistema educacional só se daria de fato se fosse implementado pelo Estado e sendo a educação um importante instrumento de difusão ideológico, deveria ser controlado pelo mesmo (idem, ibidem). Vale lembrar que a política educacional do período privilegiou os níveis de ensino responsáveis pela formação das elites nacionais, o que, de fato, foi muito relevante para a formação dos quadros requeridos pelas novas atividades que estavam surgindo naquele momento e que garantiam a elite privilegiada um domínio cultural e econômico sobre o restante da população. Devido ao interesse do Estado, principalmente pelo ensino profissionalizante, “o setor educacional teve papel privilegiado no quadro das políticas sociais postas em prática” (FEE, 1983, p. 64). Nos anos que antecederam a 1937, houve no Brasil grandes debates sobre as diretrizes que deveriam orientar a educação. Essas discussões tinham como pano de fundo as idéias do movimento escolanovista, que de certo modo, viu-se representado na Constituição de 1934, principalmente nos aspectos relativos à gratuidade do ensino e sua universalização. Já na Constituição de 1937, as principais conquistas obtidas pela Escola Nova foram derrubadas, pois, o Estado de acordo com o novo texto, se eximia praticamente de ser o gestor educacional da sociedade, para ter um caráter mais suplementar sobre a mesma. Quanto ao ensino profissionalizante, este não foi “abandonado” pelo Estado, ocorrendo no caso, inclusive, o contrário, ou seja, o ensino profissional foi até implementado. O que ocorre a partir daí é que o Estado deixava clara a divisão de classes existente na sociedade. Pois esse nível de Ensino, como transparece na Constituição de 1937, era destinado às “classes menos favorecidas” (FEE, 17 1983, p. 65). Desse modo, tínhamos dois tipos de ensinos diferentes, para públicos também distintos. O ensino secundário tradicional, que formaria a elite dominante, ou seja, a classe dominante; e, de outro lado, o ensino profissional direcionado às classes que serviriam de mão-de- obra (idem, ibidem). A mesma Constituição estabelecia também que, as indústrias e sindicatos deveriam criar escolas profissionalizantes para filhos de seus empregados e associados. Assim, o Estado utilizava-se das empresas para fomentar o Ensino Profissionalizante, visto que o investimento aplicado na criação dessas escolas ficaria a cargo do empresariado, que sentindo a necessidade de obter mão-de-obra qualificada aderiu a essa tarefa imposta pelo Estado com o uso da lei, isto é, da Constituição em vigor. O Brasil tem sua gênese republicana, provinda de uma aristocracia rural assentada na força de trabalho escravo e não necessitava de meios e fórmulas educacionais destinadas à população até aquele momento, pois esta não precisava ter acesso educacional para executar o seu trabalho. Lembrando que, até este momento, a Educação no Brasil ficava restrita a um pequeno número de privilegiados, ou seja, estava direcionada e destinada, quase que na sua totalidade, à classe burguesa que despontava neste período. Os altos rendimentos provindos do sistema agrário resultaram, contudo, em acumulação de capital, formando com isto uma nova elite econômica/política no Brasil. Fazendo com que, mudasse a ordem econômica até então vigente. Ou seja, os lucros antes investidos somente na área agrária, agora serão investidos nas indústrias que começam a surgir nas grandes cidades. Com o aparecimento das indústrias no Brasil, e com elas, novas formas e processos de trabalho. Houve a necessidade de se criar condições, para que, o trabalhador fosse qualificado e até disciplinado para essa nova realidade imposta pelo capital. Essa mudança de comportamento por parte do capital (que passava de agrário para urbano/industrial), fez com que, o Governo Central, em conjunto com os Estados da Federação, desenvolvessem planos e ações com a finalidade de direcionar a Educação no Brasil. Deste modo, suprindo (em um primeiro momento), a falta de mão- de-obra operária, bem como, deu condições para se criar um contingente de reserva de trabalho, ou seja, possíveis empregados. Outro fato marcante, ocorrido nesse período, foi que o Estado, ao ditar as Leis e Diretrizes que seriam empregadas na Educação Brasileira, deixou clara a divisão social existente na sociedade. Pois diferencia, principalmente no Ensino Secundário, os educandos que seguiriam seus estudos direcionados às Universidades, que fariam curso propedêutico, dos que, seriam destinados à área operária, que fariam cursos técnicos. Não podemos nos esquecer que as Leis Educacionais, também foram usadas para imposições políticas e massificação ideológica, afim de, respaldar governos autoritários, garantindo com isto o controle social. Referências BONFIM, Manoel. O Brasil Nação. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1998. BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Educação no Brasil: Textos Selecionados. Brasília: MEC, 1976. CUNHA, Luiz Antônio C. R. Política Educacional no Brasil: A Profissionalização do Ensino Médio. Rio de Janeiro: Ed. Eldorado, 1977. EM FOCO, Manifesto dos Pioneiros da Educação, disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm, acesso 20.07.2007. FEE – Fundação de Economia e Estatística – Governo do Rio Grande do Sul. A Política Social Brasileira: 1930 – 64. Porto Alegre: FEE, 1983. KUENZER, Acácia Zeneida (Org.). Ensino Médio: Construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Ed. Cortez. 2005. LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2000. LOMBARDI, José Claudinei. A Escola Pública no Brasil – História e Historiografia. Campinas: Autores Associados 2005. MANFREDI, Silvia Maria. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Ed. Cortez, 2002. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Ed. Vozes, 1978. SÁ, Nicanor Palhares. Política Educacional e Populismo no Brasil. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. _________________. O Legado Educacional do Século XIX. Campinas: Autores Associados, 2006. http://www.espacoacademico.com.br/092/92tenorio.htm 20 pelas relações que devem ser consideradas, como as gradações de classe, sua definição em relação a outros grupos e suas divisões internas e estratificações, indicando que esse estudo deve ser um estudo da sociedade. Segundo esse autor, [...] classe não define um grupo de pessoas em isolamento, mas um sistema de relações tanto verticais quanto horizontais. Assim, é uma relação de diferença (ou semelhança) e de distância, mas também uma relação qualitativamente diferente de função social, de exploração, de dominação/ sujeição. (Hobsbawm, 1998, p.99). Classe social não é uma categoria isolada, englobando um complexo de relações que se configuram no sistema produtivo e nas possibilidades de inserção em outras instâncias sociais. São poucos os trabalhos sobre as classes médias brasileiras e sua identificação política. Carone, em seu estudo sobre o Estado Novo, na apresentação da estratificação sócio-urbana da cidade de São Paulo nos anos de 1930, divide a classe média em alta, média e baixa e já no prefácio do seu trabalho, na explicação do que seria abordado, assinala que na parte que trata das classes sociais, a classe média não é analisada por não ter encontrado material. (Carone, 1977, p.3). Sobre as classes médias, Fausto traz uma discussão, presente na historiografia brasileira, da vinculação desse segmento com o movimento tenentista8 e constata a dificuldade em conceituar essa camada social e estabelecer seus limites, indicando que a representação política das classes médias, pela própria heterogeneidade da categoria social, assume formas de natureza mais complexa do que a representação de outras classes ou frações. (Fausto, 1997, p.76-80). Em seu ensaio sobre as posições políticas da classe média no país, no período compreendido entre 1930 e 1964, Saes define-a como o conjunto dos trabalhadores não manuais. A herança do trabalho escravo estigmatizou o trabalho manual e criou uma barreira entre a classe média e o proletariado, afirma esse autor. A pouca proximidade da classe média em relação à classe trabalhadora é assim indicada pelo autor, [...] se fazem sentir sobre a classe média os efeitos ideológicos da supergradação do trabalho manual, devida a presença dominante, ao longo de quatro séculos, do trabalho escravo. Tal estigma do trabalho manual foi legado pela economia colonial e escravista ao capitalismo industrial nascente, gerando assim, desde o nascedouro, uma grande distância social e uma grande dificuldade de aproximação (não encontráveis, pelo menos ao mesmo nível de intensidade, no capitalismo europeu) entre a classe média e o proletariado nascentes. (Saes, 1996, p. 452 -453). O trabalho manual e o não manual demarcam uma linha divisória no capitalismo, porque em uma sociedade meritocrática, que valoriza o esforço e a abnegação, a hierarquia social advinda da divisão do trabalho retrata como mérito e desmérito, capacidade e incapacidade a colocação das pessoas no sistema produtivo, levada a efeito de acordo com as suas aptidões. Saes faz uma distinção entre a classe média superior, identificada com a burguesia agro- exportadora, que pregava a não intervenção do Estado na economia para que seus interesses não fossem atingidos e a classe média inferior, voltada para o projeto de industrialização, de expectativa de consumo e de bem estar e possibilidades cada vez maiores de inserção social, com a dinâmica desse sistema. (Cf. Saes, 1996, p.454 – 457). Os conteúdos expressos no jornal em pauta sugerem que a industrialização e o progresso desencadeado pelo estímulo a essa modalidade de produção foram valorizados em vários momentos, indicando que o A Voz traduzia os anseios de uma classe média predominantemente urbana, participante de um momento de desenvolvimento, retratado, inclusive, na própria descrição do processo de mudanças da cidade de São Paulo, que foi reconhecida no jornal somente pelo seu núcleo urbano, pois assim se identificavam as crianças e jovens que dele participaram. Pela especificidade do A Voz, não há nenhuma indicação explícita de posições políticas dispersas nas várias tendências daquele momento, em seus escritos, mas as aspirações ao progresso, que o jornal expressa tão bem, levam a considerar que talvez pela questão urbana e paulistana, a tendência que fica latente é de apoio ao incentivo à industrialização, apoio esse que naquele momento se caracterizava com a centralização do poder do estado. No início de sua exposição sobre a classe média Saes sugere que esse segmento social não tem uma única posição a cada momento da luta política, indicando sua heterogeneidade e certa maleabilidade decorrente da existência de diferentes situações de trabalho. Sobre os ideais dessa classe Saes assinala que mesmo na parcela que circunstancialmente se aproxima dos movimentos populares, a demarcação do trabalho manual se faz sentir. Essa é a contradição ideológica própria da classe média: enquanto expressão privilegiada da divisão capitalista do trabalho, tende a ser atraída para o campo ideológico da burguesia (ou a uma das fracções burguesas), quanto pode se unir politicamente ao proletariado em lutas que não ultrapassem um certo limite: o da supressão da divisão entre trabalho manual e trabalho não-manual. (Saes, 1996, p.452). Com o desenvolvimento do capitalismo, a diversidade de atividades decorrentes das mudanças ocorridas nas relações econômicas indicava a possibilidade de mobilidade social, expressa no jornal enquanto fruto do esforço pessoal através da escolarização, que é destacada para cumprir as exigências dessa nova organização social. 21 O esforço pessoal e a escola como fatores de ascensão social e também resolução da pobreza e das desigualdades sociais são assim descritos, na Reprodução de uma história com o título Os dois meninos: Havia, numa pequena cidade, dois meninos. Um deles era rico e morava em um lindo palacete; o outro era pobre e vivia modestamente numa casinha campestre. Certo dia ia o menino pobre correndo a caminho da escola, quando ouve chamados. Era o menino rico que lhe pedia para brincarem juntos. Mas, como a sineta da escola tocou, o pobre parou, apenas alguns minutos.[...] Passaram-se os anos: os dois garotos de outrora são agora dois homens feitos. O pobre estudou e com isso lucrou muito. Um dia ele resolveu visitar aqueles lugares por onde passava a caminho da escola. [...] Ouve então uma débil voz que lhe implora uma esmola. Deu ao pedinte alguns níqueis e perguntou-lhe onde estavam os moradores do castelo, hoje desmoronado. O pobre lhe contou que ele era o menino rico. O outro [...] pensou como tinha sido bom ter estudado, pois agora era um homem útil, que conseguira vencer na vida. (A Voz, n.54 dez.1940). Esses escritos fornecem uma amostra do ideal moral fundado no mérito que envolvia a escola naquele momento. Sobre a constituição do liberalismo como política educacional e a ilusão liberal de ascensão social pela escolarização, Xavier destaca que no período pós-república, no processo de organização social de uma sociedade aberta houve [...] a incorporação definitiva dos pressupostos educacionais liberais na crença das camadas subalternas e também das camadas médias. (Xavier, 1990, p. 63) Pressupostos que indicavam a escola como alternativa e possibilidade de um futuro melhor. O jornal exteriorizou alguns conceitos quando as matérias referiam-se às crianças pobres, retratadas também como operárias e desvalorizadas enquanto camada social, porque despossuídas de educação e diferentes dos padrões de comportamento das classes médias, como também caracterizou o esforço pessoal como fator fundamental para que as pessoas alcançassem os benefícios de uma educação escolarizada e galgassem uma situação de bem estar social e para o futuro do país. O acesso à educação escolarizada Qual era a possibilidade de acesso à educação escolarizada das crianças e jovens na cidade de São Paulo nas décadas de 1930 e 1940? As escolas primárias ou cursos elementares públicos, freqüentados por crianças de 7 a 11 anos, atraíam as camadas pobres da população, como indicam os estudos de alguns autores que se debruçaram sobre essa questão e que serão mencionados. A crescente expansão da cidade e da população não foi contemplada com um número necessário de vagas nessas escolas e, conseqüentemente, uma parcela da população não freqüentava esses cursos, mesmo constatando-se que São Paulo, estado de referência econômica e de iniciativas educacionais, evidenciava um avanço nas matrículas escolares. Paiva confirma essa tendência regional, no seu trabalho sobre educação popular, 9 O aumento das redes do ensino elementar devia-se fundamentalmente aos esforços estaduais. Em termos nacionais tanto as despesas quanto os níveis de atendimento são incomparavelmente maiores no Centro-Sul que em qualquer outra região do país; manifesta-se claramente na educação a desigualdade de riqueza regional. [...] em 1937, com uma população escolar de mais de 7 000 000 crianças (entre 7 e 12 anos) o atendimento ia pouco além de 2 600 000 crianças, correspondendo a pouco mais de 37%. (Paiva, 1987, p.115 -117) Sobre o acesso da população aos cursos elementares, em São Paulo, o trabalho de Sposito indica, [...] após 30 continua a ser ampliada a oferta de vagas nas escolas primárias da cidade de São Paulo, mantendo-se um elevado nível de atendimento. Mesmo assim, frente a demanda da população com a expansão urbana, um número considerável de crianças não conseguia freqüentar os cursos primários. (Sposito, 1984, p. 32 - 34) A afirmação de Sposito quanto à expansão nas matrículas nos cursos elementares é apresentada por Romanelli no quadro sobre a evolução do crescimento populacional e a escolarização no Brasil. Sobre os cursos primários no período analisado nesta pesquisa, a autora demonstra que, para uma população de 12.703.077 pessoas, em 1920, ocorreram 1.033.421 matrículas nos cursos primários; em 1940, a população representava 15.530.819 pessoas e as matrículas para esse grau de ensino foram 3.068. 269, ou seja, as matrículas triplicaram em 20 anos bem acima da proporção do aumento da população. (Cf. Romanelli, 1978, p. 64) 10. A propagação dos cursos elementares, na década de 1930, abriu uma via de acesso à educação escolar para camadas da população que ainda não haviam assimilado a escolarização como projeto de ascensão social, porque em processo de inclusão no recente sistema produtivo que se ampliava. Além de não ser contemplada como um todo pelos grupos escolares, a continuidade da escolarização das camadas populares tinha alguns entraves: a maioria das escolas secundárias, destinada às crianças e jovens de 12 a 18 anos, até meados dos anos de 1940, pertencia à iniciativa privada e esses cursos secundários, recentemente organizados com a Reforma Francisco Campos em 1931, apresentavam vasta abrangência de conteúdos, um sistema rígido de avaliação, afastando boa parte da população que não se via representada 22 nessa escola e não deixando dúvidas sobre o caráter elitista desse grau de ensino na época. 11 Por outro lado, o exame de admissão não oferecia continuidade entre os cursos elementares e os secundários. Os dados numéricos do trabalho de Romanelli sobre o crescimento populacional e a escolarização ilustram também a diferença de matrícula na passagem dos cursos primários para os secundários ou médios. Em 1920, 1.033.421 era o número de matrículas nos cursos primários e no ensino médio, 109.281; em 1940, estavam matriculadas no ensino primário 3.068.269 pessoas e no ensino médio, 260.202, demonstrando o baixíssimo número de crianças matriculadas no ensino médio. (Cf. Romanelli, 1978, p. 64). Em meados da década de 1940, a reivindicação pela continuidade da escolarização, com os cursos secundários, fez parte da organização dos movimentos de bairros em São Paulo, como demonstra o trabalho de Sposito, indicando que nos anos de 1930 havia somente um curso secundário público na cidade e que após o Estado Novo, em 1945, com o fim do autoritarismo, movimentos populares se organizaram em várias regiões da cidade de São Paulo, reivindicando melhores condições de vida e incluíram os ginásios públicos na sua pauta. (Cf. Sposito, 1984, p. 220-241). A organização popular e a pressão por escolas, contemplados por Sposito, são indicativas da ineficiência do Estado em beneficiar essa população. Esses movimentos demonstram que as camadas populares se mobilizavam, segundo o contexto e suas possibilidades de organização, para aumentar sua quota de participação no acesso à educação escolar. Os projetos educacionais no período não foram homogêneos nos seus objetivos, mas promoveram diretrizes nacionais quanto à escolarização da população. Além das tentativas de disseminação da escola elementar, que não atendeu a demanda, houve um movimento para situar a educação no projeto de desenvolvimento capitalista, com a implementação dos cursos técnicos profissionalizantes. Nos anos de 1930 a legislação educacional incluiu em sua pauta o ensino comercial como ensino médio, e a criação de Liceus Industriais12, nos centros urbanos, foi incentivada pelo governo central, visando à formação de mão de obra qualificada para o sistema produtivo que se expandia. Nos anos de 1940, a Reforma Capanema prevê o ensino industrial como nível médio. Esses cursos eram terminais, com objetivos diversos dos cursos secundários voltados para a continuidade da escolarização: os cursos universitários que se organizavam no país. O que não deixa dúvidas é que houve um avanço considerável na procura por escolarização a partir da década de 1930. Mesmo assim Beisiegel nos indica que a década de 1940 não apresentou mudanças significativas no ingresso aos cursos secundários, para boa parte da população. Segundo esse autor, A legislação em vigor nas décadas de 40 e 50 preservava a antiga organização “dualista” do ensino, caracterizada pela coexistência de algo como dois sistemas paralelos de educação, um para o povo em geral e outro para as elites, o primeiro iniciado na escola primária e continuado depois nas escassas escolas profissionais de nível médio então existentes, e o segundo, igualmente iniciado na escola primária e continuado depois na escola secundária, organizada com a intenção de encaminhar sua clientela para as escolas superiores e para as posições mais privilegiadas na sociedade. (Beisiegel, 1995, p.393). Considerações finais As dificuldades de acesso e de continuidade da trajetória escolar, no período, demonstram que no processo de desenvolvimento capitalista, as camadas sociais se inseriram na escola de acordo com a sua posição no sistema produtivo. O discurso que acompanhou os benefícios da educação, como um direito de todos, e o que se consolidou como sistema educacional para a população em geral é indicativo do movimento contraditório entre o preconizado como ideal e as limitações do projeto educativo. Para justificar o distanciamento da escolarização pela maioria da população, é colocada uma questão valorativa, demonstrada pelo mérito ou esforço pessoal como premissa para essa inclusão. Em seu estudo sobre a educação e os princípios do liberalismo, Xavier destaca que a organização da educação escolar foi uma resposta às necessidades reais do país, indicando que a adequação do ensino está diretamente relacionada ao processo de desenvolvimento. (Cf. Xavier, 1990, p. 59). Os limites das mudanças no processo de modernização capitalista foram acompanhados pelos limites de acesso à educação. A crença na valorização da educação escolar como elemento fundamental de inserção social e de saída do atraso e o fato da escola não contemplar a população como um todo e dos diferentes graus de ensino estar ao alcance dos diferentes segmentos sociais, traduz como foi encaminhado o processo de modernização no país, que não absorveu a demanda por inserção social, mesmo que as décadas de 1930 e 1940 apresentassem uma conformação de abertura no sistema produtivo. Xavier, sobre o ideário liberal que propunha a escola pública e gratuita, afirma, [...] os ideais liberais da escola redentora, promotora de progresso individual e social, móvel do desenvolvimento econômico, acabaram por se traduzir na acanhada defesa da ampliação do sistema tradicional que produzia elites dominantes. (Xavier, 1990, p.61). A educação escolar atendeu a população dentro das ambigüidades da constituição das diversas camadas sociais, com projetos diferenciados a serem alcançados pelas condições dos vários segmentos que compunham 25 2) perda de representatividade da classe dirigente - e, em conseqüência, de sua exemplaridade - que assim se transforma em dominante parasitária; 3) aliadas estas duas condições à presença de um líder dotado de carisma de massas, teríamos todas as possibilidades de que o populismo se constitua e alcance ampla significação social”. Com efeito, para o referido autor, se o populismo liga-se a ascensão das massas e sua incorporação ao regime, o nacionalismo foi sua expressão global, emergindo, diretamente ao nível de Estado e, conclui: “o populismo é, no essencial, a exaltação do poder público; é o próprio Estado colocando-se através do líder, em contacto direto com os indivíduos reunidos na massa”.1 Nesse contexto, o desenvolvimento baseado nas exportações tradicionais e na substituição de importações se esgota. Prebisch (1963, p. 87) demarca com precisão: “Está-se agora entrando e avançando na substituição de bens intermediários, ou bens duráveis de consumo ou capital que, além de serem de fabricação complexa requerem um mercado de dimensões muito superiores aos dos nacionais”. Assim, o processo de industrialização pautado sob o capital estrangeiro intensifica-se na década de 50 mais, precisamente, sob a era Juscelino Kubitschek. Noutros termos, o aporte de recursos internacionais apresenta-se como solução alternativa de desenvolvimento econômico; isto é, inaugura-se um novo modelo de industrialização. Para tanto, é necessário reformular o papel do Estado para dar curso as idéias desenvolvimentistas do governo respaldadas em seu Plano de Metas. Sem dúvida, a partir desse contexto, passa-se a admitir a idéia de planejamento. É dessa fase a operação Panamericana que tinha como apelo vencer o subdesenvolvimento. Seus principais resultados foram o BID e a Aliança Para o Progresso. Em âmbito regional, dá-se a criação do Banco do Nordeste (1952) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE (1959). Na década de 60, com a posse de Jânio Quadro (1961), enfatizou-se uma ambígua política externa independente utilizada pelo governo como instrumento de pressão para vantagens e concessões, numa tentativa de buscar apoio internacional para um plano nacional de desenvolvimento. Como lembra Dupas (2005, p. 16): “há indícios, pois, que na década de 1960, ao afirmar conceitos e iniciar barganhas para obter ajudas ao desenvolvimento - que a confrontação ideológica permitia e incentivava -, os países subdesenvolvidos fizeram germinar uma tentativa, a partir da periferia, de induzir em nível sistêmico um direito de crescer e desenvolver”. Com a renúncia de Jânio Quadros, assumiu o governo João Goulart, posteriormente, deposto pelo golpe de Estado de 1964. São desse período a Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), reformas de base e a idéia de dependência econômica e tecnológica. A par desse estado de coisas, escreve Ianni (1975, p. 9): “sob vários aspectos, o populismo Latino-Americano parece corresponder a uma etapa específica na evolução das contradições entre a sociedade nacional e a economia dependente. A natureza do governo populista está na busca de uma nova combinação entre as tendências do sistema social e a determinação da dependência econômica”. Além disso, na ótica de Raúl Prebisch há os defeitos inerentes a toda burocracia de subdesenvolvimento. No entender do autor (1963, p. 74), “o anacronismo do Estado não se manifesta unicamente em seu funcionamento administrativo, mas também na pequena capacidade do mecanismo existente para fazer surgir novas concepções, para formular e executar uma política nacional de desenvolvimento”. No Estado de Sergipe, todos esses fenômenos se refletiram com nuances específicas e ritmos diferenciados nas esferas política, econômico-social, cultural e educacional. O Estado, nessa fase, encontrava-se dominado pelas oligarquias, que tinham como base de sustentação econômica a propriedade fundiária representativa dos usineiros, fazendeiros e do setor mercantil. Decorrente do processo de redemocratização institucional do País, ocorreu em Sergipe eleições para governador, sendo eleito em janeiro de 1947, o engenheiro José Rollemberg Leite apoiado pela coligação partidária PSD/PR e com o apoio da igreja católica. Em seu governo, Rollemberg Leite enfrentou profundas desigualdades sociais e econômicas e, no plano político, foi incomodado por disputas ideológicas representativas da política nacional. A esse respeito é ilustrativa a voz do deputado 1 Weffort, Francisco citado por Correia, Ovídio Valois op. cit., p. 224. 26 estadual Armando Domingues, eleito pelo PCB, que ergue-se em defesa da democracia e denuncia as injustiças cometidas pelo governo federal (governo Dutra), que pôs na ilegalidade o PCB. Após o golpe de Estado de 1964 que depôs o então governador eleito João de Seixas Dória e, por conseguinte, dos rumos do processo político pós-golpe, assumiu o governo do Estado o vice- governador Sebastião Celso de Carvalho. Os governos posteriores eleitos, indiretamente, pela Assembléia Legislativa foram: Lourival Baptista, João Andrade Garcez (governou o Estado por um período de 6 meses), Paulo Barreto de Menezes e, por fim, José Rollemberg Leite reconduzido ao governo do Estado na condição de governador biônico. Nessa fase, Sergipe foi marcado por processos de transformações econômico-sociais e de um acelerado processo de urbanização, ambos derivados da descoberta de Petróleo no ano de 1963, efetivando-se nos anos seguintes a sua exploração e de outros minérios, como são o caso do potássio e da salgema. Vale notar que, posteriormente à criação da SUDENE (1959), o poder estatal implementou ações governamentais que deram curso às políticas de desenvolvimento regional, em grande parte formuladas pela SUDENE. Ilustrativa dessa política é a criação no Estado do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Sergipe (CONDESE) no ano de 1959 (governo Luiz Garcia 1959-1962). Verifica-se assim, que todos esses processos aludidos nesta introdução causaram de uma maneira geral na sociedade brasileira fortes impactos em suas estruturas políticas, econômicas e administrativas, gerando deste modo, no âmbito de poder do Estado, novas atitudes sustentadas no ideário nacional-desenvolvimentista e de suas correspondentes ações de planejamento governamental. Com base neste mapeamento, tentei delinear os mais diferenciados fatores que geraram o Brasil- Nacional-Desenvolvimentista no período de 1947-1951 e, que, conseqüentemente, moldaram um novo cenário para a educação brasileira. Resumidamente, é a partir da Constituição de 1946 que se estabelece que à “União caiba legislar sobre as diretrizes e bases da Educação Nacional”, cabendo então ao ministro Clemente Mariani (1948) dar projeto de reforma geral da Educação, tendo como eixo central traçar as novas bases da Educação Nacional (Fazenda, 1985). É nesse quadro que tramitou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 4.024), aprovada e sancionada no ano de 1961. São por demais conhecidas as polêmicas suscitadas decorrentes desse projeto centradas nos embates escola partícular x escola pública e centralização x descentralização (Saviani, 1973). Portanto, no âmbito da educação formula-se a tese da educação como instrumento de desenvolvimento social e, para tanto, o ponto de partida está na educação. No entender de Prebisch (1963), a educação enquanto um elemento dinâmico do processo de desenvolvimento, não se limita ao campo estrito da economia, mas alcança todo o horizonte da sociedade. Deste ponto de vista, a primeira expressão tangível da política redistributiva da renda deverá começar pelo investimento social nos recursos humanos e pela efetiva oportunidade de acesso a educação. Sob o influxo dessa concepção de Educação, passa-se então a admitir a idéia de planejamento impondo dessa forma ao Estado funções complexas. À luz destas considerações iniciais, pretendo contribuir neste colóquio para a discussão em torno das seguintes questões: como se desenvolveu no período em questão, a relação entre educação e desenvolvimento numa sociedade marcada pela exacerbada concentração de renda e sem ruptura de sua estrutura social; indico ainda para o debate, qual o papel que coube ao Estado brasileiro face à evolução do capitalismo em sua fase monopolista e sua relação com a Educação? Sem dúvida, considero que qualquer que seja a síntese de nossas discussões neste colóquio, possibilitará para nós uma reflexão mais apurada acerca da relação ciência e sociedade nesta primeira década do século XXI. François Châtelet em entrevista com Émile Noël referindo-se sobre as crises atravessadas pelo mundo no século XX - as duas guerras mundiais, com suas monstruosidades e suas conseqüências políticas -, nos interpela: “não há nada a fazer; é assim mesmo. ‘Transformação’ não quer dizer que as coisas fiquem melhores, em geral. Elas também não estão piores, em geral. Não devemos cair em uma morosidade regressiva. O futuro risonho deve ser recusado, da mesma forma que os bons velhos tempos” (1994, p. 153). 2. A HISTORIOGRAFIA EDUCACIONAL EM SERGIPE (1945-1964): ESTADO DA ARTE O foco temático dado possibilitou-nos uma incursão pelas fontes educacionais catalogadas e disponibilizadas nos catálogos de fontes primárias e secundárias da Educação do Estado de Sergipe (volumes 1 e 2)2 e o cotejamento de pesquisas em andamento e de pesquisas já realizadas. Para 2 Trata-se de publicações do Núcleo de Pesquisa Sociedade e Educação da Universidade Federal de Sergipe - GT Histedbr/estadual. 27 efeitos de informação, identificamos, inicialmente, 49 trabalhos abrangendo o período em questão e que incidiram em sua grande parte na temática educação e desenvolvimento; além de relatórios, artigos em revistas especializadas, jornais, referências legislativas (Leis, Decretos, Portarias), Livros de Atas e publicações oficiais (órgãos e mensagens governamentais, congressos, etc.). Neste vasto material pode-se destacar estudos contextualizados e concentrados na educação pública no Estado, com enfoques na relação estado e educação, administração e gestão da educação escolar; análises sobre currículo, educação e cultura, ensino e aprendizagem, idéias pedagógicas, ensino secundário, ensino profissionalizante, ensino superior, instituições educacionais, movimento estudantil, educação e meios de comunicação, a exemplo de estudos de caso sobre o Movimento de Educação de Base em Sergipe (MEB)3, salientando o método Paulo Freire de alfabetização, o Centro Popular de Cultura, movimentos pedagógicos (ruralismo), educação de adultos, teorias educacionais, livros didáticos, dentre outros. No meu caso específico, venho aprofundando estudos relacionados com o ruralismo pedagógico e a sua manifestação no Estado, privilegiando o período (1947-1951), representativo da política de cooperação entre o governo federal (era Dutra) e o governo estadual (Rollemberg Leite) para a execução de programas de Educação Rural, expandindo dessa forma, a rede física de educação básica em vários municípios do Estado. A respeito desse período os trabalhos de: José Rivadálvio Lima (Cinqüentenário do Colégio Estadual Murilo Braga: 1949-1999); Hamilcar Silveira Dantas Júnior (Estado, Educação e Hegemonia: reflexos da pedagogia experimental da educação física em Sergipe 1947-1951) e Elvoclébio de Araújo Lima (A Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos em Sergipe 1947-1951), trouxeram contribuições instigantes sobre o movimento renovador da Educação Brasileira e seus reflexos nas políticas educacionais no Estado. Outros registros significativos para a historiografia educacional em Sergipe são os trabalhos de José Antônio Nunes Mendonça, contemplando temáticas relacionadas com a concepção teórica da educação de inspiração escolanovista, incluindo aí uma interlocução com J. Dewey, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, dentre outros intelectuais de seu tempo histórico. Também em seus estudos são relatados e analisados aspectos pedagógicos intrínsecos à educação escolar em Sergipe. O autor apresenta ainda em diversos trabalhos sugestões para a renovação da escola primária. Destaco sua obra intitulada “A Educação em Sergipe”, editada em Aracaju, no ano de 1958, pela Livraria Regina, resultante da execução do projeto Capes 448/CBPE, 24-26. Incluo nestes registros as publicações de livros didáticos direcionados ao Curso Primário de Acrísio Cruz: “Ciências Físicas e Naturais”, editado pelas Oficinas Gráficas da Livraria Monteiro: Aracaju/Sergipe, s/d e “Acentuação Gráfica”, também editado pelas Oficinas Gráficas da Livraria Monteiro. Do autor, são ainda os artigos “Carência Lúdica e Escolaridade”, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (INEP), v. XV, nº 41, Rio de Janeiro: 1951; “Personalidade Infantil e Escola”, Revista Neurobiologia, tomo VI, nº 04, dezembro. Recife/PE: 1943. A par disso, acentuamos a monografia “Ideologias e Utopias na História da Educação (o processo de criação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe 1950-1951)” de Luís Eduardo Pina Lima, onde o autor historiciza a criação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe e analisa as projeções ideológicas expressas no discurso da intelectualidade da época, segundo alguns aspectos do pensamento de Karl Mannheim. Contribuiu também para o debate em torno das políticas governamentais para a educação na década de 60, Dilma Maria Andrade de Oliveira, com o seu trabalho “A Participação da USAID na Educação em Sergipe - 1989”, onde a autora analisa, criticamente, o acordo de cooperação assinado pelos governos dos Estados Unidos da América e do Brasil para a promoção do desenvolvimento sócio-econômico do Nordeste brasileiro, com destaque para os órgãos responsáveis pela sua execução (USAID/SUDENE). Nesse sentido, a autora mostra o que representou a política norte-americana da Aliança para o Progresso para a América Latina sob a égide do imperialismo. Para a análise da Juventude Universitária Católica (JUC) no meio estudantil no Brasil e no Estado de Sergipe durante o período que antecedeu ao golpe de Estado (1958-1964), a dissertação de mestrado de Antônio Ramos aborda a relação igreja e estado no Brasil e discute a ingerência da igreja católica na elaboração da Lei Federal nº 4.024, de 20/12/1961, utilizando a LEC como instância de agrupamento político de pressão. O estudo conclui que em âmbito estadual, a JUC manteve-se adesista aos interesses da igreja católica, portanto desarticulada com as lutas sociais mais conseqüentes face a democratização da sociedade brasileira. 3 O MEB foi um movimento de inspiração da igreja católica, sob a responsabilidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), elevado a nível de política governamental pelo Presidente Jânio Quadros, com o Decreto nº 50.370, de 21 de março de 1961.
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