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Guias e Dicas
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A problematização do cotidiano dos alunos no ensino aprendizagem de física, Notas de estudo de Física

Que potencialidades uma prática problematizadora do cotidiano pode trazer para o ensino eaprendizagem de Física?

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 04/08/2009

Alexandre98
Alexandre98 🇧🇷

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Baixe A problematização do cotidiano dos alunos no ensino aprendizagem de física e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA – CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA CURSO DE LICENCIATURA EM FÍSICA A PROBLEMATIZAÇÃO DO COTIDIANO DOS ALUNOS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE FÍSICA PAULO VINÍCIUS DOS SANTOS REBEQUE ILHA SOLTEIRA - SP NOVEMBRO DE 2008 Paulo Vinícius dos Santos Rebeque A PROBLEMATIZAÇÃO DO COTIDIANO DOS ALUNOS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE FÍSICA ORIENTADORA: Profª. Drª. Darcy Hiroe Fujji Kanda CO-ORIENTADORA: Profª. Ms. Noemi Sutil ILHA SOLTEIRA - SP NOVEMBRO DE 2008 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Licenciatura em Física. iii “Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos” - Albert Einstein - Preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. - Luís Fernando Veríssimo - iv RESUMO Os conteúdos abordados em muitas aulas de Física se limitam a mera memorização de princípios, teorias e leis necessários apenas à resolução mecânica de exercícios em sala de aula, sem o estabelecimento de vínculo algum com o cotidiano. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo identificar, analisar e discutir potencialidades da problematização do cotidiano dos alunos, no ensino e aprendizagem de Física, considerando o desenvolvimento de uma proposta educacional. Essa proposta educacional se baseia em 02 (duas) concepções de problematização, destacadas por Demétrio Delizoicov, uma embasada na perspectiva de Gaston Bachelard, que defende a problematização como a “gênese do conhecimento” e outra na perspectiva de Paulo Freire, com a problematização como “eixo estruturador da atividade docente”. A pesquisa foi realizada no contexto de um mini-curso intitulado Física Cotidiana, realizado nos meses de agosto e setembro de 2008, com alunos do Ensino Médio da Escola Estadual de Urubupungá, na cidade de Ilha Solteira – SP. Os dados são constituídos por registros escritos em “Diário de campo”, elaborados pelo próprio pesquisador, gravações em vídeo das aulas, questionário e entrevistas. A análise de dados foi efetuada considerando procedimentos característicos da Análise de Conteúdo. O trabalho apresenta resultados e discussão referentes às diferentes características de problematização e algumas potencialidades da problematização como a dialogicidade entre professor/aluno e aluno/aluno, interesse e motivação para a aprendizagem de Física, reorganização curricular e associação da Física com o cotidiano e outras áreas de conhecimento. Palavras chave: Ensino e aprendizagem de Física; Problematização; Cotidiano. v ABSTRACT The content covered in many Physics’classes are limited to mere memorization of principles, theories and laws necessary only for mechanical resolution or solving of exercises in the classroom, without the establishment of a link with daily life. Accordingly, this study aims to identify, analyze and discuss the potentialities of students daily life problem-posing in Physics’ learning, considering the development of an educational proposal. This educational proposal is based upon 02 (two) conceptions of problem-posing, highlighted by Demétrio Delizoicov, based upon a perspective of Gaston Bachelard, which argues problem-posing as "genesis of knowledge" and another with the prospect of Paulo Freire, with a problem-posing as "structuring axis of teaching". The study was conducted in the context of a mini-course called Daily Physics, developed in August and September of 2008, with high school students in Escola Estadual de Urubupungá in the city of Ilha Solteira/SP - Brazil. The data consists of written records in "Field Diary", made by the researcher himself, in video recordings of lectures, questionnaire and interviews. The data analysis was done considering characteristic procedures of the Content Analysis. This work presents results and discussions relating to different characteristics of problem-posing and some problem-posing potentialities as dialogue between teacher/student and student/student, interest and motivation for Physics learning, curriculum reorganization and association of Physics with daily life and other areas of knowledge. Key words: Physics teaching and learning; Problem-posing; Daily life. viii SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ...............................................................................................................ii RESUMO ..................................................................................................................................iv ABSTRACT ...............................................................................................................................v LISTA DE FIGURAS ...............................................................................................................vi LISTA DE TABELAS .............................................................................................................vii SUMÁRIO...............................................................................................................................viii INTRODUÇÃO Problematização .................................................................................................11 Questão de Pesquisa ...........................................................................................13 CAPÍTULO PRIMEIRO - REFERENCIAL TEÓRICO 1.1 A pedagogia libertadora de Paulo Freire...................................................16 1.2 Concepções de Problematização ................................................................ 19 1.2.1 Problema como gênese do conhecimento ................................................................19 1.2.2 Problema como eixo estruturador da atividade docente...........................................22 1.3 O processo de Problematização ..................................................................25 SEGUNDO CAPÍTULO - METODOLOGIA 2.1. A Pesquisa Qualitativa................................................................................29 2.2. A Coleta de Dados .......................................................................................30 2.3. Dificuldades na realização do mini-curso .................................................31 2.4. A Metodologia de Ensino............................................................................33 2.5 As entrevistas com os alunos .......................................................................38 TERCEIRO CAPÍTULO - RESULTADO E DISCUSSÃO 3.1 Primeira Etapa: escolha e preparação do material ..................................40 3.2 Segunda Etapa: construção do conteúdo programático ..........................41 3.2.1 A escolha das situações significativas......................................................................41 ix 3.2.2 Interpretação das situações significativas ................................................................43 3.3 Terceira Etapa: dimensões de análise ........................................................45 3.3.1. Primeira Dimensão: diálogo....................................................................................46 3.3.1.1 Ausência de diálogo ...................................................................................................... 46 3.3.1.2 Presença de diálogo....................................................................................................... 48 3.3.2 Segunda Dimensão: concepções de Física ...............................................................50 3.3.2.1 Física associada à matemática....................................................................................... 50 3.3.2.2 Física associada ao cotidiano ........................................................................................ 51 3.3.3 Terceira Dimensão: diferença entre as aulas do mini-curso e da escola..................51 3.3.4 Quarta Dimensão: própria prática educacional ........................................................52 3.4 Quarta Etapa: potencialidades da proposta de ensino e aprendizagem de Física ...............................................................................................................53 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerações Finais................................................. Erro! Indicador não definido. ANEXOS I.1. Respostas dos Questionários.......................................................................64 II.1. Entrevista semi-estruturada......................................................................66 III.1. XVI Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP...............67 IV.1. XVIII SNEF – Simpósio Nacional de Ensino de Física .........................68 INTRODUÇÃO O HOMEM disse que eu tinha de ir embora - antes queria me ensinar uma coisa muito importante: – Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto de sua vida? – Quero - respondi. O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: – Pense nos outros. - Fernando Sabino - (Da obra: O Menino no Espelho) ______________________________________________________________Introdução - 13 - A Física deve apresentar-se, portanto, com um conjunto de competências específicas que permitam perceber e lidar com os fenômenos naturais e tecnológicos, presentes tanto no cotidiano mais imediato, quanto na compreensão do universo distante, a partir de princípios leis e modelos por elas construídos (BRASIL, 2002, p. 59) O que se defende aqui é problematizar o cotidiano dos alunos de modo que seja necessário introduzir conceitos físicos para que ocorra um melhor entendimento dos fenômenos e situações. Uma abordagem que pode ser associada ao ensino de Física cotidiana é a concepção problematizadora da educação que, segundo Freire (1987), rompe os esquemas verticais característicos do atual “modelo de aula”. Questão de Pesquisa Delizoicov (2005) destaca aspectos de uma prática problematizadora a partir das proposições de Gaston Bachelard e Paulo Freire. Ele destaca a problematização associada à “gênese do conhecimento” proposta por Bachelard e associado a ela a proposta de Freire destacando “eixo estruturador da atividade docente”. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo geral identificar, analisar e discutir potencialidades de uma prática problematizadora no ensino-aprendizagem de física. Como objetivos específicos essa pesquisa pretende: elaborar um conteúdo programático a ser desenvolvido em um mini-curso; associar o ensino de Física ao cotidiano por meio de problematização; possibilitar diálogos entre professor/aluno e aluno/aluno; desenvolver práticas argumentativas para uma percepção crítica da realidade. Com esses objetivos de pesquisa em mente pretende-se responder a seguinte questão: Que potencialidades uma prática problematizadora do cotidiano pode trazer para o ensino e aprendizagem de Física? A apresentação do trabalho se divide em três capítulos. No Capítulo I, Referencial Teórico, apresentam-se os subsídios teóricos que nortearam este trabalho como: a prática libertadora da educação de Paulo Freire, a teoria de problematização no olhar de Paulo Freire e de Gaston Bachelard, proposta inicialmente pelo educador Demétrio Delizoicov e, por fim, as etapas do processo de problematização a ser realizado nas aulas do mini-curso de Física Cotidiana. ______________________________________________________________Introdução - 14 - No Capítulo II, Metodologia, são descritos os procedimentos metodológicos em termos da pesquisa qualitativa e a coleta de dados e em termos de ensino, com a descrição das aulas do mini-curso. No Capítulo III, Resultados e Discussão, são apresentados o referencial que norteou a análise de dados e em seguida as etapas dessa análise, sendo cada uma delas discutida minuciosamente. E por fim, nas Considerações Finais, têm-se algumas considerações tecidas a partir de todo o trabalho desenvolvido e apresentado nos capítulos anteriores. CAPÍTULO PRIMEIRO Referencial Teórico ...só resta ao homem (estará equipado?) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de conviver. - Carlos Drummond de Andrade - (Excerto do poema: O Homem, as viagens) ______________________________________________________Referencial Teórico - 18 - professor deve portar-se como “educador-educando”, ou seja, um educador que também é um educando na apreensão e problematização da realidade e da visão de mundo dos educandos. A Tabela 1.1 mostra de forma resumida as principais características dessas duas concepções de educação: Tabela 1.1: Educação Bancária versus Educação Problematizadora – Fonte do autor. Bancária Problematizadora Feita pelo professor sobre o aluno. Feita pelo professor com o aluno. O Educador ou a Instituição de Ensino é que define o conteúdo programático. O Educador baseia-se na realidade dos alunos para definir os conteúdos. Ato de depositar. Ato Cognoscente. O educador ensina o educando, e esse diz que “aprende”. O educador e o educando aprendem simultaneamente. Educação como prática da dominação. Educação como prática de libertação. Nega a dialogicidade. Afirma a dialogicidade. O que se pretende nesse trabalho é deixar de lado a opressão da concepção “bancária” para dar lugar à libertação da educação problematizadora, visando assim um ensino e aprendizagem em Física de professor e alunos mediatizados pelo mundo. É a partir da educação problematizadora que a proposta de ensino e aprendizagem de Física se sustenta. Para isso foram tomados como pilar as idéias do educador Demétrio Delizoicov (2005). Ele destaca 02 (duas) concepções de problematização: gênese do conhecimento e eixo estruturador da atividade docente (figura 1.1). Figura 1.1: Concepções de problematização – Fonte do autor. ______________________________________________________Referencial Teórico - 19 - 1.2 Concepções de Problematização Nesse tópico são apresentadas as 02 (duas) concepções de problematização da figura 1.1. Na concepção “Problematização como Gênese do Conhecimento”, Delizoicov (2005) baseado na teoria de Bachelard destaca que “o conhecimento se origina de problemas, ou melhor, na busca para soluções de problemas consistentemente formulados” (DELIZOICOV, 2005, p.128). Na concepção “Problematização como eixo estruturador da atividade docente” Delizoicov baseando-se nos educadores George Snyders e Paulo Freire defende “a exploração didática de temas significativos que envolvam contradições sociais e que proporcionem uma renovação dos conteúdos programáticos escolares numa dimensão crítica” (DELIZOICOV, 2005, p.135). 1.2.1 Problema como gênese do conhecimento Gaston Bachelard nasceu na cidade de Bar-sur-Aube, Champaigne, no dia 27 de junho de 1884 e morreu no dia 16 de outubro de 1962. Ele foi um cientista-educador, além de filósofo da ciência e poeta, tem uma vasta obra publicada onde se nota uma grande preocupação com a formação do pensamento científico. Ele viveu um período rico da História da Ciência, o início do século XX – momento de grandes revoluções científicas, tirando dele ensinamentos pedagógicos que se devidamente considerados, muito contribui para o ensino de Física (DELIZOICOV, 2005). Na obra “A Formação do Espírito Científico” Bachelard (1996) estuda o pensamento humano, a dificuldade que o pensamento humano tem ao deparar-se com descobertas de novos conceitos. Ele afirma que a tarefa primordial do espírito científico é “delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência” (BACHELARD, 1996, p.7). Para que isso aconteça, o espírito científico deve passar por três estados para se formar individualmente: 1º O estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se apóia numa literatura filosófica que exalta a Natureza, louvando curiosamente ao mesmo tempo a unidade do mundo e sua rica diversidade. 2º O estado concreto-abstrato, em que o espírito acrescenta à experiência física esquemas geométricos e se apóia numa filosofia da simplicidade. O espírito ainda está numa situação paradoxal: sente-se tanto mais seguro de sua abstração, quanto mais claramente essa abstração for representada por uma intuição sensível. 3º O estado abstrato, em que o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição do espaço real, voluntariamente desligadas da experiência ______________________________________________________Referencial Teórico - 20 - imediata e até em polêmica declarada com a realidade primeira, sempre impura, sempre informe (BACHELARD, 1996, p. 11-12). Passando por esse processo a experiência científica é possível, enquanto a experiência contradizer a experiência comum. Bachelard (1996) argumenta que “uma hipótese científica que não esbarra em nenhuma contradição tem tudo para ser uma hipótese inútil” (BACHELARD, 1996, p. 13-14). A formação do conhecimento verdadeiro será possível se o indivíduo ao encontrar-se com o mundo for capaz de viver e experimentar intensamente o contexto que o cerca e questionar-se de modo a buscar respostas, ainda que limitadas, para o seu existir. Bachelard (1996) criou o conceito de “obstáculos epistemológicos” para enfatizar que, na formação do espírito científico, a mente humana não está totalmente vazia, ela já tem um conhecimento primeiro. Segundo Japiassu (1976) citado por Delizoicov (2005) tais obstáculos seriam “os retardos e perturbações que se incrustam, no próprio ato de conhecer, uma resistência do pensamento ao pensamento” (DELIZOICOV, 2005, p.130). Para Zorzan “os obstáculos podem ser interpretados como resíduos de conceitos anteriores que, especialmente se eles eram importantes no passado, tendem a bloquear as mudanças para conceitos novos”. Bachelard (1996) alerta que na maioria das escolas os obstáculos epistemológicos não são levados em conta, principalmente nas aulas de ciência: Os professores de ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na sala de aula com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana (BACHELARD, 1996, p.23). Dentre os vários obstáculos vale destacar a experiência primeira, a generalização do conhecimento, o verbalismo, o conhecimento unitário e pragmático, o substancialismo, o animista e por fim o conhecimento quantitativo. Todos esses obstáculos são elementos que podem impedir ou impossibilitar a formação do espírito científico - a ruptura entre a cultura primeira e a cultura científica. No entanto, o primeiro obstáculo a ser superado, segundo Bachelard (1996), é a opinião. “Não se pode basear-se na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la” (BACHELARD, 1996, p. 18). A opinião pode traduzir necessidades em conhecimentos, por isso há uma grande preocupação em “acabar” com a opinião. Para formar o espírito científico deve-se, em primeiro lugar, saber formular problemas consistentes. A opinião não pode ______________________________________________________Referencial Teórico - 23 - Snyders (1988) citado por Delizoicov (2005) argumenta que existem 02 (dois) níveis de cultura: a cultura primeira e a cultura elaborada4. Para o educador a abordagem temática, que envolve situações significativas5 para o aluno, é construída com base na cultura primeira dos alunos e ela, por sua vez, direciona-os na interpretação dos temas. Ele defende que “a cultura primeira precisa ser transformada, de modo a possibilitar uma mudança na compreensão do aluno sobre o tema” (DELIZOICOV, 2005, p.137). Ou seja, é partindo da cultura primeira que se chegará à cultura elaborada. Freire (1987), assim como Bachelard (1996), acredita que essa transformação se dá via problematização. Isto é, problematizando a cultura primeira dos alunos eles se sentirão desafiados e buscarão respostas, de modo que precisarão aprender um novo conhecimento para compreender essas respostas. Quanto mais se problematizam os educandos como seres do mundo e com o mundo, mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na próxima ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conecções com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isso cada vez mais desalienada (FREIRE, 1987, p. 40). Na perspectiva freiriana o papel do educador não é falar aos educandos a sua visão de mundo, muito menos tentar impô-la, mas dialogar com eles sobre ambas as visões. Será a partir desse diálogo que se encontrará o tema gerador, possibilitando assim a elaboração de um novo conteúdo programático. Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 1987, p. 47). Freire (1987) defende que as situações abstraídas do cotidiano e contidas no tema gerador devem ser problematizadas num processo de “codificação-problematização- descodificação”. Segundo Delizoicov (2005) o que se pretende com esse processo é: 4Para Snyders Cultura primeira é aquela que se constitui a partir do senso comum (o que Bachelard chama de conhecimento vulgar). Cultura elaborada é aquela que o conhecimento é produzido pela Instituição Ciência (o que Bachelard chama de cultura científica). 5 Situações Significativas: situações-problemas que surgem como manifestações das contradições envolvidas nos temas. As situações significativas apresentam-se como desafios para uma compreensão dos problemas envolvidos nos temas distinta daquela oriunda da cultura primeira (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2007, p.193). ______________________________________________________Referencial Teórico - 24 - Primeiro, a apreensão pelo educador do significado atribuído pelo aluno as situações, como uma interpretação oriunda da imersão do educando nas suas relações cotidianas, de modo que possa ser problematizada sistematicamente. Segundo, a apreensão pelo aluno, via problematização – que explicitamente envolve a formação de problemas a serem enfrentados – de uma interpretação, oriunda de conhecimentos universais, que será introduzido pelo professor no processo de problematização (DELIZOICOV, 2005, p.141). Freire (1987) e Bachelard (1996) colocam a necessidade de problematização para que ocorram as rupturas necessárias para a formação do conhecimento. Porém, problematizar se relaciona com dialogar. Como já dito, é por meio do diálogo com os alunos que o professor poderá melhor compreender a cultura primeira dos alunos, investigar o tema gerador, problematizá-lo e elaborar um conteúdo programático contendo os conceitos, modelos e teorias físicas necessários para a compreensão dos problemas colocados inicialmente. É na idéia desses dois pensadores que a proposta de ensino-aprendizagem de Física se sustenta. O fluxograma da Figura 2 mostra como é que se pretende chegar à elaboração do conteúdo programático baseado em temas. Figura 1.2: Fluxograma da proposta de ensino e aprendizagem de Física – Fonte do autor. ______________________________________________________Referencial Teórico - 25 - 1.3 O processo de Problematização O processo de problematização tem como objetivo a elaboração de um conteúdo programático baseado no cotidiano dos alunos – temas geradores. Delizoicov (1983) sintetiza a dinâmica problematizadora proposta por Freire em 05 (cinco) etapas: 1. Levantamento preliminar; 2. Escolha das situações significativas; 3. Seleção dos temas geradores; 4. Redução temática; 5. Aula do professor6. O Levantamento preliminar é a primeira aproximação com os alunos, momento em que se inicia o diálogo. Nessa fase buscam-se dados e informações tanto na realidade escolar como na realidade dos alunos mediante conversas informais, entrevistas, documentos escolares. A análise dos dados coletados deve visar as contradições explicitadas pelos alunos, são nelas que se encontram as situações significativas. O desafio está em perceber os limites explicativos dos alunos, as diferentes interpretações, a forma de compreender e de atuar na realidade vivida. A seleção dos temas geradores se baseia na escolha das situações significativas. Deve- se considerar os limites da explicação que os alunos apresentam para tais situações, o entendimento do professor sobre elas e como os temas se refletem no contexto da comunidade. Uma única situação significativa pode ser elevada a tema gerador desde que seja abrangente e ampla o suficiente para despertar as contradições necessárias. Nesse sentido é que se concretiza o processo de redução temática. O objetivo principal da redução temática é estabelecer um diálogo entre professor e alunos, privilegiando as falas que sintetizam as concepções de mundo e os limites explicativos dessas visões, para selecionar o(s) tema(s) que possibilitem a elaboração do conteúdo programático. Para a construção do conteúdo programático deve-se elaborar uma rede conceitual com base não apenas no(s) tema(s) gerador(es) selecionado(s), mas também nas falas significativas dos alunos presentes no levantamento preliminar. De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007) deve-se problematizar o tema selecionado e as falas 6 Utilizou-se também como referência da dinâmica problematizadora o texto Pedagogia como currículo da práxis, escrito por Antonio Fernando G. da Silva, que está no livro, organizado por Ana Maria A. Freire (2001), Pedagogia da libertação em Paulo Freire. O autor do texto tem como referência a Tese de Doutorado do educador Demétrio Delizoicov (1991): Tensões e transições do conhecimento. SEGUNDO CAPÍTULO Metodologia Conte-me, e eu vou esquecer. Mostre-me, e eu vou lembrar. Envolva-me, e eu vou entender. - Confúcio - Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar e você o estará alimentando pelo resto da vida. - Provérbio Chinês - ____________________________________________________________Metodologia - 29 - SEGUNDO CAPÍTULO – METODOLOGIA Este capítulo descreve, com base na literatura, os princípios teóricos que regeram a maneira de obter e analisar os dados do presente trabalho. Ele está dividido em 05 (cinco) tópicos: a pesquisa qualitativa; o método de coleta de dados; dificuldades na realização do mini-curso; a metodologia de ensino e as entrevistas com os alunos. No primeiro tópico descreve-se a pesquisa qualitativa e suas principais características para confrontá-las com as particularidades da presente pesquisa. Descreve-se, em seguida, a coleta de dados utilizados para a presente pesquisa. Ele teve como fonte o mini-curso de Física Cotidiana realizado nos meses de agosto e setembro de 2008, na Escola Estadual de Urubupungá, da cidade de Ilha Solteira. O terceiro tópico descreve todas as dificuldades na realização do mini-curso e os procedimentos desenvolvidos para que sua realização fosse possível. Em seguida, apresenta a metodologia de ensino do mini-curso, o conteúdo programático desenvolvido e as redes conceituais de cada aula. Por fim, comenta-se as entrevistas realizadas com os alunos participantes. 2.1. A Pesquisa Qualitativa A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica e um forte vinculo entre o mundo real e o sujeito. Nos procedimentos procura-se interpretar os fenômenos, descrevê- los e atribuir-lhes significados. Bogdan e Biklen (1994) discutem esse modelo de pesquisa e apresentam 05 (cinco) características básicas que configuram esse tipo de estudo: 1. Na investigação qualitativa a fonte de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. De acordo com as autoras, é através do trabalho intensivo de campo que o pesquisador terá o contato direto e prolongado com o ambiente e a situação que está sendo investigada; isto lhe possibilita, assim, melhor observar o ambiente, as pessoas, os gestos e as palavras para referenciá-los ao contexto onde aparecem. 2. A investigação qualitativa é descritiva. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que “os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.48). Os dados incluem transcrições de entrevistas e de depoimentos, fotografias, notas de campo, gravações em vídeo ou áudio, documentos pessoais e registros oficiais. O pesquisador deve estar atento ao maior número possível de acontecimentos ____________________________________________________________Metodologia - 30 - presentes no ambiente de investigação, uma vez que todos os dados da realidade são considerados importantes. 3. Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. Ao estudar um determinado problema, o pesquisador deve focar suas atenções a como esse problema se manifesta no desenvolvimento das atividades, nos procedimentos e nas relações cotidianas. 4. Os investigadores qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva. Para Bogdan e Biklen (1994) o pesquisador não deve recolher “dados ou provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.50). No início do estudo deve haver questões ou focos de interesse muito amplos, de modo que com o desenvolver da pesquisa as questões e os focos de interesse tornam-se mais diretos e específicos. 5. O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. O pesquisador deve- se interessar no modo como diferentes pessoas dão sentidos às suas vidas, ou seja, há uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”. Ao compreender as perspectivas dos participantes, o pesquisador terá uma luz sobre a dinâmica interna das situações que geralmente é inacessível ao observador externo. De acordo com Bogdan e Biklen (1994) a pesquisa qualitativa, em síntese, caracteriza- se pela obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com o ambiente de estudo, preocupa-se em descrever a perspectiva dos participantes e enfatiza mais o processo do que o produto. As principais características da pesquisa qualitativa, descritas acima, quando confrontadas com as particularidades presentes na presente pesquisa mostram-se compatíveis e, por isso, conferem a ela a mesma denominação. 2.2. A Coleta de Dados Os dados coletados foram por meio de um mini-curso, intitulado Física Cotidiana, realizado nos meses de agosto e setembro de 2008 pelo próprio autor deste trabalho, na Escola Estadual de Urubupungá, na cidade de Ilha Solteira. A coleta de dados da pesquisa foi dividida em 02 (duas) fases: a primeira foi a observação dos alunos durante o mini-curso e a segunda foi uma entrevista individual com os mesmos após o término das aulas. ____________________________________________________________Metodologia - 33 - Figura 2.1: Gráfico do número de alunos pelos dias de aula – Fonte do autor. Somente na terceira tentativa é que foi possível concluir todas as aulas do mini-curso, o que se notou durante esse tempo foi um enorme desinteresse por parte dos alunos perante o mini-curso devido a não institucionalização do mesmo. Nota-se também na maioria dos alunos uma grande falta de compromisso com os estudos e principalmente com a escola. 2.4. A Metodologia de Ensino A metodologia do mini-curso foi realizada com base na proposta de Delizoicov (1983), já apresentada no Capítulo I. Para o mini-curso as cinco etapas foram reduzidas a três: na primeira foi feito o Levantamento Preliminar, na segunda a Escolha das Situações Significativas e a Seleção de Temas para depois fazer a Redução Temática e por fim a Aula do Professor. O Levantamento Preliminar foi feito em 02 (duas) aulas realizadas nos dias 18 e 25 de agosto de 2008. O desenvolvimento dessas aulas foi dividido em três etapas: apresentação, história e divisões da Física e questionário. Na primeira etapa foi feito o contato inicial com o grupo de alunos, antes de começar a aula propriamente dita, eles foram questionados sobre o que os motivou a fazer o curso, se gostavam de Física e quais eram suas expectativas. Na seqüência, partiu-se para o estudo da história e a conseqüente divisão da Física. O objetivo dessa etapa era analisar como ocorreu historicamente o desenvolvimento da Física e como se definiram as divisões (por conhecimentos específicos). Iniciou-se com o marco zero da civilização, a origem e a evolução do homem, como que este foi aprimorando seu modo de vida e o conhecimento. Em seguida discutiu-se o mundo grego, considerado o berço da racionalidade humana, seus filósofos, como eles viviam e enxergavam a natureza, o ____________________________________________________________Metodologia - 34 - surgimento da Filosofia Natural. A partir daí, a aula concentrou-se na palavra Ciência. O que é ciência? Como ela é construída? Como ela se transforma? Com o encerramento de toda essa discussão é que se começou a falar de Física, e suas diversas áreas e relações no cotidiano. Nesse momento, foram apresentadas as divisões da Física estudadas no Ensino Médio. Por fim, foi entregue um questionário, a fim de que os alunos escrevessem tudo o que no cotidiano deles se relacionasse com a Física. A figura 2.2 mostra o planejamento resumido das duas primeiras aulas. Figura 2.2: Planejamento resumido das duas primeiras aulas – Fonte do autor. Com o questionário em mãos e as aulas gravadas, deu-se início à segunda etapa da metodologia: a Escolha das Situações Significativa e Seleção de Temas. Elas tiveram que ser feita de maneira rápida devido ao curto espaço de tempo (uma semana) entre a segunda e terceira aula. Todos os processos serão apresentados adiante no Capítulo III Resultados e Discussão. No momento, apresenta-se apenas o conteúdo programático construído para as últimas 03 (três) aulas do mini-curso. A figura 2.3 mostra os temas das últimas 03 (três) aulas divididas por áreas da Física e uma pergunta inicial colocada como problematização inicial da ____________________________________________________________Metodologia - 35 - aula. Todas as aulas foram construídas com base em uma pergunta inicial, ou seja, o objetivo da aula era estudar conceitos, leis e teorias Físicas necessárias para responder essa pergunta. Figura 2.3: Conteúdo programático elaborado para as três últimas aulas – Fonte do autor. A terceira aula, realizada no dia 01/09/2008, teve como tema central as lentes. Esse tema surgiu durante as duas primeiras aulas e de um convite feito aos alunos para visitarem o Observatório Astronômico Prof. Mário Schenberg, localizado na UNESP de Ilha Solteira. Na ocasião foi possível ver vários aglomerados de estrelas e em especial o planeta Júpiter. Devido à grande complexidade do telescópio e dos conceitos Físicos que estão por trás desse equipamento, decidiu-se concentrar a aula em um único tema: lentes. Tendo elas como ponto de partida, a aula concentrou-se em estudar os princípios da óptica geométrica e das lentes, e em seguida estudou-se o globo ocular humano e suas alterações que provocam as deficiências visuais e como as lentes corrigem essas deficiências. A figura 2.4 mostra a rede conceitual dessa aula. ____________________________________________________________Metodologia - 38 - Figura 2.6: Rede conceitual da aula 05 (cinco): termodinâmica – Fonte do autor. 2.5 As entrevistas com os alunos No total o mini-curso contou com a participação de 13 (treze) alunos diferentes, no entanto, somente 06 (seis) participaram efetivamente. Decidiu-se, portanto entrevistar esses seis alunos. Quatro das seis entrevistas foram marcadas para o dia 20 de setembro de 2008, sendo as outras duas marcadas para o dia 22 de setembro de 2008. No entanto dois dos seis alunos não compareceram as entrevistas. Desse modo, foram feitas 04 (quatro) entrevistas, sendo todas elas analisadas posteriormente. As entrevistas foram divididas em 03 (três) temas centrais: perguntas pessoais, perguntas com relação ao estudo de Física, perguntas com relação ao mini-curso de Física Cotidiana (está disposto no Anexo II um modelo geral da entrevista). No primeiro tema, o objetivo foi identificar características do entrevistado. O segundo, com perguntas mais específicas, visava investigar a relação do aluno com a disciplina Física. Por fim, o terceiro tema buscou conhecer a opinião do entrevistado quanto ao mini-curso, saber de modo geral o que o aluno gostou e não gostou, o que ele achou de novo nas aulas. As 03 (três) entrevistas feitas no dia 20 de setembro foram realizadas no período da manhã na sala C1 da UNESP – Campus de Ilha Solteira, enquanto que a entrevista realizada no dia 22 de setembro no período da tarde na sala 14 da Escola Estadual de Urubupungá. TERCEIRO CAPÍTULO Resultados e Discussão Acolhemos com boa vontade o que concorda com nossas idéias, assim como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto todo preceito de bom senso exige exatamente o oposto. - Michael Faraday - Existem muitas hipóteses em ciência que estão erradas. Isso é perfeitamente aceitável, elas são a abertura para achar as que estão certas. - Carl Edward Sagan – ___________________________________________________Resultados e Discussões - 40 - TERCEIRO CAPÍTULO – RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise de dados foi efetuada considerando procedimentos característicos da análise de conteúdo que, segundo Bardin (2007), deve ser organizada em torno de 03 (três) pólos: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos. A pré-análise tem por objetivo sistematizar as idéias iniciais. Nela devem-se escolher os documentos a serem submetidos para a análise de modo que eles estejam de acordo com os objetivos da pesquisa. Para isso, torna-se essencial saber o que se quer analisar, daí a necessidade de explicitar as hipóteses e enquadrar as técnicas de análise. A exploração do material concentra-se em operações de codificação e enumeração de regras previamente formuladas. Segundo Bardin (2007) Tratar o material é codificá-lo. A codificação corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados em bruto do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão susceptível de esclarecer o analista a cerca das características do texto (...) (BARDIN, 2003, p. 97). Por fim, o tratamento dos dados obtidos destina-se a tratar os resultados brutos de maneira a serem significativos e válidos. Nessa etapa, o analista deve propor inferências e adiantar interpretações sobre os objetivos previstos ou que remetam a outras descobertas não previstas inicialmente (BARDIN, 2007). Para a presente pesquisa esses pólos tomaram forma em 04 (quatro) etapas: escolha e preparação do material, a construção do conteúdo programático, dimensões de análise e potencialidades da proposta de ensino e aprendizagem de Física. 3.1 Primeira Etapa: escolha e preparação do material Devido ao grande volume de material coletado durante o mini-curso houve a necessidade de selecionar os documentos mais relevantes para serem submetidos à análise. Sendo assim, os materiais analisados foram todas as aulas do mini-curso, os questionários e as entrevistas. Na preparação do material foi feita a transcrição das aulas e das entrevistas enquanto que o questionário foi digitalizado totalmente sem nenhuma alteração. Carvalho (2006) alerta que “as transcrições devem ser totalmente fiéis às falas a que correspondem, ___________________________________________________Resultados e Discussões - 43 - aproxima, ela centraliza. Por exemplo, eu tenho miopia, eu enxergo tudo embaçado... a lente, ela tende a focalizar para que a imagem forme na minha retina. Isso tudo é estudado em óptica... é um assunto bem interessante. Eletricidade Situação 1 Professor: Por exemplo, a gente sabe que quando dá trovão a gente não pode estar de baixo de árvore. Aluno 02: Nadar também. Professor: Mas, por quê? Vocês sabem por quê? Aluno 01: Porque atrai o raio Professor: Certo, mas o que faz atrair o raio? Aluno 05: A altura da árvore Aluno 10: Por que é um lugar mais alto? Professor: A tendência é essa, não quer dizer que só cai num lugar mais alto...mas as chances são maiores. Mas o raio pode cair... inclusive pode cair duas vezes no mesmo lugar. Situação 2 Aluno 05: Por que faz barulho o trovão?... De onde sai? (fala não identificada) Professor: Barulho do trovão... primeiro você vê o quê?... Primeiro você vê ou você ouve? O que é maior, a velocidade da luz ou a do som? Aluno 05: A da luz. Professor: Quando você vê o clarão, você já tapa o ouvido... é instinto. Agora, por que sai o som? Aluno 05: Porque toda vez que um raio... acontece que... cargas positivas e negativas (fala não identificada). Professor: É uma coisa que a gente pode estudar... eu confesso que agora eu não saberia a explicação exata... mais é essa questão de cargas, tende a descarregar... tem todo um porquê. Por que que ele emite luz e som? (fala não identificada). São várias questões... 3.2.2 Interpretação das situações significativas Na tabela 3.1 nota-se claramente a dificuldade dos alunos em associarem Física ao cotidiano, uma vez que as respostas têm um caráter geral, sem exemplos específicos. Observa-se a tentativa dos alunos em associarem a Física ao cotidiano imediato deles como: “quando usamos um termômetro”; “Num simples calor” e “Ação e reação na aula de educação física”, porém exemplos do que eles vêem na mídia apenas um aluno citou: Aluno 10: (...) Quanto ao que vejo na mídia, geralmente sobresai os avanços da ciência médica, por exemplo é a criação de novas vacinas, inovações na área da biotecnologia e etc. São também os avanços das ciências exatas com exemplo temos a eficiência da engenharia civil, a constante mudança na potência de caros e etc. ___________________________________________________Resultados e Discussões - 44 - Por tratar-se de respostas feitas a um questionário, sem intervenção do professor, as respostas apresentam-se incompletas no sentido de associação de Física ao cotidiano. Na tentativa de melhor entender os discursos dos alunos é que esse mesmo assunto foi freqüentemente discutido em sala de aula. Nas falas apresentadas na tabela 3.2 observa-se a tentativa dos alunos em explicarem os fenômenos por meio de formulações de hipóteses. Falas que expressam a cultura primeira dos alunos, tais como: “ele absorve a sua temperatura... não entendo, eu sei que ele absorve a sua temperatura” e “Porque toda vez que um raio... acontece que... cargas positivas e negativas”. Observa-se também um maior questionamento por parte dos alunos: “Só com o mercúrio que pode ser?... Pode ser com todos?” e “Por que faz barulho o trovão?”. Tanto as formulações de hipóteses quanto os questionamentos foram levados em conta para a elaboração do conteúdo programático, pois ambos tratam-se de situações que causam contradições nos alunos. Porém, a idéia inicial era construir um conteúdo programático baseado em um tema central e que possibilitasse ramificações para outros temas. No entanto o que se percebe nas situações significativas é que não há como construir o conteúdo programático com um único tema, uma vez que as situações mais marcantes tratam de áreas da Física diferente: termodinâmica, óptica e eletricidade. Essa idéia de não ter um tema central também foi sugerida por alguns alunos ao responderem a questão 05 (cinco) do questionário “Considerando os exemplos que você deu na questão anterior, selecione um (ou mais) que você gostaria de estudar durante o mini-curso”: Aluno 01: Me desculpa mas, não tenho algo muito específico, eu quero aprender mais, seja o que for sobre a física, mas prometo que durante o percurso do mini- curso se tiver alguma coisa eu falo. Aluno 03: Poderia ser todos, um pouco de cada um. Sendo assim, fez-se um conteúdo programático dividido em 03 (três) diferentes áreas da Física e que parte de um problema inicial colocado pelos alunos e que está intimamente ligada ao nosso cotidiano. A figura 3.1 mostra um esquema do conteúdo programático elaborado para o mini-curso. ___________________________________________________Resultados e Discussões - 45 - Figura 3.1: Conteúdo programático do mini-curso – Fonte do autor. Baseado na concepção de problematização de Freire (1987) é que o conteúdo programático foi dividido em temas, no caso em áreas da Física que precisarão de um melhor entendimento por partes dos alunos para que eles respondam o problema inicial, assim como sugere a concepção de problematização de Bachelard (1996). 3.3 Terceira Etapa: dimensões de análise A partir do momento em que o analista decide codificar o material, ele precisa criar um sistema de regras que forneça representações simplificadas dos dados brutos. Segundo Holsti (1969) citado por Bardin (2007): A codificação é o processo pelo qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exacta das características pertinentes do conteúdo (BARDIN, 2007, p. 97). É o que se denominou de dimensões de análise. Após a classificação dos elementos em dimensões, faz-se necessário uma análise criteriosa de cada uma de modo a explicitar as evidências encontradas. Com o objetivo de fornecer uma visão geral sobre a estrutura da análise, a figura 3.2 mostra o sistema completo de dimensões de análise. ___________________________________________________Resultados e Discussões - 48 - Professor: E dessas aulas você participa bastante? Você sempre pergunta? Aluno 10: Ah, assim... quando eu estava lá no Mato Grosso eu conhecia mais o povo, os professores eu participava bastante... só que agora aqui que eu to faz o quê? Um mês e pouco... até que eu não to perguntando muito, mas eu faço perguntas. (Entrevista com o Aluno 10, realizada no dia 20/09/2008). Nesses trechos retirados das entrevistas notam-se alguns motivos que levam os alunos a não perguntarem ao professor. Na fala do Aluno 11 percebe-se a preocupação que os alunos têm com relação a que os outros vão pensar. Essa intimidação sem dúvida é maior quanto maior for o número de alunos na sala de aula. Já a fala do Aluno 13 revela que se trata de algo pessoal em perguntar as coisas para o professor. A última fala, do Aluno 10, deixa claro que a intimidade com o professor e a turma favorece o diálogo. Neste caso é uma questão de tempo para que ele participe mais dos diálogos em sala de aula. Duas falas do Aluno 01 chamam a atenção por revelar a importância do professor para que ocorra o diálogo em sala de aula: Aluno 01: (...) o professor explica lá do jeito dele, quer dizer, nem explica direito... ai você vai perguntar pra ele como é que é... que não entendeu, mas é assim, assim... a gente tem que pesquisar pra tentar entender pra não ter que perguntar de novo pra ele... fala de um jeito meio grosseiro (...) (Entrevista com o Aluno 01, realizada no dia 20/09/2008). Professor: E esse diálogo com o professor, assim... de modo geral a turma sua sempre conversa? Sempre faz pergunta? Como é que é? O professor ele é aberto a esse diálogo? Aluno 01: De explicar a matéria? Professor: É, de perguntar as coisas... Aluno 01: Ah, todos os professores... depende do aluno ir lá (fala não identificada). Professor: Mas eles abrem bastante a palavra pra vocês? Aluno 01: Abrem... assim, igual o professor de Física, eu às vezes fico com medo dele... eu coloco mais por que isso? Por que aquilo?... ele vai lá e explica (...) (Entrevista com o Aluno 01, realizada no dia 20/09/2008). Essas falas deixam evidente a falta de confiança que o aluno tem no professor, impossibilitando assim o diálogo, entendendo que uma vez que sem confiança no professor o aluno não se sente a vontade para perguntar. 3.3.1.2 Presença de diálogo A presença do diálogo ficou mais evidente conforme o passar das aulas do mini-curso. A seguir apresentam-se alguns diálogos entre professor e alunos: ___________________________________________________Resultados e Discussões - 49 - Professor: (...) Vamos imaginar uma situação aqui que nós estamos indo para Pereira Barreto de carro... de repente o carro parou... o que você faz Aluno 05? Aluno 05: Sei lá... quero saber porque ele parou. Professor: Então, por exemplo, uma reação que quase todos têm é verificar se o que? Se a gasolina acabou... Aluno 02: Se acabou a água... Professor: Mas por que você tem essa idéia de se acabou a água? Que parte do motor precisa de água? Aluno 05: Radiador. Professor: Então nós temos esse conhecimento... é, por exemplo, o carro parou... o que pode ser? Pode ser falta de gasolina, pode ser falta de água no radiador, pode ser algum fio solto. Aluno 02: Pode ser que não estar puxando óleo. (Aula 2, realizada no dia 25/08/2008). Professor: Agora óptica, o que a gente pode enxergar no nosso cotidiano a óptica... acho que a óptica é bem... por exemplo, porque que o céu é azul? Aluno 07: Ah... esse eu sei Aluno 10: Eu sabia, mais eu esqueci Professor: Vamos ver... Aluno 07: Ele é azul... a gente vê o azul porque é assim... a gente vê a luz bate em alguma coisa para vir pra nossa... para o nosso olho... no caso pra gente poder ver a cor. Professor: Certo. Aluno 07: Mas como no céu não tem nada para bater na cor... para bater luz no caso, mas por causa da claridade do sol... por ele ser um vácuo você acaba vendo. Aluno 10: Tipo, no amanhecer tem várias coisas assim... por que aparece no amanhecer várias cores? Professor: Não sei... a gente pode estudar. A proposta do curso é essa. Agora eu vou explicar a proposta. Então, por exemplo, por que a minha camiseta é branca?... tipo, ela não absorve nada, ela reflete tudo. Aluno 01: Porque igual assim... aqueles negocinhos redondinhos tem todas as cores ali... se você começar a rodar, rodar, ele vai fica branco. (Aula 1, realizada no dia 18/08/2008). Professor: (...) do que a matéria é constituída? Aluno 06: Átomos. Professor: Átomos... você acha que precisou estudar átomos para responder essa pergunta? Faz sentido? ((o professor se refere a pergunta: como funciona o termômetro?)). Aluno 01: Acho que sim. Professor: Por quê? Aluno 01: Sei lá... por que moléculas que agitam? Aluno 10: É... a movimentação (fala não identificada). Professor: Moléculas que agitam? E o que as moléculas agitadas te faz pensar? Aluno 10: Em ebulição... Professor: Ebulição? Aluno 01: Que está esquentando. Professor: Concorda Aluno 06? Aluno 06: Pode ser... (Aula 5, realizada no dia 15/09/2008). Dois tipos de diálogos são destacados: o primeiro trata-se de um diálogo em que o professor vai questionando os alunos sobre um determinado problema. Essa conversa inicial deu suporte para depois questionar os alunos com relação a como trabalha um cientista. Os ___________________________________________________Resultados e Discussões - 50 - outros dois casos evidenciam o senso comum dos alunos perante uma pergunta inicial: “por que o céu é azul?” e “do que a matéria é constituída?”. Em ambas as falas percebem-se esforços por partes dos alunos em responderem as questões propostas. Das entrevistas destaca-se uma fala do Aluno 13 que revela que no mini-curso os diálogos aconteciam com maior freqüência, principalmente, por ser uma turma de poucos alunos. Professor: E entre a aula sua da escola, a aula que você tem de manhã com essas aulas do mini-curso... teve alguma diferença pra você? O jeito de dar, discutir as teorias? Aluno 13: Não, vamos ver... apesar de que no mini-curso você tem poucas pessoas que você pode falar com todo mundo e nas aulas não... tem muita pessoa... fica confuso, um monte de pessoas falando, a professora explicando... você tem que olhar a professora explicando e escutando o que as outras pessoas falam. (Entrevista com o Aluno 13, realizada no dia 22/09/2008). 3.3.2 Segunda Dimensão: concepções de Física Essa dimensão, dividida em 02 (duas) sub-dimensões, Física associada à matemática e Física associada ao cotidiano, apresenta algumas representações dos alunos quanto a Física. 3.3.2.1 Física associada à matemática Essa sub-dimensão apresenta concepções dos alunos quanto ao fato de associar Física à matemática. Aluno 01: (...) eu não tenho aquela paixão de, chegar ao ponto de, prestar um vestibular para física. Mas, vamos dizer que eu gosto por ter exata, ou seja por ter matemática é uma das matérias que eu gosto. Aluno 02: (...) eu não sou, muito chegada em física, eu gosto mais de matemática. Aluno 06: Gosto muito de matemática e de “problemas” para resolver. (respostas da questão 02 (dois) do questionário: Você gosta de estudar Física? Por quê?). Nessas respostas fica evidente a associação de Física com matemática por parte dos alunos, essa concepção pode estar relacionada ao fato de nas aulas de Física eles resolverem inúmeros exercícios em que exige um conhecimento matemático. Isso é evidenciado nas seguintes falas do Aluno 01: Professor: Então, essa questão de estudar teoria, bastante... nós pegamos muito no pé de teoria... foi bom ou foi ruim? Foi cansativo pra você? ___________________________________________________Resultados e Discussões - 53 - Na formação de alunos, essa prática educacional, aponta para estudo de Física relacionado ao cotidiano por meio de problematização, estudo de conceitos e teorias físicas que expliquem fatos do cotidiano dos alunos. Outro ponto importante é novamente o diálogo entre professor e alunos, ele permite uma aula mais dinâmica em que os alunos participem efetivamente e não mais sejam “meras vasilhas onde se depositam os conteúdos”. A pesquisa permitiu refletir sobre as práticas de ensino existentes e a viabilização da prática problematizadora no ensino e aprendizagem de Física. Além disso, ela proporcionou um trabalho colaborativo entre alunos da Universidade e da Escola, o que contribuiu para a formação de ambos. 3.4 Quarta Etapa: potencialidades da proposta de ensino e aprendizagem de Física Esta última etapa discute de modo geral as potencialidades das duas características de problematização: “gênese do conhecimento” e “eixo estruturador da atividade docente”. Durante as aulas do mini-curso ficou evidente a freqüência de diálogo entre professor e alunos, o que indica uma potencialidade. No entanto, algumas falas dos alunos evidenciam possíveis motivos da não ocorrência de diálogo nas aulas da escola e do mini-curso, sendo os principais a falta de confiança dos alunos no professor e o excesso de alunos por turma. A primeira evidência é destacada por Freire (1987) ao dizer que a confiança mútua é fundamental para o diálogo, ela “vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo” (FREIRE, 1987, p. 46). Quanto à segunda evidência percebe-se que com turmas de 30 (trinta) a 40 (quarenta) alunos ocorre pouco diálogo, já no mini-curso com média de 06 (seis) alunos por aula torna-se mais viável, o que demonstra que turmas com menor número de alunos tendem a dialogar mais: Professor: (...) o que você gostou e o que você não gostou no mini-curso? Aluno 11: Eu gostei porque tinha pouca gente, era mais fácil de falar e também deu pra pegar algumas coisas pra ajudar no curso (...). (Entrevista com o Aluno 11, realizada no dia 20/09/2008). O fato do mini-curso ter poucos alunos por aula foi relevante para o diálogo, porém, o diálogo entre professor e aluno não foi algo que aconteceu de maneira rápida, ele foi se estabelecendo com o passar do tempo. À medida que as aulas se desenvolviam, mais os alunos participavam das aulas, o que indica que o professor tem papel importante no ___________________________________________________Resultados e Discussões - 54 - estabelecimento do diálogo. O que volta a confirmar a idéia de que os alunos devem confiar no professor para a dialogicidade. A associação de Física a matemática, explicitada nas concepções de Física dos alunos, mostra-se pertinente quando confrontadas com resultados obtidos por Ricardo (2007) nos quais apenas 35,5 % dos alunos, num universo de aproximadamente 350 (trezentos e cinqüenta), declararam haver diferença entre essas disciplinas quando perguntados sobre “Qual a diferença que você vê entre a física e a matemática?”. Essa concepção pode estar associada a um fato comentado por Bachelard (1996), quando ele diz que nas aulas de Física os professores acreditarem que se ensina repetindo uma lição ponto a ponto, ou seja, a resolução excessiva de exercícios. Quanto à concepção de Física associada ao cotidiano, destaca-se a potencialidade de interesse e envolvimento com a matéria, um agente motivador, que está expresso nas seguintes falas: Professor: (...) qual a importância de estudar Física pra você? Tirando assim, o fato de você ter que estudar pra tirar nota pra passar. Aluno 01: Bom... ah, porque ela esta no nosso cotidiano... a gente vê a Física em todo o momento da nossa vida... fervendo o leite, esta vendo a Física... a gente esta vendo, no jornal a gente vê Física... (Entrevista com o Aluno 01, realizada no dia 20/09/2008). Professor: E qual que é a importância de estudar Física pra você? Aluno 10: Ah, eu acho assim... esta envolvido em muitas coisas... tipo, tecnologia então nem se fala (...) (Entrevista com o Aluno 10, realizada no dia 20/09/2008). As diferenças entre as aulas do mini-curso e as da escola citadas pelos alunos revelam uma maior dialogicidade nas aulas do mini-curso, no entanto não se pode perder de vista a diferença do número de alunos, como já foi dito, salas com grande número de alunos tendem a dialogarem menos. As diferenças quanto aos conteúdos abordados, no mini-curso mais teoria e na escola mais contas, foi importante no sentido de proporcionar aos alunos uma melhor compreensão dos conceitos e teorias física, pois a maioria das aulas na escola são baseadas em resoluções de exercícios sem muita discussão teórica. Todavia, destaca-se em algumas falas, o desejo dos alunos em estudarem algo mais ligado à experimentação: Professor: E durante o curso a gente estudou muito mais teoria... foi o que pra você, foi bom, foi ruim, foi meio desgastante? Aluno 10: Ah, foi tranqüilo... era bom assim, uma experienciazinha... seria legal também, mas eu gostei. Professor: Experiência seria experimento? ___________________________________________________Resultados e Discussões - 55 - Aluno 10: Alguma experiência na prática, pra gente ver... sei lá, acho que seria legal. (Entrevista com o Aluno 10, realizada no dia 20/09/2008). Professor: (...) tem alguma outra coisa que você acha que poderia ser mudado? Aluno 11: Acho que alguma aula prática. Professor: Uma prática... você fala em termos de experimentos? Aluno 11: É. (Entrevista com o Aluno 11, realizada no dia 20/09/2008). Outra diferença marcante foi o fato do mini-curso não ter um caráter avaliativo, o que fez com que os alunos não estudassem tanto os conteúdos das aulas do mini-curso, uma vez que esses não foram cobrados em listas de exercícios ou provas. Isso remete novamente a questão do mini-curso não ser institucionalizado. A fala a seguir do Aluno 01 aponta para a falta de atividades diferenciadas em sala de aula, algo que quebrasse um pouco a rotina giz e lousa e que não foi feito durante o mini- curso. Professor: E o que você acha que deveria ser feito assim... para melhorar o mini- curso em si? As aulas do mini-curso? Acrescentar mais alguma coisa? Tirar alguma coisa? Aluno 01: Bom, acho que... incentivaria mais também se a gente fizesse algum trabalho sabe... de Física, um trabalho que fizesse a gente se separar em dois ou três... Professor: Ah, você fala em trabalhos em grupo... pra casa por exemplo? Aluno 01: É, mas fizesse lá também ((na sala de aula))... isso, alguma coisa de Física (...) (Entrevista com o Aluno 01, realizada no dia 20/09/2008). As características de problematização, “gênese do conhecimento” e “eixo estruturador da atividade docente”, associadas proporcionaram a dialogicidade entre professor/aluno e aluno/aluno, o que indica uma potencialidade dessa união. Quando analisadas separadamente, ambas as orientações desenvolveram-se. Em relação à primeira orientação algumas potencialidades como desenvolvimento de práticas argumentativas e interesse e motivação para o estudo de Física foram identificadas. Em relação à segunda orientação, as potencialidades estão associadas à reorganização curricular e ao estudo de Física associado a questões do cotidiano e outras áreas do conhecimento (ver figura 3.3). Como Gênese do conhecimento, a problematização tornou-se essencial no sentido de motivação dos alunos ao estudo de Física e em suas argumentações e formulações de hipóteses para responderem as perguntas iniciais. _____________________________________________________Considerações Finais - 58 - CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou discutir a importância da problematização do cotidiano no processo de formação de professores e alunos, tendo como objetivo identificar potencialidades dessa prática educacional. A proposta de ensino e aprendizagem aponta para pontos positivos como dialogicidade entre professor/aluno e aluno/aluno, reorganização curricular, estudo de Física associado a questões do cotidiano, interesse e motivação para o estudo de Física, desenvolvimento de práticas argumentativas entre outros. Entretanto, alguns pontos como estudos de experimentos, métodos de avaliação, devem ser revistos no sentido de buscar uma melhora para as aulas de Física. Outro fato relevante é o número de alunos por sala (no ensino médio), atualmente com média de 35 (trinta e cinco), o que causa certa dificuldade no diálogo em sala de aula. O grande desafio dessa proposta está na questão da reorganização curricular que possibilite estudos de Física associados ao cotidiano por meio da problematização, uma vez que o atual modelo do ensino de Física baseia-se nos pressupostos apontados por Villani (1984) no início deste trabalho, nos quais, práticas e métodos inovadores não estão incluídos. Além disso, há de se enfrentar a prática bancária da educação que defende a mera memorização de conteúdos por práticas antidialógicas e intensiva resolução de exercícios que pouco se vinculam com o cotidiano. A problematização do cotidiano dos alunos nas aulas de Física é de fundamental importância para a aprendizagem de conceitos físicos, desenvolvimento de concepção de ciência como historicamente construída e para a construção e vivência da cidadania. Entretanto, destaca-se a necessidade de investimento na formação continuada de em práticas educacionais dialógicas e inovadoras. Aspectos relacionados ao desenvolvimento de percepção crítica da realidade em prática dialógica, na pesquisa aqui desenvolvida, apontam para a importância da prática problematizadora na construção e vivência da cidadania a partir da discussão de conhecimentos físicos. Embora realizada em forma de mini-curso, a prática educacional deste trabalho, mostra-se viável para o ensino de Física nas escolas, porém, há de se considerar a importância da capacitação de professores para o seu desenvolvimento. Este trabalho, que culminou na presente monografia, requisito para a obtenção do grau de licenciado em Física, foi construído ao longo de um ano e meio. Começou a ser _____________________________________________________Considerações Finais - 59 - desenvolvido na disciplina de Estágio Supervisionado I, segundo semestre de 2007, quando os alunos tiveram que apresentar um seminário sobre algo que envolvesse o ensino de Física. Até então, eu não sabia do que se tratava, como era feita essa pesquisa, pois só havia trabalhado em pesquisa de Física propriamente dita. Demorou para eu entender o espírito da proposta de trabalho, mas hoje, após concluir a monografia, vejo quantas lições foram aprendidas ao longo do tempo em que me dediquei a esse propósito. Nesse período muito esforço foi feito, noites estudadas e dificuldades e problemas superados. A superação dos desafios proporcionou-me novas idéias, deixou-me mais consciente do que é ser professor e quais os novos desafios que terei de enfrentar. O processo de criação da monografia muito contribuiu para minha formação profissional e pessoal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. - Nelson Rodrigues - Só se pode entender a essência das coisas quando se conhecem sua origem e seu desenvolvimento. - Heráclito - ANEXOS ________________________________________________________________Anexos - 64 - ANEXO I – QUESTIONÁRIO I.1. Respostas dos Questionários Este anexo apresenta as respostas dos alunos ao questionário entregue nas duas primeiras aulas, a transcrição foi feita sem nenhuma correção gramatical. Ele foi entregue a 12 (doze) alunos, no entanto apenas 06 (seis) alunos responderam. Questão Um: Quais as suas expectativas quanto ao curso? Aluno 01 Estou muito empolgada, penso que será muito mais do que eu esperava seram ótimas semanas, perde quem não vem. Sei que vou aprender muito. Aluno 02 Aprender mais tirar, minhas dúvidas e eu acredito, que nesse mini-curso, vou aprender muito. Aluno 03 A minha espectativa e que vai ser muito interessante para mim e no meu dia-a- dia. Aluno 06 Espero que seja um curso muito informativo e super legal. Aluno 10 Tenho como objetivo aprender os conhecimentos, para assim sanar um pouco de dificuldades. Aluno 11 Aprender bastante sobre mecânica pois estou fazendo curso de mecânica na ETEC. Questão Dois: Você gosta de estudar Física? Por quê? Aluno 01 Vamos dizer que..., eu não tenho aquela paixão de, chegar ao ponto de, prestar um vestibular para física. Mas, vamos dizer que eu gosto por ter exata, ou seja por ter matemática é uma das matéria que eu gosto. Aluno 02 Não, porque, eu não sou, muito chegada em física, eu gosto mais de matemática. Aluno 03 Gosta, mais tem matérias que é mais fácil de entender e outras mais difícil. Aluno 06 Sim. Gosto muito de matemática e de “problemas” para resolver. Aluno 10 Sim. É algo em que a atenção deve estar bem focada e ao conseguir interpretar tudo o que é demonstrado. Causa-me mais interesse por ela. Aluno 11 Sim, pois eu gosto de controlar os objetos, prefiro na prática. Questão Três: Você considera o ensino de Física importante para a sua vida? Por quê? Aluno 01 Eu considero sim, acho que a física, não só está em uma sala de aula, em explicações ou em livros, mas sim no nosso dia-a-dia. Aluno 02 Sim, por que, a maioria das coisas, usam a física. Exemplo: quando você vai fazer uma prova pra se formar nessa prova acaba caindo algumas questões de física por isso que é importante. Aluno 03 Sim, por que física ela está no nosso corpo, e no nosso dia-a-dia. Aluno 06 Sim. Porque é uma matéria muito ampla, com muitos conteúdos que ajudaram eu no meu futuro. Aluno 10 Sim. É através dela que também desenvolve curas para doenças, ela é acima de tudo a grande pivô para os avanços tecnológicos. Aluno 11 Sim pois eu vou ser técnico mecânico e preciso desenvolver o raciocínio lógico. ________________________________________________________________Anexos - 65 - Questão Quatro: Você vê relação com o que aprende em física com o cotidiano? Dê exemplos do seu cotidiano imediato e do que você vê na mídia. Aluno 01 Sim, para medir, uma temperatura, por exemplo: quando usamos o termômetro, quando estamos doente, quando vemos na TV, as previsões de chuva. Aluno 02 Sim, pois em tudo em nossa vida encontramos a física. Num simples calor, o frio, variação de tempo de temperatura (termômetro). Aluno 03 Sim. Física esta na velocidade de um corpo, no navio, no avião, nos prédio. Aluno 06 Sim. Os cálculos, a temperatura, a Óptica e a Mecânica estão ligados ao meu cotidiano. Aluno 10 Sim. Em relação ao cotidiano imediato destaco a física óptica, é por ela que temos noção de como enxergamos as coisas e também a física mecânica, onde conseguimos perceber a variação de tempo de um local para outro. Quanto ao que vejo na mídia, geralmente sobresai os avanços da ciência médica, por exemplo é a criação de novas vacinas, inovações na área da biotecnologia e etc. São também os avanços das ciências exatas com exemplo temos a eficiência da engenharia civil, a constante mudança na potência de caros e etc. Aluno 11 A força peso é o que mais vejo no meu cotidiano pois eu faço exercícios físicos. Ação e reação na aula de educação física etc... Questão Cinco: Considerando os exemplos que você deu na questão anterior, selecione um (ou mais) que você gostaria de estudar durante o mini-curso. Aluno 01 Me desculpa mas, não tenho algo muito específico, eu quero aprender mais, seja o que for sobre a física, mas prometo que durante o percurso do mini-curso se tiver alguma coisa eu falo. Aluno 02 Mecânica. Aluno 03 Poderia ser todos, um pouco de cada um. Aluno 06 Mecânica e eletromagnetismo (quero aprender). Aluno 10 O que mais me interessa seria na área óptica e também a respeito da física médica Aluno 11 Eu não citei mas eu gostaria de aprender sobre as energias como cinética, mecânica, elástica e etc. ________________________________________________________________Anexos - 68 - ANEXO IV – TRABALHO COMPLETO SUBMETIDO IV.1. XVIII SNEF – Simpósio Nacional de Ensino de Física UMA PROPOSTA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE FÍSICA POR MEIO DA PROBLEMATIZAÇÃO DO COTIDIANO Paulo Vinícius dos Santos Rebequea [paulorebeque@yahoo.com.br] Danilo Antonio da Silvaa [danilofis@yahoo.com.br] Darcy Hiroe Fujji Kandab [darcy@dfq.feis.unesp.br] Noemi Sutilc [noemisutil@hotmail.com] a Faculdade de Engenharia – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”-UNESP – Campus de Ilha Solteira b Faculdade de Engenharia - Departamento de Física e Química – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”-UNESP – Campus de Ilha Solteira c Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência - Faculdade de Ciências – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”– UNESP – Campus de Bauru RESUMO Os conteúdos abordados em muitas aulas de Física se limitam a mera memorização de princípios, teorias e leis necessários apenas à resolução mecânica de exercícios em sala de aula, sem o estabelecimento de vínculo algum com o cotidiano. Neste sentido, o presente trabalho apresenta resultados e discussões de pesquisa que tem como objetivo identificar, analisar e discutir potencialidades da problematização do cotidiano dos alunos, no ensino e aprendizagem de Física, considerando o desenvolvimento de uma proposta educacional. Essa proposta educacional se baseia em 02 (duas) concepções de problematização, destacadas por Demétrio Delizoicov, uma embasada na perspectiva de Gaston Bachelard, que defende a problematização como a gênese do conhecimento e outra na perspectiva de Paulo Freire, com a exploração de temas significativos, que envolvam contradições e proporcionem uma renovação dos conteúdos programáticos. A pesquisa foi realizada no contexto de um mini-curso intitulado Física Cotidiana, realizado nos meses de agosto e setembro de 2008, com alunos da Escola Estadual de Urubupungá, na cidade de Ilha Solteira – SP. A análise de dados foi efetuada considerando procedimentos característicos da análise de conteúdo. Os dados são constituídos por registros em “Diário de campo”, transcrições de gravações em vídeo, questionários e entrevistas. Neste artigo, são destacados os resultados referentes às diferentes características de problematização e algumas potencialidades da prática problematizadora como a dialogicidade entre professor/aluno e aluno/aluno, interesse e motivação para a aprendizagem de Física, reorganização curricular e associação da Física com o cotidiano e outras áreas de conhecimento. Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de Física; Problematização; Cotidiano. ________________________________________________________________Anexos - 69 - I - INTRODUÇÃO Segundo Villani (1984), no modelo tradicional de ensino de Física, os professores de física ao prepararem uma aula partem do pressuposto de que seus alunos não conhecem nada do que será estudado. Ele destaca que, de modo geral, tais professores pensam que: A mente dos alunos é uma “tabula rasa” (em Física) que deve ser preenchida; aprender é “gravar” nesta tabula, olhando atentamente para o professor, se exercitando nos exercícios propostos, e sobretudo realizando avaliações que definem o essencial a ser aprendido. Ensinar é fornecer, mediante uma exposição clara e ordenada, o conteúdo a ser gravado: um “pacote” amarrado com alguns exercícios nos quais elas funcionam (VILLANI, 1984, p. 81). Os alunos, por sua vez, aceitam tudo o que o professor fala e treinam os exercícios resolvidos em sala de aula, pois estes serão, provavelmente, cobrados nas provas bimestrais. Em resumo, os alunos estudam Física com o interesse apenas de fazer provas e serem aprovados. Após cumprir suas “obrigações”, os alunos rapidamente abandonam o conhecimento físico, pois o encaram como inútil. Pietrocola (2005) alerta para esse problema dizendo que: O conhecimento promovido pelas aulas tradicionais de física, por estabelecer poucas relações com o mundo real e vincula-se quase que exclusivamente com o mundo escolar, é em geral visto como desnecessário. Um conhecimento cuja função limita-se a sala de aula, em particular para a realização de provas, é sério candidato a ser descartado (PIETROCOLA, 2005, p. 18). A aula de física passa a ser um ritual. Após as provas, os alunos que obtiveram boas notas jamais voltam a estudar o conteúdo da mesma, pois acreditam que nunca mais vão precisar dele. Os alunos acabam se tornando profissionais da sala de aula (PIETROCOLA, 2005). Eles não estabelecem vínculos que extrapolem a escola e suas exigências. Uma aula que não passa de memorização de fórmulas e repetição automática de procedimentos dificilmente desperta interesse em alguém. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN e PCN+) sugerem que o ensino de Física deixe de ter como foco a preparação para o vestibular e passe a formar alunos com uma cultura mais geral. As propostas contidas nos documentos apontam para uma mudança substancial na educação básica destacando que sua etapa final seja o ensino médio. Especificamente para a Física, os PCN+ colocam a importância da abordagem de conteúdos relacionados ao cotidiano dos alunos. Essa estratégia metodológica visa a superação da mera memorização de fórmulas aplicadas apenas a exercícios de sala de aula e busca abordar os conhecimentos físicos de modo que seja possível compreender melhor o cotidiano. A sugestão dos PCN+ é que: A Física deve apresentar-se, portanto, com um conjunto de competências específicas que permitam perceber e lidar com os fenômenos naturais e tecnológicos, presentes tanto no cotidiano mais imediato, quanto na ________________________________________________________________Anexos - 70 - compreensão do universo distante, a partir de princípios, leis e modelos por ela construídos (BRASIL, 2002, p. 59). É evidente que desenvolver em sala de aula resolução de exercícios é importante. O que se propõe aqui é problematizar o cotidiano dos alunos, com a discussão dos conceitos físicos envolvidos, para uma melhor aprendizagem de Física e análise crítica de suas relações com questões sociais, culturais e ambientais. Uma abordagem que pode ser associada ao ensino de Física cotidiana é a concepção problematizadora da educação que, segundo Freire (1987), rompe os esquemas verticais característicos do atual “modelo de aula”. Delizoicov (2005) destaca 02 (duas) concepções de problematização: gênese do conhecimento e eixo estruturador da atividade docente. Na concepção de “Problema como Gênese do Conhecimento”, Delizoicov com base na teoria de Gaston Bachelard, destaca que “o conhecimento se origina de problemas, ou melhor, na busca para soluções de problemas consistentemente formulados” (DELIZOICOV, 2005, p. 128). Na concepção de “Problema como eixo estruturador da atividade docente”, Delizoicov baseando-se nos educadores George Snyders e Paulo Freire defende “a exploração didática de temas significativos que envolvam contradições sociais e que proporcionem uma renovação dos conteúdos programáticos escolares numa dimensão crítica” (DELIZOICOV, 2005, p. 135). Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo geral identificar, analisar e discutir potencialidades da problematização do cotidiano dos alunos, no ensino e aprendizagem de Física. II - REFERENCIAL TEÓRICO Problema como gênese do conhecimento Na obra “A Formação do Espírito Científico” Bachelard (1996) estuda o pensamento humano, a dificuldade que ele apresenta ao deparar-se com descobertas de novos conceitos. Ele afirma que a tarefa primordial do espírito científico é “delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência” (BACHELARD, 1996, p. 7). Bachelard (1996) criou o conceito de “obstáculos epistemológicos” para enfatizar que, na formação do espírito científico, a mente humana não está totalmente vazia, ela já tem um conhecimento primeiro. Segundo Japiassu (1976) citado por Delizoicov (2005) tais obstáculos seriam “os retardos e perturbações que se incrustam, no próprio ato de conhecer, uma resistência do pensamento ao pensamento” (DELIZOICOV, 2005, p. 130). Bachelard (1996) alerta que nas escolas os obstáculos epistemológicos não são levados em conta: Os professores de ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na sala de aula com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana (BACHELARD, 1996, p. 23). De acordo com a pedagogia de Bachelard é necessário obter o conhecimento vulgar dos educandos e não apenas saber que ele existe. É a partir desse conhecimento prévio dos educandos que o professor deve iniciar a sua atividade docente. Delizoicov (2005) afirma que: ________________________________________________________________Anexos - 73 - Após a elaboração completa do conteúdo programático é que a quinta etapa começa, a aula do professor propriamente dita. Para isso o professor deve construir uma rede conceitual contendo os conceitos, leis e teorias físicas necessários para o entendimento do problema inicial, isso não significa que durante as aulas a rede conceitual não sofrerá mudanças. Se durante as aulas os alunos colocarem novas questões sobre os assuntos discutidos o professor deve conduzir as aulas de maneira a buscar, junto com os alunos, a resposta para essas questões. Uma possibilidade de estabelecer uma dinâmica docente que contemple os aspectos da educação problematizadora apresentados até aqui é o que se tem denominado de Momentos Pedagógicos, propostos por Angotti et al (2007). Eles são divididos em três momentos, cada qual com sua função específica: Problematização Inicial, Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento. Na problematização Inicial, apresentam-se as situações reais que estão envolvidas nos temas, de modo que os alunos vão expondo o que pensam sobre as situações por meio de falas, descrições, desenhos. Na Organização do Conhecimento, os conteúdos selecionados como necessários para a compreensão dos temas e da problematização inicial são estudados sob orientação do professor. As mais variadas atividades são empregadas nesse momento a fim de desenvolver os conteúdos. A Aplicação do Conhecimento tem como meta capacitar os alunos ao emprego dos conhecimentos, de forma constante e rotineira, nas situações reais vividas pelos alunos (ANGOTTI et al, 2007). III - METODOLOGIA A Pesquisa Qualitativa A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica e um forte vínculo entre o mundo real e o sujeito. Nos procedimentos procura-se interpretar os fenômenos, descrevê- los e atribuir-lhes significados. De acordo com Bogdan e Biklen (1994) a pesquisa qualitativa, em síntese, caracteriza-se pela obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com o ambiente de estudo; a preocupação está em descrever a perspectiva dos participantes e enfatiza mais o processo do que o produto. As principais características da pesquisa qualitativa, descritas acima, quando confrontadas com as particularidades da pesquisa desenvolvida mostram-se compatíveis e, por isso, conferem a ela a mesma denominação. Coleta de Dados Todos os dados foram coletados por meio de um mini-curso, intitulado Física Cotidiana, realizado nos meses de agosto e setembro de 2008, na Escola Estadual de Urubupungá, na cidade de Ilha Solteira – SP. Os dados foram coletados por meio de observação direta, com gravações em vídeo e anotações em um “Diário de campo”, documentos como lista de presença, questionários respondidos e trabalhos feitos pelos alunos durante o mini-curso, e entrevistas. De acordo com Lüdke e André (2007), a vantagem da observação é que ela possibilita ao pesquisador o contato direto e estreito com o ambiente e os sujeitos estudados. Conforme o pesquisador acompanhe as experiências diárias dos sujeitos, pode melhor compreender as “perspectivas dos sujeitos”, uma importante característica da abordagem qualitativa. Metodologia de Ensino ________________________________________________________________Anexos - 74 - O mini-curso foi desenvolvido com base na dinâmica da concepção problematizadora de Delizoicov (1983), apresentado no referencial teórico, em 03 (três) etapas: na primeira foi feito o Levantamento Preliminar, na segunda foi a Escolha das Situações Significativas e a Seleção dos Temas Geradores, para depois fazer a Redução Temática e por fim a Aula do Professor. O Levantamento Preliminar foi feito em duas aulas realizadas nos dias 18 e 25 de agosto de 2008. O objetivo primordial dessas aulas foi o de propor aos alunos dimensões significativas dos conhecimentos Físicos e que a partir de uma análise mais crítica, eles passem a reconhecer algumas relações com sua vida cotidiana. A figura 2 mostra de forma resumida os conteúdos abordados nessas aulas e o questionário aplicado. Figura 2: Planejamento das 02 (duas) primeiras aulas – Fonte dos autores Todo o planejamento inicial tem como pano de fundo o diálogo entre professor e alunos, é por meio dele que o conteúdo programático se constrói. Segundo Freire (1987) o diálogo não pode existir se o professor apenas narrar os conteúdos e os alunos apenas escutarem. O dialogo é o pronunciamento de ambos mediatizados pelo mundo, é a busca dos temas geradores dos alunos. Terminada a primeira etapa as atenções se voltam para a escolha das situações significativas e os temas geradores, todo esse processo é feito com uma criteriosa análise das gravações das aulas e dos questionários respondidos pelos alunos. IV – RESULTADOS E DISCUSSÕES A Escolha das Situações Significativas e a Seleção dos Temas Geradores Segundo Angotti et al (2007) situações significativas são “situações-problemas que surgem como manifestações das contradições envolvidas nos temas. As situações ________________________________________________________________Anexos - 75 - significativas apresentam-se como desafios para uma compreensão dos problemas envolvidos nos temas, distinta daquela oriunda da cultura primeira” (ANGOTTI et al, 2007, p. 193). A Escolha das Situações Significativas foi separada quanto aos temas de Física: eletromagnetismo, mecânica, óptica e termodinâmica. A tabela 1 mostra as situações significativas encontradas nos questionários. Tabela 1: Situações significativas selecionadas dos questionários – Fonte dos autores Termodinâmica Aluno 01: (...) para medir, uma temperatura, por exemplo: quando usamos o termômetro quando estamos doente (...) Aluno 02: Num simples calor, o frio, variação de tempo e temperatura (termômetro). Óptica Aluno 10: (...) a física óptica, é por ela que temos noção de como enxergamos as coisas (...). Mecânica Aluno 10: (...) a física mecânica, onde conseguimos perceber a variação de tempo de um local para outro (...). Aluno 11: A força peso é o que mais vejo no meu cotidiano, pois eu faço exercícios físicos. Ação e reação na aula de educação física etc... A tabela 2 mostra as situações significativas colocadas pelos alunos durante as 02 (duas) primeiras aulas, novamente elas foram escolhidas quanto aos temas da Física. Tabela 2: Situações Significativas selecionadas das 02 (duas) primeiras aulas – Fonte dos autores Termodinâmica Professor: Por exemplo, agora em termodinâmica... onde a gente consegue enxergar a termodinâmica? Aluno 07: Termômetro. Professor: Termômetro, por quê? Como funciona um termômetro? Porque ele determina se você está com febre ou não? Aluno 07: Porque ele é... ele absorve a sua temperatura... não entendo, eu sei que ele absorve a sua temperatura (fala não identificada). Professor: Por exemplo, se um gás... você tem um gás aqui. Você aquece ele... ele tende o que... a expandir não é? O termômetro faz a mesma coisa... ele está a temperatura ambiente... se você coloca você está mais quente que ele... por isso que a gente coloca ele aqui (referindo-se às axilas) ou na boca ... porque a temperatura é maior... então ocorre essa dilatação e ele se expande... Aluno 10: Só com o mercúrio que pode ser? Professor: Não. Aluno 10: Pode ser com todos? Professor: Pode ser com água... o que... vai de acordo com a escala entende? Por exemplo, no termômetro você tem uma escalinha... que tem a ver com o coeficiente de expansão. Por exemplo, um gás se expande mais do que um termômetro... do que o mercúrio, não se expande? Então por exemplo, se você fazer um termômetro a gás você vai ter que ter uma escala enorme ... então no termômetro tem isso... o vidro também ele tende a dar uma (expandida... faço gestos com a mão)... tem todo um jogo de medidas aí. Óptica Situação 1 Professor: Agora óptica, o que a gente pode enxergar no nosso cotidiano a óptica... acho que a óptica é bem... por exemplo, porque que o céu é azul? Aluno 07: A esse eu sei.
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