Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

gasolina adulterada batizada - entendendo a alteração de combustiveis - Governo Federal, Notas de estudo de Engenharia Química

gasolina adulterada batizada - entendendo a alteração de combustiveis - Governo Federal

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 27/08/2009

diego-xavier-pereira-https-diegoxp-
diego-xavier-pereira-https-diegoxp- 🇧🇷

4.7

(110)

224 documentos

1 / 112

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe gasolina adulterada batizada - entendendo a alteração de combustiveis - Governo Federal e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Química, somente na Docsity! ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 3 A todos aqueles que continuam a lutar, apesar dos infindáveis estímulos para que se rendam. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 7 1) ASPECTOS TÉCNICOS _______________________________________________ 11 2) HISTÓRICO DA LEI N.º 8.176/1991 _____________________________________ 39 3) ANÁLISE DO TIPO PENAL ___________________________________________ 51 4) COMPETÊNCIA _____________________________________________________ 61 5) PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA__________________________ 77 6) RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA _____________________________ 85 7) RESPONSABILIDADE CIVIL__________________________________________ 93 CONCLUSÕES _________________________________________________________ 99 APÊNDICE ___________________________________________________________ 101 BIBLIOGRAFIA_______________________________________________________ 105 8 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Com esse objetivo, no Capítulo I, apresentaremos informações técnicas básicas que permitam ao leitor se familiarizar com os combustíveis carburantes que serão mencionados nos capítulos posteriores, trazendo noções quanto à sua composição, descrevendo as adulterações mais freqüentes e as formas pelas quais elas podem ser detectadas. No Capítulo 2, será apresentado o histórico da Lei n.º 8.176/1991, que trata do crime de adulteração de combustível1, partindo do momento histórico da propositura do Projeto de Lei n.º 6.134/1991, origem remota da Lei, passando por todos os debates que precederam a sua aprovação. Já no Capítulo 3, será realizada uma análise do tipo penal constante do art. 1.º, inciso I, da mencionada Lei n.º 8.176/1991, demonstrando as suas principais características e apresentando, no Capítulo 4, as inúmeras divergências existentes quanto à competência para processamento e julgamento desse crime. Em seguida, no Capítulo 5, analisaremos propostas de alteração legislativa, visando tornar mais eficiente a repressão aos crimes relacionados à adulteração de combustíveis, bem como apresentaremos detalhes sobre Projeto de Lei já existente. Posteriormente, nos Capítulos 6 e 7, serão discutidas, respectivamente, as conseqüências administrativas e civis da adulteração de combustíveis, destacando as deficiências e virtudes dos textos legais atualmente em vigor e das decisões judiciais que os aplicaram. Por fim, apontaremos as conclusões sobre os temas desenvolvidos, salientando os resultados já obtidos e, mais que isso, lançando um desafio para que o leitor, qualquer que seja a sua condição, consumidor, 1Durante o desenvolvimento do livro demonstraremos que a conduta de “adulterar” combustível não é criminalizada no Brasil, sendo crime apenas as condutas de adquirir, revender ou distribuir. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 9 revendedor, servidor público, etc., participe dessa luta pela constante moralização e legalização do setor de combustíveis, praticando os atos que lhe estão ao alcance, com o objetivo de garantir um mercado sadio para o desenvolvimento desse importante segmento econômico da sociedade moderna. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 13 preço do barril de petróleo, devido à crise ocasionada pela OPEP”3, incentivando a produção de combustível proveniente de uma fonte renovável. Os primeiros carros movidos a álcool foram produzidos em 1979, mas em pequena escala: enquanto foram produzidos 1.003.861 (98%) carros movidos a gasolina, foram fabricados apenas 4.624 (0,5%) carros movidos a álcool4. O ápice da produção de carros movidos a álcool ocorreu no ano de 1986, quando foram fabricados 699.183 (72,6%) carros. Nesse ano, a produção de carros movidos a gasolina foi de apenas 219.347 (22,8%) carros5. Posteriormente, o aumento da oferta e a redução do preço do petróleo provocaram uma queda acentuada no preço do álcool, levando os produtores a utilizarem a cana-de-açúcar apenas para a produção de açúcar. Em razão de tal postura, começou a faltar álcool, e o setor sofreu uma grave crise de abastecimento. Os problemas no setor levaram a uma redução na produção de carros movidos a álcool e, em conseqüência, a uma drástica diminuição no consumo do combustível. Com a queda nas vendas, não havia incentivo para a adulteração de álcool. Porém, com o surgimento dos carros bicombustíveis, que podem ser abastecidos com álcool, gasolina ou qualquer mistura desses combustíveis, o consumo de álcool aumentou, tornando-se atraente a sua adulteração. 3 PROALCOOL. Disponível em: www.soaresoliveira.br/projetoenergia.em/proalcool.html. Acesso em: 24/01/2006. 4 AUTOVEÍCULOS – produção, vendas internas e exportações. Disponível em: www.anfavea.com.br. Acesso em: 09/02/2006 5 AUTOVEÍCULOS – produção, vendas internas e exportações. Disponível em: www.anfavea.com.br. Acesso em: 09/02/2006 14 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E a tendência é que o consumo aumente ainda mais, pois se prevê que, em pouco mais de um ano, todos os carros produzidos no Brasil serão bicombustíveis6, e os proprietários desses carros tendem a abastecê-los com álcool7. Com isso, também as fraudes no setor tendem a aumentar, o que já pode ser sentido, uma vez que, no mês de dezembro de 2005, o índice de não- conformidade do álcool detectado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) foi de 5,5%, maior que os índices da gasolina e do óleo diesel, que foram, respectivamente, de 3,6% e 3,8%8. Assim, importante que entendamos quais são as características do álcool, as principais formas de adulteração e, o mais importante, como elas podem ser detectadas, o que apresentaremos nos próximos itens. Composição São produzidos dois tipos de álcool para serem utilizados como combustíveis nos veículos, de acordo com a Resolução ANP n.º 36, de 06 de dezembro de 2005: “I – Álcool Etílico Anidro Combustível (AEAC) – produzido no País ou importado sob autorização, conforme especificação constante do Regulamento Técnico, destinado aos Distribuidores para mistura com gasolina A para formulação da gasolina C e, 6 ALTA do petróleo e aquecimento global tornam experiência brasileira em carros bicombustível referência mundial. Valor econômico. 29/08/2005. Disponível em: www.inovacao.unicamp.br/report/Ie- bicombustivel.shtml. Acesso em: 10/01/2006. 7 “Enquete realizada pelo Datagro neste mês mostra que entre os donos de carros bicombustíveis, 52% preferem abastecer com álcool, 29% calculam a relação preço/desempenho; 11% utilizam o que estiver mais barato e 8% ainda escolhem a gasolina”. 30 anos de Proálcool. Data: nov. 2005. Disponível em: www.biodieselecooleo.com.br. Acesso em: 08/02/2006. 8 BOLETIM da qualidade dos combustíveis. Data: dez. 2005. Disponível em: www.anp.gov.br. Acesso em: 11/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 15 II – Álcool Etílico Hidratado Combustível (AEHC) – produzido no País ou importado sob autorização, conforme especificação constante no Regulamento Técnico, para utilização como combustível em motores de combustão interna de ignição por centelha.” O álcool anidro não pode ser usado diretamente como combustível nos veículos, sendo produzido para ser adicionado à gasolina “A” para dar origem à gasolina “C”9. Já o álcool hidratado é o utilizado diretamente nos veículos movidos a álcool ou bicombustíveis. Como veremos no item abaixo, uma das principais fraudes envolvendo esse combustível é a venda de álcool anidro com a adição irregular de água (o chamado “álcool molhado”), como se fosse álcool hidratado; razão pela qual, a partir de dezembro de 2005, a mencionada Resolução ANP n.º 36 determinou que ao álcool anidro os produtores devem adicionar um corante devidamente licenciado, dando a esse combustível uma cor laranja. Esta fraude é empregada pelo adulterador com o objetivo de obter lucro maior, por meio da sonegação de tributos, notadamente o ICMS, uma vez que a fiscalização sobre a comercialização do álcool anidro é mais vulnerável que a existente em face do álcool hidratado. De fato, enquanto a comercialização do álcool hidratado se dá com a obrigação do recolhimento do ICMS pelo produtor (usinas), com retenção do tributo na fatura ou nota fiscal, o álcool anidro tem a tributação do 9 "GASOLINA AUTOMOTIVA TIPO A: É a gasolina produzida pelas refinarias de petróleo e entregue diretamente às companhias distribuidoras. Esta gasolina constitui-se basicamente de uma mistura de naftas numa proporção tal que enquadre o produto na especificação prevista. Este produto é a base da gasolina disponível nos postos revendedores. GASOLINA TIPO C: É a gasolina comum que se encontra disponível no mercado sendo comercializada nos postos revendedores e utilizada em automóveis e etc. Esta gasolina é preparada pelas companhias distribuidoras que adicionam álcool etílico anidro à gasolina tipo A". GASOLINA. Disponível em: http://www.demec.ufmg.br/disciplinas/ema003/liquidos/gasolina/gasolina.htm. Acesso em: 26/03/2006. 18 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Principais adulterações Existem várias adulterações que são realizadas no álcool, tanto no hidratado quanto no anidro11. Porém, antes de analisá-las, é importante relembrar que o álcool anidro não sofre tributação direta (quando adquirido para ser adicionado à gasolina) e somente recebe incidência de tributos após ser adicionado à gasolina A, dando origem à gasolina C. Já o álcool hidratado é tributado normalmente, tanto no âmbito federal (PIS e COFINS, não havendo cobrança de CIDE) quanto no âmbito estadual, variando a alíquota do ICMS de acordo com o Estado da Federação. Vejamos, inicialmente, as alíquotas dos tributos federais incidentes sobre o álcool hidratado: ÁLCOOL HIDRATADO TRIBUTO USINA DISTRIBUIDORA PIS 0,65% 1,46% COFINS 3,00% 6,74% No caso do ICMS, atualmente estão vigentes as seguintes alíquotas: ESTADO ALÍQUOTA ICMS ACRE 17% ALAGOAS 27% AMAZONAS 25% AMAPÁ 25% BAHIA 19% 11 No Boletim da Qualidade dos Combustíveis de dezembro de 2005, elaborado pela ANP, consta que foi detectado um índice de 5,5% de não-conformidade nas amostras de álcool hidratado. Foram encontradas as seguintes adulterações: 52% teor alcoólico; 10% condutividade; 30% pH; e 8% outras formas, dentre elas o aspecto. Importante destacar que grande parte dessas adulterações decorrem da adição indiscriminada de água no álcool. Disponível em: www.anp.gov.br. Acesso em: 11/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 19 CEARÁ 25% DISTRITO FEDERAL 25% ESPÍRITO SANTO 25% FERNANDO DE NORONHA 25% GOIÁS 26% MARANHÃO 25% MINAS GERAIS 25% MATO GROSSO DO SUL 25% MATO GROSSO 25% PARÁ 30% PARAÍBA 25% PERNAMBUCO 25% PIAUÍ 25% PARANÁ 18% RIO DE JANEIRO 24% RIO GRANDE DO NORTE 25% RONDÔNIA 25% RORAIMA 17% RIO GRANDE DO SUL 28% SANTA CATARINA 18% SERGIPE 27% SÃO PAULO 12% TOCANTINS 25% O fato do álcool anidro ter sua tributação diferida e também a diferença entre as alíquotas do ICMS incidentes sobre o álcool hidratado são as principais causas das fraudes praticadas nesse combustível e têm como principal objetivo reduzir ou suprimir o pagamento de tributos. A partir dessa realidade, uma das principais fraudes é a aquisição de álcool anidro, sem tributos, com adição indiscriminada de água, para se obter um álcool hidratado, conhecido como “álcool molhado”, com prejuízos ao fisco, face a sonegação de tributos, conforme já explicado, bem como com prejuízos aos consumidores, vez que tal produto causa danos aos veículos. 20 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Todavia, essa adulteração será facilmente identificada se o álcool anidro, anteriormente, tiver recebido o corante laranja definido na Resolução ANP n.º 36. Como o álcool anidro é adicionado à gasolina A para produzir a gasolina C, o tom alaranjado em nada altera a coloração da gasolina, mas, caso seja adicionada água para que ele seja vendido como álcool hidratado, o consumidor poderá facilmente notar a fraude, já que o resultado seria um álcool com tons laranja, enquanto o álcool hidratado regular deve, necessariamente, ser incolor e isento de impurezas. Mesmo que o álcool anidro não tenha recebido o corante laranja, também será possível detectar essa adulteração, pois, como a água existente no álcool hidratado regular é destilada, esse combustível possui uma condutividade elétrica baixa que, de acordo com a Resolução ANP n.º 36, não pode exceder 500 S/m (quinhentos microsimens por metro). Já no “álcool molhado”, como a água adicionada normalmente é a obtida na rede municipal de abastecimento, ou seja, não destilada, esse álcool irregular possui uma alta condutividade elétrica, podendo chegar a mais de 2.000 S/m. Para se verificar a condutividade elétrica do álcool, a melhor forma é por meio de um equipamento chamado condutivímetro12, igual ao da foto abaixo, que apresenta o resultado em alguns segundos, além de ser portátil, permitindo a sua utilização em fiscalizações de campo: 12Para maiores informações: www.digimed.ind.br. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 23 1.2. Gasolina Composição Oportuno, de início, trazer um conceito de gasolina no qual sejam mencionados os seus componentes 14: “A gasolina é um combustível constituído basicamente por hidrocarbonetos e, em menor quantidade, por produtos oxigenados. Esses hidrocarbonetos são, em geral, mais ‘leves’ do que aqueles que compõem o óleo diesel, pois são formados por moléculas de menor cadeia carbônica (normalmente de 4 a 12 átomos de carbono). Além dos hidrocarbonetos e dos oxigenados, a gasolina contém compostos de enxofre, compostos de nitrogênio e compostos metálicos, todos eles em baixas concentrações. A faixa de destilação da gasolina automotiva varia de 30 a 220°C”. A gasolina revendida nos postos de abastecimento no Brasil recebe uma porcentagem de álcool anidro e é chamada de gasolina C, sendo obtida a partir da mistura de gasolina A com um determinado percentual obrigatório de álcool anidro. Referido percentual, por força do Decreto n.º 3.966, de 10/10/2001, deverá ser fixado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, após a aprovação do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool. Valendo-se dessa atribuição, o Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento editou a Portaria n.º 51, de 22/02/2006, fixando em 20% o percentual de álcool anidro a ser adicionado à gasolina15. 14GASOLINA. Disponível em: www.br.com.br. Acesso em: 14/02/2006. 15A Portaria n.º 51 revogou a Portaria n.º 554, de 27/05/2003, que fixava em 25% o teor de álcool na gasolina. Anteriormente, a Portaria n.º 17, de 22/01/2003, também fixava em 20% o percentual obrigatório de adição de álcool etílico anidro combustível à gasolina. 24 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Além disso, é autorizada a comercialização da gasolina premium, que tem basicamente as mesmas especificações da gasolina comum, diferenciando-se, apenas, em razão da octanagem, que precisa ser superior, o que resulta em um melhor desempenho do veículo, sendo indicada, principalmente, para carros importados. As especificações da gasolina comum e da gasolina premium constam do Regulamento Técnico ANP n.º 5/2001, anexo à Portaria ANP n.º 309, de 27/12/2001: ESPECIFICAÇÃO Gasolina Comum Gasolina Premium MÉTODO CARACTERÍSTICA UNIDADE Tipo A Tipo C Tipo A Tipo C ABNT ASTM Cor — (1) (2) (1) (2) Aspecto — (4) (4) (4) (4) visual (3) Álcool Etílico Anidro Combustível - AEAC %vol 1 máx (5). (6) 1 máx. (5) (6) NBR 13992 Massa específica a 20ºC kg/m3 anotar anotar anotar anotar NBR 7148 NBR 14065 D 1298 D 4052 Destilação NBR 9619 D 86 10% evaporado, máx. ºC 65,0 65,0 65,0 65,0 50% evaporado, máx. ºC 120,0 80,0 120,0 80,0 90% evaporado, máx.(7) ºC 190,0 190,0 190,0 190,0 PFE, máx. ºC 220,0 220,0 220,0 220,0 Resíduo, máx. %vol 2,0 2,0 2,0 2,0 Nº de Octano Motor - MON, mín. — (8) (9) 82,0 (9) — — MB 457 D 2700 Índice Antidetonante - IAD, mín.(10) — (8) 87,0 (8) 91,0 MB 457 D 2699 D 2700 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 25 Pressão de Vapor a 37,8 ºC (11) kPa 45,0 a 62,0 69,0 máx. 45,0 a 62,0 69,0 máx. NBR 4149 NBR 14156 D 4953 D 5190 D 5191 D 5482 Goma Atual Lavada, máx. mg/100 ml 5 5 5 5 NBR 14525 D 381 Período de Indução a 100ºC, mín. min (12)(13) 360 (12)(13) 360 NBR 14478 D 525 Corrosividade ao Cobre a 50ºC, 3h, máx. — 1 1 1 1 NBR 14359 D 130 Enxofre, máx. (14) % massa 0,12 0,10 0,12 0,10 NBR 6563 NBR 14533 D 1266 D 2622 D 3120 D 4294 D 5453 Benzeno, máx. (14) %vol 1,2 1,0 1,9 1,5 — D 3606 D 5443 D 6277 Chumbo, máx. (5) g/L 0,005 0,005 0,005 0,005 — D 3237 Aditivos (15) — — — — — — — Hidrocarbonetos: (14) (16) %vol MB 424 D 1319 Aromáticos, máx. (17) 57 45 57 45 Olefínicos, máx. (17) 38 30 38 30 (1) De incolor a amarelada, isenta de corante. (2) De incolor a amarelada se isenta de corante cuja utilização é permitida no teor máximo de 50ppm com exceção da cor azul, restrita à gasolina de aviação (3) A visualização será realizada em proveta de vidro, conforme a utilizada no Método NBR 7148 ou ASTM D 1298. (4) Límpido e isento de impurezas. (5) Proibida a adição. Deve ser medido quando houver dúvida quanto à ocorrência de contaminação. (6) O AEAC a ser misturado às gasolinas automotivas para produção da gasolina C deverá estar em conformidade com o teor e a especificação estabelecidos pela legislação em vigor. 28 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS BAHIA 27% CEARÁ 27% DISTRITO FEDERAL 25% ESPÍRITO SANTO 27% FERNANDO DE NORONHA 25% GOIÁS 26% MARANHÃO 27% MINAS GERAIS 25% MATO GROSSO DO SUL 25% MATO GROSSO 25% PARÁ 30% PARAÍBA 27% PERNAMBUCO 27% PIAUÍ 25% PARANÁ 26% RIO DE JANEIRO 31% RIO GRANDE DO NORTE 25% RONDÔNIA 25% RORAIMA 25% RIO GRANDE DO SUL 28% SANTA CATARINA 25% SERGIPE 27% SÃO PAULO 25% TOCANTINS 25% Como a gasolina revendida pelos postos no Brasil recebe uma porcentagem de álcool, uma das principais fraudes praticadas na sua comercialização é a adição de álcool anidro em porcentagem superior ao estabelecido de acordo com a lei. Em algumas fiscalizações, já foi constatada a presença de mais de 70% de álcool anidro misturado na gasolina examinada18. Tal fraude é facilmente constatada por um teste muito simples, que todos os postos de revenda são obrigados a fazer ao receber um carregamento de gasolina19. Além disso, qualquer consumidor pode, ao 18 EXAME feito pela polícia e pela fazenda em postos da Grande São Paulo. No teste, 60% da gasolina está adulterada. O Estado de São Paulo, 11/11/2004, p. C3. 19 É o que estabelece o art. 3.º da Portaria ANP n.º 248, de 31/10/2000. Disponível em: www.anp.gov.br. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 29 abastecer o seu veículo, solicitar a realização desse teste, de acordo com o estabelecido no art. 8.º da Portaria ANP n.º 248, de 31/10/2000. Ele deve ser feito da seguinte forma: Coloque 50 ml de gasolina em uma proveta de 100 ml previamente limpa, desengordurada e seca. Adicione uma solução aquosa de cloreto de sódio a 10% p/v (100g de sal para cada litro de água). Misture as camadas de água e amostra por meio de 10 inversões sucessivas da proveta, evitando agitação enérgica e deixe em repouso por 15 minutos. Acesso em: 08/02/2006 30 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Como colocamos 50 ml de gasolina e 50 ml de água na proveta, inicialmente teremos uma divisão exatamente no meio. Porém, como o álcool existente na gasolina será “atraído” para junto da água, essa divisão se modificará, ocorrendo um aumento da camada aquosa (incolor), que servirá de base para o cálculo do teor de álcool na gasolina a partir da seguinte fórmula20: V = (A x 2) + 1, onde: V = teor de álcool (AEAC) na gasolina, e A = aumento em volume da camada aquosa (álcool e água) Vejamos um exemplo: se após a realização do teste, a camada aquosa, inicialmente de 50 ml, passar para 60 ml, teremos um aumento de 10 ml que, multiplicado por 2 e somado a 1, conforme determina a fórmula, significará que o teor de álcool na amostra de gasolina analisada é de 21%, ou seja, está de acordo com a legislação atualmente em vigor. Uma outra fraude muito comum, infelizmente, é a adição de solventes21 proibidos à gasolina, que não podem ser adicionados, pois alteram as suas características e a tornam imprópria para o consumo. A presença desses solventes pode ser confirmada por meio da utilização de equipamentos eletrônicos específicos. Dois analisadores portáteis de gasolina, o IROX22 e o GS 100023, permitem a constatação dessa fraude por 20 Constante da Portaria ANP n.º 248, de 31/10/2000. Disponível em: www.anp.gov.br. Acesso em: 24/02/2006. 21 Em alguns casos, os solventes são importados de forma fraudulenta, o que pode caracterizar o crime de contrabando/descaminho previsto no art. 334 do Código Penal, o qual, sem qualquer dúvida, é de competência da Justiça Federal. 22“O analisador portátil de gasolina IROX 2000 é um equipamento totalmente automático para análise completa de gasolina pela técnica de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR)”. Disponível em: www.icr3.com.br. Acesso em: 16/02/2006. Ver também: www.petrolab.com. 23“Analisador portátil de gasolina”. Disponível em: www.pensalab.com.br. Acesso em: 16/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 33 Se for constatada a existência desse marcador, é sinal que um solvente proibido foi indevidamente adicionado à gasolina, o que a torna imprópria para o consumo. 1.3. Diesel O óleo diesel é um combustível fóssil constituído basicamente por hidrocarbonetos, porém mais “pesados” que os que compõem a gasolina, pois são formados por moléculas com maior cadeia carbônica, com 9 a 35 átomos de carbono. Além disso, possui uma faixa de destilação superior à da gasolina, de 140 a 380ºC. No Brasil, de acordo com a Resolução ANP n.º 12, de 22/03/2005, que alterou o art. 2.º da Portaria ANP n.º 310, de 27/12/2001, temos três espécies de óleo diesel: 1) óleo diesel automotivo S500, que deve ter um teor de enxofre de, no máximo, 500 mg/kg e deve ser comercializado nos municípios das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Baixada Santista, São José dos Campos, Belo Horizonte e Vale do Aço (Anexo I da Resolução ANP n.º 12); 2) óleo diesel metropolitano, que deve ter um teor de enxofre de, no máximo, 2.000 mg/kg e deve ser comercializado nos municípios das regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Aracaju, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e Vitória (Anexo II da mencionada Resolução); e 3) óleo diesel automotivo interior, que deve ter um teor máximo de enxofre de 3.500 mg/kg e deve ser comercializado nos demais municípios do País. 34 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Como se observa da classificação apresentada, nas regiões metropolitanas com maior densidade demográfica (e, portanto, com maior quantidade de veículos) deverá ser comercializada a espécie de óleo diesel com menor teor de enxofre, e assim sucessivamente. Para que seja possível diferenciar o diesel automotivo interior das outras duas espécies, apenas a ele é adicionado um corante vermelho, de acordo com o definido na Portaria ANP n.º 310, de 27 de dezembro de 2001. Além disso, a Resolução ANP n.º 42, de 24/11/2004, traz as definições do biodiesel e de suas misturas (art. 2.º). Composição As especificações do diesel são apresentadas nas tabelas abaixo, constante da Resolução ANP n.º 12, de 22/03/2005, que alterou o Regulamento Técnico da Portaria ANP n.º 310, de 27/12/2001: LIMITES MÉTODOS TIPOS CARACTERÍSTICAS UNIDADES S500 (1) Metropolitano (D) (2) Interior (B) ABNT ASTM APARÊNCIA Aspecto Límpido isento de impurezas Visual (3) Cor ASTM, máx. 3,0 3,0 3,0 (4) (5) NBR 14483 D 1500 COMPOSIÇÃO Enxofre Total, máx. mg/kg 500 2.000 3.500 NBR 14875 - NBR14533 - D 1552, D 2622, D 4294 D 5453 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 35 VOLATILIDADE Destilação °C 50% vol., recuperado, máx. 245,0 - 310,0 85 % vol., recuperado, máx. 360,0 360,0 370,0 NBR 9619 D 86 Massa Específica a 20°C kg/m³ 820 a 865 820 a 865 820 a 880 NBR 7148, NBR 14065 D 1298, D 4052 Ponto de Fulgor, mín. °C 38,0 NBR 7974 NBR 14598 - D 56, D 93 D 3828 FLUIDEZ Viscosidade a 40°C, (mm²/s) cSt 2,5 a 5,5 NBR 10441 D 445 Ponto de Entupimento de Filtro a Frio °C (6) NBR 14747 D 6371 COMBUSTÃO Número de Cetano, mín. (7) - 42 - D 613 Resíduo de Carbono Ramsbottom no Resíduo dos 10% finais da Destilação, máx. %massa 0,25 NBR14318 D 524 Cinzas, máx. %massa 0,020 NBR 9842 D 482 CORROSÃO Corrosividade ao cobre, 3h a 50ºC, máx. - 1 NBR 14359 D 130 CONTAMINANTES Água e Sedimentos, máx. %volume 0,05 NBR 14647 D 1796 (1) O Óleo Diesel S500 deverá ser obrigatoriamente comercializado nos municípios relacionados no Anexo I. (2) O Óleo Diesel Metropolitano (D) deverá ser obrigatoriamente comercializado nos municípios relacionados no Anexo II. (3) A visualização será realizada em proveta de vidro, conforme a utilizada no Método NBR 7148 ou ASTM D 1298. 38 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS ANP n.º 12 define quais os municípios em que cada uma das espécies de diesel deve ser comercializada. O descumprimento dessa Resolução, com a venda de diesel automotivo interior (aquele com maior índice de enxofre) em municípios em que deveriam ser comercializados o diesel automotivo S500 e o metropolitano, é a fraude mais freqüente. Essa não-conformidade é facilmente identificável, uma vez que o diesel interior recebe um corante vermelho, e as outras duas espécies não o recebem, mantendo uma coloração amarelada semelhante à da gasolina. Outra não-conformidade, porém não tão freqüente, é a adição de óleos mais pesados (residuais) ao diesel, alterando a sua curva de destilação, o que somente poderá ser detectado por testes laboratoriais. Apresentadas as características do álcool, da gasolina e do óleo diesel, iniciaremos o estudo da Lei n.º 8.176/1991, que trata dos crimes referentes à adulteração de combustíveis. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 39 2) HISTÓRICO DA LEI N.º 8.176/1991 A origem remota da Lei n.º 8.176/1991 é o Projeto de Lei n.º 6.134/1991, apresentado pelo Poder Executivo em 23/01/1991, em razão do qual ocorreu a convocação extraordinária do Congresso Nacional. O texto do Projeto era o seguinte26: “PROJETO DE LEI N.º 6.134, DE 1991 CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA Acrescenta dispositivos à Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1.º Ficam acrescentados ao art. 4.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, os seguintes incisos: “VIII – adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante, demais combustíveis líquidos carburantes de fontes renováveis e outros combustíveis carburantes, com infringência das normas de aquisição, distribuição e revenda estabelecidas pelo órgão federal competente; IX – usar gás liqüefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas ou para fins automotivos, ressalvado, quando autorizado pelo órgão federal competente, o uso no segmento industrial.” Art. 2.º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, produzir ou explorar bens definidos como pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 26 PROJETO de Lei n.º 6.134, de 1991. Diário do Congresso Nacional (Seção I), 24/01/1991, p. 15.035. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 40 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS § 1.º Incorre na mesma pena aquele que adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput. § 2.º No crime definido neste artigo, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime. § 3.º O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional – BTN. Art. 3.º Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o art. 18 da Lei n.º 8.137, de 1990, restaurando-se a numeração dos artigos do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, alterada por aquele dispositivo.” O fundamento para a apresentação do Projeto de Lei era a crise de abastecimento decorrente da Guerra do Golfo Pérsico, como destacou o Deputado Bonifácio de Andrade, relator do Projeto na Câmara dos Deputados: “Indispensável ficar claro que este projeto de lei tem características muito próprias para o estado de emergência econômica em que nos encontramos, segundo proclama o Sr. Presidente da República, com a crise que se aproxima de todos nós e das estruturas internacionais, com a Guerra do Golfo Pérsico.”27 “Sr. Presidente, quero fazer mais algumas considerações. Conforme ontem asseguramos a esta Casa, o Governo pede, através desse projeto de lei, instrumentos realmente excepcionais para enfrentar o estado de emergência econômica provocado pela crise decorrente da Guerra do Golfo Pérsico.”28 27 Parecer do Relator, Deputado Bonifácio de Andrada (PDS-MG). Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.257. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 28 Parecer do Relator, Deputado Bonifácio de Andrada (PDS-MG). Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.258. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 43 do art. 49, inciso X, da Constituição, o demonstrativo da execução do Plano de que trata o § 1.º deste artigo. § 3.º O Poder Executivo estabelecerá, no prazo de 60 (sessenta) dias, as normas que regulamentarão o Sistema Nacional de Estoques Estratégicos de Combustíveis. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o art. 18 da Lei n.º 8.137, de 1990, restaurando-se a numeração dos artigos do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, alterada por aquele dispositivo, entrando esta lei em vigor na data de sua publicação. Sala das Sessões, 24 de janeiro de 1991. Deputado Bonifácio de Andrade, Relator.” Dentre as mudanças promovidas pelo Substitutivo, destacam- se as seguintes, indicadas pelo relator30: “... Sr. Presidente, preservamos os dispositivos contidos no projeto de lei do Governo, alterando apenas aquele pressuposto que daria ao Governo condições a nosso ver negativas, de definir esses crimes através de normas da administração. Superamos essa incongruência, fixando que a proibição deve lastrear-se em lei específica. ... Aceitamos, na concepção de transitoriedade da lei, a emenda do nobre Deputado Gastone Righi, dando ao dispositivo legal a vigência de seis meses, mas determinando, porque assim não estava no projeto do Governo, que ele entre em vigor não daqui a quarenta e cinco dias, como manda o Código Civil, mas imediatamente” O Substitutivo, tal qual o Projeto de Lei original, sofreu duras críticas, merecendo menção as apresentadas pelo Deputado Antonio Mariz31: 30 Parecer do Relator, Deputado Bonifácio de Andrada (PDS-MG). Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.258. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 31 DISCURSO do Deputado Federal Antonio Mariz (PMDB-PB). Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.258. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 44 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS “Sr. Presidente, votarei contra a aprovação deste projeto porque não se pode considerar crime qualquer fato que desagrade, que aborreça os tecnocratas. E este é um caso técnico de aborrecimento dos tecnocratas. A conjuntura internacional, mais do que isto, a conjuntura nacional faz com que se penalizem de forma draconiana fatos que não merecem medidas senão de ordem administrativa. O Governo propõe sejam atribuídas penas de dois a cinco anos de reclusão para fatos até então não tipificados, estabelecendo um paralelo com crimes de grande gravidade, como o abuso econômico praticado por empresas, em especial as multinacionais, que têm poder de determinar monopólios. ... É com uma lei desta magnitude, desta grandeza que se quer punir a aquisição, a distribuição, a revenda e o uso de gás liqüefeito ou de álcool hidratado em desacordo com as normas administrativas do Governo. E se atribuem a esses novos crimes penas de 2 a 5 anos de reclusão ou multa. É o que está dito neste projeto de lei. ... E o relator teve o cuidado de alterar substancialmente essa pena, quando transformou a de reclusão em detenção. Esse é um fato absolutamente irrelevante do ponto de vista criminal. Deveríamos analisar o que significa o crime. Este sempre será um fato que agredirá a consciência jurídica e moral da Nação. Não é o caso. São infrações de ordem administrativa que devem estar restritas ao campo administrativo. ... Se a lei não tem objetivo, se não se justifica, se os fatos não caracterizam doutrinariamente um crime, que nós rejeitemos esse projeto liminarmente. Vamos poupar o Brasil do vexame da fiscalização arbitrária nas estradas. ... ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 45 Assim sendo, votarei contra a aprovação desse projeto, e convoco meus pares a que assim também o façam.(Palmas)” Apesar das críticas e após intensa discussão, na qual o Deputado Robson Marinho chegou a requerer verificação de quórum32, o Substitutivo, com exceção de alguns dispositivos dos quais foi requerida a votação em separado, foi aprovado na Câmara dos Deputados, ficando “prejudicados o projeto, as emendas de plenário e os destaques ao mesmo”33: “VOTARAM: Sim – 187 Não – 83 Abstenção – 7 Total – 277 Aprovado o substitutivo, ficam prejudicados o projeto, as emendas de plenário e os destaques ao mesmo.” Após a aprovação de quase a totalidade do texto do Substitutivo, foram votados os requerimentos de destaque, sendo excluídos do texto final os §§1.º e 4.º do art. 1.º34, que foi encaminhado ao Senado Federal, como o Projeto de Lei da Câmara n.º 1, de 1991, sendo nomeado relator o Senador José Fogaça (PMDB-RS), o qual em seu pronunciamento, que antecedeu o seu voto, destacou alguns pontos em relação ao tema35: “Até nós aqui estamos em função da chamada guerra do Golfo Pérsico, aqui nos encontramos para votar um projeto de lei que visa criar, que visa instituir punições para crimes praticados contra a ordem econômica, que, na verdade, se referem ao problema do petróleo e do álcool, ou seja, uma 32 SUBSTITUTIVO ao projeto de lei n.º 6.134/91. Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.259. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 33 SUBSTITUTIVO ao projeto de lei n.º 6.134/91. Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.261. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 34 SUBSTITUTIVO ao projeto de lei n.º 6.134/91. Diário do Congresso Nacional (Seção I), 26/01/1991, p. 15.263. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/11/2005. 35 REQUERIMENTO n.º 9. Diário do Congresso Nacional (Seção II), 31/01/1991, p. 78. 48 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS seguinte, do qual constarão as fontes de recursos financeiros à sua manutenção. § 2.º O Poder Executivo estabelecerá, no prazo de 60 (sessenta) dias, as normas que regulamentarão o Sistema Nacional de Estoques Estratégicos de Combustíveis. Art. 5.º Esta lei entra em vigor 5 dias após sua publicação. Art. 6.º Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o art. 18 da Lei n.º 8.137, de 1990, restaurando-se a numeração dos artigos do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, alterada por aquele dispositivo, entrando esta lei em vigor na data de sua publicação.” Após duas pequenas alterações: a substituição do termo “institui” pelo termo “define” na rubrica e a inclusão da pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos no art.º 2.º, o texto acima foi enviado para a sanção, ocasião em que o Presidente Fernando Collor de Mello vetou o caput do art. 3.º e seu parágrafo único, com os seguintes argumentos38: “Trata-se de regra que objetiva tornar transitória norma penal (art. 1.º) que define crime contra a ordem econômica. No entanto, é imprescindível que a regra penal do citado art. 1.º possa revestir-se de característica de norma permanente, porque indispensável ao regular funcionamento do Sistema Nacional de Abastecimento de Combustíveis. As normas administrativas vigentes revelaram-se insuficientes para coibir o uso indevido de combustíveis carburantes, que constituem a fonte principal de energia para o exercício de atividades essenciais à preservação da ordem econômica. Demais disso, é oportuno salientar – ainda no que diz respeito ao funcionamento do Sistema Nacional de Abastecimento de Combustíveis – que os efeitos da Guerra do Golfo Pérsico devem perdurar por período superior ao previsto, no Projeto, para a vigência na norma penal contida no seu art. 1.º. E é notório que subsiste a dependência do 38 MENSAGEM de Veto n.º 57/1991. Presidência da República. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 49 País de fontes externas de suprimento de petróleo. O veto ao parágrafo único constitui decorrência deste ora aposto ao caput do artigo 3.º.” (destacamos). A expressão acima grifada deixa claro que o principal objetivo do Projeto de Lei que deu origem à Lei n.º 8.176/1991 era coibir o “uso indevido de combustíveis carburantes”, principalmente o GLP (gás liqüefeito de petróleo, o nosso “gás de cozinha”), freqüentemente usado em veículos automotores, o que é confirmado por uma notícia da época 39: “Os representantes das 18 empresas distribuidoras de gás do país reuniram-se ontem, em São Paulo, para avaliar os efeitos de uma provável guerra do Golfo Pérsico sobre o abastecimento interno. Um dos problemas que mais preocupam dos distribuidores é a falta de fiscalização do uso do produto. Na Grande São Paulo por exemplo, existem apenas três fiscais do Departamento Nacional de Combustíveis. Sem fiscalização, segundo empresários do setor, é impossível evitar que edifícios e condomínios residenciais utilizem o gás como aquecedor de piscinas, o que é proibido desde a primeira crise do petróleo, em 1973. Em algumas regiões, como Goiás, o gás é muito utilizado como combustível de veículos, porque rende mais e custa menos do que a gasolina. O uso como combustível também é proibido, mas a estimativa de técnicos da área é de que tenha crescido muito nos últimos anos.” E uma análise da crise da época chega à mesma conclusão40: “Uma crise internacional deflagrada pela invasão do Kuwait pelo Iraque, no início da década de 1990, foi motivo de grande preocupação para o Brasil. O cenário da primeira guerra do Golfo trazia-nos a ameaça de sérias conseqüências sobre os preços e a oferta de petróleo. Na ocasião, nosso país importava quase 50% do petróleo e derivados necessários para o consumo interno. No caso do GLP — o 39 USO de gás sofrerá severa fiscalização. Jornal da Tarde, São Paulo, 15/01/1991, p. 14. Disponível em: www.portal-rp.com.br/pop/administracaodecrises/1991_92_09b.htm. Acesso em: 13/02/2006. 40 GOMES, Carlos Eduardo Torres. Um novo cenário energético. Correio Brasiliense. 29/12/2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/Notícias.asp?NOTCod=241339. Acesso em: 09/02/2006. 50 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS gás liqüefeito de petróleo, utilizado por 95% dos lares brasileiros como gás de cozinha —, nossa dependência do mercado externo chegava a 80% e o preço era fortemente subsidiado para tornar-se acessível aos consumidores de todas as classes sociais, que dependem desse derivado para o preparo de suas refeições diárias. ... Esse contexto exigiu uma série de medidas governamentais para a contenção do consumo de derivados de petróleo. A Lei 8.716, de 8 de fevereiro de 1991, definiu como um crime contra a ordem econômica o uso de GLP “em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos”, ou seja, qualquer utilidade que não fosse considerada essencial no caso desse energético.” Inexistia, na época, a preocupação quanto à adulteração de combustíveis, uma vez que o setor era fortemente controlado. Porém, a realidade atual é outra, e a principal preocupação não é mais o uso indevido de combustível carburante, mas sim a sua adulteração, o que torna imprescindível uma alteração legislativa, tema que veremos no Capítulo 5. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 53 ... REVENDER tornar a vender; vender (algo) adquirido com intenção de revenda”. Essas definições permitem concluir que, definitivamente, não há a criminalização, na atual legislação brasileira, da conduta de quem apenas ADULTERAR combustível. Afinal, adulterar, pelo mesmo Dicionário Houaiss, significa43: “1 introduzir alteração em; modificar .. 3 corromper(-se) por; viciar(-se)” Os significados acima apresentados, apesar de servirem como parâmetros para análise da Lei n.º 8.176/1991, não são os únicos que devem ser observados, sendo importante, também, verificarmos os conceitos legais de “distribuição” e “revenda”, que constam da Lei n.º 9.478, de 06/08/1997, a qual traz em seu Capítulo III (Da Titularidade e do Monopólio do Petróleo e do Gás Natural), Seção II, das Definições Técnicas: “Art. 6.°. Para os fins desta Lei e de sua regulamentação, ficam estabelecidas as seguintes definições: ... XX - Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liqüefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; XXI - Revenda: atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liqüefeito envasado, exercida por postos 43HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. Acesso em: 14/02/2006. 54 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis;” Pela análise das definições acima apresentadas, vemos que apenas as condutas de adquirir, distribuir e revender combustíveis adulterados foram criminalizadas, sendo imprescindível a alteração da lei para que outras condutas que afetam o bem jurídico tutelado (ordem econômica) sejam criminalizadas, o que será analisado no Capítulo 5. c) Natureza do Crime A natureza do delito tipificado no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.176/1991 é de crime comissivo. O tipo penal em comento prevê um comportamento positivo que, se realizado, importará, em tese, na configuração do crime. Assim, o crime restará consumado no momento em que ocorrer a aquisição, distribuição ou revenda de derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei. Ademais, o elemento subjetivo constante do tipo penal é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de agir, ou seja, o agente quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 55 d) Resultado Quanto ao resultado, o crime em análise é classificado como crime material, exigindo, para sua caracterização, a ocorrência de um resultado naturalístico44: “Crime material é aquele cuja consumação depende da produção naturalística de um determinando resultado, previsto expressamente no tipo penal”. Assim, a alteração fática visível prevista pelo tipo penal é a adulteração de combustível, que deve ser constatada obrigatoriamente mediante laudo pericial. Nesse sentido, vejamos decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul45: “REVENDA DE GASOLINA ADULTERADA. MATERIALIDADE. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. INEXISTÊNCIA DA PROVA DO FATO. LAUDO TÉCNICO. ADULTERAÇÃO. AUTORIA. DOLO. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA E CRIMINAL. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ INOCORRENTES. Em delito como o dos autos, é imprescindível o exame pericial comprovando a adulteração do combustível, impondo-se a absolvição, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, quanto ao primeiro fato. Comprova-se a materialidade através do laudo técnico que detectou a adulteração do combustível comercializado pelo réu. A autoria se mostra induvidosa, face à prova testemunhal produzida, tendo sido monitorado o posto de gasolina do acusado e cumprido mandado de busca a apreensão do combustível, para exame. Evidencia-se o dolo do apelante pelo fato de a gasolina adulterada ter gerado problemas mecânicos em diversos veículos de clientes do estabelecimento comercial daquele. São independentes e não se confundem as responsabilidades 44 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte especial, p. 106. 45 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal n.º 70005047907. 8.ª Câmara Criminal. Relator: Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack. Data do julgamento: 12/03/2003. 58 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 8.176/1991, é aquele em que ocorre a aquisição, a distribuição ou a revenda de derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes que estejam em desacordo com as normas legais. Nesse diapasão, verifica-se a possibilidade de ocorrência de tentativa do aludido crime, em razão da possibilidade de fracionamento do inter criminis. O delito em estudo pode ser classificado como crime plurissubsistente. Tais delitos são aqueles em que “existe a possibilidade real de se percorrer, ‘passo a passo’ o caminho do crime. O agente cogita, prepara-se e executa a infração penal em momentos distintos e visualizáveis, tal como ocorre com os chamados crimes materiais”46. Assim, se constatada a realização incompleta do tipo penal, poderá restar configurada a tentativa. f) Lugar do crime A definição do local da infração tem relevância para fixação da competência. Considera-se local do crime o lugar onde ocorreu a aquisição, a distribuição ou a revenda de combustível em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei. No caso concreto, poderemos ter vários locais do crime, como, por exemplo, nos casos de redes de postos revendedores com unidades em várias cidades, ocasião em que a competência se fixará pela prevenção. 46 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte especial, p. 137. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 59 g) Sujeito Ativo No crime em comento, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que pratique alguma das condutas enumeradas na lei. Trata-se de crime comum, uma vez que a lei não exige nenhuma qualidade ou condição específica do sujeito ativo. h) Sujeito Passivo O bem jurídico tutelado pelo art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.176/91 é a ordem econômica, principalmente no que tange às atividades relacionadas às fontes energéticas. O sujeito passivo direto é o Estado, titular do bem jurídico tutelado. Por outro lado, como sujeitos passivos indiretos podemos citar a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, que, com a ocorrência do crime, deixam de recolher para seus cofres os valores dos tributos sonegados com a adulteração do combustível. Também se incluem no rol dos sujeitos passivos indiretos as empresas que atuam no setor de forma lícita, já que a adulteração de combustíveis resulta em concorrência desleal e desequilibra o mercado de forma nociva. Como é impossível concorrer com os preços dos combustíveis adulterados, outros donos de postos são incentivados a também praticar o crime, num círculo vicioso que pode inviabilizar a atividade lícita. Finalmente, incluem-se como sujeitos passivos os consumidores em geral, uma vez que o combustível adulterado produz redução no desempenho e na durabilidade dos motores dos veículos, situação que implica prejuízo econômico-financeiro concreto ao consumidor. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 63 quanto à qualidade e oferta dos produtos, autorizando aquelas relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, através de expedição de registro e fiscalizando-as diretamente), sendo evidente a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, nos termos do art. 109, incisos IV e VI, da Constituição Federal. Nesse sentido, inclusive, se manifestou a Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, em parecer oferecido nos autos de uma apelação criminal47: “Dispõe o art. 109, VI, da Constituição Federal que, em se tratando de crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, a lei pode determinar a competência da Justiça Federal. Entretanto, sendo ou não aplicável o inciso VI do art. 109, não se pode prescindir da regra genérica prevista no inciso IV: ‘infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União’. Portanto, para a definição da competência relativa aos crimes previstos na Lei n.º 8.176/91, deve-se recorrer à regra geral do art. 109, IV, da Constituição Federal. Dessa forma, o crime em tela foi lesivo a serviço da União, qual seja, a fiscalização da produção, distribuição e comercialização de combustíveis, por meio do Ministério das Minas e Energia – Departamento Nacional de Combustíveis. ... Assim já foi decidido pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região: ‘PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL INOCORRENTE. LESÃO A INTERESSE E SERVIÇO DA UNIÃO. 47 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Apelação Criminal n.º 2000.03.99.063683-3. 64 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 1- Descrevendo a denúncia condutas típicas que, além de se reportarem a relações de consumo, atingem serviços e interesse da UNIÃO, perfaz-se a competência da Justiça Federal, nos termos do inciso IV, em contraposição com o inciso VI, ambos do artigo 109 da Constituição Federal. 2- Ordem denegada.’ ... De fato, seria muito estranho, senão ilógico, que um crime lesivo a serviço fiscalizado pela União – como é o presente caso – fosse processado perante a Justiça Estadual. Se o legislador não considerou que, pela natureza do crime, a competência pudesse ser, a priori, da Justiça Federal, nada impede que, no caso concreto, se verifique a pertinência da União à causa, atraindo a competência da Justiça Federal, em aplicação ao art. 109, IV, da Lei Maior. Assim é que, como o crime em tela diz respeito a serviço da União – fiscalização de combustíveis a cargo do Departamento Nacional de Combustíveis, ligado ao Ministério das Minas e Energia –, a competência da Justiça Federal se justifica, mostrando-se sem importância o fato de a lei não ter disposto, a priori, acerca de tal competência.”. No mesmo sentido decidiu o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região48: “PENAL, RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ARTIGO 109, INCISO IV E VI CF. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. AUTARQUIA FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. I – Inquérito policial instaurado para apuração do delito previsto no artigo 1.º, inciso I da Lei 8176/91. Juiz Federal declinou da competência com fundamento no artigo 109, 48 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Recurso em Sentido Estrito n.º 2004.61.08.004516- 4. 1.ª Turma, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini. Data da decisão: 14/01/2006. Diário da Justiça, 21/02/2006, Seção 2, p. 228. Disponível em: www.in.gov.br. Acesso em: 24/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 65 inciso VI, da Constituição Federal e determinou a remessa dos autos para Justiça Estadual. 2 – Competência da Justiça Federal caracterizada na hipótese em que o delito é praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União. Artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. Agência Nacional do Petróleo – ANP é autarquia federal. 3 – A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso reconhecendo a competência da Justiça Federal, vencido o relator que negava provimento.” A competência da Justiça Federal também já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão que merece ser reproduzida na íntegra49: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. COMPETÊNCIA: CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. JUSTIÇA FEDERAL. C.F., art. 109, VI. I. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de competir à Justiça Federal processar e julgar os delitos contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. II. - Precedentes do S.T.F.: RE 198.488/SP, Min. Carlos Velloso, DJ de 11.12.98; HC 83.729/SC, Min. Marco Aurélio, DJ de 23.4.04; HC 80.612/PR, Min. Sydney Sanches, DJ de 04.5.01. DECISÃO: - Vistos. O acórdão proferido pela 5.ª Turma do Eg. Tribunal Regional Federal da 3.ª Região negou provimento a recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público Federal, em acórdão assim ementado: PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.176/91 1. A inexistência de dispositivo constitucional ou legal expresso (Lei nº 8.176/91) que determine a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra a 49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 454739/SP, Relator Ministro Carlos Veloso, Data da decisão: 28/06/2005. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 24/02/2006. 68 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS do Juízo Federal, como, por exemplo, a inscrita no inc. IV do art. 109, C.F. II. - R.E. não conhecido. No mesmo sentido, decidiu a Primeira Turma no HC 83.729/SC, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 23.4.04: CONSÓRCIO - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. Consoante dispõem os artigos 1º, parágrafo único, inciso I, e 16 da Lei nº 7.492/86, consubstanciam crimes contra o sistema financeiro a formação e funcionamento de consórcio à margem de balizamento legal de instruções do Banco Central do Brasil. COMPETÊNCIA - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO - FUNCIONAMENTO DE CONSÓRCIO. À luz do artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal e do artigo 26 da Lei nº 7.492/86, a ação penal nos crimes contra o sistema financeiro é promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal. No HC 80.612/PR, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 04.05.01, outro não foi o entendimento do Supremo Tribunal: EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA. PACIENTE (DEPUTADO ESTADUAL) DENUNCIADO POR CRIME PREVISTO NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492, DE 16.06.1986: OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE FRAUDE. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. 'HABEAS CORPUS'. 1. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de ação penal por crime contra o Sistema Financeiro Nacional, nos casos determinados em lei (art. 109, VI, da C.F. de 1988), como é o caso da obtenção de financiamento em instituição financeira, mediante fraude (artigos 19 e 26 da Lei n° 7.492, de 16.06.1986. Precedente: R.T.J. 129/192, de 03.03.1989. (...)4. 'Habeas Corpus' indeferido. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 69 Forte nos precedentes, dou provimento ao recurso (art. 557, § 1º-A, do CPC). Publique-se. Brasília, 28 de junho de 2005. Ministro CARLOS VELLOSO - Relator –“ Além da jurisprudência, também parte da doutrina tem adotado esse entendimento50: “É para esses casos que entendo que a competência deva ser reconhecida à Justiça Federal. Não porque se aplique o inciso VI do artigo 109 da Constituição, que os acórdãos têm repetidamente aplicado, mas sim porque eu entendo que se deva aplicar neste caso o inciso IV do artigo 109, que traz a regra geral de competência criminal da Justiça Federal. ... Nos casos de comercialização clandestina de combustíveis adulterados, que são os mais importantes deste mercado ... me parece haver lesão ao serviço da União e ao interesse jurídico desta. Isto me parece gravíssimo porque quem controla este mercado é a União, por meio de uma sua autarquia, a Agência Nacional do Petróleo, e também diretamente por meio de órgãos sem personalidade jurídica, como o Ministério de Minas e Energia. ... Então, parece-me que é atentatório contra a sistemática constitucional de distribuição de competências, que a lesão a uma atividade econômica fiscalizada pela União seja apreciada pela Justiça Estadual. Mas é isso que tem acontecido”. 50 SARAIVA, Wellington Cabral Saraiva. Os crimes contra o sistema nacional de combustíveis. In Abertura do mercado de petróleo e seus impactos no mundo jurídico, p. 147. 70 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Além dos argumentos acima apresentados, que impõem a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento desses crimes, é importante ter em mente que a comercialização de combustível adulterado tem como principal objetivo obter lucros indevidos pelo não-recolhimento de tributos federais e estaduais aos cofres públicos. Assim, não sendo recolhidos tributos federais51 em razão da adulteração, é evidente o interesse da União, o que fixa a competência da Justiça Federal. Porém, essa não tem sido a posição dominante, uma vez que a maioria dos julgados tem reconhecido a competência da Justiça Estadual, como veremos no próximo tópico. b) Justiça Estadual Como já foi exposto no tópico anterior, a Lei n.º 8.176/1991 não prevê em seu texto de quem é a competência para o julgamento dos crimes. Face a ausência dessa previsão legal e o fato de a referida lei criar crimes contra a ordem econômica, a jurisprudência e a doutrina dominantes defendem a aplicação do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, que determina que, nos crimes contra a ordem econômica, a competência para processo e julgamento somente será da Justiça Federal se a lei expressamente determinar; no caso de omissão, a competência será da Justiça Estadual, por uma interpretação “contrario sensu”. Essa posição já foi adotada pelos Tribunais Regionais Federais: 51 Quanto aos tributos incidentes nos combustíveis, ver Capítulo 1. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 73 Além disso, o Supremo Tribunal Federal também já decidiu pela competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento dos crimes da Lei n.º 8.17655: “SEGUNDA TURMA Competência da Justiça Estadual e Crime contra a Ordem Econômica Tratando-se de crime contra a ordem econômica, a regra de competência aplicável é a do inciso VI do art. 109 da CF (‘Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados em lei, contra sistema financeiro e a ordem econômico-financeira’), não a do inciso IV do mesmo dispositivo (‘os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União’). Desse modo, somente à falta de previsão legal expressa atribuindo à Justiça Federal a competência para o julgamento do aludido delito, essa competência será da Justiça Estadual. Com esse fundamento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal, em que se pretendia o reconhecimento da competência da Justiça Federal para processar inquérito relativo a crime de comercialização de combustível que se encontra fora dos padrões exigidos pela Agência Nacional de Petróleo - ANP (Lei 8.176/91, art. 1º, I). Precedente citado: RE 198488/SP (DJU de 11.12.98). - RE 454735/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, 18.10.2005. (RE-454735)” c) Competência concorrente Uma outra solução possível, mas até hoje não aplicada no caso do crime contra a ordem econômica previsto no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.176/1991, é o reconhecimento de competência concorrente entre a Justiça 55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n.º 406, 17 a 21/10/2005. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 22/02/2006. 74 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Estadual e a Federal, ou seja, o reconhecimento de que ambas, em tese, são competentes para o processo e julgamento desses crimes, devendo ser analisado, em cada caso, se existem elementos a fixar a competência da Justiça Federal. A título de exemplo, se um posto é surpreendido por fiscais estaduais adulterando e revendendo gasolina, inexistindo prova do envolvimento de outras empresas na empreitada criminosa, ficando as conseqüências do crime restritas ao âmbito local, a competência seria da Justiça Estadual. Porém, nos casos em que o combustível teve origem em outro Estado da Federação ou foi adulterado com a adição de solvente proveniente de outro Estado, as consequências do crime não ficam restritas ao âmbito local, o que impõe a competência da Justiça Federal. Além desses casos, a competência será da Justiça Federal se a ANP realizou a fiscalização que identificou o combustível adulterado ou busca, na esfera administrativa ou judicial, impor sanções ao infrator e obter o ressarcimento dos danos sofridos pelos consumidores, pois é evidente que a referida autarquia federal tem interesse no deslinde da ação penal. Essa solução já foi adotada no caso de crime contra a ordem econômica previsto na Lei n.º 8.137/1990 (cartel)56: “HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. CARTELIZAÇÃO. LEI N.º 8.137/90. COMPETÊNCIA. INTERESSE NACIONAL. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE PROFISSIONAL EM VÁRIOS ESTADOS. JUSTIÇA FEDERAL. Inexistindo determinação expressa, os crimes contra a ordem econômica, previstos na Lei 8.137/90, reclamam a jurisdição estadual ou federal na medida em que restar comprovado o interesse em jogo, se local ou se nacional. In casu, ante a figura do crime sobrevindo da 56 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, HC n.º 32292/RS, 5.ª Turma, Relator: Ministro Arnaldo da Fonseca. Data da decisão: 01/04/2004. Diário da Justiça, Seção 1, 03/05/2004, p. 196. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 24/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 75 prática de cartel, onde a atuação do agente teve reflexo em vários estados-membros, restringindo o livre exercício da atividade profissional de transportadores pelo Brasil afora, resta patente o interesse supra-regional pelo qual se firmam a necessidade de interferência da União e a competência da Justiça Federal. Tal se dá porque, apesar de a conduta ilícita ser oriunda de um núcleo determinado, a sua propensão ofensiva à ordem econômica se faz sentir em localidades diversas e em territórios distintos. Ordem denegada.” Essa solução pode ser mais adequada tendo em vista que, em alguns casos, a adulteração de combustível tem reflexo apenas em âmbito local, não autorizando o reconhecimento da competência da Justiça Federal, o que ocorre em outros casos. Contudo, como já foi mencionado, tal solução não tem sido aplicada por nossos Tribunais, que ora reconhecem a competência federal, ora a competência estadual, porém com outros argumentos, que não a amplitude do dano causado pela prática delituosa. Aliás, a controvérsia sobre a competência expressa-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme cotejo de dois recentes julgados, aqui já mencionados, quais sejam, o Recurso Extraordinário nº 454.735/SP - Relatora Ministra Ellen Gracie, decidindo pela competência da Justiça Estadual, em contraponto ao Recurso Extraordinário nº 454.739-SP - Relator Ministro Carlos Veloso, reconhecendo a competência da Justiça Federal. Vale destacar que, atualmente, existem vários outros Recursos Extraordinários pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal (n.ºs 459.152, 459.153, 451.489, 451.488, 454.736, 454.737 e 459.513), todos com pareceres do Ministério Público Federal defendendo a competência da Justiça Federal. 78 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS o estabelecimento de exigências mais rígidas para a abertura de distribuidoras57 e o restabelecimento do respeito à marca. Por outro lado, centrais petroquímicas foram autorizadas a produzir gasolina, o que dificultou um pouco mais a fiscalização do setor. Como vemos, passamos de um setor totalmente controlado e, portanto, com poucas fraudes, para um setor perigosamente aberto, no qual as fraudes se multiplicaram, permitindo um incremento extraordinário nos lucros obtidos com as irregularidades praticadas. Essas fraudes passaram a ser praticadas por organizações criminosas (nacionais e internacionais) dispostas a fazer qualquer coisa para manter a sua prática delituosa, já que viram no setor uma fonte inesgotável de lucros ilegais58. Um triste marco dessa nova realidade, na qual a adulteração de combustível por organizações criminosas constitui o principal problema no setor, foi a morte do Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Dr. Francisco José Lins do Rêgo Santos, no dia 25 de janeiro de 2002. Recentemente, o autor do crime foi novamente condenado59: “Empresário é novamente condenado em MG O empresário Luciano Farah do Nascimento foi condenado a 21 anos e seis meses de prisão pelo assassinato do promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos, em Belo Horizonte, em 25 de janeiro de 2002. A pena de Nascimento, acusado de ser o mandante e co-autor do crime, foi a mesma estipulada em 57 Porém, várias distribuidoras funcionam sem autorização da ANP, muitas vezes amparadas por liminares obtidas na Justiça Federal e Estadual. 58 Sobre o tema: BEVILACQUA, Luiz Alberto Segalla e PEIXOTO, Nelson César Santos. O MP e o efetivo combate da criminalidade organizada na adulteração de combustíveis. Revista APMP em Reflexão, ano II, n.º 14, 2006. 59 EMPRESÁRIO é novamente condenado em MG. Folha de São Paulo, Edição São Paulo, 24/09/2005, p. C4. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 79 seu primeiro julgamento, em março de 2004. O novo júri foi marcado porque Nascimento era réu primário e recebeu uma pena superior a 20 anos de prisão, fato que prevê recurso para outro julgamento. Nascimento é dono da rede West de postos de gasolina, que estava sob fiscalização do Ministério Público na época do crime. Um de seus postos chegou a ser interditado pelo promotor assassinado, por suspeita de adulteração de combustíveis e sonegação de impostos”. Tentando diagnosticar os problemas do setor e, ainda, buscar soluções, em abril de 2003 foi instaurada a CPI dos Combustíveis na Câmara dos Deputados60. Durante o funcionamento da CPI dos Combustíveis, o Grupo de Combate à Adulteração de Combustíveis do Ministério Público Federal em São Paulo apresentou uma proposta de alteração legislativa, visando tornar mais efetivo o combate à adulteração e, também, dirimir algumas dúvidas que persistem quanto à competência para processo e julgamento dos crimes contra a ordem econômica. A nova redação proposta para o art. 1.º da Lei n.º 8.176/1991 foi a seguinte: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem econômica: I - adquirir, distribuir, adulterar, produzir, fabricar, vender, expor à venda, fornecer ainda que gratuitamente, importar ou exportar, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, entregar de qualquer forma, revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei; II - usar gás liqüefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou 60 Todas os detalhes desta CPI podem ser obtidos na home-page da Câmara dos Deputados. Disponível em: www.camara.gov.br. 80 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS para fins automotivos, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo Único – O processo e julgamento compete à Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil.” Na nova redação três modificações merecem destaque. A primeira delas é a ampliação das condutas criminalizadas, pois, como vimos no Capítulo 3, atualmente apenas as condutas de adquirir, revender e distribuir combustível adulterado são criminalizadas, deixando impune outras condutas que também violam o objeto jurídico tutelado, ou seja, a ordem econômica. Tanto que sequer a conduta de adulterar combustível é punível, uma vez que a sanção penal somente poderá ser aplicada se restar provado que o combustível adulterado foi adquirido, revendido ou distribuído. A segunda alteração que merece destaque diz respeito à pena, já que a sugestão é aumentá-la de 1 a 5 anos de detenção para de 2 a 5 anos de reclusão, mais multa. Esse aumento da pena tem como objetivo adequar a sanção penal aplicável à gravidade da prática delituosa, pois no momento da criação da lei, a pena prevista tinha como objetivo persuadir o cidadão a não utilizar “gás de cozinha” em seu carro diante da escassez desse produto esperada em razão da Guerra do Golfo. Porém, atualmente, a pena prevista de 1 a 5 anos mostrou-se insuficiente para compelir os adulteradores de combustíveis a cessarem suas atividades, visto que os lucros obtidos com o crime são muito elevados, tornando bastante atraente e rentável a prática delituosa. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 83 Por fim, importante destacar que outro Projeto de Lei, o de n.º 1.336/2003, de iniciativa do Deputado Alceu Collares (PDS-RS), que tramitava em conjunto com o Projeto de Lei n.º 2.498/2003, foi rejeitado pelo relator, o Deputado Abi-Acker63. Por esse Projeto de Lei rejeitado, o Código Penal seria alterado, nele se incluindo o crime de adulteração de combustíveis. A proposta era a seguinte: “Projeto de Lei n.º 1.336/2003 (Do Sr. Alceu Collares) Acrescente-se o art. 175-A ao Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal). O Congresso Nacional decreta: Art. 1.º Acrescente-se o art. 175-A ao Decreto-Lei n.º 2.838, de 07 de dezembro de 1940, passando a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 175-A – Adulterar combustíveis, com o intuito de enganar e obter vantagem. Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa’ Aumento de pena §1.º A pena aumenta-se de um terço até a metade: I – Se há concurso de duas ou mais pessoas; II – Se o crime é cometido com o intuito de obter lucro em proveito próprio ou alheio; III – Dissimular-se a natureza ilícita do procedimento’. Art. 2.º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”. 63 PROJETO de lei n.º 1.336/2003. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 17/12/2005. 84 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Como vemos, esse outro Projeto trazia uma pena ainda maior para o crime de adulteração de combustíveis, mas realmente apresentava uma grande deficiência, limitando-se a punir apenas mais uma conduta, a de adulterar, deixando várias outras impunes, o que se pretende resolver com a futura aprovação do Projeto de Lei n.º 2.948/2003. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 85 6) RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA Até agora, foram apresentadas as consequências penais de atos relacionados à adulteração de combustíveis. Porém, os responsáveis por tais atos, além de responderem penalmente pela prática do crime previsto na Lei n.º 8.176/1991, também poderão sofrer sanções de caráter administrativo. Contudo, antes de analisarmos algumas leis que tratam do tema, importante destacar que, ao lado delas, existem as normas editadas pela ANP, no exercício de sua função de agência reguladora do setor. Essas normas têm sido bastante questionadas perante o Poder Judiciário, sob o argumento de que seriam ilegais e inconstitucionais. Porém, tem prevalecido o entendimento de que tais normas não possuem qualquer irregularidade: “ADMINISTRATIVO - PORTARIA 202/99, DA ANP - COMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 1º, I, II , IX, E 8º DA LEI 9.478/97 - FALTA DE OBJETIVIDADE NORMATIVA - DISPOSITIVOS QUE APENAS TRAÇAM OBJETIVOS E PRINCÍPIOS RELACIONADOS ÀS POLÍTICAS NACIONAIS DE APROVEITAMENTO DE ENERGIA CONDUZIDAS PELO PODER EXECUTIVO. 1. Os comandos dos arts. 1º, I, II , IX, e 8º da Lei 9.478/97 não se revestem de objetividade normativa com o condão de inibir a regulamentação perpetrada pela Portaria 202/99 da ANP, que criou, para a concessão de autorização de funcionamento das distribuidoras de combustíveis, o requisito de que as empresas do setor possuíssem base própria de armazenamento com capacidade mínima de 750 m³. 2. Não se pode, por um critério objetivo, afirmar que a exigência da ANP tenha maculado princípios relacionados às políticas nacionais de aproveitamento racional das fontes de energia, tais como: preservação do interesse nacional, promoção do desenvolvimento, aplicação do mercado de trabalho, valorização de recursos energéticos, promoção da 88 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Em razão disso, nos casos em que são apreendidas grandes quantidades de gasolina adulterada com solvente marcado, as autoridades passam a ter em suas mãos um problema, muitas vezes, sem solução prevista na lei66. Esses, atualmente, são os dois principais problemas enfrentados pela lei federal que trata das sanções administrativas aplicáveis aos infratores envolvidos na adulteração de combustíveis. Além da mencionada Lei de âmbito federal, temos diversas outras leis estaduais que impõem sanções administrativas àqueles que praticam atos relacionados à adulteração de combustíveis, dentre as quais se destaca a Lei n.º 11.929/2005, do Estado de São Paulo, que prevê a cassação da inscrição estadual e a lacração do posto que, comprovadamente, “adquirir, distribuir, transportar, estocar ou revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desconformidade com as especificações estabelecidas pelo órgão regulador competente”67. Também os municípios têm aprovado leis que impõem sanções administrativas aos que forem flagrados comercializando combustível adulterado, sendo previstas multas e, em caso de reincidência, a interdição temporária e até mesmo a cassação do alvará de funcionamento nos casos mais graves. Essas leis têm sido bastante criticadas pelos donos dos postos flagrados comercializando combustível adulterado, os quais têm obtido, no 66A título de exemplo, apresentamos algumas soluções que têm sido adotadas na prática, apesar da ausência de previsão legal: 1) doação da gasolina com solvente marcado para ser utilizada em viaturas oficiais e a 2) destruição da gasolina adulterada por meio de sua queima em fornos devidamente licenciados para esse fim. 67SÃO PAULO. Lei n.º 11.929, de 12/04/2005. Disponível em: http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/index.htm. Acesso em: 14/02/2005. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 89 Poder Judiciário, liminares suspendendo as sanções aplicadas mediante o argumento de que apenas a União pode legislar sobre a matéria de combustível. Contudo, essas decisões judiciais são totalmente equivocadas e partem de uma premissa falsa. As mencionadas leis não trazem matéria afeta aos combustíveis, ou seja, não definem quais devem ser as especificações dos combustíveis comercializados no Brasil, mas sim prevêem as condições a serem observadas para que um estabelecimento comercial obtenha e mantenha a sua inscrição junto ao Fisco Estadual e o seu alvará de funcionamento, matérias que são da competência, respectivamente, de Estados e municípios. Discussão semelhante tem sido travada em nossos Tribunais em relação às leis municipais que prevêem sanções, inclusive a cassação do alvará de funcionamento das agências bancárias que deixam seus clientes aguardando por um tempo excessivo nas filas. As instituições bancárias alegam que não cabe ao município legislar sobre direito bancário, competência que é privativa da União, nos termos do art. 22, da Constituição da República. Já os municípios, em contrapartida, alegam que não se trata de matéria afeta ao direito bancário, mas sim ao Código de Posturas, as quais precisam ser atendidas para que um estabelecimento comercial obtenha e mantenha o alvará de funcionamento. Instado a decidir vários desses casos, o Supremo Tribunal Federal julgou a favor dos municípios, como vemos nas seguintes decisões: “EMENTA: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). 90 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS CONSEQÜENTE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou colocação de bebedouros, ou, ainda, prestação de atendimento em prazo razoável, com a fixação de tempo máximo de permanência dos usuários em fila de espera. Precedentes.”68 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades- fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município. Recurso extraordinário conhecido e provido.”69 A mesma solução deverá ser dada no caso das mencionadas leis estaduais e municipais, uma vez que elas não tratam de combustíveis, mas sim de matéria de competência dos Estados (inscrição no Fisco Estadual) e dos municípios (alvará de funcionamento), representando uma importante arma no combate à adulteração de combustíveis, diante da fragilidade da legislação federal. 68BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 251.542/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Data do julgamento: 1.º/07/2005. Informativo STF n.º 394. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 15/02/2006. 69BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 432.789/SC. Relator: Ministro Eros Grau. Data do julgamento: 14/06/2005. Diário da Justiça, Seção 1, 07/10/2005, p. 27. Disponível em: www.in.gov.br. Acesso em: 24/02/2006. ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 93 7) RESPONSABILIDADE CIVIL Até então, vimos a responsabilidade criminal na primeira parte do livro e a responsabilidade administrativa no capítulo anterior. Agora, passaremos a analisar a responsabilidade civil daquele que comercializa combustível adulterado, a partir da ótica da defesa dos direitos do consumidor. A Constituição Federal consagra a proteção ao consumidor em seus artigos 5.º, inciso XXXII, e 170, inciso V: “Art. 5.º ... (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; ... Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor;” E para dar concreção a essa defesa do consumidor, foi editada a Lei n.º 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu direitos e garantias protetivas ao consumidor, parte hipossuficiente nas relações de consumo (art. 4.º, inciso I). Referido Código também trouxe vários conceitos legais, dentre os quais merecem destaque: “Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, 94 ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” Nos conceitos acima, enquadram-se, perfeitamente, o posto de revenda (fornecedor) que comercializou combustível adulterado (produto) e os consumidores que abasteceram os seus veículos, ficando evidente a relação de consumo sujeita ao Código de Defesa do Consumidor. Nesse caso, o fornecedor deve ser responsabilizado pela comercialização do combustível adulterado, por força do que o Código de Defesa do Consumidor denomina responsabilidade por vício do produto ou serviço, a qual incide quando há vícios na qualidade ou quantidade do produto ou serviço que afetam o funcionamento ou alteram o valor dos mesmos, ou os tornam impróprios ou inadequados para o consumo: “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de ENTENDENDO A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS 95 qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.” No caso de comercialização de combustível adulterado, aplica-se o §6.º, inciso II, do mencionado art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, que considera impróprios ao uso e consumo “os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação”. Nesses casos, a responsabilidade é solidária e objetiva. Solidária porque abrange não apenas o comerciante, como também os demais fornecedores, cabendo ao consumidor escolher contra quem direcionará a demanda72: “SUJEIÇÃO PASSIVA – Preambularmente, importa esclarecer que no pólo passivo dessa relação de responsabilidade se encontram todas as espécies de fornecedores, coobrigados e solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos vícios de qualidade ou quantidade eventualmente apurados no fornecimento de produtos ou serviços. Assim, o consumidor poderá, à sua escolha, exercitar sua pretensão contra todos os fornecedores ou contra alguns, se não quiser dirigi-la apenas contra um. Prevalece, in casu, as regras de solidariedade passiva, e, por isso, a escolha não induz concentração do débito: se o 72 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor, p. 181.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved