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Guias e Dicas
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O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Complemetar no Brasil: senarios e perspetivas, Notas de estudo de Enfermagem

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em fi ns do ano de 2004 , iniciava a discussão sobre as elevadas taxas de partos cirúrgicos no setor suplementar de saúde no Brasil. Iniciava naquele momento a gestação de um movimento em favor do parto normal, que tem como objetivo ser um catalizador das discussões entre os diversos atores envolvidos nesse processo, e que também pudesse contribuir com a missão institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementa

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 14/09/2009

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Baixe O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Complemetar no Brasil: senarios e perspetivas e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Sumário Editorial 7 Apresentação 9 I. Cesariana: considerações sobre a trajetória desta cirurgia ao longo último século 13 II. Favorecendo o parto normal: estratégias baseadas em evidências científi cas 27 III. Estratégias de redução de cesarianas desnecessárias: evidência científi ca acumulada 53 IV. Avaliação da demanda por cesariana e da adequação de sua indicação em unidades hospitalares do sistema de saúde suplementar do Rio de Janeiro 95 V. Taxa de cesariana nos estabelecimentos públicos e privados: análise do sistema de Informações sobre nascidos vivos no município do Rio de Janeiro, 1996 - 2006 127 VI. Atenção humanizada ao parto e nascimento 141 5 6 Ap re se nt aç ão E mbasada no conceito ampliado de saúde, a ANS tem proposto diretrizes que apontam para uma reestruturação da atenção à saúde prestada aos benefi ciários da saúde suplementar, propondo um novo modelo de atenção à saúde no setor, guiado pelo con- ceito de linhas de cuidado como eixo de reorientação deste modelo. Buscando responder a este desafi o a atual gestão da ANS vem desenvolvendo um projeto que se propõe avaliar o conjunto do setor com vistas à reversão do atual modelo vigente na suplementar: o Programa de Qualifi cação. Através deste programa, tem sido avaliado desde o ano de 2004 o indicador “Proporção de Parto Cesáreo”. A análise deste indicador evidenciou que o parto cirúr- gico predomina no mercado privado de planos de saúde no Brasil. Foram identifi cadas altas taxas de cesariana, variando de 64,30% em 2003 a 80,72% em 2006, valores muito acima dos 15% recomendados pela OMS. O impacto negativo desta taxa nos dados nacionais é expressivo, pois a proporção de cesarianas no setor de saúde suplementar é cerca de três vezes maior que a proporção encontrada no SUS e duas vezes maior que a média nacional. Comparada às taxas mundiais, observa-se que os valores do setor suplementar são os mais elevados: nos países que compõem a OECD (Organization for Economic Co-operation and Development), a variação nas taxas de cesarianas foi desde taxas baixas de 14-18% na Holanda, República Tcheca, Eslováquia, Noruega e Suécia, até taxas consideradas muito altas como as encontradas na Coréia, Itália e México (33%). As taxas também foram muito mais altas que a média nos Estados Unidos, Portugal e Austrália (em torno de 30%). Desenvolver e implementar modelos de atenção ao parto alternativos aos modelos atualmente vigentes no setor suplementar confi gura-se como uma das estratégias para a reversão da proporção de cesarianas do setor. O 10 sucesso da elaboração de tais modelos exigirá a conjugação de esfor- ços, e a adoção de um conjunto de estratégias, em diversas frentes, já que se trata de uma proposta de mudança cultural que passa pela modifi cação na forma como os diversos atores do mercado de planos de saúde, benefi ciários, prestadores e operadoras consideram o cuidado ao nascimento. Algumas iniciativas de estímulo ao parto natural têm sido pro- postas por organismos internacionais como OMS e OPAS e servido de modelo para as políticas nacionais. Em 2000 a Organização das Nações Unidas – ONU propôs oito objetivos, denominados “Objetivos do Milênio”, dentre os quais encontram-se “Melhorar a saúde das gestantes” e “Reduzir a Mortalidade Infantil”. O Brasil, assim como os demais estados-membros da Assembléia Geral da ONU, assumiu o compromisso de empreender esforços em prol do alcance de tais objetivos até o ano de 2015. Consoante com este compromisso, em 2004, foi lançado pela Presidência da República, após aprovação na Comissão Intergestores Tripartite e no Conselho Nacional de Saúde, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Em 2005, afi rmando-se como política de Estado, foi composta a Comissão Nacional de Monitoramento e Avaliação da Implementação do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. A ANS, como uma das signatárias do Pacto e como membro da Comissão de Monitoramento, vem desenvolvendo ações sistemáticas com vistas a mobilizar os atores sociais do setor suplementar de saúde a implementar estratégias com o objetivo de melhorar a qualidade da atenção obstétrica e neonatal e tem como principal desafi o reduzir a alarmante proporção de cesarianas do setor suplementar de saúde. Nesse caminho, em janeiro de 2008, a ANS publicou a revisão do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, incluindo a obrigatoriedade de cobertura por parte das operadoras de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, medida esta com potencial para melhorar a percepção feminina sobre a vivência do parto e reduzir as intervenções obstétricas. Da mesma maneira, esta resolução também traz como possibilidade a introdução da assistência ao parto hospitalar, realizada sob uma ótica multidisciplinar, com a participação da enfer- meira obstétrica no acompanhamento da evolução do trabalho de parto e parto, inserindo o papel desse profi ssional nesse cuidado. Além disso, a ANS vem trabalhando, desde 2005, na sensibilização dos atores da saúde suplementar com a proposta de redução da pro- porção de partos cesáreos. Para tal, apoiou e promoveu eventos para Ap re se ta çã o 11 discussão sobre o tema, com a participação de especialistas nacionais e internacionais, vem aplicando melhor pontuação na dimensão atenção à saúde do programa de qualifi cação para a operadora que apresente proporção de cesarianas progressivamente menores; elaborou material educativo (folder e cartaz) em parceria com o Ministério da Saúde em prol do parto natural para distribuição entre operadoras e maternida- des privadas; disponibilizou boletins informativos sobre as altas taxas de cesariana no setor suplementar e diretrizes e iniciativas em prol do parto natural; fi nanciou pesquisa sobre as causas e conseqüências das cesarianas no setor suplementar; e lançou o movimento: Parto Normal Está No Meu Plano. Este movimento de incentivo ao parto normal e redução das cesa- rianas desnecessárias, lançado em 2008, propôs como parte das ações, a formação de um Grupo Técnico, de caráter consultivo, composto por representantes de órgãos governamentais, associações e conselhos pro- fi ssionais, operadoras de planos de saúde e entidades de ensino e pes- quisa, para apreciação de recomendações constantes no relatório fi nal da pesquisa: “Causas e Conseqüência das Cesarianas Desnecessárias” fi nanciada pela ANS e conduzida por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/Fiocruz, que apresenta estra- tégias relevantes para a qualifi cação da assistência ao parto e nasci- mento na rede de serviços do sistema de saúde suplementar. Participam deste grupo técnico representantes das seguintes ins- tituições: Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS; Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; Bradesco Saúde; Unimed Paulistana; Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte; Departamento de Ações Programáticas Estratégicas DAPE/ MS; Ministério Público Federal; Associação Brasileira de Medicina de Grupo – ABRAMGE; União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS; Confederação Nacional das Cooperativas Médicas - UNIMED DO BRASIL; Federação Nacional de Saúde Suplementar – FENASAÚDE; Bradesco Saúde; Cassi; GEAP; Golden Cross; Medial; Associação Brasileira de Ensino Médico – ABEM; Associação Brasileira de Enfermeiros Obstetras e Obstetrizes – ABENFO; Conselho Federal de Enfermagem; Conselho Federal de Medicina; Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP; Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/Fiocruz. O grupo tem como objetivos discutir os resultados da pesquisa encomendada pela ANS e realizada pela ENSP/FIOCRUZ sobre o assunto e a proposta da ANS sobre o movimento em favor do parto Ap re se ta çã o I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 14 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. e foi realizado por um açougueiro suíço em sua mulher. Nos Estados Unidos a primeira cesariana bem sucedida e melhor documentada foi feita em 18272. Como forma de nascimento, a cesariana permaneceu como um procedimento muito raro e com uma taxa de mortalidade materna, decorrente de sua realização, de 90% até o fi nal do século XIX. Nessa época, com o surgimento das técnicas de anti-sepsia, anestesia e a introdução de melhorias nas técnicas de sutura, as taxas de mortalidade começaram a cair. No século seguinte, na década de 30, as taxas de cesariana estavam entre 2% e 5% nos Estados Unidos e a mortalidade materna relacionada a essa cirurgia estava entre 2% e 3%, mostrando o grande avanço nessa técnica ocorrido nos primeiros anos do século XX. Os progressos continuados nas técnicas de anestesia, de reposição sangüínea, do uso de medicamentos intravenosos e da antibiotico- terapia contribuíram para tornar a cesariana um método alternativo e seguro para o parto normal. Entre 1950 e 1965 houve apenas um pequeno aumento das taxas de cesariana que permaneceu entre 2% e 5% nos Estados Unidos2 . Nos últimos cem anos as taxas de morbi-mortalidade materna e perinatal diminuíram de forma drástica como conseqüência do pro- gresso da medicina, fazendo com que as taxas de morte materna dei- xassem de ser expressas como uma fração centesimal dos nascimentos e passassem a ser contabilizadas na proporção de 100.000 nascidos3. A cesariana, recurso idealizado para resolver situações de risco materno e fetal, cujas indicações estão bem estabelecidas nos livros textos de obs- tetrícia, teve participação importante na melhoria desses índices. Ao fi nal dos anos 60 a cesariana indicada de forma correta e com o grau de segurança adquirido poderia ser apontada como uma das mais importantes conquistas da obstetrícia moderna pela capacidade de garan- tir às mulheres e aos seus bebês que suas chances de morrer durante o trabalho de parto e parto tinham sido drasticamente reduzidas. 2. O “boom” de cesarianas Entretanto, desde a década de 70, a cesariana passou a ser utilizada de forma abusiva em vários países do continente americano2,4, vol- tando-se contra os objetivos para os quais foi idealizada, ocasionando, pelo seu uso indiscriminado, aumento nos riscos de morbi-mortalidade materna e perinatal2,5,6. No período de trinta anos, compreendido entre 1970 e 2000, verifi cou-se um grande aumento das taxas de cesariana I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 15O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. em todo o mundo. No continente americano, essas taxas atingiram cifras tão elevadas quanto 27,5% nos EUA em 2003 7, 22,5% em 2002 no Canadá8 e 40,0% no Brasil no mesmo ano9 As taxas brasileiras ultrapassam atualmente em muito as recomen- dações da Organização Mundial de Saúde, que preconiza uma taxa máxima de 15% de cesarianas para qualquer país10. Desde a década de 80 o fenômeno do aumento exagerado das indicações de cesarianas tem sido foco de atenção por causa do aumento da morbi-mortalidade materna e perinatal, dos custos associados com o procedimento e pela ausência de impacto nas taxas de perimortalidade6, 11, 12 . 3. Os riscos maternos e perinatais das cesarianas desnecessárias. As complicações maternas na cesariana podem variar de eventos menores, como um episódio de febre ou uma perda maior de volume de sangue, até eventos maiores como lacerações acidentais de vísceras, infecções puerperais e acidentes anestésicos13. Segundo Schuitmaker et al14, o risco direto de morte em uma cesariana na Holanda, no período entre 1983 e 1992, foi de 0,13 para cada 1.000 cesarianas. Os mesmos autores apontaram que quando se somava a este número os casos em que a cesariana contribuiu para o total de eventos que levaram ao óbito, a taxa de mortalidade foi de 0,28 para cada 1.000 cesarianas. Outro aspecto a ser considerado é o futuro obstétrico da mulher. A cesariana tem conseqüências negativas futuras para a vida reprodutiva da mulher. Segundo Sass et al15 “Em relação à interferência direta da cicatriz cirúrgica no porvir obstétrico, julgamos importante ressaltar que a presença desta é responsável direta por alta prevalência de patologias de grande potencial hemorrágico, como a placenta prévia e o acretismo placentário, responsáveis em nosso meio por um grande número de gra- ves complicações, que muitas vezes culminam no óbito materno” (p.32). As complicações nos recém-nascidos decorrentes das cesarianas estão associadas a uma maior freqüência de prematuridade e sín- drome de angústia respiratória16. Esses autores, após uma coorte de observação, em uma população de 11.702 mulheres sem complicações na gravidez, verifi caram que naquelas que foram submetidas a cesa- rianas eletivas, os recém-nascidos, “possuíam maior probabilidade de ter escores de Apgara do primeiro minuto menor que quatro, requerer a. Escala de pontos dados ao recém-nascido de acordo com a sua vitalidade no primeiro e no quinto minutos de vida. I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 16 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. tratamento em berçário intermediário ou intensivo na admissão e requerer maior suporte respiratório do que os bebês nascidos por via vaginal” (p.2064). Além dos riscos à saúde de mulheres e recém-nascidos, os gastos fi nanceiros com a realização de cesarianas desnecessárias são expres- sivos. Segundo Shearer11. “estima-se que atualmente metade das cesa- rianas realizadas nos Estados Unidos da América são medicamente desnecessárias, resultando em considerável morbi-mortalidade materna evitável e produzindo um gasto de cerca de US$ 1.000.000.000 (1 bilhão de dólares) por ano em conseqüência destas cirurgias”. (p.1231) Apesar de importantes trabalhos demonstrarem que esse aumento nas taxas de cesarianas não estava ocasionando uma diminuição das taxas de perimortalidade5 e apesar de evidências médicas apontarem que as taxas de mortalidade materna associada à cesariana sejam até 7 vezes maiores que no parto normal14, esses números continuaram a aumentar até os dias de hoje. Mais recentemente Villar et al6 realizaram um estudo multicêntrico prospectivo para avaliar riscos e benefícios da cesariana na América Latina. Oito países participaram do estudo fornecendo informações sobre 97.095 partos realizados durante o ano de 2005. Os resultados confi rmaram os riscos maternos e neonatais associados com a realização de cesarianas. Nos últimos anos vários questionamentos têm sido feitos acerca da medicalização excessiva da assistência ao trabalho de parto, do parto e de suas conseqüências, em especial para as gestantes de baixo risco e seus bebês. 4. Porque se tornou tão fácil para os médicos indicar tantas cesarianas desnecessárias? Para uma refl exão sobre o papel do médico na indicação da cesa- riana é importante tentar entender o que para Helman17 é “A cultura do nascimento ocidental”. (p.154). Um primeiro paradigma que temos que registrar remonta ao século XVII, onde o modelo do dualismo mente-corpo evoluiu para o modelo do corpo como uma máquina. Neste modelo, o corpo humano é visto como uma máquina que pode ser desmontada e remontada para garan- tir seu funcionamento adequado. No século XVII, a utilidade prática desta metáfora estava na possibilidade da separação da alma (deixada para a religião), da mente (deixada para os fi lósofos) e do corpo (que poderia ser aberto para investigação científi ca)18. É importante registrar que as construções simbólicas da medicina I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 19O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. é de central importância para ela, sua família e para aqueles que a estão atendendo. 5. Porque as taxas de cesariana são tão diferentes, em diferentes países, mas também entre a população de um mesmo país ou cidade? As taxas de cesariana podem ser muito diferentes entre os países e algumas vezes entre as regiões de um mesmo país. Na Inglaterra, os números podem variar de 5% até mais de 25% de todos os partos, e embora a taxa ideal de cesariana não seja conhecida, segundo dados nacionais deste país, poucas melhoras nos resultados perinatais pare- cem ocorrer quando essas taxas se elevam acima de 7%23. Para estes autores as grandes diferenças entre obstetras no uso desta interven- ção cirúrgica, sugere que a comunidade obstétrica não tem certeza de quando a cesariana está indicada (p.319). Segundo Burchell24, para cada cesariana deveria existir sempre uma indicação válida. A prova real da validade de uma indicação se produz retrospectivamente. Se houver uma complicação materna ou fetal durante a operação, o obstetra poderia ainda dizer que a cirurgia estava indicada? A classifi cação das indicações ajudaria o obstetra a adotar uma decisão correta que suportará a crítica retrospectiva. Para este autor, as cirurgias podem ser realizadas por indicações maternas, fetais ou combinadas (p.734). Para Depp1, as cesarianas realizadas por indicações fetais têm em grande parte o objetivo de minimizar a morbidade neonatal e possíveis conseqüências de um sofrimento intraparto, trauma ou transmissão de uma infecção. Entre outras indicações dessa categoria incluem-se as apresentações pélvicas, o sofrimento fetal, fetos de muito baixo peso e herpes genital ativo. As indicações exclusivamente por fatores maternos são poucas e incluem, entre outras, obstruções vaginais por tumores ou condilomas (infecção viral que pode produzir grande quantidade de verrugas). As indicações materno-fetais são aquelas em que existe risco signifi - cante para ambos. Entre estas indicações destacamos as anormalidades placentárias, tais como a placenta prévia (a placenta se interpõe entre o bebê e o colo do útero) ou o descolamento prematuro da placenta e distócias (desproporção relativa ou absoluta entre o tamanho do feto e a pélvis materna e falência ou inefi ciência das contrações uterinas). I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 20 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Tentando explicar parcialmente o aumento das taxas de cesariana de 4,5% para 23% nos Estados Unidos, no período entre 1965 e 1985, Cunningham et al3, apontaram os seguintes fatores como justifi cativa para o aumento nas indicações desta cirurgia: a redução da paridade (numero de fi lhos por mulher), o aumento da idade das parturientes, o uso da monitorização fetal eletrônica (maior proporção de diag- nósticos de sofrimento fetal), as apresentações pélvicas (passaram a ser indicação de cesariana em vários países), a menor utilização do fórcipe e o aumento progressivo da preocupação com os processos por má prática (p.441). Em uma importante pesquisa sobre o aumento das indicações de cesarianas, Bottons et al2, encontraram que este aumento podia ser atribuído principalmente a quatro indicações; distócia, parto cesáreo anterior, apresentação pélvica e sofrimento fetal. Para estes autores, distócia e parto cesáreo anterior foram as duas indicações mais comuns para a realização da cirurgia e juntas eram responsáveis pela maior parte do aumento nas taxas de cesariana nos EUA (p.118). Para aqueles auto- res, neste país, o que mudou signifi cativamente não foi o tratamento realizado após se chegar a um diagnóstico. O que aumentou principal- mente foi a freqüência do diagnóstico. Das indicações mais freqüentes, apenas o parto cesáreo anterior signifi cou uma mudança na população obstétrica (um vez que aumentou muito o número de mulheres com uma cesárea anterior) e a indicação por apresentação pélvica, de uma mudança no tratamento. Distócia e sofrimento fetal signifi caram mais uma mudança nas técnicas ou critérios diagnósticos. O que aconteceu que fez com que tantos novos diagnósticos de problemas no trabalho de parto passassem a ser feitos? Mudaram as mulheres e as gestações ou mudaram os critérios médicos? Se foram os critérios médicos de diagnóstico, qual o embasamento para tal mudança? Farb25, nos EUA, estudando as indicações de cesarianas primárias (esta taxa exclui as indicações de cesariana por parto cesá- reo anterior), nos períodos de 1967-1968 e 1977-1978, encontrou um aumento na taxa de cesariana de 5% para 14,6% neste período. Segundo o autor, esta elevação aconteceu devido a um crescimento de cinco vezes (0,8% para 4,1%) nas indicações por distócia; um aumento de cinco vezes nas indicações por apresentação pélvica (0,4% para 2%) e de oito vezes nas indicações por sofrimento fetal (0,1% para 0,8%), demonstrando como essas indicações cirúrgicas cresceram nos últimos anos. Em 1980, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA26 formou uma comissão com o objetivo de avaliar o aumento das taxas de cesa- I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 21O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. riana. Esta comissão produziu um documento de consenso propondo mudanças em algumas condutas obstétricas baseadas em informações médicas disponíveis e aplicáveis na prática diária, com o objetivo de reduzir as taxas de cesariana e melhorar os resultados da assistência materna e perinatal26. Este documento apresentou recomendação de mudanças na condução das quatro principais indicações obstétricas responsáveis pelo aumento das taxas de cesariana (distócia, cesa- riana por parto cesáreo anterior, apresentação pélvica e sofrimento fetal), com o objetivo de reduzir o peso destas indicações nas taxas de cesariana. Estas recomendações mostram que para a redução das taxas de cesariana como um todo, é necessária a redução da taxa primária (o que só será alcançado com a modifi cação da atenção ao trabalho de parto, reavaliando as práticas atuais do modelo médico), como também a redução da taxa secundária, oferecendo às mulheres com cesariana anterior, a oportunidade de tentar um parto vaginal. A prova de trabalho de parto para mulher com cesariana anterior, ao contrario do que dizia o antigo ditado “uma vez cesárea sempre cesárea”, tem sido incentivada em vários países pela possibilidade de reduzir as taxas de cesariana. Esta iniciativa tem grande taxa de sucesso27, 28 e é recomendada por instituições de prestígio interna- cionais como o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia29, o Instituto Nacional de Saúde da Inglaterra30 e pela Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Canadá31. 6. A cesariana no Brasil O aumento das taxas de cesariana foi bastante expressivo nos últi- mos30 anos no continente americano e mais especifi camente no Brasil, que conta atualmente com taxas próximas a 40%9. Este indicador se manteve relativamente estável neste patamar no período de 2000 a 2003, mas esta cirurgia foi tão banalizada que em algumas regiões ultrapassa os 80%32. No Brasil, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro ocupam, respectivamente, o primeiro e segundo lugar, com taxas de cesariana em torno de 50%9. Em 1991, Faundes et al4, analisando as causas da explosão das taxas de cesariana no Brasil apontavam entre outros fatores o conforto para o médico de uma cirurgia agendada, em contraponto à impre- visibilidade do parto normal, a incerteza dos profi ssionais sobre sua capacidade de conduzir complicações no trabalho de parto, a falta de preparação da mulher para o parto durante o acompanhamento pré- natal e a ausência de parteiras nas equipes profi ssionais. I. Ce sa ria na : c on si de ra çõ es s ob re a tr aj et ór ia d es ta c iru rg ia a o lo ng o do ú lti m o sé cu lo 24 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Mortality and Increase in Cesarean Section Rates. Obstet Gynecol, 61(1)1-5, 1983. 6. VILLAR et al. World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal and Neonatal Individual Risks and Benefi ts Associated with Caesarean Delivery: Multicentre Prospective Study. BMJ, 335(7628):1025, 2007. 7. NATIONAL VITAL STATISTICS REPORTS, Vol. 54, No. 4, September 22, 2005. 8. CHAILLET N, DUMONT A. Evidence-Based Strategies for Reducing Cesarean Section Rates: A Meta-Analysis. Birth, 34(1):53-64, 2007. 9. http://www.datasus.gov.br, acessado em 27 de janeiro de 2006 10. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Care in Normal Birth; a Pratical Guide, Maternal and Newborn Health / Safe Motherhood Unit. Family and Reproductive Health. 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F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 29O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. produção fabril: o trabalho de parto é separado em várias fases como numa linha de montagem, e cada etapa tem parâmetros bem defi nidos que qualifi cam o desempenho como bom ou ruim. Desvios do padrão considerado normal, defi nido a partir de estudos estatísticos, geram diagnósticos de desordens para os quais os livros médicos recomendam condutas como medicações, uso de fórceps e cesariana. A terminologia utilizada sempre reforça a imagem de produtividade subjacente como acelerar o processo e aumentar a efi ciência, sendo a mulher vista pro- gressivamente de forma cada vez mais passiva, como uma “hospedeira do útero que contrai”7. O hospital, principalmente na obstetrícia norte-americana, é visto como indústria de alta tecnologia para a produção de bebês perfeitos, havendo distinção conceitual entre mãe e bebê, sendo o bebê o produto principal e a mãe um produto secundário. Este foco leva ao monitoramento contínuo do corpo da gestante e ao uso rotineiro de intervenções, já que o corpo- máquina feminino é defeituoso e geralmente incapaz de produzir bebês perfeitos sem a assistência tecnológica dos profi ssionais8 . Para Kitzinger9, os serviços de obstetrícia submetem as mulheres a uma série de rotinas que constituem um rito de passagem para a mater- nidade: separação das pessoas “normais” que continuam suas vidas fora do hospital; fi car a cargo de instâncias que estão fora de seu controle; realização de investigação e exames que envolvem a exploração de suas partes mais íntimas por homens desconhecidos; e sujeição a métodos inquietantes e muitas vezes dolorosos os quais ela não deve recusar porque são feitos “para o bem do bebê”. Somente após esses ritos de isolamento e humilhação a sociedade a reabilita como mãe. Ainda para essa autora9, no contexto de medicalização da nossa sociedade, não é surpreendente que o parto seja considerado como algo que produz sensações que qualquer mulher tem o direito de anular. Sentir dores é recuar até a idade média e não ter sensações é a forma moderna de dar à luz. No parto moderno, despersonalizado, perdeu-se o signifi - cado transcendente. Alcançou-se o objetivo que talvez esteja implícito em todas as sociedades altamente tecnológicas: o controle mecanizado do corpo e a completa anulação de todas as sensações desagradáveis. Como em obstetrícia os resultados são geralmente positivos, inde- pendentemente de como ou onde o parto ocorra, os médicos tendem a ter uma visão muito positiva da tecnologia, diferente de outras especialidades que apresentam taxas elevadas de mortalidade, em que falhas da tecnologia estão presentes no cotidiano. Os procedimentos rotinizados e repetitivos criam homogeneidade e reduzem incertezas II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 30 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. relacionadas ao parto. Os obstetras são ensinados que a causa direta do sucesso geral do processo de parto nos tempos modernos são os procedimentos médicos, e por isso esses profi ssionais resistem tanto a abandonar essas práticas padronizadas. A ocorrência de complicações ou vivência de experiências desastrosas aumentam ainda mais a ade- são dos profi ssionais aos procedimentos e ao modelo tecnológico, pois a experiência ruim reforça a defi ciência do corpo feminino e a neces- sidade de realização dos rituais como forma de prevenir a falha8. Para Odent10, os profi ssionais médicos são preparados para atuar em todas as complicações possíveis da gravidez e do parto, mas aprendem pouco sobre todas as variações fi siológicas possíveis de um parto nor- mal, para as quais não há razão de alarme ou intervenção. O resultado é que todos os partos são vistos como problemas potenciais, e essa ênfase no alto risco não serve para a maior parte das mulheres, que apresentam gestações e partos normais. Embora os médicos reconheçam que para um parto normal o melhor é não fazer nada, seu treinamento e orienta- ção no trabalho os levam a atuar de forma contrária, sendo praticamente impossível não intervir em condições que na realidade são variações fi siológicas1. A disponibilidade das técnicas introduz um viés para a intervenção, e grande parte da intervenção médica utilizada, por ser desnecessária, na realidade introduz novos riscos11. Para a Organização Mundial de Saúde12, uma citação muito fre- qüente e difundida de que “o parto só pode ser declarado normal em retrospecto” fez com que muitos obstetras de diversos países concluís- sem que a assistência ao parto de baixo risco devesse ser semelhante à assistência aos partos com complicação. Esta percepção tem várias desvantagens como: o potencial de tornar um evento fi siológico nor- mal em um procedimento médico; a interferência com a liberdade da mulher de experimentar o parto da maneira e no local de sua escolha; a utilização de um maior número de intervenções; e a concentração de um grande número de mulheres em hospitais bem equipados tecnica- mente, com os custos a eles associados. 1.2. Recomendações da Organização Mundial de Saúde para uso apropriado de tecnologia na assistência ao parto Desde a década de 70, a Organização Mundial de Saúde tem desenvol- vido diversos trabalhos relacionados à assistência pré-natal e ao parto, motivada pela preocupação com a expansão do uso da tecnologia no parto, seu custo elevado, e questionamentos sobre sua real necessidade. Ao longo da década de 1980, três conferências de consenso11 sobre II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 31O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. uso apropriado de tecnologia na assistência pré-natal, ao parto e após o nascimento foram realizadas, e resultaram na elaboração de diversas recomendações para essa assistência. Dentre as recomendações específi cas, já se encontrava a) o estímulo a algumas práticas consideradas benéfi cas, como presença do acompa- nhante, o respeito às práticas culturalmente signifi cativas, o estímulo à deambulação e movimentação da gestante durante o trabalho de parto; b) o abandono de práticas de uso rotineiro em muitos serviços, como o uso de enema e raspagem de pêlos pubianos; c) a defi nição de limites para algumas intervenções obstétricas, como parto cesáreo, indução do parto, ruptura artifi cial da bolsa amniótica (amniotomia), uso de monitorização eletrônica e de administração rotineira de analgesia e anestesia durante o parto; e d) estímulo a algumas condutas como partos vaginais após uma cesárea anterior, proteção do períneo evi- tando o uso sistemático de episiotomia, monitorização dos batimentos cardíacos fetais através de ausculta intermitente, permanência do bebê junto à mãe sempre que possível, e início do aleitamento materno imediatamente após o nascimento, ainda na sala de parto13. Os formuladores dessas recomendações afi rmam que para enten- der como proporcionar cuidados perinatais adequados, é fundamental considerar os fatores sociais, emocionais e psicológicos envolvidos nesse processo. Consideram que para tornar as recomendações viáveis, são necessárias profundas transformações na estrutura dos serviços de saúde, acompanhadas de modifi cações nas atitudes das equipes e pela redistribuição de recursos físicos e humanos13. Apesar dessas recomendações e da ênfase crescente no uso da medicina baseada em evidências, muitas práticas consideradas des- necessárias continuaram sendo utilizadas, sem uma real avaliação de suas implicações para as mulheres e recém-natos. Assim, em 1996, a Organização Mundial de Saúde lançou uma publicação intitulada “Care in normal birth: a practical guide”12, uma importante referência bibliográfi ca relativa aos cuidados de assistência prestados à mulher durante o trabalho de parto e parto. Nesse documento, a partir de um amplo levantamento bibliográfi co, as mais variadas práticas obs- tétricas adotadas em todo mundo na assistência ao trabalho de parto de baixo risco foram avaliadas, com revisão das evidências a favor e contra algumas das mais utilizadas. Após a realização desse estudo, as práticas obstétricas foram classifi cadas em quatro categorias: A - práticas que são reconhecidamente positivas e devem ser encorajadas; II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 34 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. profi ssionais não médicos capacitados para assistência à gravidez, parto e puerpério, podendo ser formados em cursos específi cos de midwifery ou terem formação prévia em enfermagem (nurse-midwives). Johnson e Daviss16, em um grande estudo de coorte prospectivo rea- lizado nos EUA com mais de 5.400 gestantes de baixo risco que plane- javam um parto domiciliar assistido por midwife, concluíram que esses partos apresentaram mortalidade intraparto e neonatal semelhantes aos partos de baixo risco que aconteciam em ambiente hospitalar e menor taxa de intervenções médicas como uso de epidural, fórceps e cesarianas. Resultados semelhantes foram encontrados por Janssen17 ao estudar os resultados perinatais dos partos domiciliares atendidos por midwives no Canadá, após a regulamentação da atividade dessas profi ssionais naquele país. Se por um lado os autores não encontraram aumento da mortalidade materna ou neonatal, por outro também verifi caram que mulheres aten- didas no ambiente hospitalar tinham muito mais probabilidade de serem submetidas a diversas intervenções médicas. Segundo a OMS12, as gestantes devem ter seu parto no local onde se sintam seguras e no nível mais periférico onde a tecnologia apropriada para seu cuidado esteja disponível. Para as gestantes de baixo risco, esse local pode ser o domicílio, centros de parto normal, ou serviços hospitalares sob responsabilidade de enfermeiras obstetras/midwives e/ ou de médicos obstetras. Seja qual for o local, esse cuidado deve estar focado nas necessidades da mulher e em sua segurança, respeitando ao máximo seus valores culturais. Quando a assistência for prestada em ambiente não hospitalar, o acompanhamento da evolução do trabalho de parto deve ser ainda mais criterioso para que qualquer intercorrên- cia seja detectada precocemente, com encaminhamento oportuno para um serviço de maior complexidade. 2.2. Tipo de profi ssional envolvido na assistência ao parto Na assistência aos partos de baixo risco, o objetivo do cuidado é obter mãe e bebê saudáveis com o mínimo de intervenção possível que seja compatível com a segurança do cuidado. Essa abordagem implica ter sempre uma razão válida para interferir com o processo natural12. Cabe ao profi ssional que presta assistência a parturientes de baixo risco: a) fornecer suporte para a mulher e seus familiares durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato; b) monitorar as condições da mulher e do feto com identifi cação precoce de situações de risco; c) realizar inter- venções pequenas, se necessário, tais como amniotomia, episiotomia e cuidados imediatos com o recém-nato; e encaminhar a gestante e/ou do II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 35O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. bebê, caso surjam complicações que necessitem de referência para servi- ços de maior complexidade12. Vários países europeus têm um modelo de assistência ao parto e nascimento hierarquizado, estando a assistência ao parto e nascimento de baixo risco baseada na atenção prestada por midwives, um(a) profi s- sional de saúde não médico, que presta assistência pré-natal, ao parto e ao puerpério de gestantes sem complicações, e cuja formação está voltada especifi camente para os cuidados com a mulher e a criança, com grande ênfase para os aspectos fi siológicos desses eventos e da importância do suporte emocional para a vivência desses momentos de forma mais positiva e prazerosa. Nesse modelo, o trabalho do médico obstetra está voltado para a assistência às gestantes de risco18. No Brasil, o profi ssional equivalente à midwife é o(a) enfermeiro(a) obstetra, formado em curso de especialização em enfermagem, nível de pós-graduação lato sensu. A formação da enfermeira obstétrica dá maior ênfase aos aspectos fi siológicos, emocionais e socioculturais do processo reprodutivo, privilegiando uma atuação fundamentada na compreensão do fenômeno da reprodução como singular, contínuo e saudável, no qual a mulher é o foco central, e que se desenvolve em um determinado contexto sócio-histórico19. A segurança da assistência ao parto por midwives tem sido objeto de diver- sas publicações20-22, estando o cuidado por estas profi ssionais relacionado, de um modo geral, não apenas a uma menor taxa de intervenções médicas, como também à maior satisfação das usuárias com o atendimento. Para a OMS12, a midwife/enfermeira obstetra seria o profi ssional mais adequado e custo-efetivo para a assistência aos partos de baixo risco, seja no domicílio, centros de parto normal, ou serviços de obs- tetrícia hospitalares. No Brasil, a Lei Federal que regula a assistência de enfermagem (lei nº 7498/86) prevê a assistência ao parto de baixo risco por esses profi ssionais. Nos últimos anos o Ministério da Saúde tem investido em cursos de pós-graduação em enfermagem obstétrica no sentido de garantir a atuação dos mesmos como uma das estratégias de qualifi ca- ção da assistência obstétrica constantes do Pacto Nacional de Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. O pagamento do “parto normal sem distócia realizado por enfermeiro obstetra” foi incluído na tabela SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares do SUS) em 29 de maio de 1998 (portaria MS/GM 2815). No âmbito da saúde suplementar, a assistência aos partos de baixo risco por enfermeiras(os) obstetras foi incluído no rol mínimo de pro- II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 36 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. cedimentos em vigor desde 02 de abril de 2008 (Resolução Normativa nº167, de 10 de janeiro de 2008). Concluindo, nos serviços de saúde brasileiros, públicos e priva- dos, tanto médicos quanto enfermeiros obstetras estão capacitados e autorizados a prestar assistência a partos de baixo risco. Entretanto, como os profi ssionais médicos têm uma formação mais voltada para as complicações da gestação e do parto, em geral esses profi ssionais percebem os partos como situações de risco, fazendo uso intensivo de tecnologias23. Estas constatações não excluem o médico obstetra do processo de humanização da assistência, mas apontam os desafi os que estes profi ssionais precisam superar no sentido de modifi car sua rotina de assistência aos partos de baixo risco atuando mais como cuidadores do que efetivamente como “especialistas” em patologia obstétrica. 2.3. Comunicação com a gestante e sua família durante o trabalho de parto A relação da gestante com a equipe de saúde é considerada, por muitos autores, um dos principais componentes da satisfação com o parto, sendo um dos fatores que mais afeta a memória das mulheres em relação à experiência do parto e nascimento24. Mulheres valorizam conforto físico, suporte psicológico, cuidado personalizado, privacidade, e profi ssionais que sejam responsivos às perguntas e que reconheçam as suas necessidades25. A continuidade do cuidado durante o trabalho de parto, por pelo menos um dos profi ssionais da equipe, e um cuidado apropriado fornecido por um número pequeno de profi ssionais também está associado a maior satisfação com a assistência24, 26. Santos e Siebert27, em estudo realizado no Hospital Universitário de Santa Catarina, verifi caram que alguns dos aspectos mais valori- zados pelas mulheres durante o atendimento nessa maternidade foram a atenção imediata às suas necessidades, e o bom humor, dedicação e preocupação da equipe. Em estudo nessa mesma instituição27, algumas atitudes dos profi ssionais como atenção, orientação, presença cons- tante, uso de terminologias compreensíveis, estabelecimento de uma relação de segurança e confi ança, e a facilitação no entendimento do cuidado fornecido, foram importantes para a mulher que estava vivendo o processo do parto. De forma contrária, uma relação ruim com a equipe de saúde afeta negativamente a satisfação com o parto. Num estudo realizado no Rio de Janeiro, a percepção negativa dos profi ssionais esteve associada à menor satisfação com o parto e, especifi camente, profi ssionais que II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 39O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. seção IV, artigo 16, parágrafo 1), que inclui a garantia do acompa- nhante de escolha da mulher. No processo de implantação e consolidação dessa prática, algumas considerações são importantes. A maior parte dos serviços de obste- trícia hospitalares é projetada sem facilidades para aqueles que não são pacientes. Assim, não só conceitualmente, mas fi sicamente não há espaço para um participante leigo que possa estar acompanhando a mulher. Nos partos hospitalares, mesmo que uma pessoa de suporte esteja presente, sua atuação e interação com a mulher fi cam muito limitados pelo tipo de mesa de parto, que impede um suporte completo para o corpo; pela posição deitada da mulher, que impede que ela seja sustentada pelos braços do acompanhante; e pela fragmentação do corpo da gestante numa metade com acesso restrito aos médicos (“a extremidade do trabalho”) e a metade superior onde o acompanhante deve permanecer (“extremidade relacional”)1. Encontra-se em fase de fi nalização a nova resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), regulamento técnico para funcionamento de serviços de atenção obstétrica e neonatal públicos e privados, comple- mentar à RDC nº 50, que trata da normatização dos serviços de atenção obstétrica e neonatal, contemplando algumas das questões apontadas, como por exemplo, a garantia do redimensionamento do espaço físico de forma a garantir a presença do acompanhante de escolha da gestante. No hospital outros fatores podem também interferir com a intensidade e intimidade do envolvimento da gestante com o acompanhante, como a restrição da gestante ao leito, a aproximação de pessoas estranhas e o uso de equipamentos que podem interferir psicológica e fi sicamente na interação de ambos (difi culdade de contato físico, medo de alterar/dani- fi car o equipamento)3. Desta forma, se o ambiente hospitalar difi culta a atuação do acompa- nhante familiar, o profi ssional de saúde deve estar particularmente atento para tranqüilizá-lo em relação ao ambiente e tecnologias utilizadas e orientá-lo sobre a melhor forma de fornecer o suporte para a parturiente. Para o Ministério da Saúde14, o processo de humanização do nasci- mento, que inclui a possibilidade de um acompanhante à parturiente, envolve necessariamente uma mudança de atitudes do profi ssional de saúde, revendo seus conceitos, deixando de lado seus preconceitos, para favorecer um acolhimento completo, técnico e humano à mulher. E envolve também uma mudança de atitude da instituição, que deve estar estruturada e preparada para esta nova postura em relação à mulher e seu acompanhante. II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 40 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 2.5. Posição materna durante o trabalho de parto e o período expulsivo O uso de posições verticalizadas para assistência ao parto está pre- sente em vários registros de culturas antigas35. Porém, com o desen- volvimento das técnicas obstétricas, a posição de litotomia (decúbito dorsal com pernas elevadas) foi progressivamente incorporada na assistência aos partos, por permitir melhor visualização do períneo e realização de manobras obstétricas, quando necessárias. Entretanto, do ponto de vista da fi siologia, as posições verticaliza- das apresentam inúmeras vantagens para a evolução do trabalho de parto, tais como, menor compressão dos vasos sanguíneos com melhor vascularização placentária e oxigenação fetal, ampliação do diâmetro do canal de parto, maior efi cácia das contrações uterinas, e participa- ção mais ativa da parturiente35, 36, 37. A OMS classifi ca a liberdade de movimentação e de posição da parturiente durante o trabalho de parto como uma prática reconheci- damente benéfi ca e que deve ser encorajada. Estudos têm demonstrado menor uso de analgesia e menor uso de medicações para aceleração do trabalho de parto em posições verticalizadas quando comparada à posição supina12. Ou seja, não existe evidência que justifi que a permanência das mulheres em posição supina durante o trabalho de parto. As gestantes devem ser estimuladas a se movimentar e a adotar posições verticaliza- das que sejam confortáveis para ela, sem a interferência dos profi ssio- nais de saúde. É provável que a gestante mude de posição muitas vezes durante o trabalho de parto, já que nenhuma posição é confortável por muito tempo, sendo a dor geralmente um parâmetro para a busca de novas posições, que por sua vez facilitam a descida do feto. Em relação à posição materna durante o período expulsivo, uma revisão da Cochrane que comparou os resultados de diferentes posições no período expulsivo em mulheres sem analgesia peridural38, avaliou 20 ensaios clínicos de qualidade variável incluindo 6.135 mulheres. Como resultados encontrou que mulheres que tiveram partos na posição vertical ou em decúbito lateral, quando comparadas à posição supina ou em litotomia, apresentaram menor duração do período expulsivo, redução do número de partos assistidos, menor realização de episio- tomia, menor percepção de dor intensa durante o período expulsivo, e menor ocorrência de alterações nos batimentos cardiofetais. Por outro lado, apresentaram maior ocorrência de lacerações de segundo grau e de perda sanguínea superior a 500 ml. Apesar dos limites metodo- II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 41O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. lógicos dos estudos, os resultados dessa meta-análise sugerem vários benefícios associados a posições verticalizadas no momento do parto. Concluindo, tanto no trabalho de parto como no momento do parto, as gestantes devem ser estimuladas a adotar a posição que qui- serem, evitando longos períodos na posição supina (deitada de costas). Profi ssionais de saúde devem ser capacitados para a assistência ao parto em outras posições que não de litotomia, como, por exemplo, de cócoras, sentada, em decúbito lateral, para não restringirem as mulhe- res em suas possibilidades de escolha. É importante ressaltar também que na assistência aos partos de baixo risco, tanto o trabalho de parto quanto o parto podem ser assis- tidos no mesmo ambiente, geralmente em local denominado “quarto PPP” (pré-parto/parto/puerpério). Embora muitos hospitais disponham de salas específi cas para o atendimento ao parto, estas em geral têm um ambiente muito pouco acolhedor, sendo a transferência durante o trabalho de parto muito desconfortável para a mulher. O Ministério da Saúde, em seu manual sobre assistência ao parto, abortamento e puer- pério14, assim como o novo regulamento técnico para funcionamento de serviços de atenção obstétrica e neonatal da Anvisa, recomendam a adoção de quartos PPP nos serviços de atenção ao parto como estra- tégia de humanização do cuidado e de incentivo ao parto normal, com conseqüente redução nos índices de cesárea. 2.6. Analgesia no parto Na publicação da OMS12, o uso da água para analgesia foi classi- fi cada como uma prática para a qual ainda não existiam evidências sufi cientes e que deveria ser utilizada com cautela. Entretanto, a última meta-análise realizada pela Cochrane39 sobre esse tema, com análise de oito ensaios clínicos randomizados envolvendo 2.939 mulheres, evidenciou que a imersão em água durante o trabalho de parto reduziu o uso de analgesia e a percepção de dor pela parturiente, sem efeitos adversos na duração do trabalho de parto, parto vaginal operatório, parto cesariano e complicações neonatais (Apgar menor que sete no quinto minuto, admissão em UTI neonatal e infecção neonatal). Ainda não existem estudos sufi cientes sobre a segurança do parto na água. Portanto, a recomendação é de que a imersão na água seja utilizada como método para alívio da dor durante o trabalho de parto. Outros métodos não farmacológicos (acupuntura, áudio-analgesia, acupressão, aromaterapia, hipnose, massagem e técnicas de relaxa- mento) também foram avaliados40. Quatorze ensaios clínicos que II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 44 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Já o uso da amniotomia é uma prática que deveria ser utilizada com cautela, uma vez que não existiam evidências científi cas sufi cientes. Revisões recentes da Cochrane45-47 acrescentam novas evidências a essas recomendações. Uma revisão sobre o uso de enema45 identifi cou três ensaios clínicos envolvendo 1.765 mulheres. Nem todos os desfe- chos estavam disponíveis para os três estudos, mas os resultados não evidenciaram diferenças nas taxas de infecção puerperal, infecção neo- natal (trato respiratório inferior e superior) após um mês de seguimento; infecção umbilical e satisfação materna. Um estudo encontrou menor duração do trabalho de parto associado ao uso de enema, mas outro estudo, ajustado para paridade, não encontrou diferenças signifi cativas. Os autores concluem que não existe evidência que justifi que o uso de enema no trabalho de parto, devendo essa prática ser desencorajada. A revisão sobre uso de episiotomia46, comparando o uso restrito desse procedimento ao uso rotineiro, identifi cou seis ensaios clínicos randomizados envolvendo mais de cinco mil mulheres. A realização de episiotomia no grupo uso rotineiro foi de 72,7%, enquanto no uso restrito foi de 27,6%. Foram encontradas diferenças signifi cativas nos resultados entre os grupos, sendo observado, nas mulheres com uso restrito, menos trauma perineal posterior, menos realização de sutura e menos complicações na cicatrização. Apenas a ocorrência de trauma anterior foi maior nesse grupo. Não foram observadas diferenças na ocorrência de trauma perineal ou vaginal severo, dispareunia, inconti- nência urinária e diversas medidas de dor. Os autores concluem que o uso restrito de episiotomia está associado a vários benefícios quando comparada ao uso rotineiro. A OMS sugere uma taxa de 10% em par- turientes de baixo risco. Quanto ao uso da amniotomia, sabe-se que é um dos procedimentos mais utilizados rotineiramente para aceleração do trabalho de parto. A última revisão da Cochrane47, atualizada em 2007, com o objetivo de avaliar a efetividade e segurança da amniotomia utilizada isolada- mente para acelerar o trabalho de parto, identifi cou 14 estudos envol- vendo 4.839 mulheres. Não foi evidenciada diferença signifi cativa na duração do trabalho de parto, satisfação materna, e Apgar menor que 7 no quinto minuto. A amniotomia esteve associada com um risco aumentado de parto cesariano, embora essa diferença não tenha alcan- çado signifi cância estatística (RR 1,26, 95% CI 0,98 – 1,62). Como conclusão, os autores afi rmam que o uso rotineiro da amniotomia não deve ser recomendado na assistência no manejo do trabalho de parto, e que a evidência disponível deve ser discutida com as mulheres antes da decisão de realização desse procedimento. II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 45O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. O uso da amniotomia precoce associada a outros procedimentos (acompanhamento individualizado, uso de ocitócito e monitorização eletrônica continuada), em nulíparas de baixo risco, conhecido como manejo ativo do parto, também não está recomendado, considerando os resultados de estudos recentes que não demonstram benefícios asso- ciados a essa conduta48. Por outro lado, em gestantes que apresentam rotura espontânea das membranas amnióticas anterior ao início do trabalho de parto, a anteci- pação do parto com uso de métodos como ocitócitos e prostaglandinas, está associada a resultados benéfi cos. Uma revisão da Cochrane49 que comparou os resultados obtidos com esses dois tipos de abordagem, conduta expectante ou antecipação do parto, identifi cou doze ensaios clínicos envolvendo 6.814 gestantes, e encontrou menor morbidade infecciosa materna no grupo parto antecipado, sem aumento dos par- tos vaginais operatórios ou cesarianos. Também foi encontrado menor número de internações em UTI neonatal no grupo planejado, embora a taxa de infecção neonatal tenha sido semelhante nos dois grupos. 2.9. Assistência ao terceiro período do parto (expulsão da placenta) Existem duas possibilidades de manejo do terceiro período do parto: o manejo expectante, em que a placenta é expelida espontaneamente; e o manejo ativo, em que se utiliza ocitocina de forma profi lática antes da expulsão placentária, geralmente associado ao clampeamento precoce do cordão umbilical e à tração controlada do mesmo. O estudo de Prendiville et al50, que realizou uma revisão sistemática para comparar o manejo expectante com o manejo ativo, identifi cou cinco ensaios clínicos randomizados, sendo quatro de boa qualidade. Encontrou diversos efeitos benéfi cos no grupo com manejo ativo em ambiente hospitalar, sendo os principais o menor risco de perda sanguí- nea materna, hemorragia puerperal, e duração prolongada do terceiro período do parto. Entre as mulheres do grupo manejo ativo, obser- vou-se uma ocorrência signifi cativamente maior de náusea, vômito e aumento da pressão sanguínea, provavelmente associada ao uso de ergometrina. Não foram observadas diferenças em relação aos bebês. Os resultados demonstram benefícios do manejo ativo para ges- tantes que apresentam parto vaginal em ambiente hospitalar, estando associado, entretanto, a efeitos colaterais desagradáveis. As partu- rientes com maior risco de hemorragia pós-parto e aquelas com ane- mia provavelmente são aquelas que mais irão se benefi ciar com essa II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 46 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. abordagem12. Riscos e benefícios dessas duas abordagens devem ser discutidos com as mulheres. 2.10. Contato precoce pele a pele e início da amamentação na primeira hora após o nascimento O contato precoce pele a pele é uma prática considerada reconheci- damente benéfi ca pela OMS e que deve ser estimulada. A revisão mais recente sobre o tema51, que identifi cou 30 ensaios clínicos envolvendo 1.925 participantes, encontrou resultados benéfi cos no aleitamento materno, formação do vínculo mãe-bebê, menor duração do choro do bebê e maior estabilidade cardio-respiratória em prematuros, sem efei- tos negativos a curto ou longo prazo. O início da amamentação na primeira hora após o parto também é uma prática reconhecidamente benéfi ca, com repercussões positivas para a saúde da mulher e da criança12. Trata-se de um período excelente para iniciar a amamentação já que o bebê geralmente está atento, em estado de alerta máximo e com refl exo de sucção ativo, estimulando precocemente a produção de ocitocina e prolactina. É uma recomenda- ção da UNICEF, sendo um dos dez passos necessários para certifi cação de serviços com atenção ao parto e nascimento como “Hospital Amigo da Criança” (Iniciativa Hospital Amigo da Criança/IHAC/UNICEF)52. É considerada pelo Ministério da Saúde14 um importante componente do processo de humanização do nascimento. 3. Considerações fi nais O Brasil apresenta um modelo de atenção ao parto centrado no modelo médico, com uso intensivo de tecnologia e resultados perina- tais ainda inferiores aos dos países desenvolvidos. As taxas de cesa- riana estão entre as mais elevadas do mundo, sendo próximas a 90% em alguns serviços privados. Várias práticas reconhecidamente prejudiciais ainda são observa- das nos serviços públicos e privados, enquanto outras, amplamente recomendadas pela OMS e Ministério da Saúde, apresentam implan- tação baixíssima. Para a mudança desse cenário, diversos atores são necessários. Por um lado, mulheres e familiares, consumidores desses serviços, e maio- res benefi ciários da adoção de um modelo focado em suas necessidades e com melhores resultados para mulher e bebê. Por outro, os formu- ladores de políticas e gestores das instituições de saúde, que devem II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 49O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 22. MacDORMAN MF, SINGH GK.J Midwifery Care, Social and Medical Risk Factors, and Birth Outcomes in the USA. Epidemiol Community Health, 52(5):310-7, 1998. 23. DIAS MAB. Cesariana: Epidemia Desnecessária? A construção da Indicação da Cesariana em uma Maternidade Pública do Município do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. IFF / Fiocruz, Rio de Janeiro, 2001. 24. GREEN J, COUPLAND V, KITZINGER J. Great Expectations – A Prospective Study of Women’s Expectations and Experiences of Childbirth. Inglaterra: Books for Midwives Press, 1998. 25. MURRAY I, WILCOCK A, KOBAYASHI L. Obstetrical Patient Satisfaction. J Health Care Marketing, 16(3):54-57, 1996. 26. ENKIN M, KEIRSE, MJNC, NEILSON J, DULEY, CCLD, HODNETT E, HOFMEYR J. Social and Professional Support in Childbirth. In: A Guide to Effective Care in Pregnancy and Childbirth. Inglaterra: Oxford University Press, 2000. 27. SANTOS OMB, SIEBERT ERC. The Humanization of Birth Experience at the University of Santa Catarina Maternity Hospital. Int J Gynecol Obstet, 75 (suppl.no.1):73-79, 2001. 28. DOMINGUES RMSM, SANTOS EM, LEAL MC. Aspectos da Satisfação das Mulheres com a Assistência ao Parto: Contribuição para o Debate. Cad Saúde Pública, 20 sup 1:S52-S62, 2004. 29. D’OLIVEIRA AFPL, DINIZ SG, SCHRAIBER LB. Violence Against Women in Health-Care Institutions: an Emerging Problem. Lancet, 359:1681-1685, 2002. 30. SÉGUIN L, THERRIEN R, CHAMPAGNE F, LAROUCHE D. The Components of Women´s Satisfaction with Maternity Care. Birth, 16(3):109-113, 1989. 31. HODNETT ED, GATES S, HOFMEYR GJ, SAKALA C. Continuous Support for Women During Childbirth. Cochrane Database Syst Rev, Jul 18;(3):CD003766, 2007. 32. BRUGGEMAN OM, PARPINELLI MA, OSIS MJ. Evidências Sobre o Suporte Durante o Trabalho de Parto/Parto: Uma Revisão da Literatura. Cad Saúde Pública, 21(5):1316-1327, 2005. 33. KEIRSE M, ENKIN M, LUMLEY J. Social and Professional Support During Childbirth. In: Effective Care in Pregnancy and Childbirth (Chalmers, I., Enkin, M. & Keirse, M., eds), Vol 2, p. 805-814, Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 1989. II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 50 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 34. SMITH M, ACHESON L, BYRD J, CURTIS P, DAY T, FRANK S, FRANKS P, GRAHAN A, LEFEVRE M, RESNICK J, WALL E. A Critical Review of Labor and Birth Care. J Family Practice, 33(3):281-292, 1991. 35. PACIORNIK M. Parto de Cócoras. 3ª ed. São Paulo: Centro de Arte e Cultura Artesanal, 1991. 36. PACIORNIK C. Análise Perinatal de 11.100 Partos de Cócoras. In: Parto Humanizado – Formas Alternativas (Sabatino H, Dunn P, Caldeyro Barcia R, orgs), Campinas: Ed. da Unicamp, 1992. 37. SABATINO H, VILARINO J. Avaliação Obstétrica de Partos em Posição de Cócoras. In: Parto Humanizado – Formas alternativas. (Sabatino H, Dunn P, Caldeyro Barcia R., orgs), Campinas: Ed. da Unicamp, 1992. 38. GUPTA JK, HOFMEYR GJ, SMYTH R. Position in the Second Stage of Labour for Women Without Epidural Anaesthesia (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 4. Oxford: Update Software, 2007. 39. CLUETT ER, NIKODEM VC, MCCANDLISH RE, BURNS EE. Immersion in Water in Pregnancy, Labour and Birth. Cochrane Database Syst Rev, (2):CD000111, 2004. 40. SMITH CA, COLLINS CT, CYNA AM, CROWTHER CA. Complementary and Alternative Therapies for Pain Management in Labour. Cochrane Database Syst Rev, Oct 18;(4):CD003521, 2006. 41. ANIM_SOMUAH M, SMYTH R, HOWELL C. Epidural Versus Non-Epidural or no Analgesia in Labour (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, issue 1, Oxford: Update Software, 2007. 42. World Health Organization. Maternal Health and Safe Motherhood Programme. World Health Organization Partograph in Management of Labour. Lancet, 343:1399-1404, 1994. 43. LAVENDER T, ALFIREVIC Z, WALKINSHAW S. Effect of Different Partogram Action Lines on Birth Outcomes. Obstet Gynecol, 108(2):295-302, 2006. 44. ALFIREVIC Z, DEVANE D, GYTE GM. Continuous Cardiotocography (CTG) as a Form of Electronic Fetal Monitoring (EFM) for Fetal Assessment During Labour. Cochrane Database Syst Rev, 3:CD006066, 2006. 45. REVEIZ L, GAITÁN HG, CUERVO LG. Enemas During Labour. Cochrane Database Syst Rev, Oct 17;(4):CD000330, 2007. II. F av or ec en do o p ar to n or m al : e st ra té gi as b as ea da s em e vid ên ci as c ie nt ífi ca s 51O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 46. CARROLI G, BELIZAN J. Episiotomy for Vaginal Birth. Cochrane Database Syst Rev, (2):CD000081, 2000. 47. SMYTH RM, ALLDRED SK, MARKHAM C. Amniotomy for Shortening Spontaneous Labour. Cochrane Database Syst Rev, Oct 17;(4):CD006167, 2007. 48. SADLER LC, DAVISON T, McCOWAN LME. A Randomized Controlled Trial and Meta-Analysis of Active Management of Labour. BJOG, 107:909-915, 2000. 49. DARE MR, MIDDLETON P, CROWTHER CA, FLENADY VJ, VARATHARAJU B. Planned Early Birth Versus Expectant Management (waiting) for Prelabour Rupture of Membranes at Term (37 weeks or more).Cochrane Database Syst Rev, Jan 25;(1): CD005302, 2006. 50. PRENDIVILLE WJ, ELBOURNE D, MCDONALD S. Active Versus Expectant Management in the Third Stage of Labour. Cochrane Database Syst Rev, (3):CD000007, 2000. 51. MOORE ER, ANDERSON GC, BERGMAN N. Early Skin-to-skin Contact for Mothers and their Healthy Newborn Infants. Cochrane Database Syst Rev, Jul 18;(3):CD003519, 2007. 52. http://www.unicef.org/brazil/pt/activities_9995.htm, acessado em 10 de abril de 2008. 53. VITAL BRASIL C. Educação e Desejo. In: Educação: Razão e Paixão. Panorama ENSP (Joaquim A. Cardoso de Melo, org.). Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1993. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 54 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. taxas de 50,8% em Ribeirão Preto (SP), comparadas com 33,7% em São Luís (MA). Dentro de Ribeirão Preto, a taxa no setor privado foi 77,9% e no setor público 33,9%; enquanto em São Luís os valores foram res- pectivamente 93,7% e 25,3%. O fator “mesmo médico no pré-natal e no parto” explicou a maior parte da diferença entre as duas cidades, suge- rindo a grande infl uência do médico na decisão sobre o tipo de parto. Estudo realizado nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre e Natal, abordou 1.136 mulheres, das quais 419 no setor privado. Neste segmento, houve 72% de cesarianas, sendo que 2/3 eram agendadas, por razões médicas pouco justifi cáveis e em mulheres que haviam declarado preferência por parto vaginal10. Em estudo na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2007, em duas unidades fi nanciadas pela saúde suplementar, resultados semelhantes foram obtidos12. Avaliaram-se os fatores associados à decisão por cesariana como via de parto em 437 puérperas e verifi cou-se que, independente do desejo inicial da gestante, a interação com o ser- viço de saúde resultou na cesariana como via fi nal de parto. 92% das puérperas apresentaram cesáreas eletivas e menos de 10% dos partos cesáreos com indicação médica tiveram indicação adequada. Portanto, o modelo de assistência ao parto na saúde suplementar se caracteriza pelas altas taxas de cesariana, entre 70% e 90%, sendo grande parte realizada de forma eletiva (fora do trabalho de parto) ou com a gestante ainda no início do trabalho de parto10-12. Podemos afi rmar que um dos maiores desafi os a serem enfrentados para a redução das taxas de cesariana na saúde suplementar é garantir a possibilidade de a gestante entrar em trabalho de parto espontaneamente ao término da gravidez. 1.2. Riscos maternos e perinatais: parto cesáreo vs. parto normal Considerando que muitas das cesarianas estão sendo realizadas em mulheres de baixo risco obstétrico, e provavelmente sem indicação ou com indicações pouco fundamentadas, deve ser pesado o risco de com- plicações iatrogênicas maternas e neonatais nestes procedimentos. Tem sido difícil avaliar o risco de cesariana “sob demanda” ou eletiva ou “planejada”, já que essas entidades não têm classifi cação clínica homogênea e/ou não são registradas. O conhecimento tem se baseado em evidências indiretas e, portanto, limitadas. Lavender et al em uma revisão da Cochrane13, apontaram a ausência de ensaios clínicos comparando cesariana planejada e parto vaginal planejado, e reforçaram a necessidade de revisões sistemáticas de estudos obser- vacionais de boa qualidade. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 55O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Na revisão de Viswanathan et al, comparando partos vaginais espon- tâneos com cesarianas sob demanda, foram identifi cados 54 artigos, no período de 1990 a 200514. Foi encontrada boa evidência (nível IV) ape- nas para risco aumentado de morbidade respiratória neonatal, quando a cesariana é indicada eletivamente. Este risco é menor conforme aumenta a idade gestacional, mas está presente mesmo em gestações a termo. Não houve evidência de vantagens da cesariana sobre o parto vaginal espon- tâneo para qualquer dos eventos neonatais de relevância clínica. Apenas no caso de hemorragia intracraniana, observou-se evidência razoável (nível III) de menor risco para cesariana e parto vaginal espontâneo, quando comparados a parto vaginal assistido (operatório). A revisão de Hansen et al15 avaliou estudos observacionais sobre cesariana e morbidade respiratória neonatal. Nove artigos foram incluídos na revisão e todos mostraram risco aumentado de morbi- dade respiratória nos neonatos de cesariana eletiva. Alguns estudos não alcançaram signifi cância estatística, e, por sua heterogeneidade, os autores optaram por não fazer meta-análise. O risco de morbidade respiratória foi cerca de duas a três vezes maior nos bebês de cesariana, comparados aos de parto vaginal. O risco diminuiu com o avanço da idade gestacional, mas também esteve presente nos bebês a termo. Villar et al realizaram um estudo multicêntrico prospectivo16 para avaliar riscos e benefícios da cesariana na América Latina. Oito países participaram com 97.095 partos avaliados durante o ano de 2005. Quanto aos desfechos neonatais, o risco foi avaliado separadamente para fetos com apresentação cefálica e pélvica. No primeiro caso, a mortalidade foi maior, tanto nas cesarianas eletivas quanto nas realizadas intraparto (OR 1,66 e 1,99, respectivamente), assim como um tempo maior de interna- ção em unidade de terapia intensiva (OR de 2,11 e 1,93). Apenas para o desfecho ”óbito fetal” foi encontrada uma associação protetora com cesariana (OR de 0,65). No entanto este evento foi muito raro em todos os tipos de parto (freqüências menores que 0,5%), ao passo que a internação em UTI alcançou 5% nas cesarianas e a mortalidade neonatal alcançou 0,7%. Para os fetos em apresentação pélvica, a evidência foi de associa- ção protetora do parto cesariano com a mortalidade fetal e neonatal. As coortes de 1999 a 2002 dos Estados Unidos foram avalia- das quanto ao risco de mortalidade neonatal, por tipo de parto17. Foi usada uma abordagem adaptada de “intenção de tratamento” para emular partos vaginais planejados e cesarianas planejadas. Observou-se maior mortalidade neonatal no grupo de cesarianas planejadas, com um risco relativo de 1,69. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 56 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Hansen et al em estudo longitudinal na Dinamarca, de 1998 a 2006, avaliaram todos os partos de feto único, a termo, sem malformações congênitas18. A abordagem foi semelhante ao estudo supracitado: os partos foram classifi cados em vaginais intencionais (vaginais espontâ- neos e cesarianas não programadas) e cesarianas eletivas. Observaram risco 2 a 3 vezes aumentado de doença respiratória – taquipnéia tran- sitória, distress respiratório – mesmo em bebês a termo. Mesmo com a exclusão de gestações de risco (pré-eclâmpsia, hipertensão e diabetes), o aumento de risco foi corroborado. Estes dois últimos estudos tentaram reproduzir um cenário de ran- domização e intenção de tratamento, somente possível em ensaios clínicos, não encontrados na literatura recente para investigar as dife- renças entre cesariana e parto planejado. Em relação às mulheres, também existem evidências de comprome- timento iatrogênico com cesarianas eletivas. Um estudo longitudinal retrospectivo no Canadá19 avaliou todos os partos no período de 1991 a 2005, comparando desfechos maternos nas pacientes com parto vaginal e naquelas com cesariana indicada por apresentação pélvica (considerada uma indicação de baixo risco). Embora a diferença abso- luta tenha sido pequena, os riscos de morbidade materna severa (his- terectomia, tromboembolismo venoso, infecção puerperal), associada com cesariana, foram mais altos que os do parto vaginal planejado. No estudo prospectivo da América Latina16, houve maior freqüên- cia de morbidade para as mulheres que optaram por cesariana eletiva, comparado ao parto vaginal, para os seguintes eventos: mortalidade, internação em terapia intensiva, hemotransfusão, histerectomia, tempo de internação, antibioticoterapia. Apenas o risco de laceração perineal e/ou fístula foi aumentado nas mulheres de parto vaginal (0,7%, com- parado com 0,18% nas cesarianas eletivas). 1.3. Estratégias para redução de cesarianas desnecessárias A adoção de estratégias para redução de cesarianas desnecessá- rias impõe-se neste cenário, onde: a) o aumento de cesarianas tem sido ditado pelo modelo médico de atenção, b) não há preferência das mulheres pela cesariana, c) há aumento do risco de complicações maternas e neonatais, em mulheres sem risco obstétrico. Várias estratégias têm sido propostas, tanto no âmbito do serviço público quanto nas instituições privadas. Estas estratégias podem ter várias classifi cações20-23, mas se orientam em três vertentes básicas, de acordo com o público-alvo e a natureza: direcionadas aos profi ssionais (inter- III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 59O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Kelly et al 41(2003) Revisão Cochrane Dinoprostone vaginal (vs. Nada, placebo, outros) Sem diferença para taxa de cesárea French 42(2001) Revisão Cochrane Dinoprostone vaginal (vs. Nada, placebo, outros) Sem vantagem para dinoprostone Kelly e Tan 43(2001) Revisão Cochrane Ocitocina (vs nada, placebo, outros) Menor efi cácia que prostaglandinas Boulvain et al 44(2001) Revisão Cochrane Métodos mecânicos (vs. Nada, placebo, farmacológicos) Evidência inconclusiva Boulvain et al 45 (2005) Revisão Cochrane Descolamento de membranas (vs. Nada, placebo, farmacológicos) Pouca vantagem; taxa similar cesarianaDesconforto MANEJO DO PARTO – CONDUÇÃO Autor principal/ ano Tipo de publicação Estratégia Principais conclusões Sadler et al 47(2000) Ensaio clínico randomizado com meta- análise Manejo ativo do parto Sem diferenças nas taxas de cesariana. Redução da duração do trabalho de parto e da proporção de mulheres com parto prolongado no grupo com manejo ativo. Meta-análise com resultados de três estudos anteriores sem diferença nas taxas de cesariana (0,93, CI 95% 0,80-1,08). Pattinson et al 48(2003) Ensaio clínico randomizado Manejo agressivo X expectante Menor parto cesáreo em mulheres com manejo ativo. Violação do protocolo > 30% nas mulheres do grupo intervenção Somprasit et al 49 (2005) Ensaio clínico randomizado Manejo ativo do parto Sem diferenças nas taxas de cesariana. Menor duração da primeira fase do trabalho de parto, da duração total do trabalho de parto e da proporção de gestantes com parto prolongado. Tamanho amostral pequeno. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 60 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. OMS 50 (1994) Ensaio clínico randomizado Uso de partograma 35.484 mulheres. Menor proporção de parto prolongado, parto cesáreo, parto a fórceps, uso de ocitócitos, natimortalidade intraparto e sepse pós-parto após implantação do uso do partograma associado a protocolo de manejo do trabalho de parto. Lavender et al 51(1998) Ensaio clínico randomizado Estudo sobre linha de ação do partograma Avaliação da linha de ação 2h, 3h ou 4h após linha de alerta. Menor proporção de cesariana no grupo 4 h quando comparado ao grupo 3h. Tamanho da amostra pequeno para identifi car outras diferenças. Lavender et al 52 (2006) Ensaio clínico randomizado Estudo sobre linha de ação do partograma Avaliação da linha de ação 2h e 4h após a linha de alerta. Sem diferenças na proporção de partos cesáreos e satisfação das mulheres. Grupo 2 horas com mais intervenções médicas sem benefícios maternos ou neonatais Hofmeyr 53(2006) Revisão Cochrane Versão cefálica externa Evidência sugestiva de redução de cesarianas Dodd et al 54(2004) Revisão Cochrane Parto vaginal planejado X cesariana eletiva em mulheres com cesariana anterior Nenhum ensaio clínico identifi cado. Dodd & 55Crowther (2004) Revisão de ECR e estudos bservacionais Parto vaginal planejado X cesariana eletiva Dois estudos prospectivos identifi cados. Elevada taxa de sucesso de parto vaginal. Desfechos maternos e neonatais disponíveis para apenas um estudo, sem diferenças signifi cantes. Guise et al 56(2004) Revisão de ECR e estudos bservacionais Segurança do parto vaginal pós cesariana 20 estudos identifi cados (2 ensaios e 18 observacionais). Único desfecho com boa evidência foi a taxa de sucesso de parto vaginal pós – cesariana. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 61O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. AVALIAÇÃO BEM-ESTAR FETAL Autor principal/ ano Tipo de publicação Estratégia Principais conclusões Alfi revic et al 58(2006) Revisão Cochrane Cardiotocografi a contínua (vs. nada, ausculta,CTG intermitente) Aumento da taxa de cesarianasRedução de convulsão neonatalSem diferença p/ outros riscos neonatais Neilson et al 59 (2006) Revisão Cochrane Eletrocardiograma fetal Menor taxa de parto operatório e desfechos perinatais adversos s/ signifi cância estatística para cesariana East et al 60(2007) Revisão Cochrane Oximetria de pulso fetal (FPO)(vs monitoramento convencional) O acréscimo da oximetria de pulso não reduziu a taxa global de cesarianas. É necessário defi nir um método melhor de avaliação do bem-estar fetal durante o trabalho de parto. ANALGESIA Autor principal/ ano Tipo de publicação Estratégia Principais conclusões Liu & Sia 61(2004) Revisão de ECR Epidural (vs. Opióides) Sem diferença para taxa de cesárea Anim-Somuah et al62(2005) Revisão Cochrane EpiduralVs não epidural Maior probabilidade de parto vaginal operatório sem impacto signifi cativo no risco de cesariana Simmons et al 63(2007) Revisão Cochrane Combined spinal- epidural vs epidural Não houve diferença signifi cativa na mobilidade materna e nos resultados obstétricos e neonatais. Revisão Cochrane: Cochrane Database of Systematic Reviews (em geral cumulativas, e incluindo apenas ECR) Tabela 2. Principais trabalhos científi cos sobre estratégias de redução de cesarianas – voltadas para mulheres SUPORTE Autor principal/ ano Tipo de publicação Estratégia Principais conclusões Hodnett al 64(2007) Revisão Cochrane Suporte contínuo parto Redução de cesariana sem comprometimento perinatal Bruggeman et al 65(2005) Revisão de ECR e estudos observacionais Diferentes tipos de suporte Redução de cesariana sem comprometimento perinatal, notadamente quando o suporte era não-profi ssional. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 64 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Nos últimos anos alguns estudos29,30,31 demonstraram um aumento do risco de mortalidade perinatal, anormalidades da freqüência cardíaca fetal durante o trabalho de parto, liquido amniótico meconial, macros- somia e cesariana em gestações com mais de 41 semanas de duração. Assim sendo, vários estudos têm avaliado a possibilidade da indução sistemática do trabalho de parto após a 41ª, semana de gravidez. Um desses estudos31 foi uma revisão sistemática com meta-análise comparando a indução do trabalho de parto com o manejo expectante em gestações com duração de 41 ou mais semanas. Após análise dos 16 ensaios clínicos randomizados e controlados que preencheram os cri- térios para inclusão no estudo, os autores encontraram que a indução do trabalho de parto após a 41ª, semana de gravidez reduz a taxa de cesariana embora não altere outros resultados perinatais como morta- lidade, aspiração meconial ou admissão em UTI neonatal. Outra revisão sistemática32 avaliou os benefícios e riscos de uma política de indução do trabalho de parto em gestação a termo ou no pós-termo em comparação com a espera pelo trabalho de parto espontâneo ou a indução mais tardia. Esta revisão sistemática incluiu 19 estudos com um total de 7.984 mulheres. Os principais resultados mostraram que uma política de indução do trabalho de parto em ges- tação com 41 semanas completas ou mais estava associada com menos mortes perinatais, sem aumento do risco de cesarianas para mulheres que foram induzidas entre 41 e 42 semanas. Os autores concluem que uma política de indução do trabalho de parto comparada com a espera pelo trabalho de parto espontâneo indefi nidamente ou pelo menos uma semana está associada com menos mortes perinatais. De qualquer maneira, os riscos absolutos são extremamente pequenos e as mulheres devem ser aconselhadas sobre os riscos absolutos e relativos. Hofmeyr e Goumezoglu33 realizaram revisão sistemática de estu- dos comparando a utilização do misoprostol com outros métodos de indução do parto no terceiro trimestre da gestação. Os autores concluíram que o misoprostol parece ser mais efetivo do que outros métodos convencionais para amadurecimento do colo e indução do trabalho de parto, embora esteja associado com maior risco de hipe- restimulação uterina em especial com dosagens maiores do que 25 µcg de 4 em 4 horas. Os autores chamam a atenção para o risco de ruptura uterina nas mulheres com cesariana prévia quando o miso- prostol é utilizado para a indução do parto. Para avaliar a melhor via de administração do misoprostol para a indução do trabalho de parto, foi feita uma revisão sistemática34 de 17 III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 65O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. ensaios clínicos randomizados entre 1994 e 2004. Os autores concluí- ram que a via de administração vaginal parece ser mais efetiva quando comparada com outras vias utilizando-se a mesma dosagem. A revisão de Crane et al35 comparou o uso do misoprostol com a prostaglandina E2 para a indução do trabalho de parto em mulheres a termo com membranas íntegras e colo uterino desfavorável, analisou 14 artigos que atendiam os critérios da revisão sistemática dentre 611 selecionados no processo de busca. Esta revisão não encontrou diferença na taxa de cesariana e identifi cou um maior risco de hiperestimulação uterina com o uso do misoprostol, embora os autores recomendem a realização de mais estudos com doses de 25 µcg de misoprostol, dose recomendada pelo American College of Obstetrics and Gynecology36. Outra revisão37 aponta que o misoprostol parece ser mais efetivo que placebo ou pelo menos ter ação semelhante ao dinoprostone com a res- salva da possibilidade de hiperestimulação uterina. Os autores apontam a necessidade de mais estudos sobre a dosagem apropriada e avaliam que não há evidência de que a via oral seja inferior a via vaginal. A amniotomia isolada38 ou associada com ocitocina39 como méto- dos de indução do TP, foram temas de revisões sistemáticas que apon- taram a necessidade de maiores estudos para comparar sua segurança e efetividade e defi nir em que circunstâncias clínicas são indicadas, embora sejam intervenções utilizadas de rotina na clinica obstétrica. Por último, revisões que trataram de diferentes formas de indu- ção40-45 do TP com métodos medicamentosos e métodos mecânicos de indução do TP não trazem contribuições em termos de estratégias para a redução das taxas de cesariana. A revisão mais recente de todo este grupo de estudos sobre indu- ção do parto32 engloba algumas das conclusões dos estudos anteriores e traz subsídios para que se possa recomendar que a gestação deva evoluir espontaneamente para o trabalho de parto. Quando a mesma se prolongar após a 41ª. semana deve ser discutida com a gestante a possibilidade de se utilizar a indução do trabalho de parto com miso- prostol 25mcg via vaginal. Esta conduta tem riscos extremamente pequenos e reduziria a taxa de cesarianas eletivas. Condução do trabalho de parto Três aspectos da condução do trabalho de parto merecem destaque, pela sua relevância e aplicabilidade no contexto brasileiro: o manejo ativo do trabalho de parto, o manejo de gestantes a termo com feto III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 66 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. em apresentação pélvica, e a melhor via de parto para gestantes com cesariana anterior. O manejo ativo do trabalho de parto é um programa que foi intro- duzido em 1969 na Irlanda com o objetivo de reduzir as taxas de cesariana primária por redução do risco de distocia46. O programa inclui uma seleção criteriosa de nulíparas, diagnóstico preciso do iní- cio do trabalho de parto, rotura precoce das membranas amnióticas, uso de altas doses de ocitocina no caso de contrações inefetivas, uso de monitorização eletrônica fetal e suporte contínuo individualizado por profi ssional do serviço de saúde. Ainda que as taxas de cesariana no Hospital de Dublin, onde esta conduta é utilizada rotineiramente, sejam baixas, dúvidas permanecem sobre a efi cácia dessa proposta e eventuais riscos maternos e perinatais que possam estar associadas ao manejo ativo. Três ensaios clínicos randomizados publicados após o ano 200047,48,49, tendo um deles realizado uma meta-análise de seus resul- tados com três ensaios clínicos realizados na década de 199047, avalia- ram o efeito do manejo ativo do parto em nulíparas de baixo risco nas taxas de cesariana. A medida-sumário da meta-análise foi indicativa de redução mas não teve signifi cância estatística (RR 0,93; IC 0,80- 1,08). Apenas um desses estudos encontrou redução signifi cativa da taxa de cesariana no grupo com manejo agressivo (RR 0,68, 95% CI 050-0,93)48. Entretanto, esse estudo apresentou limitações metodoló- gicas tais como viés de seleção, com exclusão sistemática de gestantes com boa progressão do trabalho de parto, e violação do protocolo, superior a 30% no grupo intervenção. Pode-se dizer que a evidência disponível não demonstra redução da taxa de cesariana em nulíparas de baixo risco submetidas ao manejo ativo do parto. Além disso, os dois estudos realizados em países em desenvolvimento48, 49 demons- tram a difi culdade de implantação do protocolo completo do manejo ativo do parto em países com recursos limitados. Em ambos os estudos não foi possível garantir o suporte contínuo individualizado durante o trabalho de parto e o parto, prática associada a menor duração do trabalho de parto e menores taxas de cesariana, bem como o monitora- mento do bem estar fetal, essencial quando doses elevadas de ocitocina são utilizadas, já que podem estar associadas a maior ocorrência de sofrimento fetal. Uma outra prática relacionada ao manejo do parto é o uso de par- tograma para monitoramento da evolução do trabalho de parto. O uso do partograma foi descrito pela primeira vez na África, na década de 1970. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde coordenou um grande III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 69O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. resultados disponíveis devem ser interpretados com cautela. Dodd & Crowther55, em uma revisão de estudos longitudinais, encontraram dois estudos pequenos, envolvendo um total de 449 ges- tantes. O resultado revelou uma proporção de parto vaginal de 81% e 65% entre as mulheres que optaram por uma prova de trabalho de parto. Não foram observadas diferenças para mortalidade materna e perinatal, rotura uterina, deiscência uterina e Apgar menor que 7 no quinto minuto, embora nenhum desses desfechos estivesse disponível para os dois estudos e o número de mulheres e bebês estudados fossem muito pequenos. Já Guise et al (2004)56, em sua revisão sistemática de trabalhos publicados no período 1980 a 2002, avaliaram 20 estudos (2 ensaios clínicos e 18 estudos observacionais) considerados de qualidade boa ou moderada, incluindo 55.506 mulheres. O único desfecho estudado que apresentou evidência de boa qualidade foi a proporção de parto vaginal em gestantes submetidas à prova de trabalho de parto, com variação de 60 a 82% entre os estudos (valor agrupado 75,9%, 95% CI 69,9%-81,5%). Falhas metodológicas e imprecisão na defi nição dos desfechos de maior interesse não permitiram evidências conclusivas para diversos outros aspectos avaliados, incluindo rotura uterina e morbi-mortalidade materna e perinatal. O protocolo de um ensaio clínico randomizado57 para pacientes com cesariana prévia está em andamento, com o objetivo de obter medidas de efi cácia e riscos mais válidas e precisas. Avaliação do sofrimento fetal Uma outra questão importante para a redução das taxas de cesa- riana diz respeito ao acompanhamento do bem estar fetal durante (a gestação e) o trabalho de parto. O diagnóstico do sofrimento fetal durante o TP implica na tomada de decisões pelos profi ssionais que assistem a gestante. Pode ser necessário ultimar o nascimento, seja pela realização de um parto instrumental seja pela realização de uma cesariana para evitar danos ao feto. Entretanto, algumas situ- ações podem se apresentar como um falso sofrimento fetal levando os profi ssionais a realizarem procedimentos desnecessários. Assim sendo, alguns estudos tem se voltado para avaliar a melhor forma de se assegurar o diagnostico de sofrimento fetal intra-parto de forma mais acurada. Em uma revisão sistemática58 para avaliar a efetividade da cardioto- cografi a contínua durante o trabalho de parto, doze estudos envolvendo III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 70 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. cerca de 37.000 mulheres foram incluídos, embora os autores ressaltem que apenas dois eram de alta qualidade. Os resultados mostraram que em comparação com a ausculta intermitente, a cardiotocografi a con- tínua não mostrava qualquer diferença signifi cativa na mortalidade perinatal, com redução na freqüência de convulsões neonatais, mas sem diferença nas taxas de paralisia cerebral. Por outro lado, houve signifi cante aumento das taxas de cesariana e de partos instrumentais com a utilização da cardiotocografi a contínua. Os resultados foram considerados válidos mesmo para os subgrupos de gestantes de baixo risco, alto risco e gestações pré-termo. Quatro estudos com cerca de 10.000 mulheres foram incluídos em outra revisão59 para avaliar a utilização do eletrocardiograma fetal em comparação com outros métodos alternativos de monitorização fetal durante o trabalho de parto. Os resultados da revisão mostraram que o uso adicional do ECG fetal esteve associado com menos bebês com acidose metabólica, menos bebês com encefalopatia neonatal, menor necessidade de dosagem do pH em escalpe fetal durante o trabalho de parto e menor taxa de partos vaginais operatórios embora sem redução signifi cativa na taxa de cesariana. Também não houve diferença signi- fi cativa na proporção de escores de Apgar no quinto minuto abaixo de 7 e no número de admissões em unidades neonatais. Uma última revisão sistemática60 avaliou a efi cácia e segurança da oximetria de pulso fetal em comparação com as técnicas tradicionais. Cinco estudos com cerca de 7.400 mulheres comparando a CTG asso- ciada a oximetria de pulso com a CTG isolada revelaram que havia uma redução nas taxas de cesariana indicadas por sofrimento fetal embora sem alterar a taxa de indicações por distocias. Para os autores, os dados dão suporte limitado ao uso da oximetria de pulso fetal para reduzir a taxa de cesariana para fetos com CTG não reativas e apontam a necessidade de um método melhor para avaliar o bem estar fetal durante o trabalho de parto. Os diversos estudos apontam os limites da utilização da cardiotoco- grafi a como método de avaliação do bem estar fetal durante o trabalho de parto e a possibilidade do emprego de diferentes técnicas, nem sem- pre disponíveis em nossa realidade, como formas de confi rmação de diagnósticos de sofrimento fetal feitos através daquele exame. Analgesia Uma outra questão relevante na opção pela cesariana diz respeito ao medo das gestantes da dor ocasionada pelas contrações uterinas III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 71O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. durante o trabalho de parto. Este argumento também é utilizado por alguns profi ssionais que consideram que as mulheres não estariam preparadas para enfrentar “este sofrimento”. Tal questão perde sua razão de ser uma vez que as mesmas técnicas de analgesia regional utilizadas para a realização de uma cesariana podem ser emprega- das para o alívio das dores durante o trabalho de parto. Entretanto, as técnicas tradicionais de analgesia epidural estão associadas com o aumento da duração do trabalho de parto, diminuição da mobilidade materna, maior utilização de ocitocina e maior proporção de partos operatórios inclusive de cesarianas. Assim sendo, ao longo dos últimos anos, novas técnicas de analgesia regional (epidural e raquidiana) vêm sendo propostas com o objetivo de diminuir estes efeitos indesejáveis. Novas medicações têm sido utilizadas assim como novas dosagens e mesmo a combinação de diferentes técnicas de analgesia. Uma meta-análise61 estudou as taxas de parto instrumental e de cesariana em mulheres nulíparas que utilizaram a analgesia epidu- ral de baixa dose de bupivacaina, em contraposição a mulheres que utilizaram opióide por via parenteral como forma de analgesia. Sete estudos preencheram os critérios para participar desta meta-análise. Os resultados mostraram que embora a analgesia epidural não estivesse associada a um aumento das taxas de cesariana, estava associada a um aumento das taxas de parto instrumental e da duração do segundo estágio de trabalho de parto. Os autores apontaram ainda uma maior satisfação das mulheres com o grau de alívio da dor obtido com a analgesia epidural. Outra revisão62 avaliou os efeitos na mãe e no bebê da utilização de analgesia epidural em comparação com a utilização de analgesia não epidural e a não realização de analgesia. Vinte e um estudos envol- vendo 6664 mulheres foram incluídos nesta revisão. Os principais resultados mostraram maior satisfação das mulheres com o grau de analgesia oferecido pela analgesia epidural. Entretanto, esta técnica de analgesia estava associada com um aumento do risco de parto instru- mental embora sem aumentar as taxas de cesariana e sem aumento de riscos para os neonatos. Mais recentemente, foi estudada a utilização da analgesia regional combinada (ARC) com a analgesia epidural tradicional e a analgesia epi- dural com baixas doses63. Os autores revisaram 19 estudos que incluíam um total de 2658 mulheres e analisaram 26 variáveis em dois sets de comparação: ARC versus epidural e ARC versus epidural de baixa dose. Os resultados mostraram que em comparação com a epidural tradicional, a ARC necessitava de menos doses complementares e ocasionava menos III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 74 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. lhamento de gestantes com cesárea anterior na decisão pelo tipo de parto em uma nova gestação avançou em algumas dessas questões, ao incor- porar alguns desses desfechos em sua análise. Foi realizado um estudo multicêntrico, em três clínicas de pré-natal e três consultórios particulares da Austrália, envolvendo 227 mulheres. As gestantes randomizadas para o grupo intervenção recebiam, na 28ª semana de gestação, um material impresso que continha informações baseadas em evidências científi cas sobre riscos e benefícios da prova de trabalho de parto e da cesariana eletiva, num formato que encorajava a leitora a fazer julgamentos sobre as informações apresentadas, de acordo com seus próprios valores, neces- sidades e prioridades. Como resultado, encontraram que a estratégia foi efi caz no aumento do nível de conhecimento das mulheres e na redução do confl ito associado à decisão sobre o tipo de parto após uma cesárea prévia, mas não esteve associada a obtenção do parto desejado. Verifi cou-se que o tipo de parto realizado relacionou-se mais aos padrões assistenciais vigen- tes nos locais onde o estudo foi realizado do que às opções das mulheres. Outras revisões sistemáticas, que avaliaram estratégias direcionadas às mulheres, também se mostraram inconclusivas. Uma delas68, sobre trabalhos educativos individuais ou em grupo durante o pré-natal selecionou nove ensaios clínicos randomizados, envolvendo 2284 mulheres. O único ensaio grande (n=1275) e de boa qualidade metodológica avaliou uma intervenção educativa para aumen- tar o parto vaginal após cesárea anterior, não encontrando diferença na taxa de parto normal entre os grupos intervenção e controle. Outra revisão, sobre atividades educativas com mulheres para o diag- nóstico do início do trabalho de parto69, identifi cou apenas um ensaio clínico randomizado, com limitações metodológicas, envolvendo 245 mulheres. Os autores concluem que, embora teoricamente a educação específi ca das mulheres para o diagnóstico correto do início do trabalho de parto possa trazer resultados benéfi cos, como admissão mais tardia no hospital, menor uso de intervenções obstétricas e aumento da auto- confi ança e redução da ansiedade das mulheres, as evidências sobre essa estratégia ainda são inconclusivas. Uma última revisão70 que avaliou os resultados do fornecimento do registro da assistência pré-natal para as gestantes, para que as próprias o levassem aos serviços de saúde por ocasião dos atendimentos, incluiu três ensaios clínicos envolvendo 675 mulheres. Os autores avaliaram que a evidência científi ca ainda é inconclusiva em relação aos bene- fícios desta estratégia para a mudança de hábitos, controle de fatores de risco e desfechos clínicos, mas sugerem benefícios relacionados a III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 75O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. um maior senso de controle e satisfação das mulheres e maior dis- ponibilidade dos registros relativos à assistência pré-natal durante o atendimento nos serviços de saúde. É importante ressaltar que, embora a evidência científi ca sobre estratégias voltadas para as mulheres visando a redução das taxas de cesariana seja ainda inconclusiva, os autores apontam outros benefícios associados às medidas estudadas, como aumento do nível de conheci- mento das mulheres, da percepção de riscos, da redução da ansiedade materna e de maior satisfação com o cuidado recebido, sugerindo que essas estratégias não sejam negligenciadas. 2.3. Estratégias estruturais Dentre as estratégias ditas estruturais, foram encontradas diversas iniciativas, tais como modifi cações na organização da assistência pré-natal, ao trabalho de parto e ao parto; implantação da segunda opinião mandatória para indicação da cesariana; e atividades de monitoramento ou auditoria dos serviços obstétricos em relação aos partos cesarianos. A implantação do cuidado continuado no pré-natal foi uma das estratégias avaliadas. Esta se caracteriza pela continuidade do cuidado pela equipe de saúde durante o pré-natal, parto e pós-parto, em con- traposição ao cuidado convencional, em que cabe a equipes diferentes o cuidado a cada uma dessas etapas do ciclo gravídico-puerperal. Uma revisão sistemática, realizada em 200071, encontrou bene- fícios associados ao cuidado continuado no pré-natal, como menor taxa de internação hospitalar durante a gestação, maior adesão a programas de educação em saúde no pré-natal, menor uso de analgesia no trabalho de parto, menor necessidade de manobras de ressuscitação para os recém-natos, menor utilização de episiotomia (embora maior proporção de lacerações vaginais ou perineais), e maior satisfação das mulheres no grupo intervenção, não sendo observadas diferenças nos índices de Apgar, baixo peso ao nascer, natimortalidade e neomortalidade. Apesar dos resultados benéfi cos, os autores afi rmavam não haver clareza se os resultados deveriam ser atribuídos ao modelo de cuidado adotado (cuidado continuado) ou ao tipo de profi ssional envolvido na assistência (midwives b), já que nos dois estudos incluídos na revisão o cuidado continuado era fornecido apenas por midwives em compa- b. Midiwives são profi ssionais não médicos com formação e capacitação para assintência ao ciclo gravídico-puerperal III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 76 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. ração ao cuidado convencional prestado por vários profi ssionais. Um estudo posterior72, que incluiu 1089 gestantes com menos de 24 semanas gestacionais e no máximo uma cesárea anterior, avaliou o cuidado continuado prestado por midwives e obstetras, num modelo de base comunitária, em comparação a uma assistência pré-natal con- vencional prestada no hospital local. Como resultado encontrou uma diferença signifi cativa da taxa de cesariana (17,8 no grupo controle, 13,3 no grupo intervenção) sem outras diferenças nos eventos relacio- nados ao trabalho de parto, parto e nos resultados perinatais. Embora o modelo estudado não pareça ter afetado a segurança das mulheres e bebês, a amostra foi pequena para avaliar desfechos menos freqüentes como a mortalidade perinatal. Como o cuidado continuado foi forne- cido por uma equipe de midwives e obstetras, é provável que os bene- fícios encontrados tenham sido decorrentes do cuidado continuado e não do tipo de profi ssional envolvido. Ainda em relação ao tipo de cuidado fornecido na gestação, uma revisão sistemática73 para avaliar os efeitos do suporte social aumentado no pré-natal para as mulheres de alto risco para prematuridade e baixo peso ao nascer, encontrou menores taxas de cesariana, além de melhores resultados psicossociais em alguns estudos. Esse suporte era fornecido por profi ssionais de saúde ou pessoas leigas treinadas, e era composto de suporte emocional e informação, associado ou não a ajuda material. Lauzon e Hodnett74 avaliaram a hipótese de que um programa hos- pitalar de avaliação do trabalho do parto trouxesse benefícios para a mulher. O principal benefício seria postergar a internação até a fase ativa do trabalho do parto, evitando procedimentos desnecessários. Os resultados foram favoráveis, com menor uso de ocitócitos e analgesia, menor tempo de internação e maior sensação de controle pela mulher. No entanto não houve evidência sufi ciente para avaliar o efeito sobre o tipo de parto. Apenas um ensaio clínico foi incluído nesta revisão. Unidades de parto “home-like” foram comparadas com o cuidado convencional, em seis estudos identifi cados por uma revisão sistemá- tica.75 Os benefícios foram de pequena intensidade, mais relacionados à satisfação da mulher e à redução de alguns procedimentos. No entanto, para cesariana, a evidência foi insufi ciente. Uma estratégia estrutural encontrada, relacionada à assistência ao parto, foi a implantação de uma segunda opinião mandatória para a indicação de cesarianas. Nessa estratégia, toda vez que uma cesariana é indicada, é solicitada uma segunda opinião, de um outro médico obstetra, antes que a cirurgia seja realizada. Um ensaio randomizado76 avaliou a utilização da segunda opinião mandatória para indicação de cesarianas que não fossem de emer- gência em hospitais latino-americanos. Foram considerados elegíveis III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 79O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 3. Recomendações e refl exões sobre sua operacionalização Considerando as evidências científi cas disponíveis, podemos deli- near algumas possíveis estratégias de ação: 3.1. Estratégias direcionadas às mulheres 3.1.a. Educação/ informação Embora não existam estudos científi cos que demonstrem a redu- ção das taxas de cesariana com esse tipo de intervenção, os estudos disponíveis sugerem benefícios psicossociais associados ao trabalho educativo com mulheres. Comentários Alguns autores apontam que o trabalho educativo é uma estratégia que poderia alterar, a médio-longo prazo, a demanda das mulheres por cesáreas eletivas77. É fundamental que estratégias educativas sejam direcionadas também à população geral, visando disseminar informações relacionadas às vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de parto, e modifi car o senso comum de que a cesariana é a forma normal de parturição. É importante também que as mulheres sejam envolvidas na formulação das estratégias educativas, para que o conteúdo, a forma de apresentação e a periodicidade das informações fornecidas considerem as necessidades das mulheres no seu processo de tomada de decisão, ressaltando-se que a informação é apenas um dos fatores envolvidos no processo decisório, onde também participam experiências anteriores, contexto cultural, crenças e valores, medo e informação de outras fontes. É importante também destacar que o tipo de informação fornecida; a forma, a época e a periodicidade de forne- cimento da mesma, e os profi ssionais envolvidos nessa atividade, são aspectos importantes a serem considerados e devem ser incluídos nos estudos que visem avaliar esse tipo de intervenção. 3.1.b. Estratégias para garantia do suporte contínuo no parto Esta é uma prática que dispõe de forte evidência científica sobre seus benefícios para a redução da taxa de cesariana, devendo ser garantida em todos os serviços públicos e privados. As evidências apontam que o melhor suporte é aquele fornecido por profissionais que não façam parte da equipe hospitalar. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 80 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Comentários O suporte no parto é recomendado em documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 19851, sendo considerada uma das prá- ticas benéfi cas que devem ser utilizadas rotineiramente na assistência aos partos de baixo risco. O Ministério da Saúde, em suas publicações sobre assistência ao trabalho de parto e parto, incorporou as recomen- dações da OMS, e desde 2001 enfatiza que a presença do acompanhante de escolha da mulher durante o trabalho de parto e parto seja uma prática a ser incorporada por todos os serviços que prestam assistência ao parto78. No âmbito dos serviços públicos, desde a aprovação da lei número 11.108 de 7 de abril de 2005, todos os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, devem permitir a presença de um acompanhante escolhido pela parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Já nos serviços privados, a presença de acompanhante familiar foi recentemente incorporada no novo rol de coberturas mínimas obri- gatórias estipulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (Resolução Normativa nº167, de 10 de janeiro de 2008, seção IV, artigo 16, parágrafo 1). Segundo essa Resolução, a partir de 2 de abril de 2008, as operadoras de planos de saúde terão que oferecer aos benefi ciários de planos contratados a partir de janeiro de 1999, os procedimentos e eventos em saúde previstos nesse rol de coberturas mínimas. Apesar dos avanços no conhecimento científi co sobre o tema e na legislação vigente que garante o direito das mulheres a essa prá- tica, não existem estudos que avaliem a implantação dessa prática em âmbito nacional. Pode-se supor que muitas mulheres ainda não tenham a presença de um acompanhante de sua escolha, tanto no serviço público quanto no privado. Em estudo realizado em duas maternidades privadas do Rio de Janeiro12, verifi cou-se diferença signifi cativa na proporção de puérperas que referiam a presença de um acompanhante familiar durante o trabalho de parto e parto, sendo observado um valor inferior na unidade com atendimento a mulhe- res de menor nível socioeconômico. Mesmo quando a gestante está acompanhada de seu médico particular e de familiares, nem sempre o suporte intraparto está garantido nos componentes que o caracteri- zam: informação, conforto físico e suporte emocional. Já existem evidências demonstrando que o melhor suporte é aquele fornecido por profi ssionais que não façam parte da equipe hospitalar, estando este ator com sua atuação voltada exclusivamente para o for- necimento do suporte. Em alguns países, como nos EUA, e também de III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 81O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. forma incipiente no Brasil, já existem profi ssionais, geralmente deno- minadas de doulas, que prestam este tipo de cuidado, que se inicia no pré-natal e se estende até o parto ou pós-parto imediato. Poder-se-ia pensar na inclusão dessa profi ssional na equipe de saúde, tanto dos serviços públicos como privados, sendo os gastos com o pagamento desse profi ssional compensados pela redução de despesas com parto operatório, parto cesariano e uso de analgesia ou anestesia. Uma outra estratégia possível seria implantar intervenções dire- cionadas aos familiares, visando maior preparação dos mesmos para o fornecimento do suporte, embora não existam estudos que avaliem os benefícios do suporte no parto fornecido exclusivamente por fami- liares. É importante também ressaltar que o acompanhante familiar está envolvido afetivamente com o processo de trabalho de parto e parto, necessitando, muitas vezes, ele próprio de suporte emocional. A sensibilização dos profi ssionais de saúde para a importância do suporte no parto também é fundamental, tanto para a facilitação da presença de acompanhantes de escolha da mulher, sejam eles leigos ou não, quanto para o fornecimento de suporte por eles próprios. Deve-se ressaltar que não foi encontrada redução do parto cesariano associado ao suporte contínuo fornecido por enfermeiros em locais com uso inten- sivo de intervenções médicas, demonstrando os limites dessa estraté- gia se modifi cações no modelo de atenção ao parto, visando menor medicalização de todo processo, não forem realizados79. É importante salientar também que nos locais onde foram realizados esses estudos, as taxas de cesariana são muito inferiores às encontradas nos serviços privados brasileiros, e é possível que resultados diferentes, com maior efeito nas taxas de cesariana, fossem obtidos em nossos serviços; 3.2. Estratégias direcionadas aos profi ssionais 3.2.a. Uso do partograma para monitoramento do trabalho de parto A evidência disponível aponta para o uso do partograma com linha de ação 4 horas após a linha de alerta, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde. 3.2.b. indução do trabalho de parto Em gestações de baixo risco ou risco habitual a recomendação mais adequada parece ser a de deixar que evolua espontaneamente para o trabalho de parto e que quando a gravidez se prolongar após a 41ª III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 84 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Comentários Os benefícios encontrados no modelo que enfatiza a continuidade do cuidado são promissores para o setor público, principalmente no contexto brasileiro de reformulação da atenção básica com expansão da estratégia saúde da família, onde a questão da responsabilização da equipe pela clien- tela adstrita é central, propiciando a continuidade da assistência durante o pré-natal. Entretanto, a continuidade do cuidado até o parto e pós-parto exige maior integração entre os serviços de atenção ambulatorial e hospita- lar, constituindo-se em enorme desafi o para o setor público. Já para o setor privado, a relevância desta estratégia não é tão clara, já que em geral a mulher é acompanhada pelo mesmo profi ssional durante o pré-natal, parto e pós-parto. Para aquelas mulheres que dis- põem de cobertura do plano de saúde para a assistência pré-natal, mas não para o parto, ou vice-versa, a descontinuidade da assistência pode ocorrer. Caso esta situação seja muito freqüente, estratégias específi cas poderiam ser pensadas para esse tipo de clientela. Contatos com a equipe hospitalar, incluindo visita às instalações da maternidade, e trabalhos educativos de preparação para o parto, podem ser adotados. A inclusão da doula na equipe de saúde poderia ser uma outra opção para garantir a continuidade do cuidado. 3.3.b. Estratégias relacionadas à melhoria de qualidade e auditorias Recomenda-se o uso de estratégias multifacetadas, que incluam audi- toria e feedback. A maior redução é obtida nas indicações por distocia, cesariana anterior e sofrimento fetal. A identifi cação de barreiras é um elemento essencial para o sucesso destas estratégias. Comentários O estudo de implantação da segunda opinião mandatória verifi cou que, apesar do resultado favorável encontrado, de redução das taxas de cesariana, apenas 65% dos profi ssionais entrevistados recomendariam a implantação da segunda opinião mandatória nos hospitais privados. Quando se avaliou88 a opinião exclusivamente dos médicos brasileiros que participaram do estudo, foi observado um valor ainda inferior: apenas 30% consideraram viável a implantação dessa estratégia nos serviços pri- vados. As principais razões alegadas foram que os profi ssionais não acei- tam que suas decisões sejam questionadas (30%), que a responsabilidade pelo paciente é exclusivamente do médico atendente (aproximadamente 20%) e que existem outros interesses envolvidos, não necessariamente relacionados à melhor forma de terminar a gestação (13% a 20%). III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 85O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Um estudo qualitativo recente realizado com médicos obstetras e midwives de três hospitais canadenses para avaliar barreiras para a implantação de protocolos clínicos e possíveis facilitadores para sua adoção, verifi cou que a auditoria (peer review) e retorno das informações realizados por profi ssionais identifi cados como forma- dores de opinião foi a medida citada como mais importante. Outras estratégias incluíam trabalhos educativos com as mulheres, envolvi- mento das esferas gerenciais na discussão das barreiras identifi cadas e capacitação dos profi ssionais de saúde89. O estudo conclui que, no processo de implantação de novas reco- mendações, é fundamental a discussão de seu conteúdo com os atores locais, considerando suas percepções na identifi cação de barreiras locais e possíveis medidas facilitadoras, visando tornar as recomenda- ções mais aceitáveis, com maior efi ciência das estratégias propostas. 4. Conclusões Os três tipos de estratégia podem contribuir para a redução de cesarianas desnecessárias, apresentando algumas uma evidência mais estabelecida do que outras. O que é importante ressaltar é que em nenhum dos contextos onde esses estudos têm sido realizados, as taxas de cesariana são tão elevadas e as proporções de cesariana eletivas tão prevalentes quanto em nosso meio. Portanto, algumas das iniciativas que não tiveram resultados tão signifi cativos em outros países têm a possibilidade de conseguir grande impacto em nosso meio. Certamente a principal estratégia a ser buscada no sistema de saúde suplementar brasileiro é permitir que as gestantes entrem em trabalho de parto, e que tenham seu trabalho de parto assistido com práticas cuja efetividade esteja baseada em evidências científi cas. Neste sentido a admissão da gestante ao pré-parto apenas na fase ativa do trabalho de parto pode contribuir para diminuir o número de intervenções des- necessárias e aumentar a possibilidade de um parto normal. O trabalho educativo com as mulheres pode ter um papel relevante no fortalecimento das gestantes em sua opção pelo parto normal, já que diversos estudos já demonstraram que esse tem sido o parto de preferência das mesmas. O suporte continuado no parto também é uma estratégia efetiva e importante de fornecimento de apoio emocional e medidas de conforto físico, para a obtenção de partos mais rápidos, menos dolorosos e com menos intervenções médicas. III. E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 86 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. A estratégia voltada para o profi ssional é provavelmente a mais com- plexa, pela diversidade desses atores, seja em sua formação, capacitação, adesão a um ideário mais ou menos intervencionista, tipo de unidade em que atuam, forma predominante de remuneração, entre outros. Trabalhos educativos direcionados aos profi ssionais são essenciais para a divulgação e progressiva incorporação de protocolos assistenciais baseados em evidências científi cas, bem como para uma nova relação com as usuárias que considere o papel ativo das gestantes na tomada de decisões relacionadas ao seu processo de parto. Entretanto, sabe-se que o trabalho educativo, apesar de importante, é certamente insufi - ciente para a mudança das práticas de saúde, pois outros fatores, além do conhecimento, afetam as atitudes e práticas dos profi ssionais. 90 Outras estratégias podem ser adotadas, como a segunda opinião man- datória; auditoria; envio de relatórios; defi nição de limites máximos para as intervenções obstétricas, associados ou não a sanções fi nanceiras; envolvimento de lideranças locais, considerando-se sempre as carac- terísticas organizacionais de cada local e os efeitos leves a moderados dessas estratégias. Certamente apenas o envolvimento dos gestores e de lideranças locais com a proposta de qualifi cação da assistência e redução das taxas de cesariana pode garantir o sucesso destas iniciativas. Por fi m, é necessário que estudos avaliativos sejam conduzidos, para verifi car a efetividade das intervenções adotadas e contribuir para a construção do conhecimento científi co sobre o tema. 5. 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E st ra té gi as d e re du çã o de c es ar ia na s de sn ec es sá ria s: e vid ên ci a ci en tífi c a ac um ul ad a 90 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. 41. KELLY AJ, KAVANAGH J, THOMAS J. Vaginal Prostaglandin (PGE2 and PGF2a) for Induction of Labour at Term. Cochrane Database Syst Rev, (4):CD003101 (update de 2001), 2003. 42. FRENCH L. Oral Prostaglandin E2 for Induction of Labour. Cochrane Database Syst Rev, (2):CD003098, 2001. 43. KELLY AJ, TAN B. Intravenous Oxytocin Alone for Cervical Ripening and Induction of Labour. Cochrane Database Syst Rev, (3): CD003246, 2001. 44. BOULVAIN M, et al. Mechanical Methods for Induction of Labour. Cochrane Database Syst Rev, (4):CD001233, 2001. 45. BOULVAIN M, STAN C, IRION O. Membrane Sweeping for Induction of Labour. Cochrane Database Syst Rev, (1):CD000451, 2005. 46. O´DRISCOLL K, FOLEY M, MacDONALD D. Active Management of Labor as an Alternative to Cesarean Section for Dystocia. 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Marcos Augusto Bastos Dias, Doutor em Saúde da Mulher Rosa Maria Soares Madeira Domingues, Mestre em Saúde Pública Ana Paula Esteves Pereira, Mestre em Saúde Pública Sandra Costa Fonseca, Doutora em Epidemiologia Silvana Granado Nogueira da Gama, Doutora em Epidemiologia Mariza Miranda Theme Filha, Doutora em Epidemiologia Sonia Duarte Azevedo Bittencourt, Doutora em Epidemiologia Penha Maria Mendes da Rocha, Doutora em Epidemiologia Arthur Orlando Correa Schilithz, Mestre em Saúde Pública Maria do Carmo Leal, Doutora em Epidemiologia Pesquisadores do grupo de pesquisa “Epidemiologia e avaliação de programas sobre a saúde materno-infantil” do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/FIOCRUZ 1. Introdução No Brasil, as taxas de cesariana são bastante elevadas, em torno de 35% e atingem valores ainda maiores nos serviços privados – 70% a 90%1,2. As razões para esta alta prevalência não parecem se relacionar a mudanças no risco obstétrico e sim a fatores socioeconômicos e culturais, destacando-se o controverso fenômeno da “cultura da cesariana”1-5. Argumenta-se que as mulheres brasileiras demandam o parto cesáreo, restando ao obstetra atender a este desejo. Entretanto, Potter et al2 encontraram preferência em torno de 70-80% pelo parto vaginal, em mulheres acompanhadas no pré-natal, tanto no serviço público como no privado. Apesar da preferência, as mulheres no serviço privado tive- ram mais do que o dobro de cesarianas que as do serviço público, principalmente às custas de cirurgias eletivas e/ou decididas nas primeiras horas após a admissão hospitalar. A mudança do tipo de parto, em relação à preferência anterior, parece moldada pela conduta intervencionista do médico4. No caso das cesarianas decididas após a inter- nação, já foi descrita na literatura uma entidade clínica IV . A va lia çã o da d em an da p or c es ar ia na e d a ad eq ua çã o de s ua in di ca çã o em u ni da de s ho sp ita la re s do s is te m a de s aú de s up le m en ta r d o Ri o de J an ei ro IV. A va lia çã o da d em an da p or c es ar ia na e d a ad eq ua çã o de s ua in di ca çã o em u ni da de s ho sp ita la re s do s is te m a de s aú de s up le m en ta r d o Ri o de J an ei ro 96 O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. – “cesariana eletiva intraparto” – na qual o perfi l do médico assistente é o principal determinante da decisão pelo parto cesáreo antes do sur- gimento de uma indicação obstétrica consistente6. Em relação às mulheres que preferem partos cesáreos, observa-se que são mais comumente de nível socioeconômico elevado, de cor branca, têm maior escolaridade e realizam mais consultas de pré-natal3,7,8. Independente do nível socioeconômico, a demanda por cesariana parece se basear na crença de que a qualidade do atendimento obstétrico está fortemente associada à tecnologia utilizada no parto operatório9. Neste trabalho, que avalia a ocorrência de cesariana na rede de saúde suplementar, a hipótese é que a construção da decisão por cesariana como via de parto se processa ao longo da gestação e parto, em três momentos: no início, ao longo da gestação e no momento do parto. No início da gestação, o nível socioeconômico da gestante, seu con- texto sociocultural, experiências reprodutivas anteriores, e informa- ções sobre os tipos de parto, infl uenciariam a escolha inicial. Ao longo da gestação, informações recebidas, intercorrências clínico-obstétri- cas, infl uências familiares e do próprio médico no pré-natal, poderiam modifi car a escolha do tipo de parto, que pode ser feita pela mulher, pelo médico ou por ambos. No momento do parto, fatores relacionados à evolução do trabalho de parto e o próprio tipo de assistência ofere- cida poderiam alterar a escolha fi nal da via de parto. Os principais objetivos deste trabalho foram descrever, em unidades atendidas pela saúde suplementar, as características socioeconômicas, demográfi cas, culturais e reprodutivas de puérperas e os determinantes da decisão por parto cesáreo, bem como avaliar a adequação das indi- cações de cesariana e do manejo do trabalho de parto. 2. Métodos Foi realizado um estudo transversal, em duas unidades hospitala- res do sistema de saúde suplementar do Rio de Janeiro. O critério de escolha das unidades foi, além do volume de partos, a heterogeneidade socioeconômica da clientela, representada pela localização geográfi ca: uma na zona Norte do município do Rio de Janeiro (unidade 1) e outra situada em um município da Baixada Fluminense (unidade 2). Foram elegíveis todas as mulheres – 450 – que tiveram partos vaginais ou cesáreos nas unidades hospitalares selecionadas, nos meses do estudo. Foram escolhidos os meses de outubro e novembro, considerados meses de movimento típico. As entrevistas foram realizadas no mês de
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