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Guias e Dicas
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metodologia da lingua portuguesa, Notas de estudo de Língua Portuguesa

estudos em módulos para melhor entendimento.

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 02/11/2009

osvaldilza-alves-dos-anjos-10
osvaldilza-alves-dos-anjos-10 🇧🇷

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Baixe metodologia da lingua portuguesa e outras Notas de estudo em PDF para Língua Portuguesa, somente na Docsity! 1 FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ DIRETORIA ACADÊMICA NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD METODOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA 2 Sumário: Introdução Módulo I - Pressupostos Teóricos e Metodologia Módulo II – TEXTUALIDADE, TIPOS DE TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS Unidade I: Condições de Textualidade Unidade II: Tipos de Texto e Gêneros Textuais Módulo III - A Produção de Sentido e Informações Não Explícitas Unidade I : Construindo o sentido do texto Unidade II : Nem tudo o que é lido está escrito Módulo IV - COESÃO E COERÊNCIA Unidade I : Coesão Unidade 2: Coerência Módulo V - Literariedade Unidade I: Literário X Não literário Módulo VI - Estilo e Épocas Unidade I: Visões de Estilo Módulo VII - Intertextualidade Unidade I : Texto e Intertexto MÓDULO VIII – GRAMÁTICA E ENSINO Unidade 1 – O “PARA QUÊ” ENSINARMOS GRAMÁTICA Unidade 2 – DOGMATISMO OU DEMOCRACIA? Unidade 3 – A GRAMÁTICA EM UMA PERSPECTIVA TEXTUAL-INTERATIVA Unidade 4 – SOBRE GRAMÁTICA E TEXTO Bibliografia: 5 possível de potencialidades de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidades delas. O ensino produtivo valoriza o respeito à variabilidade lingüística, como também a adequação às diversas situações de interação entre os falantes. Objetivo: desenvolver nos falantes nativos novos hábitos lingüísticos ou facilitar o desenvolvimento daqueles já anteriormente adquiridos. Características: - não preconiza o abandono de hábitos anteriores; - estimula a criatividade do falante. A partir dessas três modalidades apresentadas podemos estabelecer algumas conclusões: a) o ensino prescritivo não deve ser superestimado em detrimento do ensino produtivo; b) as três modalidades de ensino são importantes; c) as modalidades prescritiva e descritiva devem ser vistas como ferramentas fundamentais para o ensino produtivo; d) através do ensino produtivo, o professor deverá criar estratégias para o preenchimento de lacunas sintáticas e semântico-pragmáticas observadas no discurso do aluno, capacitando-o a ser um bom compreendedor e produtor de textos; e) o uso de terminologias deve ser feito com moderação. Atividade: sugestão de fórum de discussão Discuta a seguinte afirmação: “As três modalidades de ensino (prescritiva, descritiva e produtiva) são importantes para formação do saber do aluno”. A partir do que aparece sugerido nos parâmetros curriculares, os professores que trabalham com L1 (língua materna) não devem centrar suas aulas na utilização de teoria gramatical principalmente, somente em cursos que visam à aprovação em concursos de egresso a órgãos públicos e em empresas de economia mista é que tais conhecimentos metalingüísticos devem ser cobrados dos alunos. Sem dúvida alguma, principalmente a partir da valorização das discussões sincrônicas, as várias correntes da lingüística surgidas no século XX, muito têm contribuído para a melhora do ensino de L1. Tal fato aparece refletido nos parâmetros curriculares propostos pelo MEC, bem como nas sucessivas reformulações por que têm passado os manuais didáticos. As questões focalizadas nessa disciplina devem servir de reflexão para nós profissionais que trabalhamos com o ensino de língua materna no ensino fundamental e médio e que aula de língua portuguesa é aula, primordialmente, de compreensão e produção de textos e que não devemos enfocar a gramática pela gramática, tornando-a um fim em si mesma e não um meio. Módulo II TEXTUALIDADE, TIPOS DE TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS Objetivos Específicos: Identificar as condições de textualidade; Distinguir tipo de texto e gênero textual. 6 Unidade 1 Condições de Textualidade Quando pensarmos na palavra texto, imediatamente, várias imagens nos vêm à mente: notícias, poemas, narrativas literárias, letras de canções, bulas de remédio, e-mails, carta de apresentação, currículo, outdoors, anúncios classificados, manual de instruções, gráficos, charges, críticas, editoriais, receitas culinárias, embalagens, discurso de políticos em campanha ou do vendedor ambulante dentro do ônibus...Pode-se mesmo afirmar que vivemos imersos em textos. Mas o que há em comum entre essas diferentes formas de expressão? O que aproxima textos aparentemente tão díspares? Ou, em outras palavras, o que faz do texto um texto? Esta e uma questão que deve ser discutida em um fórum de discussão. De antemão, sabemos que não basta ter um conjunto de frases para se ter um texto. Além de terem de apresentar certa organização, as sentenças devem estar inseridas em dada situação (contexto) para que adquiram sentido. Vamos ver como isso acontece. Compare: (01) Computador – adj. e s. m. 1. (O) que faz cômputos. 2. Calculista. S. m. 3. Aparelho eletrônico capaz de armazenar, analisar e processar dados. (LUFT, Celso Pedro. Minidicionário. 3 ed. São Paulo: Ática & Scipione, 1991.) (02) Computador – Máquina inventada para resolver problemas que não existiam antes da sua criação. (FERNANDES, Millôr. www.recreacao.hpg.ig.com.br/pia_dicionario_alternativo.htm) Trata-se aparentemente de duas definições, ou seja, textos que objetivam explicitar a significação de um vocábulo. No entanto, para que sejam, de fato, compreendidos, faz-se necessária uma contextualização. O texto (01) é um típico verbete de dicionário, com a indicação de dados gramaticais e de diferentes acepções para o termo. Ou seja: sua intenção é especificamente informativa. É exemplo de metalinguagem, isto é, do uso da língua para explicar um vocábulo da própria língua. Já o texto (02), embora supostamente também pretenda definir o mesmo termo, vai partir do princípio de que o leitor já traz um conhecimento a respeito da máquina, evitando apresentar detalhes sobre ela. Note-se que a única tentativa de especificação dos problemas a serem resolvidos pelo computador é aparentemente vaga (“problemas que não existiam antes da sua criação”), porém sem deixar de insinuar que, ao contrário do que apregoa o senso comum, a máquina seria dispensável. Portanto, é sobretudo pela expectativa do locutor de que o leitor já teria consciência do status adquirido pelo computador na sociedade contemporânea que o sentido do texto se constrói. Em outras palavras: a definição de Millôr Fernandes só tem eficácia para quem já sabe minimamente o que é um computador e como funciona. Isto porque, aqui, a intenção do autor vai além da definição: com seu “verbete”, ele pretende, tão-somente, exprimir com humor sua opinião sobre o computador e sobre sua mitificação, relativizando, desta forma, a importância da máquina. Portanto, diferentemente do texto (01), cujo caráter referencial é perfeitamente adequado à forma textual escolhida, o texto (02) assume formato de definição para, na verdade, revelar, de modo aparentemente impessoal, a crítica de quem o escreveu. Convém observar que, para interpretar os dois textos, foi preciso ir além da mera significação das palavras. Foi necessário inseri-las num contexto determinado, que incluía, evidentemente, a intenção do produtor do texto e sua visão de mundo. Então, vamos voltar à indagação inicial – o que faz do texto um texto? –, recuperando alguns itens básicos a respeito do conceito de textualidade: um texto pode trabalhar com signos verbais (palavras orais ou escritas), sons, imagens, formas em movimento; 7 além da organização dos elementos (lingüísticos ou não) que o constituem – organização esta responsável pela construção de sentido –, há referências ao contexto histórico- social em que foi produzido; todo texto traduz um posicionamento diante de uma realidade. Unidade II Tipos de Texto e Gêneros Textuais Inicialmente, procedermos a uma distinção entre tipo de texto e gênero textual, pois tais conceitos – ferramentas básicas em nossa disciplina – costumam gerar algumas confusões. Os tipos textuais podem ser definidos por sua natureza lingüística, ou seja, pelos aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais e relações lógicas. Já os gêneros são os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Vejamos dois exemplos: (03) Reino Unido – Oxford 24 de fevereiro: A professora Cristina da Silva Leme, da USP, profere a palestra As Origens do urbanismo no Brasil e seu impacto nas Transformações das Cidades Brasileiras no Século XX, no Center for Brazilians Studies, 92 Woodstock Road. Informações: www.brazil.ox.ac.uk (Nossa História. Ano 1, n º 4, fev. 2004. p. 96.) (04) 6 de dezembro Deixei o leito às quatro da manhã liguei o rádio para ouvir o amanhecer do tango. ... Eu fiquei horrorizada quando ouvi as crianças comentando que o filho do sr. Joaquim foi na escola embriagado. É que o menino está com doze anos. Eu hoje estou muito triste. (JESUS, Carolina Maria. 1960. Quarto de despejo – diário de uma favelada. São Paulo: Círculo do Livro. p. 131) Uma leitura inicial permite-nos, de imediato, estabelecer diferenças entre os dois textos, classificando o primeiro como um tipo de informação e o segundo como um relato de experiências pessoais. Note-se que se compararmos a estrutura dos dois textos, poderemos observar que, enquanto, em (03), aparece simplesmente um sujeito (“A professora Cristina da Silva Leme”), um predicado (“profere”), no presente, um complemento (“a palestra”) e indicações de lugar (“Reino Unido – Oxford”, “no Center for Brazilian Studies, 92 Woodstock Road”. “www.brazil.ox.ac.uk”) e de tempo (“24 de fevereiro”), em (04), predominam referências temporais (“6 de dezembro”, “às quatro da manhã”, “quando ouvi as crianças comentando”, “hoje”) e locais (“o leito”, “na escola”), estruturadas por verbos que indicam mudança (transformação) de estado (“deixei”, “liguei”, “fiquei”, “ouvi”), o que revela um enunciado indicativo de ação. O predomínio das mudanças de estado dentro de uma seqüência temporal caracteriza os textos narrativos, sejam eles expressos por “páginas de diários”, “romances”, “redações escolares”, “capítulos de novela”, etc. A apresentação de dados sobre eventos – como no texto (03) – , pessoas, lugares, objetos, situações, sem qualquer enunciado que possa ser considerado cronologicamente anterior a outro, caracteriza textos descritivos. Assim, já podemos distinguir um primeiro aspecto entre tipo de texto e gênero textual: a tipologia refere-se a uma espécie de grade, de estrutura teórica básica capaz de abrigar realizações lingüísticas diferenciadas. Já a expressão gênero textual diz respeito ao texto em si, à manifestação lingüística específica, adequada a diferentes situações comunicativas. De acordo com a classificação apresentada pelos teóricos que se ocupam da questão dos gêneros textuais, há cinco tipos de texto: narração, argumentação, exposição, descrição e 10 Condições de Textualidade Tipologia Textual Gêneros Textuais Heterogeneidade Tipológica Signos (lingüísticos ou não) organizados em torno de um objetivo e situados num contexto histórico- cultural. Estruturas teóricas básicas capazes de abrigar diferentes seqüências lingüísticas: narração, argumentação, descrição, exposição e injunção. O texto em si, manifestação lingüística específica. Os diferentes gêneros textuais podem abrigar tipos de textos diversos. Estudamos neste módulo condições de textualidade, tipos de texto e gêneros textuais e, agora, recomendamos, para que você possa prosseguir com sucesso no seu estudo autônomo, a realização da seguinte tarefa: Selecionar dois textos de gêneros diferentes e analisá-los do ponto de vista da tipologia empregada, considerando aspectos como intencionalidade, interlocutor preferencial, tema, seqüências lingüísticas e contexto. Sugestões de sites http://www.angela_dionisio.sites.uol.com.br/images.htm http://www.litterisconsultoria.com.br/arteliana.htm http://www.sbpcnet.org.br/eventos/rrceara/textos/OFP6_Generos_sequencia.pdf www.filologia.org.br/soletras/2/06.htm www.filologia.org.br/vicnlf/anais/os%20generos.htlm MÓDULO III A PRODUÇÃO DE SENTIDO E INFORMAÇÕES NÃO EXPLÍCITAS Objetivos Específicos: Explicitar processos de produção de sentido textual; Relacionar informações explícitas a informações pressupostas e/ou subentendidas. Unidade I Construindo o sentido do texto Quando apresentamos o conceito de texto, ressaltou-se o fato de sua existência encontrar- se atrelada a certo ordenamento lingüístico e a um contexto histórico-social, co-responsável pelo sentido. Todavia, não detalhamos tal funcionamento: A significação de um texto seria determinada por esses dois fatores? Existiria uma única significação? E mais: o leitor que não tiver acesso a tal contexto não poderá alcançar o sentido? Os conceitos de tipos e gêneros textuais interferem na significação? Para começar, faz-se necessário precisar o que entendemos por “sentido” do texto. “Sentido” é o significado que se pode depreender em um contexto específico. A frase “Você tem algum dinheiro?” , por exemplo, tanto pode significar “Você está precisando de dinheiro?” ou “Você quer algum dinheiro?”, num contexto em que o locutor demonstre preocupação em relação à situação financeira do interlocutor, quanto “Você pode me emprestar algum dinheiro?”, numa situação em que o falante pretenda fazer um pedido de modo indireto. O que vai determinar a opção por um ou outro sentido será justamente o contexto no qual o ato lingüístico se insere, incluídos aí, além do conhecimento lingüístico dos interlocutores, informações prévias a respeito do assunto tratado, a intencionalidade subjacente ao ato e o conhecimento de mundo acumulado. Serão as relações estabelecidas entre esses elementos que vão possibilitar a depreensão de sentido, o que vem reforçar a idéia de que o leitor (ou ouvinte) terá de interagir com o texto, ajudando a construir seu significado. 11 Quanto à possibilidade de um texto adquirir mais de um sentido, poder-se-ia pensar inicialmente apenas no texto dito “literário”, de sentido predominantemente conotativo e, conseqüentemente, aberto a várias significações. Porém, essa possibilidade vai além do literário. Vejamos um exemplo: (07) A incrível semelhança entre o Dodô e a água que você bebe Talvez você nunca tenha ouvido falar no dodô, e isso é compreensível. É que desde o século XVIII, este pássaro só é encontrado mesmo nos livros de Zoologia. Original das ilhas do Oceano Índico, o dodô não tinha defesas naturais contra os animais introduzidos pelos colonizadores europeus em seu hábitat e, por isso, começou a desaparecer. O golpe final veio com a caça impiedosa. Os homens acreditavam que existiam tantos dodôs que, por mais que se matasse, sempre apareceriam outros. E assim foi até o dia em que o último exemplar sumiu da face da Terra. A incrível semelhança entre o dodô e a água que você bebe começa aqui. Nunca levamos em conta que a água também não é eterna. Usamos fontes e reservas sem equilíbrio, despejamos esgoto, lixo tóxico e desperdiçamos a água doce em grandes quantidades. Como os colonizadores que extinguiram o dodô, nós também esquecemos de pensar no dia seguinte, e isso a história já provou ser um grande equívoco. O dodô que o diga. (Texto publicado na revista JB Ecológico, em 2003. Fundação ONDA AZUL. www.ondazul.org.br) Num primeiro nível de leitura, observando o texto e a indicação da fonte, pode-se chegar a duas idéias iniciais: 1. as referências históricas sobre o pássaro e sua extinção apontam para o predomínio do caráter informativo sobre o emotivo 2; 2. de acordo com a tipologia textual, o texto divide-se entre a exposição e a narração, no primeiro e no segundo parágrafos, e, no último, o autor faz uso do tipo argumentativo. Em outras palavras, o texto principia com uma exposição de dados a respeito da trajetória de um pássaro até sua extinção para, posteriormente, argumentar contra o desperdício de água no planeta e suas possíveis conseqüências. Convém observar, pois, que, neste nível, concretiza-se uma analogia entre a história do dodô e a da água doce no planeta. Ora, se aprofundarmos um pouco mais nossa leitura, perceberemos também que o texto apresenta um interlocutor explícito, indicado já no título e retomado justamente no terceiro parágrafo, cujo caráter seria mais claramente argumentativo. Tudo isso vem ampliar o universo das questões referentes à intencionalidade para além da informação e da opinião. Acrescentando às informações textuais novos elementos de contexto, tais como o fato de o texto ter sido inicialmente publicado na Revista JB Ecológico (ano 2004) 3 e de fazer parte de matéria publicitária de uma fundação – Onda Azul – , que visa a preservar, conservar e otimizar os recursos hídricos brasileiros e dos ecossistemas associados, podemos aprofundar um pouco mais o nível de compreensão. Como publicidade, a intenção persuasiva se sobrepõe à informativa, justificando, desta forma, a evocação ao leitor e gerando a possibilidade de outra significação: o texto não visa simplesmente a informar sobre a extinção de um pássaro ou a apresentar um ponto de vista sobre o desperdício de água, mas pretende, isto sim, modificar o comportamento do leitor quanto ao consumo de água doce, mostrando que há organizações já engajadas nesse propósito. Note-se que o mesmo texto agora nos permite chegar às seguintes conclusões: 2 JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 10 ed. São Paulo: Cultrix, s.d. 3 Não foi possível recuperar a referência completa. 12 1) ocorre o predomínio da persuasão; 2) informação e opinião vão atuar como argumentos para a persuasão do leitor; 3) os tipos textuais predominantes são a argumentação e a injunção, uma vez que o texto pertence ao gênero publicitário, cujo objetivo é persuadir o leitor em relação a determinada tese. Para chegarmos a tais conclusões, precisamos contar com informações que ultrapassam os dados meramente lingüísticos. Não podemos prescindir, por exemplo, do conhecimento de mundo, que permite identificar o gênero textual, os objetivos da fundação responsável pelo anúncio ou a informação de que a escassez de água doce no planeta vem mobilizando entidades ecológicas. Por isso, podemos afirmar que o sentido de um texto, construído em diferentes níveis, será mais ou menos complexo de acordo com as informações que o leitor (ouvinte) consegue captar do texto, relacionadas a seu conhecimento prévio sobre o assunto desenvolvido e sobre o contexto em que se insere. Unidade II Nem tudo o que é lido está escrito Vimos como a construção do sentido de um texto é um exercício que envolve desde de elementos lingüísticos até a intencionalidade do locutor, o conhecimento do contexto histórico- social em que o texto é produzido ou os conhecimentos prévios que fazem parte da bagagem cultural do interlocutor. Desta maneira, a noção de implícito e explícito deve estar incorporada ao saber daquele que ensina. Como produtores e leitores/ouvintes de textos, lidamos ainda com o não dito. Isto é, com informações que, embora não tenham sido explicitadas, são levadas em consideração por quem fala e/ou escreve e, assim, precisam ser consideradas também pelos leitores/ouvintes na interpretação de textos. Vejamos, inicialmente, alguns exemplos de manchetes de jornal4: (08) Rio ficou sem verba para evitar tragédias. (Jornal do Brasil. Janeiro de 2005) (09) 2005 será tão bom quanto 2004? (Jornal do Brasil. Janeiro de 2005) Em cada exemplo acima, temos duas afirmações: uma explícita, direta, e outra que, embora, não seja claramente expressa pelo texto, pode ser depreendida pela leitura. Vejamos o exemplo (08): Explícito = O Rio de Janeiro não possui recursos financeiros para evitar tragédias. Não explícito = O Rio de Janeiro, anteriormente, possuía recursos financeiros para evitar tragédias. Observe-se que, para chegarmos à informação não dita, recorremos a um termo da própria frase – “ficou” –, pois se é dito que o “Rio ficou sem verba” é porque, antes, o dinheiro existia. Igualmente, no exemplo (09), ao mesmo tempo em que se indaga se 2005 será um bom ano, afirma-se de modo não explícito que 2004 teria sido bom. Note-se que expressão comparativa “quanto 2004” acaba nos levando a uma opinião sobre o ano que terminou. Perceber as informações não explícitas em um texto é fundamental principalmente porque funcionam como recursos argumentativos que objetivam levar o interlocutor a aceitá-las como verdadeiras. Por exemplo, se diante dos textos citados, alguém resolvesse discordar, a conversação só seria possível se a discussão se desse sobre o conteúdo explícito. Seria válido, então, pôr em discussão as razões de o Rio de ter ficado sem verba. Poderíamos argumentar que o estado não estaria sem verba se tivesse se preparado com antecedência para o período das chuvas, ou se aplicasse de maneira racional as verbas federais, ou até mesmo que o estado estaria escondendo ou desviando a verba destinada a esse fim. 4 As referências, infelizmente, estão incompletas. 15 “Dos estrangeiros assaltados, metade diz que vai voltar ao Brasil. Acham emocionante passar por isso, parece turismo de aventura. Esperam encontrar tigres e cobras nas ruas. Não temos isso, temos assalto. Eles comparam a experiência a saltar de pára-quedas do alto de algum penhasco.” (Ângelo Vivacqua, vice-presidente da Associação da Indústria de Hotéis. Nov. de 2004. Jornal do Brasil. Coluna Sete Dias.) Atividade 2 Leia o texto abaixo e explique que fatores garantem seu tom humorístico. Dois amigos conversavam: − Coloquei um anúncio no jornal, pedindo uma esposa. E perguntou o outro: − E muitas mulheres te escreveram? − Mulheres, poucas – disse o primeiro. Mas, maridos, mais de trinta. (Anedotas do Pasquim n º 6 – uma antologia mundial de anedotas de salão. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. p. 27) Respostas: Atividade 1 Podem-se depreender vários pressupostos do texto em questão, dentre os quais, destacamos: 1 º período – Os assaltos em terras brasileiras não chegam a espantar os turistas. 2 º período – Os turistas apreciam os assaltos. 3 º e 4 º períodos – A expectativa dos turistas não é totalmente frustrada graças aos assaltos. 5 º período – Para os turistas, os assaltos são tão emocionantes quanto a prática de esportes radicais. Atividade 2 O aspecto humorístico revela-se com a explicitação do subentendido: ao solicitar uma esposa através de um anúncio classificado, o personagem não contava com as doações de maridos descontentes. Portanto, depreende-se desse fato que o casamento pode não ser uma boa opção. Sugestão de sites www.csonlineunitau.com.br/comu/artigo10.html www.csonlineunitau.com.br/comu/artigo14.html MÓDULO IV COESÃO E COERÊNCIA Objetivo Específico: Diferenciar coesão e coerência, compreendendo sua relevância na construção do sentido textual. Introdução Os fatores de coesão dão os que dão conta da estruturação da seqüência superficial do texto; e os de coerência, os que dão conta do processamento cognitivo do texto e permitem uma análise mais profunda do mesmo. A coesão se dá ao nível microtextual – conexão da superfície do texto, a coerência caracteriza-se como nível de conexão conceitual e estruturação do sentido manifestado, em grande parte, macrotextualmente. Unidade I Coesão Por coesão, compreende-se a forma como os elementos lingüísticos presentes na superfície do texto estabelecem conexões, formando uma unidade significativa. KOCH (2004) divide seu estudo em dois tipos – referencial e seqüencial. I. Coesão referencial: manifesta-se através do uso de pronomes, numerais, artigos definidos, alguns advérbios, repetições, sinônimos, hiperônimos, nominalizações e elipses. 16 Exemplos: 1. O garoto recuou quando viu a mãe. Ele não esperava encontrá-la naquele lugar. (pronomes reto e oblíquo) 2. Separei os cds. Os meus estão na estante. (pronome possessivo) 3. Juliana está vendendo chinelos. Alguns são lindos! (pronome indefinido) 4. Olha, o rádio que você me vendeu não presta! (pronome relativo) 5. A patroa ganhou três vestidos e agora não sabe qual usar! Pode? (pronome interrogativo e elipse) 6. Rita e Paulo viram os três apartamentos que eu indiquei. Mas só gostaram do primeiro. (elipse e numeral) 7. Alcântara é belíssima! Lá, cada janela é uma moldura. (advérbio) 8. Olhava para as unhas roídas. Unhas de menina tímida. (repetição) 9. Convidei todas as crianças do prédio. Quero ver se ele vai resistir, vendo toda a pirralhada aqui, brincando. (sinônimo) 10. Vim procurar umas calças, blusas e saias. Minhas roupas estão horríveis! (hiperônimo) 11. Passou o dia pesquisando na internet. Até que veio o apagão e acabou com a pesquisa. (nominalização) Um aspecto da coesão referencial que merece destaque é a anáfora, que tanto pode se referir, por associação, a termos anteriormente mencionados quanto a referentes não expressos, que só podem ser recuperados pelo processo de inferência. Compare: O restaurante era ótimo. Assim que entrei, o maître foi logo servindo uma dose de vinho do Porto. O escritor já participara de feiras anteriores. Mas demonstrou constrangimento quando um menino perguntou-lhe por que não substituía sua professora de português. No exemplo (34) ocorre uma associação de sentidos, ativada pela referência a modelos cognitivos. O termo maître, a partir de determinado conhecimento de mundo, é facilmente associado a restaurante. Já no exemplo (35) o nível de inferência precisa ser bem mais agudo, pois o “menino” precisa ser associado ao contexto de feiras de livros, que costumam promover debates com escritores destinados a públicos diferenciados. Crianças, inclusive. I. Coesão seqüencial: refere-se aos mecanismos lingüísticos responsáveis por estabelecer, entre os segmentos do texto, vários tipos de relações semânticas e/ou pragmático-discursivas, gerando seqüências. Observe os mecanismos que possibilitam o encadeamento de enunciados: 1) Justaposição (com ou sem articuladores explícitos) Mais uma noite sem jantar. A mulher deixara a geladeira vazia. Lúcia foi ao quintal. Precisava ver se o papagaio estava na sombra. Choveu durante toda a noite. O quarto ficou alagado. Aconteceu uma coisa terrível. A filha da Lu morreu atropelada. 2)Conexão (através do uso de conectores – conjunções, locuções conjuntivas, prepositivas e adverbiais) Luiz foi para Maricá porque era aniversário do filho. (causalidade) Comi tanto que fiquei enjoada. (causalidade) Caso você viaje antes da sexta, leve a mamãe com você. (condicionalidade) Quando quiser jantar, é só falar; já está tudo pronto. (temporalidade/ tempo pontual) Depois que terminar com o computador, leia esses artigos que separei. (temporalidade/tempo posterior) Antes de sair ainda vou refazer aquelas contas. (temporalidade/tempo anterior) Enquanto você usa o micro, vou aproveitar para tirar uma soneca. (temporalidade/tempo simultâneo) À medida que eles forem saindo, vamos recolher as cadeiras e arrumar tudo. (temporalidade/tempo progressivo) Tudo deve ser feito conforme o combinado. (conformidade) 17 Olha, ou você fica quieto, ou não poderá permanecer no ônibus. (disjunção) Não satisfeita em desfilar na Escola de Samba, saiu ainda em cinco blocos. (conjunção/adição) Já passou da hora de comprar uma casa para você, menina. Ou pretende ficar na casinha da mamãe até morrer? (disjunção argumentativa) Corre, que a chuva já começou. (explicação) Você não gostou da tinta? É tão boa quanto a antiga. (comparação) Os pais não lhe deram qualquer apoio. Logo, não poderia mesmo ter um bom rendimento. (conclusão) O Dr. Mário se atrasou muito. Tanto que dois pacientes que chegaram antes de mim acabaram desistindo. (comprovação) Rafael teve seu carro roubado em plena Pça Saens Pena às 7 da manhã. Alliás, na última semana, naquele trecho só teve assalto. (generalização) Vou entregar esta semana a apostila. Ou melhor, vou tentar. (modalização da força ilocucionária) A equipe não me parece confiável. Na verdade, é uma porcaria de time! (correção) Posso passar aí no carnaval. Isto é, se não for incomodar. (reparação) Muitos optaram pelo magistério. Por exemplo, Paulo tornou-se professor de História e Jaqueline, de Francês. (especificação/exemplificação) Enfrentou a pior das dores. Mas não perdeu a vontade de viver. (oposição/contraste) Embora gostasse muito de bossa nova, não pretendia aceitar o convite para o show. (oposição/contraste) Passava o dia cercado de livros. Lia e relia os mesmos trechos. Ligava o computador, procurava mais informações na internet. Encontrava páginas e mais páginas referentes ao assunto. Porém, não conseguia escrever uma linha. (oposição/contraste) Agora, passemos aos níveis apontados por Koch (Idem. p. 92) para as relações entre os segmentos textuais. No interior do enunciado (articulação tema – rema) De um enunciado para outro (progressão com tema constante, progressão linear, progressão com tema derivado, progressão por subdivisão do rema, progressão com salto temático) Identificando, primeiro, a informação temática como a informação dada (conhecida) e a temática, como a nova, examinemos nos exemplos seguintes como tais mecanismos se processam no interior dos textos: a) progressão com tema constante: “O resfriado é o maior problema de saúde pública do mundo e a maior causa de ausência de crianças na escola. Durante o inverno, é também o problema mais freqüente nos consultórios. O pediatra Pedro Paulo Rodrigues, professor da UGF e da Faculdade Souza Marques, garante que não há cura para o resfriado. ‘São mais de duzentos vírus que, a cada ano, fazem mutação genética. Um resfriado costuma durar de 12 a 13 dias, sendo que três a quatro deles com febre, não alta demais. Às vezes, a febre não aparece, apenas os outros sintomas, como tosse, nariz escorrendo, coriza. Se o resfriado ultrapassar esse tempo é porque aconteceu outro problema, como alergia ou sinusite. Não existe resfriado mal-curado’, garante o pediatra.” (Vida. Ano 1, n º 38. 28/08/04. p. 22.) b) progressão linear: “Era uma vez um pobre mendigo. O mendigo tinha um cachorro. O cachorro segurava na boca um chapéu velho e ajudava a apanhar as moedas que algumas almas caridosas jogavam.” (KOCH. 2004. p. 92) c) progressão por subdivisão de um hipertema: O Brasil está dividido em cinco regiões geopolíticas. A região norte compreende a parte do território ocupada pela Floresta Amazônica. A região nordeste tem grande parte atingida por secas periódicas. A região sudeste é a mais industrializada. A região sul recebeu maior número de imigrantes europeus. Na região centro-oeste localiza-se Brasília, a capital do país. (Idem. p. 92-3.) d) progressão por subdivisão do tema: 20 Convém observar que a construção da coerência pode se dar de modo diferenciado de acordo com o gênero textual em questão. Como cada gênero pressupõe intenções e contextos específicos, pode-se afirmar que o que é coerente para um gênero pode não ser para outro. Vejamos o texto que segue: O menor M.B.L. foi atingido logo cedo por uma grande explosão de alegria: descobriu que o emprego aumentou, não houve mais Chacina na Favela e as crianças já não vivem embaixo de viadutos. Além disso, bandidos fogem de novos crimes e não fazem mais vítimas no Rio. Jovens se viciam cada vez mais cedo no esporte. Por falar em esporte, juiz ladrão nem no futebol. E por falar em futebol, o time dele atropelou e escapou do rebaixamento. Parecia uma bola perdida mas o atacante acreditou e fuzilou friamente o goleiro. Depois de tantas notícias boas, ele não resistiu e vibrou de felicidade. Uma leitura inicial – com a observação das seqüências lingüísticas que configuram uma narrativa e das expressões, em negrito, típicas da linguagem jornalística – poderia levar à identificação do gênero como “notícia”. Entretanto, o slogan (Vamos mudar nossa história. Segurança pública. Uma ação de todos nós.) e as referências bibliográficas localizam a “informação” como parte de um propósito publicitário. Ademais, se observarmos o aspecto gráfico do texto, perceberemos que sua construção se deu por “colagem” de trechos de outras notícias, boa parte deslocados de seções policiais. Porém, a função de tais segmentos aqui seria justamente demonstrar a possibilidade de mudança, ou seja, a palavra recontextualizada contribuindo para a transformação social. Neste caso, aquilo que a princípio soaria improvável em uma notícia de jornal, como, por exemplo, “O menor M.B.L. foi atingido logo cedo por uma grande explosão de alegria” ou “bandidos fogem de novos crimes e não fazem mais vítimas no Rio”, vai adquirir aqui nova significação ao reconfigurar o conhecimento de mundo do leitor. Dito de outra forma: em um outro contexto social – e é justamente a visualização dessa possibilidade que interessa ao locutor – , tais construções seriam coerentes. (...) a coerência não é apenas uma característica do texto, mas depende fundamentalmente da interação entre o texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo. (...) A nosso ver há elementos (pistas) no texto que permitem ao receptor calcular o sentido e estabelecer a coerência; mas muito depende do próprio receptor/interpretador do texto e seu conhecimento de mundo e da situação de produção, bem como do seu grau de domínio dos elementos lingüísticos pelos quais o texto se atualiza naquele momento discursivo-comunicativo. Cremos que a coerência, assim, estaria no processo que coloca texto e usuários em relação, numa situação dada.” (grifo dos autores) Op. cit. p. 38 Vamos mudar a nossa história. Segurança Pública. Uma ação de todos nós. RonsonComunicação Inteligência em comunicação ronson@ronson.com.br - Tel.: (21)33258981 21 Logo, será somente a partir da reconstrução dos esquemas cognitivos que se vai poder interpretar o texto. Conclui-se, então, que a construção da coerência, em alguns casos, vai implicar a reestruturação de frames e esquemas cognitivos. Filme recomendado: Edifício Master. Brasil. 2002. Documentário. Duração: 110 min. Diretor: Eduardo Coutinho. Leitura recomendada: SCLIAR, Moacyr. “O anão no televisor”. In: ZILBERMANN, Regina (org.). Os melhores contos: Moacyr Scliar. 2 ed. São Paulo: Global, 1986. p. 191-194. Atividade 1 Leia o texto a seguir, de Fritz Utzeri. O que é jeitinho? Cena um – Vanja Orico, Oscar Niemeyer, dois índios xavantes e o Hotel Nacional (a atriz aponta com um braço o hotel e com o outro apresenta Oscar aos índios). – Este é Oscar Niemeyer, grande arquiteto. Ele fez esse prédio. Os índios entreolham-se com uma expressão incrédula e num instante explodem numa sonora gargalhada e passam a falar em língua xavante, apontando para Vanja, que – sem entender nada – acaba de entrar no livro dos recordes da tribo como a maior das mentirosas. Cena dois – Turista brasileiro (o jornalista Ronald de Carvalho) perdido em Lisboa; uma velha moradora do local e uma pergunta. – Bom dia, minha senhora, a senhora sabe onde fica o Chiado? – Ora essa! E como não havia de saber? Sou alfacinha, nasci aqui em Lisboa, há 76 anos... Mas que pergunta idiota o pá! (e retira-se indignada e rapidamente). Cena três – Um americano, o jornalista John Allius, que viveu muitos anos no Brasil; uma feijoada insistente e uma família do interior paulista, muito hospitaleira. – O senhor quer mais um pouquinho de feijoada? (pela quarta vez). – Pois não – diz Allius, e faz menção de retirar o prato da mesa. – Ora, que maravilha! O senhor gostou mesmo da minha feijoada – diz a dona da casa despejando mais uma generosa concha de feijão do prato do gringo aterrorizado. Os três episódios revelam uma característica muito brasileira, a imprecisão e a flexibilidade de nossa língua e de nosso raciocínio, algo de que até nos orgulhamos, gozando freqüentemente os portugueses e outros estrangeiros “duros de cintura”, mas sem perceber que essa imprecisão e flexibilidade podem explicar muito a nosso respeito, a respeito da maneira como encaramos a vida. No primeiro caso, os índios xavantes nunca entenderiam que Vanja Orico, ao usar o verbo fazer, queria dizer que “ele”, Niemeyer, concebeu, criou o Hotel Nacional. Para eles, fazer é empilhar pedra por pedra. Olhando para a figura do arquiteto e para a mole imponente do edifício, concluíram facilmente que Vanja ou era doida ou mentirosa. O jornalista brasileiro também não foi direto. Se alguém nos perguntar se sabemos onde fica Copacabana ensinaremos o caminho sem qualquer problema, mas para a velha alfacinha o jornalista a estava testando, e não pedindo uma informação. Já o bom americano caiu numa das armadilhas do português. Aqui, “pois não” quer dizer sim e “pois sim” quer dizer não. Enquanto pensava estar recusando um novo prato, nosso gringo arranjava uma indigestão de feijoada. Essa riqueza e ao mesmo tempo imprecisão vocabular e de raciocínio facilitam muito a vida de quem não quer andar na linha. Podemos usar e torcer as palavras à vontade, buscar nas entrelinhas soluções que nos permitam dar “um jeitinho” – outra expressão de grande alcance – em qualquer situação. Daí as palavras e construções muitas vezes incompreensíveis ou dúbias com que nossas autoridades nos brindam freqüentemente, seja pra explicar uma crise, fazer uma lei ou simplesmente assumir um compromisso. Talvez fosse melhor ter uma língua mais pobre, mais enxuta, voltar às origens de nossos antepassados lusos e índios, jogar a metáfora no lixo e adotar o pensamento strictu sensu que tanto ridicularizamos em nossos gajos d´além mar.. Ou, se for muito difícil, a solução seria mudar de regime, voltar à monarquia, mas com uma condição: o rei teria que ser sueco e estaria expressamente proibido de aprender o português do Brasil. Imagino a cara do intérprete ao perguntar-se como traduzir para o sueco termos como 22 “jeitinho”, “fracassomania”, “variação da banda diagonal”, ou simplesmente a expressão “pinta lá em casa” ou “me vê uma cerveja aí”. Garanto que o país ia melhorar e muito. Mas, se algum dia o rei chamasse seu intérprete e – em sueco – perguntasse o que quer dizer “jjj...eai...tinhoo...” estaria na hora de manda-lo de volta rapidinho e buscar outro rei novinho em folha. Jornal do Brasil. 22 de setembro de 1999. 1. Identificar o gênero e a tipologia textual. 2. Comentar as três cenas iniciais, considerando o conceito de coerência. 3. Como relacionar o título ao texto? Respostas 1) Gênero – crônica jornalística Tipologia – O texto é constituído por diferentes seqüências lingüísticas, o que implica a utilização de tipos textuais diversos. (§ 1) Cena um – descritivo (§ 2) – expositivo (§ 3) – narrativo (§ 4) – descritivo (§ 5) – injuntivo (§ 6) – argumentativo e narrativo (§ 7) Cena três – descritivo (§ 8) – injuntivo (§ 9) – injuntivo e descritivo (§ 10) – argumentativo e narrativo (§ 11) – argumentativo e expositivo (§ 12) – argumentativo e expositivo (§ 13) – argumentativo e expositivo (§ 14) – argumentativo (§ 15) – argumentativo e expositiva (§ 16) – argumentativo 2) As três cenas referem-se a fatos que envolvem o uso da língua e os problemas de comunicação gerados por diferenças de registro. Embora não haja uma relação direta entre os acontecimentos, pode-se afirmar que mantêm, entre si, certa coerência, uma vez que todos remetem a situações em que os interlocutores divergem quanto ao sentido dos enunciados. Na cena 1, por exemplo, Vanja Orico atribui determinado significado ao verbo “fazer” diferente do sentido apreendido pelos indígenas. Da mesma forma, na cena 2, a senhora “alfacinha” não entende como apelo a indagação do brasileiro e, sim, como provocação. Finalmente, na cena três, a confusão ocorre devido ao sentido de “pois não” – negativo para o estrangeiro. Como vimos, as cenas estão interligadas por apresentarem um objetivo semelhante, qual seja, ilustrar, através de exemplos da riqueza vocabular da língua portuguesa, aspectos da imprecisão comportamental dos brasileiros. 3) A pergunta apresentada no título não é respondida de imediato pelo texto, pois os parágrafos iniciais reproduzem cenas que aparentemente não mantêm relação imediata com o conceito de “jeitinho”. No entanto, a partir do § 11, o autor passa a relacionar os episódios narrados àquilo que denomina “imprecisão e flexibilidade de nossa língua e de nosso raciocínio”, tentando, desta forma, identificar uma das manifestações – neste caso, lingüística – do chamado “jeitinho” brasileiro. 25 • “(...) É preciso fazer alguma coisa, e faço. Me mexo dentro do aparelho, produzo estalos e rangidos. (...)”. p. 194 Observe-se que, neste caso, por se tratar de um texto literário, o conceito de coerência manifesta- se de forma diferente daquela de um texto informativo, por exemplo. Aqui não podemos avaliar os fatos narrados a partir de sua coerência em relação a fatos externos, e ainda que haja na narrativa uma inversão de papéis, pois quem está dentro da tv é que assiste às cenas do cotidiano, pode-se dizer que existe verossimilhança. Isto é, existe uma coerência lógica, interna ao texto, já que os fatos narrados não são gratuitos, têm motivação e, conseqüentemente, geram outros fatos. Exemplo disso é a reação do narrador quando vê Gastão se insinuando para o empregado. Ele produz ruídos que, de certa forma, perturbam Gastão em sua investida. A ponto de este, após ter tido frustrada sua tentativa de conquista, decretar metonimicamente o fim do anão: • “– Este aparelho já foi bom. Mas já deu o que tinha que dar. Acho que nem funciona mais.” p. 194 e ligar o aparelho, ignorando o apelo do narrador. Convém notar, contudo, que a atitude de Gastão não parece ser gratuita. O próprio narrador sugere por vários momentos que seu encarceramento ocorrera como uma espécie de concessão: • “Foi Gastão que trouxe o televisor para o apartamento”; p. 191 • “Quando o vigia desliga a chave geral fogem as oitenta imagens, ficam escuras as oitenta telas. De nenhuma – e isto Gastão me repete constantemente – de nenhuma espreitam olhos. De nenhuma – diz, um tom de censura na voz. De nenhuma! – muito desgostoso.”; p. 191 • “Dou graças a Deus que ele me traz comida – uns sanduíches muito mal preparados e leite frio.”; p. 192 • (...) “os empregados já se despediram, já se foram – e ele ainda não veio de tirar daqui. Eu poderia sair sozinho, se quisesse. Mas não quero. Ele sabe que tem de vir me buscar. Mas não, se faz de bobo.” p. 192 A coerência do texto manifesta-se também em relação às figuras que o compõem. Mesmo em relação a seu aspecto mais esdrúxulo – a presença do anão no televisor –, temos referências ao fato de ele não ser visto de fora, de o pequeno espaço ser-lhe incômodo, da impossibilidade de permanecer na tv quando estar está ligada. Todos esses aspectos repercutem no plano argumentativo, uma vez que a condução do discurso pelo narrador personagem torna-se convincente. Um outro fator que contribui para a coerência do texto é a conexão entre seus vários enunciados, ou seja, a coesão resultante das diversas relações de sentido existentes. No caso do conto lido, vamos observar o papel de alguns elementos na construção dessa conexão. Tais elementos poderão promover a articulação por referência ou garantir o aspecto seqüencial do texto. No primeiro parágrafo, para enfatizar o inusitado de sua condição – “ser anão e viver dentro de um televisor” –, o narrador recorre a uma expressão concessiva: “ainda que seja um televisor gigante, a cores – é terrível” (p. 191). Com isso, seu argumento ganha força: sua vida é, de fato, difícil. Porém, na seqüência, como resolve apontar uma vantagem, necessita recorrer mais uma vez à concessão – “mas (...) quando o aparelho está desligado a gente pode observar, através dela, cenas muito interessantes (...) “ Nos três parágrafos seguintes, o autor praticamente não utiliza conectivos (as exceções são duas conjunções – uma aditiva e outra final – no 2 º parágrafo). Esse recurso, sem impedir que sejam criadas relações de sentido, parece dar maior dinamismo à narrativa. Principalmente quando associado a outros recursos. Observe os exemplos abaixo: 1) “Gastão pode ter quantos televisores quiser; ele agora é o dono da loja.” 2) “O primeiro piso é o território dos televisores; há cerca de oitenta em exposição, em filas – um batalhão de televisores, de todos os tamanhos e formatos, coloridos ou P&B, todos ligados no mesmo canal.” 3) “Uma cara sorridente – oitenta caras sorridentes; uma arma disparando – oitenta armas disparando.” 26 4) “De nenhuma – e isto Gastão me repete constantemente – de nenhuma espreitam olhos. De nenhuma – diz, um tom de censura na voz. De nenhuma! – muito desgostoso.” Em 1, existe uma relação da causalidade entre as duas orações, já que o fato de ele poder ter quantas tevês quiser deve-se à sua condição de dono da loja. Em 2, destacamos a utilização de termos diferentes para retomar anaforicamente o termo “televisores”: um numeral (“oitenta”), um termo coletivo (“batalhão”) e um pronome indefinido (“todos”). Em 3 e 4, a repetição não constitui um defeito, mas adquire efeito de ênfase. Destaca-se ainda o fato de, no exemplo 4, o autor ter recorrido à elipse do termo tela: “(...) de nenhuma [tela] espreitam olhos.” Moacyr Scliar utiliza ainda outros mecanismos de coesão. Veja: 5) “(É curioso eu ter lembrado esta frase. Era a minha primeira fala na peça em que Gastão e eu trabalhávamos. [...] Ele sorria e me tomava nos braços. Isso, noite após noite.)” 6) “Os empregados já apareceram na porta, já perguntaram se o patrão precisava de alguma coisa, ele já disse que não, que não precisava de nada, os empregados já se despediram, já se foram – e ele ainda não veio me tirar daqui.” p. 192 Em 5, destacamos dois casos de anáfora: o primeiro representado pela expressão “esta frase”, que repete o último período do parágrafo anterior; o segundo, através do pronome “isso”, remete-se à rotina da peça teatral. No exemplo 6, a repetição do advérbio já indicando passado, anterioridade, associada à enumeração de um série de ações, acentua a idéia de demora do personagem. Outro exemplo de repetição enfática seria o do trecho: “E é bonito, este diabo... barba bem aparada, unhas manicuradas – é bonito, reconheço, o coração confrangido. É bonito – mas não vem me buscar.” p. 192 Sites recomendados www.pead.letras.ufrj.br/tema02/conectividade.html www.pead.letras.ufrj.br/tema09/coerenciacoesao.html www.ipv.pt/millenium/ect8_pol.htm www.leffa.pro.br/profs_escrever.htm MÓDULO V LITERARIEDADE Objetivos Específicos: Reconhecer aspectos específicos do texto literário. Unidade I Literário X Não literário Carta Há muito tempo, sim, que não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias. Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (...) O que há de mais importante na literatura, sabe? é a aproximação, que ela estabelece entre seres humanos, mesmo à distância, mesmo entre mortos e vivos. O tempo não conta para isso. Somos contemporâneos de Shakespeare e de Virgílio. Somos amigos pessoais deles. (ANDRADE, Carlos Drummond de . Tempo, vida e poesia. Rio de Janeiro: Record, 1986. p. 58) 27 (tão leves) que fazias no meu rosto: são golpes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças. A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias “Deus te abençoe”, e a noite se abria em sonho. É quando, ao despertar, revejo a um canto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Lição de coisas. In: ____. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 490.) Rio de Janeiro, 11 de julho de 2003.6 Querida mamãe, Desejo encontrá-la bem e com perfeita saúde e dizer o quanto sinto saudades do nosso convívio natural de mãe e filha. Apesar dos nossos desencontros impostos pelas circunstâncias, muitas vezes contrárias a nossa vontade, estou disposta a superar todas essas dificuldades e recebê-la no meu coração, como a Senhora é, não como eu gostaria que fosse. Assim sendo, sugiro que faças o mesmo, esquecendo a filha imaginária que você criou e me aceite como sou. Pretendendo vê-la breve e estar informada mais detalhadamente sobre sua saúde, Com muito carinho, sua filha, XXXXXXXXXXXXXXXX (Domingo. Ano 28, n º 1420, 20 de jul de 2003. p. 15.) Diferenciar o texto literário do não-literário pode, a princípio, parecer uma tarefa simples. Comparando os textos acima, de imediato se percebe que o (71) apresenta um título e é organizado em estrofes compostas basicamente por versos decassílabos. Já o (72) assume o formato de uma carta, está distribuído em parágrafos e apresenta as marcas específicas desse gênero textual: localidade, data, saudação, despedida, assinatura. No entanto, se ambos se pretendem cartas, como diferenciá-los? O principal fator a ser considerado é a função do texto. Em (72), o propósito é explícito: uma filha pretende obter informações sobre o estado de saúde da mãe e reatar laços outrora desfeitos. O caráter “utilitário”7 é, portanto, predominante e baseia-se em referências concretas. Em (71), também temos um filho dirigindo-se à mãe para relatar a saudade da infância, do carinho materno. Entretanto, não se pode afirmar que seja esse o principal objetivo do texto. Trata-se aqui de um homem maduro (a quem, como a qualquer outro, os sofrimentos, as decepções deixaram marcas) “fazendo um balanço” de sua vida e percebendo que o “saldo” da passagem do tempo foi sobretudo a perda da esperança. Procedemos, então, à leitura da “carta” como à de uma reflexão sobre a passagem do tempo, diluídas aí as referências individuais. Porém, para a leitura do texto literário, não basta compreender o conteúdo. O plano da expressão, a forma como texto é construído torna-se tão relevante quanto o próprio significado. 6 Segundo informação da revista Domingo, “alguns nomes foram embaçados nas reproduções das cartas para preservar o anonimato”. 7 PLATÃO & FIORIN (1991). p. 350. 30 a) Epigrama significa uma pequena composição em verso. Neste caso, o tema é o tempo. O eu poético dirige-se à Felicidade, personificando-a (v. 2, 3 e 6), para discutir a passagem do tempo, a efemeridade das coisas. A ela são atribuídas as seguintes características e ações: CARACTERÍSTICAS AÇÕES “precária”, “veloz”, “coisa estranha”, “dolorosa” “custas a vir”, “quando vens, não te demoras”, “ensinaste aos homens que havia tempo”, “fizeste a vida ficar triste” Definida atribuição de ensinar aos homens a noção da temporalidade, a felicidade adquire papel central na existência humana. É só por ela que se vive. É por ela que se contam as horas. Mas, justamente por essa associação ao tempo, a Felicidade assume um caráter paradoxal: “Custas a vir, e, quando vens, não te demoras (....) / (...), és coisa estranha e dolorosa. / Fizeste para sempre a vida ficar triste.” Conclui-se, assim, que a felicidade é fugaz e com, isso, sobram horas não felizes. Sobra tempo para pensar nos momentos felizes que não vieram ou nos que passaram: “porque um dia se vê que as horas todas passam, / e um tempo, despovoado e profundo, persiste”. Observe-se ainda que a linguagem usada é figurada, permitindo, por exemplo, a personificação da felicidade e o paradoxo que a sustenta. b) O texto Vestibular começa num tom narrativo, semelhante ao de uma notícia: “Paulo Roberto Parreiras / desapareceu de casa. / Trajava calças cinzas e camisa branca / e tinha dezesseis anos”. Mas logo percebemos que seu objetivo não é meramente informativo, pois há uma tentativa de aproximar o leitor da dor vivida pelo personagem: “Parecia com teu filho, teu irmão, / teu sobrinho, parecia / com o filho do vizinho (...)”. E só então o eu poético identifica a razão da fuga de Paulo: ele não passou no vestibular. O modo narrativo prossegue, porém com inserções de questionamentos (“De vergonha? De raiva? / (...) Não basta / estudar?”). A partir da terceira estrofe, o eu poético vai revelar sua solidariedade ao rapaz, dirigindo-se diretamente a ele. Então, o tom argumentativo vai prevalecer, com a tese: embora o sistema educacional seja injusto e não garanta vaga aos que estudam, isso não é motivo para fuga. Ao contrário, encarar a “derrota” seria um outro vestibular. Assim, percebe-se que o objetivo não seria simplesmente apresentar dados sobre a trajetória de Paulo Roberto ou consolá-lo em sua dor, mas mostrar que esta é uma espécie de “prévia” do amadurecimento. A dor e o desencanto dizem respeito a todos os seres humanos e “Tudo que posso dizer-lhe / é que a gente não foge da vida, / é que não adianta fugir. / Nem adianta endoidar.” A vida, pois, adquire no texto o sentido da grande prova por que passamos, diariamente, com ou sem mérito. ATIVIDADE 2 A canção que segue se encaixa no perfil traçado para os textos literários? Justifique sua resposta com dados analíticos sobre o texto. Eu te amo Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir 31 Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu Como, se na desordem do armário embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair Não, acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir (Tom Jobim – Chico Buarque. 1980. In: HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p.184.) Sim, porque o eu poético, para desenvolver o tema do inconformismo diante do fim da relação, faz uso da função poética destacando o plano da expressão. Note-se que a declaração de amor é toda feita em linguagem figurada, permitindo múltipla interpretação. Vejamos alguns exemplos: a) Hipérbole: “rompi com o mundo” (= a vida, as pessoas, nada mais faz sentido) b) Metáforas: “jogamos tudo fora” (= abrimos mão do que conseguimos), “queimei meus navios” (= destruí meu futuro, minhas metas, minhas perspectivas), “nas travessuras das noites eternas / já confundimos tanto as nossas pernas / diz com que pernas eu devo seguir” (= depois de tantas noites ardentes de amor, como posso prosseguir sozinho?),“entornaste a nossa sorte pelo chão” (= desperdiçaste nossa sorte), “na bagunça do teu coração” ( = na desordem da tua vida afetiva), “meu sangue errou de veia e se perdeu” (= me aproximei tanto de você que perdi minha identidade), “te dei meus olhos pra tomares conta” (= depositei minha confiança em você, te dei o poder de dirigir minha vida); c) Personificação: “meu paletó enlaça teu vestido / e o meu sapato inda pisa no teu” (= nossas coisas estão completamente misturadas, atadas, unidas) d) Comparação: “se nos amamos feito dois pagãos” (= se nos amamos com inteira liberdade, sem limites) Vale ressaltar também o recurso das rimas (AAB), reforçando o ritmo e destacando a correlação entre algumas palavras (por exemplo, “perdemos” X “jogamos”; “hora” X “fora”). Assim, há uma preocupação não apenas com o conteúdo do texto, mas sobretudo com a forma como tal sentido foi construído. Sugestões de sites www.pead.letras.ufrj.br/tema04/textoliterario.html www.uninet.com.br/niteroi/nmdp_018.htm www.estacaodasletras.com.br/rodas02.asp 32 MÓDULO VI - ESTILO E ÉPOCAS Objetivos Específicos: Identificar os principais fatores que caracterizam um estilo. Relacionar estilo e época. Distinguir diferentes abordagens (psicologizante, sociologizante e formalista). Unidade I Visões de Estilo De acordo com POSSENTI (2001), tradicionalmente, a crítica literária vem abordando esse tema seguindo uma das três concepções de estilo: a) Psicologizante, que vê a obra como revelação da subjetividade do escritor; b) Sociologizante, que relaciona a produção literária a aspectos sociais e ideológicos que lhe são contemporâneos; c) Formalista, que tenta ver a obra apenas em sua manifestação artística, sem a interferência de fatores autobiográficos e contextuais. Dentro da concepção dita “psicologizante”, o estilo é visto como um desvio em relação a uma norma, caracterizado na literatura pela rejeição ao corriqueiro, ao lugar-comum próprio da linguagem diária. A interpretação do leitor, nesse caso, seria construída a partir de um “estranhamento”, que ativaria a reflexão sobre a linguagem empregada. Diferentemente, a visão “sociologizante” de estilo insere a criação artística no processo sócio- cultural, relacionando-a a convenções sociais e artísticas de uma época. Nesse caso, até mesmo para caracterizar uma obra como original, inovadora, faz-se necessário um contraponto com a produção artística vigente. Já a abordagem formalista vai enfocar o estilo de um ponto de vista interno à obra. Isto é, vai caracterizá-lo pela forma como o material lingüístico é trabalhado e pelos efeitos estéticos produzidos. Note-se que todas essas acepções contêm aspectos relevantes e não excludentes, que podem ser associados no estudo de um texto. Por exemplo, quando se considera o contexto sócio-cultural em que uma obra foi produzida, ou as intenções do escritor, as condições de enunciação, criam-se mecanismos para melhor compreender referências, omissões, linguagens, possibilitando a construção da coerência. Porém, a compreensão não pode prescindir das escolhas lingüísticas e dos efeitos daí derivados. Exemplos: O assassino É caminhoneiro, viaja por todo o país, às vezes mais de mês fora de casa. Quando encontra a mulher grávida, o tipo fica possesso: – Meu? Esse aí? Nunca que é! A moça, muito religiosa, ele o único homem. Feliz que terá enfim companhia nas longas ausências do marido. Cada vez que ele chega: – Não é meu esse bicho. E xinga: – Dessa barriga o pai não sou. Repetir repetir – até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo. (BARROS, Manoel de. Livro das ignorãças. 10 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 11. 35 Ao final, como que tomado também por um “excesso nostálgico”, o articulista pede uma pausa às preocupações, à “discurseira” eleitoral, às “inquietações de todos os gêneros”, ou seja, ao seu próprio “estilo” de jornalismo e convoca os brasileiros ao cinema e à felicidade. Seria interessante se pudéssemos, agora, analisar outros textos desses dois autores para observar como as formas por eles escolhidas de certa forma se repetem, contribuindo para reforçar sua significação. Como isso não é possível neste trabalho, fica a sugestão. Com isto, concluímos reafirmando que o que vai definir o estilo é a recorrência de marcas de conteúdo e de expressão, que conferem uma espécie de “personalidade”, de “originalidade” ao discurso. Do mesmo modo como as jogadas de Pelé conferiram ao espetáculo do futebol sua singularidade. Atividade O texto seguinte (fragmento), de Carlos Drummond de Andrade, também tem Pelé como tema. Mas, você vai perceber que o poeta faz o uso de outros recursos expressivos (aliterações, assíndetos, ecos, neologismos, rimas, etc.) para louvar o atleta. Selecione alguns desses recursos e comente seus efeitos expressivos e, em seguida, estabeleça uma comparação com o texto Ser feliz é ver Pelé em campo, tendo por base os gêneros textuais e os recursos formais utilizados por cada autor. Letras louvando Pelé Pelé, pelota, peleja. Bola, bolão, bolaço. Pelé sai dando balõezinhos. Vai, vira, voa, vara, quem viu, quem previu? GGGGoooolll. Menino com três corações batendo nele, mina de ouro mineira. Garoto pobre sem saber que era tão rico. Riqueza de todos, a todos doada na ponta do pé, na junta do joelho, na perna do peito. E dança. Bailado de ar, bola, beijada. A boa bola, bólide, brasil-brincando. A trave não trava, trevo de quatro, de quantas pétalas, em quantas provas, que se contam? Mil e muitas. Mundo. Gol de letra, de lustre, de louro. O gol de placa, implacável. O gol sem fim, nascendo natural, do nada, do nunca: se fazendo fácil na trama difícil, flóreo, feliz. Fábula. Na árvore de gols Pelé colhe mais um, receita rara. E não perde a fome? E não periga a força? E não pesa a fama? Ama. Ama a bola, que o ama, de mordente a amor. Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se. “Vem comigo”, e entram juntos na meta. Quem levou quem? Onde um termina, e a outra começa, mistura fina. Saci-pererê, saci-pelelê, só pelê, Pelé, na pelada infantil. Assim se forma um nome curto, forte, aberto. Saci com duas pernas pulando por quatro? Nunca vi. Nem eu. Mas vi. Saci corta o ar em fatias diáfanas, corta os atacantes, os defensores, saci-bola, tatu-bola, roaz, reto, resplandece. (...) (ANDRADE, Carlos Drummond de. Quando é dia de futebol; pesquisa e seleção de textos de Luís Maurício G. Drummond e Pedro Augusto G. Drummond. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 205-6.) Atividade 1 Destacamos alguns efeitos expressivos: 1) aliterações: insistente repetição dos fonemas /p/ e /b/, sugerindo, além da associação Pelé = bola, a própria sonoridade de um bate-bola; repetição do fonema /v/, evocando rapidez, velocidade, em : “Vai, vira, voa, vara, quem viu, quem previu?” 2) alterações no significante produzindo significados de sentido metafórico: “Saci-pererê, saci- pelelê, só pelê, Pelé, na pelada infantil”, com associação do jogador a imagens que remetem à infância, à brincadeira, o que também se revela em “menino com três corações batendo nele”. Há ainda metáforas que remetem ao prazer, à leveza, como em “E dança. Bailado de ar.” 36 3) associações de significantes, sugerindo carinho e intimidade entre o jogador e a bola: “Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se.” 4) paradoxo: revela o espanto diante “garoto pobre sem saber que era tão rico”; “se fazendo fácil na trama difícil”; “Saci com duas pernas pulando por quatro? Nunca vi. Nem eu. Mas vi.” 5) assíndeto: a ausência de conectivos conferindo certo dinamismo à narração, como em “Vai, vira, voa...”, ou ainda acentuando a gradação como em “Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se.” Comparando, agora, este texto com o de Augusto Nunes, pode-se afirmar que, embora tratem do mesmo “personagem”, o de Drummond utiliza-se de uma linguagem poética, metafórica, explorando recursos sonoros próprios da poesia para descrever a magia que Pelé criou em campo. Já o de Augusto Nunes vai lançar mão de recursos próprios da argumentação para defender sua tese de que o país deveria fazer uma pausa para a felicidade assistindo ao filme Pelé Eterno. Porém, quanto à subjetividade, podemos encontrá-la também no de Augusto Nunes através do uso da ironia e da figuratividade das hipérboles. Sugestões de sites www.jornalismo.cee.ufsc.br/gratex1.html www.radames.manosso.nom.br/retorica/estilo.htm MÓDULO VII INTERTEXTUALIDADE Objetivos Específicos: Identificar o intertexto como fator de coerência; Estabelecer relações intertextuais. Unidade I Texto e Intertexto É a referência (explícita ou implícita) de um texto a outros, ditos “intertextos”. (Entenda-se “texto”, aqui, em sentido amplo: orais, escritos, cinema, artes plásticas, música, publicidade, etc.). Explícita: quando tais referências são feitas diretamente, com a indicação da fonte (intertexto). Exemplo: resumos, resenhas, citações, etc.; Implícita: quando um texto “dialoga” com outro sem indicar objetivamente o intertexto. Exemplo: B. O intertexto Funcionam como intertextos: frases famosas, provérbios, trechos de obras literárias, textos publicitários, bordões de programas humorísticos ou de novelas, etc. Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele se ajoelhar Se ele se rasgar todo Não acredita não, Teresa É lágrima de cinema É tapeação Mentira CAI FORA (BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: Manuel Bandeira: poesia e prosa. v. II. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958. p. 77.) 37 “Canção do exílio” (Gonçalves Dias), que serviu de base para inúmeras recriações, inclusive não literárias. “Até que a bebida nos separe.” (Veja, 16 de março, 1988, mensagem da AAA. Apud KOCH. 2004. p.149.) “Quem vê cara não vê AIDS.” (Veja, 17 de fev., 1988, propaganda do Ministério da Saúde. Idem p. 149) C. Manifestações e Funções da Intertextualidade Considerando a intertextualidade de forma ampla, pode-se afirmar que ela é praticamente onipresente. Isto devido a quase impossibilidade de produzirem-se textos que não façam referência a outros ou à “memória coletiva, a memória de um grupo ou de um indivíduo específico” 9. Conversas telefônicas, canções, textos didáticos, canções, filmes, propagandas..., enfim, nosso discurso se constrói a partir de outros. De acordo com KOCH & TRAVAGLIA (1989. p. 88-89), a intertextualidade pode se manifestar a partir dos seguintes fatores: Como referência ao conteúdo: Exemplos: textos (teóricos, publicitários, literários...) que se remetem a conteúdos de outros textos, artigos jornalísticos que comentam (explicitamente ou não) uma fala ou um acontecimento já noticiado, etc.; Como referência a fatores formais e/ou a modelos cognitivos globais ou a fatores “tipológicos”: Exemplos: textos que “imitam” o estilo de determinado autor, textos que tentam seguir o “formato” de outros, etc.; Já FIORIN (2003) utiliza outra nomenclatura para processos semelhantes – a citação, a alusão e a estilização. No primeiro, referindo-se somente a textos literários, o autor inclui indiferentemente os que mantêm ou alteram o sentido do intertexto, como no exemplo (75), em que Manuel Bandeira “brinca” com os versos românticos de Joaquim Manuel de Macedo: Mulher, irmã, escuta-me: não ames. Quando a teus pés um homem terno e curvo Jurar amor, chorar pranto de sangue, Não creias, não, mulher: ele te engana! As lágrimas são galas da mentira E o juramento manto da perfídia. 9 MATEUS, Mira et alii,.1983. Apud MOTTA MAIA. p. 4. “A intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo.” (FIORIN, José Luiz. Polifonia textual e discursiva. In: ___ & BARROS, Diana L. P. de. Dialogismo, polifonia e intertextualidade. São Paulo: EDUSP, 40 c) O autor faz três citações literais e, com o intuito de demonstrar sua atualidade, procura fundamentá-las com exemplos contemporâneos. Por exemplo, quando se remete a Mario de Andrade, o autor apresenta problemas do Brasil de hoje, tais como a fome e o analfabetismo, freqüentes sobretudo nas periferias dos centros urbanos. Posteriormente, quando se refere à frase de Euclides da Cunha – “Estamos condenados à civilização.” –, ele concorda com o autor de “Os sertões”, ainda que com a ressalva da visão contemporânea: “Mesmo que seja um cenário de bárbaros com celular.” A única discordância ocorre em relação ao pronunciamento de Chico Buarque, considerado muito pessimista pelo cronista. d) A intertextualidade objetiva, neste caso, mostrar que o país pouco evoluiu e que as observações de seus intelectuais, quase um século depois, infelizmente, ainda têm aplicabilidade. Atividade II Leitura e produção de texto Texto 1 Recado de Primavera Meu caro Vinícius de Moraes: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera – acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui da minha casa vejo uma vaga espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris. O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico- tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho em uma touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos. Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus. Setembro, 1980 (BRAGA, Rubem. Recado de Primavera. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 1985. p. 107-8.) Texto 2 Recado de primavera Meu caro Rubem Braga: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou. Na véspera da chegada, não sei se lhe contaram, você virou placa de bronze, que pregaram na entrada do seu prédio. O próximo a ser homenageado é seu amigo Vinícius de Moraes, e é essa lembrança que me faz parodiar o “Recado de Primavera”, que você mandou ao poeta quando ele se tornou nome de rua. 41 Sua crônica foi lida na inauguração da placa, durante uma cerimônia rápida e simples, para você não ficar irritado. A idéia foi da Confraria do Copo Furado, um alegre clube de degustadores de cachaça que não existia no seu tempo. Antes que alguém dissesse “mas como, se Rubem só tomava uísque!”, o presidente da confraria, Marcelo Câmara, se apressou em lembrar que Paulo Mendes Campos uma vez revelou que o maior “orgasmo gustativo” do velho Braga, na verdade, foi bebendo uma boa pinga num boteco do Acre. Paulinho, que deve estar aí a seu lado, só faltou dizer que você sempre foi um cachaceiro enrustido. Temendo uma bronca sua, Roberto, seu filho, fez tudo na moita: não avisou a imprensa e não comunicou nada a nenhuma autoridade ou político. De gente famosa mesmo só havia Carlinhos Lira e Tônia Carrero. Aliás, sua eterna musa declamou aquele soneto que você ficou todo prosa quando Manuel Bandeira incluiu numa antologia, lembra-se? Tônia se esforçou para não se emocionar, e quase conseguiu. Mas quando aquela luz do meio-dia que você tanto conhece bateu nos olhos dela, misturando as cores de tal maneira que não se sabia mais se eram verdes ou azuis, viu-se que estavam ligeiramente molhados, mas todo mundo fingiu que não viu. Depois da homenagem, subimos até a cobertura. Não sei se você sabe, mas Roberto levou uns quatro meses reformando o terraço. Agora pode chover à vontade que não inunda mais. O resto está igual: as paredes cobertas de quadros e livros, o sol entrando, a vista do mar. Quando chegamos à varanda, achamos que você estava deitado na rede. O pomar, mesmo ainda sem grama, está um brinco e continua absolutamente inverossímil. “Como é que ele conseguiu plantar tudo isso aqui em cima?”, a gente repetia, fazendo aquela pergunta que você ouviu a vida toda. Os dois coqueiros que lhe venderam como “anões” já estão com mais de três metros de altura. As duas mangueiras, depois da poda, ficaram frondosas e enormes, uma beleza. Vi frutinhas brotando nos cajueiros, nas pitangueiras e nas jabuticabeiras, pressenti promessas de romãs surgindo e esbarrei em pés de araçá e carambola. Agora, há até um jabuti. As palmeiras que ficam no canto – se lembra? – estão igualmente viçosas. Roberto jura que não é forçação retórica e que de madrugada vem um sabiá-laranjeira cantar ali, diariamente, acordando os galos que deram nome ao morro que fica atrás. Assim, sua cobertura é a única que tem palmeiras onde canta o sabiá (Roberto faz questão de dizer “a” sabiá, em homenagem ao Tom). Há um outro mistério. Maria do Carmo, sua nora, conta que o pastor alemão, Netuno, de sobrenome Braga, que você conheceu, pegou todas as suas manias: toma sol no lugar onde você gostava de ler jornal de manhã, resmunga e passa horas sentado, com as duas patas pra frente, apreciando o mar. A diferença é que dessa contemplação ainda não surgiu nenhuma crônica genial. Mas muita coisa mudou, cronista, nesses 16 anos. As “violências primaveris” de que você falava na sua carta a Vinícius não são mais o “mar virado”, a “lestada muito forte” ou o “sudoeste com chuva e frio”. Não são mais licenças poéticas, são violências mesmo. Para você ter uma idéia, a primavera desse ano foi como que anunciada por um cerrado tiroteio bem por cima de sua cobertura: os traficantes do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho voltaram a guerrear. Você deve ter visto aí de cima os tiros riscando a noite, luminosos, como na Guerra do Golfo. Estamos vivendo sob fogo cruzado. Ainda bem que nenhuma bala perdida atingiu seu apartamento. Por milagre, aquela parede de trás ainda está incólume. O tempo vai passando, cronista. Chega a primavera nesta Ipanema, toda cheia de lembranças dos versos de Vinícius, da música de Tom e de sua doce é poética melancolia. Eu ainda vou ficando por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. E temendo, como todo mundo, as balas pedidas. Adeus. (VENTURA, Zuenir. Jornal do Brasil. 28 de setembro de 1996.) A crônica de Rubem Braga foi escrita em 1980 e exterioriza suas impressões sobre a passagem do tempo e as transformações que dela decorrem. Quase vinte anos depois, Zuenir Ventura retoma o tema, respondendo ao cronista. Agora, você também vai participar desse “papo”. 42 Escreva um recado ao “poetinha” e aos dois cronistas – Rubem e Zuenir –, falando não apenas de Ipanema ou do Rio de Janeiro, mas do nosso país e das transformações que você observa. Lembre-se de que, em uma crônica, podem se alternar, diferentes tipos textuais. Atividade 2 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência, domínio da norma culta e criatividade.) Atividade III Leia o trecho da entrevista de Carlos Drummond de Andrade e escreva uma resenha crítica sobre a entrevista, considerando o tratamento dado à intertextualidade. Atividade 3 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência e domínio da norma culta.) Atividade IV Você vai “se apropriar” do conto Penélope, de Dalton Trevisan, considerando o que você conhece da personagem homônima de Homero, e construir uma narrativa que se relacione com ele por imitação ou por subversão. Seu texto deverá ser narrado em 1a. pessoa, sob a ótica feminina. Atividade 4 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência, domínio da norma culta e criatividade.) Sites recomendados www.pead.letras.ufrj.br/tema02/intertextualidade2.htm www.fazeraprender.hpg.ig.com.br/FilosofiaeEducacao/trabalhos/T-AlineOliveira-EFE.htm MÓDULO VIII – GRAMÁTICA E ENSINO Ao longo do curso, quase integralmente, defendemos o ensino da gramática. Vimos que é uma prática de por mais que tenha sido (ou ainda seja, em alguns casos) árida na maior parte do tempo, é necessária à formação do aluno. Digo árida porque essa prática, além de contar com definições por vezes inconsistentes e incoerentes em livros (também chamados de gramáticas), contou (e, às vezes, ainda conta) com a postura obsessiva e despreparada de professores em relação à norma-padrão. Refletimos ao longo da apostila o quão importante é a ação encorajadora do professor, que deve desenvolver esse conhecimento sim, mas não de maneira obsessiva. Ele deve fazer a comunhão entre o formal e o funcional. Além de retomarmos essas questões de maneira conclusiva, acentuaremos, neste módulo, a perspectiva textual-interativa da gramática. Se analisarmos a gramática com os alunos sob o prisma do funcionamento da língua em vez de encará-la de uma forma correta de dizer as coisas, perceberemos que seu o ensino se confunde com a produção de texto (ainda que sejam pequenos enunciados). Enriquecemos este módulo com um exemplo de TRAVAGLIA sobre como ensinar o artigo definido nessa perspectiva formal-funcional. Unidade 1 – O “PARA QUÊ” ENSINARMOS GRAMÁTICA Se perguntarmos a professores e alunos quais são as finalidades do ensino da gramática na escola, a resposta provavelmente será algo como: “Melhorar o desempenho lingüístico do aluno, pois a partir do conhecimento de regras e normas do padrão culto, ele terá 45 Concluímos, portanto, que só de posse desse instrumento é que podemos perceber o sentido de nossa existência e interagir na sociedade. Ao ensinarmos a língua portuguesa nas escolas para alunos falantes nativos (nossos conterrâneos!) pretendemos muito mais do que transformá-los em analistas capazes de identificar unidades e funções gramaticais. Pretendemos que eles desenvolvam competência comunicativa. Ou seja, sejam capazes de utilizar cada vez mais um maior número de recursos da língua de forma adequada. a) à possibilidade de produzir os efeitos e sentido desejados; b) ao atendimento de normas sociais de uso da língua em face a tantas variedades lingüísticas; c) ao direcionamento argumentativo; d) a exigências diversas como estética, polidez, etc. É isso que chamamos de competência comunicativa. É o conjunto de conhecimentos lingüísticos e não meramente teóricos que o estudo da gramática coloca à disposição do usuário como produtor e receptor de sentido através de seus textos (orais ou escritos). Segundo TRAVAGLIA, importa muito mais ao aluno discutir a diferença de sentido entre as diversas formas de ordenar, por exemplo, do que aprender puramente os conceitos de imperativo ou presente do indicativo. Como se pode perceber, um ensino de gramática preocupado com a qualidade de vida precisa necessariamente trabalhar com as possibilidades significativas dos recursos lingüísticos e sua condição de uso para produzir efeito na interação comunicativa. Unidade 4 – SOBRE GRAMÁTICA E TEXTO Vimos discutindo neste e em outros módulos questões pertinentes à prática de ensino da língua portuguesa. Dentre as tantas questões abordadas estão a finalidade de ensino, a atitude do professor diante de tantas variedades lingüísticas, a concepção de linguagem, gramática e texto e a inter-relação entre esses elementos no ensino/aprendizagem na sala de aula. Baseamos nossa idéias no que há de mais sério no que diz respeito às recentes publicações de estudiosos como BECHARA, AZEREDO, BAGNO, TRAVAGLIA e outros. Defendemos a idéia (assim como tantos outros autores) de combinar o formalismo – o estudo formal, teórico da língua – e o funcionalismo – os vários sentidos que podemos significar em nossa interação comunicativa. Contudo, há ainda uma questão que precisamos considerar: a dicotomia texto/gramática. É comum ver o tratamento diferenciado que o texto e a gramática recebem como se eles fossem coisas distintas. Reitero a afirmação de TRAVAGLIA, já considerada no capítulo anterior de que tudo é gramatical é textual e tudo que é textual é gramatical. Não poderia deixar de ser assim visto que quando estudamos aspectos gramaticais da língua portuguesa, por exemplo, estamos estudando os recursos que ela oferece para que o usuário produza o seu texto (oral/escrito) com o efeito de sentido que pretende para atingir o seu interlocutor. Da mesma maneira, ao estudarmos os aspectos textuais da língua, estudamos como esses recursos (nos planos fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático) funcionam na interação comunicativa. Vamos avaliar um exemplo claro que TRAVAGLIA dá em seu livro Gramática – Ensino Plural (2003p. 46-54) evidenciando que não há uma separação entre gramática e texto. Verifique como ele aborda o conceito gramatical de artigo. “Tratando dos chamados artigos, podemos discutir com os alunos: a) a existência de um tipo de recurso na língua que alguns chamam de artigo e outros de pronome e outros ainda vêem como um morfema marcador de gênero e número; b) que há dois tipos de artigo: o definido e o indefinido; 46 c) que tipos de instrução de sentido esse recurso, isolado pela teoria como um tipo de unidade da língua, pode trazer para o texto. No final de um estudo sobre o chamado artigo nosso aluno pode saber: 1) dizer o que é um artigo; 2) dizer qual a classificação dos artigos; 3) listar os artigos; 4) classificar os artigos; 5) identificar artigos em seqüências lingüísticas; 6) discutir se o artigo é uma classe de palavras à parte ou um tipo de pronome, se ele nem é uma classe de palavras mas apenas um morfema. (...) Exemplo (1): a - * Os estes/alguns meninos estão alegres. b - * Uns estes/alguns meninos estão alegres. c - * Os meus meninos estão alegres. 7) saber usar na construção a compreensão de textos os recursos da língua chamados de “artigos” com base no conhecimento das instruções de sentido com as quais estes recursos são capazes de contribuir para a produção de sentido em um texto, permitindo a comunicação numa situação de interação comunicativa. Neste caso podemos trabalhar com os alunos as seguintes questões: a) as instruções de sentido básicas desses recursos da língua, normalmente especificadas na teoria lingüística, os artigos definidos apresentam entidades como definidas, conhecidas dos interlocutores e os indefinidos as apresentam como indefinidas, desconhecidas (...). b) alguns efeitos de sentido mais freqüentes derivados desses valores básicos (...). Exemplo (2) a) O preço da entrada é X. b) O preço de uma entrada é X. c) O preço de entrada é X. O texto em (2 a) é um texto que poderia ser usado em qualquer situação em que se pretende dizer quanto custa a entrada, o ingresso para algo, por exemplo, para um show, inclusive poderia responder à pergunta “Qual é o preço da entrada?”. Já (2b) só poderia ser usado, por exemplo, em uma situação em que se discute o valor da entrada para se comprar uma só ou muitas. Talvez como parte de um texto maior como “O preço de uma entrada é R$ 10,00; mas, quando a gente compra mais de dez, eles fazem cada uma a R$ 7,00 (...). Já (2c) não se refere a ingresso, mas a outro tipo de entrada: é o começo de participação em algo, como ser sócio de um clube, por exemplo: -“Quanto paga para ser sócio do seu clube? / - O preço de entrada é R$ 1000,00, depois você paga uma mensalidade de R$ 30,00”. Exemplo (3) a) João levou seu sobrinho ao parque. O menino pulou no lago para nadar. b) João levou seu sobrinho ao parque. Um menino pulou no lago para nadar. Nos textos de (3) a diferença entre a e b é de referência e é causada pelo uso de recursos diferentes (artigo definido ou indefinido) na segunda frase do texto: em a “sobrinho” e “menino” são a mesma pessoa, mas em b “sobrinho” e “menino” são duas pessoas diferentes. Inclusive, o sobrinho de João pode não ser um menino, pode ser um rapaz, um adulto. Exemplo (4) a) O grupo do Rio, composto pelos países latino-americanos, decidiu que... b) O grupo do Rio, composto por países latino-americanos, decidiu que ... Em (4) a diferença entre a e b é conseqüência do uso ou não do artigo definido contraído com a preposição (pelos x por). O texto significa que o grupo do Rio é formado por todos os países latino-americanos, enquanto o de b significa que o grupo do Rio é formado apenas por alguns países latino-americanos. Dessa forma, se confrontarmos com a realidade, apenas um texto é verdadeiro: o texto b. Num telejornal de uma de nossas redes de televisão, um jornalista, ao dar uma notícia sobre o grupo do Rio, usou o texto de a, que é falso, e por isso construiu inadequadamente o seu texto para a situação, pois deveria usar b para passar a informação correta. Este é um valor do artigo definido: indicar quantidade, expressando totalidade. Assim, se se disser “João comeu bolo” entender-se-á que ele comeu todo o bolo, o bolo inteiro. Para se produzir outro efeito de sentido (de não totalidade) temos que usar “João comeu do bolo”. Já em 47 “João comeu bolo” tem-se a indicação do tipo de coisa que ele comeu (substância), sem referência à quantidade (...). Os aspectos apresentados nos itens de 1 a 6, no início deste artigo, constituíram uma parte da teoria lingüística ou gramatical que se preocupa basicamente com a identificação dos tipos de unidades e recursos de que a língua dispõe, sua classificação, identificação, estruturação. Já o que foi apresentado em 7 e nos comentários dos exemplos constituiria uma parte da teoria lingüística ou gramatical que se preocupa basicamente com o funcionamento dessas unidades e recursos na constituição de textos para produção de determinados efeitos de sentido, pode-se dizer num plano mais semântico e pragmático e no nível textual-discursivo. Pode-se afirmar que a primeira parte é um requisito para a segunda, ou melhor ainda, faz parte da segunda. Desta forma, acreditamos que, se deixarmos de dividir essas duas partes em gramatical e textual, como fossem coisas distintas e estivermos convencidos de que texto é apenas um resultado da gramática da língua em múltiplos planos e níveis, que texto é a gramática da língua em funcionamento, para comunicar por meio de efeitos de sentido, deixaremos de ter no ensino da língua materna a atitude de achar que gramática e texto são coisas distintas e que têm de ser tratadas separadamente por terem pouca ou nenhuma relação entre si (...)”. EXERCÍCIOS 1 – Faça um relatório das principais dificuldades que um professor de língua portuguesa de ensino fundamental/médio enfrenta em sala de aula e apresente, se forem possíveis, sugestões para a solução dessas dificuldades. 2 – Consulte em uma gramática escolar ou livro didático um ponto gramatical de sua escolha para analisar como este foi abordado pelo autor. 3 – Elabore um planejamento de aula; de algum ponto gramatical relacionando aspectos formais e funcionais (ao mesmo tempo). Grande parte das regras normativas apresenta graus de elevada incoerência e mistura de descrições sincrônicas e diacrônicas. Vejamos alguns exemplos: 1) o verbo pôr pertence à 2ª conjugação porque vem do antigo poer Para explicar que o verbo pôr pertence à 2ª conjugação, o professor não precisa percorrer nenhum caminho diacrônico, basta que mostre que a vogal temática e , que caracteriza os verbos de 2ª conjugação é recuperada em alguns tempos verbais: pusera pusesse puseras pusesses pusera pusesse puséramos puséssemos puséreis pusésseis puseram pusessem Assim, evitar-se-ia misturar descrições diacrônicas e sincrônicas. 2) Se apresentarmos as palavras fidalgo vinagre freguês primavera
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