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Guias e Dicas
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Tratado de Fonoaudiologia Otacílio Lopes Filho, Notas de estudo de Fonoaudiologia

Tratado de Fonoaudiologia Otacílio Lopes Filho

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 19/07/2010

thais-ribeiro-souza-11
thais-ribeiro-souza-11 🇧🇷

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Baixe Tratado de Fonoaudiologia Otacílio Lopes Filho e outras Notas de estudo em PDF para Fonoaudiologia, somente na Docsity! Deficiência Auditiva 1 Audiologia Clínica 2 Fonoaudiologia Prática Deficiência Auditiva 5 rioneurais podem também apresentar perdas de audição localiza- das, como nos traumas acústicos ou nas deficiências auditivas induzidas pelo ruído. Aos testes de diapasão, o Rinne costuma ser positivo, o Weber lateraliza para o lado melhor e o Schwabach está encurtado. A discriminação auditiva costuma estar compro- metida de maneira variável. Na maioria das vezes, sua alteração é proporcional à perda auditiva, pode ser um pouco menos acentuada quando o perfil audiométrico é plano e mais acentuada quando a lesão é neural. Deficiência auditiva central É relativamente rara, mal conceituada e definida. Certos pacien- tes, embora supostamente apresentando audição normal, não conseguem entender o que lhes é dito. Quanto mais complexa a mensagem sonora, maior dificuldade haverá. Muitos testes têm sido desenvolvidos para o diagnóstico adequado destas lesões, mas poucos parecem ter sido efetivos e empregados na prática clínica. Um destes testes, o SCAN (Screening Test for Auditory Disorders), tem o objetivo de determinar possíveis comprometimentos do sistema nervoso central na criança. Para adultos, existem os testes desenvolvidos por Katz, Keith e Jerger, porém ainda não aplicados entre nós. Há quase sempre outros distúrbios neurológicos mais sérios que terminam por predominar no quadro clínico geral. Deficiência auditiva mista Esta perda auditiva apresenta-se com características diver- sas das anteriores, pois, dependendo do predomínio do fator de condução ou da gravidade da lesão sensorial, apresentará ca- racterísticas diferentes. Em tais casos poderemos dizer que a audição pela via aérea é pior que a óssea, a discriminação auditiva FIGURA 1.1 – Corte das três orelhas (externa, média e interna) com a limitação topográfica das lesões fundamentais: condutivas, sensoriais e neurais. 6 Fonoaudiologia Prática pouco comprometida, ausência de reflexo do músculo do estribo (quando a lesão localiza-se na orelha média), e os testes de diapasão são difíceis de ser interpretados, especialmente nos casos unilaterais. Podem representar um estágio evolutivo avan- çado de certas lesões condutivas (como na otospongiose), quan- do estas comprometem as espiras basais da cóclea. Deficiência auditiva funcional Neste tipo de disfunção auditiva (também denominada de pseudo-hipoacusia, quando simulada), o paciente não apresen- ta lesões orgânicas no aparelho auditivo, quer periférico ou central. A dificuldade de entender a audição pode ser de fundo emocional ou psíquico, podendo sobrepor-se a alguma lesão auditiva prévia, apresentando pioras bruscas do quadro clínico. Representam um grande desafio à audiologia clínica e torna-se difícil determinar, em certas situações, se é uma simulação ou é orgânica. Alguns testes, como o de Stenger e métodos eletrofisiológicos, têm possibilitado algum progresso neste diagnóstico. DEFINIÇÕES É fundamental o conhecimento adequado dos termos empre- gados para exprimir as várias formas de deficiência auditiva, a fim de evitar confusões, especialmente numa área onde a maioria dos termos é de conceituação recente e em função do emprego de novas técnicas de semiologia. Foi HALLOWELL DAVIS, em seu livro HEARING AND DEAFNESS, quem procurou definir de modo correto estes termos. Hipoacusia A hipoacusia expressa uma diminuição na sensitividade da audição. Há uma diminuição dos limiares auditivos sem, no entanto, expressar qualquer alteração da qualidade da audição. Assim sendo, na hipoacusia o paciente escuta menos os sons menos intensos, mas, com o aumento da intensidade da fonte sonora, ele poderá escutar de modo bastante adequado. As perdas de audição relativas à hipoacusia são expressas em decibels, nas curvas audiométricas. Para DAVIS a hipoacusia se inicia quando a perda de audição é maior que 27 dB NA na média das freqüências da fala e vai até 92 dB NA. Disacusia A disacusia expressa um defeito na audição. Defeito este que não pode ser expresso em decibels. Nela, as alterações da discriminação auditiva são as responsáveis pela qualidade da audição. Nestes pacientes, mesmo que se aumente a intensidade Deficiência Auditiva 7 da fonte sonora, não vão conseguir entender perfeitamente o significado das palavras, embora possam ouvi-las. Os pacientes costumam dizer que escutam, mas não entendem. As disacusias, portanto, representam deficiências de audição do tipo sensorio- neural. As disacusias podem estar, ou não, associadas à hipoacu- sia, como ocorre nas lesões centrais. Este conceito de disacusia é o definido por H. DAVIS e por nós aceito. Há, no entanto, inúmeros autores nacionais que não aceitam a terminologia definida por DAVIS e reconhecem por disacusia qualquer perda de audição, quer seja condutiva, sensorioneural, mista (disacusias periféricas) ou central (disa- cusia central). Assim sendo, em outros capítulos deste livro poderemos encontrar o termo disacusia como sendo sinônimo de hipoacusia ou, genericamente, de deficiência auditiva, etc. Entretanto, nem sempre as hipoacusias estão acompanhadas de disacusia. Surdez A palavra surdez tem sido empregada para designar qual- quer tipo de perda de audição, parcial ou total. Recentemente, a surdez adquiriu novo significado. Surdo é um termo muito forte e depreciativo da condição do indivíduo, daí a tendência atual em utilizar “deficiência auditiva” em seu lugar. Concordamos com DAVIS, quando procura dar à palavra surdez uma definição mais precisa. Em inglês deafness tinha o mesmo significado que surdez, sendo substituída mais recentemente por hard of hearing, e deafness passou a significar perda de audição profunda, isto é, quando a média das três freqüências da fala é maior que 93 dB NA. Surdez significa audição socialmente incapacitante. O surdo é incapaz de desenvolver a linguagem oral, evidentemente por- que não a ouve. Os limiares auditivos destes pacientes são de tal forma elevados, que não conseguem escutar o som de modo adequado. Escutam ruídos, mas não sons. As perdas de audição são maiores que 93 dB nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz (como sugere DAVIS). Anacusia Literalmente significa falta, ausência de audição. É diferente de surdez, onde há resíduos auditivos. Na anacusia, o comprome- timento do aparelho auditivo é de tal ordem que não há nenhuma audição. AVALIAÇÃO DA AUDIÇÃO A avaliação da função auditiva pode ser feita através de vários testes que nos informam sobre a sua origem, localização, qualida- de, evolução, prognóstico, etc. Os testes mais empregados são os 10 Fonoaudiologia Prática CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA CONDUTIVA POR ALTERAÇÃO NA ORELHA EXTERNA As obstruções em nível do meato acústico externo, que impeçam a passagem do som pela via aérea, poderão ser respon- sáveis por perdas do tipo condutiva. São de diagnóstico muito fácil em virtude da objetividade do exame da orelha externa. Entre as mais freqüentes encontram-se: Agenesias do meato acústico externo – Podem ser uni ou bilaterais. Estas displasias podem comprometer também a orelha média, constituindo-se num problema de solução mais difícil, espe- cialmente quando bilaterais. O estudo radiográfico, especialmente a tomografia computadorizada, mostrará a sua real gravidade. Síndrome de Treacher Collins – É uma síndrome que se caracteriza por deformidades dos pavilhões e meatos acústicos, podendo haver malformação de martelo e/ou bigorna; apresen- tam os olhos inclinados para baixo devido à hipoplasia das maxilas; e mandíbulas hipodesenvolvidas. Estenoses adquiridas – Podem ser traumáticas ou pós- inflamatórias ou mesmo pós-cirúrgicas. Exostoses (osteomas) – Quando fecham completamente o meato acústico, determinam perdas auditivas consideráveis. A remoção desta afecção é muito trabalhosa, especialmente quan- do não se pode conservar a pele do meato acústico externo. Nestes “osteomas”, pequeno acúmulo de cerume será suficiente para provocar a sensação de hipoacusia. Cerume impactado – O cerume, quando excessivo e mesmo impactado, pode provocar uma perda condutiva considerável. A sua remoção, muitas vezes trabalhosa, determinará uma recuperação imediata da audição. As glândulas ceruminosas estão situadas no FIGURA 1.2 – Malformação da orelha externa. Estas malformações costumam estar acompa- nhadas de outras na orelha média. Deficiência Auditiva 11 FIGURA 1.3 – Malformação do meato acústico externo, com pavilhão da ore- lha pouco comprometido. Nestes casos, as malformações da orelha média, quan- do existem, são de menor gravidade. terço externo do meato acústico, ali acumulando o cerume. O hábito de limpar o canal auditivo com “cotonetes” provoca o acúmulo de cerume no fundo deste canal, uma vez que o “cotonete” acaba por empurrar o cerume para dentro. Em pessoas que trabalham em locais com muita poeira, ou mesmo naquelas que têm muitos pêlos no canal auditivo, é um achado freqüente. O curioso é que a perda de audição é súbita (com sensação de orelha entupida) e quase sempre em seguida a banho ou após nadar. A remoção deste cerume deve ser feita com irrigação da orelha, com água ou solução fisiológica morna, evitando-se o uso de “estiletes” que podem ferir o canal. Em algumas oportunidades pode ser removido por delicada aspiração. Sua remoção com pinças só deverá ser feita com muito cuidado, com adequada iluminação. FIGURA 1.4 – Síndrome de Treacher Collins. 12 Fonoaudiologia Prática Canal colabado – É um artefato que pode determinar o encontro de uma perda condutiva, pela compressão do trago sobre o canal auditivo, determinado por uma menor elasticidade dos tecidos neste nível. É especialmente encontrado em pesso- as idosas, nas quais há uma perda do tecido elástico subcutâ- neo. Nestas pessoas, um especial cuidado deverá ser tomado durante o exame audiométrico. Otite externa difusa – O edema inflamatório provoca uma perda condutiva. Corpos estranhos – Da mesma forma que o cerume, uma vez obstruindo o meato acústico externo, provocam diminuição de audição com características condutivas, da mesma forma que tumores (cistos, carcinomas, etc.). CAUSAS POR AFECÇÃO NA MEMBRANA DO TÍMPANO As perfurações, dependendo de seu tamanho ou localização, poderão determinar perdas auditivas de graus variados. Aquelas de localização nos quadrantes superiores provocam perda de grau leve. Quando localizadas nos quadrantes inferiores, ou mesmo quando englobam o cabo do martelo, as perdas são maiores. Quando as perdas são maiores que 30 dB NA, a presença de perfurações também pode representar outros com- prometimentos da cadeia ossicular, havendo maiores perdas auditivas especialmente quando houver descontinuidade da mes- ma. As perfurações timpânicas costumam ser a expressão de processos crônicos na orelha média. Flacidez e retrações podem determinar diminuição da audição pela perda da elasticidade da membrana do tímpano, ou por aumento de sua tensão, comprometendo a sua vibração. Da mesma forma que as perfurações, sua localização também deter- mina perdas auditivas de graus variáveis. Quando estas perdas FIGURA 1.5 – Acentuada retração da membrana do tímpano por disfunção tubária crônica. A membrana do tímpano encontra-se aderida à bigorna formando um miringo-incudopexia. Deficiência Auditiva 15 FIGURA 1.7 – Síndrome de van Der Hoeve. tico preciso da lesão e será a timpanotomia que levará ao diagnóstico definitivo. Otospongiose é a causa mais freqüente de deficiência audi- tiva progressiva, com membrana do tímpano normal. A presença de surdez progressiva em adulto jovem, uni ou bilateral, sem antecedentes inflamatórios e com antecedentes familiares de surdez, deve ser suspeitada como otospongiose. A associação de uma audiometria do tipo condutiva com imitanciometria revelando curva timpanométrica baixa e ausência de reflexos dos músculos do estribo é patognomônica de otospongiose. A síndrome de van Der Hoeve representa a associação de uma doença óssea sistêmica com fragilidade dos ossos, fraturas múltiplas (osteopsatirose, osteogênese imperfecta) de caracterís- tica familiar, esclera azul e surdez condutiva progressiva. O diagnóstico não é difícil quando nos lembramos da síndrome. O tratamento pode ser cirúrgico (estapedectomia), mas não encon- tramos explicações para os resultados pós-operatórios insatisfa- tórios. Outra opção é o emprego de aparelhos auditivos. FIGURA 1.8 – Otoscopia de um caso de otite média secretória crônica. 16 Fonoaudiologia Prática Disfunções tubárias com otoscopia normal costumam ter uma discreta influência sobre a audição (e sempre condutivas) com perdas nunca maiores que 25 dB NA. O mau funcionamen- to da tuba auditiva causa pequenas alterações na membrana do tímpano (retrações, especialmente na parte flácida, com acen- tuação da projeção da curta apófise do martelo e dos ligamentos timpanomaleares anterior e posterior) que podem passar des- percebidas ao exame otoscópico. As provas de função tubária com o auxílio da imitanciometria são suficientes para seu diagnós- tico. DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSORIONEURAL Ao contrário das condutivas, que são bem conhecidas e de diagnóstico mais objetivo, as lesões sensorioneurais são de causas múltiplas nem sempre bem conhecidas e de difícil diagnós- tico. A própria localização da orelha interna, dentro do osso mais resistente de nosso organismo, já representa uma grande dificul- dade para sua exploração clínica. Apesar dos inúmeros progres- sos obtidos com a instalação de bancos de ossos temporais e das numerosas pesquisas decorrentes, poucos foram os conheci- mentos de aplicação prática. As lesões das vias auditivas podem comprometer a orelha interna (sensoriais) ou o nervo auditivo (neurais), ou mesmo ambos. Algumas características clínicas nos permitem distinguir estas duas localizações, porém nem sempre com precisão. O prognóstico clínico, ao contrário das lesões condutivas, é pobre. Sensorioneurais Características gerais Voz alta (quando bilateral) é uma característica importante, pois nos condutivos bilaterais a tendência é inversa. Quanto maior a perda auditiva, maior a tendência de elevar o volume da voz. Esta apresenta-se distorcida nas perdas mais severas, pela impossibilidade do paciente ouvir a própria voz. Em crianças, quando a deficiência surge após o aprendizado, a tendência é a progressiva redução da qualidade vocal, enquanto que, quando pré-aprendizado, a tendência é de não haver desenvolvimento da palavra falada. O zumbido é de tonalidade mais aguda, comparado a uma cigarra ou um apito intermitente ou não e que se acentua no silêncio, especialmente à noite, dificultando o sono. O próprio zumbido pode dificultar o entendimento da palavra, agravando ainda mais o problema. Não costuma responder à terapia habi- tualmente empregada e tem uma tendência a diminuir com o tempo (muitos pacientes se habituam e acabam por ignorá-lo). Há ausência de gap, ao contrário das condutivas. A curva aérea tende a acompanhar a via óssea, quer nos graves ou nos Deficiência Auditiva 17 agudos. Embora predominem os audiogramas com curvas des- cendentes (pior audição para sons agudos), não há uma regra. Podem surgir lentamente, agravarem-se com a idade ou serem súbitas, uni ou bilaterais. A discriminação é afetada em todos os casos. Pelo compro- metimento das células sensoriais da orelha interna e, dependendo de sua gravidade, a inteligibilidade das palavras é afetada e pior será quanto maior for a perda auditiva. Se as freqüências da fala (250 a 2 kHz) forem menos comprometidas, menor será o seu efeito sobre a discriminação. Em perdas atingindo apenas fre- qüências mais agudas (acima de 2 kHz), a discriminação poderá ser pouco comprometida. A presença do fenômeno do “recruta- mento” nas sensoriais (quando sons intensos podem ser percebi- dos como mais intensos ainda, apesar da perda auditiva) leva a alterações das curvas logoaudiométricas. Isto é, conforme vamos aumentando a intensidade da voz o paciente passa a escutar mais, porém a entender menos as palavras, o que lhe causa sério incômodo. Quando a lesão é neural, a discriminação é afetada de modo mais sério e independentemente da faixa de freqüências comprometida. A diminuição do número de fibras funcionantes (fenômeno do tudo ou nada) reduz a gama de freqüências transmi- tida, deteriorando a discriminação de modo acentuado. Há pacien- tes com schwannoma do VIII par (schwannoma vestibular) que, mesmo com perdas de audição em torno de 30 dB NA, apresentam scores de discriminação inferiores a 40%. É importante lembrar que nas sensoriais o comprometimento da discriminação é pro- porcional à perda auditiva e ao envolvimento da faixa de freqüên- cias da fala, enquanto nas neurais a discriminação está mais comprometida. Em locais ruidosos a tendência é escutar pior. O ruído atrapalha a inteligibilidade das palavras já comprometida pela discriminação afetada e ainda pela presença do “recrutamento”. Escutam mas não entendem em virtude do comprometi- mento da discriminação que, por sua vez, é muito mais acentua- do nas neurais. Assim, mesmo que a voz seja elevada, os pacientes referem ouvir, porém não conseguem entender. Ocor- re especialmente quando assistem televisão. Estes pacientes, quando bilaterais e especialmente naqueles quadros lentamen- te progressivos, acabam, de um modo instintivo, por ter uma leitura labial muito boa e as pistas visuais passam a ser de grande importância. O Weber para o lado melhor caracteriza a deficiência senso- rioneural quando unilateral, e quando bilateral, será o Schwabach encurtado que nos orientará no diagnóstico. O Rinne positivo, numa ou em ambas orelhas, em presença de deficiência de audição, caracteriza a sensorioneural. Assim, no Rinne positivo, a lateralização do Weber para o lado melhor e o Schwabach encurtado são os resultados que encontramos nos testes com diapasões. 20 Fonoaudiologia Prática Hereditariedade muito freqüentemente é confundida com doença congênita. Nesta, a história gestacional pode revelar intoxicação medicamentosa, infecções virais, etc. Quando, no entanto, existe história familiar de deficiência auditiva, poderemos então caracterizar hereditariedade. As hereditárias (ligadas a genes) muitas vezes constituem-se em síndromes, com outros comprometimentos além da audição. São mais freqüentes nas crianças, embora possam ocorrer mais tardiamente. Schwannoma vestibular (ou neurinoma do acústico, como era erroneamente denominado) é uma causa freqüente de disacusia sensorioneural unilateral. Pode apresentar-se de forma aguda ou com evolução progressiva, acompanhado de zumbidos e de altera- ções do equilíbrio. Em presença de uma disacusia unilateral deve- mos sempre procurar afastar a possibilidade desta afecção. Não devemos esperar um quadro típico, pois o schwannoma apresenta- se clinicamente da forma mais variada possível. Desconhecidas são, na grande maioria das vezes, as perdas sensorioneurais progressivas, de tão variadas as suas causas. CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSORIONEURAL UNILATERAL E DE INÍCIO SÚBITO As deficiências auditivas unilaterais e de início súbito costu- mam ser menos freqüentes que as de início insidioso, uni ou bilaterais. Infelizmente, ainda não se tem condições para fazer o diagnóstico etiológico da grande maioria delas. No entanto, deve- se estar sempre alerta para a possibilidade de um schwannoma vestibular, que parece representar cerca de 10% do total das perdas súbitas sensorioneurais e de início súbito. Dentre aquelas que se pode diagnosticar a etiologia, são mais freqüentes: Parotidite epidêmica é uma das causas mais freqüentes. Apresenta curva típica de sensorial com perfil descendente (queda em agudos) e perdas bastante sérias. O diagnóstico é feito pelo fato de surgir na infância de modo súbito e ser unilateral. O quadro de parotidite pode preceder em semanas ou mesmo até 3 meses após o surto agudo da doença. Habitualmente, passa despercebida (pelo fato de ser unilateral), pois só na adolescência é que o paciente se dá conta da deficiência. Estes pacientes devem ser acompanhados a longo prazo, pela possibilidade de no futuro poderem apresentar o quadro de hidropisia endolinfática tardia descrita por SCHUCKNECHT. Fístula perilinfática geralmente ocorre como um evento unila- teral, especialmente quando existem malformações da orelha inter- na (como Mondini) ou antecedentes de trauma craniano. Hoje não se aceita a possibilidade da fístula espontânea, havendo sempre um fator predisponente. Pode ocorrer de modo súbito, se bem que em crianças tem sido mais freqüente a instalação gradual, e ser bilateral. Geralmente há flutuação da audição com melhoras perió- dicas e pode ser acompanhada de vertigem. Costuma representar uma via de entrada para vírus ou bactérias, levando a meningites Deficiência Auditiva 21 recorrentes. A cirurgia (selamento da fístula) visa a este objetivo, uma vez que a audição raramente melhora. O sintoma de vertigem também costuma ser beneficiado com a cirurgia. Traumas cranianos podem levar a fraturas da cápsula ótica e perda total da audição. Podem ser acompanhados de paralisia facial de início imediato (com o trauma) e vertigem que costuma demorar meses para ser controlada. Estes traumas podem provo- car outras formas de lesão da orelha interna como: fístulas de janelas, rupturas de membranas cocleares, etc. Hidropisia endolinfática aguda tem sido outra das causas mais freqüentes de surdez súbita unilateral. O aumento brusco da pressão no espaço endolinfático pode determinar ruptura de membranas endolinfáticas. A curva audiométrica apresenta um perfil caracterís- tico, sendo ascendente (com pior audição em sons graves), diplacusia intensa e sensação de pressão na orelha comprometida. O prognós- tico parece estar relacionado à gravidade da deficiência auditiva inicial. Quando menor que 40 dB NA nas freqüências da fala costu- ma ter uma recuperação favorável. Vírus representam um grande contingente na etiopatogenia da surdez súbita unilateral (além da parotidite já referida). As curvas audiométricas não apresentam perfil característico e o diagnóstico é feito pelo encontro da velocidade de hemossedi- mentação elevada e pela ocorrência de quadro viral concomitante como estomatites recidivantes, herpes, vírus da influenza, etc. Distúrbios vasculares (vasoespasmo, trombose, embolia, arteriolosclerose, AVC, etc.) podem ocorrer em pessoas idosas, nas quais a anamnese revela a existência de outros problemas vascula- res prévios. Também não apresentam um perfil audiométrico carac- terístico. Podem ser acompanhados de vertigem e intenso zumbido. Iatrogenia – Importantes perdas auditivas podem ocorrer no pós-operatório imediato de cirurgia da orelha média, como estapedectomia (de 1 a 10%), timpanoplastias ou timpanomas- toidectomias (de 7 a 15%) e mesmo outros procedimentos meno- res, em que acidentalmente o cirurgião lesa a membrana de uma das janelas. A perda de audição ocorre já nas primeiras semanas e é acompanhada de ruídos metálicos na orelha e até mesmo crises de vertigem incontroláveis (fístula pós-estapedectomia). Schwannoma vestibular costuma ser a causa mais grave de surdez súbita, uma vez que seu crescimento no meato acústico interno, ou no ângulo pontocerebelar, pode provocar sérias com- plicações e a sua remoção cirúrgica, seqüelas irreversíveis. A importância de seu diagnóstico precoce está, portanto, justificada. Na presença de uma surdez súbita unilateral temos a obrigação de afastar a possibilidade do neurinoma. A audiometria de tronco cerebral e a ressonância magnética são os exames mais impor- tantes para este diagnóstico. Idiopáticas – Desconhecidas são, no entanto, a grande maioria das causas de surdez súbita sensorioneural. Elas acabam por ser rotuladas como de causa idiopática. 22 Fonoaudiologia Prática CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSORIONEURAL DE INÍCIO SÚBITO BILATERAL Meningites, em especial as bacterianas, costumam ser res- ponsáveis por neurites e conseqüentes perdas de audição senso- rioneurais definitivas. Não há como prevenir esta seqüela, quando da manifestação clínica da meningite, a não ser pelo diagnóstico e tratamento precoce. Doenças infecciosas agudas, sistêmicas, como febre tifóide, escarlatina, tuberculose, ou mesmo crônicas como lues. A escar- latina costuma ser responsável por perdas auditivas menos acen- tuadas. Porém acaba por se associar a sérios comprometimentos da orelha média (otites médias agudas necrosantes e posterior- mente otites médias crônicas). Também não há como prevenir o comprometimento auditivo após instalada a doença, sendo ainda a prevenção (vacinações, etc.) a melhor conduta. Ototóxicos – As drogas ototóxicas como antibióticos (estrep- tomicina, neomicina, polimixina B, kanamicina, tobramicina, etc.), alguns diuréticos (ácido etacrínico, furosemida), salicilatos, quinino, mostarda nitrogenada, monóxido de carbono, mercúrio, metais pesados etc., podem levar a graves deficiências de audição de características sensoriais, bilaterais. O alcoolismo tem sido uma causa também importante de perda de audição súbita bilateral. Esclerose múltipla é uma causa pouco freqüente de deficiên- cia auditiva, mas tem havido publicações relatando-a como causa de surdez de início súbito e bilateral, com características neurais, isto é, acentuado decay e discriminação bastante afetada. Surdez funcional costuma ser súbita e bilateral. São causadas por distúrbios emocionais ou crises histéricas de auto-agressão e resultantes de graves episódios de tensão e estresse. Na realidade, não existe lesão nas vias auditivas, e a audiometria de tronco, eletrococleografia e imitanciometria apresentam resultados normais. Desconhecidas são também a maioria das causas de defi- ciência auditiva deste grupo, pelas mesmas razões já discutidas anteriormente. Prognóstico – Ruim na maioria dos casos. DEFICIÊNCIA AUDITIVA MISTA Características Quando a perda de audição apresenta características condutivas e sensorioneurais, diz-se que é mista. Pode se iniciar como condutiva, como na otosclerose, otites crônicas e evoluir com características sensorioneurais causadas pela mesma etio- logia inicial ou por outra causa associada. O inverso é muito difícil de acontecer, isto é, iniciar como sensorioneural e evoluir com características condutivas. Perda Auditiva de Origem Genética 25 2 Perda Auditiva de Origem Genética Lídio Granato Carla Franchi Pinto Maristela de Queiróz Ribeiro ORIGEM DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA GENÉTICA A deficiência auditiva é a forma mais comum de desordem sensorial no homem, podendo ser causada por fatores do ambien- te, decorrentes, por exemplo, de traumas ou de infecção pelo vírus da rubéola durante a gestação, ou por fatores genéticos. Aproximadamente 50% das deficiências auditivas profundas possuem etiologia genética e, nesses casos, via de regra, ainda não existe uma terapia eficiente, sendo o diagnóstico preciso seguido do aconselhamento genético, o principal mecanismo de prevenção. A expressão doença de etiologia genética abrange tanto as alterações submicroscópicas do genoma humano, que são as alterações dos genes presentes no indivíduo e que podem ser transmitidas a gerações futuras, quanto o aumento ou a diminui- ção da quantidade de DNA, decorrente de alteração numérica ou estrutural dos cromossomos, que são anomalias detectáveis ao microscópio comum. As desordens genéticas que provocam deficiência auditiva determinam apenas perda auditiva (deficiência auditiva isolada) ou estão associadas a anomalias de outros órgãos (deficiência auditiva associada a outras anormalidades). Elas podem ser congênitas, quando presentes desde o nascimento, ou tardias, quando manifestadas mais tardiamente. Tanto a deficiência audi- tiva isolada quanto a associada a outras anormalidades podem 26 ser classificadas em sensorioneurais, condutivas ou mistas, de- pendendo da fisiopatologia da deficiência. As deficiências auditivas poderão apresentar etiologia cro- mossômica, monogênica autossômica dominante ou recessiva, monogênica ligada ao sexo dominante ou recessiva. O reconhecimento desses mecanismos de herança, norteia o aconselhamento genético e fica extremamente facilitado quando se faz a representação gráfica da genealogia (heredograma) do paciente. Por isso, a genealogia do paciente deve ser levantada da forma mais precisa e com o máximo de informações possível. A Figura 2.1 mostra um heredograma hipotético, onde é possível constatar rapidamente o parentesco e os indivíduos afetados que a constituem. Nos heredogramas, os homens são representados por um quadrado e as mulheres por um círculo. Quando não possuímos informação sobre o sexo, ou quando essa informação não é importante para o raciocínio clínico, os indiví- duos são representados por um losango. Os mesmos símbolos com tamanho menor são utilizados para a representação de abortos, natimortos ou prematuros. Os parentes falecidos podem ser representados pelo símbolo correspondente ao seu sexo, com um traço no sentido diagonal. O paciente a partir do qual foi levantado o heredograma é chamado de propósito, caso-índice ou caso-probante. Ele é assinalado por uma seta no heredograma. Além dele, todos os parentes que exibirem a mesma anomalia em estudo devem ser representados por símbolos escuros, de forma que sejam dife- renciados dos indivíduos normais. Doenças diferentes devem ser indicadas por sinais diferentes para que sejam diferenciadas no heredograma. Os cônjuges são unidos entre si por uma linha horizontal (linha matrimonial) e os descendentes são dispostos horizontalmente abaixo da linha matrimonial por ordem de idade, cada qual ligado por um pequeno traço vertical a uma linha horizontal denominada linha da irmandade. A linha da irmandade é ligada à linha matrimonial também por um pequeno traço vertical, o que permite o reconhecimento do núcleo familial ou, simplesmente, da família. Quando um casal apresenta grau 1 2 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1110 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 I II III IV FIGURA 2.1 – Heredograma de uma genealogia hipotética (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN). ? Perda Auditiva de Origem Genética 27 de parentesco consangüíneo, a linha matrimonial é dupla. Gêmeos monozigóticos são representados por símbolos de mesmo sexo ligados a um pequeno traço vertical unido à linha da irmandade, enquanto os dizigóticos são representados por símbolos diretamente ligados a um mesmo ponto da linha da irmandade. As gerações são numeradas em algarismos romanos, en- quanto os indivíduos de cada geração são numerados por algaris- mos arábicos. Indivíduos de uma mesma geração devem estar alinhados horizontalmente. Vários indivíduos do mesmo sexo ou de sexos diferentes, mas cuja especificação não é relevante, podem ser representados pelo símbolo correspondente ao sexo ou a um losango, com o número de indivíduos reunidos. Os heredogramas podem ser apresentados de modo abreviado para que ocupem menos espaço. Um recurso empregado é o de indicar cada casal apenas pelo cônjuge que é consangüíneo do propósito, subentendendo-se que o cônjuge não-representado não apresenta a anomalia em discussão. O cônjuge não-representado é designado pelo mesmo número do cônjuge simbolizado, seguido pela letra a. Assim, por exemplo, se o cônjuge tiver o número III-7, o outro não-representado será designado por III-7a. Os cônjuges não-consangüíneos do propósito, que apresentarem a anomalia em estudo, não poderão ser representados de modo abreviado. Outro recurso é o de representar vários indivíduos normais pertencentes à mesma irmandade, consecutivos e do mesmo sexo, por um único símbolo, maior do que os outros utilizados para designar o sexo ao qual pertencem, no interior do qual se assinala o número de indivíduos que foram reunidos. Não se deve alterar a numeração dos indivíduos na geração a que pertencem. Assim, por exemplo, se o terceiro, quarto, quinto e sexto indivíduos de uma geração forem representados por um símbolo único por serem normais e pertencerem à mesma irmandade, deve-se escrever sob esse símbolo os números 3-6, ou subentender essa numeração, caso não sejam assinalados no heredograma os algarismos arábicos indicadores da ordem de nascimento. Antes de prosseguirmos, parece-nos fundamental tecer algu- mas considerações sobre os mecanismos de doenças genéticas e os padrões de herança dessas anomalias. Anomalias cromossômicas O cariótipo, ou seja, a constituição cromossômica de um indivíduo normal é constituído de 23 pares de cromossomos (cada par formado por um cromossomo de origem materna e outro de origem paterna). Vinte e dois pares de cromossomos são seme- lhantes em ambos os sexos e são chamados autossomos. O par restante constitui os cromossomos sexuais. Os cromossomos foram convencionalmente reunidos em 7 grupos (de A até G) de acordo com o seu tamanho e com a posição de sua constrição 30 1 2 3 4 5 14 1513 16 17 18 19 20 21 22 FIGURA 2.4 – Cariótipo masculino mostrando translocação equilibrada entre os cromossomos 14 e 21(45,XX, -14, t(14;21) (cortesia do Serviço do Prof. Dr. WALTER PINTO JÚNIOR). 6 7 8 9 10 11 12 X FIGURA 2.5 – Esquema representativo da gametogênese de um indivíduo com cariótipo 45,XX ou XY, t(Dq21q) e do resultado da união dos gametas desse indivíduo com os de um indivíduo normal. A) Cromossomos das gônias. B) Cromossomos dos gametas. C) Cromossomos dos zigotos. 1. Com cariótipo normal. 2. Com a translocação robertsoniana. 3. Com a trissomia funcional do cromossomo 21, que determina a síndrome de Down. 4. Com monossomia do cromossomo 21 que, em geral, determina inviabilidade (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN). 14 14⁄21 21 A B C D 1 2 3 4 A Figura 2.5 mostra um esquema da gametogênese de um casal em que um dos cônjuges apresenta uma translocação equilibrada afetando os cromossomos 14 e 21. O casal em questão poderá gerar crianças cromossomicamente normais, com a mesma translocação herdada de um dos genitores e crianças que, além da translocação, tem dois cromossomos 21 livres. Essa última situação originará o quadro clínico da síndrome de Down, Perda Auditiva de Origem Genética 31 indistinguível daquele causado por trissomia livre. Esse casal originará ainda, zigotos com monossomia do cromossomo 21, que sempre evoluem para abortamento, devido a monossomia ser incompatível com a vida. Assim, esse casal terá um risco empírico de 33% de gerar uma criança com síndrome de Down e terá uma freqüência de abortamento espontâneo muito maior do que a da população em geral. Na prática, porém, esse risco é menor devido à seleção natural sobre esses fetos. Nesses casos, é muito importante investigar os parentes consangüíneos colaterais dos portadores da translocação equilibrada, uma vez que poderá haver recorrência da síndrome em outros membros da família. Menos freqüentes são os pacientes portadores de mosaicis- mo, nos quais estão presentes duas linhagens celulares, uma com cariótipo normal e uma com aneuploidia. Esse mosaicismo, de origem pós-zigótica, decorre da falta de disjunção de um cromossomo em uma das primeiras divisões mitóticas do zigoto. Nessa situação, o fenótipo parece depender do percentual de células com trissomia. Paralelamente às trissomias autossômicas, as aneuploidias dos cromossomos sexuais compreendem cerca de 50% de todas as aberrações cromossômicas na espécie humana (PASSARGE, 1995). As aneuploidias dos cromossomos sexuais têm sua importância na prática médica por serem causa fre- qüente de infertilidade, distúrbio de crescimento e de comporta- mento sem, contudo, estarem associadas a dismorfismos im- portantes nem à deficiência mental grave. Com exceção da idade materna, não se conhece qualquer outro fator capaz de influenciar a falta de disjunção dos cromos- somos ou das cromátides irmãs durante a meiose. Por essa razão, o risco de recorrência de uma aneuploidia para futuras gestações de um casal está associado ao risco relativo à idade materna. HERANÇA MONOGÊNICA AUTOSSÔMICA DOMINANTE Para a manifestação de uma doença com padrão de herança monogênica autossômica dominante basta a presença de um único gene. Esse alelo pode ser uma mutação nova e o portador constituir o único caso na família, ou pode ter sido herdado de um genitor que também é afetado pela anomalia. Por pertencerem a cromossomos autossômicos, os genes que determinam anoma- lias autossômicas são transmitidos igualmente a homens e mulhe- res numa proporção que não se desvia significativamente de 1:1. O risco de recorrência da anomalia na prole de um indivíduo afetado é de 50%, pois é de metade a probabilidade desse indivíduo transmitir um gameta com esse gene. Por outro lado, todos os filhos de indivíduos sadios serão normais para a anoma- lia em questão, porque não possuem o gene, não podendo transmiti-lo a seus descendentes. 32 I II III IV 2 2 2 FIGURA 2.6 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança autossômica dominante (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN). Resumidamente, estamos diante de uma genealogia com padrão de herança autossômica dominante quando: 1.indivíduos afetados são filhos de genitor com a mesma anoma- lia, havendo, portanto, a passagem do gene de geração em geração, segundo uma linha vertical, sem saltar gerações; 2. indivíduos anômalos geram filhos normais e anômalos, em média na mesma proporção (1:1); 3.indivíduos anômalos geram filhos afetados de ambos os sexos e na mesma proporção (1:1); 4. indivíduos normais, filhos de um anômalo, não transmitem a doença a seus descendentes. A Figura 2.6 mostra um heredograma tipicamente autossômi- co dominante, no qual é possível observar as situações descritas acima. Portadores de doenças com padrão de herança autossômica dominante, são, via de regra, heterozigotos (Aa), pois o gene autossômico originado por mutação é muito raro, tornando pouco provável, ou quase impossível, a ocorrência de homozigotos AA, visto que deveriam ser gerados de casais anômalos (Aa x Aa) que, regra geral, são pouco prováveis (BEIGUELMAN, 1995). HERANÇA MONOGÊNICA AUTOSSÔMICA RECESSIVA As doenças monogênicas autossômicas recessivas necessi- tam, para a sua manifestação, da ação de dois genes alelos anormais presentes simultaneamente nas células de um indivíduo (homozigoto). Diferentemente do que ocorre nas doenças com padrão de herança autossômica dominante, os indivíduos afeta- dos são, via de regra, filhos de genitores fenotipicamente normais, porém heterozigotos, isto é, portadores do gene mutante. Os casais heterozigotos de um gene que, em homozigose, provoca determinada doença, apresentam um risco de 25% de recorrência dessa doença, pois a cada gestação do casal, o risco de cada cônjuge transmitir o alelo determinador da anomalia é 50% (50% x 50% = 25%). Perda Auditiva de Origem Genética 35 FIGURA 2.8 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança dominante ligada ao X. As mulheres portadoras apresentam quadro clínico mais brando (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN). 1 2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 1 2 3 4-5 6 7 8 9-10 11 12 13 14 15 16 17-18 19 20 21 22 2 2 2 I II III A Figura 2.8 mostra uma genealogia dominante ligada ao X em que mulher e homem são afetados. HERANÇA MONOGÊNICA RECESSIVA LIGADA AO SEXO As genealogias que incluem indivíduos com alguma doença monogênica recessiva ligada ao sexo são facilmente identificadas porque, salvo raríssimas exceções, acometem apenas indivíduos do sexo masculino. Isso porque, como os homens possuem apenas um cromossomo X, basta um único gene mutante para que a doença se manifeste (hemizigoto). O indivíduo portador da mutação terá filhos do sexo masculino sempre normais, enquanto todas as suas filhas serão portadoras obrigatórias do gene em questão, porque herdaram o cromossomo X de seu pai. Por outro lado, as mulheres portadoras do gene não manifestarão a doença porque o outro cromossomo X é normal e a doença é recessiva, mas, em média, 50% de suas filhas serão portadoras do gene e 50% de seus filhos serão afetados porque a probabilidade da portadora transmitir o cromossomo X com o gene mutante é 50%. PINTO JR. & BEIGUELMAN (1994) resumiram os critérios para reconhecimento de herança recessiva ligada ao sexo da seguinte maneira: 1.O fenótipo anômalo salta gerações. 2.Os homens afetados, em geral, não têm filhos anômalos, pois isso só ocorre se a mulher for heterozigota (portadora do gene da anomalia). 3. Os afetados são filhos de mulheres normais, heterozigotas. Os homens afetados transmitem o gene responsável pela anomalia a seus netos por intermédio de suas filhas. 4. Na irmandade de um homem afetado, a proporção de irmãos do sexo masculino com e sem a anomalia é de 1:1. 5. As mulheres anômalas, quando ocorrem, são filhas de um homem afetado e de uma mulher heterozigota. 6. Na população haverá mais homens do que mulheres anô- malas, pois será pouco provável a homozigose de um gene muito raro, como são os genes causadores de anomalias. 36 I 3 2 2 3 2 2 II III IV V FIGURA 2.9 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança recessiva ligada ao X (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN). A Figura 2.9 mostra dois heredogramas típicos de anomalia recessiva ligada ao sexo. DEFICIÊNCIA AUDITIVA GENÉTICA ISOLADA A maioria das deficiências auditivas possui padrão de herança autossômica recessiva, sendo que aproximadamente 50% de todos os tipos de perda de origem autossômica recessiva são deficiências isoladas. Como mencionado anteriormente, as defi- ciências auditivas isoladas são congênitas quando presentes desde o nascimento, e tardias quando aparecem e progridem em qualquer idade após o nascimento. Congênita A maior parte dessas perdas são de natureza sensorioneural, decorrentes de alterações estruturais e(ou) funcionais do ouvido interno, de forma que apenas o estudo histopatológico é capaz de identificar o local da lesão primária que compromete a parte óssea ou membranosa do labirinto, mas podem resultar de alterações dos centros corticais cerebrais. Vários estudos da Biologia Molecular têm analisado famílias de deficientes auditivos na tentativa de identificar a localização dos genes responsáveis pela perda auditiva. A identificação desses genes e de seus produtos permitirá maior compreensão da fisiologia e da fisiopatologia da audição, além de possibilitar o diagnóstico pré- natal da deficiência auditiva, um tratamento específico para cada tipo de deficiência e, futuramente, a terapia gênica. STEEL & BOCK (1983), baseando-se em modelos animais, propuseram uma classificação das deficiências auditivas genéti- cas congênitas em três categorias: morfogenéticas, neuroepite- liais e cocleossaculares. As alterações da morfogênese incluem defeito ósseo e membranoso do ouvido interno. As alterações do labirinto Perda Auditiva de Origem Genética 37 membranoso constituem a grande maioria (80%) dos recém- nascidos com deficiência auditiva, podendo estar associadas a alterações neuroepiteliais e cocleossaculares. Desse grupo são exemplos a síndrome de Michel (1863), caracterizada por aplasia ósseo-membranosa do ouvido interno, sendo o ouvido médio e o conduto externo, geralmente normais. A síndrome de Mondini (1791), conhecida como Mondini-Alexander, apresenta desenvolvimento ósseo-membranoso incompleto do labirinto. A cóclea pode estar representada por um simples tubo curvo ou apenas uma e meia volta da espiracoclear. O saco e o ducto endolinfáticos podem estar bem dilatados. Ambas as sín- dromes são causadas por genes com padrão de herança monogênica autossômica dominante, determinando um risco de recorrência de 50% para a prole do afetado. A primeira displasia cocleossacular descrita em seres humanos foi a de SHEIBE (1892). O osso labiríntico é normal, assim como o utrículo e os canais semicirculares, mas a parte inferior (sáculo e ducto coclear) é representada por um grupo de células indiferencia- das, e a membrana tectória apresenta-se com tamanho reduzido. Quando essa condição está presente desde o nascimento, ela é denominada displasia congênita cocleossacular. Quando ocor- re mais tardiamente, esse achado histopatológico é denominado degeneração cocleossacular e representa a alteração histopato- lógica mais comum da surdez hereditária, estando presente em cerca de 70% dos casos. A displasia de Scheibe pode ocorrer isoladamente ou fazer parte de muitas outras síndromes com múltiplas anomalias associadas. Vários modelos animais apresentam displasia cocleossacular, como o gato branco surdo, o cão da raça Dálmata, ratos, etc. Com raras exceções, em animais, a displasia de Sheibe está associada a manchas ou defeitos localizados de pigmentação decorrentes da ausência de melanócitos e não por defeitos bioquímicos da produ- ção de melanina (responsável pelo albinismo). A ausência de melanócitos pode ocorrer por defeitos na migração, diferenciação ou sobrevivência celular. Têm-se demonstrado que células seme- lhantes a melanócitos, derivadas da crista neural, migram para o ouvido interno para formar a camada intermediária de células da estria vascular. A alteração dessas células ou a ausência da camada intermediária pode afetar a estria vascular e explicar a displasia cocleossacular. Esse raciocínio é reforçado pelo estudo da síndro- me de Waardenburg, freqüentemente associada à displasia cocle- ossacular, em que ocorre alteração da migração das células da crista neural. Nessa síndrome, ainda são observadas alterações na camada intermediária da estria vascular. A displasia de Sheibe isolada parece ser condicionada por um gene com padrão de herança monogênica autossômica recessiva , o que determina um risco de recorrência de 25% para a prole de um casal que já apresentou uma criança afetada, mas sem risco aumentado de recorrência da anomalia para a prole 40 10% dos pacientes). A mutação responsável pela síndrome localiza-se no braço longo do cromossomo 2 e determina a perda de função do gene (TASSABEHJI e cols., 1992). O Tipo II é semelhante ao Tipo I, excetuando-se pela ausência de epicanto. A mutação localiza-se no gene que condiciona a microftalmia no braço curto do cromossomo 3. A idade paterna avançada está associada aos casos de mutação nova (TASSABEHJI e cols., 1994). O Tipo III, também chamado de síndrome de Klein- Waardenburg, é uma forma mais rara que apresenta, além das manifestações oculoauditivas e de pigmentação do Tipo I, malformações de membros superiores, microcefalia e deficiên- cia mental. O gene mutante tem a mesma localização do Tipo I (HOTH e cols., 1993). Em todos os tipos, a perda auditiva é sensorioneural, podendo variar de unilateral moderada com comprometimento somente em altas freqüências, até bilateral profunda. A gravidade da perda auditiva varia significantemente entre as famílias. Síndrome de Crouzon e síndrome de Apert A síndrome de Crouzon é uma disostose craniofacial, com padrão de herança autossômica dominante, sendo que a deficiên- cia auditiva, geralmente mista, está presente em um terço dos casos. Os pacientes apresentam turricefalia, órbitas rasas com conseqüente exoftalmia, estrabismo, hipertelorismo, nariz em “bico de papagaio”, seios paranasais pequenos, lábio superior fino, prognatismo, maxila pequena e conduto auditivo externo às vezes atrésico (Fig. 2.11). O aspecto do crânio se deve à cranioestenose prematura, geralmente das suturas coronal e sagital. A cranioestenose pode provocar deficiência mental. Cer- ca de 50% dos casos correspondem a mutações novas, freqüen- temente associadas à idade paterna avançada, porém, como a FIGURA 2.11 – Síndrome de Crouzon. A) Turrecefalia, exoftalmia e hipertelorismo. B) Occipito achatado, hipoplasia de maxilar, nariz tipo “bico-de-papagaio” e lábio superior curto. A B Perda Auditiva de Origem Genética 41 FIGURA 2.12 – Síndrome de Apert. Sindactilia extensa e simétrica em quirodáctilos (“mãos em colher”). expressividade clínica é muito variável, deve-se proceder a um minucioso exame clínico e radiológico dos parentes consangüí- neos do afetado, antes de concluir o risco de recorrência da anomalia para outros irmãos que o paciente venha a ter. O risco de recorrência da anomalia para a prole do afetado é 50%. A síndrome de Apert, ou acrocefalopolissindactilia é uma disostose craniofacial, autossômica dominante, caracterizada pela perda de audição do tipo condutiva (curva achatada por fixação do estribo), turricefalia, cranioestenose geralmente de sutura coronal, hipoplasia do maxilar, exoftalmia, órbitas rasas, frontal proemi- nente, nariz em sela, palato alto, sindactilia extensa e simétrica de quirodáctilos, conhecida como “mãos em colher” e sindactilia de pododáctilos (Fig. 2.12). As síndromes de Apert e Crouzon e as cranioestenoses de Pfeiffer e de Jackson-Weiss foram identificadas como sendo resultado de mutações no gene que determina a produção do receptor tipo 2 de fator de crescimento de fibroblastos (FGFR2). Esse gene localiza-se no braço longo do cromossomo 10 e sua identificação permite a realização do diagnóstico pré-natal, por biologia molecular, numa fase bem precoce da gestação (GORRY e cols., 1995; SCWARTZ e cols., 1996). Síndrome de Klippel-Feil A fusão de vértebras cervicais é o único sinal constante dessa anomalia e determina, clinicamente, pescoço curto com limitação da movimentação e implantação baixa de cabelos na nuca (Fig. 2.13). As fusões vertebrais podem ocorrer também na coluna torácica e lombar, além de serem freqüentes hemivér- tebras e spina bifida. Malformação de vias urinárias, agenesia renal unilateral, hipospadia, alterações oculares, fenda palati- na, anomalias do ouvido médio e atresia do conduto auditivo externo são achados comuns. A perda auditiva, quando presen- te, é do tipo sensorioneural, condutiva ou mista. Vários casos foram descritos como tendo ocorrência esporá- dica, porém o estudo de famílias mostrou que a síndrome de Klippel-Feil pode manifestar-se com padrão de herança autossô- mica dominante ou recessiva. Por essa razão, o estudo minucioso 42 A B FIGURA 2.13 – Síndrome de Klippel-Feil. A) Pescoço curto devido à fusão das vértebras cervicais. B) Pescoço curto, anomalia de ouvido externo e pavilhão. FIGURA 2.14 – Síndrome de Duane. Pálpebra estreita, estrabismo com inabilidade para abduzir os olhos. A) Antes da cirurgia para correção do estrabismo e da timpanotomia exploradora. B) Correção do estrabismo e recuperação da perda condutiva da audição com fechamento do gap aéreo-ósseo. A B dos parentes consangüíneos é fundamental para a conclusão do padrão de herança e a realização do aconselhamento genético. Síndrome de Duane Caracteriza-se pela alteração da movimentação ocular, com dificuldade para aduzir ou abduzir os olhos, estreitamento da fenda palpebral e retração do globo ocular à adução do olho. Outros achados incluem torcicolo, costela cervical e a perda auditiva condutiva (Fig. 2.14). A maioria dos casos parece ser esporádica, sendo que apenas 5 a 10% apresentam recorrência familial. Quando associada à síndrome de Klippel-Feil e na presença de deficiência auditiva, o padrão de herança é autossômica dominante. Perda Auditiva de Origem Genética 45 A B C FIGURA 2.18 – Síndrome de Albers-Schonberg. A) Baixa estatura, hepatomegalia. B) Radiografia de seios da face mostrando osso esclerótico, quebradiço, com aspecto marmóreo. C) Pontos de drenagem por foco de osteomielite na face. maior risco de osteomielites, macrocefalia, paralisia facial recidivante, atrofia do nervo óptico, atresia dos seios paranasais e de coanas, comprometimento ocasional dos pares cranianos II, V e VII, anemia e hepatoesplenomegalia (Fig. 2.18). A síndrome da osteopetrose benigna, como o próprio nome diz, é uma anomalia com quadro clínico mais brando e com padrão de herança autossômica recessiva. Síndrome de Usher É uma anomalia autossômica recessiva que se caracteriza por retinite pigmentosa associada a deficiência auditiva congênita sensorioneural grave (Fig. 2.19). De acordo com GORLIN e cols. (1979), a síndrome de Usher pode ser classificada clinicamente em quatro subgrupos: Tipo I – Ausência de função vestibular, deficiência auditiva congênita profunda e início da retinose pigmentar aos 10 anos de idade. Constitui quase 90% dos casos. Tipo II – Função vestibular normal ou diminuída, queda da audição em altas freqüências e retinose pigmentar de início na adolescência ou por volta dos 20 anos. Constitui quase 10% dos casos. Tipo III – Disfunção vestibular, perda progressiva da audição, retinose pigmentar iniciando na puberdade ou após décadas. É responsável por 1% dos casos. Tipo IV – Único com padrão de herança recessiva ligada ao sexo, sendo o fenótipo semelhante ao Tipo II. A síndrome de Usher determina perda progressiva da visão, de forma que, até o final da segunda ou terceira década de vida, estão completamente cegos. Por essa razão, os pacientes devem ser orientados e treinados para que estejam adaptados antes da perda completa da visão. 46 FIGURA 2.20 – Síndrome de Hurler (mucopolissacaridose). Nariz largo, achatado, hipertelorismo, bochechas “cheias”, lábios grossos e macroglossia. Síndrome de Hurler Também conhecida como mucopolissacaridose tipo I, é um erro inato do metabolismo, de etiologia autossômica recessiva, na qual o defeito primário é a deficiência de uma enzima lisossômica, a alfa-L-iduronidase, responsável pela degradação dos glicosaminoglicanos, sulfato de heparan e sulfato de dermatan. O quadro clínico resulta do acúmulo de mucopolissa- carídeos nos tecidos. Os pacientes apresentam face progressi- vamente grosseira, macrocefalia, lábios grossos, macroglossia, dentes afastados, cabelos grossos, abdome proeminente, ore- lha de implantação baixa, hipertelorismo, prega epicântica, turvação da córnea, hepatoesplenomegalia, baixa estatura e involução do desenvolvimento neuropsicomotor (Fig. 2.20). A mucosa do ouvido médio apresenta células grandes esponjo- sas, chamadas células gargóilicas, que se coram pelo PAS. O diagnóstico pré-natal é possível por intermédio da dosagem da alfa-L-iduronidase em cultura de amniócitos. FIGURA 2.19 – Síndrome de Usher. Retinite pigmen- tosa. Perda Auditiva de Origem Genética 47 FIGURA 2.21 – Síndrome de Hunter. Nanismo, hepatoesplenome- galia. FIGURA 2.22 – Síndrome de Alport. Paciente do sexo masculino portador de nefrite progressiva e perda sensorioneural na vigência de tratamento através de hemodiálise. As cicatrizes no braço são seqüelas do referido tratamento. Síndrome de Hunter É conhecida como mucopolissacaridose tipo II, causada pela deficiência da sulfatase de iduronato, com excesso de sulfato de dermatan e sulfato de heparan. O quadro clínico é semelhante ao descrito para a síndrome de Hurler, diferindo apenas pela ausência de opacidade de córneas, por apresentar uma evolução mais lenta e pelo padrão de herança recessiva ligado ao sexo, comprometendo apenas indivíduos do sexo masculino (Fig. 2.21). Síndrome de Alport A síndrome de Alport é responsável por 1% das perdas auditivas hereditárias (Fig. 2.22), caracterizando-se pela associação de perda auditiva sensorioneural e glomerulonefrite. A deficiência auditiva é bilateral e simétrica, desenvolve-se nos primeiros anos de vida e afeta principalmente as freqüências mais agudas. As provas calóri- cas mostram hipofunção vestibular. Histologicamente, há degene- ração do órgão de Corti e da estria vascular. A nefrite é progressiva, com hematúria e proteinúria que se iniciam na primeira ou segunda década de vida. Alterações oculares, como lenticone, esferofaquia e catarata estão presentes em 15% dos pacientes. Na maioria das famílias com a síndrome de Alport, o padrão de herança é dominante ligado ao X, e por essa razão, as mulheres 50 4 5 6 7 8 9 10 11 12 X 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 A B FIGURA 2.26 – Síndrome de Down (trissomia do 21). A) Fenda palpebral oblíqua para cima, hipotonia e dismorfismos característicos da síndrome. B) Cariótipo de uma mulher com síndrome de Down, 47,XX,+21. Os portadores dessa anomalia apresentam hipotonia ao nasci- mento e dismorfismos bem característicos como braquicefalia, occipital plano, orelhas dismórficas e de implantação baixa, hiper- telorismo ocular, fendas palpebrais mongolóides, prega epicântica, dorso nasal rebaixado, nariz pequeno, manchas de Brushfield na íris, boca constantemente entreaberta com protrusão da língua, que é freqüentemente geográfica, palato alto, decréscimo da pneumatização ou ausência do seio frontal e esfenoidal, pescoço curto com sobra de pele, mãos pequenas e largas, prega palmar única, padrão dermatoglífico peculiar, clinodactilia de quinto dedo, aumento da distância entre o hálux e o segundo pododáctilo, sulco plantar profundo, hiperextensibilidade articular e baixa estatura. As cardiopatias congênitas, principalmente a comunicação inter- ventricular e interatrial, estão presentes em cerca de um terço desses pacientes. Hipotireoidismo, infecções pulmonares e leu- cemia são alterações que incidem com freqüência maior nessas crianças e devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente. A deficiência mental está sempre presente (QI variando entre 25 e 50), mas muitas vezes, o atraso do desenvolvimento só é notado pelos familiares ao final do primeiro ano de vida, sendo que a estimulação global deve ser iniciada o mais precocemente possí- vel. Os pacientes do sexo masculino são estéreis por apresenta- rem hialinização dos túbulos seminíferos, mas os do sexo femini- no podem procriar e apresentam um risco de 50% de gerarem uma criança igualmente afetada. Apesar de não determinar deficiência auditiva, 50% dos pa- cientes apresentam orelhas dismórficas, o que, aliás, é achado comum nas trissomias de cromossomos autossômicos. É importante ressaltar que a denominação “mongolismo” para essa síndrome foi utilizada por causa da aparência oriental dessas crianças devido à fenda palpebral mongolóide e à prega epicântica, 1 2 3 Perda Auditiva de Origem Genética 51 porém o seu uso é desaconselhado atualmente por causa da conotação racial indevida. A maioria dos pacientes (95%) é portadora de trissomia livre, ou seja, um cromossomo 21 excedente em decorrência da falta de disjunção desses cromossomos durante a meiose I. Nesses casos, podemos orientar a família que o risco de recorrência da anomalia para outros filhos que venham a ter é, geralmente, igual ao da população geral da mesma faixa etária da genitora, existin- do um risco progressivamente maior de cromossomopatia com o avanço da idade materna, a partir dos 30 anos de idade. Síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo18) Os pacientes apresentam hipertonia ao nascimento, orelhas de implantação baixa, atresia do conduto auditivo externo, fenda palatina e(ou) labial, coloboma de pálpebras, microftalmia, aplasia 19 20 21 4 51 2 3 12 X6 7 8 9 10 11 1813 14 15 16 17 22 C FIGURA 2.27 – Síndrome de Edwards (trissomia do 18). A) Criança com microcefalia, implantação baixa do pavilhão auricular, fendas palpebrais curtas, microstomia. B) Dedo “em gatilho”. C) Cariótipo de uma mulher com síndrome de Edwards, 47,XX+18. BA 52 do nervo óptico, hipertelorismo, micrognatia, esterno curto, cardiopatia congênita (principalmente comunicação interventricular e persis- tência do canal arterial), posição peculiar das mãos com o terceiro e o quarto dedos cerrados contra a palma e o segundo e quinto sobre eles, pelve pequena com limitação da abdução do quadril, deficiên- cia mental grave e deficiência auditiva mista (Fig. 2.27). A síndrome de Edwards também apresenta associação com a idade materna avançada e o prognóstico dos pacientes é muito reservado. Síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13) Os sinais clínicos mais importantes são implantação baixa de orelhas, micrognatia, palato ogival, occipital proeminente, defeitos do prosencéfalo (holoprosencefalia, arrinencefalia), microcefalia, microftalmia, fenda labial e(ou) palatina, cardiopatia congênita, principalmente comunicação interventricular, persistência do canal arterial e anomalias de rotação, hérnias, criptorquidia, malforma- ções renais, pés em cadeira de balanço, polidactilia, atresia do conduto auditivo externo, disacusia mista (Fig. 2.28). A síndrome de Patau também apresenta associação com a idade materna e o 4 51 2 3 12 X6 87 9 10 11 1815 17 A C DB FIGURA 2.28 – Síndrome de Patau (trissomia do 13). A) Recém-nascido com fenda palatina e labial, com proeminência da pré-maxila. B) Múltiplas anomalias incluindo micrognatia. C) Microftalmia. D) Cariótipo de uma mulher com síndrome de Patau, 47,XX,+13. 1413 16 212019 22 Perda Auditiva de Origem Genética 55 TRATAMENTO Inicialmente, deve-se buscar o diagnóstico precoce da deficiência auditiva e defini-la como sendo de origem genética. O tratamento dependerá do tipo de perda, e deve ser iniciado o mais breve possível. A grande maioria das deficiências auditivas é do tipo sensorio- neural e, portanto, o tratamento deve ser direcionado através da protetização e acompanhamento fonoterápico. Quando a perda for do tipo condutiva ou mista, com um componente condutivo com bom intervalo aéreo-ósseo, pode-se protetizar num primeiro tempo, em se tratando de crianças, para num segundo tempo, em época oportuna, submetê-las à cirurgia funcional. Esta conduta é aconselhável em alguns casos, como nas síndromes de Treacher Collins, Duane ou van der Hoeve. Naquelas síndromes com perda auditiva bilateral associada a malformação do conduto auditivo externo e ouvido médio, porém com o ouvido interno normal, há necessidade de corrigir um dos lados, ou pelo menos tornar pérvio o conduto auditivo externo para a protetização. Essa cirurgia costuma oferecer melhor resultado quando a criança é operada por volta dos 5 anos de idade. ORIENTAÇÃO FAMILIAR Feito o diagnóstico de deficiência auditiva, o clínico deverá realizar uma anamnese bem direcionada aos antecedentes pes- soais e familiais, além de caracterizar com o máximo de precisão, o tipo de deficiência e as características da perda auditiva. Deverá, ainda, pesquisar outras malformações e caracterizá-las bem. No caso das deficiências de etiologia genética, o otorrinolaringolo- gista deverá fazer um estudo criterioso dos genitores do afetado, inclusive com audiometria, que será muito útil para concluir a respeito do padrão de herança. Cabe ainda ao otorrinolaringologista orientar os pacientes e seus familiares sobre a possibilidade de recorrência da anomalia em outros descendentes e encaminhar a família ao geneticista para uma avaliação e aconselhamento genético. O aconselhamento genético pode ser definido como um proces- so de comunicação sobre o risco de ocorrência ou recorrência familial de anomalias genéticas, com a finalidade de fornecer a indivíduos ou famílias ampla compreensão de todas as implicações relacionadas às doenças genéticas em discussão, as opções que a medicina atual oferece para a terapêutica ou para a diminuição dos riscos de ocorrência ou recorrência da doença genética em questão e eventual apoio psicoterapêutico (BEIGUELMAN, 1982). O objetivo principal do aconselhamento genético é o bem-estar do paciente e da família que está procurando o aconselhador. Ao contrário dos princípios eugênicos, os do aconselhamento genético visam, pois, primordialmente, à defesa dos interesses dos indiví- duos e das famílias, e não os da sociedade (BEIGUELMAN, 1982). 56 É inadmissível que o aconselhador oriente um casal a não ter mais filhos. O aconselhador deverá explicar aos genitores o que é a doença, quais os riscos de recorrência, as possibilidades de diagnóstico pré-natal, a resposta dos pacientes à terapia disponí- vel e toda e qualquer informação que o casal necessite para tomar a decisão. A biologia molecular vem trazendo enorme benefício para o aconselhamento genético pela possibilidade de diagnóstico pré- natal. Com o mapeamento do genoma humano, previsto para estar completo até o início do próximo século, todas as doenças genéticas serão passíveis de diagnóstico. Conselhos do tipo esterilização permanente não devem ser dados, também pela possibilidade de, num futuro próximo, ser possível estudar deter- minado gene deletério no corpúsculo polar. Assim, se um casal for heterozigoto de um gene recessivo, poder-se-á pesquisar a pre- sença do gene em questão no corpúsculo polar e, se a pesquisa for positiva, significará que o gene não foi transmitido para o óvulo, o qual poderá ser fertilizado in vitro, originando um embrião normal em relação àquela característica. Para que se faça o aconselhamento genético preciso, é necessário esgotar todas as possibilidades para que se chegue ao diagnóstico da anomalia. Quando isso não for possível, o médico deverá armazenar o tecido do afetado para que, tão logo se tenha a possibilidade de estudo por biologia molecular, haja DNA suficiente para dar prosseguimento à pesquisa diagnóstica e, assim, completar a orientação familiar. Esse material poderá ser sangue, soro (congelado) ou 1 cm3 de pulmão, rins, fígado ou pele (em caso de óbito). É necessário, ainda, arquivar raios X e fotografias de corpo inteiro e do rosto do paciente. Em caso de óbito, por mais constrangida e abalada que a família esteja, o médico não deverá abrir mão de solicitar a necropsia, pois será fundamental para a orientação dos genitores quando desejarem ter outro filho, ou para o aconselhamento genético dos irmãos normais da criança afetada. O aconselhamento genético é fundamental, pois a prevenção é a principal conduta a ser tomada em relação à deficiência auditiva de etiologia genética, cujo tratamento está frequentemen- te bastante restrito. AGRADECIMENTO Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN, pela revisão do capítulo. Leitura recomendada ARNOS, K.S.; ISRAEL, J.; DEVLIN, L.; WILSON, M.P. – Genetics counseling for the deaf. Otolaryngol. Clin. North Am., 25:953-971, 1992. BEIGUELMAN, B. – Citogenética Humana. 1ª ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1982. Perda Auditiva de Origem Genética 57 BEIGUELMAN, B. – Genética Médica. Dinâmica dos Genes nas Famí- lias e nas Populações. Vol. 2, Edart, São Paulo, 1995. GRAVHOLT, C.H.; JUUL, S.; NAERAA, R.W.; HANSEN, J. – Prenatal and postnatal prevalence of Turner’s syndrome: a registry study. BMJ, 312:16, 1996. GORLIN, R. J. – Usher’s syndrome type III - Arch. Otolaryngol., 105:353, 1979. GORRY, M.C.; PRESTON, R.A.; WHITE, G.J.; ZHANG,Y.; SINGHAL,V.K.; LOSKEN, H.W.; PARKER, M.G.; NWOKORO, N.A.; POST, J.C.; EHRLICH, G.D. – Crouzon syndrome: mutations in two spliceoforms of FGR2 and a common point mutation shared with Jackson-Weiss syndrome. Hum. Mol. Genet., 4:1387-1390, 1995. HOTH, C.F.; MILUNSKY, A.; LIPSKY, N.; SHEFFER, R.; CLARREN, S.K.; BALDWIN, C.T. – Mutations in paired domain of the human PAX3 gene cause Klein-Waardenburg syndrome (WS-III) as well as Waardenburg syndrome type I (WS-I). Am. J. Hum.Genet., 52:455- 462, 1993. 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Usualmente a Acústica pode ser estudada segundo dois aspectos: Acústica Física, que trata das vibrações e ondas mecânicas e a Acústica Fisiológica ou Psicoacústica, relacionada à sensação que o som produz nos indivíduos (RUSSO, 1993). A Audiologia, por sua vez, é a ciência da audição e tem a sua base científica na Psicoacústica. Os testes audiométricos subje- tivos utilizados na Audiologia, com o intuito de medir a acuidade auditiva do indivíduo, são chamados testes psicométricos ou psicoacústicos e só foram possíveis a partir de estudos psicoacústicos, os quais, além de outros aspectos, determinaram a área de sensibilidade do ouvido humano. Para o fisiologista alemão HERMANN VON HELMHOLTZ, nossas percepções sensoriais não são apenas sensações do nosso siste- ma nervoso, “havendo ainda a participação de uma atividade característica da alma, para se chegar da sensação dos nervos até a representação daquele objeto que provocou a sensação”. Este capítulo fornecerá as noções básicas das ciências que fundamentam e constituem a base do conhecimento para a Audio- logia, estando dividido em três partes. A primeira abordará as noções básicas da Acústica Física, com ênfase na caracterização da onda sonora, seus aspectos, dimensões mensuráveis, qualida- des e processos de mensuração. Na segunda parte, serão enfocados alguns temas relacionados à Acústica Fisiológica ou Psicoacústica, que incluem a faixa de audição humana, determinação do nível de audição e sensação e aspectos psicoacústicos da percepção do som. Finalmente, a terceira parte tratará do processo de calibração e sua importância na obtenção precisa dos resultados obtidos na avaliação audiológica. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ACÚSTICA FÍSICA Onda sonora e as propriedades de transmissão De acordo com DAVIS (1970), se perguntarmos a um indivíduo o que é som ele responderá: som é tudo aquilo que ouvimos. Para o Físico o som é uma forma de energia vibratória que se propaga em meios elásticos. Para o Psicólogo o som é uma sensação inerente a cada indivíduo. Ao Fisiologista interessa a maneira pela qual o som caminha pelas vias auditivas até atingir o cérebro. Se analisar- mos cada uma das respostas dadas, verificaremos que todas estão corretas, pois cada profissional lida com o conceito de som de acordo com o interesse e a necessidade de sua área de conhecimento. Entretanto, observamos uma interdependência destas áreas, ou seja, o Psicólogo necessita das informações do Físico para poder comparar as sensações de freqüência e intensidade com os atributos físicos mensuráveis do som que, por sua vez, as propiciam. A abordagem psicológica na definição do som parece ter um apelo Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 61 intuitivo, pois parece ser mais fácil a compreensão dos eventos físicos que caracterizam o som, tendo como referência as sensações que estão associadas à variedade de sons que nos estimulam diariamente. Entretanto, se uma árvore cai em uma floresta e não há ninguém por perto para ouvir, ainda assim existe som, pois as propriedades físicas da fonte que gerou este evento e do meio no qual ele foi transmitido não podem ser esquecidas na definição de som. Muitos corpos podem servir como fontes sonoras: as cordas de um instrumento musical como o violão, uma membrana de um tambor, uma barra no xilofone, etc. Todavia, há um pré-requisito indispensável para um corpo funcionar como fonte sonora: precisa ser capaz de vibrar. Se um corpo pode ser posto em movimento vibratório ele necessita de duas propriedades físicas que são inerentes a cada corpo: massa e elasticidade (SPEAKS, 1992). Quando um abalo faz com que uma fonte sonora vibre ou oscile, um evento sonoro ocorreu e este pode ser transmitido para algum meio. O ar é provavelmente o meio mais comum de ser encontrado, mas outros meios como, por exemplo: água, fios, cordas, aço também são capazes de transmitir som. Devido ao fato das estruturas moleculares terem massa e elasticidade finitas, elas são capazes de funcionar tanto como fonte de um som quanto meio para sua transmissão (RUSSO, 1993). A onda sonora é, então, produzida por um elemento vibrador ou fonte que, quando estimulado, é capaz de produzir perturbações ou variações na densidade do meio ao seu redor, como conseqüência do aumento ou diminuição da pressão sonora. É mecânica, pois necessita de um meio material para propagar-se, não o fazendo no vácuo; é tridimensional, pois sua propagação se dá em todas as direções. Caracterizada, primordialmente, por sua(s) freqüência(s) e pela amplitude de cada uma delas, a onda sonora pode assumir várias formas, desde senoidal, quadrada, triangular até complexa, periódica ou aperiódica e apresentar espectros discretos ou contí- nuos; pode, ainda, diferir em altura, intensidade e timbre em função das características físicas da fonte sonora e dos respectivos compo- nentes tonais por ela gerados (Fig. 3.1). Violino Piano Diapasão Freqüência A m p lit u d e 1,0 1.000 2.000 3.000 4.000 Hz 1,0 1.000 2.000 3.000 4.000 Hz 1,0 1.000 2.000 3.000 4.000 Hz FIGURA 3.1 – Representação esquemática de três ondas sonoras: forma de onda e espectro de amplitude. 62 Fonoaudiologia Prática Dimensões das ondas sonoras Freqüência Chama-se freqüência (f) o número de ciclos que as partículas materiais realizam na unidade de tempo (segundo). A expressão ciclos por segundo foi substituída por hertz (Hz) em homenagem ao físico alemão HEINRICH HERTZ, sendo esta a unidade de medida usada internacionalmente. As ondas sonoras propagadas através do ar ocorrem em sincronia com a vibração de uma fonte sonora. A taxa na qual a fonte sonora vibra em hertz (Hz) é conhecida como a sua freqüência (Fig. 3.2). FIGURA 3.3 – Representação de dois movimentos ondulatórios de mesma freqüência com diferentes amplitudes. 90 180 270 360 θ em graus –4 –2 0 2 4 A B A B (A) Pico máximo (P-P) Pico a pico P re ss ão s o n o ra in st an tâ n ea e m P a 0 + – A m p lit u d e 0,0005 0,001 0,0015 0,002 FIGURA 3.2 – Representação de dois movimentos ondulatórios de diferentes freqüências. Tempo (s) Amplitude A outra dimensão da onda sonora é a chamada amplitude (A) que é a medida do afastamento ou deslocamento horizontal das partículas materiais de sua posição de equilíbrio. A amplitude pode ser instantânea, quando é medida em um tempo ou ângulo Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 65 analisada para determinar as amplitudes, freqüências e fases das ondas senoidais que a compõem. Todas as ondas sonoras podem ser classificadas com relação à presença ou ausência de periodicidade e ao grau de complexi- dade da onda. Onda periódica Quando a onda sonora se repete a iguais intervalos de tempo ela é conhecida como onda periódica, isto é, as características do ciclo da onda são duplicadas exatamente nos demais ciclos. De acordo com o teorema de Fourier, qualquer onda complexa consiste de um número de ondas senoidais simples somadas. Entretanto, para que uma onda complexa seja periódica, seus componentes senoidais não podem ser selecionados ao acaso. Ao invés disso, precisam obedecer a um requisito matemático chamado de relação harmônica. O termo relação harmônica quer dizer que as freqüências de todas as senóides que compõem a série devem ser múltiplas integrais (números inteiros) da freqüência senoidal de mais baixa freqüência da série. Todas as senóides incluídas na série harmônica são chamadas de harmônicos. Estes, por sua vez, são numerados, consecutiva- mente, a partir da freqüência mais baixa da série – freqüência fundamental (f0) conhecida como primeiro harmônico de f1, f2, f3.... até a mais alta, ou até o último componente da série harmônica. Assim, para compreendermos melhor o conceito de timbre, suponhamos agora que a nota musical lá, cuja freqüência predomi- nante e fundamental é de 440 Hz, seja tocada em um instrumento como o violão e, ao mesmo tempo, ao piano e no diapasão. Certa- mente, ao ouvi-las, não teremos maiores dificuldades em diferenciá- las, pois apesar de sabermos que se trata da mesma nota musical, a quantidade e a qualidade dos harmônicos irão variar em função das características físicas de cada fonte sonora (RUSSO, 1993). Onda aperiódica A principal característica distintiva das ondas periódicas com- plexas é a sua regularidade no tempo ou periodicidade. Elas se repetem indefinidamente. A onda aperiódica, contudo, é uma se- gunda categoria de forma de onda e seu nome deriva exatamente da falta de periodicidade. Assim, é muito difícil e quase impossível prever a forma da onda num intervalo de tempo a partir do conhe- cimento de suas características durante outro intervalo de tempo de igual duração. O movimento vibratório de uma onda aperiódica é, ao acaso, aleatório e, por esta razão, imprevisível. As ondas aperiódicas são encontradas diariamente e exem- plos familiares são os ruídos produzidos por aviões, automóveis, cachoeiras e, até mesmo, alguns sons de fala, principalmente os sons sibilantes são caracterizados por movimentos vibratórios aleatórios, isto é, aperiódicos (RUSSO, 1993). 66 Fonoaudiologia Prática Processos de medida da intensidade sonora A intensidade de uma onda sonora pode ser medida através de processos absolutos e relativos. Quando medimos o afastamento da partícula material de sua posição de equilíbrio, medimos a sua amplitude em metros ou centímetros. Também podemos fazê-lo através da energia que atravessa uma área na unidade de tempo, ou seja, em watt/m2 ou erg/cm2s. Finalmente, através da força exercida pela partícula material sobre uma superfície na qual incide, isto é, pela pressão efetiva, usando como unidades o Pascal, o Newton/m2 ou dina/cm2. Os três processos são denominados processos absolutos de medida da intensidade, pois fornecem diretamente os valores através das respectivas unidades. Quando usamos um processo de medida de intensidade sonora, tomando um valor de referência que estabeleça uma razão ou relação entre os valores de energia ou pressão, este é denominado processo relativo de medida da intensidade. Quando a pressão ou a energia sonora de um ruído decrescem, nossa sensação auditiva também o faz, da mesma forma que quando ambas aumentam, existe um aumento em nossa sensação de intensidade sonora. Entretanto, intensidade sonora e auditiva não variam linearmente. Podemos aumentar a pressão sonora de um tom de 1.000 Hz um milhão de vezes a partir de 20 µPa até que este seja incômodo aos nossos ouvidos. A energia sonora é proporcional ao quadrado da pressão sonora de forma a relação que para a pressão é de 1: 1.000.000, para a energia é de 1:1.000.000.000.000 ou 1:1012 para o mesmo tom de 1.000 Hz, sendo a menor energia necessária para ser ouvida da ordem de 10–16 watt/cm2 ou 10–12 watt/m2. De acordo com a lei de Fechner-Weber, um indivíduo, ao receber um estímulo (E), a sensação (S) não é proporcional ao estímulo, mas diretamente proporcional a uma constante (K) multipli- cada pelo logaritmo do estímulo, tomando por base um estímulo preexistente (E ref), isto é, um valor de referência. Matematicamente: S = K log E/E ref Neste caso, se substituirmos o estímulo pela energia ou pela pressão, podemos afirmar que a sensação produzida pelo som não é diretamente proporcional à pressão ou à energia, mas a uma constante multiplicada pelo logaritmo da pressão ou da energia, tomando por base uma pressão ou uma energia de referência, que são, respectivamente, 20 µPa e 10–12 watt/m2 ou 10–16 watt/cm2. Os processos que tomam por base esta lei são chamados de processos audiológicos ou relativos de medida da intensidade sonora, ou seja, o nível de intensidade sonora (NIS) e o nível de pressão sonora (NPS), cuja unidade de medida é o decibel, em homenagem a Alexander Graham Bell, inventor do telefone. O Bel era uma unidade usada para medições de perdas nas linhas Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 67 telefônicas, nos EUA, da qual derivou o decibel (dB), ou seja, a décima parte do Bel, definido como uma raiz que nos diz em que razão um valor é maior ou menor do que outro, sendo este último, tomado como referência. Nível de intensidade sonora (NIS) (sound intensity level – SIL) O decibel é uma unidade de medida ambígua, a menos que a intensidade de referência seja especificada. Qualquer con- fusão pode ser evitada se uma intensidade convencional de referência for comparada a alguma intensidade absoluta e se pudermos calcular a intensidade relativa. Quando a referência for igual a 10–16watt/cm2 ou 10–2watt/m2, o resultado é ex- presso em dB NIS. Consideremos um som cuja intensidade sonora seja I. Cha- ma-se nível de intensidade sonora (NIS) desse som o resultado numérico da expressão: INIS =10 log  I0 onde I0 é igual ao menor valor de intensidade de energia audível, isto é: 10–16 watt/cm2, devendo ser especificado o resul- tado em decibel NIS (dB NIS). Sendo o decibel uma unidade relativa, a intensidade de energia de referência deve ser sempre especificada, uma vez que se tal referência for modificada o resultado será diferente. Sendo assim, escreve-se da seguinte forma: NIS = 100 dB relativo a 10–16 watt/cm2 ou simplesmente, NIS = 100 dB re 10–16 watt/cm2. A relação entre intensidade absoluta em watt/cm2 e dB NIS é mostrada na Tabela 3.1. TABELA 3.1- Relação entre intensidade absoluta em watt/cm2 e dB NIS. dB NIS Intensidade absoluta (re 10–16 watt/cm2) (watt/cm2) 0 10–16 10 10–15 20 10–14 30 10–13 40 10–12 50 10–11 60 10–10 70 10–9 80 10–8 90 10–7 100 10–6 110 10–5 120 10–4 70 Fonoaudiologia Prática segurança vital. Centenas de milhares de sinais sonoros, cujo fluxo não cessa nem mesmo quando dormimos, são captados por nossos ouvidos que permanecem em constante vigília. A Audiologia é a ciência da avaliação da audição e tem sua base científica na Psicoacústica que, por sua vez, está relacio- nada àquilo que ouvimos, descrevendo as relações existentes entre nossas sensações auditivas e as propriedades físicas de um estímulo sonoro, como por exemplo: sua freqüência, intensidade, forma de onda, velocidade, etc. A Psicoacústica lida com os atributos da sensação do indivíduo para freqüência (pitch), para a intensidade (loudness) e, ainda, em relação a ruídos, sons musi- cais, vozes humanas. Está relacionada à habilidade dos ouvintes em distinguir diferenças entre os estímulos e não diretamente aos mecanismos fisiológicos que servem de base para a detecção ou diferenciação dos sons, mas a relatos dos ouvintes sobre tais sons. Os testes audiométricos subjetivos utilizados em Audiologia, com o intuito de medir a acuidade auditiva do indivíduo, só foram possíveis a partir das pesquisas psicoacústicas realizadas no final do século passado por HELMHOLTZ, FECHNER e WEBER e, neste século, principalmente na década de 30, por FLETCHER & MUNSON, STEVENS & NEWMAN, DAVIS & GLORIG, SIVIAN e WHITE & BÉKÈSY, cujos resultados são perfeitamente válidos nos dias de hoje. A diferença básica entre a Audiologia e a Psicoacústica reside na metodologia empregada. A Psicoacústica interessa-se por pe- quenas diferenças e efeitos sutis, podendo submeter os pacientes a inúmeros testes, horas a fio, para determinar a média dos resultados obtidos para um grande número de indivíduos a fim de investigar estes efeitos. A Audiologia, por outro lado, utiliza-se de testes simples, de rápida aplicação a um indivíduo em particular, a fim de determinar a natureza do distúrbio e o local da lesão na via auditiva. A diferença de abordagem, contudo, não impede o intercâm- bio de idéias entre as duas disciplinas, o que efetivamente ocorreu, pois uma é a base da outra (RUSSO, 1993). Aspectos psicoacústicos da percepção do som Na percepção auditiva dos sons, em geral, desde puros ou complexos, periódicos ou aperiódicos, o ouvido humano necessi- ta de algumas informações básicas referentes a quatro aspectos: “pitch” – sensação subjetiva de freqüência; duração – tempo em segundos da vibração sonora; “loudness” – sensação subjetiva de intensidade; e timbre – qualidade fornecida pela combinação harmônica do som, decorrente das características da fonte sonora que o produziu (RUSSO, 1993). Sensação de freqüência – “pitch” A sensação de freqüência é um atributo da impressão auditiva que mostra uma elevação ou diminuição na percepção da escala Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 71 musical e está sujeita, primeiramente, à altura, tonalidade das ondas sonoras, ou seja, da sensação auditiva em termos de que sons podem ser ordenados, variando de graves a agudos. A sensação de freqüência está relacionada à taxa de repetição da forma da onda de um som. Para um tom puro isto corresponde à sua freqüência e para uma onda complexa periódica corresponde à freqüência fundamental (MOORE, 1989). Uma vez que é um atributo subjetivo, não pode ser medido diretamente, embora tenha sido criada uma unidade denominada sone para medir a sensação de freqüência. Pesquisas têm mostrado que o ouvido humano é notavelmen- te sensível às diferenças de freqüência, podendo detectar na faixa de 20 a 20.000 Hz, mudanças de freqüência da ordem de 1% (o intervalo entre uma nota musical branca e uma preta do piano é da ordem de 6%), dando-nos cerca de 1.000 intervalos discrimináveis nesta faixa (BOOTHROYD, 1986). Duração Os indivíduos diferem extraordinariamente nas suas habilida- des para julgar intervalos de tempo em segundos, minutos ou dias. A duração está relacionada à habilidade em detectarmos diferen- ças nos estímulos sonoros em função do tempo. Podemos detec- tar diferenças de cerca de 10 milionésimos de segundo de intervalo de tempo entre os estímulos sonoros que atingem nossas orelhas, graças à audição estereofônica. Com apenas um ouvido podemos detectar mudanças temporais da ordem de 1 milionésimo de segundo, percebendo a ordem de dois eventos sonoros distintos, separados por apenas 1/50 de segundo (BOOTHROYD, 1986). STEVENS & DAVIS revelaram que o ouvido humano muito aguçado pode detectar uma diferença no tempo de duas notas musicais da ordem de 0,01 segundos. Por outro lado, ouvidos menos sensíveis podem requerer 0,10 ou 0,20 segundos para perceberem a diferença. Sensação de intensidade – “loudness” É também uma impressão subjetiva relacionada à intensidade de um som a partir de sua pressão, energia ou amplitude. Em geral, podemos dizer que quanto maior a amplitude de um som mais intensamente o ouvimos, embora não haja linearidade neste processo e variações existam, dependendo da freqüência. Quan- do a pressão sonora é reduzida, a sensação de intensidade também decresce e, abaixo de certo nível de pressão, o som não é mais ouvido. A menor pressão sonora capaz de impressionar o ouvido humano é de 20µPa para um tom de 1.000 Hz e podemos aumentá-la um trilhão de vezes até que atinjamos o limiar da dor. A loudness é definida como sendo o atributo da sensação auditiva em termos de quais sons podem ser ordenados em uma 72 Fonoaudiologia Prática escala que varia de fraco a forte (MOORE, 1989). Nossa sensibili- dade auditiva para mudanças na intensidade sonora é menos precisa do que para as de freqüência. Precisamos de pelo menos 1 dB de intervalo para percebermos diferenças na intensidade, o que corresponde a uma mudança de 10%, dando-nos na faixa audível cerca de 100 intervalos discrimináveis entre o limiar de audibilidade e o de desconforto (BOOTHROYD, 1986). A unidade de medida da loudness é o fone, que equivale à sensação de intensidade em dB produzida para um tom de 1.000 Hz, a partir das curvas de igual audibilidade ou isofônicas, determinadas em experiências realizadas por FLETCHER & MUNSON, ilustradas na Figura 3.6. FIGURA 3.6 – Curvas de igual audibilidade ou isofônicas (FLETCHER & MUNSON, 1933). N ív el d e p re ss ão s o n o ra ( d B ) R ef . 2 .1 0– 5 N /m 2 140 130 120 110 80 70 60 50 40 30 20 10 0 20m 30 40 60 80 100 200 300 400 600 800 1.000 2m 3 4 6 8 10 15 (C/S) (KC/S) Freqüência Limiar da Audibilidade 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 Fone A fim de saber quantas vezes um som é mais audível do que outro, foi decidido que o nível correspondente a 1 sone seria igual a 40 fones, com base no conhecimento de que cada aumento ou diminuição do nível de audibilidade de um som em 10 fones corresponde ao dobro ou à metade da audibilidade, sendo possí- vel, assim, determinar a associação entre essas duas unidades (GONZALEZ, 1980). Timbre Na natureza pode ser encontrada uma infinita série de variedades na qualidade de um tom e, ainda é possível desco- brir neles uma base fundamental e relativamente simples para sua classificação e descrição. O que torna possível a distinção entre a mesma nota musical executada em instrumentos dife- rentes depende da qualidade e da quantidade de harmônicos presentes na onda sonora complexa, modificados pela sensa- ção de freqüência absoluta e pela intensidade total, é definido Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 75 Se levarmos em consideração a variação individual encontra- remos o nível de sensação, ou seja, o zero audiométrico de cada indivíduo; é um valor subjetivo e depende do nível de audição individual. Se, por exemplo, imaginarmos três indivíduos com níveis de audição médios de 20, 40 e 60 dB expostos a um som de 100 dB NA, seus respectivos níveis de sensação serão 80, 60 e 40 dB NS, isto é, a diferença entre o seu nível de audição e o estímulo sonoro apresentado (SANTOS & RUSSO, 1993). A IMPORTÂNCIA DA CALIBRAÇÃO Por que calibrar? A calibração é um processo que visa controlar as características de freqüência, intensidade e tempo e verificar o funcionamento dos equipamentos utilizados em Audiologia. Ela é necessária para assegurar que um audiômetro produza um tom puro em um nível e freqüência específicos e que este sinal esteja presente somente no transdutor ao qual foi direcionado, estando livre de distorção ou interferência de ruído indesejável (WILBER, 1994). Equipamentos calibrados com a freqüência exigida podem contribuir para aumentar a confiabilidade do fonoaudiólogo nos resultados dos testes audiométricos realizados, uma vez que a calibração periódica determina se o equipamento está de acordo com os padrões apropriados para cada um dos instrumentos ou se sofreram alterações com o tempo de uso. Equipamento para a calibração O equipamento básico para calibração dos níveis de saída incluem: um voltímetro, um microfone de condensador (pressão e campo livre), um acoplador de 6 ml (NBS-9A para a ANSI e 318 para a IEC), um peso de 500 g, um acoplador mecânico para mensuração do vibrador ósseo (mastóide artificial), um medidor de nível sonoro ou analisador de espectro. O processo de calibração eletroacústica deve ser realizado por um técnico habilitado pelo próprio fabricante do equipamento. Processo de calibração O primeiro passo para aprender como verificar o funciona- mento e calibrar o equipamento é a leitura do manual de instru- ções que o acompanha. Algumas vezes os resultados dos testes por si mesmos revelam a necessidade de calibração do instru- mento. É preferível assumir que o problema é do equipamento antes de atribuí-lo ao paciente sob teste. Inicialmente, é recomendável que o fonoaudiólogo faça a calibração biológica do audiômetro, verificando com o uso de seu próprio ouvido, a saída do sinal acústico nos diferentes transduto- res: fones, alto-falantes e vibrador ósseo. 76 Fonoaudiologia Prática Não é necessário ser portador de um ouvido especial ou absoluto para fazê-lo, pois com um pouco de prática qualquer profissional pode ouvir falhas básicas no instrumento. A seguir, deve ser feita a inspeção do audiômetro a fim de verificar possíveis fontes de mau funcionamento, tais como: plugs e tomadas; fios enrolados ou partidos dos fones e vibrador ósseo; botões e interruptores quebrados ou fora de alinhamento; cliques mecâni- cos audíveis através dos fones, quando os atenuadores ou osciladores são manipulados. Geralmente, há duas abordagens para a calibração dos fones do audiômetro. Uma é a biológica, que utiliza o ouvido humano como referência e a outra a artificial ou eletroacústica, feita no acoplador de 6 ml. A calibração biológica é feita quando 10 indivíduos otolo- gicamente normais de 18 a 25 anos de idade são submetidos, no mínimo mensalmente, à audiometria tonal para verificar se a média de sua audição está em 0 dB para cada freqüência, obedecendo a referência de limiares proposta pela norma ANSI S3.6–1989. Embo- ra seja possível de ser realizada, a calibração biológica não é considerada tecnicamente correta por referir-se a um nível de audição arbitrariamente aceito por normas de padronização, sendo preferível a calibração eletroacústica dos fones do audiômetro, através do uso do acoplador de 6 ml, também chamado de “ouvido artificial”. A calibração eletroacústica consiste no uso de um microfo- ne de condensador ligado a um acoplador de 6 ml, volume semelhante ao do ouvido humano quando o fone está colocado (CORLISS & BURKHARD, 1953). O fone é colocado no acoplador e sobre ele é depositado um peso de 500 g. A seguir é gerado no fone um tom de baixa freqüência (125 ou 250 Hz) até que a intensidade mais elevada seja atingida. A saída é registrada em voltagem e depois transformada em dB (re 20 µPa) e comparada com os valores de NPS esperados para cada freqüência, segundo os padrões ISO 7566 – 1987, antiga ISO- 1964 ou ANSI S3.6 – 1989. Diferenças de até 15 dB devem ser levadas em consideração através do uso de um cartão de correção que mostra a discre- pância entre a saída do audiômetro e os padrões de calibração. Quando tais diferenças excederem os 15 dB em qualquer freqüência ou 10 dB em três ou mais freqüências, o audiômetro deve ser calibrado pelo próprio fabricante (WILBER, 1994). Para a calibração do vibrador ósseo é empregada uma mastóide artificial, pressupondo que os limiares para as vias aérea e óssea são equivalentes. Neste procedimento também são avaliados os parâmetros de intensidade, freqüência e tempo, mas a ênfase é dada à obtenção dos níveis de distorção do vibrador ósseo nas várias freqüências. O padrão ANSI S3.43 – 1992 fornece os valores apropriados para o vibrador ósseo do tipo B-71 usado com uma haste P-3333, atualmente em uso (WILBER, 1994). Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 77 Padrões de calibração para audiômetros e cabinas acústicas FOWLER e WEGEL, em 1922, descreveram o primeiro audiômetro eletrônico produzido comercialmente nos EUA: o modelo “Western Electric 1A”, que gerava oitavas de freqüências entre 32 e 16.384 Hz e possuía um atenuador logarítmico. Este modelo de audiômetro foi substituído pelo “Western Electric 2A”, mais econômico, criado nos Laboratórios Telefônicos Bell, abrangendo a faixa de freqüências de 64 a 8.192 Hz (OLSEN, 1991). Quando os audiômetros foram introduzidos no mercado, cada indústria fabricava o modelo cujas especificações audiométricas mais se adequassem aos julgamentos de seus engenheiros e consultores. Tal situação, contudo, levou à incerteza e confusão quanto aos valores a serem tomados como referência na escala de intensidade para especificar a normalidade auditiva, ou seja, o 0 dB nível de audição. Em 1951, a American Standards Association (ASA) determi- nou experimentalmente para cada freqüência os valores de pres- são sonora que correspondessem aos limiares de audibilidade normais, empregando fones do tipo WE 705 A. Foram, então, selecionados 85 jovens adultos, todos funcionários dos Laborató- rios Bell, sem qualquer passado otológico, os quais foram subme- tidos aos testes audiométricos que fixaram para o zero dB os valores de pressão sonora constantes na Tabela 3.3. TABELA 3.4 – Valores de conversão do padrão ASA – 51 para ISO – 64. Freqüência (Hz) 125 250 500 1.000 2.000 3.000 4.000 6.000 8.000 Diferença (dB) 9 15 10 10 8,5 8,5 6 9,5 11,5 A fixação destes valores, contudo, não foi considerada defini- tiva e os estudos prosseguiram até que, em 1964, a International Standards Organization (ISO), composta por representantes de vários países, propôs novos valores para o nível de referência zero do audiômetro, levando em conta o tipo de fone empregado, o coxim no qual o fone está embutido e o equipamento usado na calibração, denominado de “ouvido artificial” (modelo NBS 9A). Como os valores entre os dois padrões diferiram, para converter- se os valores de perdas auditivas obtidas no padrão ASA – 51 para o padrão ISO – 64 bastava adicionar para cada freqüência os valores encontrados na Tabela 3.4. TABELA 3.3 – Valores obtidos para o zero dB audiométrico, se- gundo o padrão ASA – 51. Freqüência (Hz) 125 250 500 1.000 2.000 3.000 4.000 6.000 8.000 NPS (dB) 54,5 39,5 25,0 16,5 17,0 16,0 15,0 17,5 21,0 80 Fonoaudiologia Prática etc. Deve possuir uma janela de observação, contendo três vidros, se possível, unidirecionais e será fechada através de porta dupla ou bastante espessa que utilize trinco do tipo usado para portas de frigoríficos. Seu tamanho poderá variar de 1x1, 2x2, 2x1, etc., de acordo com as limitações de espaço físico disponível no local de sua construção. Entretanto, para a realização de audiometria tonal com o uso de alto-falantes ou caixas acústicas, simulando a situação de campo livre, o indivíduo testado deverá estar sentado a uma distância de pelo menos um metro destas (HODGSON, 1980). Calibração dos analisadores de orelha média (imitanciômetros) O padrão empregado na obtenção das medidas da imitância acústica é o ANSI S3.39 – 1987, que descreve quatro tipos de unidades para mensuração, listados simplesmente como tipos 1, 2, 3 e 4. Os requerimentos mínimos são: tom de sonda de pelo menos 256 Hz, um sistema pneumático (manual ou automático), um modo de medir a imitância acústica estática, a timpanometria e o reflexo acústico. Assim, para verificar um imitanciômetro é necessário um analisador de freqüência para determinar o(s) tom(s) de sonda, cuja precisão deve situar-se entre ±3% do valor nominal. A distorção harmônica não deverá exceder a 5% da fundamental quando medida em um acoplador de 2 ml. O tom de sonda não poderá exceder a 90 dB no acoplador. Isto é feito, conectando-se a sonda do equipamento às cavidades de teste e verificando a precisão da saída em temperaturas específicas e pressões barométricas ambientais, descritas por LILLY (1984). A pressão de ar pode ser medida conectando-se a sonda a um manômetro ou tubo “U” e determinando-se o deslocamento em deca-Pascals (daPa), que não deve diferir do que está no equipa- mento: +200 daPa em mais de ±10 daPa ou ±15% da leitura. O padrão determina que a medida da pressão de ar deve ser realizada em cavidades de 0,5 a 2cm3 (WILBER, 1994). O sistema de elicitação do reflexo acústico contralateral pode ser medido no acoplador NBS-9A e o do ipsilateral no acoplador do tipo HA-1. As tolerâncias para freqüência, intensidade e distorção harmônica deverão ser as mesmas esperadas para os fones dos audiômetros, ou seja, ±3% do valor esperado para freqüência e distorção harmônica e 5% ou menos para o transdu- tor da sonda. O NPS dos ativadores tonais deve estar entre ± 3 dB do valor declarado para as freqüências de 250 a 4.000 Hz e ±5 dB para freqüências de 6.000 e 8.000 Hz e para ruído (WILBER, 1994). Os imitanciômetros ou analisadores de orelha média vêm acom- panhados de uma cavidade metálica de calibração que deve ser utilizada semanalmente, ou diariamente, a fim de assegurar o fun- cionamento adequado do equipamento. Novamente, é imprescindí- vel que o audiologista leia o manual do fabricante com atenção antes de manipular o equipamento. Isto poderá evitar erros desnecessários Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 81 na obtenção dos resultados dos testes e poderá fazer com que o instrumento possa funcionar bem por um maior período de tempo. SUMÁRIO Este capítulo procurou fornecer as noções básicas da Acústi- ca Física e da Psicoacústica e sua importância para a Audiologia, uma vez que constituem a pedra fundamental sobre a qual esta ciência foi edificada. Aspectos acústicos da onda sonora, tais como: suas características, atributos físicos mensuráveis, bem como aspectos psicoacústicos da percepção auditiva e a determi- nação do nível de audição foram aqui enfatizados. Finalmente, o capítulo ressaltou a responsabilidade do audiolo- gista na verificação da saída do equipamento de teste usado na avaliação audiológica. Mesmo que alguns dos problemas possam ser detectados por ouvidos humanos treinados e mais sensíveis, isto não é suficiente para garantir a precisão necessária para assegurar o funcionamento adequado dos instrumentos. Desse modo, verificações eletroacústicas periódicas são imprescindíveis uma vez que os resultados obtidos nos testes espelham, dentre outros, o funcionamento dos equipamentos utilizados na avaliação audiológica rotineira. Leitura recomendada AMERICAN STANDARDS ASSOCIATION – American standards specification for audiometers for general diagnostic purposes: ASHA Z, 24:5, 1951. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Specification for audiometers. ANSI, S3:6, New York, 1969. AMERICAN SPEECH AND HEARING ASSOCIATION – Commitee on audiometric evaluation. Guidelines for audiometric symbols. Rockville, ASHA, 17(5):260-264, 1974. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Methods for ma- nual pure-tone threshold audiometry. ANSI, S3:21, New York, 1978 e R-1986. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Specifications for instruments to measure aural acoustic impedance and admittance – ANSI, S3:39, New York, 1987. AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION – Commitee on audiometric evaluation. Guidelines for audiometric symbols. Rockville, ASHA, 30(12):39-42, 1988. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Specification for audiometer. ANSI, S3:6, New York, 1989. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Maximum permissible ambient noise for audiometric testing – ANSI, S3:1, New York, 1991. AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Standard reference zero for the calibration of pure-tone bone-conduction audiometers. ANSI, S3:43, New York, 1992. 82 Fonoaudiologia Prática BOOTHROYD, A. – Speech Acoustics and Perception. The Pro-Ed Studies in Communicative Disorders, 1986. CORLISS, E.L.R. & BURKHARD, M.D. – A probe tube method for the transfer of threshold standard between audiometer earphones. J. Acoust. Soc. Am., 24:990-993, 1953. DAVIS, H. – Acoustics and psychoacoustics. In: DAVIS, H. & SILVERMAN, S.R. Hearing and Deafness. 3ª ed., New York, Holt, Rinehart & Winston, 1970. HODGSON, W.R. – Basic Audiologic Evaluation. Baltimore, Williams & Wilkins, 1980. INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMMISSION – Standards for Audiometers. IEC, 1988. INTERNATIONAL STANDARDS ORGANIZATION – Acoustics – Standard Reference Zero for the Calibration of Pure-Tone Bone Conducted Audiometers and Guidelines for Its Practical Application. ISO 7566 – Geneva, Switzerland: International Electrotechnical Commission,1987. INTERNATIONAL STANDARDS ORGANIZATION –Acoustics- Standard Reference Zero for the Calibrations of Pure Tone Audiometers ISO, 1964. JACOBSON, J.T. & NORTHERN, J.L. – Overview of auditory diagnosis. In: NORTHERN, J.L. & JACOBSON, J.T. Diagnostic Audiology. Texas, Pro-Ed, 1991. LILLY, D.J. – Evaluation of the response time of acoustic-immitance instruments. In: SILMAN, S. The Acoustic Reflex. New York, Academic Press, 1984. MOORE, B.C.J. – An Introduction to the Psychology of Hearing. 3ª ed. San Diego, Academic Press, 1989. OKUNO, E.; CALDAS, I.L.; CHOW, C. – Física para Ciências Biológicas e Biomédicas. São Paulo, Harbra Harper & Row do Brasil, 1982. RUSSO, I.C.P. – Acústica e Psicoacústica aplicadas à Fonoaudiologia. São Paulo, Editora Lovise, 1993. SANTOS, T.M.M. & RUSSO, I.C.P. – A Prática da Audiologia Clínica. 4ª ed. São Paulo, Cortez Editora, 1993. SPEAKS, C.E. – Introduction to Sound – Acoustics for the Hearing and Speech Sciences. San Diego, Singular Publishing Group Inc., 1992. WILBER, A.L. – Calibration, puretone, speech and noise signals. In: KATZ, J. Handbook of Clinical Audiology. 4ª ed. Chap. 6. Baltimore, Williams & Wilkins, 1994. pp. 73-94. Testes Básicos de Avaliação Auditiva 85 sensação vibratória, o que ocorre com os diapasões de freqüência mais baixa. O de 256 Hz é empregado mais raramente e sempre com cuidado, podendo ser utilizado para verificar a audição do paciente pela via aérea. Estes testes devem ser realizados em ambiente de consultório, em que se supõe que o ruído de fundo seja pouco intenso. Se feito em local muito ruidoso ou mesmo em local anecóico (como numa sala acústica), seus resultados poderão confundir o examinador. O diapasão de 2.048 Hz é empregado apenas para a via aérea e tem o objetivo de determinar se o paciente ouve melhor os sons graves ou agudos, quando comparado com o de 256 Hz. Se houver necessidade de escolher apenas um diapa- são, deve-se escolher o de 512 Hz, porque é menos influenciado pelo ruído ambiente. Basicamente, empregam-se os seguintes testes de modo rotineiro: Weber, Rinne, Schwabach e Friedreich. Existem inúmeros outros testes que podem ser feitos com o diapa- são, mas que hoje perderam a importância (como os de Bing, Gellé, Bonnier, Runge, etc.). Quando houver necessidade de se escolher apenas dois testes, deve-se dar preferência ao Weber e ao Rinne. Teste de Weber Neste teste verifica-se em que orelha o paciente escuta melhor o diapasão quando encostado na fronte (ou na região da raiz do nariz ou junto aos dentes incisivos). Antes de fazer este teste, deve-se verificar em que orelha ele tem melhor audição pela via aérea. Nos casos em que a audição é normal ou existe perda igual em ambas as orelhas, ele dirá que escuta apenas no local em que o diapasão foi colocado (na fronte); diz-se que o Weber foi central. Quando o paciente escuta melhor o diapasão na mesma orelha em que tem melhor audição, diz-se que o Weber lateraliza para o lado melhor e é característico de lesão sensorioneural no lado comprometido. Se, no entanto, o Weber lateralizar para o lado em que o paciente escuta pior, diz-se que a perda de audição na orelha comprometida é de condução. Orelha pior Tom referido à orelha pior indica dano condutivo Orelha melhor Tom referido à orelha melhor indica dano perceptivo FIGURA 4.2 – Teste de Weber. (Apud CIBA Symposium.) 86 Fonoaudiologia Prática FIGURA 4.3 – Teste de Rinne. (Apud CIBA Symposium.) Tom ouvido mais tempo pela via aérea = Rinne positivo: indica perda perceptiva Tom ouvido mais tempo pela via óssea = Rinne negativo: indica perda condutiva Estágio 1 Estágio 2 Teste de Rinne O teste de Rinne permite comparar a audição pela via aérea e pela via óssea de uma orelha. O diapasão (em indivíduos com audição normal) pode ser ouvido pela via aérea pelo dobro do tempo em que é ouvido pela via óssea. O diapasão é colocado a vibrar (cada especialista tem sua maneira para isto) e é posto pela sua base na região retroauricular, na parte mais saliente da mastóide (via óssea) e em seguida seus arcos são colocados defronte ao meato acústico externo a mais ou menos 2 cm deste (via aérea), evitando-se tocar a pele do paciente. Os arcos do diapasão não devem estar paralelos ao plano do pavilhão da orelha e sim perpendicular a ele. Quando apresentado parale- lamente ao pavilhão, pequenos movimentos de lateralidade podem determinar o aparecimento de uma “zona muda” em que nenhum som é ouvido (experimente em sua orelha, movendo os arcos do diapasão quando colocados paralelamente ao pavi- lhão auditivo). Quando o paciente escuta mais forte pela via aérea do que pela via óssea, diz-se que o Rinne é positivo, se o paciente escuta apenas pela via aérea diz-se que é positivo patológico. O Rinne positivo costuma ser compatível com audição normal ou com perdas sensorioneurais moderadas e o Rinne positivo patológico com perdas mais severas. Quando o paciente escuta melhor pela via óssea do que pela aérea, diz-se que o Rinne é negativo. Eventualmente o paciente poderá ouvir apenas pela via óssea, o que caracteriza o Rinne negativo patológico. Esta eventualidade deve ser analisada com Testes Básicos de Avaliação Auditiva 87 cuidado, pois o paciente poderá estar escutando pela orelha oposta (audição contralateral). Nestes casos, deve-se verificar como foi a resposta ao teste de Weber. No caso de um paciente apresentar um teste de Rinne negativo patológico (por exemplo, escuta apenas por via óssea na orelha esquerda) e o Weber lateralizar para a orelha melhor (orelha direita), pode-se com alto grau de certeza afirmar que naquela orelha (esquerda) não existe audição e que a resposta ao teste de Rinne foi lateralizada para a orelha melhor. Deste modo, a associação dos testes de Weber e Rinne são importantes para o diagnóstico correto. O encontro de Rinne negativo é característico de perdas auditivas de condução ou mistas. Volta-se a insistir que o Rinne negativo unilateral deverá ser interpretado juntamente com o resultado do teste de Weber. Outra possibilidade é a do paciente escutar de maneira igual quer seja na mastóide, via óssea, ou orelha, via aérea, e diz-se que o Rinne foi igual. Isto pode suceder em pacientes com lesões mistas ou quando o gap aéreo-ósseo é menor que 15 ou 20 dB NA. Teste de Schwabach O teste é realizado colocando-se a base do diapasão sobre a mastóide do paciente e do examinador de modo alternado. Poderá ocorrer que o paciente escute o diapasão por um tempo menor que o examinador (o que caracteriza o Schwabach encur- tado) ou que o examinador escute-o por um tempo menor que o paciente (Schwabach prolongado). Este teste permite comparar a audição pela via óssea do examinador com a do paciente. Considerando-se que o examina- dor tenha audição normal, diz-se que o Schwabach é prolongado quando a audição pela via óssea do paciente for mais prolongada que a do examinador, e nestes casos será interpretado como perda de audição condutiva. Quando for percebido por um tempo menor (Schwabach encurtado) será interpretado como sendo uma perda sensorioneural. Quando igual para ambos diz-se que sua audição é normal ou muito próxima do normal. Teste de Friedreich Este teste permite confirmar se o paciente tem uma perda predominantemente sensorioneural ou condutiva. O diapasão é colocado (por sua base) inicialmente na mastóide e em seguida sobre o trago, comprimindo-o sobre a abertura do meato acústico externo de modo a fazer deste um tubo fechado. Isto fará com que o som seja amplificado pela camada aérea da orelha externa. Em pacientes sem deficiência de audição ou perdas sensorioneurais, o diapasão será melhor escutado quando for colocado nesta última posição e, quando a perda for condutiva, será mais audível 90 Fonoaudiologia Prática perda aparentemente moderada. Inicia-se a pesquisa do limiar diminuindo-se a intensidade do estímulo em passos de 5 dB até que não se obtenha mais resposta. O estímulo é então apresentado 10 dB acima deste nível e novamente diminuído em passos de 5 dB, até novamente não se obter mais resposta. Considera-se como limiar a menor intensidade em que o indivíduo apresente resposta 50% das vezes, quando o estímulo for apresentado de maneira descendente. c) Método descendente-ascendente Neste método o limiar é pesquisado através da combinação das duas técnicas anteriores. Inicia-se o teste sempre através da apre- sentação de um som audível. É considerado limiar a intensidade em que se obtiver resposta em 50% das vezes, independentemente se a apresentação do som for ascendente ou descendente. Seja qual for o método adotado, é importante muita habilidade e rapidez na obtenção dos resultados para se evitar cansaço ou distração por parte do paciente, especialmente os que apresen- tam comprometimento físico, mental ou neurológico, uma vez que se trata de um exame que exige muita atenção e concentração. Instruções ao paciente Num primeiro contato, o avaliador deve demonstrar interesse pelo problema do paciente, através de perguntas sobre seus sinto- mas (“qual a orelha melhor ?” “qual a orelha que prefere quando usa o telefone ?” “sons intensos incomodam ?” “ tem zumbido?”), as quais, além de fornecerem dados importantes para o conhecimento do caso, colaboram para diminuir a ansiedade que geralmente antecede qualquer testagem. O audiologista deve aproveitar este diálogo, modificando a intensidade de voz, alternando presença e ausência de pistas visuais, observando a qualidade da voz e articu- lação da fala do paciente. Estas observações auxiliam na escolha do FIGURA 4.6 – Audiômetros mais sofisticados (Siemens mod. SD-25) podem ser conectados a computadores. Testes Básicos de Avaliação Auditiva 91 método a ser empregado na testagem e na melhor forma de instruir o paciente quanto à realização do exame. Fornecem ainda informa- ções importantes quanto ao nível de audição, que ajudarão a complementar e/ou confirmar os resultados obtidos nos testes. Muito do sucesso na execução da audiometria tonal depende da forma e clareza com que as instruções são transmitidas ao paciente. Todo tempo e atenção dispensados neste primeiro contato certamente serão compensados com respostas mais rápidas e seguras, o que, além de diminuir o tempo gasto na realização do teste, propiciarão resultados mais fidedignos. O paciente deve ser informado que ouvirá uma série de sons, e que precisará sempre acusar a presença de cada um deles por mais fraco que seja. A forma de sinalização da resposta pode variar de acordo com a preferência do examinador, porém sempre conside- rando o nível sócio-econômico, intelectual e auditivo do paciente. Pode-se solicitar que o paciente levante o dedo indicador ou a mão do lado que ouvir para indicar a presença do som. Este procedimen- to tem a vantagem de poder oferecer indícios da aproximação do limiar, quando a amplitude do movimento tende a diminuir, e também indicar o lado em que o som está sendo percebido. Esta técnica não é recomendada em pacientes idosos e crianças pelo eventual cansaço que acarreta, e evidentemente naqueles que apresentem problemas motores. Outra forma de resposta seria a verbalização através do microfone. Este procedimento, como o anterior, também fornece pistas quanto à aproximação do limiar através da voz do paciente, que tende a diminuir ou se tornar hesitante. É bem-aceito em qualquer idade sendo que a única restrição ao seu uso é quanto ao paciente com alterações severas de fala. Pressionar um botão, que faz acender uma lâmpada no painel do audiômetro, também pode ser uma forma de sinalização. Este procedimento, porém, não fornece informações quanto a aproxi- mações do limiar. FIGURA 4.7 – Dois tipos de fones usualmente empregados. O da direita tem um abafador de ruído e pode ser útil quando a cabine não é muito eficaz. 92 Fonoaudiologia Prática FIGURA 4.8 – Vibrador para via óssea. Todas as instruções, independentemente do tipo de resposta solicitada, devem ser dadas ao paciente de forma simples, enfatizando a importância de sua atenção e esforço em responder aos menores sons perceptíveis. Audiometria tonal por via aérea Deve-se iniciar a avaliação através da obtenção dos limiares por via aérea. Para tanto, depois de fornecidas as instruções, colocam-se os fones no paciente, observando-se a correspon- dência das cores com as orelhas (vermelho – direita, azul – esquerda). Usualmente pede-se ao paciente que retire os óculos, brincos ou qualquer acessório que torne desconfortável a colocação dos fones. Especial cuidado, principalmente em pacientes idosos, deve ser tomado quanto a forma do meato acústico externo. Se o exame desta cavidade evidenciar um estreitamento quando se pressiona levemente o trago, algumas manobras devem ser feitas para se evitar que, com a colocação dos fones, haja um colabamento: introdução de molde auricular ou oliva de borracha (como a usada na imitanciometria) no meato acústico externo ou colocação de um chumaço de gaze atrás do pavilhão. Um colabamento pode acarretar um componente condutivo irreal da ordem de 15 a 30 dB NA. Testa-se então cada orelha separadamente, sendo que a primeira será aquela referida como melhor pelo paciente. O método normalmente mais utilizado na prática clínica é o des- cendente-ascendente. O exame audiométrico é iniciado na freqüência de 1.000 Hz, numa intensidade presumivelmente audível (estimada pelo audiologista pelas informações colhidas do paciente e observação do comportamento auditivo no conta- to inicial). Os estímulos são apresentados durante 1 a 2 segun- dos, com pequenos intervalos irregulares de silêncio para evitar que o paciente se condicione. Alguns profissionais preferem utilizar o tom pulsátil ao invés do contínuo por permitir uma apresentação mais longa e ser mais facilmente percebido, principalmente em portadores de zumbido. Testes Básicos de Avaliação Auditiva 95 TABELA 4.2 – Anotação na ausência de resposta às intensidades máximas. Mascaramento Durante a realização da audiometria tonal, quando houver assi- metria entre os limiares auditivos de uma orelha a outra, podem ocorrer situações em que as respostas encontradas não representem a audição real da orelha pior, mas sim respostas da orelha contrala- teral. Isto ocorre quando o estímulo apresentado à orelha pior é de tal intensidade que é percebido pela orelha melhor, antes mesmo de atingir o limiar da orelha testada. Esta situação é denominada lateralização (ou audição contralateral) e aparece no audiograma como um traçado semelhante à curva audiométrica da orelha melhor, porém num nível de intensidade mais elevado (curva sombra). Um som, quando apresentado a uma orelha, pode atingir a orelha oposta, mas perde uma certa quantidade de energia. Esta perda de energia é denominada atenuação interaural. Um som intenso, quando apresentado por via aérea a uma orelha, pode estimular a cóclea da orelha contralateral por via aérea ou por via óssea. Estudos realizados por CHAIKLIN (1967) demonstra- ram que a lateralização (ou audição contralateral) de um som apresentado por via aérea se processa por via óssea antes de ocorrer por via aérea, isto é, a atenuação interaural para a transmissão do som por via óssea (através dos ossos do crânio) é menor do que a atenuação interaural por via aérea (ao redor da cabeça). Quando o som é apresentado por via aérea a uma orelha, o fone pode transmitir uma certa energia, como vibração, através dos ossos do crânio, para a cóclea da outra orelha, com uma atenuação interaural que varia de 40 a 85 dB. Esta grande variação de intensidade foi observada em estudos realizados por alguns autores (LIDÉN, NILSSON, ANDERSON, 1959; CHAIKLIN, 1967; COLES & PRIEDE, 1970; SMITH & MARKIDES, 1981) e é decorrente do tipo de fone utilizado, da freqüência testada e de variações anatômicas individuais. Um som, mesmo de fraca intensidade, quando apresentado através do vibrador ósseo colocado em qualquer ponto do crânio, estimula ambas as cócleas simultaneamente o que torna a atenua- ção interaural por via óssea praticamente igual a zero dB. Desta forma, sempre que houver possibilidade de ocorrer uma lateralização do som, devemos utilizar o mascaramento que é a elevação artificial dos limiares da orelha não-testada, para que esta não interfira nas respostas da orelha que se quer testar. Tipos de ruídos mascarantes Existem basicamente dois tipos de ruídos mascarantes que são os de banda larga e o de banda estreita. O ruído de banda 96 Fonoaudiologia Prática larga é um ruído que contém todas as freqüências do espectro audível com a mesma quantidade de energia. Nesta categoria pode-se incluir o “White Noise” (WN) que possui espectro acústico linear de 250 Hz até 6.000 Hz e o “Speech Noise” (SN), cujo espectro abrange de 250 a 4.000 Hz. O ruído de banda estreita ou “Narrow Band” (NB) é um ruído mascarante com uma faixa de freqüência restrita para cada freqüência sonora testada. A esco- lha de um deles irá depender do exame que se está realizando, de eficiência do ruído e da disponibilidade do audiômetro. Para se entender o que torna um ruído mascarante efetivo em relação ao tom puro que se pretende mascarar, dois aspectos básicos devem ser levados em conta. O primeiro é o conceito de faixa crítica pelo qual, em qualquer ruído mascarante, somente as freqüências contidas dentro de uma certa faixa, centrada ao redor do tom puro testado, contribuem efetivamente para seu mascara- mento. A presença de outras freqüências na composição do ruído mascarante, além desta faixa, será inútil e desnecessária. O segundo aspecto importante é que quanto maior o número de freqüências presentes num ruído mascarante, maior será a sen- sação de intensidade que ele provocará. A partir disso, chega-se à conclusão que o melhor ruído mascarante é aquele que possui maior efetividade com menor sensação de intensidade. Para o mascaramento de tons puros, o ideal é a utilização do NB, já que possui uma faixa de freqüência restrita (centrada no tom puro a ser mascarado), necessitando menor quantidade de energia sonora. No caso do uso do WN para esse fim, será necessária uma quantidade maior de energia para o mesmo grau de efetividade, o que ocasionará um maior desconforto para o paciente, isto é, uma maior sensação de intensidade. Para os testes de fala pode-se utilizar o WN ou o SN. Se houver disponibilidade no audiômetro, a escolha deve recair sobre o SN, por ser um ruído mascarante com faixa de freqüência específica para a fala. Um ponto essencial na questão da utilização do mascaramen- to é o conhecimento que o audiologista pode ter da efetividade dos ruídos mascarantes do seu próprio aparelho. Os audiômetros modernos já vêm calibrados de fábrica, mas esta calibração deve ser verificada periodicamente, pois deve-se sempre considerar a possibilidade de haver pequenas variações. Uma maneira eficiente e rápida para verificar esta efetividade é a apresentação de um tom puro numa determinada intensidade e, a seguir, a introdução do ruído mascarante no mesmo fone, observando-se qual a intensidade de ruído necessária para que o tom puro deixe de ser percebido. Por exemplo, apresenta-se a um indivíduo com audição normal, um tom puro de 30 dB NA, e vai- se introduzindo aos poucos o ruído mascarante na mesma orelha, até o ponto em que o tom puro não seja mais percebido. O ideal é que exista uma exata relação entre o nível de ruído e o limiar mascarado, isto é, que a quantidade de ruído necessária seja Testes Básicos de Avaliação Auditiva 97 também de 30 dB. Isso caracteriza um mascaramento efetivo. Caso seja necessária uma maior intensidade de ruído, por exem- plo, 50 dB, pode-se dizer que esse ruído apresenta 20 dB de mascaramento não efetivo, o que deverá ser levado em conta no cálculo da intensidade necessária para sua utilização. Essa forma de calibração só pode ser feita em audiômetros que tenham dois canais, o que possibilita a apresentação dos dois tipos de estímulos sonoros (tom puro e ruído mascarante) no mesmo fone. Nos audiômetros em que isto não é possível, a verificação da eficiência do ruído mascarante pode ser convenientemente obser- vada em indivíduos com audição normal em uma orelha e perda total de audição na outra. Para isso, obtém-se os limiares tonais na orelha normal e em seguida na orelha anacúsica, sem mascaramento. Os limiares obtidos na orelha anacúsica representam uma “curva sombra” e a diferença entre as duas orelhas é o resultado da atenuação interaural daquele indivíduo. Vai-se introduzindo, então, o ruído mascarante na orelha normal (em passos de 5 dB) e retestando o limiar da outra orelha. No momento em que se observar uma mudança no limiar da orelha anacúsica, significa que o ruído mascarante começou a tornar-se eficiente, pois conseguiu-se uma mudança no limiar da orelha pior. Os mesmos procedimentos podem ser utilizados em relação à calibração dos ruídos mascarantes empregados nos testes de fala. Outro ponto essencial a considerar quando se utiliza o masca- ramento é que, quando se introduz uma quantidade de mascara- mento efetivo em uma orelha por via aérea, o limiar de condução aérea desta orelha será deslocado nesta mesma quantidade. Isto nem sempre ocorre com a via óssea. Tome-se como exemplo um caso, no qual o limiar por via aérea numa determinada freqüência seja igual a 40 dB e o limiar por via óssea igual a 10 dB. Se 60 dB de ruído mascarante efetivo for apresentado, o limiar da via aérea será elevado para 60 dB, porém o limiar da via óssea será deslocado para somente 30 dB. Isso acontece porque, embora 60 dB de ruído mascarante tenha sido introduzido por via aérea, somente 20 dB realmente alcançaram a cóclea. Mascaramento na audiometria tonal por via aérea Ao se testar a via aérea deve-se sempre mascarar a orelha melhor quando houver uma diferença maior ou igual a 40 dB entre a resposta obtida na pior orelha e o limiar da via óssea da orelha melhor numa mesma freqüência. Embora a atenuação interaural apresente variações de 40 a 85 dB, como já citado anteriormente, deve-se tomar como base o menor nível encontrado (40 dB), evitando-se possíveis erros. Este procedimento levará muitas vezes o audiologista a mascarar quando não é necessário, porém nunca deixará de utilizar o mascaramento nos casos em que ele é imprescindível.
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