Baixe Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo e outras Notas de estudo em PDF para Agronomia, somente na Docsity!
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Editores:,
* Renato Roscoe
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DINÂMICA DA
MATÉRIA ORGÂNICA
DO SOLO
EM SISTEMAS CONSERVACIONISTAS
Modelagem Matemática e Métodos Auxiliares
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1º edição
(2006): online
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A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação dos direitos autorais (Lei Nº 9.610),
CIP-Catalogação-na-Publicação.
Embrapa Agropecuária Oeste.
Roscoe, Renato
Dinâmica da matéria orgânica do solo em sistemas conservacionistas:
modelagem matemática e métodos auxiliares / Editores: Renato Roscoe, Fábio
Martins Mercante, Júlio Cesar Salton. — Dourados: Embrapa Agropecuária
Oeste, 2006.
304 p. : il color. ; 21 cm.
ISBN 85-7540-014-2
1. Solo - Matéria orgânica - Modelagem. 2. Matéria orgânica - Solo -
Modelagem. 1. Mercante, Fábio Martins. Il. Salton, Júlio Cesar. Ill. Embrapa
Agropecuária Oeste. IV. Título. V. Série.
O Embrapa 2006
Autores dos Capítulos
Alexandre Fonseca d'Andréa
Eng. Agrôn., Professor, Dr.,
Centro Federal de Educação Tecnológica de Urutaí,
Departamento de Desenvolvimento Educacional,
Coordenação Geral de Ensino,
Fazenda Palmital Km 2,5 , Zona Rural, 75790-000 - Urutaí, GO.
Telefone: (64) 465-1900, Fax: (64) 465-1900
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Arminda Moreira de Carvalho
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Beáta Emôke Madari
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Fone: (62) 3533-2110, Fax: (62) 3533-2100
E-mail: madariDenpaf.embrapa.br
Bruno José Rodrigues Alves
Eng. Agrôn., Pesquisador, Dr.,
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Carlos Alberto Silva
Universidade Federal de Lavras,
Departamento de Ciência do Solo,
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Cláudia Pozzi Jantalia Sisti
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David V. de Campos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
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Eduardo de Sá Mendonça
Eng. Agrôn., Ph.D., Professor Adjunto da
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Fábio Bueno dos Reis Júnior
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Apresentação
A manutenção de sistemas agrícolas produtivos, garantindo o
suprimento de alimentos, fibras e energia para a sociedade, sem
prejudicar a capacidade de sustentação e sobrevivência das gerações
futuras, representa grande desafio para a humanidade. Nesse contexto,
a conservação do solo e da água ganha especial destaque, por
representarem os recursos básicos da produção agrícola.
A matéria orgânica está envolvida com os diversos processos
químicos, físicos e biológicos relacionados com qualidade do solo. A
dinâmica da matéria orgânica do solo (MOS) determina o fluxo de
matéria e energia no sistema solo, definindo entre a tendência a
situações sustentáveis ou a processos de degradação. O entendimento
dessa função reguladora da MOS é fundamental na busca de sistemas
conservacionistas.
Diante de sua grande complexidade estrutural e dinâmica, o
estudo da MOS exige a combinação de técnicas específicas de análise
e abordagens integradoras, através de ferramentas de modelagem
matemática e simulação de sistemas. Essas abordagens vêm sendo
empregadas em vários ecossistemas, com destaque para a região
temperada. Trabalhos em solos tropicais e subtropicais vêm
aumentando significativamente nos últimos anos, mas ainda não há
uma tentativa de sintetizar as informações e conhecimentos obtidos até
omomento.
O presente livro, ao trazer informações valiosas sobre a dinâmica
da matéria orgânica do solo em sistemas conservacionistas, enfatizando
técnicas modernas de análise e de simulação de sistemas, é uma
importante contribuição para a geração de conhecimentos visando à
manutenção de produtividades elevadas, ao mesmo tempo em que se
preservam os recursos naturais.
Neste sentido, a Embrapa Agropecuária Oeste, juntamente com
seus parceiros nessa importante publicação, espera que esse material
contribua para o uso sustentável dos sistemas agrícolas tropicais e
subtropicais.
Mário Artemio Urchei
Chefe-Geral
Embrapa Agropecuária Oeste
Prefácio
Este livro foi idealizado a partir do workshop “Modelagem da
Matéria Orgânica do Solo no Sistema Plantio Direto” realizado na
Embrapa Agropecuária Oeste, em fevereiro de 2003, quando se notou a
falta de um material que sintetizasse os conhecimentos sobre matéria
orgânica do solo (MOS) em ambientes tropicais e subtropicais.
Inicialmente, pretendia-se elaborar uma publicação que contemplasse
os diversos aspectos relacionados à modelagem matemática e
simulação de sistemas. Ao longo de três anos, o material foi evoluindo e
ficou clara a necessidade de nivelamento do conhecimento sobre
alguns métodos auxiliares utilizados na definição dos parâmetros
essenciais aos simuladores. Desta forma, este livro foi organizado em
duas partes. Na Parte 1, quatro capítulos discutem a dinâmica da
matéria orgânica do solo em sistemas conservacionistas, com ênfase à
modelagem matemática e simulação de sistemas. Os dois primeiros
são de contextualização e revisão conceitual, sendo os dois seguintes
voltados para a discussão sobre as ferramentas de modelagem e
simulação de sistemas.
O Capítulo 1 concentra-se no embasamento teórico sobre como
a dinâmica da MOS está relacionada com a sustentabilidade dos
sistemas de produção e como o tipo de manejo pode influenciá-la.
Discute-se, ainda, como a modelagem matemática e a simulação de
sistemas podem auxiliar na melhoria desse entendimento.
No Capítulo 2 discute-se a questão de mudanças climáticas
globais e como o solo de sistemas agrícolas conservacionistas, a
exemplo do sistema plantio direto, pode servir de reservatório para o
PARTE 1.
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em
Sistemas Conservacionistas:
Modelagem Matemática e Simulação de Sistemas
1. Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
Renato Roscoe, Robert Michael Boddey, Júlio Cesar Salton ........ 17
2. O Segjiestro de Carbono no Sistema Plantio Direto:
Possibilidades de Contabilização
Renato ROSCOE .......... ss sirtrieeeareseeaaessranerareaena 43
3. Modelagem Matemática e Simulação de Sistemas: uma
Importante Ferramenta na Pesquisa Agropecuária
Rômulo Penna Scorza Júnior ..........ciieieiieiienis 63
4. Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da
Matéria Orgânica do Solo
Eduardo de Sá Mendonça, Luiz Fernando Carvalho Leite... 75
PARTE 2.
Métodos Auxiliares Utilizados no Entendimento
da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo
5. Fracionamento Físico do Solo na Obtenção de
Compartimentos Mensuráveis para Uso em Simuladores da
Dinâmica da Matéria Orgânica
Renato Roscoe, Beáta Emóke Madari, Pedro Luiz Oliveira de
Almeida Machado... tereterarererererrrasraraaaaanaaaa 107
6. Emprego do Isótopo Estável “C para o Estudo da
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo
Bruno José Rodrigues Alves, David V. de Campos, Cláudia Pozzi
Jantalia Sisti, Segundo Urquiaga, Robert Michael Boddey .......... 133
7. Biomassa Microbiana do Solo: Fração mais Ativa da
Matéria Orgânica
Renato Roscoe, Fábio Martins Mercante, lêda de Carvalho
Mendes, Fábio Bueno dos Reis Júnior, Júlio Cezar Franchini dos
Santos, Mariangela Hungria... 163
8. Emissões de CO, do Solo: Métodos de Avaliação e
Influência do Uso da Terra
Alexandre Fonseca d'Andréa, Marx Leandro Naves Silva, Carlos
Alberto Silva... itrrerreareaeeeeeeeerererereereareaserananaaannes 199
9. Ressonância Magnética Nuclear de “C em Estudos de
Caracterização Estrutural da Matéria Orgânica do Solo
Flávia Aparecida de Alcântara, Arminda Moreira de Carvalho........ 243
10. Pirólise Associada à Cromatografia Gasosa e
Espectrometria de Massa Aplicada a Estudos de Caracteri-
zação Química da Matéria Orgânica do Solo
Flávia Aparecida de Alcântara ........cistereeeteereeerererees 281
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
Management Systems and Soil
Organic Matter
Abstract - soi organic matter (SOM) has fundamental functions related
to an adequate soil functioning, being involved in physical, chemical, and
biological processes. During soil degradation, losses of SOM represent the
starting point, affecting several parameters in a typical chain reaction. No-
tillage systems (NTS) tend to preserve SOM, mainly because they reduce
SOM decomposition rate and, when NTS is properly adopted (including crop
rotation), increase residue production in the system. Pasture and crop
integrated systems (PCI) include grass production in the rotation, increasing
the amount of plant residue to NTS. In this chapter, we reviewed the major
aspects related to organic matter role on matter and energy fluxes in soil, and
evaluated the consequences of different management systems on those
fluxes. We also discussed how the inadequate soil management can cause
SOM losses and promote soil degradation, and how, on the other hand, the use
of conservationist systems may provide an adequate organic matter flux in the
agro ecosystem, favoring ordination processes and soil quality. Analyzing
literature data, we observed that conventional tillage has the potential of
reducing total SOM or, in specific situations, only some of its more reactive
fractions, but always provokes soil quality losses. NTS represents a good
alternative to avoid SOM losses or even increase its content, which strongly
depends on crop rotation. The rotation system should include cash crops and
cover-crops with high residue production and should maintain a positive N
balance in the system. Anegative N balance seems to limit SOM accumulation.
The PCI represents an interesting alternative of soil management, especially
in regions where climate conditions difficult the maintenance of soil mulching.
19
20
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Introdução
A importância da matéria orgânica do solo (MOS) para os diversos processos
físicos, químicos e biológicos é amplamente reconhecida na literatura. A MOS
desempenha diversas funções no ambiente, estando ligada a processos
fundamentais como a ciclagem e retenção de nutrientes, agregação do solo e
dinâmica da água, além de ser a fonte básica de energia para a atividade
biológica. Sua perda pode interferir drasticamente nesses processos,
dificultando o desempenho das funções do solo, provocando desequilíbrios no
sistema e, consequentemente, desencadeando o processo de degradação.
Em decorrência do grande impacto dos sistemas de uso do solo nas
condições ambientais, sistemas conservacionistas têm sido propostos com o
intuito de reduzir as modificações no ambientes necessárias ao processo de
produção de alimentos, fibras e energia. Neste contexto, destaque tem sido
dado ao sistema plantio direto (SPD) e à integração lavoura-pecuária (ILP),
como alternativas de produção sustentável para as regiões tropical e
subtropical. Esses sistemas combinam a ausência do revolvimento do solo e
elevado aporte de resíduos, seja pela rotação de culturas anuais ou mesmo
pela combinação de lavouras com pastagens. Tratam-se de sistemas
extremamente conservacionistas, com efeitos diretos na redução da erosão.
Devido a esse caráter e às vantagens decorrentes dos menores custos de
produção e maior praticidade, a adoção do SPD tem crescido
exponencialmente no Brasil nos últimos 30 anos. De uma área inexpressiva
em 1975, estima-se que tenham sido cultivados no Brasil, na safra 2003/2004,
mais de 20 milhões de hectares sob SPD (Federação Brasileira... 2005).
No SPD, os teores de MOS podem ser preservados, pois há uma redução na
taxa de decomposição, em função da não-fragmentação dos resíduos e do
não-revolvimento do solo. Desta forma, os resíduos permanecem na
superfície, tendo uma menor área de contato com o solo. Entretanto, não
somente a redução na taxa de decomposição se faz importante, mas também
a capacidade do sistema em suprir carbono para o solo. Para que haja um
efetivo acúmulo de MOS no sistema, deve-se ter uma taxa de entrada de C
superior à taxa de decomposição. Buscam-se, portanto, esquemas de rotação
que resultem em elevada produção de resíduos. Como em condições
tropicais essa elevada produção de resíduos tem-se mostrado um problema,
cresce a utilização de gramíneas forrageiras com o intuito de formar cobertura
de solo, ao mesmo tempo em que possibilita a diversificação da produção
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
agrícola, inserindo animais no sistema. A ILP combina a vantagem de
fornecer grandes quantidades de resíduos para formação de cobertura do
solo para a lavoura subsequente sob SPD. Ao mesmo tempo, períodos com
culturas anuais bem manejadas melhoram as condições das pastagens, com
aumento da fertilidade do solo, permitindo maior carga animal e produção de
biomassa.
O presente capítulo tem como objetivo revisar os principais aspectos
relacionados ao papel da matéria orgânica no fluxo de matéria e energia para
osolo, e analisar as consequências do uso de diferentes sistemas de manejo
sobre esse fluxo. Discute-se como o manejo inadequado do solo pode
provocar a perda de MOS e promover a sua degradação, e como, por outro
lado, a utilização de sistemas conservacionistas pode proporcionar um fluxo
adequado de matéria e energia para os agroecossistemas, favorecendo os
processos de ordenação e a qualidade do solo.
O Sistema Solo e a Matéria Orgânica
Adiscott (1995) descreve o solo como um sistema aberto, onde o fluxo de
matéria e energia é controlado por seus processos internos e, sobretudo, por
suas relações com o ambiente externo (Fig. 1). As características atuais do
solo são resultantes de um longo processo de formação, no qual são
combinados os fatores: material de origem, clima, topografia, organismos e
tempo (Resende et al., 1997). O material de origem serve de base para a
formação da fração mineral, constituída por partículas de tamanho variado
(areia, silte e argila), contendo uma combinação de minerais primários e
secundários. Seguindo o processo de intemperismo, os minerais primários
(aqueles encontrados nas rochas de origem) vão sendo gradativamente
transformados em minerais secundários. Nos solos tropicais, a fração argila é
dominada por minerais secundários de baixa atividade, como argilas
silicatadas do grupo das caulinitas e óxidos e hidróxidos de Fe e AI. A fração
areia, por sua vez, é dominada por minerais primários resistentes ao
intemperismo, como o quartzo, e por concreções ferruginosas (em solos
muito ricos em Fe). A fração silte tem uma composição intermediária. A
matéria orgânica do solo (MOS) é composta por todo o carbono orgânico
presente no solo, sendo considerados três importantes reservatórios: a MOS
transitória, composta, sobretudo, por resíduos de plantas e organismos do
21
24
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
em compactação, baixa resistência à erosão, menor infiltração e retenção de
água e, consequentemente, menor produtividade do sistema vegetal
(Roscoe, 2005).
A Matéria Orgânica do Solo e o Processo
de Degradação do Solo
Em ambientes tropicais, o processo de degradação dos solos encontra-se
intimamente relacionado à dinâmica da matéria orgânica (Feller & Beare,
1997). Diversos autores têm ressaltado que a conversão da vegetação nativa
em área de produção agrícola pode reduzir drasticamente os teores de MOS,
devido ao menor suprimento de resíduos e ao aumento na taxa de
decomposição, assim como a elevação nas perdas das camadas superficiais
dosolo por erosão (Andreux, 1996; Feller & Beare, 1997; Bayer & Mielniczuk,
1999; Christensen, 2000, 2001; Carter, 2001). Desta forma, há uma redução
no fluxo de matéria e energia no solo, favorecendo processos dissipativos
(Fig. 1). Em virtude de suas importantes funções nos processos físicos,
químicos e biológicos no solo, a perda de MOS retro-alimenta o processo de
degradação, promovendo a desorganização do sistema (Fig. 1), resultando
em menores produções de biomassa e maiores perdas de nutrientes, água e
solo (Fig. 2).
Os sistemas convencionais de cultivo, envolvendo aração e gradagem, são
considerados os de maior poder de degradação, resultando na maioria das
vezes na redução dos teores de MOS (Bayer & Mielniczuk, 1999; Resck et al.,
1999). Segundo Bayer & Mielniczuk (1999), as perdas da MOS são
favorecidas, principalmente, pelo revolvimento do solo e consequente
destruição dos agregados, maior fragmentação e incorporação dos resíduos
vegetais e diminuição da cobertura do solo, que resultam em alterações na
temperatura, umidade e aeração do solo. Silva et al. (1994) trabalharam com
220 amostras de três diferentes classes de solo da região do Cerrado,
cultivados continuamente com soja e utilizando grade pesada. Os autores
observaram elevadas perdas de MOS em cinco anos de cultivo. As reduções
foram de 80% em relação aos teores iniciais para Neossolos Quartzarênicos
(< 15% de argila), 76% para Latossolos Vermelho Amarelos textura média
(15-30% de argila) e 41% para Latossolos Vermelho Amarelos argilosos
(> 30% de argila). Entretanto, nem todos os estudos registram perdas de
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
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Fig. 2. Esquema representativo do processo de degradação do solo ligado à perda de
matéria orgânica. O uso do agro-ecossistema de forma inadequada reduz a
fotossíntese e o aporte de carbono ao solo, resultando na perda de MOS e da cobertura
do solo. O solo descoberto recebe a ação direta das gotas de chuva, desencadeando o
processo de erosão e contribuindo para perda de água e nutrientes. A redução da MOS
afeta os processos de formação e estabilização de agregados do solo, atividade
biológica e ciclo de nutrientes, contribuindo para a perda de nutrientes, solo e água.
Essas perdas, por sua vez, retro-alimenta o processo de degradação, reduzindo o
potencial produtivo do agro-ecossistema (este feedback positivo é representado pelas
setas em semicírculo).
MOS com o cultivo convencional. Freitas et al. (2000) não registraram perdas
de MOS após 25 anos de cultivo de culturas diversas (hortaliças, arroz, milho e
feijão), em um Latossolo Vermelho distrófico. Roscoe & Buurman (2003),
também em um Latossolo Vermelho distófico muito argiloso, observaram
estoques de carbono similares em áreas sob vegetação nativa de cerrado
sensu-stricto e cultivadas com milho e feijão em sucessão por 30 anos. Aalta
estabilidade da matéria orgânica em Latossolos muito argilosos vem sendo
atribuída à presença de altos teores de oxi-hidróxidos de ferro e alumínio, que
complexariam a MOS, estabilizando-a (Resende et al., 1997; Roscoe et al.,
25
26
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
20004). Isso pode ser evidenciado pelas altas percentagens de C nas frações
pesadas (densidade > 1,7 g cm”), aquelas representadas pela MOS ligada à
matriz mineral (Gregorich & Ellert, 1993). Geralmente, em torno de 90% do C
encontra-se nesta fração em Latossolos argilosos (Roscoe et al., 2001;
Roscoe & Machado, 2002).
Mesmo sem haver decréscimo acentuado nos teores de MOS, a ocorrência de
reduções em alguns de seus compartimentos pode desencadear o processo
de degradação. No estudo de Roscoe & Buurman (2003), embora não tenham
detectado alterações nos teores totais de MOS após 30 anos de cultivo, os
autores detectaram significativa redução nos estoques de C na fração leve
livre (densidade < 1,7 g cm”) da MOS, ressaltando que a fração orgânica que
não estava ligada à fração mineral (livre) foi a mais sensível às alterações no
ambiente. Segundo Roscoe & Buurman (2003), o erro experimental nas
medições dos teores totais de MOS foi, em termos absolutos, maior que as
variações observadas nas frações leves, mascarando o efeito de redução do
C orgânico nessa fração específica, na área cultivada. Outros estudos
mostraram que o sistema de plantio convencional reduz significativamente a
biomassa microbiana e a atividade enzimática do solo (Roscoe et al., 2000b).
A redução de frações mais ativas da MOS, como a fração leve livre e o C na
biomassa microbiana, pode afetar diversas de suas funções no solo. A
manutenção da produção de polissacarídeos, por exemplo, é fundamental
para a manutenção da agregação (Golchin et al., 1997), sendo que estes
compostos são transitórios no solo e são degradados rapidamente
(Stevenson & Cole, 1999). A manutenção de seus níveis depende da atividade
biológica. Portanto, uma redução nas frações leve livre e C na biomassa
microbiana, que representam as frações mais ativas da MOS, favoreceria a
desorganização do sistema, deslocando-o para um nível de ordem inferior,
resultando em uma menor estabilidade de agregados, desencadeando o
processo de degradação (Fig. 1e 2).
Conforme observado, não somente os teores totais de MOS são importantes
para o entendimento dos processos de degradação do solo. Faz-se
necessário o estudo detalhado de suas diferentes frações, relacionando
alterações quantitativas e qualitativas dessas frações, aos distúrbios
provocados em suas funções na manutenção da qualidade do solo. Quando
se faz tal análise, pode-se concluir que os sistemas convencionais de cultivo
promovem degradação e perda de qualidade do solo, mesmo em Latossolos
ricos em oxi-hidróxidos de ferro e alumínio, nos quais são observadas
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
convencionais (Bayer & Mielniczuk, 1997a,b; 1999). É importante considerar
também que nestas condições as taxas de decomposição dos resíduos são
maiores, favorecidas pela presença de umidade no solo. Sendo assim, não
basta dispor uma cultura dentro do sistema de rotação com alto aporte de
resíduos. Na realidade, o sistema de culturas como um todo que deve retornar
quantidades elevadas de resíduos para o solo, de forma a possibilitar saldo
positivo no balanço entre entrada e saída de C no solo. Bayer (1996) obteve
quantidades crescentes de material orgânico fornecidos por sistemas de
rotação envolvendo aveia/milho (14 Mg ha”), aveia + trevo/milho (18 Mg ha”) e
aveia + trevo/milho + caupi (21 Mg ha”). Bayer & Mielniczuk (1997a) relataram
que, nas áreas com esses tratamentos e sob SPD por 5 anos, houve aumento
no teor de MOS seguindo a mesma ordem. Comparando o tratamento com
menor aporte de resíduos (sucessão aveia/milho), sob sistema convencional,
ao de maior aporte (rotação aveia + trevo/milho + caupi), sob SPD, os autores
observaram uma diferença de 6 Mg ha” de carbono em favor do SPD, na
camada de 0-17,5 cm.
Entretanto, nem sempre maiores quantidades de resíduos culturais
depositadas resultam em uma maior acumulação de MOS no solo. Por
exemplo, Maria et al. (1999) comparou os efeitos na acumulação de MOS (0-
30 cm) de 9 anos de milho ou soja no verão, ambos com aveia no inverno sob
SPD e PC. Apesar dos rendimentos de milho (5,6 a 5,7 Mg ha”) terem sido
mais do que o dobro dos rendimentos de soja (2,1 a 2,4 Mg ha”), esta
contribuição muito maior de resíduos do milho não proporcionou uma
acumulação maior de MOS sob PC, nem sob SPD. Em ambas as sucessões
sob SPD e PC os níveis de MOS diminuíram em todos os tratamentos.
Resultados recentes (Alves etal., 2002, 2003; Sisti et al., 2004) indicaram que
o balanço de nitrogênio no sistema é um determinante crucial na acumulação
de MOS sob SPD. Os resultados de Alves et al. (2002) mostraram que, além
de a soja manejada sob SPD ser capaz de acumular até 80 % do seu N da
fixação biológica de nitrogênio (FBN), a proporção do N da cultura exportada
é, frequentemente, muito semelhante, deixando, no solo, baixas quantidades
de N para as culturas subsequentes. É óbvio que a MOS contém não somente
carbono, mas também outros nutrientes, sendo nitrogênio quantitativamente
o mais importante. Para acumular 1 Mg ha”! de C no solo na forma de MOS é
necessário pelo menos 80 kg N ha'' (Alves et al., 2002). Como após o cultivo
da soja o saldo é praticamente nulo de N para a formação de MOS, é
improvável que o solo sob sucessões de sojaítrigo ou soja/aveia acumule
MOS ao longo do tempo. Machado et al. (2001) e Freixo et al. (2002)
29
30
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
registraram resultados semelhantes na avaliação dos estoques de MOS sob
sucessões de soja/trigo manejadas com SPD em dois estudos de longo prazo
conduzidos na Embrapa Trigo (Passo Fundo, RS) e Embrapa Soja (Londrina
PR). Isso foi confirmado no mesmo experimento de longo prazo em Passo
Fundo por Sisti et al. (2004), mas em outros tratamentos no mesmo
experimento onde foi incorporada nas rotações a leguminosa ervilhaca no
inverno, registrou-se uma diferença em estoque do C de 17 Mg C (0-100 cm)
em favor do SPD, quando comparado ao PC, em um período de 13 anos.
Quase todos os outros estudos feitos no Rio Grande do Sul (Bayer e
Mielniczuk, 1997; Bayer e Bertol, 1999; Amado et al., 1999, 2001; Bayer etal.,
2000a,b; Diekow et al., 2005), que registraram maiores estoques de MOS sob
SPD comparado a PC, uma leguminosa fixadora de N,, além da soja, estava
presente nas rotações sob estudo. No caso do estudo de Maria et al. (1999)
mencionado anteriormente, uma das sucessões foi soja/aveia e a outra
milho/aveia. Mesmo tendo sido o milho adubado com 91 kg N ha”, o N retirado
no grão provavelmente foi mais de 70 kg N ha” (5,6 Mg ha” x 1,3% N);
portanto, assumindo que teriam algumas perdas de N do fertilizante ou da
mineralização rápida dos resíduos de soja (de baixa ralação C:N), em ambos
as sucessões o balanço do N teria sido nulo. Isso sugere que, para uma maior
obtenção de resíduos e, consequentemente, um acúmulo de MOS, o sistema
de rotação deve incluir culturas com alto aporte de resíduos (como as
gramíneas) e outras que teriam a função de inserir nitrogênio no sistema (as
leguminosas). O que explicaria tal tendência seria o fato de as gramíneas
serem extremamente responsivas a nitrogênio. Assim, tendo uma boa
quantidade de N entrando no sistema através das leguminosas, a produção
de biomassa das gramíneas subsequentes estariam sendo favorecidas.
Em contraste à Região Sul, a menor duração da estação de chuvas da região
do Cerrado raramente permite que sejam incluídas outras leguminosas além
da soja no esquema de rotações. Por esse motivo, é muito pouco provável que
as rotações apresentem um balanço anual de N positivo e portanto um
acúmulo de MOS. Embora o SPD conserve mais a MOS do que o PC, espera-
se que, caso não sejam adicionadas via fertilizantes quantidades de N
superiores às exportadas nos grãos, o SPD somente mantenha os níveis
existentes. No entanto, quando as quantidades de C aportadas são elevadas,
como no caso de pastagens de braquiária, expressivos aumentos no estoque
de Cno solo foram verificados para Latossolos de Mato Grosso do Sul, com a
rotação soja-pastagem em PD (Salton etal, 2005).
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
Os resultados anteriores sugerem que o aporte de resíduos é um componente
fundamental no processo de manutenção e acúmulo de MOS no SPD.
Entretanto, é limitado o que se sabe sobre o potencial produtivo de diferentes
espécies, em sistemas de rotações/sucessões de cultura no SPD. São
poucas as informações quantitativas e, sobretudo, qualitativas. Resultados
preliminares, obtidos em campos experimentais da Embrapa Agropecuária
Oeste (Dourados, MS), demonstraram que os teores de lignina e
hemicelulose na palhada de aveia podem variar significativamente entre o
sistema convencional (grade pesada), SPD e integração lavoura
(SPD)/pastagem (Mercante et al., dados não publicados). Estudos adicionais
são necessários para elucidar o potencial de produção dos diferentes
resíduos e como os mesmos estariam influenciando a dinâmica da MOS no
SPD.
Mesmo sem alterar os teores de C, o SPD pode alterar a distribuição relativa
de suas frações ou reservatórios funcionais, interferindo na qualidade do solo
enas produtividades das culturas. O fracionamento físico da MOS possibilitou
a execução de vários trabalhos em diferentes ambientes, demonstrando entre
outras coisas a sensibilidade da fração lábil, que corresponde à MO
particulada ou leve, respectivamente para os métodos granulométricos ou
densimétricos. Variações no estoque desta fração podem detectar alterações
na qualidade do sistema de manejo adotado, o que nem sempre é perceptível
ao avaliar apenas o estoque de COT no solo (Diekow et al., 2005; Salton,
2005).
Roscoe et al. (2000b) avaliaram, em um Latossolo Vermelho distrófico muito
argiloso, o efeito do sistema de preparo do solo no teor de MOS, atividade da
enzima urease, teores de nitrogênio na biomassa, recuperação do N-uréia
aplicado e produtividade de milho. Os autores observaram que, embora não
houvesse diferença no teor de matéria orgânica entre os tratamentos, o SPD
apresentou os maiores valores para as demais variáveis avaliadas, quando
comparado a dois outros sistemas convencionais (arado de disco e de
aiveca). A atividade da urease correlacionou-se positivamente com a
produção de matéria seca total e produção de grãos de milho, sendo que as
produtividades máximas de milho foram maiores para o SPD (6.177 kg ha”") do
que para os demais sistemas (4.640-5.045 kg ha”).
Estudos conduzidos na Embrapa Agropecuária Oeste, num Latossolo
Vermelho distroférrico típico, demonstraram teores de C da biomassa
microbiana mais expressivos no sistema natural (mata nativa), seguido pelo
31
34
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Considerações Finais
O cultivo convencional promove uma significativa perturbação na dinâmica e
no desempenho das funções da MOS, podendo reduzir os seus teores totais
ou, como em solos argilosos ricos em oxi-hidróxidos de Fe e Al, somente de
algumas de suas frações mais dinâmicas, como a leve-livre ou particulada e a
biomassa microbiana. Tal perturbação pode desencadear o processo de
degradação e de perda da qualidade do solo.
O sistema plantio direto, devido a sua característica de não-revolvimento do
solo, tem o potencial de reduzir os efeitos danosos do sistema convencional,
preservando a MOS. Entretanto, esse potencial é afetado por particularidades
do sistema de manejo adotado, as quais resultam no aporte e na qualidade
dos resíduos adicionado ao sistema. Evidências apontam para uma efetiva
manutenção da MOS em sistemas de rotação com elevado aporte de
resíduos, envolvendo culturas de inverno. Os trabalhos avaliados sugerem,
ainda, que as maiores quantidades de resíduos estão sempre relacionadas à
presença de mais de uma cultura fixadora de nitrogênio no esquema de
rotação. Sucessões contendo somente soja, seguida de aveia ou milho
safrinha, parecem não fornecer nitrogênio suficiente para o sistema. Cabe
ressaltar que o balanço positivo de N no sistema irá favorecer o acúmulo de
MOS, não pelo maior aporte de resíduos da própria leguminosa fixadora, mas
sim pela maior produtividade das gramíneas presentes no esquema de
rotação, visto que essas são extremamente responsivas ao N. Em esquemas
de rotação onde não ocorra o devido suprimento de N pela fixação biológica é
necessária a utilização de fertilizantes minerais para a manutenção de
balanço positivo de N no sistema.
Aintegração lavoura pecuária surge como uma alternativa interessante para
áreas onde há dificuldades de estabelecimento de sistemas de rotação de
culturas que sejam capazes de fornecer grandes aportes de resíduos para o
solo, situação observada para a maior parte do Centro-Oeste do Brasil.
Entretanto, vale ressaltar que, mesmo nesses sistemas, o suprimento de
resíduos é dependente de um manejo adequado das pastagens.
Sistemas de Manejo e Matéria Orgânica do Solo
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4
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Carbon Sequestration on No Tillage
System: Accounting Possibilities
Abstract - inthe lasttwo decades, terrestrial ecosystems have been
considered as important as oceans in fixing and accumulation atmospheric
carbon, mitigating greenhouse effect. Although not eligible as an activity for
emission compensation in the Kyoto Protocol, no-tillage system has been
considered as an promising altemative to atmospheric carbon sequestration,
since itpromotes soil organic matter maintenance and increase. Nevertheless,
there are still several methodological restrictions for an effective assessment
of carbon sequestration under no-tillage system. Mathematical modeling and
simulation of soil organic matter dynamics has a great potential as a suitable
alternative for such a assessment, which would allow the inclusion of carbon
sequestration under no-tillage system in the national emission inventories.
This would allow the inclusion of such a mitigating alternative in international
agreements. However, improvements are still necessary for the adaptation of
models to tropical and subtropical conditions.
Sequestro de Carbono no Sistema Plantio Direto: Possibilidades de Contabilização
Introdução
As mudanças no ambiente causadas pelas atividades humanas têm
provocado sérios problemas ambientais, como a redução da biodiversidade e
a degradação do solo e da água. Mais recentemente, com o avanço dos
conhecimentos científicos, pesquisadores começaram a perceber que a
atividade humana tem afetado, ainda, a atmosfera. Estudos iniciados no final
da década de 70 e intensificados nos últimos 20 anos acumularam evidências
de que o homem vem causando alterações significativas na composição da
atmosfera, emitindo quantidades crescentes de gases causadores de efeito
estufa (GEE). O aumento da temperatura na superfície terrestre está
associado à elevação da concentração destes gases, o que gera alterações
significativas no clima do planeta.
Dentre os GEEs emitidos pelas atividades antropogênicas, o gás carbônico é
responsável por cerca de 70% do potencial de elevação da temperatura
terrestre. Nos últimos 250 anos, a concentração de CO, na atmosfera
aumentou 31%, alcançando os atuais 366 ppm, mais alto nível observado nos
últimos 420 mil anos (Watson etal., 2001).
O carbono emitido pelo homem vem, sobretudo, da queima de combustíveis
fósseis e da mudança no uso da terra. O petróleo, carvão mineral e gás natural
representam base da produção de energia na sociedade atual, respondendo
por dois terços de toda a energia consumida mundialmente. Por essa razão,
as emissões de CO, provenientes da queima de combustíveis fósseis
atingiram valores quatro vezes superiores à quantidade emitida pela mudança
no uso daterra, nas últimas duas décadas. Não obstante, ao longo da história
da humanidade, a substituição de florestas por pastagens ou culturas anuais
foi responsável por grandes reduções nos estoques de carbono nos
ecossistemas terrestres, ao longo da história da espécie humana. Como as
mudanças na matriz energética têm um custo econômico extremamente
elevado, acredita-se que a recuperação dos estoques de carbono em
ecossistemas terrestres, que sofreram perda ao longo de sua história de
utilização, possa mitigar os efeitos das atividades humanas, re-absorvendo
carbono no solo e na vegetação. Adotando-se estratégias conservacionistas,
os ecossistemas terrestres poderiam armazenar o excesso de carbono
emitido para a obtenção de energia, permitindo o desenvolvimento
tecnológico e a substituição da matriz energética por fontes renováveis.
45
46
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Neste contexto, tem-se avaliado o potencial de sistemas conservacionistas
emrretirar o carbono da atmosfera, armazenando-o no solo. O sistema plantio
direto (SPD), por não promover o revolvimento do solo e a incorporação dos
resíduos vegetais, tende a preservar a matéria orgânica do solo, mantendo ou
até elevando os estoques de carbono neste reservatório. Entretanto, existem
processos importantes envolvidos, os quais determinam ou não o acúmulo de
carbono nos sistemas. O entendimento de tais processos, em um sistema
complexo como o solo, exige a integração de conhecimentos em uma
abordagem sistêmica.
Neste capítulo, apresenta-se o ciclo global do carbono e os processos
envolvidos em seu balanço nos ambientes terrestres. O objetivo foi o de
discutir o papel do sistema plantio direto no contexto da mitigação das
emissões de gases de efeito estufa, assim como, a importância da
modelagem matemática e simulação da dinâmica da matéria orgânica do solo
para o entendimento deste papel.
Ciclo Global do Carbono
As quantidades de CO, na atmosfera resultam do balanço entre fontes e
sumidouros nos seus principais reservatórios: os ecossistemas terrestres, os
oceanos e a litosfera (Fig. 1). O maior reservatório de carbono na Terra
encontra-se nas rochas sedimentares, sendo estimado em 66 bilhões de Gt
de C (German Bundestag, 1989). Os fluxos de carbono entre a atmosfera e
esse imenso reservatório ocorrem lentamente, com taxas anuais
extremamente baixas. O CO, atmosférico, por sua vez, pode ser absorvido
nos ecossistemas terrestres, principalmente, pela fotossíntese! e, nos
oceanos, através da fotossíntese e da dissolução na forma de carbonatos
(Schlesinger, 1997; Wigley & Schimel, 2000). Nos ecossistemas terrestres, o
CO, fixado pela vegetação segue vários caminhos, sendo parcialmente
consumido pela respiração dos próprios autotróficos e, posteriormente,
servindo de fonte básica de energia para os demais sistemas heterotróficos.
Esses organismos consomem parte do carbono pela respiração e repassam
“ Solos alcalinos também podem fixar pequenas quantidades de CO, atmosférico na forma de
carbonatos. Porém este processo restringe-se a solos de regiões semiáridas e tem uma
contribuição irrisória quando comparado à fotossíntese.
Sequestro de Carbono no Sistema Plantio Direto: Possibilidades de Contabilização
Mitigando as Emissões
Na últimas duas décadas, os ecossistemas terrestres vêm funcionando como
um dreno de carbono tão eficiente quanto os oceanos, em termos
quantitativos (Watson et al., 2000), o que vem sendo atribuído,
principalmente, ao crescimento de florestas em altas latitudes (Sarmiento,
2000). Entretanto, as respostas destes ecossistemas a alterações no clima
podem afetar significativamente o seu potencial de sequestro de C no próximo
século (Sarmiento et al., 1998; Sarmiento, 2000; Cox et al., 2000).
Mecanismos de feedback positivos e negativos estarão atuando neste
processo em função das mudanças climáticas globais (Sarmiento et al., 1998;
Sarmiento, 2000; Cox et al. 2000). O aumento da taxa de decomposição da
matéria orgânica do solo, em resposta a uma elevação da temperatura média
global, constitui o principal mecanismo favorável ao incremento das
emissões. Por outro lado, a “fertilização com CO,” aumentaria a taxa
fotossintética, favorecendo o sequestro de carbono pelas vegetações. A
magnitude destes feedbacks foi testada por Cox etal. (2000) em uma série de
simulações nas quais os autores consideram as emissões do cenário I592a
do IPCC (“business-as-usual) e a ausência de políticas estimuladoras do
sequestro de carbono em ecossistemas terrestres. Segundo os autores, os
ecossistemas terrestres funcionarão como um dreno de carbono até meados
do próximo século, quando, então, o processo de fertilização de CO,
alcançará um ponto de saturação. A partir daí, o aumento na taxa de
decomposição da MOS será o processo dominante e os ecossistemas
terrestres passarão a se comportar como uma fonte de CO, para a atmosfera.
No balanço final, os biomas terrestres emitirão em torno de 170 Gt de carbono
entre 2000-2100.
Diante de tal cenário, cientistas vêm recomendando a adoção conjunta de
medidas mitigadoras, tanto para reduzir futuras emissões quanto para
aumentar a capacidade dos ecossistemas terrestres em sequestrar carbono
(Watson et al., 2001). Na tentativa de se estimular o sequestro de carbono,
tem-se direcionado a pesquisa em duas áreas básicas: (1) no entendimento
dos processos de emissão/absorção por diferentes ecossistemas naturais e
(2) na geração de alternativas de uso da terra que promovam o sequestro de
CO, por estes sistemas (Watson etal., 2000; Lal, 2004).
49
50
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
As previsões sobre os impactos de atividades mitigadoras nos estoques de
carbono nos solos são ainda pouco conclusivas (Batje, 1999). A falta de
informações mais precisas sobre processos específicos de proteção da MOS,
assim como a indisponibilidade de mapas mais detalhados de classes de
solos, impedem o aprimoramento das previsões (Batje, 1999). Baseado no
Mapa Mundial de Solos (FAO, 1995), no Zoneamento Agro-ecológico (FAO,
1999) e em experimentos locais sobre manejo do solo, Batje (1999) estimou
os potenciais de sequestro de carbono para os próximos 25 anos, segundo
uma série de cenários nos quais medidas para a recuperação de áreas
degradadas ou melhoria do sistema de produção seriam adotadas (Tabela 1).
Globalmente, fluxos anuais médios de 0,17 a 1,29 Gt C ano” foram preditos. A
combinação mais plausível dos cenários seria a recuperação de áreas
degradadas e melhoria de manejo em áreas não degradadas (cenários D e F,
Tabela 1), o que geraria em média uma taxa de sequestro de carbono em torno
de 0,8Gt Cano” ou próximo a 20 GtC nos primeiros 25 anos do século XXI.
Tabela 1. Projeções para taxa anual de sequestro de C nos solos nos
próximos 25 anos, segundo diferentes cenários de adoção de estratégias de
recuperação de áreas degradadas e melhoria no manejo de áreas não
degradadas.
a Aumento no estoque de C
Cenários — AUmenço no estoque cel
(GtCano”) (GtCem25 anos)
A) Recuperação de toda a área degradada,
independentemente do uso/cobertura 1,29 32,2
B) Recuperação de toda a área degradada,
excluindo regiões áridas, boreais e 0,93 234
polares
C) Recuperação de áreas degradadas na 041 10,2
agricultura somente
D) Recuperação de áreas degradadas, na
agricultura, pastagens extensivas e 0,52 13,0
florestas secundárias
E) Melhor manejo de áreas a grícolas não
0,17 43
degradadas
F) Melhor manejo de áreas não degradadas
na agricultura, pastagens extensivas e 0,28 69
florestas secundárias
Fonte: Batje (1999).
Sequestro de Carbono no Sistema Plantio Direto: Possibilidades de Contabilização 1
Em uma vasta revisão sobre sequestro de carbono no solo como estratégia
para mitigar o efeito estufa, Lal (2004) chegou a valores de fixação de carbono
no solo por práticas conservacionistas bem próximos aos de Batje (1999).
Segundo o autor, o potencial de sequestro de carbono nos solos de todo o
Mundo seria de 0,9+ 0,3 Gt Cano”, ou entre 30 - 60 Gtnos próximos 50 anos.
O Papel do Sistema Plantio Direto
O sistema plantio direto (SPD) pode promover incrementos nos estoques de C
no solo, contribuindo para a sua retirada da atmosfera. Isso ocorre em função
da não-movimentação do solo e da não-incorporação dos resíduos, o que
garante uma menor taxa de decomposição (ver Capítulo 1). Estudos em
regiões temperadas têm demonstrado resultados discrepantes, variando
entre ausência de incremento a aumentos da ordem de 7,5 Mg haano”
(Janzen etal., 1998). Smith et al. (2000b), em uma projeção dos impactos do
SPD na redução das emissões globais de CO, na Europa, utilizaram
incrementos médios anuais de C em solos sob SPD de 0,73% ano”. Subak
(2000), revisando trabalhos sob sequestro de C em solos dos EUA,
registraram incrementos médios de no máximo 0,10 Mg de C ha” ano”. No
Brasil, os resultados mais promissores até o momento foram obtidos em
campos experimentais nas regiões subtropicais do Sul do País. Bayer et al.
(2001) obtiveram taxas de acúmulo de C entre 0,15 e 0,94 Mg de C ha” ano”.
Os melhores resultados foram obtidos quando esquemas de
rotação/sucessão incluíram materiais com elevada produção de resíduos. Em
um dos experimentos analisados pelos autores, as taxas de acúmulo anual de
C na camada de 0-17,5 cm de profundidade foram em torno de três vezes
maiores nos sistemas com aveia + ervilhaca/milho + caupi, quando
comparados aos sistemas sob rotação aveia/milho (Tabela 2).
Diversos autores vêm ressaltando o caráter finito do potencial de sequestro de
C em solos sob SPD (Janzen etal., 1998; Smith et al., 2000a,b; Subak, 2000;
Bayer et al., 2001). Esse potencial está relacionado com uma nova situação
de equilíbrio estabelecida no sistema, como resultado do balanço de entradas
e saídas de MOS. O SPD, quando aplicado em sua plenitude, ou seja,
incluindo diversificação e rotação de culturas, tende a aumentar o aporte de
resíduos (Bayer et al., 2001). Concomitantemente, há uma tendência de
redução da taxa de decomposição, diminuindo a perda de MOS do sistema.
54
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
podem ser amortizadas pelo sequestro de carbono em seu território,
possibilitando até mesmo o cumprimento das metas estabelecidas sem
efetivamente reduzir as emissões. Esta possibilidade é ainda ampliada pelo
chamado “comércio de emissões”, segundo o qual nações com excedentes
de créditos de emissão podem vender o seu direito de emitir para outros
países.
Em seu Artigo 3º, o Protocolo de Kyoto institui três princípios básicos para o
monitoramento de atividades promotoras do sequestro de carbono:
transparência, viabilidade e verificabilidade. Segundo Subak (2000), existem
basicamente três formas de monitoramento dos fluxos de carbono para
elaboração de inventários nacionais: (1) uso de métodos instrumentais para
medir os fluxos de carbono diretamente entre o solo/vegetação e a atmosfera,
como torres meteorológicas; (2) amostragem em larga escala dos solos ao
nível de propriedade rural, sendo que cada proprietário poderia se beneficiar
de incentivos e compensações; e (3) integração de dados experimentais
sobre fluxos de carbono em determinados solos, associados a censos
regionais e mapas topográficos. As duas primeiras alternativas ferem o
princípio básico da “viabilidade”, conforme estabelecido pelo Protocolo.
Medidas diretas do fluxo de carbono exigem um monitoramento constante por
vários meses consecutivos, envolvendo sofisticada aparelhagem (Grace et
al., 1995a,b; Miranda et al., 1996), o que torna experimentos em larga escala
inviáveis. Da mesma forma, o monitoramento por amostragens de solo ao
nível de propriedades individuais assume dimensões orçamentárias
impraticáveis. Subak (2000) estimou o custo de um monitoramento de tal
natureza para solos dos Estados Unidos da América (EUA), sob SPD, em
1 bilhão de dólares. Segundo a autora, considerando um valor compensatório
de 50 a 100 dólares por tonelada de carbono fixada e uma estimativa de
sequestro em sistemas agrícolas de 30 Mt C no período entre 2008-2012
(primeiro “targed period” do Protocolo de Kyoto), seriam gerados 1,5 a
3,0 bilhões de dólares. Esses valores demonstram que, entre um a doisterços
do retorno financeiro” potencialmente atingível pelo sequestro de carbono nos
solos agrícolas sob SPD seriam gastos somente no monitoramento dos
ganhos.
O retorno financeiro de atividades sequestradoras de carbono está relacionado com a
economia gerada pela não necessidade de se reduzir o crescimento na produção industrial
e/ou investir em fontes alternativas de energia (e.g. energia solar), as quais apresentam, em
geral, custos mais elevados (Subak, 2000).
Sequestro de Carbono no Sistema Plantio Direto: Possibilidades de Contabilização | 99
Diante da impossibilidade de se utilizarem as duas primeiras opções
mencionadas anteriormente, a alternativa mais viável parece ser a integração
de dados experimentais locais, associados a censos regionais e mapas
topográficos. As recentes estimativas de sequestro de carbono pelos solos,
tanto em escala de inventários nacionais (Dumanski et al., 1998; Lal et al.,
1998; Smith et al., 1997a,b,c; 2000a,b; Cannell et al., 1999; Eve et al., 2000)
como em escalas globais (Batje, 1999), baseiam-se em tais extrapolações a
partir de campos experimentais, considerando relações lineares entre os tipos
de manejo e os estoques de carbono no solo. Entretanto, na maioria destes
estudos as questões da “transparência” e “verificabilidade” ficam
comprometidas, pois as condições observadas nos campos experimentais
(e.g. tipo de solo, vegetação, clima, etc.) geralmente diferem daquelas
encontradas na maioria das localidades para onde os dados são extrapolados
(Falloon et al., 2001; Paustian, 2001).
Recentemente, ganhos consideráveis têm sido obtidos com a utilização de
simuladores da dinâmica do carbono (e.g. CENTURY, RothC), associados a
ferramentas de SIG (Sistemas de Informação Geográfica) (Falloon et al.,
1998, 1999, 2000, 2001). Isso ocorre porque os simuladores levam em
consideração variáveis de solo, vegetação, clima, etc., permitindo melhores
estimativas em localidades específicas (Falloon et al., 2001). Mesmo assim,
problemas estruturais e falta de parametrização desses simuladores, para
diversas regiões e tipos de solo, têm comprometido o uso generalizado dos
mesmos (Paustian, 2001).
A modelagem matemática e simulação da dinâmica de carbono nos
ecossistemas terrestres parece ser a opção mais promissora para um efetivo
monitoramento de atividades sequestradoras de carbono (Paustian, 2001),
respeitando o princípio básico da “viabilidade” (Subak, 2000). Entretanto, para
se adequar aos princípios de “transparência” e “verificabilidade”, os
simuladores ainda necessitam de ajustes consideráveis (Falloon & Smith,
2000; Paustian, 2001), principalmente para ambientes tropicais.
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Considerações Finais
Embora o Protocolo de Kyoto não considere a fixação de carbono no solo
como um mecanismo mitigador das emissões, existe um grande potencial
para esse mecanismo. Com isso, acordos bilaterais vêm sendo assinados,
mesmo em paralelo ao Protocolo, com o objetivo de promover a fixação de
carbono no solo pelo sistema plantio direto (SPD). A efetiva inclusão deste
mecanismo em tratados internacionais depende, ainda, de refinamento
metodológico nas estimativas dos inventários nacionais.
Avanços em modelagem matemática e simulação da dinâmica da matéria
orgânica do solo em ambientes tropicais e subtropicais são ainda necessários
para se acessar, com maior segurança, os potenciais do SPD em retirar
carbono da atmosfera. Atualmente têm-se taxas anuais de fixação de carbono
em poucos experimentos pontuais, impedindo uma extrapolação segura para
outras áreas. Uma vez adaptados simuladores mais eficientes para as
condição tropicais e subtropicais, as extrapolações podem ser ponderadas
em função de variáveis que distinguem as condições experimentais das áreas
a serem simuladas. Além dos ganhos em relação à precisão dos inventários,
vale ressaltar que simulações mais próximas da realidade subsidiariam a
seleção de sistemas de sucessão/rotação de culturas mais adequadas ao
SPD, de forma a maximizar os outros benefícios gerados pela MOS. Isso
implicaria em ganhos de produtividade e maior eficiência no uso de
fertilizantes, reduzindo a necessidade de abertura de novas áreas e o
consumo de energia para produção dos insumos.
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64
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Mathematical Modelling and System
Simulation: an Important
Tool for Agriculture Research
Abstract - mathematical modeling and system simulation, as tools for
agricultural research, allow the integration of processes for a specified system.
This integration occurs in a organized way that results in more reliable and
completed conclusions. In this chapter | show the main objectives of
mathematical modeling and simulation in the context of agricultural research,
and also the advantages and disadvantages of these tools. | also present
some term definitions with the aim to clarify and stimulate the correct use of
them. A broad model classification is presented based on model function and
complexity levels. At the end, the main steps to build and test a simulator and
mathematical model are presented.
Modelagem Matemática e Simulação de Sistemas
Introdução
Nas últimas décadas, os sistemas agrícolas de produção dominantes visavam
principalmente o aumento de produtividade, lucro e maior competitividade. No
entanto, percebeu-se ao longo do tempo que esses sistemas de produção
estavam causando a exploração indevida do meio ambiente e, portanto, a
degradação dos ecossistemas, como, por exemplo, degradação dos solos e
poluição dos recursos hídricos por pesticidas, fertilizantes e resíduos
orgânicos oriundos das atividades agropecuárias. Os possíveis riscos na
qualidade de vida de gerações futuras provenientes desses sistemas
agrícolas de produção passaram a ser considerados. Diante dessa realidade,
iniciou-se um novo modelo de desenvolvimento agrícola, baseado no
princípio da sustentabilidade. Por agricultura sustentável entende-se “o
manejo e conservação dos recursos naturais e a orientação de mudanças
tecnológicas e institucionais que assegurem a satisfação das necessidades
humanas para a presente e futuras gerações. É uma agricultura que conserva
o solo, a água e recursos genéticos animais, vegetais e microrganismos, não
degrada o meio ambiente e é tecnicamente apropriada, economicamente
viável e socialmente aceitável” (Kitamura, 2002). Diante do novo paradigma
de agricultura sustentável, enfatiza-se a importância da crescente relação
agriculturalhomem/meio ambiente. Com intuito de assegurar a
sustentabilidade nessa relação é necessário o conhecimento dos fatores e
processos que regem essas relações e, portanto, a necessidade de se
visualizar o sistema estudado de forma holística. No entanto, dois problemas
surgem quando tentamos a visualização holística de um sistema: (i) sua
complexidade devido ao grande número de processos e mecanismos
envolvidos e (ii) a visão reducionista por parte dos pesquisadores, que na sua
maioria estuda os processos e mecanismos de forma isolada e com
interesses específicos. Provavelmente, este último problema esteja
relacionado à ausência de uma equipe multidisciplinar para se estudar todo o
sistema de forma integrada. Como consequência, conclusões bastante
simplistas são obtidas de estudos onde se tem uma visão reducionista do
problema estudado. A modelagem matemática e a simulação de sistemas,
como ferramentas dentro da pesquisa agropecuária possibilitam a integração
e organização do conhecimento sobre os processos que compõem um
sistema a ser estudado permitindo conclusões mais completas e confiáveis. A
modelagem matemática e a simulação de sistemas permitem que se evolua
para um estágio de desenvolvimento metodológico mais avançado, onde se
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
integra de forma organizada o conhecimento gerado em estudos
monodisciplinares (Pessoa etal., 1997).
Objetivos Gerais da Modelagem Matemática
e da Simulação de Sistemas
Dentre os objetivos gerais que a ferramenta modelagem matemática e
simulação de sistemas tem dentro da pesquisa agropecuária pode-se
destacar:
e integrar e sintetizar o conhecimento de forma organizada;
e sintetizar os processos que descrevem o sistema em estudo, bem como
suas interações;
e auxiliar no dimensionamento de novas linhas de pesquisa;
auxiliar no planejamento e elaboração de novos experimentos (simulações
preliminares podem reduzir a quantidade de experimentos e, portanto,
permitir uma economia de tempo e recursos financeiros);
e avaliar o comportamento de fatores que possam induzir o aparecimento de
impactos negativos ou indesejáveis ao sistema;
e auxiliar na compreensão das particularidades dos processos que compõem
o sistema (isso porque muitos modelos matemáticos descrevem esses
processos de maneira bastante detalhada); e
e visualizar o comportamento futuro do sistema através da criação de
cenários altemativos que ainda não foram explorados experimentalmente.
Vantagens e Desvantagens da Utilização
da Modelagem Matemática e da
Simulação de Sistemas
Comparando-se a experimentação tradicional com a ferramenta modelagem
matemática e simulação de sistemas, esta última pode apresentar algumas
vantagens a saber:
e baixo custo (o custo de execução de um simulador, ou seja, de um
programa computacional é bem inferior ao custo de implementação e
condução de um experimento de campo ou laboratório. No entanto, o custo
Modelagem Matemática e Simulação de Sistemas
exemplo de um modelo conceitual que descreve a partição da precipitação na
superfície do solo adotada pelo simulador CENTURY. De maneira geral, o
total de água proveniente da precipitação é particionado em infiltração,
evaporação e transpiração.
Precipitação
Transpiração
. Sd
Evaporação 2
ls
Infiltração
Fig. 1. Modelo conceitual mostrando a partição da precipitação na superfície do solo
adotada pelo simulador CENTURY.
Fonte: (Parton etal. (1988).
2) Modelo matemático = conforme definido anteriormente, corresponde à
descrição de um processo que compõe o sistema estudado utilizando-se da
linguagem matemática. Considerando apenas os modelos matemáticos,
alguns subtipos são apresentados:
2.1) Modelos descritivos ou empíricos = são os modelos mais difundidos no
meio agronômico. Correspondem a equações matemáticas que apenas
representam os dados experimentais de forma aceitável, sem nenhuma
preocupação em explicar os processos envolvidos. Como consequência,
70
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
qualquer extrapolação das conclusões para condições diferentes daquelas
em que o experimento foi realizado é extremamente perigosa. Dessa forma,
esses modelos apresentam uma limitação na sua capacidade preditiva. Como
exemplo, tem-se o modelo matemático utilizado para descrever a retenção da
água no solo em função do seu potencial matricial (Van Genuchten, 1980):
9
o(v)=0, + (ep vi)” eeemenenencenenenens (2)
-0
(pow
onde 0, é a umidade volumétrica residual (cm” cm), 0, é a umidade
volumétrica saturada (cm” cm”) e a e n são parâmetros específicos de cada
solo e obtidos através do ajuste dos dados medidos à equação (2). Para cada
tipo de solo estudado, novos valores dos parâmetros a e n devem ser obtidos,
o que limita então a capacidade preditiva do modelo quando em condições
diferentes daquelas em que foram obtidos os dados experimentais.
2.2) Modelos explanatórios = são modelos que buscam descrever os dados
experimentais através da explicação dos processos e/ou mecanismos que
fazem parte do problema estudado. Na verdade, esses modelos somente são
possíveis porque pode-se estabelecer diferentes níveis de organização
dentro de um sistema. Esses níveis de organização, por sua vez, podem ser
distinguidos por diferentes níveis de integração nos quais os processos
ocorrem. Considerando o sistema solo, por exemplo, os diferentes níveis de
integração podem ser diferenciados com base na dimensão ou escala do
sistema. Partindo-se da menor escala para a maior tem-se: (i) molécula, (ii)
partículas de solo, (iii) agregados, (iv) perfil do solo, (v) pedon, (vi) gleba, (vii)
bacia hidrográfica e (viii) região. Os modelos explanatórios demandam pelo
menos dois níveis de integração. A Fig. 2 mostra um exemplo da aplicação de
um modelo explanatório para se estudar a dinâmica da matéria orgânica do
solo em condições de campo, com base em dados coletados sobre a sua
dinâmica em agregados do solo. Em síntese, os dados provenientes de
estudos em laboratório sobre a dinâmica da matéria orgânica em agregados
de solo são utilizados para alimentar um modelo explanatório (ou até mesmo
um simulador) que, por sua vez, irá explicar o comportamento da matéria
orgânica em uma escala maior em nível de campo. Como se observa na Fig. 2,
os modelos explanatórios utilizam-se de dois níveis de integração:
(i)onível explicativo (agregados do solo) e (ii)o nível a ser explicado (campo).
Modelagem Matemática e Simulação de Sistemas
Comportamento da
matéria orgânica do
solo em nível de campo Nível a ser explicado
Dados de
clima solo =P» | Modelo explanató; Modelo explanatório
e culturas
Comportamento da
matéria orgânica nos o nai,
agregados do solo Nível explicativo
Fig. 2. Esquema de um modelo explanatório para descrever o comportamento da
matéria orgânica do solo em nível de campo, baseando-se no conhecimento obtido em
estudos de laboratório, utilizando-se agregados do solo.
Fonte: Adaptado de Boesten (2000).
2.3) Modelos determinísticos = são também chamados de modelos não-
probabilísticos. Têm como característica principal a representação dos dados
de entrada através de valores únicos. Dessa forma, também geram valores
simulados únicos.
2.4) Modelos estocásticos = são também chamados de modelos
probabilísticos, já que os dados de entrada podem ser representados por
variáveis aleatórias. Entende-se por variáveis aleatórias aquelas que podem
ser representadas por uma distribuição de probabilidade, ou seja, designa-se
uma probabilidade para sua ocorrência. Consequentemente, os resultados
simulados correspondem a intervalos de valores e não apenas a valores
únicos.
71
74
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
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Modelagem Matemática e
Simulação da Dinâmica da
Matéria Orgânica do Solo
Eduardo de Sá Mendonça
Luiz Fernando Carvalho Leite
Resumo - A dinâmica da matéria orgânica do solo (MOS) é o resultado
da interação entre os diversos fatores ambientais e as interferências
antropogênicas. O adequado entendimento dessa dinâmica permite melhor
manejo do solo, uma vez que a MOS afeta diretamente a sua qualidade e
produtividade. O crescente volume de informações sobre os diversos
processos envolvidos na dinâmica da MOS, além do grande avanço na
capacidade de processamento de dados, tem propiciado o desenvolvimento
de eficientes simuladores dessa dinâmica. Vários simuladores vêm sendo
utilizados com bons resultados em diversos ecossistemas, principalmente em
ambientes temperados. A universalização dos simuladores, no entanto,
necessita de maior desenvolvimento para áreas tropicais e subtropicais.
Neste capítulo serão revisados os principais aspectos relacionados com a
modelagem matemática e simulação da dinâmica da matéria orgânica do
solo, sendo discutidos os principais simuladores existentes, suas vantagens e
limitações, assim como as possibilidades de sua utilização em ambientes
tropicais e subtropicais. Dentre os simuladores disponíveis o Century
apresenta-se como um dos mais promissores, demonstrando ótimo potencial
para simular a dinâmica da MOS em diversos agroecossitemas. Todavia,
ajustes são necessários para aumentar a acurácia do simulador, com a
possível inclusão de novas variáveis de entrada e adequação das taxas de
decomposição dos compartimentos de carbono às condições tropicais e
subtropicais.
76
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Mathematic Modelling and
Simulation of Soil Organic
Matter Dynamics
Abstract - soi organic matter (SOM) dynamics results from the
interaction among the different environmental factors and anthropogenic
interferences. The adequate understanding of these processes allows a better
soil management, since soil organic matter affects directly soil quality and
productivity. The increasing amount of information on processes involved in
SOM dynamics has given the opportunity of developing efficient simulation
models. Several models have been used with good results in various
ecosystems, mainly on temperate environments. The universalization of those
models, however, demands an better development to tropical and subtropical
areas. In this chapter, the major aspects of modeling soil organic matter
dynamics will be revised, discussing the characteristics of the principal
available models, their advantages and limitations, as well as their possibilities
for tropical and subtropical environments. Among the available options,
Century represents one of the most promising models, showing a good
potential to simulate SOM dynamics in several ecosystems. Nevertheless,
several adjustments are needed to increase the accuracy of the model, with
the possible inclusion of new input variables and the modification of
decomposition rates of the different SOM pools under tropical and subtropical
conditions.
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo 79
húmus, consistem de moléculas humificadas em arranjos complexos, não
bem caracterizadas quimicamente. Esse compartimento é o principal
componente da MOS, consistindo na reserva orgânica do solo e, por isso, a
maior parte da pesquisa com matéria orgânica está voltada para o estudo
dessa fração.
O material humificado consiste de uma série de polieletrólitos de coloração
amarelada à preta, com grande peso molecular e muito ácido. Essas
substâncias são formadas por reações secundárias de síntese e têm
propriedades distintas dos biopolímeros de organismos vivos, incluindo a
lignina das plantas superiores. No solo, podem ser adsorvidas pelos colóides
argilosos, formando complexos argilo-húmico, ou reagir, por exemplo, com os
íons Ca? e AI”, ficando, nessas condições, mais resistentes à biodegradação.
Algumas frações húmicas do solo podem subsistir durante alguns anos e
chegar, até mesmo, a 20 mil anos. Por outro lado, há casos em que a duração
dafração húmica do solo é muito curta, como, por exemplo, em solos tropicais,
com baixos teores de argila.
Compartimentalização da
Matéria Orgânica do Solo
Definir a qualidade, disponibilidade e atividade dos nutrientes nos substratos
orgânicos em diferentes compartimentos do solo é a chave para entender e
descrever os processos de mineralização-imobilização dos nutrientes na
forma orgânica. Independente da forma orgânica do nutriente, a matéria
orgânica dos diferentes tipos de solos difere quanto à qualidade e habilidade
de suprir nutrientes às plantas. Assim, a tentativa de compartimentalizar a
MOS pode ser um bom instrumento para se compreender o seu potencial de
fornecimento de nutrientes. Com base em vários trabalhos, Duxbury et al.
(1989) sugeriram a organização da MOS em compartimentos protegidos e
não-protegidos (Tabela 1).
Os compartimentos não-protegidos BIO (biomassa microbiana) e LAB (lábil)
se caracterizam pela biomassa microbiana e pelos resíduos vegetais e
microbianos parcialmente decompostos e seus respectivos produtos de
transformação. O tamanho desses compartimentos está diretamente
relacionado com o aporte de material orgânico e sua taxa de decomposição. O
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Tabela 1. Compartimentos da matéria orgânica do solo, generalizando a taxa
de ciclagem e hipótese dos controles primários do tamanho dos
compartimentos.
Tempo de Controle do tamanho
Compartimentos Ciclagem dos compartimentos
-NÃO-PROTEGIDO
2,5 anos em clima
- BIO (biomassa microbiana) temperado e 0,25 ano
em clima tropical úmido
20 anos em clima : ' ipi
ani Clima e disponibilidade
- LAB (lábil) temperado e 5 anos em de substrato (CA) (CI)
clima tropical úmido
Disponibilidade de
substrato (CA)
-. PROTEGIDO
- vaia oia ida 1000anos Mineralogia e texturado
q proteg . solo (CI) (CP)
(proteção coloidal)
Sistemas de preparo do
- Matéria orgânica Dependente do manejo solo, quebra de
fisicamente protegida do solo (resistência q
A na agregados textura do
(proteção estrutural) física) solo (CP)
CA = Compartimento ativo - macroagregados; Cl = Compartimento intermediário -
microagregados dentro de macroagregados; CP = Compartimento passivo - intra
microagregados.
Fonte: Adaptado de Duxbury et al. (1989).
compartimento BIO pode representar até 4% do COT. Leite et al. (2003)
avaliaram, em um Argissolo Vermelho-Amarelo, a proporção carbono da
biomassa microbiana em relação ao carbono orgânico total (C,/COT) e
verificaram, na profundidade de 0-10 cm, maiores valores para o solo sob
Floresta Atlântica (2,6%) e sob plantio direto (2,3%) em relação ao solo sob
preparo convencional (2,2%). Esta tendência também foi observada, em um
Latossolo Roxo do Paraná, sob sistema plantio direto (1,18% a 1,68%) e
convencional (1,16% a 1,48%), nas profundidades de 0-5, 5-10 e 10-15 cm
(Balota et al., 2004). O compartimento BIO é o de menor tempo de ciclagem da
MOS e é composto por células vegetativas em plena atividade funcional, o que
o torna um importante reservatório de nutrientes potencialmente disponíveis
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo 81
às plantas. Portanto, é esperado que a ciclagem dos nutrientes nos
compartimentos não-protegidos (BIO e LAB) seja alta, fazendo com que os
tamanhos destes compartimentos de carbono e de nutrientes sejam menores
emrregiões tropicais do que em regiões temperadas. Por outro lado, sistemas
de manejo, como o plantio direto, que priorizam o aporte de matéria orgânica
ao solo, devem favorecer um aumento significativo desses compartimentos.
Os nutrientes presentes nos compartimentos BIO e LAB têm uma taxa de
ciclagem rápida, ficando prontamente disponíveis às plantas ou sendo
perdidos por lixiviação (principalmente o nitrogênio), dependendo do
sincronismo entre taxa de mineralização e absorção de nutrientes pelas
plantas. Atualmente, pode-se assumir que cerca de 5% do carbono (C) e
nitrogênio (N) totais do solo estão estocados em células vivas.
Os tamanhos dos compartimentos físico e quimicamente protegidos estão
relacionados com o manejo, a textura e a mineralogia do solo (Tabela 1). A
maior parte da matéria orgânica e dos nutrientes do solo está nesses
compartimentos. O tempo de ciclagem dos nutrientes é controlado pelo grau
de proteção, intra e inter-microagregados, e pelo grau de interação do
nutriente com a matéria orgânica. Os nutrientes que interagem com a matéria
orgânica por meio de ligações eletrostáticas estarão prontamente disponíveis
para serem absorvidos pelas plantas, enquanto aqueles que formam quelatos
com a matéria orgânica quimicamente protegida terão um tempo de ciclagem
maior. O tempo de ciclagem varia muito com o manejo e de como o nutriente
pode interagir com a matéria orgânica. Como exemplos, tem-se o N orgânico
que pode estar na forma aminada ou participando do anel heterocíclico; ou o
Ca do sítio de troca, ligado por ligações eletrostáticas, ou o Ca fortemente
ligado à matéria orgânica de uma forma não disponível às plantas, formando
quelatos com as substâncias húmicas; ou mesmo o P imobilizado nas células
microbianas.
No Rio Grande do Sul, Bayer et al. (1999) avaliaram a estabilidade da MOS em
três solos diferentes, submetidos ao sistema plantio direto e ao preparo
convencional. As taxas de decomposição (K,) da MOS no SPD, calculadas
como a relação adição anual efetiva (AK,) de C/conteúdo de C no solo
(0-17,5 cm), variaram de 4,9% no Argissolo Vermelho-Amarelo a 2,9% no
Argissolo Vermelho-Escuro e 1,2% no Latossolo Vermelho distroférrico e
foram inversamente proporcionais aos teores de argila, óxidos de ferro e
caulinita desses solos. No Argissolo Vermelho-Escuro a taxa de
decomposição do MOS no preparo convencional foi 86% maior que a
84
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
isótopo “N para monitorar as transformações do N do solo, foi o primeiro a
propor que a MOS pudesse ser dividida em fases (ou compartimentos) ativas
e passivas. Jenkinson & Rayner (1977) aplicaram os mesmos princípios para
astransformações do C orgânico do solo e assumiram que os compostos de C
em um compartimento teriam reatividades similares. Com o advento de
técnicas para estimativa da biomassa microbiana do solo, a maioria dos
simuladores passou a incluir pelo menos três compartimentos de reatividades
diferentes: ativo ou lábil, com tempo de ciclagem muito rápido (< 10 anos),
intermediário (100 a 1.000 anos) e passivo (> 1.000 anos). Por não terem
identidade física ou representar diferentes frações químicas no solo, é
extremamente difícil caracterizar adequadamente a natureza física e química
desses compartimentos, embora diversas tentativas tenham sido feitas para
se avaliar fracionamentos e técnicas analíticas capazes de mensurá-los. Em
geral, o compartimento ativo tem sido associado a soma do C da biomassa
microbiana, obtida pelos processos de fumigação-extração ou irradiação-
extração, e o C extraído pelo KSO,, das amostras não fumigadas ou não
irradiadas (Metherell et al., 1993; Motavalli et al., 1994). Para o compartimento
intermediário ou lento, tem sido sugerido que a matéria orgânica particulada,
obtida por meio de fracionamento por granulometria (Cambardella & Elliot,
1992), ou o carbono da fração leve, identificado por meio de flotação em
líquido de alta densidade (Janzen et al., 1992), possam representá-lo nos
estudos em solos tropicais (Capítulo 5). O compartimento passivo tem sido
obtido por diferença, ie. o COT menos a soma dos compartimentos ativo e
lento, desde que, não há ainda, um método analítico que possa ser associado
ao compartimento teórico, pressuposto nos modelos de simulação. Por outro
lado, nos estudos de Leite et al. (2003), observaram-se valores muito
próximos do compartimento passivo obtido por diferença e áquele
determinado pela soma das substâncias húmicas, o que pode indicar a
necessidade de se testar essa associação, para validação deste pressuposto,
emoutros ambientes.
O número de compartimentos nos simuladores da dinâmica da MOS pode
variar. Alguns simuladores consideram a MOS unicompartimental, como o
proposto por Henin & Dupuis (1945) e aplicado por Woodruff (1949) para o
nitrogênio. Outros simuladores, como o Century, apresentam maior
complexidade e consideram a MOS distribuída em vários compartimentos. A
vantagem dos simuladores unicompartimentais reside na sua maior
simplicidade, uma vez que consideram a matéria orgânica como sendo
uniforme no solo. Esta simplificação facilita a sua aplicação e a verificação das
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo
predições, levando à obtenção de taxas de mineralização médias e,
consequentemente, taxas de perda de Ce Nespecíficas para cada local. Além
disso, as facilidades na obtenção dos dados e nos cálculos de estimativas são
vantagens associadas ao uso desse tipo de simulador. Por outro lado, a
mesma simplificação gerada por considerar essa matéria orgânica uniforme,
constitui-se numa limitação, pois há diversos processos ocorrendo
simultaneamente e há compostos com tempos variáveis de permanência no
solo, em função dos mecanismos de estabilização (Parton et al., 1987;
Fernandes, 2002).
Os fluxos de C entre os compartimentos formam a estrutura dos simuladores
da dinâmica da MOS. Cada compartimento é caracterizado pela sua posição
na estrutura do simulador e pela sua taxa de decomposição. Estas taxas são
usualmente expressas por cinética de primeira ordem em relação à
concentração (C ) do compartimento, dada por:
dC/dt= -KC, ceeeseeeseessesecereaaeatennes (1)
onde t é tempo. A taxa constante k de cinética de primeira ordem é associada
ao tempo requerido para reduzir pela metade a concentração do
compartimento quando não existe aporte. A meia vida dos compartimentos
(h=(In2)/k), ou seu tempo de reciclagem (r=1/k) são algumas vezes usados ao
invés de k para caracterizar a dinâmica dos compartimentos; quanto menor a
taxa constante de decomposição, maior a meia vida, o tempo de reciclagem e
a estabilidade do compartimento orgânico.
A estrutura dos simuladores é fundamentada na pressuposição de que os
compartimentos da MOS são anéis de uma cadeia ligada por fluxos de C,
constituindo-se assim em um catenário de sequência de substratos. Esta
sequência representa o C deslocando-se dos resíduos vegetais e animais
para a biomassa microbiana do solo e para compartimentos orgânicos de
maior estabilidade (Fig. 1).
Na maior parte dos simuladores, o fluxo de saída de qualquer compartimento
orgânico é dividido para um compartimento microbiano, para outro
compartimento orgânico e, sob condições aeróbicas, para CO,. Essa divisão
simula as atividades anabólicas e catabólicas simultâneas e o crescimento de
população microbiana a partir do uso de determinado substrato e ocorre com
base em duas características: eficiência microbiana (utilização) e fator de
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
estabilização (humificação), que controlam o fluxo do C decomposto para os
compartimentos da biomassa e do húmus, respectivamente. Outras formas
de parametrização têm sido propostas. Por exemplo, o produto da
decomposição de cada compartimento orgânico do simulador RothC é
alocado para os compartimentos BIO, HUM e CO, e tem relação direta com o
conteúdo de argila (Fig. 2). Em alguns simuladores a divisão dos fluxos de
entrada para as formas lábeis e resistentes é realizada a partir da
especificação de determinada variável. No simulador Century os resíduos
superficiais são divididos em compartimentos estruturais e metabólicos de
acordo com a relação lignina/nitrogênio (L/N) (Fig 3).
[Aporte Atmosférico]
Queda da
liteira
= K A
L- hiteira sobre et!» Mineralização
Kg — Transformação
por microrganismos
F — CHS, complexos de substância K>
húmicas com resíduos orgânicos
não decompostos
K4 — Consumo pela Ks — Consumo
micro(meso)fauna | pela macrofauna
Ke
H — húmus ligado a
minerais de argila
v
[Lixiviação]
Fig. 1. Compartimentos e fluxos do simulador SOMM.
Fonte: Chertov & Komarov, (1996).
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo
entanto, podem ser superadas pela identificação dos pontos críticos do
modelo e a avaliação feita com dados da região com a qual se pretende
estudar, certificando-se de que o desempenho é satisfatório e, se necessário,
calibrando para condições específicas dos locais.
A simulação da dinâmica do C orgânico em profundidade torna-se ineficiente
na maioria das vezes, pois muitos dos simuladores são parametrizados para
profundidades superficiais. O RothC, por exemplo, foi originalmente
desenvolvido para simular os primeiros 23 cm de solo, enquanto Century foi
criado para simular a profundidade de O a 20 cm. Em alguns estudos com o
RothC assumiu-se que a maioria do carbono concentrava-se nas camadas
mais superficiais do solo, mas aplicou-se o modelo com mesma taxa de
reciclagem de matéria orgânica até a profundidade de 1 m (Smith etal., 1999).
As diferenças na dinâmica do C orgânico em profundidade causam sérias
implicações na dinâmica total da matéria orgânica de um ecossistema.
Todos os simuladores da dinâmica da MOS são altamente dependentes da
qualidade e da quantidade de aporte de C para o sistema solo. A qualidade da
liteira é frequentemente expressa pela relação C:N ou lignina:N, ou ajustada
empiricamente a partir de uma relação específica material resistente/material
decomponível (McGill, 1996). Para estimar a quantidade de C retornado ao
solo, fator crítico na determinação acurada da dinâmica da MOS, alguns
simuladores (ex.: Century) apresentam submodelos simples de produtividade
primária líquida (PPL) que fornecem aporte de C para várias culturas, outros
(ex.: Sundial) tem valores de aportes de C para várias espécies vegetais,
obtidos por meio da literatura, enquanto outros (ex. RothC), requerem que o
aporte de C pela planta seja informado. Para quaisquer dessas aproximações,
pequenos erros na quantidade de C da planta retomado ao solo pode induzir
grandes erros na predição da dinâmica da MOS. Por esta razão, o C da planta,
retornado ao solo, deve ser estimado efetivamente em qualquer aplicação do
modelo.
Inicialmente, os simuladores são testados com dados coletados de
experimentos detalhados e bem controlados, embora nem sempre haja
disponibilidade de informações minuciosas para todos os locais que se
pretende simular. Se por um lado é possível coletar dados de boa qualidade
para características do solo, por meio de amostragem de solo e para dados de
uso de solo e recentes mudanças no uso da terra, a partir de sensoriamento
remoto (fotografia aérea e imagens de satélites), é frequentemente mais difícil
obter informações confiáveis acerca do histórico do manejo. Os detalhes do
89
90
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
histórico do uso da terra são essenciais para estabelecer tamanhos dos
compartimentos iniciais de MOS, pois áreas cultivadas há dez anos terão, por
exemplo, características bem diferentes daquelas cultivadas há duzentos
anos (Smith etal., 1999).
Além desses problemas, em alguns simuladores, como o Century, o número
de variáveis a ser parametrizado é muito grande e para algumas é difícil obter
os dados experimentais, mesmo por meio da literatura. Ainda, as variáveis de
saída são muitas e em diferentes submodelos, o que também dificulta sua
utilização.
O Simulador Century
Pressupostos
O Century, versão 5.0, foi desenvolvido com o objetivo de simular a dinâmica
de Ce de nutrientes (N, Pe S) e tem sido amplamente testado e aplicado em
diversos biomas naturais e cultivados, tipos de solos e climas (Falloon &
Smith, 2002). As principais variáveis de entrada do modelo são: temperatura
do ar, precipitação mensal, conteúdo de lignina do material vegetal, conteúdo
de N,PesS do material vegetal, textura do solo, aporte de N do solo e da
atmosfera e teor inicial de C, N, Pe S nos diferentes compartimentos do solo.
O modelo contém vários submodelos, tais como, o submodelo de água, o
submodelo de produção vegetal e o submodelo de dinâmica da MOS.
O submodelo de MOS consiste de três compartimentos: a) ativo, que está
relacionado com os microrganismos e seus produtos, e que apresenta tempo
de reciclagem de um a cinco anos; b) intermediário ou lento, material
resistente de lignina e produtos microbianos estabilizados no solo, com tempo
de reciclagem de 20 a 40 anos; e c) passivo, associado à matéria orgânica
física e quimicamente protegida, com tempo de reciclagem de 200 a 500 anos.
No Century, a decomposição dos resíduos vegetais é decorrente da atividade
microbiana, com perda de CO, devido à respiração microbiana. O material
vegetal é dividido em estrutural (compartimento mais recalcitrante de difícil
decomposição) e metabólico (compartimento prontamente decomponível
pela ação microbiana). A divisão dos resíduos nesses compartimentos é
controlada pela relação lignina:N. Quanto maior essa relação, maior a
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo 9
proporção de carbono do resíduo que é alocado no compartimento estrutural.
A fração lignina não é alocada para o compartimento ativo, mas incorporada
diretamente ao compartimento lento da MOS, quando o material estrutural se
decompõe. Essa alocação da lignina para MOS lenta é baseada em dados de
incubação, determinados em laboratório com material de lignina marcado,
que evidenciam pequena fração (< 2 %) da lignina encontrada na biomassa
microbiana, com a maior parte (70%) sendo estabilizada no solo (Stott et al.,
1983). Além da lignina, algumas plantas tropicais apresentam altos teores de
polifenóis, especialmente sob condições de estresse ambiental (Palm, 1995).
Esses compostos podem competir com os microrganismos pelo N,
acarretando redução na taxa inicial de decomposição do material vegetal.
Talvez simuladores como o Century, que objetivem simular a dinâmica da
MOS em região tropical, possam melhorar sua capacidade preditiva com a
incorporação dessa informação. Similarmente à lignina, a textura do solo
apresenta papel importante no fluxo de C entre os compartimentos. A taxa de
reciclagem da MOS ativa decresce linearmente com o aumento do conteúdo
de silte mais argila, enquanto a eficiência de estabilização da MOS lenta
aumenta. A formação da MOS passiva e os fluxos de C da MOS ativa para
MOS passiva e da MOS lenta para a MOS passiva são dependentes do
conteúdo de argila. Maiores detalhes dos pressupostos e das equações que
controlam o fluxo de C nos compartimentos de MOS no modelo Century,
podem ser observados no trabalho de Leite & Mendonça (2003).
Os submodelos de N, P e S são semelhantes aos do C. Em cada
compartimento da MOS tem uma faixa de relação C:nutriente que permite a
ciclagem, baseada no modelo de McGill & Cole (1981). O N é estabilizado em
associação direta com o C. Dessa forma, a relação C:N que controla o
processo é mais estreita do que C:P e C:S. Arelação C:nutriente é função da
quantidade de cada elemento no compartimento lábil inorgânico. Essa
relação regula a partição entre os processos de mineralização e imobilização.
A taxa de decomposição é reduzida se a quantidade de um elemento é
insuficiente para atender a demanda de imobilização promovida pelo
microbiota do solo.
94
Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
1830 1850 1970 1990 2010 20350 2050 1930 1950 1970 1990 2010 2030 2050
Anos Anos
es
N Passivo (Mgha”!)
“ando da
1930 1950 “970 1890 2010 2030 2050 1830 1850 1970 1990 2010 2030 2050
Anos Anos
—— PD GPAD —— Periodo Anterior ao Experimento + Início Experimento
Fig. 5. Simulação pelo modelo Century da dinâmica do nitrogênio total (NT) e dos
compartimentos de nitrogênio (N) em um Argissolo Vermelho-Amarelo, em
Viçosa,MG. PD: plantio direto; GPAD: grade pesada + arado de disco.
Fonte: adaptado de Leite et al. (2004).
Modelagem Matemática e Simulação da Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo
No Brasil, Fernandes (2002) observou em um Argissolo Vermelho, no Rio
Grande do Sul, sob sistemas de preparo e de culturas, que os estoques de
COT, simulados pelo modelo Century, foram super e subestimados em
relação aos estoques medidos no solo sob sistema convencional (aração e
gradagem) e no solo sob sistema plantio direto, respectivamente. Nos estudos
de Leite etal. (2004), os estoques de COT nos solos sob sistemas de preparo,
medidos e simulados pelo modelo Century, foram similares, especialmente no
solo sob sistema plantio direto. Por outro lado, nos solos sob sistema
convencional os estoques de C orgânico, simulados pelo modelo, foram
maiores do que aqueles medidos, embora esta diferença tenha sido de até 6%
(Tabela 2). A superestimação dos estoques de C em solos sob sistema
convencional pode ser devido ao coeficiente de preparo, usado no modelo
como variável de entrada, não representar de maneira suficiente o distúrbio e
o consequente aumento na decomposição da MOS, provocado pelas etapas
de aração e gradagem, como reportado também por Fernandes (2002).
Tabela 2. Estoques de carbono orgânico total medidos (COTm) e simulados
pelo Century (COTs) em dois agroecossistemas no Brasil.
Referência e Tratamento cotm coTs Diferença
cememeneno Mg ha”! (%)
Fernandes (2002)
Preparo Convencional — Aveia/milho 29,94 33,59 +12
(PCAM)
Preparo Convencional — Aveia + 34,89 33,72 -3
ervilhaca/milho + caupi (PCAVMC)
Plantio Direto — Aveia/milho (PDAM) 36,45 34,16 -6
Plantio Direto — Aveia + ervilhaca/milho + 42,38 34,22 -19
caupi (PDAVMC)
Leite et al. (2004
Plantio Direto 38,55 38,45 0
Arado de Disco 31,22 32,65 +4
Grade Pesada + Arado de Disco 30,98 31,22 +1
Grade Pesada 31,26 33,60 +7
95
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Dinâmica da Matéria Orgânica do Solo em Sistemas Conservacionistas
Com relação às estimativas para os compartimentos de C, medidos e
simulados pelo modelo Century, os trabalhos de Motavalli et al. (1994) e de
Leite et al. (2004) são ainda as principais referências. Em solos florestais na
Colômbia, no Peru e no Brasil, com diferentes mineralogias, Motavalli et al.
(1994) observaram que os estoques de C da biomassa microbiana mais o C
solúvel foram maiores do que os estoques de C estimados para o
compartimento ativo. No Brasil, nos locais de Valença, Ouro Preto e Una, em
solos com mineralogias oxídicas, os valores estimados pelo simulador foram
46%, 49% e 61% inferiores aos obtidos pelas medições laboratoriais,
respectivamente (Tabela 3). De forma similar, Leite et al. (2004) constataram
subestimação dos estoques de C simulados pelo modelo para o
compartimento ativo de 72% e 52% nos solos sob sistemas plantio direto e
convencional, respectivamente. Estes resultados são atribuídos aos fatores
que controlam o fluxo de C para o compartimento ativo. O modelo Century
inclui umidade do solo, temperatura do solo, textura do solo e manejo como
reguladores do compartimento ativo; entretanto, o crescimento microbiano é
modulado ainda pela disponibilidade de substrato (matéria orgânica) e
propriedades químicas (i.e. pH) que não são considerados pelo modelo. Além
disso, os mecanismos associados à exsudação de C pelas raízes e seu
metabolismo microbiano não são bem definidos e a falta desses mecanismos
pode também contribuir para diminuição a eficiência da capacidade preditiva
do simulador.
Em Motavalli et al. (1994), os estoques de C no compartimento lento,
simulados pelo modelo, foram superestimados (219%-495%) em relação
aqueles obtidos pelo C da fração leve, o que foi atribuído ao compartimento
lento conter outras substâncias, além do C da fração leve, e a ineficiência do
método de extração em isolar completamente a fração leve dos solos
estudados. Por outro lado, no trabalho de Leite et al. (2004) houve
subestimativa dos estoques de C simulados pelo Century em relação aos
estoques medidos, também por meio do C da fração leve, embora as
diferenças tenham sido de menor magnitude (12%-16%), o que sugere,
diferentemente do trabalho de Motavalli et al. (1994) que esta fração pode ser
associada ao compartimento lento pressuposto no simulador, em solos
tropicais (Tabela 3).