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Epidemiologia e sistemas de saúde, Notas de estudo de Enfermagem

Este trabalho discute as relações entre epidemiologia e o sistema de saúde mediada pelos modelos explicativos do processo saúde/doença e por modelos de organização de serviços. Pretende-se embasar com isso o entendimento das atuais propostas de mudanças, com ênfase no contexto brasileiro.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 17/02/2010

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gerson-souza-santos-7 🇧🇷

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Baixe Epidemiologia e sistemas de saúde e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! 63 EPIDEMIOLOGIA E SISTEMAS DE SAÚDE (Eleonor Minho Conill) Fundamentos históricos e conceituais para uma discussão sobre o acompanhamento de direitos na prestação de serviços Eleonor Minho Conill Departamento de Saúde Pública Núcleo de Apoio à Municipalização e Implementação do SUS em Santa Catarina-NAM/SUS, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC eleonor@repensul.ufsc.br ÍNDICE 1. Introdução. 2. Trajetória histórico-social dos saberes e das práticas em saúde. 3. Expansão, crise, mudanças no modelo explicativo do processo saúde/doença e na organização dos serviços de saúde: epidemiologia a serviço de quem? 4. A epidemiologia no acompanhamento e avaliação de sistemas de saúde. 5. Conclusão. 6. Bibliografia. 1. Introdução Este trabalho discute as relações entre epidemiologia e o sistema de saúde mediada pelos modelos explicativos do processo saúde/doença e por modelos de organização de serviços. Pretende-se embasar com isso o entendimento das atuais propostas de mudanças, com ênfase no contexto brasileiro. Três indagações devem orientar a leitura do texto: 1. como e porque surgem as idéias de organizar uma prestação de serviços menos desigual e com práticas mais integrais? 2. os sistemas podem ser menos desiguais e mais abrangentes? 3. quais as contribuições da epidemiologia para esse processo? Não há intenção de esgotar temática tão complexa sendo nosso objetivo fornecer um panorama geral, pontuando conceitos básicos e questões que suscitem curiosidade suficiente para seu aprofundamento. O argumento que o anima é de que as práticas de saúde são o resultado de uma longa acumulação de saberes, técnicas e lutas entre grupos de interesse. Os sistemas de saúde do mundo contemporâneo apresentam aspectos convergentes do ponto de vista de políticas sociais mais inclusivas, difusão de avanços tecnológicos e contradições geradas pela transformação da doença em mercadoria altamente geradora de valor, com a reemergência mais recente de discursos enfatizando a promoção e a prevenção. Divergem no entanto esses sistemas, em seus formatos específicos e quanto ao acesso das populações aos benefícios oferecidos, diferenças estas que correspondem a particularidades das sociedades na qual se situam. São resultado de uma complexa interação de elementos históricos, econômicos, políticos e culturais que se expressam em movimentos sociais e em processos concretos na esfera jurídica, política e administrativa através dos quais reside a possibilidade de que esses sistemas possam ser modificados em direção a uma função social mais adequada. 64 Para Rouquayrol e Goldbaum (1999) uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil, uma vez que sua temática é dinâmica e seu objetivo complexo. A isso acrescentaríamos, o “peso” da herança histórica do termo que surge com estudos de epidemias117, predominando este entendimento até os dias de hoje. Assim, enquanto a clínica preocupa-se com a doença em indivíduos, tratando caso a caso, a epidemiologia trabalha problemas de grupos de pessoas, às vezes pequenos, mas em geral numerosos. Esses autores conceituam-na como “ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação de saúde’’ (Rouquayrol e Goldbaum 1999:15). Está contido neste conceito, a concepção de um enfoque num conjunto de pessoas, com o estudo de doenças infecciosas, crônico- degenerativas e de agravos à integridade física (acidentes, homicídios, suicídios, etc), inseridos num conjunto de processos sociais interativos que definem sua dinâmica, o que é denominado de processo saúde/doença. Embora seja a parte final do conceito a que mais nos interessa pois trata das relações da epidemiologia com os sistemas de saúde, a noção de processo saúde/doença precisa também ser destacada e compreendida. Segundo Laurell (1983 apud Rouquayrol e Goldbaum 1999), processo saúde/doença é o modo específico como se dá nos grupos sociais o desgaste biológico e de reprodução das condições concretas de existência, levando em determinados momentos a um funcionamento biológico diferente com prejuízo de atividades cotidianas, conhecido por doença. Faz referência a uma inserção social que determina e explica o modo específico da passagem de um estado de saúde para um estado de doença e vice-versa. Ou seja, a saúde ou a doença não ocorre ao acaso, de forma pontual e isolada e sua contextualização será sempre necessária, conforme veremos a seguir, também para a compreensão das respostas institucionais e sociais face a ela, ou seja, o tipo de política e o formato predominante do sistema e serviços de saúde de cada país. É preciso ressaltar um dos grandes objetivos da epidemiologia sobre o qual não nos debruçaremos: a aplicação de metodologia específica para análise dos fatores determinantes da saúde/doença. Muitas causas têm sido explicadas pelo uso do método científico aplicado pela epidemiologia ao estudo de problemas de doença em nível coletivo, identificando-se associações entre um ou mais fatores suspeitos.118 Na primeira parte deste texto, discute-se a trajetória histórico-social dos saberes e das práticas em saúde com considerações sobre a conformação dos sistemas contemporâneos. Em seguida, são abordados aspectos da crise desses sistemas apontando-se os principais argumentos levantados, sócio-culturais, econômico- financeiros, mudanças demográficas e epidemiológicas e os novos modelos propostos para a organização de serviços. Finalizando, fornecemos um conjunto de elementos para 117 É no contexto da epidemia da cólera, que surge a London Epidemiological Society em 1850, na Inglaterra. Mas, o termo epidemiologia já havia sido usado em trabalho sobre a peste escrito na Espanha no séc. XVI, onde reaparece em 1802 como título de uma obra compilando as epidemias conhecidas (Najer 1988 apud Rouquayrol e Goldbaum 1999). 118 A relação do câncer de pulmão com o tabagismo feita por Doll e Hill (1950) é um exemplo clássico e mais recentemente, o reconhecimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida/SIDA/AIDS como doença. 67 Pertence a essa etapa, o nascimento da clínica (do grego klinos, cama) inicialmente inspirada na botânica, buscando agrupar as manifestações mórbidas em famílias com a nosologia ou ciência da classificação das doenças. Se em 1700 os pobres não eram vistos como perigo executando pequenos serviços nas grandes cidades, no séc. XIX representam uma ameaça, com lutas urbanas e novas epidemias. A revolução industrial traz o fenômeno concreto da força de trabalho e do desgaste da classe trabalhadora com deterioramento das condições de vida e de saúde. Isto gera um número crescente de posicionamentos denunciando tal situação entre os quais o célebre livro escrito por Engels intitulado “As condições da classe trabalhadora na Inglaterra em 1844”, considerado decisivo para a formulação da epidemiologia científica (Breilh,1978 apud Almeida Filho 1999). Surgem o termo e projetos de medicina social para designar de forma genérica modos de tomar coletivamente a questão da saúde120. Os sanitaristas britânicos que não haviam participado desses movimentos tentam integrar preocupações filantrópicas, técnicas e sociais, buscando transformações políticas pela via legislativa. É promulgada em 1875 um “Public Health Act’’, garantindo assistência médica e serviços sanitários (registros, vacinas, educação em saúde), com a institucionalização de médicos sanitaristas. A passagem do século XVIII para o século XIX é marcada então pela consolidação do poder político da burguesia emergente, com o Estado moderno impondo sua autoridade frente às populações por intermédio de ações sanitárias no espaço urbano e social. No século XIX predominará um olhar científico, dividido em três momentos: o olhar contábil da estatística e das medidas; o olhar epidemiológico, com o desenvolvimento de estudos dessa ordem; e, finalmente, o olhar armado, que com o uso do microscópio121 e a descoberta do germe inaugurará importante ruptura epistemológica no campo da saúde. O conhecimento sobre doenças transmissíveis cresce rapidamente entre 1860 e 1900, monopolizando o avanço do conhecimento epidemiológico, dirigindo-o para os processos de transmissão a controle de epidemias de doenças infecto- contagiosas. O grande avanço da fisiologia, patologia e bacteriologia tornaram menos importante o conhecimento sobre a vertente social e política da saúde, instituindo a supremacia da explicação unicausal do processo saúde/doença. A descoberta dos microorganismos leva ao fortalecimento da medicina organicista e, uma vez que as doenças de maior prevalência na época eram de natureza infecto-contagiosa, esse modelo explicativo torna-se hegemônico. O controle sobre a varíola, malária, febre amarela e outras doenças chamadas “tropicais” principalmente nos portos dos países colonizados e de ex-colônias como o Brasil legitima-o ainda mais. Para Almeida Filho (1999) pode-se localizar a tensão entre medicina individual e medicina coletiva, desde os primórdios do pensamento ocidental, na Grécia Antiga, expresso no antagonismo entre as duas filhas do deus Asclépios: Panacéia e Higéia. Panacéia era a padroeira da medicina curativa, da prática de intervenção individual baseada em manobras físicas, encantamentos, preces e uso do pharmakon (medicamentos). Higéia, sua irmã, era adorada pelos que consideravam a saúde 120 Na Alemanha um jovem sanitarista chamado Virchow destaca-se na liderança do movimento médico- social. Condenado a um exílio interno torna-se posteriormente o mais importante nome da patologia moderna (Almeida Filho, 1999). 121 Interessante assinalar que a descoberta do microscópio data do séc. XVII, tendo sido necessário um acúmulo no desenvolvimento histórico dos conhecimentos para que pudesse se tornar útil. 68 resultado da harmonia e do ambiente, promovendo-a através da prevenção e do equilíbrio entre os elementos fundamentais da natureza (terra, fogo, ar, água). Esse modelo organicista unicausal, pela ênfase na biologia e na intervenção médica individual tornar-se-á conhecido como modelo bio-médico persistindo sua hegemonia até os dias atuais. Na gênese de sua construção, “a abordagem curativa individual, nova “panacéia” agora cientifizada teria suplantado o enfoque coletivo “higiênico” no tratamento da questão saúde e seus determinantes” (Almeida Filho, 1999:5). O quadro 1 apresenta uma síntese da trajetória descrita, segundo os enfoques dos principais autores citados. Será possível que andem de mãos dadas Higéia e Panacéia? Discutiremos essa questão no próximo tópico, no contexto do que para Scliar (1987) representa o olhar social do mundo contemporâneo sobre sobre seu corpo, marcado pela expansão dos sistemas de proteção social e dos sistemas de saúde. Antes, no entanto, é útil apontar, ainda que de forma breve, a influência da trajetória descrita sobre o contexto da saúde brasileira e algumas de suas particularidades. Nas populações indígenas e durante quase todo período colonial, predomina uma visão mágica e empirista. Do contato com o branco surge uma gama importante de novas doenças: varíola, sarampo, tuberculose, escarlatina, lepra, doenças venéreas, parasitoses como a sarna (Pires, 1989). Mas a intervenção do Estado na saúde é mínima sendo a assistência prestada por um conjunto diversificado de exercentes (físicos, cirurgiões-barbeiros, barbeiros, boticários, etc.) e nas Santas Casas de Misericórdias. As políticas de saúde ocorrerão, na virada do século XIX para o século XX com as mudanças no modo de produção, aliando autoritarismo ao nascente cientificismo europeu. Oswaldo Cruz, oriundo do Instituto Pasteur, irá enfrentar as epidemias da época (febre amarela e varíola) que ameaçam a “saúde dos portos” e a agro-exportação por meio de campanhas com vacinações e inspeções sanitárias. Com a industrialização e a urbanização, os anos vinte verão surgir novas formas de proteção da força de trabalho com as Caixas de Aposentadorias e Pensões. Passemos então a examinar esse percurso no século XX. 3. Expansão, crise, mudanças no modelo explicativo do processo saúde/doença e na organização dos serviços de saúde: a epidemiologia a serviço de quem? Ao longo da primeira metade do século XX expande-se a oferta de serviços de saúde e políticas de proteção social. O modelo de sistema previdenciário concebido na Alemanha por Bismarck influenciará outros países, inclusive o Brasil nos anos 30-40, baseando-se em três fontes de contribuição: empresários, trabalhadores e Estado. Mas, será no contexto do pós-guerra, dos anos 50 até meados de 1970 que esses sistemas se expandirão de forma definitiva com o grande uso de tecnologia e a importância dos cuidados hospitalares. A criação, na Inglaterra, em 1948, de um Serviço Nacional de Saúde (o National Health Service/NHS) garantindo acesso universal por meio de financiamento público oriundo de fontes orçamentárias (impostos) representa um novo marco. O direito à equidade em saúde dissociado do nível de renda passa gradativamente a ser reivindicado: o acesso aos serviços e a assistência médica deixam de ser vistos como 69 questão individual ou de filantropia passando a serem enfrentados de modo coletivo por intermédio de formas de financiamento mais ou menos solidárias. Fleury (1994) nos fornece um bom resumo dos principais aspectos constitutivos dos modelos de proteção social contemporâneos, que influenciam o tipo de sistema de saúde e o acesso aos serviços: a assistência; o seguro; e a seguridade, apresentados no quadro 2. Essa fase de expansão do acesso vem ao encontro das pressões e anseios populares, mas corresponde também a um novo momento de interação dos Estados, particularmente dos países centrais, com o desenvolvimento das forças produtivas. Por meio de políticas de proteção social (o “welfare state”) garante-se estabilidade de rendas e de consumo. São subvencionados investimentos para construção ou reformas de hospitais e a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos floresce. Até a primeira metade do século XX, a descoberta do germe e a teoria unicausal da doença dominam a cena. Avanços importantes na área de equipamentos de apoio diagnóstico e de medicamentos ocorrem somente após a segunda guerra configurando-se então uma forte industrialização no setor, por intermédio de financiamentos sob regulação estatal. Rapidamente crescem os custos com o surgimento de um novo discurso visando enfrentar a crise determinada, parcialmente, por um modelo que, centrado no cuidado hospitalar e na crescente especialização do trabalho médico, além de caro mostra-se pouco humanizado e gera insatisfação. Luz (1993), ao analisar as mutações na racionalidade médica ocidental, considera que a expansão ocorrida após 1950, configura um momento de crise pois a interposição tecnológica das “máquinas” leva à ruptura da relação médico-paciente. Completam-se assim as crises que já haviam ocorrido ao longo do desenvolvimento epistemológico da medicina: primeiro o conhecimento sobre a doença torna-se mais importante do que curar; depois, com o nascimento da clínica, há a supremacia do diagnóstico; agora, definitivamente selada em favor de um agir mecânico. Além de argumentos financeiros ou da insatisfação de usuários, apontam- se mudanças no contexto demográfico e epidemiológico, com queda da natalidade, aumento da expectativa de vida, envelhecimento das populações e substituição de doenças infecto-contagiosas pelas crônico-degenerativas122. Isto vem fortalecer outro modelo explicativo do processo saúde-doença determinando novas formas de intervenção. No modelo epidemiológico vigente oriundo de um contexto onde predominavam doenças infecciosas, a hipótese é “causa única/efeito único”, chegando- se ao germe e sua erradicação sendo considerada a intervenção adequada. No caso de doenças crônico-degenerativas (cardiovasculares, neoplasias), não há uma única causa e a importância de fatores comportamentais e ambientais torna-se mais evidente. O documento intitulado “A New Perpective on the Health of Canadians” (Lalonde, 1974 apud Dever, 1984), que servirá de base para as ações governamentais nesse país a partir desta data, torna-se um marco dessa perspectiva multicausal no campo das políticas de saúde. Nele, a saúde é determinada por um conjunto de fatores agrupados em quatro grandes categorias: estilo de vida, ambiente, organização dos cuidados e biologia humana. O estilo de vida ou, mais exatamente, os riscos auto-criados, comportam as atividades de lazer, os padrões de consumo e as atividades ocupacionais e de participação na produção. Envolvem o conjunto de decisões tomadas pelos indivíduos 122 Este é o chamado modelo clássico ocidental de transição epidemiológica (Omran 1971 apud Minayo, 2000). 72 Embora relacionadas, as questões, no âmbito microssocial, são de outra ordem. Referem-se a organização das formas de trabalho, da educação médica e dos demais profissionais de saúde, subjetividades de usuários e profissionais, numa complexa interação entre as dimensões econômicas, políticas e culturais. Atualmente, as duas principais propostas para garantir a continuidade do SUS, são a descentralização, com a municipalização e a consolidação de Sistemas Locais de Saúde por intermédio da estratégia da saúde da família (Ministério da Saúde, 1993, 1994, 1996, 1998, 2001). A avaliação do SUS, tem evidentemente leituras diferenciadas conforme o agente social que a faz e segundo a região geográfica do país. O objeto do próximo item trata justamente sobre o papel que pode ter a epidemiologia na avaliação e no acompanhamento dos serviços. Conforme apontou Breilh (1998), no V Congresso Brasileiro de Epidemiologia, para além de uma função no “cálculo do mínimo necessário”, é possível pensar que estudos e indicadores sobre a situação de saúde e dos serviços podem contribuir para a construção de sociedades mais saudáveis e com maior equidade. 4. A epidemiologia no acompanhamento e avaliação de sistemas de saúde Há um número grande de conceitos e metodologias no campo da avaliação em saúde (Donabedian, 1984, Silva & Formigli, 1994, Hartz, 1997, Novaes, 2000). Uma definição adaptada de Silva et alii (1996:24) considera avaliação como: “um processo destinado a determinar a qualidade e a pertinência dos serviços prestados, comparando desempenho e resultados com parâmetros definidos em função de metas. Compara o que está sendo feito ou foi feito com o que deveria ter sido, ou seja, pode ser realizada desde as decisões e/ou ações a tomar até aquelas já tomadas”. Outros autores consideram que “avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Este julgamento pode ser resultado da aplicação de critérios e de normas (avaliação normativa) ou se elaborar a partir de um procedimento científico (pesquisa avaliativa). (Contandriopoulos et alii, 1997:31). Um agrupamento interessante é sugerido por Silva & Formigli (1994:81), no qual os estudos avaliativos são divididos da seguinte forma: relacionados com a disponibilidade e distribuição social dos recursos (cobertura, acesso, equidade); relacionados com o efeito das ações (eficácia, efetividade, impacto); relacionados com os custos (eficiência); relacionados com a adequação das ações ao conhecimento técnico e científico vigente (qualidade técnico-científica); relacionados à percepção dos usuários sobre as práticas (satisfação, aceitabilidade). Do ponto de vista metodológico, o modelo de avaliação inspirado na teoria sistêmica, proposto por Donabedian (1984), é um dos mais conhecidos na área, 73 composto pela análise da estrutura (recursos), dos processos (atividades) e dos resultados, de um programa ou sistema de saúde, relacionando-os também entre si. A estrutura diz respeito às características relativamente estáveis dos serviços, incluindo os recursos disponíveis e o contexto físico e organizacional. Refere-se ao tipo e número de trabalhadores de saúde, planta física, equipamentos, gama de serviços, enfim, às características que determinam o acesso e a continuidade da assistência. A estrutura determina o potencial do sistema. Já a avaliação do processo mostra como o sistema realmente funciona, através da interação entre os prestadores e os usuários (Silver, 1992). Conforme assinalado na definição apresentada no início deste texto, uma das funções da epidemiologia é a de fornecer indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação, o que inclui o acompanhamento das ações. Este campo tem sido às vezes denominado de “epidemiologia de serviços” e inclui também estudos que possam relacionar ações com resultados. De um modo genérico, indicador é uma qualidade numérica ou não que permite apreciar características de um fenômeno de interesse. Em epidemiologia, os indicadores são medidas quantitativas sendo expressos em geral, numa relação entre um numerador (número de eventos) e um denominador (população exposta), multiplicado por uma constante (1000, 10000 ou 100000) a fim de permitir comparações entre populações de tamanhos diferentes. São bastante difundidos os coeficientes de mortalidade, obtidos pela divisão entre o número de óbitos e o número de expostos ao risco de morrer. Podem ser categorizados segundo os critérios de interesse tais como, sexo, faixa etária, estado civil e, classificados segundo causa ou lugar. Assim, o coeficiente de mortalidade infantil é calculado dividindo-se o número de óbitos de crianças menores de um ano pelos nascidos vivos naquele ano, em uma determinada área, multiplicando-se por 1000 o valor encontrado. Vejamos alguns exemplos de indicadores usados em avaliação de sistemas de saúde. Podemos ter indicadores da estrutura ou dos recursos que dão idéia da oferta potencial: profissionais/habitantes (em geral, usa-se o número de médicos ou enfermeiros/10000), número de leitos/habitante, gasto per capita. Os indicadores de processos mostram a produção, permitindo avaliar a utilização dos serviços (oferta real), a integralidade e continuidade da atenção. Fazem parte desse grupo, as consultas e internações/habitante, a distribuição das consultas por tipo ou grau de complexidade (atenção básica versus especialidades, cuidados curativos versus preventivos), % de encaminhamentos, de atendimentos de emergências, exames especializados, etc. Para o acompanhamento de objetivos de equidade seria útil avaliar barreiras no acesso, verificando-se por exemplo, o tempo de espera para obtenção de um serviço considerado tecnicamente necessário. Este tipo de informação não faz parte da rotina dos sistemas de informações, necessitando de estudos especiais. Os indicadores de resultados medem efeitos no estado de saúde ou na resolução de problemas e incluem incidências (casos novos) ou prevalência (casos existentes) de doenças, coeficientes de mortalidade ou mesmo medidas de mudanças de comportamentos de risco (tabagismo, por exemplo). Um grande desafio no acompanhamento e avaliação de sistemas de saúde é estabelecer julgamentos acerca de resultados, tendo em vista as características multifatoriais do processo saúde/doença. A isto se agrega a ampliação do modelo explicativo ao qual já nos referimos, que relativizou a importância dos serviços na melhoria do estado de saúde das populações. 74 A fim de superar essa problemática, Contandriopoulos (1990) propõe um modelo ampliado, em que interagem dois circuitos: o que determina o estado de saúde e o circuito de cuidados. É possível, com esse modelo, identificar os componentes do sistema com maior precisão, estabelecendo-se relações entre eles conforme apresentado na figura 1. Tem-se procurado estabelecer indicadores de resultados mais diretamente relacionados com efeitos dos serviços, tais como, mortes infantis por causas preveníveis por imunizações. O Programa de Saúde da Família tem uma lista de indicadores desse tipo considerados marcadores da qualidade da assistência, tais como: acidentes vasculares cerebrais; gravidez em menores de 20 anos; recém-nascidos com peso inferior a 2.500g; hospitalizações por pneumonias; desidratação em menores de 5 anos; hospitalizações por complicações de diabetes; fraturas de colo de fêmur em maiores de 50 anos; hanseníase com grau de incapacidade II e III. Outra questão importante é que, para um julgamento sobre qualidade, é preciso comparar resultados com parâmetros. Esses parâmetros advêm de normas internacionais ou nacionais devendo, no entanto, serem relativizados nos contextos locais. Atualmente, dados sobre a estrutura (recursos), processos (consultas, internações, outras atividades) e resultados (morbidade, mortalidade, condições dos nascimentos) dos sistemas municipais (e também estaduais) não têm em geral um acompanhamento integrado, estando dispersos em pelo menos, três setores. Com o processo de implementação do SUS, vem se desenvolvendo um conjunto de tentativas para um melhor acompanhamento do sistema público, principalmente nos municípios. Para repasse de recursos financeiros federais foram estabelecidas Normas Operacionais Básicas (MS, 1993, 1996) conhecidas como NOB’s, cuja última versão, publicada em 26 de janeiro de 2001, foi denominada Norma Operacional da Assistência à Saúde/NOAS (MS, 2001). Essas normas definiram uma série de condições regulando a municipalização: modalidades de gestão; existência de Fundos Municipais; plano e Conselho de Saúde; relatório de gestão; e comprovação de contrapartida municipal (MS, 1993). Nas versões mais recentes (MS, 1996, 2001) foram acrescentados requisitos justamente no que se refere aos sistemas de informação sobre a situação de saúde e a criação de estruturas municipais nas áreas de vigilância sanitária, vigilância epidemiológica e de controle e avaliação. Pela última regulamentação, os municípios podem habilitar-se a duas modalidades de gestão para recebimento dos recursos federais: gestão plena da atenção básica ampliada e gestão plena do sistema municipal. No primeiro caso, devem garantir a existência de cadastro, auditoria, controle e avaliação dos serviços de atenção básica123, no segundo, essas ações dizem respeito ao conjunto de prestadores de serviços ambulatoriais e hospitalares. Herdeira de uma cultura institucional do antigo INAMPS, a área de controle e avaliação se ocupa então, de manter o cadastro de prestadores, verificar os boletins de produção, enviando dados para níveis de gerência central e autorizando pagamentos. O foco principal são as contas médicas, mas é também a área responsável pela realização de auditorias e averiguação de denúncias. Gerenciam dois grandes sistemas de informações: Sistema de Informação Ambulatorial/Sia-SUS e o Sistema de 123 Compreendem as seguintes ações: controle da tuberculose, hanseníase, hipertensão, diabetes, saúde bucal (0-14 anos, gestantes), urgências odontológicas, saúde da criança (nutrição, imunização, doenças mais prevalentes), pré-natal, planejamento familiar e cortes cérvico uterino (MS, 2001, anexo 1). 77 privado no Brasil. Relatório de Pesquisa, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. CONILL, E. M., SOARES G. B. , FREITAS F. L. 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L.D. DAL POZ, M. R. A reforma sanitária do sistema de saúde no Brasil e Programa de Saúde da Família. In: Physis-Revista de Saúde Coletiva, 1998, 8:12-48. 79 Figura 1: Modelo de Sistema de Saúde Bem estar Modalidades organizacionais: Responsabilidades dos cidadãos, do governo; Regulação em relação à profissão; Modalidades de financiamento; Modalidades de pagamento Estado de saúde dos indivíduos na população Estilo de vida genética Utilização de serviços produtividade efetividade eficiência Problema de saúde Modifica- ção dos problemas Prosperidade econômica Fonte:Contandriopoulos,A.P.,1990.
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