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Guias e Dicas
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Como Água para Chocolate, Notas de estudo de Enfermagem

Lara Esquivel

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 07/03/2010

amelia-c-l-fernandes-4
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Baixe Como Água para Chocolate e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! COMO ÁGUA, PARA CHOCOLATE Laura Esquivel TRADUZIDO DO ESPANHOL (MÉXICO) POR CRISTINA RODRIGUEZ TRADUÇÃO REVISTA POR ELENA PIATOK DE MATTOS Adida Cultural da Embaixada do México em Portugal Para a mesa e para a cama, uma só vez se chama... ÍNDICE Capítulo I janeiro .................................................................................... 9 Capítulo II Fevereiro .............................................................................. 27 Capítulo III Março ................................................................................... 45 Capítulo IV Abril ..................................................................................... 63 Capítulo V Maio ..................................................................................... 81 Capítulo VI junho .................................................................................... 99 Capítulo VII julho ................................................................................... 113 Capítulo VIII Agosto ...... 133 Capítulo IX Setembro .. 151 Capítulo X Outubro .... 169 Capítulo XI Novembro .... 189 Capítulo XII Dezembro .... 207 Glossário ........ 227 CAPÍTULO I JANEIRO TORTAS DE NATAL INGREDIENTES lata de sardinhas /2 de chorizo cebola Orégãos lata de chiles serranos teleras MODO DE FAZER: A cebola tem de ser picada miudinha. Sugiro-lhes que ponham um bocadinho de cebola na moleirinha a fim de evitar o incómodo lacrimejar que acontece quando a cortamos. O aborrecido de chorar quando picamos cebola não é o simples facto de chorar, mas sim às vezes começarmos, ou melhor, ficarmos picados, e já não conseguirmos parar. Não sei se já vos aconteceu, mas a mim, para dizer a verdade, já. Vezes sem conta. A Mamã dizia que era por eu ser tão sensível à cebola como Tita, a ~a tia-avó. Dizem que Tita era tão sensível que quando ainda estava na barriga da minha bisavó chorava e chorava quando esta picava cebola; o choro dela era tão forte que Nacha, a cozinheira da casa, que era meio surda, o ouvia sem se esforçar. Um dia os soluços foram tão fortes que fizeram com que o parto se adiantasse. E sem que a minha bisavó tivesse tempo para dar um ai, Tita chegou a este mundo prematuramente, em cima da mesa da cozinha, entre os cheiros de uma sopa de aletria que estava a ser cozinhada, do tomilho, do louro, dos coentros, do leite fervido, dos alhos e, é claro, da cebola. Como poderão imaginar, a costumeira nalgada não foi necessária pois Tita nasceu a chorar de antemão, talvez por saber que o seu oráculo determinava que nesta vida lhe estava negado o casamento. Contava Nacha que, Tita foi literalmente empurrada para este mundo por uma torre impressionante de lágrimas que se derramaram pela mesa e pelo chão da cozinha. À tarde, já quando o susto tinha passado e a água, graças ao efeito dos raios do sol, se tinha evaporado, Nacha varreu o resto das lágrimas que tinha ficado sobre a laje vermelha que cobre o chão. Com este sal encheu um fardo de cinco quilos que utilizou para cozinhar durante bastante tempo. Este inusitado nascimento foi determinante para o facto de Tita sentir um imenso amor pela cozinha, sendo a maior parte da sua vida ali passada, praticamente desde que nasceu, pois quando tinha dois dias de idade, o pai, ou seja, o meu bisavô, morreu de enfarte. A Mamã Elena, com o choque, ficou sem leite. Como naquele tempo não havia leite em pó nem nada que se parecesse, e não conseguiram encontrar ama em lado nenhum, viram-se num verdadeiro sarilho para matar a fome da menina. Nacha, que sabia tudo acerca da cozinha - e muito mais coisas que agora não vêm ao caso, - ofereceu-se para tomar conta da alimentação de Tita. Ela considerava-se a mais capacitada para formar o estômago da inocente criaturinha apesar de nunca ter casado nem ter tido filhos. Nem sequer sabia ler nem escrever, mas acerca de cozinha tinha conhecimentos tão profundos como as melhores. A Mamã Elena aceitou com agrado a sugestão pois já tinha que chegasse com a tristeza e a enorme responsabilidade de Dizendo isto, a Mamã Elena pôs-se lentamente de pé, guardou os óculos dentro do avental e em jeito de ordem final repetiu - Por hoje, acabámos isto! Tita sabia que dentro das normas de comunicação da casa não estava incluído o diálogo, mas mesmo assim, pela primeira vez na vida tentou protestar contra uma ordem da mãe: - Mas é que eu acho que... • Tu não achas nada e acabou-se! Nunca, durante gerações ninguém na minha família protestou contra este costume e não vai ser uma das minhas filhas a fazê-lo. • 16 Tita baixou a cabeça e com a mesma força com que as suas lágrimas caíram sobre a mesa, assim caiu sobre ela o seu destino. E a partir desse momento ela e a mesa souberam que não podiam modificar nem um bocadinho a direcção dessas forças desconhecidas que as obrigavam, a uma, a partilhar com Tita a sua sina, recebendo as suas amargas lágrimas desde o momento em que nasceu, e a outra a assumir esta absurda determinação. No entanto, Tita não estava conforme. Uma grande quantidade de dúvidas e inquietações acudiam à sua mente. Por exemplo, gostaria de saber quem é que teria iniciado esta tradição familiar. Seria bom fazer saber a essa engenhosa pessoa que no seu perfeito plano para garantir a velhice das mulheres tinha um pequeno erro. Se Tita não podia casar nem ter filhos, quem é que ia então cuidar dela quando chegasse à senilidade? Qual era a solução acertada nestes casos? Ou seria que não se esperava que as filhas que ficavam a cuidar das mães sobrevivessem muito tempo depois do falecimento das suas progenitoras? E onde é que ficavam as mulheres que se casavam e não podiam ter filhos, quem é que se encarregaria de tomar conta delas? E mais, queria saber, quais foram as investigações levadas a cabo para concluir que a filha mais nova era a mais indicada para velar pela sua mãe e não a filha mais velha? Alguma vez se tomara em conta a opinião das filhas em causa? Era-lhe permitido, pelo menos, já que não podia casar-se, conhecer o amor? Ou nem sequer isso? Tita sabia muito bem que todas estas interrogações tinham de passar irremediavelmente a fazer parte do arquivo de perguntas sem resposta. Na família De La Garza obedecia-se e ponto final. A Mamã Elena, ignorando-a, por completo, saiu muito enfadada da cozinha e durante uma semana não lhe dirigiu a palavra. O reatamento desta semicomunicação teve origem quando, ao revistar os vestidos que cada uma das mulheres tinha estado a coser, a Mamã Elena descobriu que mesmo sendo o mais perfeito aquele que Tita confecionara, não o tinha alinhavado antes de o coser. - Parabéns - disse-lhe -, os pontos estão perfeitos, mas não o alinhavaste, pois não? - Não - respondeu Tita, espantada por ela ter suspendido a lei do silêncio. - Então vais ter de o desmanchar. Alinháva-lo, cose-o novamente e depois vens ter comigo para que o reviste. Para que não te esqueças que o desleixo e a mesquinhice têm caminho duplo. - Mas isso é quando nos enganamos e a senhora foi a própria a dizer ainda agora que o meu era... - Vamos começar outra vez com a rebeldia? já tinhas feito o suficiente com essa de te teres atrevido a coser quebrando as regras. - Perdoe-me, mãezinha. Não volto a fazer. Tita conseguiu com estas palavras acalmar a zanga da Mamã Elena. Tinha posto muito cuidado ao pronunciar o "mãezinha no momento e com o tom adequado. A Mamã Elena achava que a palavra mamã parecia falta de respeito, e por isso obrigou suas filhas desde crianças a utilizarem a palavra "mãezinha, sempre que se lhe dirigissem. A única que resistia a isto ou que pronunciava a palavra num tom inadequado era Tita, e por causa disso tinha levado uma infinidade de bofetadas. Mas, naquele momento como conseguira dizê-lo tão bem! A Mamã Elena sentia-se confortada com o pensamento de que talvez estivesse a conseguir dobrar o carácter da mais nova das suas filhas. Mas, infelizmente acarinhou esta esperança por muito pouco tempo, pois no dia seguinte apareceu lá em casa Pedro Muzquiz acompanhado do senhor seu pai com a intenção de pedir a mão de Tita. A presença dele na casa causou um grande desconcerto. Não esperavam a sua visita. Dias antes, Tita mandara um recado a Pedro pelo irmão de Nacha pedindo-lhe que desistisse dos seus propósitos. Aquele jurou que o tinha entregado ao senhor Pedro, mas a verdade é que eles apareceram lá em casa. A Mamã Elena recebeu-os na sala, comportou-se de uma forma muito amável e explicou-lhes a razão pela qual Tita não se podia casar. - Claro que se o que lhes interessa é que Pedro se case, ponho à sua consideração a minha filha Rosaura, só dois anos mais velha do que Tita, mas está totalmente disponível e preparada para o casamento... Ao ouvir estas palavras, Chencha por pouco entornava por cima da Mamã Elena a bandeja com café e bolachas que tinha levado à sala para aconchegar o senhor Pascual e o filho. Desculpando- se, retirou-se apressadamente para a cozinha, onde estavam à sua espera Tita, Rosaura e Gertrudis para que lhes fizesse um relatório pormenorizado do que acontecia na sala. Entrou atrapalhadamente e todas interromperam imediatamente os seus trabalhos para não perderem uma só das suas palavras. Encontravam-se ali reunidas com o propósito de prepararem tortas de Natal. Como o seu nome o indica, estas tortas são con~ feccionadas durante a época natalícia, mas nesta altura estavam a fazê~las para festejar o aniversário de Tita. A 30 de Setembro faria anos e queria celebrá-los a comer um dos seus pratos favoritos. - Então nã hã-de lá ver? A sua mamã fala de estar preparada para o casamento como se fora um prato de enchiladas! E nem isso, porqu' ópois nã é a mesma coisa! Não se pode mudar uns tacos por umas enchiladas assim do pé para a mão! Chencha não parava de fazer este tipo de comentários enquanto lhes contava, à sua maneira, é claro, a cena que acabava de presenciar. Tita sabia até que ponto Chencha podia ser exagerada e mentirosa, por isso não deixou que a angústia se apoderasse dela. Recusava-se a aceitar como sendo verdade o que acabava de ouvir. Fingindo serenidade, continuou a abrir as teleras para que as suas irmãs se encarregassem de as rechearem. De preferência as teleras devem ser cozidas no forno em casa. Mas se não se puder o mais conveniente é encomendar na padaria umas teleras pequenas, pois as grandes não funcionam adequadamente para esta receita. Depois de recheadas metem-se 10 minutos no forno e servem- se quentes. O ideal é deixá-las ao relento durante uma noite envolvidas num pano, para que o pão fique impregnado da gordura do chouriço. Quando Tita estava a acabar de envolver as tortas que iriam comer no dia seguinte, a Mamã Elena entrou na cozinha para as informar que tinha aceitado que Pedro se casasse, mas com Rosaura. Ao ouvir a confirmação da notícia, para Tita foi assim como se o Inverno lhe tivesse entrado no corpo de repente e à força. era tal o frio e tão seco que lhe queimou as faces e pô-las vermelhas, vermelhas, como a cor das maçãs que tinha à sua frente. Este frio esmagador iria acompanhá-la durante muito tempo sem que ninguém o pudesse atenuar, nem mesmo quando Nacha lhe contou o que tinha ouvido quando acompanhava o senhor Pascual Muzquiz e o filho até à entrada do rancho. Nacha caminhava à frente, procurando diminuir o passo para ouvir melhor a conversa entre pai e filho. O senhor Pascual e Pedro caminhavam lentamente e falavam em voz baixa, reprimida pelo aborrecimento. - Por que- é que fizeste aquilo, Pedro? Caimos no ridículo ao aceitar o casamento com Rosaura. onde é que está então o amor que juraste a Tita? Já não tens palavra? - Claro que tenho, mas se lhe negassem a si, de uma forma sem apelo, casar com a mulher que ama e a única saída que lhe deixassem para estar perto dela fosse casar-se com a irmã, não tomaria a mesma decisão que eu? Nacha não conseguiu ouvir a resposta porque o Pulque, o cão do rancho, desatou a correr, a ladrar a um coelho que confundiu com um gato. - Então vais-te casar sem sentir amor? - Não, papá, caso-me sentindo um imenso e imorredoiro amor por Tita. As vozes tornavam-se cada vez menos perceptíveis pois eram apagadas pelo barulho que os sapatos faziam ao pisarem as folhas secas. Foi estranho Nacha, que naquele tempo já estava mais surda, dizer que tinha ouvido a conversa. Tita agradeceu-lhe na mesma o facto de ela lho ter contado, mas isto não modificou a atitude de frio respeito que desde então mostrou para com Pedro. Dizem que o surdo não ouve, mas compõe. Talvez Nacha só tivesse ouvido as palavras que todos calaram. Nessa noite foi impossível para Tita conciliar o sono; não sabia explicar o que sentia. Que pena naquela época não se terem ainda descoberto os buracos negros no espaço porque assim ter-lhe-ia sido muito mais fácil compreender que sentia um buraco negro no meio do peito, por onde escorria um frio infinito. Cada vez que fechava os olhos conseguia reviver muito claramente as cenas daquela noite de Natal, um ano atrás, em que Pedro e a sua família tinham sido convidados pela primeira vez para jantar em sua casa e o frio agudizava-se. Apesar do tempo decorrido, ela conseguia lembrar-se perfeitamente dos sons, das cores, do roçagar do seu vestido novo sobre o chão recém -encerado; o olhar de Pedro sobre os seus ombros... Aquele olhar! Ela caminhava para a mesa levando uma bandeja com doces de gemas de ovo quando o sentiu, ardente, a queimar~lhe a pele Virou a cabeça e os seus olhos encontraram-se com os de Pedro. Nesse momento compreendeu perfeitamente o que deve sentir a massa de uma filhó ao entrar em contacto com o óleo a ferver. BOLO CHAbela INGREDIENTES: gramas de açúcar granulado de primeira gramas de farinha de primeira, peneirada três vezes ovos Raspa de um limão MODO DE FAZER: Numa caçarola põem-se 5 gemas de ovos, 4 ovos inteiros e o açúcar. Batem-se até que a massa fique espessa e juntam-se-lhe mais 2 ovos inteiros. Continua-se a bater e quando volta a espessar juntam-se-lhe outros 2 ovos inteiros, repetindo esta passagem até se acabar de incorporar todos os ovos, de dois em dois. Para fazer o bolo de casamento de Pedro com Rosaura, Tita e Nacha tiveram de multiplicar por dez as quantidades desta receita pois em vez de um bolo para dezoito pessoas tinham de preparar um para cento e oitenta. O resultado dá 170 ovos! E isto significava que tiveram de tomar medidas para terem esta quantidade de ovos, de excelente qualidade, reunida no mesmo dia. Para o conseguirem foram pondo em conserva durante várias semanas os ovos de melhor qualidade que as galinhas punham. Este método utilizava-se no rancho desde época imemorial para abastecimento durante o Inverno deste nutritivo e necessário alimento. O melhor tempo para esta operação é por volta dos meses de Agosto e Setembro. Os ovos que se destinem à conservação têm de ser muito frescos. Nacha preferia que fossem do próprio dia. Põem-se os ovos numa vasilha que se enche de sebo de carneiro derretido, quase frio, até os cobrir por completo. Isto basta para garantir o seu bom estado durante vários meses. Agora se se desejar conservá-los mais de um ano, colocam~se os ovos numa talha e cobrem-se com uma aguada de um tanto de cal por dez de água, Depois tapam-se muito bem para impedir que o ar entre e guardam-se na adega. Tita e Nacha tinham escolhido a primeira opção pois não precisavam de conservar os ovos durante tantos meses. Perto delas, debaixo da mesa da cozinha, tinham a vasilha onde os haviam colocado e dali os tiravam para confeccionar o bolo. O esforço fenomenal que representava bater tantos ovos, começou a fazer estragos na mente de Tita quando iam apenas nos cem ovos batidos. Parecia-lhe inatingivel o número de . Tita batia enquanto Nacha partia as cascas e incorporava os ovos. Um estremecimento percorria o corpo de Tita e, como vulgarmente se diz, ficava com pele de galinha cada vez que se partia um ovo. Associava as claras aos testiculos dos frangos que tinham sido capados um mês antes. Os capões são frangos castrados que se põem na engorda. Foi escolhido este prato para o casamento de Pedro e Rosaura por ser um dos mais prestigiados nas boas mesas, tanto pelo trabalho que implica a sua preparação como pelo extraordinário sabor dos capões. Desde que se marcara a boda para o dia 12 de janeiro mandaram-se comprar duzentos frangos aos quais foi praticada a operação e se puseram imediatamente na engorda. As encarregadas deste trabalho foram Tita e Nacha. Nacha pela sua experiência e Tita como castigo por não ter querido estar presente no dia em que foram pedir a mão da sua Irmã Rosaura, sob pretexto de uma enxaqueca. - Não vou pernitir as tuas desfeitas - disse-lhe a mamã Elena - nem vou permitir que estragues a boda à tua irmã com a tua atitude de vitima. A partir de agora vais ficar encarregada dos preparativos para o banquete e cuidadinho, não quero ver uma má cara nem uma lágrima, estás a ouvir? Tita procurava não se esquecer deste aviso enquanto se preparava para iniciar a primeira operação. A capadela consiste em fazer uma incisão na parte que cobre os testículos do frango: mete-se o dedo para os procurar e arrancam-se. Feito isto, cose-se a ferida e esfrega-se com manteiga fresca ou com enxúndia de aves. Tita quase perdeu os sentidos quando meteu o dedo e puxou os testículos do primeiro frango. As suas mãos trerniam, suava copiosamente e o estômago dava~lhe voltas como um papagaio a voar. A Mamã Elena deitou-lhe um olhar perfurante e disse-lhe: "O que é que tens? Por que é que tremes, vamos começar com problemas?" Tita levantou os olhos e encarou-a. Tinha vontade de lhe gritar que sim, que havia problemas, tinham escolhido mal o sujeito apropriado para capar, a adequada era ela, desta maneira haveria pelo menos uma justificação real para que o casamento lhe estivesse negado e Rosaura tomasse o seu lugar ao lado do homem que ela amava. A Mamã Elena, lendo-lhe o olhar, enfureceu-se e deu-lhe 'uma bofetada fenomenal que a atirou para o chão, juntamente com o frango, que morreu devido à má operação. Tita batia e batia com frenesim, como que a querer acabar de uma vez por todas com o martirio. Só tinha de bater mais dois ovos e a massa para o bolo ficaria pronta. Era a única coisa que faltava, tudo o resto, incluindo os vinte pratos da refeição e os aperitivos de entrada, estava pronto para o banquete. Na cozinha só restavam Tita, Nacha e a Mamã Elena. Chencha, Gertrudis e Rosaura estavam a dar os últimos toques no vestido de noiva. Nacha, com um grande alívio, agarrou no penúltimo ovo para o partir. Tita, com um grito, impediu que o fizesse. Não! Interrompeu o seu trabalho e pegou no ovo com as duas mãos. Ouvia claramente o piar de um pinto dentro da casca. Aproximou o ovo do ouvido e escutou com mais força os pios. AMamã Elena parou o que estava a fazer e com voz autoritária perguntou: - O que se passa? Que grito foi esse? - É que dentro deste ovo há um pinto! Nacha é claro que não consegue ouvi-lo, mas eu sim. - Um pinto? Estás louca? Nunca se passou uma coisa assim com os ovos em conserva! Em duas passadas, chegou ao sítio onde estava Tita, arrebatou-lhe o ovo das mãos e partiu-o. Tita fechou os olhos com força. - Abre os olhos e olha para o teu pinto! Tita abriu os olhos lentamente. Com surpresa viu que, o que julgava ser um pinto não era mais que um ovo e até bastante fresco. - Ouve-me bem, Tita, estás a encher-me a paciência não vou permitir que comeces com loucuras, É a primeira e a última vez! Ou garanto-te que ainda te vais arrepender! Tita nunca conseguiu explicar o que foi que aconteceu naquela noite, se o que ouviu foi produto do cansaço ou uma alucinação da sua mente. Para já o mais conveniente era voltar a bater, não queria investigar qual era o limite da paciencia da mãe. Quando se batem os dois últimos ovos, incorpora-se a raspa do limão; quando a massa já estiver suficientemente espessa, deixa-se de bater e põe-se a farinha peneirada, nisturando-a pouco a pouco com uma espátula de madeira, até a incorporar totalmente. Por último barra-se uma forma com manteiga, polvilha-se com farinha e deita-se-lhe a massa. Coze no forno durante trinta minutos. Nacha, depois de preparar durante três dias vinte pratos diferentes, estava morta de cansaço e não via a hora de meter o bolo no forno para finalmente poder ir descansar. Tita desta vez não era lá grande ajudante. Nunca se queixara, talvez porque o olhar perscrutador da sua mãe não lho permitisse, mas assim que viu a Mamã Elena sair da cozinha para se dirigir ao seu quarto, lançou um interminável suspiro. Nacha, por sua vez, tirou-lhe suavemente a colher de pau das mãos, abraçou-a e disse: - já não há ninguém na cozinha, minha querida, chora agora, porque amanhã não quero que te vejam a chorar. Muito menos Rosaura. Nacha interrompeu o bater da massa porque sentia que Tita estava à beira dum colapso nervoso, bom, ela não o conhecia com esse nome, mas com a sua imensa sabedoria compreendia que Tita não aguentava mais. Na verdade, ela também não. Rosaura. e Nacha nunca se tinham dado bem. Nacha não gostava nada que desde pequena Rosaura tivesse sido melindrosa com a conida. Deixava-a sempre intacta no prato, ou dava-a às escondidas ao Tequila, o pai do Pulque (o cão do rancho). Nacha dava-lhe como exemplo Tita que sempre comeu muito bem e de tudo. Bom, só havia um alimento que não era do agrado de Tita, tratava-se do ovo quente que a Mamã Elena a obrigava a comer. Dali para a frente, como Nacha se tinha encarregado da sua educação culinária, Tita não só comia as coisas do costume como ainda comia percevejos-das-folhas, vermes de piteira, acosiles, paca, tatu, etc., perante o horror de Rosaura. Daí nasceu a aversão de Nacha única vez que entrasse na igreja sem sonhar que um dia o faria pelo braço de um homem. Tinha de bloquear não só esta como todas aquelas recordações que lhe faziam mal: tinha de acabar o fondant para o bolo de casamento da sua irmã. Fazendo um esforço supremo começou a prepará- lo. QUANTIDADES PARA o FONdANT gramas de açúcar granulado gotas de limão e a água suficiente para desfazer o açúcar. MODO DE FAZER: Põem-se numa caçarola o açúcar e a água ao lune, sem deixar de mexer, até começar a ferver. Coa-se para outra caçarola e volta a pôr-se ao lume juntando-lhe o limão até ficar nun ponto de bola mole, limpando de vez em quando as bordas da caçarola com um pano húmido para que o mel não fique açucarado; depois de adquirir o ponto anteriormente indicado deita-se para outra caçarola húmida, orvalha-se por cima e deixa-se arrefecer um pouco. Depois, com uma espátula de madeira, bate-se até ficar espesso. Para se aplicar, põe-se uma colher de leite e volta-se a levar ao lume. para que se desligue, junta- se-lhe uma gota de carmim e cobre-se com ele apenas a parte superior do bolo. Nacha apercebeu-se de que Tita estava mal, quando perguntou se não ia pôr o carnim. - Minha filha, acabei mesmo agora de pôr, não vês o tom rosado que ele tem? - Não... - Vai dormir, menina, eu acabo o torrão. Só as panelas conhecem as fervuras do seu caldo, mas eu conheço as tuas. deixa de chorar, que me estás a molhar o fondant e depois não presta. anda, vai-te embora. Nacha cobriu Tita de beijos e empurrou-a para fora da cozinha. Não percebia de onde é que ela tinha conseguido tirar lágrimas novas, mas tinha conseguido e alterado com elas a textura do torrão. Agora ia custar-lhe o dobro deixá-lo no ponto. Já sozinha, empenhou~se em acabar o torrão o mais depressa possível, para ir dormir. O torrão faz-se com 10 claras de ovo e 500 gramas de açúcar batidos em ponto de cabelo. Quando acabou, lembrou~se de experimentar com o dedo o fondant, para ver se as lágrimas de Tita não teriam alterado o sabor. E não, aparentemente, não alteraram o sabor, mas sem saber porquê, Nacha sentiu de repente uma grande nostalgia. Recordou um a um todos os banquetes de casamento que tinha preparado para a família De La Garza sonhando que o próximo seria o dela. Com oitenta e cinco anos não valia a pena chorar, nem lamentar-se por nunca ter chegado nem o esperado banquete nem o esperado casamento, apesar de o noivo, esse sim, ter chegado, e se tinha chegado! Só que a mamã da Mamã Elena se encarregara de o afugentar. Desde então conformara-se com o apreciar as bodas alheias e assim o fez durante muitos anos sem dar um ai. Não sabia por que o fazia agora. Sentia que era uma rotunda palermice, mas não conseguia deixar de o fazer. Cobriu com o torrão o melhor que pôde o bolo e foi para o quarto, com uma forte dor de peito. Chorou toda a noite e na manhã seguinte não teve forças para assistir ao casamento. Tita teria dado qualquer coisa para estar no lugar de Nacha, pois ela não só tinha de estar presente na igreja, sentisse-se como se sentisse, como tinha de estar muito concentrada para que o seu rosto não revelasse a menor emoção. julgava poder conseguir isso sempre e quando o seu olhar não se cruzasse com o de Pedro. Esse incidente poderia destruir toda a paz e tranquilidade que aparentava. Sabia que ela, mais do que a sua irmã Rosaura, era o centro das atenções. Os convidados, mais do que cumprirem um acto social, queriam regozijar-se com a ideia do sofrimento dela mas não lhes faria a vontade, não. Podia sentir claramente como penetravam pelas suas costas os cochichos dos presentes à sua passagem. - já viste a Tita? Coitadinha, a irmã vai casar com o noivo dela! Vi-os um dia na praça da vila, de mão dada. Tão felizes que eles estavam! - Não me digas! Pois Paquita disse que viu como um dia em plena missa, Pedro passou a Tita uma carta de amor, perfumada e tudo! - Dizem que vão viver na mesma casa! Eu se fosse a Elena não o permitiria! - Não acredito que o faça. já sabes como são as histórias. Não gostava nada daqueles comentários. O papel de perdedora não se escrevera para ela. Tinha de tomar uma clara atitude de triunfo! Como uma grande actriz representou o seu papel dignamente, procurando que a sua mente estivesse ocupada mas, não na marcha nupcial ou nas palavras do sacerdote ou no laço, e nos anéis. Transportou-se ao dia em que, aos nove anos, tinha ido para a brincadeira com os meninos da povoação. Estava proibida de brincar com rapazes, mas já se fartara das brincadeiras com as irmãs. Foram à margem do rio grande para ver quem era capaz de o atravessar a nado, no melhor tempo. O prazer que sentiu nesse dia ao ser ela a vencedora! Outro dos seus grandes triunfos ocorreu num tranquilo domingo na povoação. Ela tinha catorze anos e passeava de caleche acompanhada das suas irmãs, quando uns neninos atiraram um foguete. Os cavalos desataram a correr e assustadíssimos. já fora da vila tomaram o freio nos dentes e o cocheiro perdeu o controlo do veículo. Tita empurrou-o para o lado e sozinha conseguiu dominar os quatro cavalos. Quando alguns homens da vila as alcançaram a galope para as ajudarem, admiraram-se da façanha de Títa. Na vila receberam-na como a uma heroína. Estas e muitas outras lembranças parecidas mantiveram-na ocupada durante a cerimónia, fazendo-a ostentar um calmo sorriso de gata satisfeita, até que na hora dos abraços teve de felicitar a irmã. Pedro, que estava junto dela, disse a Tita: - E a mim, não me vai desejar felicidades? - Então pois claro. Que seja muito feliz. Pedro, abraçando-a mais de perto do que as normas sociais permitem, aproveitou a oportunidade única que tinha de poder dizer uma coisa ao ouvido de Tita: - Tenho a certeza de que assim será, pois consegui com este casamento o que tanto ansiava: estar perto de si, a mulher a quem verdadeiramente amo... As palavras que Pedro acabava de pronunciar foram para Tita como brisa refrescante que acende os restos do carvão prestes a apagar-se. A sua cara durante tantos meses forçada a não mostrar os seus sentimentos sofreu uma mudança incontrolável, o seu rosto reflectiu grande alívio e felicidade. Era como se toda essa quase extinta ebulição interior se visse reavivada de repente pelo fogoso hálito de Pedro sobre o seu pescoço, as suas ardentes mãos sobre as suas costas, o seu impetuoso peito sobre os seus seios... Podia ter ficado para sempre assim, não fosse o olhar que a Mamã Elena lhe lançou e a fez separar-se dele rapidamente. A Mamã Elena aproximou-se de Tita e perguntou-lhe: - O que foi que Pedro te disse? - Nada, mãezinha. • A mim não me enganas, enquanto tu vais, já eu fui e • 41 vim, por isso não te faças de mosca morta. Coitada de ti,, se volto a ver-te perto de Pedro. Depois destas palavras ameaçadoras da Mamã Elena, procurou estar o mais afastada de Pedro possível. O que lhe foi impossível foi apagar do seu rosto um franco sorriso de satisfação. A partir daquele momento a boda teve para ela outro significado. já não a incomodou nada ver como Pedro e Rosaura iam de mesa em mesa a brincar com os convidados, nem vê-los a dansar a valsa, nem vê-los mais tarde partir o bolo. Agora ela sabia que era verdade: Pedro amava-a. Morria de vontade que o banquete acabasse para correr para junto de Nacha contar-lhe tudo. Com impaciência esperou que todos comessem o seu bolo para retirar- se. O manual de Carrenho impedia-lhe fazê-lo antes. Mas, não lhe vedava o flutuar nas nuvens enquanto comia apressadamente a sua fatia. Os seus pensamentos tinham-na tão virada para si que não lhe permitiram observar que qualquer coisa estranha acontecia à sua volta. Uma imensa nostalgia apoderava-se de todos os presentes assim que davam a primeira trincadela no bolo. Inclusivamente Pedro, sempre tão aprumado, fazia um esforço terrível para conter as lágrimas. E a Mamã Elena que nem quando o marido morreu tinha derramado uma infeliz lágrima, chorava silenciosamente. E aquilo não foi tudo, o choro foi o primeiro sintoma de uma intoxicação esquisita que tinha algo a ver com uma grande melancolia e frustração que se apoderou de todos os convidados e os fez terminar no pátio, nos currais e nas casas de banho, suspirando cada um deles pelo amor da sua vida. Nem um único escapou ao feitiço e só alguns felizardos chegaram a tempo às casas de banho; os que não conseguiram, participaram do vómito colectivo que se deu em pleno pátio. Bom, a única a quem o bolo não causou nem uma beliscadura foi a Tita. Assim que acabou de o comer abandonou a festa. Queria informar Nacha que ela tinha razão ao dizer que Pedro a amava só a ela. Por ir imaginando a cara de felicidade que Nacha faria não se apercebeu da desdita que aumentava à sua passagem até chegar a alcançar níveis pateticamente alarmantes. Tita era o último elo de uma cadeia de cozinheiras que desde a época pré-hispânica tinham transmitido os segredos de cozinha de geração em geração e era considerada o melhor expoente desta maravilhosa arte, a arte culinária. Portanto, a sua nomeação como cozinheira oficial do rancho foi muito bem recebida por toda a gente. Tita aceitou o cargo com agrado, apesar da pena que sentia pela ausência de Nacha. Esta lamentável morte trazia Tita num estado de depressão muito grande. Nacha, ao morrer, deixara-a muito sozinha. Era como se tivesse morrido a sua verdadeira mãe. Pedro, procurando animá-la, pensou que seria uma boa ideia levar-lhe um ramo de rosas em comemoração do seu primeiro ano como cozinheira do rancho. Mas Rosaura que esperava o seu primeiro filho não pensou o mesmo, e quando o viu entrar com o ramo nas mãos e dá-lo a Tita em vez de lho dar a ela, abandonou a sala com um ataque de choro. A Mamã Elena, com apenas um olhar, ordenou a Tita que saísse da sala e se desfizesse das rosas. Pedro apercebeu-se da sua ousadia demasiado tarde. Mas a Mamã Elena, lançando-lhe o olhar respectivo, deu-lhe a saber que ainda podia reparar o dano causado. Por isso, pedindo desculpa, saiu à procura de Rosaura. Tita apertava as rosas com tal força contra o peito que, quando chegou à cozinha, as rosas, que inicialmente tinham uma cor rosada, já se tinham tornado vermelhas por causa do sangue das mãos e do peito de Tita. Tinha de pensar rapidamente no que fazer com elas. Estavam tão lindas! Era impossível deitá-las para o lixo, primeiro porque antes nunca tinha recebido flores e depois porque tinham sido dadas por Pedro. De repente ouviu claramente a voz de Nacha, ditando-lhe ao ouvido uma receita pré-hispánica em que se utilizavam pétalas de rosas. Tita já a tinha meio esquecida, pois para se fazer eram precisos faisões e o rancho nunca se tinha dedicado a criar esse tipo de aves. A única coisa que nesse momento tinham era codornizes, e então decidiu alterar ligeiramente a receita, o que importava era utilizar as flores. Sem pensar duas vezes saiu para o pátio e dedicou-se a perseguir codornizes, Depois de apanhar seis meteu-as na cozinha e preparou-se para as matar, o que não lhe era nada fácil depois de as ter cuidado e alimentado durante tanto tempo. Com uma profunda inspiração, agarrou na primeira e torceu-lhe o pescoço como tinha visto Nacha fazer tantas vezes, mas com tão pouca força que a pobre codorniz não morreu, em vez disso foi-se queixando penosamente por toda a cozinha, com a cabeça pendurada de lado. Esta imagem horrorizou-a! Compreendeu que não se podia ser fraco nisto da matança: ou se fazia com firmeza ou só se causava uma grande dor. Nesse momento pensou em como seria bom ter a força da Mamã Elena. Ela matava assim, de um golpe, sem piedade. Bom, ainda que pensando bem, não. Com ela tinha feito uma excepção, começara a matá-la desde pequenina, pouco a pouco, e ainda não lhe dera o golpe final. O casamento de Pedro e Rosaura deixara-a como à codorniz, com a cabeça e a alma fracturadas e antes de permitir que a codorniz sentisse as mesmas dores que ela, num acto de piedade, com grande decisão, rapidamente acabou com ela. Com as outras foi tudo mais fácil. Só procurava imaginar que cada uma das codornizes tinha um ovo quente engasgado no bucho e que ela piedosamente as libertava desse martírio dando-lhes uma boa torcidela. Quando era pequena, muitas vezes desejou morrer para não ter de comer o famoso e obrigatório ovo quente. A Mamã Elena obrigava-a a comê-lo. Ela sentia que o seu esófago se fechava todo, com muita força, incapaz de conseguir deglutir qualquer alimento, até que a mãe lhe dava um murro na cabeça que tinha o efeito milagroso de lhe desfazer o nó na garganta, por onde o ovo deslizava então sem qualquer problema. Agora sentia-se mais calma e os passos seguintes foram executados com grande destreza. Parecia até que era a própria Nacha quem, no corpo de Tita efectuava todas estas actividades: depenar as aves em seco, tirar-lhes as vísceras e pô-las a fritar. Depois de depenadas e esvaziadas, agarra-se nas patas das codornizes e atam-se, para que se conservem numa posição graciosa enquanto se põem a dourar na manteiga, polvilhadas com pimenta e sal a gosto. É importante depenar as codornizes em seco, pois molhá-las em água a ferver altera o sabor da carne. Este é um dos inúmeros segredos da cozinha que só se adquirem com a prática. Como Rosaura não tinha querido participar das actividades colinárias desde que queimara as mãos no comal, logicamente ignorava este e muitos outros conhecimentos gastronómicos. No entanto, quem sabe se por querer impressionar Pedro, seu marido,, ou por querer estabelecer uma rivalidade com Tita no seu terreno, certa ocasião tentou cozinhar. Quando Tita amavelmente lhe quiz dar alguns conselhos, Rosaura ficou muito incomodada e pediu-lhe que a deixasse sozinha na cozinha. Obviamente o arroz pegou-se-lhe, a carne salgou-se-lhe e a sobremesa queimou-se-lhe. Ninguém na mesa se atreveu a mostrar qualquer gesto de desagrado, pois a Manã Elena em jeito de sugestão tinha comentado: • É a primeira vez que Rosaura cozinha e acho que não está assim tão mal. O que acha, Pedro? • 50 Pedro, fazendo um esforço tremendo, respondeu sem coragem para magoar a esposa: não. para primeira vez não está assim tão mal. É claro que naquela tarde toda a família ficou doente do estômago. Foi uma verdadeira tragédia, mas é claro que não tão grande como a que surgiu no rancho nesse dia. A fusão do sangue de Tita com as pétalas das rosas que Pedro lhe tinha oferecido acabou por ser a coisa mais explosiva. Quando se sentaram à mesa havia um ambiente ligeiramente tenso, mas não aconteceu nada de maior até serem servidas as codornizes. Pedro, não contente com ter provocado os ciúmes da sua esposa, ao saborear a primeira dentada do prato especial, exclamou, fechando os olhos com verdadeira luxúria. - Isto é mesmo um prazer dos deuses! A Mamã Elena, embora reconhecesse que se tratava de uma comida verdadeiramente refinada, incomodada com o comentário, disse: - Tem demasiado sal. Rosaura, dando como pretexto náuseas e tonturas, não conseguiu comer mais de três pedaços. Em contrapartida aconteceu qualquer coisa estranha a Gertrudis. Parecia que o alimento que estava a ingerir produzia nela um efeito afrodisíaco pois começou a sentir que um intenso calor lhe invadia as pernas. Umas cócegas no centro do corpo não a deixavam estar correctamente sentada na cadeira. Começou a suar e a imaginar o que é que se sentiria ao ir sentada no lonbo de um cavalo, abraçada por um vilista, um daqueles que tinha visto na semana anterior a entrar na praça da vila, cheirando a suor, a terra, a amanheceres de perigo e incerteza, a vida e a morte. Ela ia para o mercado na companhia de Chencha, a criada, quando o viu entrar pela rua principal de Piedras Negras, vinha à frente de todos, obviamente a capitanear a tropa. Os seus olhares encontraram-se e o que viu nos olhos dele fê-la tremer. Viu muitas noites junto ao fogo desejando a companhia de uma mulher a quem pudesse beijar, uma mulher a quem pudesse abraçar, uma mulher... como ela. Tirou o lenço e tentou que juntamente com o suor desaparecessem da sua mente todos esses pensamentos pecaminosos. Mas era inútil, algo estranho lhe acontecia. Procurou encontrar apoio em Tita, mas ela estava ausente, o corpo estava em cima da cadeira, sentada, e muito correctamente, é verdade, mas não havia qualquer sinal de vida nos seus olhos. Até parecia que num estranho fenômeno de alquimia o seu ser se tinha dissolvido no molho das rosas, no corpo das codornizes, no vinho e em cada um dos odores da comida. Penetrava assim no corpo de Pedro, de forma voluptuosa, aromática, quente, completamente sensual. Parecia que tinham descoberto um código novo de comunicação em que Tita era a emissora, Pedro o receptor e Gertrudes a felizarda em quem se sintetizava esta singular relação sexual através da comida. Pedro não opôs resistência, deixou-a entrar até ao último recanto do seu ser sem conseguirem afastar o olhar um do outro. Disse-lhe: - Nunca tinha provado nada tão requintado, muito obrigado. É que este prato é verdadeiramente delicioso. As rosas conférem-lhe um sabor refinadíssimo. Depois de se desfolhar as pétalas moem-se no almofariz juntamente com o anis. À parte, põem- se a dourar as castanhas no comal, previamente descascadas e cozidas na água. Depois, fazem-se em puré. Os alhos são finamente picados e alouram-se na manteiga; quando já estão louros junta-se-lhes o puré das castanhas, a pitaya moída, o mel, as pétalas de rosa e sal a gosto. Para que o molho fique um pouco mais espesso podem juntar-se-lhe duas colherzinhas de fécula de milho. Por último, passa- se por um tamis e juntam-se-lhe só duas gotas de essência de rosas, não mais, pois corre-se o perigo de ficar demasiado perfumado e estragar o sabor. Assim que estiver apurado retira-se do lume. As codornizes só se mergulham durante dez minutos neste molho para que se impregnem do sabor e retiram-se. O aroma da essência de rosas é tão penetrante que o almofariz que se utilizava para moer as pétalas ficava impregnado durante vários dias. A encarregada de o lavar juntamente com a outra loiça que se utilizava na cozinha era Gertrudis. Fazia este trabalho depois de comer, no pátio, pois aproveitava para deitar aos animais a comida que tinha ficado nas panelas. Além disso, como os utensílios da cozinha eram tão grandes, A única parte do corpo de Tita que conhecia muito bem, além da cara e das mãos, era o pedaço redondo da barriga da perna que tinha chegado a ver uma vez. Essa recordação atormentava-o de noite. A vontade que sentia de pôr a sua mão nesse pedaço de pele e depois por todo o corpo tal como tinha visto fazer o homem que levara Gertrudis: com paixão, com desenfreio, com luxúria! Tita, por seu lado, tentou gritar a Pedro que esperasse por ela, que a levasse para longe, para onde os deixassem amar-se, para onde ainda não tivessem inventado regras para seguir e respeitar, para onde não estivesse a sua mãe, mas a garganta não emitiu qualquer som. As palavras fizeram-se num nó e afogaram-se umas às outras antes de saírem. Sentia-se tão só e abandonada! Um chile em nogado esquecido numa travessa depois de um grande banquete não se sentiria pior do que ela. Quantas vezes sozinha na cozinha tivera de comer uma destas delícias antes de permitir que se perdesse. Ninguém comera o último chile de uma bandeja acontece geralmente quando as pessoas não querem demonstrar a sua gula e embora gostassem imenso de o devorar, ninguém se atreve e é assim que se rejeita um chile recheado que contém todos os sabores imagináveis, o doce do cidrão, o picante do chile, a subtileza do nogado, o refrescante da romã, um maravilhoso chile em nogado! Que contém no seu interior todos os segredos do amor, mas que ninguém poderá penetrar por causa da decência Maldita decência! Maldito manual de Carrenho! Por culpa dele o seu corpo estava destinado a murchar pouco a pouco, sem qualquer remédio. E maldito Pedro tão decente, tão correcto, tão varonil, tão... tão amado! Se Tita tivesse sabido então que não teria de passar muitos anos para que o seu corpo conhecesse o amor não teria desesperado tanto naquele momento. O segundo grito da Mamã Elena arrancou-a dos seus pensamentos e obrigou-a a encontrar rapidamente uma resposta. Não sabia o que é que ia dizer à mãe, se primeiro lhe dizia que a parte de trás do pátio estava a arder, ou que Gertrudis se tinha ido embora com um villista em cima de um cavalo... e nua. Decidiu dar uma versão em que os federais, de quem Tita não gostava, tinham entrado em tropel, haviam deitado fogo à casa de banho e raptado Gertrudis. A Mamã Elena acreditou na história toda e adoeceu com o desgosto, mas estev quase a morrer quando soube uma semana depois pela boca do padre Ignacio, o pároco da vila - sabe Deus como é que ele soube - que Gertrudis estava a trabalhar num bordel da fronteira. Proibiu que se voltasse a mencionar o nome da filha e mandou queimar as fotografias e o seu registo de nascimento. No entanto, nem o fogo nem a passagem dos anos conseguiram apagar o penetrante cheiro a rosas que se desprende do sítio onde antes esteve o chuveiro e que agora é o estacionamento de um edifício de apartamentos. Também não conseguiram apagar da mente de Pedro e de Tita as imagens que eles viram e que os marcaram para sempre. A partir desse dia as codornizes em pétalas de rosas transformaram-se numa muda recordação desta experiência fascinante. Tita preparava-o todos os anos como oferta à liberdade que a sua irnã tinha alcançado e punha especial esmero na decoração das codornizes. Estas colocam-se numa travessa, deita-se o molho por cima e decoram-se com uma rosa completa no centro e pétalas dos lados, ou podem ser servidas numa só vez num prato individual em lugar de utilizar a travessa. Tita preferia assim, pois desta maneira não corria o perigo de, à hora de servir a codorniz, se perder o equilibrio, da decoração. Especificou isso precisamente assim no livro de cozinha que começou a escrever nessa mesma noite, depois de fazer um bom bocado da sua colcha, como acontecia diariamente. Enquanto a fazia, na sua cabeça davam voltas e mais voltas as imagens de Gertrudis a correr pelo campo juntamente com outras que ela imaginava acerca do que se teria passado mais tarde, quando a irmã se perdeu da sua vista. Claro que a imaginação era neste aspecto bastante linitada, pela sua falta de experiência. Tinha curiosidade em saber se teria alguma roupa em cima, ou se continuaria assim... despida! Preocupava-se com o facto de que pudesse sentir frio, tal como ela, mas chegou à conclusão de que não. O mais provável era estar perto do fogo, nos braços do seu homem e isso definitivamente deveria dar calor. De repente uma ideia que se atravessou na sua mente fê-la levantar-se e olhar para o céu estrelado. Ela sabia, pois sentira isso na própria carne, como pode ser poderoso o fogo de um olhar. É capaz de acender o próprio sol. Tomando isto em concideração, o que é que aconteceria se Gertrudis olhasse para uma estrela? De certeza que o calor do seu corpo, inflamado pelo amor, viajaria com o olhar através do espaço infinito sem perder a sua energia, até se depositar no luzeiro da sua atenção. Estes grandes astros sobreviveram milhões de anos porque têm muito cuidado em não absorverem os raios ardentes que os amantes de todo o mundo lhes lançam noite após noite. Se o fizessem gerar-se-ia tanto calor no seu interior que rebentariam em mil pedaços. Como tal, ao receberem um olhar, rejeitam-no imediatamente reflectindo-o para a terra como num jogo de espelhos. É por isso que brilham tanto de noite. E foi por isso que Tita teve a esperança de que, se pudesse descobrir entre todas as estrelas do firmamento qual era a que a irmã via naquele momento, receberia por reflexo um pouco do calor que a ela lhe sobrava. Bom, era isso que ela imaginava, mas por mais que observasse uma a uma todas as estrelas do céu não sentiu absolutamente nada de calor, muito até pelo contrário. Comovida regressou à cama plenamente convencida de que Gertrudis dormia placidamente com os olhos bem fechados e que por isso a expriência não funcionara. Tapou-se então com a sua colcha, que naquela altura já se dobrava em três. reviu a receita que tinha Escrito para ver se não se esquecia de anotar alguma coisa e acrescentou: "Hoje que comemos este prato, Gertrudis fugiu de casa ..." Continua ... Receita seguinte: MOLE DE PERU COM AMÊNDOA E GERGELIM CAPítulo IV ABRIL MOLE DE PERU COM AMÊNDOA E GERGELIm INGREDIENTES: /4 de chile mulato chiles Pasilla 3 chiles anchos Um punhado de amêndoas um punhado de gergelim Caldo de peru Pão doce (1/3 de concha) amendoins /2 cebola vinho tabuletes de chocolate anis manteiga crabo de cabecinha canela pimenta, gravidez, para ainda por cima ter de suportar os cumprimentos que ele fazia a Tita a pretexto de como era deliciosa a sua cozinha. Como Tita se sentiu só naquela época. Sentia tanto a falta de Nacha. Odiava todos, incluindo Pedro. Estava convemcida de que nunca voltaria a gostar de ninguém enquanto vivesse. Claro que todas estas convicções se esfumaram assim que recebeu nas suas próprias mãos o filho de Rosaura. Foi numa manhã fria de Março. Ela estava no galinheiro a apanhar os ovos que as galinhas acabavam de pôr, para os utilizar no pequeno-almoço. Alguns ainda estavam quentes e por isso meteu-os debaixo da blusa, colando-os ao peito, para mitigar o frio crónico de que sofria e que ultimamente se tinha agravado. Levantara-se primeiro do que os outros, como de costume. Mas hoje fizera-o meia hora antes do costume, para arranjar uma mala com a roupa de Gertrudis. Queria aproveitar o facto de Nicolás sair de viagem para recolher gado, para lhe pedir que por favor a fizesse chegar à sua irmã. É claro que fazia isto às escondidas da mãe. Tita decidiu enviar-lha pois não lhe saía da cabeça a ideia de que Gertrudis continuava nua. Claro que Tita se recusava a aceitar como verdade que isto assim fosse porque o trabalho da sua irmã no bordel assim o requeria, mas sim porque não tinha roupa para vestir. Deu rapidamente a Nicolás a mala com a roupa e um sobrescrito com as indicações do antro onde possivelmente encontraria Gertrudis e regressou para se encarregar dos seus afazeres. De repente ouviu Pedro a preparar a caleche. Achou estranho que o fizesse tão cedo, mas ao ver a luz do sol apercebeu-se de que já era tardíssimo e que enviar a Gertrudis, juntamente com a roupa, parte do seu passado, tinha-lhe levado mais tempo do que tinha imaginado. Não lhe foi fácil meter na mala o dia em que fizeram a primeira comunhão as três juntas. A vela, o livro e a fotografia no exterior da igreja couberam muito bem, mas o mesmo não aconteceu com o sabor dos tamales e do atole que Nacha lhe tinha preparado e que tinham comido depois na companhia dos seus anigos e familiares. Couberam os caroços de damasco às cores, mas não os risos quando brincavam com eles no pátio da escola, nem a professora Jovita, nem o baloiço, nem o cheiro do seu quarto, nem o do chocolate recén-batido. O melhor é que também não couberam as tareias e os ralhos da Mamã Elena, pois Tita fechou com muita força a mala antes que eles fossem entrar. Saiu para o pátio precisamente no momento em que Pedro gritava por ela à sua procura com desespero. Tinha de ir a Eagle Pass à procura do doutor Brown, que era o médico da família e não a encontrava em lado nenhum. Rosaura tinha começado com as dores de parto. Pedro incumbiu-a de por favor tratar dela enquanto ele não voltasse. Tita era a única pessoa que podia fazer isto. Em casa não havia ninguém: a Mamã Elena e Chencha já tinham ido para o mercado, para abastecerem a despensa pois esperavam o nascimento de um momento para o outro e não queriam que faltasse em casa nenhum artigo que fosse indispensável nestes casos. Não tinham podido fazê-lo antes pois a chegada dos federais e a sua perigosa estada na povoação impedira-as. Não chegaram a saber, quando saíram, que a vinda do menino iria dar-se mais rapidamente do que pensavam, pois assim que foram Rosaura tinha começado com o trabalho de parto. Tita então não teve outro remédio senão ir para o lado da irmã para a acompanhar, com a esperança de que fosse por pouco tempo. Não tinha qualquer interesse em conhecer o menino ou a menina ou o que fosse. Mas o que nunca se esperou é que Pedro fosse capturado pelos federais impedindo-o injustamente de ir buscar o médico e que a Mamã Elena e Chencha não conseguissem regressar por causa de um tiroteio que se armou na vila e que as obrigou a refugiarem-se em casa dos Lobo, e que desta maneira a única presente no nascimento do seu sobrinho fosse ela, precisamente ela. Nas horas que passou ao lado da irmã aprendeu mais do que em todos os anos de estudo na escola da vila. Injuriou como nunca os seus professores e a sua mamã por não lhe terem dito nunca o que era preciso fazer num parto. De que lhe servia naquele momento saber os nomes dos planetas e o manual de Carrenho de fio a pavio se a irmã estava prestes a morrer e ela não a podia ajudar. Rosaura tinha engordado 30 quilos durante a gravidez, o que dificultava ainda mais o seu trabalho de parto como primípara. Para além da excessiva gordura da irmã, Tita notou que o corpo de Rosaura estava a inchar descomunalmente. Primeiro foram os pés e depois a cara e as mãos. Tita limpava-lhe o suor da testa e procurava animá-la, mas Rosaura parecia não a ouvir. Tita tinha visto nascer alguns animais, mas essas experiências de nada lhe serviam nestes momentos. Nessas alturas só estivera como espectadora. Os animais sabiam muito bem o que tinham de fazer, em contrapartida ela não sabia nada de nada. Tinha preparado lençóis, água quente e uma tesoura esterilizada. Sabia que tinha de cortar o cordão umbilical, mas não sabia como nem quando nem a que altura. Sabia que era preciso prestar uma série de atenções ao bebé quando este chegasse ao mundo, mas não sabia quais. A única coisa que sabia é que primeiro tinha de nascer, e não se sabia quando! Tita espreitava entre as pernas da irmã com frequência e nada. Só um túnel escuro, silencioso, profundo. Tita, ajoelhada em frente de Rosaura, com grande desespero pediu a Nacha que a iluminasse naquele monento Se era possível ditar-lhe algumas receitas de cozinha, também era possível ajudá-la neste díficil transe! Alguém tinha de assistir a Rosaura desde o além, porque os de cá não sabiam como. Não soube por quanto tempo rezou de joelhos, mas quando por fim abriu as pálpebras, o obscuro túnel de um momento para o outro transfornou-se completamente num rio vermelho, num vulcão impetuoso, num rasgão de papel. A carne da irmã abria-se para dar passagem à vida. Tita nunca haveria de esquecer esse som nem a imagem da cabeça do seu sobrinho a sair triunfante da sua luta por viver. Não era uma cabeça bonita, tinha mais até a forma de um melãozinho, devido à pressão a que os seus ossos estiveram submetidos durante tantas horas. Mas Tita achou que era a mais linda de todas as que tinha visto na sua vida. O choro do menino invadiu todos os espaços vazios dentro do coração de Tita. Soube então que amava novamente a vida, aquele menino, Pedro, inclusivamente a irmã, odiada durante tanto tempo. Pegou no menino entre as suas mãos, levou-o a a Rosaura, e juntas choraram durante um bocado, abraçadas a ele. Depois seguindo as instruções que Nacha lhe dava ao ouvido, soube perfeitamente todos os passos que tinha de seguir: cortar o cordão umbilical no sítio e momento preciso, limpar o corpo do menino com óleo de amêndoas doces, enfaixar-lhe o umbigo e visti- lo, Sem qualquer problema soube como lhe pôr a primeira camisinha e a camisa, depois a faixa no umbigo, depois a fralda de manta de cielo, depois a de olho de pássaro, depois a flanela para lhe tapar as pernas, depois o chambrezinho, depois as meias e os sapatos, e por fim, utilizando um cobertor de felpa, cruzou-lhe as mãos sobre o peito para que não arranhasse a cara. Quando à noite, a Mamã Elena e Chencha chegaram acompanhadas dos Lobo ficaram admiradas com o trabalho profissional realizado por Tita. Todo agasalhadinho, o menino dormia tranquilamente. Pedro chegou com o doutor Brown no dia seguinte, depois de o deixarem em liberdade. O seu regresso tranquilizou toda a gente. Receavam pela sua vida. Agora já só estavam preocupados com a saúde de Rosaura, que ainda estava muito fraca e inchada. O doutor Brown examinou-a em pormenor. Foi então que souberam até que ponto o parto tinha sido perigoso. Segundo o médico, Rosaura tinha sofrido um ataque de eclampsia que a podia ter matado. Mostrou~se muito surpreendido por Tita a ter assistido tão bem e com tanta decisão em condições tão pouco favoráveis. Bom, vá-se lá saber o que é que lhe chamou mais a atenção, se o facto de Tita a ter ajudado sozinha e sem ter qualquer experiência ou o facto de ter descoberto de repente que Tita, a menina dentolas de que ele se lembrava, se tinha transformado numa lindíssima mulher sem ele ter dado por isso. Desde a morte da sua mulher, há cinco anos, nunca tinha voltado a sentir-se atraído por nenhuma mulher. A dor de ter perdido a sua cônjuge, praticamente recém-casados, tinha-o deixado insensível para o amor todos estes anos. Que estranha sensação lhe causava observar Tita. Foi percorrido por um formigueiro por todo o corpo, despertando e activando os seus sentidos adormecidos. Observava-a como se fosse pela primeira vez. Como lhe pareciam agora tão agradáveis os seus dentes, tinham tomado a sua verdadeira proporção dentro da harmonia perfeita das feições finas e delicadas do seu rosto. A voz da Mamã Elena interrompeu-lhe os pensamentos. - Doutor, não seria muito incómodo para si vir, duas vezes por dia, até a minha filha sair de perigo? - Claro que não! Primeiro é a minha obrigação e segundo é um prazer frequentar a sua agradável casa. Foi verdadeiramente uma sorte Mamã Elena estar muito preocupada com a saúde de Rosaura e não ter detectado o brilho de admiração que John tinha no olhar enquanto observava Tita, pois se o tivesse feito, não lhe teria aberto tão descansada as portas do seu lar. Por agora o médico não representava qualquer problema para a Mamã Elena; a única coisa que a trazia muito preocupada era que Rosaura não tinha leite. - Não, não é isso. O que acontece é que eu não posso casar, nem ter filhos, porque tenho de tomar conta da minha mamã até ela morrer. - Mas, como? isso é um disparate. - Mas assim é. Agora peço-lhe que me desculpe, vou atender os meus convidados. Tita afastou-se rapidamente, deixando John completamente desconcertado. Ela também o estava, mas recuperou imediatamente ao sentir Roberto nos seus braços. Que diferença lhe fazia o seu destino enquanto pudesse ter aquele menino perto, que era mais seu que de ninguém. Realmente ela exercia o posto de mãe sem o título oficial. Pedro e Roberto pertenciam-lhe e ela não precisava de mais nada na vida. Tita estava tão feliz que não se apercebeu de que a mãe, tal como John, embora por outra razão, não a perdia de vista um só instante. Estava convencida de que Tita e Pedro traziam algo entre mãos. Procurando descobrir, nem sequer comeu e estava tão concentrada no seu trabalho de vigilância, que lhe passou despercebido o êxito da festa. Todos estavam de acordo em que grande parte do mesmo se devia a Tita; o mole que tinha preparado estava delicioso! Ela não parava de receber cumprimentos pelos seus méritos de cozinheira e todos queriam saber qual era o seu segredo. Foi verdadeiramente lamentável que, no momento em que Tita ia responder a esta pergunta dizendo que o seu segredo era que tinha preparado o mole com muito amor, Pedro estivesse perto e os dois se olhassem por uma fracção de segundo com cumplicidade recordando o momento em que Tita estava a moer na pedra, pois a vista de águia da Mamã Elena, a vinte metros de distância, detectou a cintilação e ficou profundamente incomodada. Entre todos os convidados ela era realmente a única incomodada, pois curiosamente, depois de comerem o mole,-todos tinham entrado num estado de euforia que os fez ter reacções de alegria pouco comuns. Riam-se e agitavam-se como nunca o tinham feito e havia de passar bastante tempo até voltarem a fazê-lo. A luta revolucionária ameaçava trazer fome e morte por toda a parte. Mas naqueles momentos parecia que todos procuravam esquecer que na vila havia muitos tiroteios. A única que não Perdeu a compostura foi a Mamã Elena, que estava muito ocupada a procurar uma solução para a sua inquietação, e aproveitando um momento em que Tita estava suficientemente perto para não perder uma única das palavras que ela pronunciasse, comentou com o padre Ignacio em voz alta: - Pois pela forma que as coisas estão a tomar, padre, preocupa-me que um dia a minha filha Rosaura precise de um médico e não o possamos trazer, como no dia em que deu à luz. Creio que o mais conveniente será que assim que tiver mais forças vá juntamente com o marido e o filho viver para San Antonio, Texas, com o meu primo. Lá terá melhor assistência médica. - Eu não tenho a mesma opinião, dona Elena. Precisamente por estar assim a situação política é que a senhora precisa de um homem em casa que a defenda. • Nunca precisei de nenhum para nada, sempre me arranjei sozinha com o rancho e com as minhas filhas. Os homens não são assim tão importantes para viver, padre –sublinhou. • 79 - Nem a revolução é tão perigosa como a pintam, pior são os chíles e a água longe! - Ah, lá isso é verdade! - respondeu rindo-se. - Ai, que dona Elena! Sempre tão oportuna. E, diga-me, já pensou onde é que Pedro ia trabalhar em San Antonio? - Pode começar por trabalhar como contabilista na companhia do meu primo, não terá quaisquer problemas, pois fala inglês perfeitamente. As palavras que Tita ouviu ecoaram como disparos de canhão dentro do seu cérebro. Não podia permitir que isto acontecesse. Não era possível que agora lhe tirassem o menino. Tinha de impedir isso desse lá por onde desse. Para já, a Mamã Elena conseguira estragar-lhe a festa. A primeira festa que tinha na sua vida. Continua... Próxima receita: chorizo nortanho Capítulo V Maio Chorizo nortanho INGREDIENTES: quilos de lombo de Porco quilos de miudezas ou cabeça de lombo quilo de chiles anchos gramas de cominhos gramas de orégãos gramas de pimenta gramas de cravinho chávenas de alhos litros de vinagre de maçã /4 quilo de sal MODO DE FAZER: Põe-se o vinagre ao lume e juntam-se os chilês a que previamente se tiraram as sementes. Assim que levantar fervura, retira-se do lume e põe-se uma tampa na panela para que os chíles amoleçam. Chencha pôs a tampa e correu para a horta para ajudar Tita a procurar minhocas. A Mamã Elena chegaria de um momento para o outro à cozinha para supervisionar a confecção do chouriço e a preparação da água para o seu banho e as duas coisas estavam bastante atrasadas. A razão era que Tita, desde que Pedro, Rosaura e o menino tinham ido viver para San Antonio, Texas, tinha perdido todo o interesse pela vida, excepto por um indefeso borracho que estava a alimentar com minhocas. Fora isso, a casa podia cair, que ela não se importava. Chencha nem queria imaginar o que aconteceria se a Mamã Elena se apercebesse que Tita não queria participar na confecção do chouriço. Tinham decidido prepará-lo por ser um dos melhores recursos para utilizar a carne de porco de uma maneira econõmica e que lhes garantia um bom alimento por muito tempo, sem perigo de se decompor. Também tinham preparado uma grande quantidade de cecina, presunto, toucinho e manteiga. Tinham de retirar o melhor proveito possível deste porco, um dos animais sobreviventes da visita que membros do exército revolucionário lhes haviam feito uns dias antes. No dia em que os rebeldes chegaram, só estavam no rancho a Mamã Elena, Tita, Chencha e dois peões: Rosalío e Guadalupe. Nicolás, o capataz, ainda não tinha regressado com o gado que por imperiosa necessidade tinha ido comprar, pois perante a escassez de alimentos tiveram de ir matando os animais com que contavam e precisavam de os repor. Levara com ele dois dos trabalhadores de mais confiança para que o ajudassem. Tinha deixado o seu filho Felipe a cuidar do rancho, mas a Mamã Elena retirara-lhe o cargo, tomando ela o comando em seu lugar, para que Felipe pudesse ir a San Antonio, Texas, à procura de notícias de Pedro e da sua família. Receavam que alguma coisa de mau lhes tivesse acontecido, devido à falta de comunicação desde que haviam partido. Rosalío chegou a galope informando que se aproximava do rancho um grupo de homens. A Mamã Elena agarrou imediatamente na sua espingarda e enquanto a limpava pensou em esconder da voracidade e do desejo destes homens os objectos mais valiosos que possuía. As referências que lhe tinham dado dos revolucionários não eram nada boas, e é claro que também não eram nada de confiar pois provinham do padre Ignacio e do Presidente Municipal de Piedras Negras. Através deles tinha conhecimento da forma como entravam nas casas, como arrasavam tudo e como violavam as raparigas que encontravam pelo caminho. Assim sendo, ordenou que Tita, Chencha e o porco, se mantivessem escondidos no sótão. O seu peito secara de um dia para o outro, com a pena que lhe causou a separação do seu sobrinho. Enquanto procurava minhocas, não conseguira deixar de pensar em quem e como é que estariam a alimentar Roberto. Este pensamento atormentava-a dia e noite. Durante todo o mês não tinha conseguido conciliar o sono nem um só instante. A única coisa que conseguira durante esse período tinha sido quintuplicar de tamanho a sua enorme colcha. Chencha foi arrancá-la dos seus pensamentos de comiseração e levou-a aos empurrões para a cozinha. Sentou-a em frente do metate e pô-la a moer as especiarias juntamente com os Chiles. Para facilitar esta operação é bom pôr de vez em quando uns pingos de vinagre enquanto se está a moer. Por último, mistura-se a carne muito picada ou moída com os chiles e as especiarias e deixa-se repousar um grande bocado, de preferência uma noite inteira. Mal tinham começado a moer, entrou a Mamã Elena na cozinha, perguntando por que é que a tina para o seu banho não estava cheia. Não gostava de tomar banho muito tarde, pois o cabelo não chegava a secar adequadamente. Preparar o banho para a Mamã Elena era o mesmo que preparar uma cerimónia. A água tinha de se pôr a ferver com flores de alfazema, o aroma preferido da Mamã Elena. Depois passava-se a "decocção" por um pano limpo e juntavam-se-lhe umas gotas de aguardente. Por último era preciso levar, um após outro, baldes com esta água quente até ao quarto escuro. Um pequeno quarto que estava no fim da casa, junto da cozinha. Este quarto, como o seu nome indica, não recebia qualquer raio de luz pois não tinha janelas. Só tinha uma porta estreita. Lá dentro, a meio do quarto, encontrava-se uma grande tina onde se depositava a água. Ao seu lado, numa vasilha de peltre punha-se água com shi-shi para a lavagem do cabelo da Mamã Elena. Só Tita, cuja missão era cuidar dela até à morte, é que podia estar presente no ritual e ver a sua mãe nua. Mais ninguém. Por isso é que se tinha construído este quarto à prova de mirones. Tita tinha de lavar primeiro o corpo da sua mãe, depois o cabelo e por fim deixava-a uns momentos a descansar, gozando a água, enquanto ela passava a ferro a roupa que a Mamã Elena vestiria ao sair da tina. A uma ordem da sua mãe, Tita ajudava-a a secar-se e a vestir o mais rapidamente possível a roupa bem quente, para evitar uma constipação. Depois, entreabria um milímetro a porta, para que o quarto fosse arrefecendo e o corpo da Mamã Elena não sofresse uma mudança brusca de temperatura. Entretanto escovava-lhe o cabelo, iluminada apenas pelo débil raio de luz que se infiltrava pela fresta da porta e que criava um ambiente de sortilégio ao revelar as formas caprichosas do vapor de água. Escovava-lhe o cabelo até este ficar completamente seco, então fazia-lhe uma trança e davam por terminada a liturgia. Tita agradecia constantemente a Deus por a sua mamã só tomar banho uma vez por semana, porque senão a sua vida seria um verdadeiro calvário. Na opinião da Mamã Elena, com o banho acontecia o mesmo que com a comida: por mais que Tita se esforçasse cometia sempre uma infinidade de erros. Ou a camisa tinha uma ruguinha ou a água não estava suficientemente quente ou a risca da trança estava torta, enfim, parecia que a única virtude da Mamã Elena era a de encontrar defeitos. Mas nunca encontrou tantos como naquele dia. É que Tita tinha realmente descuidado todos os pormenores da cerimónia. A água estava tão quente que a Mamã Elena queimou os pés ao entrar, tinha-se esquecido do shi-shi para lavar o cabelo, tinha queimado o saiote e a combinação, tinha aberto demasiado a porta, enfim, agora conseguira a pulso que a Mamã Elena a repreendesse e que a expulsasse do quarto de banho. Tita caminhava à pressa para a cozinha, levando debaixo do braço a roupa suja, lamentando o ralhete e os seus erros monumentais. O que mais lhe doía era o trabalho extra que significava ter queimado a roupa. Era a segunda vez na vida que lhe acontecia este tipo de desgraça. Agora ia ter que humedecer as nódoas avermelhadas numa solução de clorato de potássio com água pura e com lixívia alcalina suave, esfregando várias vezes, até conseguir que a nódoa desaparecesse, juntando a este penoso trabalho o de lavar a roupa preta com que a sua mãe se vestia. Para o fazer tinha de dissolver fel de vaca numa pequena quantidade de água a ferver, submergir uma esponja nesta água e com ela molhar toda a roupa, a seguir passar os vestidos por água limpa e pô~los ao ar livre. Tita esfregava e esfregava a roupa como tantas vezes o fez com as fraldas de Roberto para lhes tirar as nódoas, Conseguia isso pondo a cozer uma porção de urina, mergulhava nela a mancha por uns momentos, lavando depois com água. Tão simples COMO isto, as nódoas desapareciam. Mas agora por mais que mergulhasse as fraldas na urina, não conseguia tirar-lhes aquela horrorosa cor negra. De repente apercebeu-se de que não se tratava das fraldas de Roberto, mas da roupa da sua mãe. Estivera a Mergulhá-la no bacio que desde manhã tinha deixado esquecido por lavar junto ao tanque. Aflita, dispôs-se a corrigir a sua falha. Já instalada na cozinha, Tita propôs-se dar mais atenção ao que estava a fazer. Tinha de pôr fim às recordações que a atormentavam ou a fúria da Mamã Elena podia rebentar de um momento para o outro. Desde que começara a preparar o banho da Mamã Helena, deixara o chouriço a descansar, e por isso já tinha passado o tempo suficiente para começar a encher as tripas. Têm de ser tripas de rês, limpas e curadas. Para serem enchidas utiliza-se um embude. Atam~se muito bem à distância de quatro dedos e picam-se com uma agulha para que o ar saia, que é o que pode prejudicar o chouriço. É muito importante comprimi-lo muito bem enquanto se enche, para que não fique nenhum espaço. Por mais empenho que Tita pusesse em evitar que as recordações a invadissem e a fizessem cometer mais erros, não conseguiu evitá-los ao ter nas mãos um grande bocado de chouriço e relembrar-se da noite de Verão em que todos foram dormir para o pátio. Na época de canícula penduravam-se no pátio grandes hamacas, pois o calor tomava-se insuportável. Numa mesa punha-se uma bacia com gelo e lá dentro colocava-se uma melancia partida para o caso de alguém se levantar a meio da noite acalorado e com desejos de se refrescar comendo uma fatia. A Mamã Elena era especialista em partir a melancia: pegando numa faca afiada espetava a ponta de tal maneira que só penetrava até ao sítio onde terminava a parte verde da casca, não tocando no coração da melancia. Fazia vários cortes na casca de uma perfeição matemática tal que quando acabava pegava na melancia com as mãos e dava-lhe um só golpe sobre uma pedra, mas no lugar exacto e como por magia a casca da melancia abria-se como pétalas em flor, ficando sobre a mesa o coração intacto. Sem dúvida que, no que dizia respeito a partir, desmantelar, desmembrar, desolar, desleitar, desjarretar, desbaratar ou desmamar fosse o que fosse a Mamã Elena era uma mestra. A partir do momento em que a Mamã Elena morreu nunca ninguém conseguiu voltar a realizar essa proeza (com a melancia). Tita ouviu da sua hamaca que alguém se tinha levantado para comer um bocado de melancia. Ela acordara com vontade de ir à casa de banho. Tinha bebido cerveja durante o dia todo, não para minorar o calor, mas sim para ter mais leite para amamentar o sobrinho. Este dormia pacificamente ao pé da irmã. Levantou-se às cegas, não conseguia distinguir nada, era uma noite de completa escuridão. Foi-se encaminhando para a casa de banho, procurando lembrar-se onde estavam as hamacas, não queria tropeçar em ninguém. Pedro, sentado na sua hamaca, comia a sua melancia e pensava em Tita. A proximidade dela provocava-lhe uma grande agitação. Não conseguia dormir imaginando-a ali a poucos passos dele... e da Mamã Elena, é claro. A sua respiração deteve-se uns instantes ao ouvir o som de uns passos nas trevas. Tinha de ser Tita, a fragrância peculiar que se espalhou pelo ar, entre o jasmim e os cheiros da cozinha só podiam pertencer-lhe. Por instantes pensou que Tita se tinha levantado para ir ter com ele. O barulho dos seus passos a aproximarem-se dele confundia-se com o do seu coração, que batia violentamente. Mas não, os passos afastavam-se agora, na direcção da casa de banho. Pedro levantou-se como um felino e sem fazer barulho agarrou-a. Tita ficou surpreendida ao sentir que alguém a puxava e lhe tapava a boca, mas imediatamente percebeu a quem pertencia aquela mão e permitiu sem qualquer resistência que a mão deslizasse primeiro pelo seu pescoço até aos seus seios e depois num reconhecimento total por todo o seu corpo. Enquanto recebia um beijo na boca, a mão de Pedro, pegando na dela, convidou-a a percorrer-lhe o corpo. Tita timidamente apalpou os duros músculos dos braços e do peito de Pedro. Mais abaixo, um tição aceso, que palpitava debaixo da roupa. Assustada, retirou a mão, não pela descoberta, mas sim por causa de um grito da Mamã Elena. - Tita, onde é que estás? - Aqui, mãezinha, vim à casa de banho. Com medo que a mãe suspeitasse de alguma coisa, Tita regressou rapidamente e passou uma noite de tortura aguentando a vontade de urinar acompanhada de outra sensação parecida. Mas de nada serviu o seu sacrifício: no dia seguinte a Mamã Elena, que durante uns tempos parecia ter mudado de opinião no que se referia a Pedro e Rosaura irem viver para San Antonio, Texas, acelerou a partida e conseguiu que se fossem embora do rancho daí a três dias. A entrada da Mamã Elena na cozinha afugentou-lhe as recordações. Tita deixou cair o chouriço das mãos. Suspeitava que a mãe lhe conseguia ler o pensamento. Atrás dela, entrou Chencha a chorar desconsoladamente. - Não chores, rapariga! Fico chocada de te ver chorar. Que é que tens? açafrão cartão MODO DE FAZER: Dissolve-se a goma arábica em água quente até se obter uma massa não muito espessa; estando preparada, junta-se~lhe o fósforo que se dissolve nela, bem como o nitro. Põe-se-lhe depois o zarcão suficiente para lhe dar cor. Tita observava o doutor Brown realizar estas acções em silêncio. Estava sentada ao pé da janela de um pequeno laboratório que o médico tinha na parte de trás do pátio da sua casa. A luz que se filtrava pela janela dava-lhe nas costas e proporcionava-lhe uma pequena sensação de calor, tão subtil que era quase imperceptível. O seu frio crónico não lhe permitia aquecer, apesar de estar coberta com a sua pesada colcha de lã. Por Uma das suas pontas, continuava a tecê-la à noite, COM um estambre que John lhe tinha comprado. De toda a casa, aquele era o lugar preferido dos dois. Tita descobrira-o ao fim de uma semana de ter chegado a casa do doutor John Brown. Pois John, contrariamente ao que a Mamã Elena lhe tinha pedido, em vez de a depositar num manicómio levara-a a viver com ele. Tita nunca deixaria de lho agradecer. Talvez num manicómio tivesse acabado realmente louca. Aqui, pelo contrário, com as cálidas palavras e com as atitudes de John para com ela sentia-se cada dia melhor. Recordava a sua chegada à casa como ,que em sonhos. Entre imagens apagadas guardava na sua memória a intensa dor que sentiu quando o médico lhe pôs o nariz no sítio. Depois as mãos de John, grandes e amorosas, tirando-lhe a roupa e dando-lhe banho; depois com cuidado tinham-lhe desprendido de todo o corpo a sujidade das pombas, deixando-a limpa e perfumada. Por fim haviam-lhe escovado o cabelo ternamente e deitado numa cama com lençóis engomados. Essas mãos tinham-na resgatado do horror e nunca o esqueceria. Um dia, quando tivesse vontade de falar gostaria de o dar a saber a John; por agora preferia o silêncio. Tinha muitas coisas para ordenar na sua mente e não encontrava palavras para expressar o que se estava a cozinhar no seu interior desde que deixara o rancho. Sentia-se muito desconcertada. Nos primeiros dias inclusivamente não queria sair do seu quarto, quem lhe levava os alimentos era Caty, uma senhora norte-americana de 70 anos, que além de se encarregar da cozinha tinha a missão de cuidar de Alex, o pequeno filho do doutor. A mãe dele tinha morrido quando ele nasceu. Tita ouvia Alex rir e correr pelo pátio, sem vontade de o conhecer. Às vezes Tita nem sequer provava a comida, era uma comida insípida que lhe desagradava. Em vez de comer preferia passar horas inteiras a ver as mãos. Como um bebé analisava-as e reconhecia-as como próprias. Podia movê-las à sua vontade, mas ainda não sabia o que fazer com elas, além de tecer. Nunca tivera tempo para parar a pensar nestas coisas. junto da sua mãe, o que as suas mãos tinham de fazer estava friamente determinado, não havia dúvidas. Tinha de se levantar, vestir, acender o fogão, preparar o pequeno-almoço, alimentar os animais, lavar os tachos, fazer as camas, Preparar o almoço, lavar os tachos, passar a roupa, preparar o jantar, lavar os tachos, dia após dia, anos após anos. Sem parar um só momento, sem pensar se aquilo era o -que lhes cabia. Podiam fazer qualquer coisa ou converter-se em qualquer coisa. Se pudessem transformar-se em aves e erguer-se voando! Gostaria que a levassem para longe, para o mais longe possível. Aproximando-se da janela que dava para o pátio, ergueu as suas mãos Para o céu, queria fugir de si própria, não queria pensar em tomar uma decisão, não queria voltar a falar. Não queria que as suas palavras gritassem a sua dor. Desejou com toda a sua alma que as mãos se elevassem. Permaneceu um bom bocado assim, vendo o fundo azul do céu através das suas mãos imóveis. Tita pensou que o milagre se estava a converter em realidade quando observou que os seus dedos começavam a transformar-se num ténue vapor que se elevava para o céu. Preparou-se para subir atraída por uma força superior, mas nada disso aconteceu. Decepcionada, descobriu que o fumo não lhe pertencia. Provinha de um pequeno quarto ao fundo do pátio. Uma fumarada que espalhava pelo ambiente um cheiro tão agradável e ao mesmo tempo tão familiar que a fez abrir a janela para poder inalá- lo profundamente. Com os olhos fechados viu-se sentada perto de Nacha no chão da cozinha enquanto faziam tortilhas de milho: viu o tacho onde era feito um cozido do mais aromático que havia, junto dele os feijões deitavam a primeira fervura... sem hesitar decidiu ir investigar quem é que estava a cozinhar. Não podia tratar-se de Caty. A pessoa que produzia aquele tipo de cheiro com a comida sabia de certeza cozinhar. Sem a ter visto, Tita sentia reconhecer-se nessa pessoa, quem quer que fosse. Atravessou o pátio com determinação, abriu a porta e deu com uma mulher agradável que deveria ter uns 80 anos de idade. Era parecida com Nacha. Uma longa trança atravessada cobria- lhe a cabeça, estava a limpar o suor da testa com o avental. O seu rosto tinha claros traços indígenas. Fervia chá num púcaro de barro. Ergueu os olhos e sorriu para ela amavelmente, convidando-a a sentar-se junto dela. Tita assim o fez. Ela ofereceu-lhe imediatamente uma chávena desse delicioso chá. Tita bebeu-o devagarinho, desfrutando ao máximo o sabor daquelas ervas desconhecidas e conhecidas ao mesmo tempo. Que sensação mais agradável a daquele calor e sabor da infusão. Ficou um bom bocado ao lado desta senhora. Ela também não falava, mas não era preciso. Logo de princípio estabeleceu-se entre elas uma comunicação que es'tava para lá das palavras. Desde então visitara-a diariamente. Mas pouco a pouco, em vez dela, foi aparecendo o doutor Brown. Na primeira vez que isso aconteceu achou estranho, não esperava encontrá-lo ali, nem mesmo as alterações que tinha feito na decoração do lugar. Agora havia muitos aparelhos científicos, tubos de ensaio, lâmpadas, termómetros, etc.... O pequeno fogão tinha perdido o lugar preponderante, para ocupar um pequeno sítio num canto da divisão. Sentia que esta relegação não era justa, mas como não queria que os seus lábios emitissem qualquer som que fosse, guardou para mais tarde a sua opinião a esse respeito juntamente com a pergunta sobre o paradeiro e a identidade desta mulher. Além disso tinha de reconhecer que também gostava muito da companhia de John. A única diferença era que ele, sim, falava e em vez de cozinhar dedicava-se a experimentar as suas teorias de uma forma científica. Este gosto por experimentar herdara-o da sua avó, uma índia kikapú que o seu avô tinha raptado e levado para viver com ele longe da sua tribo. Casou-se com ela e, no entanto, a orgulhosa e distinta família norte-americana do avô nunca a aceitou oficialmente como sua esposa. Então o avô construíra-lhe aquele quarto no fundo da casa, onde a avó podia passar a maior parte do dia dedicando-se à actividade que mais lhe interessava: investigar as propriedades curativas das plantas. Ao mesmo tempo este quarto servia-lhe de refúgio contra as agressões da sua família. Uma das primeiras que lhe fizeram foi porem-lhe o nome de "a kikapú", em vez de a chamarem pelo seu verdadeiro nome, julgando que com isto a iam ofender muito. Para os Brown, a palavra kikapú encerrava tudo o que era mais desagradável neste mundo, mas o mesmo não acontecia para "Luz do amanhecer". Para ela significava precisamente o contrário e era um motivo enorme de orgulho. Este era só um pequeno exemplo da grande diferença de opiniões e conceitos que existiam entre estes representantes de duas culturas tão diferentes e que tornava impossível que entre os Brown surgisse o desejo de uma aproximação aos costumes e tradições de "Luz do amanhecer". Foi preciso passarem anos para entrarem um pouco na cultura da "kikapú". Foi quando o bisavô de John, Peter, esteve muito doente com um mal nos brônquios. Os acessos de tosse faziam com que ficasse constantemente roxo. O ar não podia entrar livremente nos seus pulmões. A sua mulher Mary, conhecedora de noções de medicina, pois era filha de um médico, sabia que nestes casos o organismo do doente produzia maior quantidade de glóbulos vermelhos; para resistir a esta insuficiência era recomendável aplicar uma sangria para evitar que o excesso destes glóbulos causasse um enfarte ou uma trombose, dado que qualquer uma das coisas podia ocasionar a morte do enfermo. A avó de john, Mary, começou então a preparar as sanguessugas com que faria a sangria ao seu marido. Enquanto fazia isto sentia-se muito orgulhosa por estar a par dos melhores conhecimentos científicos, que lhe permitiam cuidar da saúde da sua família de uma maneira moderna e adequada, não com ervas como "a kikapú,,! As sanguessugas põem-se dentro de um copo com meio dedo de água, durante uma hora. A parte do corpo onde se vão aplicar é lavada com água morna açucarada. Entretanto colocam-se as sanguessugas num pano limpo e tapam-se com ele. Depois colocam-se sobre a parte a que se vão agarrar, segurando-as bem com o pano e procurando comprimi-las, para que não piquem por outro lado. Se depois de se soltarem for conveniente a evacuação de sangue, isto é facilitado através de fricções de água quente. Para conter o sangue e fechar as fissuras cobrem-se com casca de álamo ou trapo e depois aplica-se um cataplasma de miga de pão e leite, que se retira quando as fissuras estiverem totalmente cicatrizadas. Mary fez tudo isto exactamente, mas a verdade é que quando retiraram as sanguessugas o braço de Peter começou a sangrar e não conseguiam conter a hemorragia. Quando"a kikapú,> ouviu os esplendoroso que nos mostra o caminho que esquecemos no momento de nascer e que nos chama a reencontrar a nossa origem divina perdida. A alma deseja integrar-se de novo no sítio de onde vem, deixando o corpo inerte... Desde que a minha avó morreu que procuro demonstrar cientificamente esta teoria. Talvez um dia o consiga. O que acha? O doutor Brown manteve-se em silêncio para dar tempo a Tita comentar qualquer coisa se assim o desejasse. Mas o seu silêncio era como se fosse de pedra. - Bom, não quero aborrecê-la com a minha conversa. Vamos descansar, mas antes de irmos gostaria de lhe ensinar uma brincadeira que eu e a minha avó fazíamos com frequência. Passávamos aqui a maior parte do dia e foi entre brincadeiras que me transmitiu todos os seus conhecimentos. Era uma mulher muito calada, assim como Tita. Sentava-se em frente desse forno, com a sua grande trança cruzada sobre a cabeça e costumava adivinhar o que eu pensava. Eu queria aprender a fazer isso e, assim, depois de eu muito insistir, deu-me a minha primeira lição. Ela escrevia utilizando uma substância invisível, e sem que eu a visse, uma frase na parede. Quando à noite eu via a parede, adivinhava o que ela tinha escrito. Quer que experimentemos? Com esta informação Tita ficou a saber que a mulher com quem tantas vezes tinha estado era a falecida avó de John. já não precisava de lhe perguntar. O médico com um pano pegou num bocado de fósforo e deu-o a Tita. - Não quero quebrar a lei do silêncio que se impôs a si própria, e assim como que num segredo entre os dois, vou pedir-lhe que quando eu sair me escreva nesta parede as razões pelas quais não fala, está bem? Amanhã adivinhá-las-ei à sua frente. O médico, é claro, não disse a Tita que uma das propriedades do fósforo era a de que faria brilhar à noite o que ela tivesse escrito na parede, Obviamente, ele não precisava deste subterfúgio para saber o que ela pensava, mas confiava que este seria um bom começo para que Tita entabulasse novamente uma comunicação consciente com o mundo, ainda que esta fosse por escrito. John percebia que ela já estava pronta para isso. Assim que o médico saiu, Tita pegou no fósforo e aproximou-se da parede. De noite, quando John Brown entrou no laboratório sorriu satisfeito ao ver escrito na parede com letras firmes e fosforecentes: "Porque não quero". Tita com estas três palavras tinha dado o primeiro passo para a liberdade. Entretanto, Tita, com os olhos fixos no tecto, não podia deixar de pensar nas palavras de John: seria possível fazer vibrar novamente a sua alma? Desejou com todo o seu ser que assim fosse. Tinha de encontrar alguém que conseguisse acender-lhe este anseio. E se essa pessoa fosse John? Lembrava-se da agradável sensação que lhe percorreu o corpo quando ele lhe pegou na mão no laboratório. Não. Não sabia. Da única coisa que estava convencida era de que não queria voltar ao rancho. Nunca mais queria viver perto da Mamã Elena. Continua... Receita seguinte: CALDO DE RABINHO DE BOI CAPÍTULO VII JULHO CALDO DE RABINHO DE BOI INGREDIENTES: rabinhos de boi cebola dentes de alho tomates /4 de quilo de feijão verde batatas chíles moritas MODO DE FAZER: Os rabinhos cortados põem-se a cozer com um bocado de cebola, um dente de alho, sal e pimenta a gosto. É conveniente pôr um pouco mais de água do que a que normalmente se utiliza para um cozido, tendo em conta que vamos preparar um caldo. E um bom caldo que se respeite tem de ser caldoso, sem cair no aguado. Os caldos podem curar qualquer doença física ou mental, bom, pelo menos era essa a crença de Chencha e de Tita, que durante muito tempo não lhe dera o crédito suficiente. Agora a única coisa que podia fazer era aceitá-la como verdadeira. Há três meses, ao provar uma colher do caldo que Chencha lhe preparara e lhe levara a casa do doutor John Brown, Tita recuperara todo o seu tino. Estava apoiada no vidro da janela, vendo Alex, o filho de John, a correr atrás de umas pombas. Ouviu os passos de John a subir as escadas, esperava com ânsia a sua visita habitual. As palavras de John eram a sua única ligação com o mundo. Se pudesse falar e dizer-lhe como era importante para ela a sua presença e a sua conversa... Se pudesse descer e beijar Alex como o filho que não tinha e brincar com ele até à exaustão, se conseguisse lembrar-se como era cozinhar nem que fosse dois ovos... voltar à vida. Um cheiro que sentiu sacudiu-a. Era um cheiro alheio a esta casa. John abriu a porta e apareceu com uma bandeja nas mãos e um prato com caldo de rabinho de boi! Um caldo de rabinho de boi! Nem podia acreditar. A seguir a John entrou Chencha banhada em lágrimas. O abraço que deram foi breve, para evitar que o caldo arrefecesse. Quando ela deu o primeiro sorvo, Nacha chegou ao pé dela e acariciou-lhe a cabeça enquanto comia, como fazia quando em criança ela adoecia e beijou-a repetidamente na testa. Ali estavam, junto de Nacha, as brincadeiras da sua infância na cozinha, as saídas ao mercado, as tortilhas recém-cozidas, os carossinhos de damasco às cores, as tortas de natal, a sua casa, com o cheiro a leite fervido, a pão de natas, a champurrado, a cominho, a alho, a cebola. E como sempre, ao sentir o cheiro exalado pela cebola, as lágrimas fizeram a sua aparição. Chorou como já não fazia desde o dia em que nasceu. Como lhe fez bem conversar um bom bocado com Nacha. Como nos velhos tempos, quando Nacha ainda era viva e juntas tinham preparado uma infinidade de vezes caldos de rabinho de boi. Riram ao reviver esses momentos e choraram ao recordarem os passos a seguir na preparação desta receita. Finalmente conseguira lembrar-se de uma receita, ao recordar que o primeiro passo era picar a cebola. A cebola e o alho picam-se finamente e põem-se a fritar num pouco de óleo; assim que estiverem alourados juntam-se lhes as batatas, o feijão-verde e o tomate picado até ficarem bem ligados. John interrompeu estas recordações ao entrar brusca mente no quarto, alarmado com o riacho que corria pelas escadas abaixo. Quando se apercebeu que se tratava das lágrimas de Tita, john bendisse Chencha e o seu caldo de rabinho de boi por ter conseguido o que nenhum dos seus remédios conseguira: que Tita chorasse daquela maneira. Atrapalhado com a intromissão, ia a retirar-se. A voz de Tita impediu~o. Aquela melodiosa voz que não tinha pronunciado Uma palavra emseis meses. - John! Não se vá embora, por favor! John permaneceu a seu lado e foi testemunha de como Tita passou das lágrimas aos sorrisos ao ouvir da boca de Chencha todo o tipo de graças e infortúnios. Foi assim que o médico soube que a Mamã Elena proibira as visitas a Tita. Na família De La Garza podiam perdoar-se algumas coisas, mas nunca a desobediência nem o questionamento das atitudes dos pais. A Mamã Elena nunca mais perdoaria a Tita pelo facto de, louca ou não louca, a ter culpado da morte do Seu neto. E tal como a Gertrudis tinha vetado inClusIvamente que se pro~ nunciasse o seu nome. Na verdade, Nicolás tinha regressado há pouco com notícias dela. Efectivamente encontrara-a a trabalhar num bordel. Entregara~lhe a sua roupa e ela tinha mandado uma carta a Tita. Chencha deu-lha e Tita leu-a em silêncio: Querída Tita: Não sabes como te agradeço teres-me mandado a minha roupa. Felizmente ainda me encontrava aqui e pude recebê-la. Amanhã vou deixar este lugar, pois não éo o que me pertence. Ainda não sei qual será, mas sei que algures tenho de encontrar um sítio e em especial o caldo de rabinho de boi, com a boa intenção de que lhe servisse como a ela para se recuperar totalmente. Deitou o caldinho com as batatas e o feijão verde na panela onde tinha posto a cozer os rabinhos de boi. Depois de se deitar isto, basta deixar ferver durante meia hora todos os ingredientes juntos. A seguir retira-se do lume e serve-se bem quente. Títa serviu o caldo e subiu para o levar à sua mãe numa linda bandeja de prata coberta com um guardanapo de algodão com um desfiado lindíssimo e perfeitamente branqueado e engomado. Tita esperava com ansiedade a reacção positiva da sua mãe assim que desse o primeiro sorvo, mas pelo contrário, a Mamã Elena cuspiu a comida para cima da colcha e aos gritos pediu a Tita que retirasse imediatamente da sua vista aquela bandeja. - Mas, porquê? - Porque está horrorosamente amargo, não quero. Leva isto. Não ouviste? Tita em vez de lhe obedecer deu meia volta procurando ocultar dos olhos da sua mãe o sentimento de frustração que sentia. Não entendia a atitude da Mamã Elena. Nunca a entendera. Escapava à sua compreensão que um ser, independentemente do parentesco que pudesse ter com outro, assim sem mais nem menos, com a mão na cintura recusasse de uma maneira tão brutal uma atenção. Porque tinha a certeza de que o caldo estava optímo. Ela própria o provara antes de lho levar. Não podia ser de outra maneira, pois tinha posto muito cuidado a prepará-lo. Sentia-se verdadeiramente uma estúpida por ter regressado ao rancho para atender a mãe. o melhor teria sido ficar em casa de John sem pensar nunca mais na sorte que a Mamã Elena pudesse ter. Mas os remorsos não a teriam deixado. A única maneira de se libertar realmente dela seria com a morte e a Mamã Elena ainda estava para durar, Sentia vontade de correr para longe, para muito longe para proteger da gélida presença da sua mãe o pequeno fogo interior que John com muito cuidado tinha conseguido acender. Era como se a cuspidela da Mamã Elena tivesse caído precisamente no centro da incipiente fogueira e a tivesse extinguido. Sofria dentro de si os efeitos do rescaldo; o fumo subia-lhe à garganta e formava um nó espesso, que lhe turvava a vista e lhe provocava um lacrimejar. Bruscamente abriu a porta e correu, no preciso momento em que John chegava para fazer a sua visita médica. Chocaram intempestivamente. John segurou-a nos seus braços precisamente a tempo de evitar que caísse. O abraço cálido salvou Tita de uma congelação. Estiveram unidos só uns instantes mas foram os suficientes para lhe reconfortar a alma. Tita estava a começar a duvidar se esta sensação de paz e segurança que John lhe dava não seria o verdadeiro amor, e não a ânsia e o sofrimento que tinha ao lado de Pedro. Com verdadeiro esforço separou-se de John e saiu do quarto. Tita, vem cá! Disse-te que levasses isto! Dona Elena, não se altere por favor, faz-lhe mal. Eu tiro-lhe essa bandeja, mas diga-me, não tem vontade de comer? A Mamã Elena pediu ao médico que fechasse a porta à chave e quase em segredo exteriorizou- lhe a sua inquietação relativamente ao amargo da comiida. john respondeu-lhe que talvez se devesse ao efeito dos remédios que estava a tomar. • De maneira nenhuma, doutor, se fosse o remédio teria esse sabor na boca o tempo todo e isso não acontece. Estão a • 123 dar-me alguma coisa na comida. Curiosamente desde que Tita regressou. Preciso que investigue isso. john, sorrindo perante a maliciosa insinuação, aproximou-se para provar o caldo de rabo de boi que lhe tinham levado e que estava intacto na bandeja. - Vamos lá ver, vamos lá descobrir o que lhe estão a pôr na comida. Mmmmm! Que delícia. isto tem feijão verde, batatas, pimento e... não consigo distinguir bem... qual é o tipo de carne. - Não estou para brincadeiras, não sente um sabor amargo? - Não, dona Elena, absolutamente nada. Mas se quiser mando~o analisar. Não quero que se preocupe. Mas enquanto me dão os resultados tem de comer. - Então mande-me uma boa cozinheira. - Ora essa! Se tem em casa a melhor. Segundo sei a sua filha Tita é uma cozinheira excepcional, Um dia destes vou pedir-lhe a mão dela. - já sabe que ela não se pode casar! - exclamou tomada de uma furiosa agitação. john guardou silêncio. Não lhe convinha irritar mais a Mamã Elena. Nem era caso para se preocupar pois estava plenamente convencido de que casaria com Tita com ou sem a autorização dela. Sabia também que agora Tita não estava preocupada com o seu absurdo destino e que assim que fizesse dezoito anos se casariam. Deu por terminada a visita, pedindo calma à Mamã Elena e prometendo-lhe que no dia seguinte lhe mandaria uma nova cozinheira. E assim o fez, mas a Mamã Elena nem sequer se dignou recebê-la. E o comentário do médico sobre a ideia de pedir a mão de Tita abrira-lhe os olhos. De certeza que entre os dois tinha surgido uma relação amorosa. Já suspeitava há tempos que Tita desejava que ela desaparecesse deste mundo para assim poder casar livremente, não uma mas sim mil vezes se lhe desse na gana. Este desejo sentia-o, como uma presença constante entre elas, em cada toque, em cada palavra, em cada olhar. Mas agora não tinha a menor dúvida de que Tita tentava envenená-la pouco a pouco para se poder casar com o doutor Brown. Portanto, a partir desse dia recusou-se terminantemente a comer fosse o que fosse que Tita tivesse cozinhado. Ordenou a Chencha que se encarregasse da preparação da sua comida. Só ela e mais ninguém podia levar-lha e tinha de a provar na sua presença antes de a Mamã Elena se dispor a comê-la. A nova ordem não afectou em nada Tita, melhor ainda, foi para ela um alívio delegar em Chencha a penosa obrigação de cuidar da mãe e assim ter liberdade para começar a bordar os lençóis para o seu enxoval de noiva. Tinha decidido casar-se com john assim que a mãe estivesse melhor. Quem ficou muito afectada com a ordem foi Chencha. Ainda se estava a restabelecer física e emocionalmente do brutal ataque de que fora objecto. E embora aparentemente estivesse beneficiada por não ter de realizar nenhuma outra tarefa para além de fazer a com-ída e levá-la à Mamã Elena, não era assim. A princípio recebeu com gosto a notícia, mas assim que começaram os gritos e as reprovações apercebeu-se de que não há bela sem senão. Um dia em que tinha ido ao doutor John Brown para que ele lhe tirasse as costuras que ele tivera de lhe fazer, pois tinha sido rasgada durante a violação, Tita preparou a comida por ela. julgaram que poderiam enganar a Mamã Elena sem maior problema. Quando regressou, Chencha levou-lhe a comida e provou-a como sempre fazia, mas ao dá-la a comer à Mamã Elena, esta detectou imediatamente o sabor amargo. Com irritação atirou a bandeja ao chão e correu com Chencha da casa, por ter tentado enganá-la. Chencha aproveitou este pretexto para ir passar uns dias à sua aldeia. Precisava de se esquecer do assunto da violação e da existência da Mamã Elena. Tita procurou convencê-la a não fazer caso da sua mamã. Tita já a conhecia há muitos anos e sabia muito bem como a manejar. - Sim, menina, mas agora pa qu'é que eu quero mais tristeza, já tenho que me chegue! Deixa-me ir, na sejas ingrata. Tita abraçou-a e consolou-a como fizera todas as noites desde o seu regresso. Não via a forma de arrancar Chencha da sua depressão e da crença de que já ninguém se casaria com ela depois do violento ataque que sofrera dos bandoleiros. - já sabes como são os homes. Todos dizem que prato requentado nem n'outra vida, quanto mais nesta! Ao ver o seu desespero, Tita decidiu deixá-la ir. Por experiência sabia que se permanecesse no rancho e perto da sua mãe não teria salvação. Só a distância poderia curá-la. No outro dia mandou-a com Nicolás para a sua aldeia. Tita então viu-se na necessidade de contratar uma cozinheira. Mas esta foi-se embora ao fim de três dias. Não suportou as exigências nem os maus modos da Mamã Elena. Então procuraram outra, que só durou dois dias e outra e outra até que não restou nenhuma na povoação que quisesse trabalhar na casa. A que mais durou foi uma rapariga surda- muda: aguentou quinze dias, mas foi-se embora porque a Mamã Elena lhe dissera por sinais que era uma tola. Então a Mamã Elena não teve outro remédio senão comer o que Tita cozinhava, mas fazia-o com as devidas precauções. Além de exigir que Tita provasse a comida antes dela, pedia sempre que lhe levasse um copo de leite morno a cada refeição e tomava-o antes de ingerir os alimentos, para anular os efeitos do amargo veneno, que, segundo ela, percebia dissolvido na comida. Às vezes só esta medida era suficiente, mas outras sentia vivas dores na barriga, e então tomava, além disso, um trago de vinho de ipecacuanha e outro de cebola-albarrã como vomitivo. Não foi por muito tempo. Ao fim de um mês a Mamã Elena morreu vítima de umas dores espantosas acompanhadas de espasmos e convulsões intensas. A princípio, Tita e John não percebiam esta estranha morte, pois além da paraplegia a Mamã Elena clinicamente não tinha outra doença. Mas ao revistarem a sua secretária encontraram o frasco de vinho de ipecacuanha e deduziram que Receita seguinte: CHAMPANDONGO CAPÍTULO VIII AGOSTO CHAMPANDONGo INGREDIENTES: /4 de carne picada de vaca /4 de carne picada de porco gramas de nozes gramas de amêndoas cebola cidrão tomates açúcar /4 de natas /4 de queijo manchego /4 de mole cominhos tortilhas de milho caldo de galinha óleo MODO DE FAZER: Pica-se a cebola muito fininha e põe-se a fritar juntamente com a carne num pouco de óleo. Enquanto frita, juntam-se-lhe os cominhos moídos e uma colher de açúcar. Como de costume, Tita chorava enquanto picava a cebola. Tinha os olhos tão turvos que sem se aperceber cortou um dedo com a faca. Lançou um grito de raiva e continuou, como se nada fosse, a preparação do champandongo. Nestas alturas não podia dar-se nem um segundo para tratar da ferida. Nessa noite John viria pedir a sua mão e tinha de preparar um bom jantar em apenas meia hora. Tita não gostava de cozinhar à pressa. Dava sempre aos alimentos o tempo adequado e necessário para a sua cozedura e procurava organizar as suas actividades de forma a poderem dar~lhe a tranquilidade que é necessária na cozinha para poder preparar pratos suculentos e no seu ponto exacto. Agora estava tão atrasada que os seus movimentos eram agitados e apressados e por isso propensos a provocar este tipo de acidentes. O principal motivo do seu atraso era a sua adorável sobrinha, que tinha nascido há três meses, tal como Tita, de uma forma prematura. Rosaura ficou tão afectada pela morte da mãe que antecipou o nascimento da sua filha e ficou impossibilitada de a amamentar. Desta vez Tita não pôde ou não quis adoptar o papel de ama como no caso do sobrinho, até mais, nem sequer tentou, talvez por causa da experiência demolidora que teve quando a separaram do menino. Agora sabia que não se deviam estabelecer relações tão intensas com crianças que não são do próprio. Preferiu em contrapartida dar a Esperanza a mesma alimentação que Nacha tinha utilizado com ela quando era uma criatura indefesa: atoles e chás. Baptizaram-na com o nome de Esperanza a pedido de Tita. Pedro tinha insistido que a menina tivesse o mesmo nome de Tita, Josefita. Mas ela recusou terminantemente. Não queria que o nome influísse no destino da menina. já tinha que lhe chegasse com o facto de ao ter nascido, a mãe ter sofrido uma série de alterações que obrigaram John a fazer-lhe uma operação de urgência para lhe salvar a vida, e ficar impossibilitada de voltar a engravidar. John tinha explicado a Títa que às vezes, por causas anormais, a placenta não só se implanta no útero, como cria raízes dentro dele, e por isso, no momento em que a criança nasce a placenta não consegue desprender-se. Está tão firmemente agarrada que se uma pessoa inexperiente procura ajudar a mãe e puxa a placenta utilizando o cordão umbilical, traz com ela o útero completo. Então é preciso operar de emergência extraindo o útero e deixando esta pessoa incapacitada para a gravidez para o resto da sua vida. Rosaura teve uma intervenção cirúrgica, não por falta de experiência de John, mas sim porque não havia outra maneira de lhe poder desprender a placenta. Portanto Esperanza seria a sua única filha, a mais pequena e, para acabar de a aborrecer, mulher! O que, dentro da tradição familiar, significava que era a indicada para cuidar da mãe até ao fim dos seus dias. Talvez Esperanza tenha criado raízes no ventre da mãe por saber de antemão o que a esperava neste mundo. Tita rezava para que pela mente de Rosaura não passasse a ideia de perpetuar a cruel tradição, Para ajudar a que assim fosse, não quis dar-lhe ideias com o nome e pressionou dia e noite até conseguir que lhe chamassem Esperanza. No entanto, havia uma série de coincidências que associavam esta menina a um destino parecido com o de Tita, por exemplo, por mera necessidade passava a maior parte do dia na cozinha, pois a mãe não lhe podia acudir e a sua tia só podia tomar conta dela dentro da cozinha, e assim, entre chás e atoles ia crescendo muito sã entre os cheiros e os sabores deste paradisíaco e cálido local. A quem não caía muito bem este digamos que costume era a Rosaura; sentia que Tita lhe tirava a menina durante demasiado tempo de seu lado e assim que recuperou totalmente da operação pediu que logo que Esperanza tomasse os seus alimentos a levassem de volta para o seu quarto para a adormecer junto da sua cama, onde era o lugar dela. Esta vontade chegou demasiado tarde, pois a menina nesta altura já se tinha acostumado a estar na cozinha e não foi nada fácil tirá-la de lá. Chorava muito assim que sentia que se afastava do calor do fogão, ao ponto de Tita não poder fazer outra coisa senão levar para o quarto a comida que estivesse a cozinhar, para assim conseguir enganar a menina, que ao cheirar e sentir perto o calor da panela em que Tita cozinhava conciliava o sono. Tita regressava então à enorme panela na cozinha e continuava a fazer a comida. Mas naquele dia a menina esmerara-se, era até muito provável que pressentisse que a sua tia pensava casar-se e ir-se embora do rancho, que então ela ia ficar à deriva, pois não deixou de chorar o dia todo. Tita subia e descia as escadas levando panelas com comida de um lado para o outro. Até que aconteceu o que tinha de acontecer: tantas vezes vai o cântaro àfônte que alguma vez láfica a asa. Quando descia pela oitava vez tropeçou e a panela com o mole para o champandongo rebolou pelas escadas abaixo. juntamente com ela desperdiçaram-se quatro horas de trabalho intenso picando e moendo ingredientes. Tita sentou-se num degrau com a cabeça entre as mãos para tomar ar. Levantara~se às cinco da manhã para que as corridas não se apoderassem dela e tudo tinha sido em vão. Agora tinha de preparar novamente o mole. Pedro não podia ter escolhido pior momento para falar com Tita, mas aproveitando encontrá-la nas escadas, aparentemente descansando um pouco, aproximou-se dela com a intenção de a convencer a não se casar com John. - Tita, gostaria de lhe dizer que considero um erro lamentável da sua parte a ideia de ter de se casar com John. Ainda está a tempo de não cometer esse equívoco, não aceite esse casamento por favor! - Pedro, você não é ninguém para me dizer o que tenho ou não tenho que fazer. Quando você se casou eu não lhe pedi que não o fizesse, apesar do que esse casamento me destroçou. Você fez a sua vida, agora deixe-me fazer a minha em paz! - Precisamente por essa decisão que tomei e da qual estou completamente arrependido é que lhe peço que reconsidere. Você sabe muito bem qual foi o motivo que me uniu à sua irmã, mas A tranquilidade com que Tita ficava ao saber que Chencha estava na cozinha! Agora só tinha de se preocupar com o seu arranjo pessoal. Atravessou o pátio como uma rajada de vento e meteu-se no banho. Tinha apenas dez minutos para tomar banho, vestir-se, perfumar-se e pentear-se adequadamente. Tinha tanta pressa que nem sequer viu Pedro, no outro extremo do pátio traseiro, dando pontapés nas pedras. Tita tirou as roupas, meteu-se no chuveiro e deixou que a água fria caísse sobre a sua cabeça. Que alívio sentia! Com os olhos fechados as sensações agudizam-se, conseguia sentir cada gota de água fria a percorrer-lhe o corpo. Sentia os mamilos dos seus seios a porem-se duros como pedras ao contacto com a água. Outro fio de água descia pelas suas costas e depois caía como cascata na curva das suas redondas e protuberantes nádegas, percorrendo as suas pernas firmes até aos pés. Pouco a pouco foi-lhe passando o mau humor, e a dor de cabeça desapareceu. De repente começou a sentir que a água estava morna e começava a ficar cada vez mais quente até principiar por lhe queimar a pele. Isto acontecia às vezes na época do calor quando a água da tina tinha sido aquecida todo o dia pelos poderosos raios do sol, mas não agora que primeiro não era Verão e segundo começava a anoitecer. Alarmada abriu os olhos, com medo que mais uma vez a casa de banho se fosse incendiar e o que viu foi a figura de Pedro do outro lado das tábuas, a observá-la muito bem. Os olhos de Pedro brilhavam de uma maneira que era impossível não os descobrir na penumbra, assim como duas insignificantes gotas de orvalho não podiam passar inadvertidas escondidas entre as ervas, ao receberem os primeiros raios do sol. Maldito olhar de Pedro! E maldito carpinteiro que tinha reconstruído a casa de banho exactamente igual à anterior, ou seja, com separações entre as tábuas! Quando viu que Pedro se aproximava dela, com libidinosas intenções nos olhos, saiu a correr da casa de banho vestindo-se atropeladamente. Com muita pressa chegou ao seu quarto e fechou- se. Mal tinha acabado de se arranjar, Chencha foi anunciar-lhe que John acabava de chegar e que a esperava na sala. Não pôde ir logo recebê-los, pois ainda lhe faltava pôr a mesa. Antes de pôr a toalha é preciso cobrir a mesa com uma manta, para evitar o ruído que os copos e a loiça fazem ao chocar nela. Tem de ser baeta branca para assim realçar a brancura da toalha. Tita fazia-o deslizar suavemente sobre a enorme mesa para vinte pessoas, que só usavam em ocasiões como esta. Tentava não fazer barulho, nem mesmo a respirar para ouvir o conteúdo da conversa que Rosaura, Pedro e John tinham na sala. A sala e a casa de jantar eram separadas por um longo corredor, por isso só chegava aos ouvidos de Tita o murmúrio das varonis vozes de Pedro e John, no entanto, conseguia perceber nelas um certo tom de discussão. Para não esperar que as coisas chegassem a mais, colocou rapidamente na ordem devida os pratos, os talheres de prata, os copos, os saleiros e os porta-facas. A seguir pôs as velas debaixo dos aquecedores para os pratos principais, entrada e sopa e deixou-os Preparados sobre o guarda-louças. Correu para a cozinha para ir buscar o vinho de Bordéus que tinha deixado em banho~maria. Os vinhos de Bordéus tiram-se da adega várias horas antes e põem-se num sítio quente para que um suave calor abra o seu aroma, mas como Tita se tinha esquecido de o tirar a tempo forçou o processo artificialmente. A única coisa que lhe faltava era pôr no centro da mesa um cestinho de bronze dourado com as flores, mas como estas se devem colocar uns momentos antes de passar à mesa para que conservem a sua frescura natural, encarregou Chencha deste trabalho, e, apressadamente, tanto quanto o seu engomado vestido lhe permitia, dirigiu-se para a sala. A primeira cena que viu ao abrir a porta foi a acalorada discussão entre Pedro e John sobre a situação política do país. Parecia que os dois se tinham esquecido das mais elementares regras de etiqueta, que dizem que numa reunião social não se devem trazer para discussão questões sobre personalidades, sobre temas tristes ou factos infelizes, sobre religião ou sobre política. A entrada de Tita fez parar a discussão e obrígou-os a tentarem reiniciar a conversa num tom mais amigável. Num ambiente tenso, John passou ao pedido. Pedro, como era o homem da casa, deu a sua aprovação de uma forma tosca. E começaram a estabelecer os pormenores. Quando procuravam fixar a data do casamento, Tita soube do desejo de John de a adiar um pouco para assim poder viajar ao norte dos Estados Unidos e trazer a única tia que lhe restava e que queria que estivesse presente na cerimónia. Isto representava um grave problema para Títa: ela desejava ir-se embora do rancho e da proximidade de Pedro o mais depressa possível. O noivado ficou formalizado quando John ofereceu a Títa um lindo anel de brilhantes. Tita observou longamente como ficava na sua mão. As cintilações que ele desprendia fizeram-na recordar o fulgor nos olhos de Pedro momentos antes, quando olhava para ela nua, e veio à sua mente um poema otomí que Nacha lhe tinha ensinado em pequenina: "Na gota de orvalho brilha o sol a gota de orvalho seca nos meus olhos, nos meus, brilhas tu eu, eu vivo ... " Rosaura ficou enternecida ao ver nos olhos da irmã lágrimas que ela interpretou como sendo de felicidade e sentiu-se um pouco aliviada da culpa que às vezes a atormentava por se ter casado com o namorado de Tita. Então, muito entusiasmada, distribuiu a todos taças de champanhe e convidou-os a brindarem à felicidade dos noivos. Ao fazê-lo, com os quatro reunidos no centro da sala, Pedro bateu com a sua taça contra as dos outros com tanta força que a partiu em mil pedaços e o líquido das outras salpicou-os no rosto e na roupa. Face ao desconcerto reinante foi uma bênção naquele momento Chencha ter aparecido e pronunciado as mágicas palavras: "o jantar está servido". Este anúncio proporcionou aos presentes a serenidade e o espírito que o momento merecia e que haviam estado prestes a perder. Quando se fala de comer, facto por demais importante, só os loucos ou os doentes não lhe dão o interesse que merece. E como este não era o caso, mostrando bom humor todos se dirigiram para a sala de jantar. Durante o jantar tudo foi mais fácil, graças às engraçadas intervenções de Chencha enquanto servia. A comida não estava tão deliciosa como doutras vezes, talvez por o mau humor ter acompanhado Tita enquanto a preparava, mas também não se podia dizer que estivesse desagradável. O champandongo é um prato com um sabor tão refinado que não se pode pôr nenhum mau temperamento na altura em que se faz pois altera-lhe o gosto. Quando tudo acabou, Tita acompanhou John à porta e ali deram um longo beijo de despedida. No dia seguinte John pensava sair de viagem, para estar de volta o mais rapidamente possível. De regresso à cozinha, Tita mandou Chencha limpar o quarto e o colchão onde a partir daquele momento viveria com Jesús, seu marido, não sem antes lhe agradecer a sua grande ajuda. Era necessário que antes de se deitarem na cama se certificassem que não iam encontrar a indesejável presença de percevejos. A última criada que ali dormira tinha deixado o quarto infestado destes bichos e Tita não tinha podido desinfectá-lo por causa do intenso trabalho que tivera com o nascimento da menina de Rosaura. O melhor método para os erradicar é misturar um copo de álcool etílico, meia onça de essência de terebintina e meia de cânfora em pó. Unta-se com esta preparação nos sítios onde há percevejos e desaparecem completamente. Tita, depois de lavar a loiça, começou a guardar os tachos e as panelas. Ainda não tinha sono e mais valia aproveitar o tempo naquilo do que a dar voltas na cama. Sentia uma série de sentimentos desencontrados e a melhor maneira de os pôr em ordem dentro da sua cabeça era pôr em ordem primeiro a cozinha. Pegou numa grande caçarola de barro e foi guardá~la no quarto que era agora quarto de arrumações e antes quarto escuro. Quando a Mamã Elena morreu viram que já ninguém pensava utilizá~lo como sítio para tomar banho, pois todos preferiam fazê~lo no chuveiro e procurando dar-lhe alguma utilidade transformaram-no no quarto das traquitanas. Numa mão levava a caçarola e na outra um candeeiro de petróleo. Entrou no quarto procurando não tropeçar na grande quantidade de objectos que estavam no caminho do sítio onde se guardavam os utensílios de cozinha que não se utilizavam frequentemente. A luz do candeeiro ajudava-a bastante, mas nem tanto que lhe iluminasse as costas por onde silenciosamente deslizou uma sombra e fechou a porta do quarto. Ao sentir uma presença estranha, Tita rodou sobre si mesma e a luz delineou claramente a figura de Pedro pondo uma tranca na porta. - Pedro! O que faz aqui? Pedro, sem lhe responder, aproximou-se dela, apagou a luz do candeeiro, empurrou-a para onde estava a cama de latão que em tempos pertencera a Gertrudis sua irmã e atirando-a para cima dela, fê-la perder a sua virgindade e conhecer o verdadeiro amor. Rosaura, no seu quarto, tentava adormecer a sua filha que chorava desenfreadamente. Passeava- a por todo o quarto, sem qualquer resultado. Ao passar pela janela viu sair do quarto escuro um brilho estranho. Volutas fosforescentes erguiam-se para o céu como delicadas luzes de fogo de artifício. Por mais gritos de alarme que desse chamando Tita e Pedro para que vissem aquilo, não obteve resposta senão de Chencha, que tinha ido buscar um jogo de lençóis. Ao presenciar o singular fenómeno, Chencha pela primeira vez na sua vida emudeceu de surpresa, nem um único som saía dos seus lábios. Até Esperanza, que não perdia pitada, deixou de chorar. Chencha ajoelhou-se benzendo-se pôs-se a orar. - Virgem Santíssima, que táis nos céus, acolhe a alma da minha sinhora Elena pa'que dêxe de andar nas tevas do pulgatório! - O que é que estás a dizer, Chencha? De que é que estás a falar? verdadeiro era "zootrópio". Que felicidade tão grande vê-lo ao pé do seu sapato, ao acordar de manhã. Quantas tardes ela e as suas irmãs se divertiram a olhar para as imagens em sequência que viam desenhadas em fitas de vidro, e que representavam diferentes situações divertidíssimas. Como lhe pareciam longe agora esses dias de felicidade, quando Nacha estava ao pé dela. Nacha! Sentia a falta do seu cheiro a sopa de aletria, a chilaquilês, a champurrado, a molho do almofariz, a pão com natas, a tempos passados. Seriam insuperáveis para sempre a sua "mão" para temperar, os seus atoles, os seus chás, o seu riso, os seus chiqueadores nas frontes, a sua maneira de lhe fazer a trança do cabelo, de a ir tapar à noite, de a tratar nas suas doenças, de lhe cozinhar os seus pratos favoritos, de bater o chocolate! Se pudesse voltar um só momento àquela época para trazer de volta um pouco da alegria desses instantes e poder preparar o bolo-rei com o mesmo entusiasmo de então! Se pudesse comê-lo mais tarde com as suas irmãs como nos velhos tempos, entre gracejos e brincadeiras, quando Rosaura e ela ainda não tinham de disputar o amor de um homem, quando ela ainda ignorava que lhe estava negado o casamento nesta vida, quando Gertrudis não sabia que fugiria de casa e tra~ balharia num bordel, quando ao tirarem o bonequinho do bolo tinham a esperança de que o que se desejasse se cumpriria milagrosamente ao pé da letra. A vida tinha-lhe ensinado que a coisa não era assim tão fácil, que são poucos os que fazendo-se de espertos conseguem realizar os seus desejos à custa seja do que for, e que obter o direito de determinar a sua propria vida lhe ia custar mais do que imaginava. Esta luta teria de a fazer sozinha, e isto custava-lhe. Se ao menos Gertrudis estivesse ao seu lado! Mas parecia mais provável que um morto regressasse à vida do que Gertrudis voltasse a casa. Nunca mais voltaram a receber notícias dela, desde que Nicolás lhe entregara a sua roupa, no bordel onde tinha ido parar. Por fim, deixando a arejar, juntamente com as suas recordações, as tabletes de chocolate que acabava de fazer, dispôs-se a preparar o bolo-rei. INGREDIENTES: gramas de fermento fresco quilo e 1/4 de farinha ovos colher de sal colheres de água de flor de laranjeira 1/2 chávenas de leite gramas de açúcar gramas de manteiga gramas de frutas cristalizadas boneco de porcelana MODO DE FAZER: Com as mãos, ou utilizando um garfo, desfaz-se um pouco o fermento em 1/4 de quilo de farinha, juntando-lhe pouco a pouco 1/2 chávena de leite morno, Quando os ingredientes estiverem bem incorporados amassam-se um pouco e deixam-se repousar em forma de bola, até que a massa cresça o dobro do seu tamanho. Precisamente quando Tita punha a massa a repousar, Rosaura entrou na cozinha. Vinha pedir-lhe ajuda para poder levar a cabo a dieta que John lhe tinha receitado. Há algumas semanas que tinha graves problemas digestivos, sofria de flatulência e mau hálito. Rosaura sentia-se tão mal com estas perturbações que inclusivamente teve de tomar a decisão de Pedro e ela dormirem em quartos separados. Desta forma diminuía um pouco o seu sofrimento ao poder desalojar gases à sua vontade. John tinha-lhe recomendado abster-se de alimentos como raízes e legumes e fazer um activo trabalho corporal. Este último tornava-se-lhe dificil pela sua excessiva gordura. Não percebia por que é que desde que regressaram ao rancho tinha começado a engordar tanto, pois continuava a comer o mesmo de sempre. A questão é que tinha um trabalho enorme para pôr em movimento o seu volumoso e gelatinoso corpo. Todos estes males lhe estavam a acarretar uma infinidade de problemas, mas o mais grave era que Pedro se estava a afastar dela cada vez mais. Não o culpava: nem ela própria suportava o seu pestilento bafo. já não podia mais. Era a primeira vez que Rosaura se abria com Tita e tratava estes temas com ela. inclusivamente confessou-lhe que não se tinha aproximado antes por causa dos ciúmes que tinha dela. Pensava que entre ela e Pedro havia uma relação amorosa, latente, escondida sob as aparências. Mas agora que via como ela estava tão enamorada de John, e como o casamento estava tão próximo, apercebera-se do absurdo que era continuar a guardar este tipo de ressentimentos. Confiava que ainda estivessem a tempo para que entre elas surgisse uma boa comunicação. Na verdade, a relação Rosaura-Tita até agora tinha sido a da água no azeite a ferver! Com lágrimas nos olhos pediu-lhe que por favor não lhe guardasse rancor por se ter casado com Pedro, E pediu-lhe conselho para o recuperar. Como se ela estivesse para lhe dar aquele tipo de conselhos! Desgostosa, Rosaura comentou com ela que Pedro já há muitos meses que não se aproximava dela com intenções amorosas. Praticamente rejeitava-a. Isto não a preocupava muito pois Pedro nunca tinha sido muito dado a excessos sexuais. Mas ultimamente não era só isso, também detectava nas suas atitudes uma aberta rejeição da sua pessoa. Além disso, podia dizer exactamente desde quando, pois lembrava-se perfeitamente. Foi na noite em que o fantasma da Mamã Elena tinha começado a aparecer. Ela estava acordada, à espera que Pedro regressasse de um passeio que tinha ido dar. Quando voltou, quase não deu atenção à sua história do fantasma, estava como que ausente. Durante a noite ela tinha procurado abraçá-lo, mas ele, ou estava a dormir profundamente ou fingiu que estava, pois não reagiu às suas insinuações. Mais tarde ouvira-o chorar baixinho e ela por sua vez tinha fingido que não o ouvia. Sentia que a sua gordura, a sua flatulência e o seu mau hálito definitivamente estavam a afastar Pedro do seu lado cada vez mais e não via uma solução para tal. Por isso lhe pedia a sua ajuda. Precisava dela como nunca e não tinha mais ninguém a quem recorrer. A situação cada dia era mais grave. Não sabia como reagir ao "que hão-de dizer>, se Pedro a abandonasse, não aguentaria. A única consolação que lhe restava era que ao menos tinha a sua filha Esperanza, ela tinha a obrigação de estar a seu lado para sempre. Até este momento tudo ia muito bem, as primeiras palavras de Rosaura tinham causado estragos na consciência de Tita, mas assim que ouviu pela segunda vez qual seria o destino de Esperanza teve de fazer um esforço imenso para não gritar à irmã que esta ideia era a mais aberrante que tinha ouvido em toda a sua vida. Não podia iniciar nesta altura uma discussão entre elas que desse cabo de tudo com a boa vontade que sentia de compensar Rosaura do mal que lhe estava a causar. Assim, em vez de exteriorizar os seus pensamentos, prometeu à irmã preparar~lhe uma dieta especial para a ajudar a emagrecer. E amavelmente deu-lhe uma receita de família contra o mau hálito: "O mau hálito tem origem no estômago e são várias as causas que contribuem para isso, Para o fazer desaparecer deve começar-se por gargarejos de água salgada, sorvendo-a ao mesmo tempo pelo nariz, misturada com algumas gotas de vinagre de cânfora em pó. Paralelamente é preciso mastigar constantemente folhas de hortelã. O plano proposto, seguido com constância, é capaz por si só de purificar o hálito mais pestilento." Rosaura agradeceu-lhe imenso a sua ajuda e saiu rapidamente para a horta para apanhar as folhas de hortelã, não sem antes lhe suplicar absoluta discrição neste delicado assunto. O rosto de Rosaura reflectia um grande alívio. Em contrapartida Tita estava destruída. O que ela fizera! Como reparar o mal feito a Rosaura, a Pedro, a si mesma, a John? Com que cara o iria receber dentro de uns dias, quando regressasse da sua viagem? John, a pessoa a quem só tinha coisas para agradecer, John, aquele que a fizera regressar ao seu tino, John, aquele que lhe tinha mostrado o caminho da liberdade. John, a paz, a serenidade, a razão. Realmente ele não merecia isto! O que havia de lhe dizer? Para já o melhor a fazer era continuar a preparar o bolo-rei, pois a massa com fermento que tinha deixado a repousar enquanto conversava com Rosaura já estava pronta para o passo seguinte. Com o quilo de farinha faz-se uma forma em cima da mesa. No centro põem-se todos os ingredientes e vai-se amassando começando pelos do centro e pegando pouco a pouco na farinha da travessa, até estar toda incorporada. Quando a massa que contém o fermento subiu o dobro do seu tamanho, mistura-se com a outra massa, integrando-as perfeitamente, até ao ponto de se desprenderem das mãos com toda a facilidade. Com uma faca de raspar tira-se a massa que vai ficando pegada à mesa, para a juntar também. Então deita-se a massa num recipiente fundo, untado. Tapa-se com um guardanapo e espera-se que suba novamente para o dobro do tamanho. É preciso ter em conta que a massa leva aproximadamente duas horas a duplicar o tamanho e é necessário que o faça três vezes antes de se poder meter no forno. Quando Tita estava a cobrir com um guardanapo o alguidar onde pusera a massa a repousar, uma forte rajada de vento fustigou a porta da cozinha abrindo-a de par em par e permitindo que um frio gelado a invadisse. O guardanapo voou pelos ares e um gélido estremecimento percorreu as cheirar e passado um momento recuperou totalmente. Então decidiram passar para a sala de jantar. Antes de sair, Paquita deteve Tita por uns segundos e perguntou-lhe: -já te sentes bem? Acho que ainda estás meio tonta, e tens cá um olhar! Se eu não soubesse perfeitamente que és uma rapariga decente juraria que estás grávida. Tita, rindo e procurando não dar importância, respondeu-lhe: - Grávida? Só a senhora é que iria ter uma ideia dessas! E o que é que o olhar tem a ver com isso? - Eu sei ver imediatamente nos olhos de uma mulher quando está grávida. Tita agradeceu o facto de Pulque a ter salvado novamente de uma situação difícil, pois o alvoroço dos demónios que estava a fazer no pátio evitou que tivesse de continuar a conversar com Paquita. Além dos latidos do Pulque ouvia-se o som provocado pelo galope de vários cavalos. Todos os convidados já estavam dentro de casa. Quem poderia ser àquelas horas? Tita dirigiu-se rapidamente para a porta, abriu-a e viu o Pulque a fazer festas à pessoa que vinha à frente de uma companhia de revolucionários. Quando se aproximaram o suficiente, pôde apreciar que quem vinha a comandar as tropas era nada mais nada menos que a sua irmã Gertrudis. A seu lado cavalgava o agora general Juan Alejandrez, o mesmo que há tempos a tinha raptado. Gertrudis desceu do cavalo e, como se o tempo não tivesse passado, disse com desenbaraço que sabendo que era o dia de partir o bolo-rei, tinha vindo por uma boa chávena de chocolate recém-batido. Tita, abraçando-a emocionada, levou-a logo para a mesa para lhe satisfazer o desejo. Lá em casa faziam-no como em mais lado nenhum, pois punham muito esmero em todos os passos a seguir, desde o seu fabrico até ao bater do chocolate, que é outro capítulo importantíssimo. A falta de perícia ao batê-lo pode ocasionar que um chocolate de excelente qualidade fique detestável OU por falta de cozedura ou por ter passado do ponto, ou por estar muito espesso ou ainda queimado. O método para evitar todas as falhas anteriores é muito S'Mples: põe-se ao lume uma tablete de chocolate com água. A quantidade de água deve ser um pouco maior do que a que é precisa para encher a cafeteira onde vai ferver. Quando chega à primeira fervura, tira-se do lume e desfaz-se a tablete perfeitamente, bate-se com o molimilho até ficar bem misturado com a água. Volta à chama. Então retira-se pela última vez e bate-se. Deita-se metade na tigela e torna-se a bater o restante. Então deita-se todo, deixando a superfície coberta de espuma. Também se pode fazer com leite em vez de água, mas neste caso só se lhe dá uma fervura, da segunda vez que vai ao lume bate-se para que não fique muito espesso. o chocolate feito com água é de melhor digestão que o de leite. Gertrudis fechava os olhos de cada vez que dava um sorvo na chávena de chocolate que tinha à sua frente. A vida seria muito mais agradável se uma pessoa pudesse levar para onde quer que fosse os sabores e os cheiros da casa materna. Bom, esta não era a sua casa materna. A mãe tinha morrido sem ela ter chegado a saber. Teve muita pena quando Tita lho disse. Ela tinha regressado com a intenção de mostrar à Mamã Elena que triunfara na vida. Era generala do exército revolucionário. Esta nomeação tinha sido conquistada a pulso, lutando como ninguém no campo de batalha. Trazia no sangue o dom do comando; como tal, assim que entrou no exército começou rapidamente a escalar postos no poder até alcançar o melhor, e não era só isso, regressava casada e feliz com Juan. Tinham-se encontrado depois de não se verem durante mais de um ano e entre eles tinha renascido a mesma paixão do dia em que se conheceram. O que mais é que uma pessoa podia pedir?! Como gostaria que a mãe a visse e como gostaria de voltar a vê-la, mesmo que fosse apenas para lhe dizer com o olhar que era preciso utilizar o guardanapo para limpar os restos de chocolate nos lábios. Este chocolate estava preparado como nos velhos tempos. Gertrudis fez uma oração em silêncio e com os olhos fechados, pedindo que Tita vivesse muitos mais anos a cozinhar as receitas da família. Nem ela nem Rosaura tinham os conhecimentos para o fazerem, por isso no dia em que Tita morresse morreria com ela o passado da sua família. Quando todos acabaram de jantar passaram à sala, onde se deu início ao baile. O salão estava perfeitamente iluminado por uma colossal quantidade de velas. Juan impressionou os convidados tocando lindamente guitarra, harmónica e acordeão. Gertrudis seguia o ritmo das peças que Juan interpretava batendo no chão com a ponta da sua bota. Olhava para ele orgulhosamente do fundo do salão, onde uma corte de admiradores a rodeava, assediando-a com perguntas sobre a sua participação na revolução. Gertrudis, com grande desenvoltura, enquanto fumava, contava-lhes histórias fantásticas das batalhas em que tinha participado. Nesse momento tinha-os de boca aberta ao explicar-lhes como fora o primeiro fuzilamento que ordenara, mas sem se poder conter, interrompeu o relato e atirou-se para o centro do salão onde começou a dançar com donaire a polca Jesusita en Chíhuahua, que Juan interpretava magistralmente no acordeão nortenho, Com leviandade, levantava a saia até aos joelhos, mostrando grande desembaraço. Esta atitude provocava comentários escandalosos das mulheres ali reunidas. Rosaura disse ao ouvido de Tita: - Eu não sei onde é que Gertrudis foi buscar este ritmo. A mãe não gostava de dançar e dizem que o pai dançava, mas muito mal. Tita levantou os ombros em sinal de resposta, embora ela soubesse perfeitamente bem de quem é que Gertrudis tinha herdado o ritmo e outras coisas. Pensava levar este segredo para a cova, mas não foi possível. Um ano mais tarde Gertrudis deu à luz um menino mulato. Juan enfureceu- se e ameaçou deixá-la. Não perdoava a Gertrudis ter voltado às suas vidas. Então Tita, para salvar aquele casamento, confessou tudo. Felizmente não se tinha atrevido a queimar as cartas, com o verdadeiramente "negro passado,> da mãe, pois estas serviram-lhe de prova cabal para demonstrar a inocência de Gertrudis. De qualquer forma, foi um golpe dificil de assimilar, mas pelo menos não se separaram, pelo contrário, viveram juntos para sempre e passando mais tempo felizes do que zangados. Assim como sabia a razão do ritmo de Gertrudis, sabia a razão do fracasso do casamento da sua irmã e da sua própria gravidez. Agora gostaria de saber qual era a melhor solução. Isso é que era o importante. A coisa melhor é que já tinha alguém a quem confiar as suas penas. Esperava que Gertrudis ficasse no rancho o tempo suficiente para a ouvir e a aconselhar. Em contrapartida Chencha desejava precisamente o contrário. Estava furiosa com Gertrudis, bom, não precisamente com ela, mas sim com o trabalho que representava atender a tropa dela. Em vez de gozar a festa, àquelas horas da noite tivera de pôr uma grande mesa no pátio e de fazer chocolate para os cinquenta homens da tropa dela. Continua... Receita seguinte: RABANADAS DE NATA CAPÍTULO X OUTUBRO RABANADAS DE NATA INGREDIENTES: Uma chávena de nata de leite ovos Canela Calda de açúcar MODO DE FAZER: Pega-se nos ovos, partem-se e separam-se as claras. As seis gemas misturam-se com a chávena de nata. Batem-se estes ingredientes até ficarem bem ligados numa massa rala. Então deita~se a massa numa caçarola previamente untada com manteiga. Esta mistura, dentro da torteira, não deve ultrapassar um dedo de altura. Põe~se sobre a chama, em lume muito fraco, e deixa-se cozer. Tita estava a preparar estas rabanadas a pedido expresso de Gertrudis, pois era a sua sobremesa favorita. Há muito tempo que não a comia e queria fazê-lo antes de deixar o rancho, no dia seguinte. Tinha passado apenas uma semana em casa, mas era muito mais do que aquilo que tinha planeado. Enquanto Gertrudis untava a caçarola onde Tita iria deitar a nata batida, não parava de falar. Tinha tantas coisas para lhe contar que nem com um mês a falar dia e noite Claro, Gertrudis precisava da receita, sem ela era incapaz de fazer fosse o que fosse! Com cuidado começou a lê-la e a procurar segui-la: Bate-se uma clara de ovo em meio quartilho de água para cada duas libras de açúcar, duas claras de ovo num quartilho de água para cinco libras de açúcar e na mesma proporção para maior ou menor quantidade. Deixa-se ferver a calda até ela subir três vezes, acalmando a fervura com um pouco de água fria, que se deitará cada vez que subir. Retira-se então do lume, deixa-se repousar e escuma-se; junta-se-lhe depois outro pouco de água juntamente com um pedaço de casca de laranja, anis e cravinho a gosto e deixa-se ferver. Escuma-se outra vez e quando já atingiu o ponto de cozedura chamado de bola, coa-se num passador ou num tecido espesso por cima de um bastidor. Gertrudis lia a receita como se fossem hieróglifos. Não percebia a que quantidade de açúcar se referia ao dizer cinco libras, nem o que era um quartilho de água e muito menos qual era o ponto de bola. A que estava em ponto de rebuçado era ela! Saiu para o pátio para pedir ajuda a Chencha. Chencha estava a acabar de distribuir feijões a correligionários da quinta mesa do pequeno- almoço. Esta era a última que tinha de servir, mas assim que acabasse de dar de comer a esta mesa, já tinha de pôr a próxima, para que os revolucionários que tinham ingerido os seus sagrados alimentos na primeira mesa do pequeno~almoço fossem agora almoçar, e assim sucessivamente, até às dez da noite, hora em que acabava de servir a última mesa do jantar. Por isso era claramente compreensível que estivesse o mais violenta e irritável possível contra todo aquele que se aproximasse a pedir-lhe que fizesse um trabalho extra. Gertrudis não era a excepção por mais generala que fosse. Chencha recusou-se terminantemente a oferecer~lhe a sua ajuda. Ela não fazia parte da sua tropa, nem tinha que lhe obedecer cegamente como faziam todos os homens sob o seu comando. Gertrudis esteve então tentada a recorrer à irmã, mas o seu senso comum impediu-a. Não podia interromper de maneira alguma Tita e Pedro naqueles momentos. Talvez os mais decisivos das suas vidas. Tita caminhava lentamente entre as árvores de fruta da horta, o cheiro a flor de laranjeira confundia-se com o aroma a jasmim, característico do seu corpo. Pedro, a seu lado, dava~lhe o braço com infinita ternura: - Por que é que não me disse? • Porque primeiro queria tomar uma decisão. • - E já a tomou? - Não. - Pois eu acho que é melhor que antes de a tomar saiba que para mim, ter um filho seu é a maior felicidade que eu poderia ter, e para a sentir como deve ser gostaria que nos fôssemos embora para muito longe daqui. - Não podemos pensar só em nós, também existem Rosaura e Esperanza no mundo, o que é que lhes vai acontecer a elas? Pedro não lhe pôde responder. Não tinha pensado nela até àquele momento, e a verdade era que não queria fazer-lhes mal nem deixar de ver a sua pequena filha. Tinha de haver uma solução benéfica para todos. Ele teria de a encontrar. Pelo menos de uma coisa tinha a certeza, Tita já não se iria embora do rancho com John Brown. Um barulho nas suas costas assustou-os. Alguém caminhava atrás deles, Pedro largou imediatamente o braço de Títa e virou dissimuladamente a cabeça para ver de quem se tratava. Era o Pulque, que farto de ouvir os gritos de Gertrudis na cozinha procurava um lugar melhor onde dormir. De qualquer forma decidiram adiar a conversa para outra altura. Havia demasiada gente por toda a casa e era arriscado falarem destas coisas tão particulares. Na cozinha, Gertrudis não conseguia que o sargento Trevino deixasse a calda como ela desejava, por mais ordens que lhe desse. Estava arrependida de ter confiado em Trevino para tão importante missão, mas como Gertrudis perguntara a um grupo de rebeldes quem é que sabia quanto era uma libra e ele rapidamente respondera que uma libra correspondia a 460 gramas, e um quartilho a um quarto de litro, ela acreditou que ele sabia muito de cozinha, e não era assim. A verdade é que era a primeira vez que Trevino lhe falhava numa coisa que ela lhe encomendara. Lembrava-se de uma ocasião em que tivera de descobrir um espião que se infiltrara entre a tropa. Uma soldada, que era amante do espião, ficara a saber das suas actividades e ele então tinha-a baleado impiedosamente antes que ela o denunciasse. Gertrudis regressava de tomar um banho no rio e encontrou-a a agonizar. A mulher conseguiu dar-lhe um indício para o identificar. O traidor tinha um sinal vermnelho em forma de aranha na virilha. Gertrudis não podia pôr-se a revistar todos os homens, pois além de se prestar a más interpretações, o traidor poderia suspeitar e fugir antes de o encontrarem. Então encarregou Trevino dessa nússão. Para ele também não era uma missão fácil. O que poderiam pensar da sua pessoa era pior do que pensariam de Gertrudis se se pusesse a bisbilhotar nas virilhas de todos os homens da tropa. Trevino, então, esperou pacientemente até chegar a Saltilho. imediatamente depois de terem entrado na cidade deu-se ao trabalho de percorrer todos os bordéis que existiam e conquistar todas as prostitutas de cada sítio valendo~se de não sei quantas artes. Mas a principal era que Trevino as tratava como damas, fazia-as sentirem-se como rainhas. Era muito educado e galante com elas, enquanto fazia amor recitava-lhes versos e poemas. Não havia nenhuma que não caísse nas suas redes e que não estivesse disposta a trabalhar para a causa revolucionária. Desta forma, não foram precisos mais de três dias para dar com o traidor e armar-lhe uma cilada com a cumplicidade das suas amigas as putas. O traidor entrou num quarto do lenocínio com uma loura oxigenada chamada "A Rouca". Trevino esperava~ -o atrás da porta. Este com um pontapé fechou a porta e fazendo gala de uma violência nunca vista matou o traidor à pancada. já sem vida cortou-lhe os testículos com uma faca. Quando Gertrudis lhe perguntou por que é que o tinha matado com tanta cólera e não simplesmente com uma bala, ele respondeu que tinha sido um acto de vingança. Há tempos um homem que tinha na virilha um sinal vermelho em forma de aranha tinha violado a sua mãe e a sua irmã. Esta última confessara--lho antes de morrer. Desta maneira ficava lavada a honra da sua família. Esse foi o único gesto selvagem que Trevino teve na vida. Tirando isso era a pessoa mais fina e elegante até para matar. Sempre o fez com grande decoro. A partir da captura do espião, Trevino ficou com fama de mulherengo empedernido. E isto não ficava muito longe da verdade, mas o amor da sua vida foi sempre Gertrudis. Durante muitos anos procurou conquistá- la em vão, mas sem perder as esperanças, até Gertrudis encontrar novamente juan. Então apercebeu-se de que a tinha perdido para sempre. Agora só a servia como um cão de guarda, ocupando-se da sua retaguarda, sem se afastar um segundo. Era um dos seus melhores soldados no campo de batalha, mas na cozinha não sabia fazer nada. No entanto, Gertrudis tinha pena de correr com ele dali pois Trevino era muito sentimental e quando ela o repreendia por alguma coisa, dava-lhe para a bebida. E por isso não lhe restou outra alternativa senão enfrentar o melhor possível o seu erro de escolha e tentar que tudo saísse da melhor forma. Entre os dois, cuidadosamente, leram passo a passo a referida receita procurando interpretá-la. • Se quiser a calda de açúcar mais pura, como é necessário para adoçar os licores, depois das operações referidas põem-se pedras à volta da caçarola ou vasilha que a contém, deixa-se • 179 repousar e tiram-se depois as pedras, ou seja, separa-se dos assentos com o menor movimento possível." Na receita não se explicava o que era o ponto de bola, e assim Gertrudis ordenou ao sargento que procurasse a resposta no grande livro de cozinha que estava em cima do armário. Trevino esforçava-se por encontrar a informação desejada, mas como quase não sabia ler, com o dedo percorria lentamente as palavras do livro, perante a impaciência de Gertrudis. "Distinguem-se muitos graus de cozedura da calda: calda em ponto de pasta, calda em ponto de pasta fino, calda em ponto de pérola, calda em ponto de pérola fina, calda em ponto assoprado, calda em ponto estalado, calda em ponto de caramelo e calda em ponto de caramelo claro, calda em ponto de bola ... " - Finalmente! Aqui está o do ponto de bola, minha generala. - Deixa ver, dá cá isso! já me desesperaste. Gertrudis leu as instruções ao sargento, com fluidez e em voz alta. - "Para se saber se a calda está neste ponto, mergulham-se os dedos numa tigela ou jarro de água fria e passam-se na calda, voltando a metê-los rapidamente na água. Se quando arrefece a calda fica numa bola e se manuseia como pasta, está no grau ou ponto de bola." Entendeste? - Sim, pois penso que sim, minha generala. - Mais vale que sim, porque senão juro-te que te mando fuzilar! Gertrudis tinha conseguido por fim reunir toda a informação que procurava, agora só lhe faltava que o sargento preparasse bem a calda e poderia finalmente comer as suas tão ansiadas rabanadas. Trevino, tendo muito presente a ameaça que pesava sobre a foi correr para ajudar o marido. Tita procurou largar a mão de Pedro para permitir que Rosaura se aproximasse dele, mas Pedro, entre gemidos e tratando-a pela primeira vez por tu, pediu: - Tita, não te vás embora. Não me deixes. • Não, Pedro, não o farei. • 184 Tita pegou novamente na mão de Pedro. Rosaura e Tita olharam-se por instantes em desafio. Então Rosaura compreendeu que ela não tinha nada a fazer ali, meteu-se no quarto e fechou-se à chave. Não saiu de lá durante uma semana. Como Tita não podia nem queria sair de ao pé de Pedro ordenou a Chencha que trouxesse claras de ovo batidas com óleo e bastantes batatas cruas bem esmagadas. Estes eram os melhores métodos que conhecia contra as queimaduras. As claras de ovo põem-se com uma pluma fina sobre a parte atingida, renovando a aplicação cada vez que o linimento seca. Depois é preciso pôr emplastros de batatas cruas esmagadas para reduzir a inflamação e acalmar a dor. Tita passou toda a noite a aplicar-lhe estes remédios caseiros. Enquanto lhe punha o emplastro de batatas, observava o amado rosto de Pedro. Nem havia sequer sinais das suas sobrancelhas cerradas e das suas grandes pestanas. O queixo quadrado tinha agora forma oval devido ao inchaço. Tita não se importava se ele fosse ficar com alguma marca, mas Pedro talvez sim. O que seria melhor pôr-lhe para evitar que ficasse com cicatrizes? Nacha deu-lhe a resposta, que por sua vez "Luz do amanhecer" lhe tinha dado a ela: o melhor nestes casos era pôr-lhe casca da árvore de tepezcobuite. Tita saiu a correr para o pátio e sem se importar com o facto de a noite já ir muito avançada levantou Nicolás e mandou-o conseguir essa casca junto do melhor bruxo da região. já quase ao amanhecer conseguiu acalmar um pouco a dor de Pedro e que este adormecesse por uns momentos. Aproveitou para se ir despedir de Gertrudis, pois desde há um bocado que ouvia os passos e as vozes das gentes da sua tropa enquanto preparavam os cavalos para se retirarem. Gertrudis falou com Tita durante um bom bocado, lamentava não poder ficar para a ajudar no infortúnio, mas tinha recebido ordens de atacar Zacatecas. Gertrudis agradeceu-lhe os momentos tão felizes que tinha passado a seu lado, aconselhou-a a não deixar de lutar por Pedro e antes de se despedir deu-lhe uma receita que as mulheres da tropa usavam para não ficarem grávidas: depois de cada relação íntima faziam uma lavagem com água fervida e umas gotas de vinagre. Juan aproximou-se delas e interrompeu a conversa para informar Gertrudis que eram horas de partirem. Juan deu um forte abraço a Tita e desejou a Pedro, através dela, um bom restabelecimento. Tita e Gertrudis abraçaram-se emocionadas. Gertrudis subiu para o seu cavalo e foi-se embora. Não ia a cavalgar sozinha, levava ao seu lado, no alforge, a sua infância encerrada num frasco de rabanadas de nata. Tita viu-os partir com lágrimas nos olhos. Chencha também, mas ao contrário das de Tita,, as dela eram de felicidade. Finalmente poderia descansar! Quando Tita ia a entrar novamente em casa ouviu um grito de Chencha: -Nã pode ser! já tão de volta. Efectivamente, parecia que alguém das tropas regressava ao rancho, mas não conseguiam ver bem de quem se tratava por causa da poeira que os cavalos tinham levantado à retirada. Forçando a vista, reconheceram contentes que se tratava da caleche de John. já estava de volta. Ao vê-lo, Tita sentiu-se completamente confundida. Não sabia o que ia fazer nem o que lhe ia dizer. Por um lado dava-lhe um prazer enorme vê-lo, por outro, sentia-se muito mal por ter de cancelar o seu compromisso matrimonial com ele. John chegou ao pé dela com um grande ramo de flores. Abraçou-a emocionado e ao beijá-la apercebeu-se de que algo tinha mudado dentro de Tita. Continua Receita seguinte: FEIJÕES GORDOS COM CHILES A TEZCUCANA CAPÍTULO XI NOVEMBRO FEIJÕES GORDOS COM CHILES A TEZCUCANA INGREDIENTES: Feijões gordos Carne de porco Torresmos CHile ancho Cebola Queijo ralado Alface Abacate Rábanos Chilês Tornachiles Azeitonas MODO DE FAZER: Primeiro tem de se dar uma cozedura com salitre aos feijões, e depois de lavados põem-se novamente a cozer juntamente com pedacinhos de carne de porco e torresmos. PÔr os feijões a cozer foi a primeira coisa que Tita fez quando se levantou às cinco da manhã. Hoje tinham como convidados para o almoço John e a sua tia Mary, que tinha vindo da Perinsylvania só para assistir ao casamento de Tita e John. A tia Mary estava ansiosa por conhecer a prometida do seu sobrinho preferido e não o pudera fazer por ser inoportuno dadas as condições de saúde de Pedro. Esperaram uma semana que ele se restabelecesse para fazerem uma visita oficial. Tita estava muito angustiada por não poder cancelar esta apresentação porque a tia de John já tinha oitenta anos e viera de tão longe só com a esperança de a conhecer. Dar uma boa refeição à tia Mary era o mínimo que Tita podia fazer pela doce americana e por John, mas não tinha nada para lhes oferecer além da notícia de que não iria casar-se com John. Sentia- se completamente vazia, como um prato grande onde só restam migalhas do que foi um excelente bolo. Procurou alimentos na despensa, mas estes primavam pela ausência; na verdade não tinha nada. A visita de Gertrudis ao rancho tinha arrasado com todas as reservas. A única coisa que lhe restava no celeiro, além do milho para fazer umas boas tortilhas, era arroz e feijões. Mas com boa vontade e imaginação poderia preparar uma refeição condigna. Um menu de arroz com bananas Matcho e feijões à Tezcucana não a iria deixar nada mal. Como os feijões não estavam tão frescos como noutras ocasiões e prevendo que levariam mais tempo do que o costume .a cozer, pô-los ao lume logo cedo e enquanto estes se faziam, ocupou-se a limpar os chiles. Depois de limpar os chíles põem-se a demolhar em água quente e por fim moem-se. imediatamente depois de ter deixado os chíles a demolhar, Tita preparou o pequeno-almoço de Pedro e levou-lho ao quarto. Já se encontrava bastante restabelecido das suas queimaduras. Títa nunca tinha deixado de lhe aplicar a casca do tepezcobuite e tinha evitado com isto que Pedro ficasse com cicatrizes. John tinha aprovado por completo o tratamento. Ele próprio, curiosamente, continuava desde há tempos as experiências com esta casca que a sua avó ,Luz do amanhecer" tinha iniciado. Pedro esperava por Tita ansiosamente. Além das deliciosas comidas porcarias, mas nesta casa, isso sim, eu vou continuar a ser a mulher. E perante os olhos dos outros também. Porque no dia em que alguém vos veja e me voltarem a ridicularizar, juro-te que se vão arrepender. Os gritos de Rosaura confundiam-se com os do choro urgente de Esperanza. A menina estava a chorar desde há um bocado, mas tinha vindo a subir gradualmente o tom dos seus soluços até atingir níveis insuportáveis. Com certeza que já queria comer. Rosaura levantou-se lentamente e disse: - Vou dar de comer à minha filha. De hoje em diante não quero que tu voltes a fazê-lo, poderias sujá-la de lama. De ti só receberia maus exemplos e maus conselhos. - Podes ter a certeza disso. Não vou permitir que envenenes a tua filha com as tuas ideias da tua cabeça doente. Nem vou deixar que lhe arruines a vida obrigando-a a seguir uma tradição estúpida! - Ah, sim? E como é que vais impedir isso? Com certeza pensas que te vou deixar estar perto dela como até agora, mas mete na cabeça que não. Onde é que viste permitirem. às mulheres da rua estar ao pé das meninas de famílias decentes? - Não me digas que acreditas a sério que a nossa família é decente! - A minha pequena família, sim, é. E para que continue a sê-lo proibo-te aproximares-te da minha filha, ou vou ver-me na necessidade de te correr para fora desta casa, que a mamã me deixou. Percebeste? Rosaura saiu da cozinha, com a papa que Tita preparara para Esperanza e foi dar-lhe de comer. À Tita não lhe podia ter feito pior. Sabia magoá-la profundamente. Esperanza era uma das coisas mais importantes deste mundo para ela. A dor que sentia! Enquanto partia o último bocado de tortilha que tinha nas mãos desejou com toda a sua alma que a irmã fosse engolida pela terra. Era o mínímo que ela merecia. Enquanto discutia com Rosaura não tinha deixado de esmigalhar os bocadinhos de tortilhas, por isso deixara-as partidas em pedaços minúsculos. Tita, com fúria, colocou-as em cima de um Prato e saiu para as atirar às galinhas, para depois continuar com a preparação dos feijões. Todo o estendal do pátio estava cheio com as branquíssimas fraldas de Esperanza. Eram umas fraldas lindíssimas. Entre todas tinham passado tardes inteiras a bordar-lhes as beiras. O vento abanava- as e pareciam ondas de espuma. Tita desviou o seu olhar das fraldas. Tinha de se esquecer de que a menina estava a comer pela primeira vez sem ela, se é que queria acabar de preparar a comida. Meteu-se na cozinha e continuou a preparação dos feijões. Põe-se a cebola picada a fritar em manteiga. Quando fica dourada junta-se ali mesmo os chiles moídos e sal a gosto. Depois de se apurar o refogado, acrescentam-se os feijões juntamente com a carne e os torresmos. Foi inútil tentar esquecer-se de Esperanza. Quando Tita deitou os feijões na panela lembrou-se de como a menina gostava tanto do caldo de feijões. Para lho dar, sentava-a sobre as suas pernas, punha-lhe um guardanapo grande no peito e dava-lho com uma colherzinha de prata. A alegria que ela sentiu no dia em que ouviu o som da colher a chocar com a ponta do primeiro dente de Esperanza. Agora estavam a sair-lhe mais dois. Tita tinha muito cuidado para não os magoar quando lhe dava de comer. Oxalá que Rosaura fizesse o mesmo. Mas ela sabia lá! Se nunca antes fizera nada. Nem saberia sequer preparar-lhe o banho com água de folhas de alface para garantir um sono tranquilo durante a noite, nem saberia vesti-la nem beijá-la nem abraçá-la nem arrulhá- la, como ela fazia. Tita pensou que talvez o melhor fosse deixar o rancho. Pedro desiludira-a; Rosaura, sem ela em casa, poderia refazer a sua vida e a menina teria de se acostumar mais tarde ou mais cedo aos cuidados da sua verdadeira mãe. Se Tita continuasse a ganhar-lhe cada vez mais afeição iria sofrer como acontecera com Roberto. Não tinha dúvida, a sua família não era esta e em qualquer momento poderiam tirá-la de lá com a mesma facilidade com que se tira uma pedrinha dos feijões quando se está a limpá-los. Em contrapartida, John oferecia-lhe a base para uma nova família, que ninguém lhe tiraria. Ele era um homem maravilhoso e amava-a muito. Não lhe seria dificil, com o tempo, apaixonar-se perdidamente por ele. Não pôde continuar com as suas reflexões pois as galinhas começaram a fazer uma grande algazarra no pátio. Parecia que tinham enlouquecido ou tinham complexos de galos de luta. Davam bicadas umas às outras, tentando arrancar os últimos bocados de tortilha que restavam no chão. Saltavam e voavam desordenadamente por todos os lados, agredindo-se com violência. Entre todas elas havia uma, a mais furiosa, que com o bico arrancava os olhos a quanta galinha podia, salpicando de sangue as brancas fraldas de Esperanza. Tita, assustadíssima, procurou parar a briga, atirando-lhes com um alguidar de água. Só conseguiu que se enfurecessem mais e que subissem de tom na luta. Formaram um círculo, dentro do qual se perseguiam umas às outras vertiginosamente. De repente as galinhas viram-se apanhadas irremediavelmente pela força que elas próprias geravam na sua corrida tresloucada e já não conseguiram escapar do remoinho de penas, pó e sangue que começou a girar e a girar cada vez com mais força até se transformar num poderoso tornado que arrasava tudo o que encontrava à sua passagem, começando pelos objectos mais próximos, neste caso, as fraldas de Esperanza, que estavam no estendal do pátio. Tita tentou salvar algumas fraldas, mas quando as foi apanhar, viu-se arrastada pela força do poderoso remoinho que a levantou a vários metros do chão, lhe deu três voltas infernais entre a fúria das bicadas para depois a lançar com força para o extremo oposto do pátio, onde caiu como um saco de batatas. Tita ficou estatelada assustadíssima. Não queria mexer-se. Se o remoinho a apanhasse novamente corria o perigo de as galinhas lhe arrancarem um olho. Este vórtice de galinhas foi perfurando Os terrenos do pátio, fazendo um poço profundo por onde a maioria delas desapareceu deste mundo. A terra engoliu-as. Desta luta sobreviveram três galinhas sem penas e zarolhas. E das fraldas nenhuma. Tita, sacudindo o pó, passou revista ao pátio: nem sinais das galinhas. O que mais a preocupava era o desaparecimento das fraldas que com tanto amor tinha bordado. Teriam de as substituir rapidamente por umas novas. Bom, pensando bem o problema não era dela; Rosaura tinha dito que não queria que se aproximasse mais de Esperanza, não era? Então, ela que se encarregasse de solucionar o problema dela e Tita encarregar-se-ia de solucionar o seu, que para já era apenas ter a comida pronta para John e para a tia Mary. Entrou na cozinha e preparou-se para acabar de cozinhar os feijões, mas qual não seria a sua surpresa ao ver que, apesar das horas todas que tinham estado ao lume, os feijões ainda não estavam cozidos. Algo de anormal se estava a passar. Tita lembrou-se que Nacha lhe dizia sempre que quando duas ou mais pessoas discutiam enquanto estavam a preparar tamales, estes ficavam crus. Podiam passar dias e dias sem se cozerem, pois os tamales estavam zangados. Nestes casos era necessário que se lhes cantasse, para que ficassem contentes e conseguissem cozer-se. Tita supôs que tinha acontecido o mesmo com os seus feijões, pois tinham assistido à luta com Rosaura. Então não teve outra alternativa senão procurar modificar o seu estado de alma e cantar aos feijões com amor, pois já não dispunha de muito tempo para ter a comida pronta a horas para os seus convidados. Para isto, o mais conveniente era procurar na memória algum momento de enorme felicidade e revivê-lo enquanto cantava. Fechou os olhos e começou a cantar uma valsa que era assim: "Sou. feliz desde que te vi, entreguei-te o meu amor e a minha alma perdi ... " À sua mente acudiram pressurosas as imagens do seu primeiro encontro com Pedro no quarto escuro. A paixão com que Pedro a tinha despojado das suas roupas, provocando que sob a sua pele a carne se abrasasse ao entrar em contacto com aquelas mãos íncandescentes. O sangue fervilhava nas suas veias. O coração lançava borbotões de paixão. Pouco a pouco o frenesim fora cedendo e dando lugar a uma ternura infinita que conseguiu aplacar as suas agitadas almas. Enquanto Tita cantava, o caldo dos feijões fervia com veemência. Os feijões deixaram que o líquido em que nadavam os penetrassem e começaram a inchar até quase rebentarem. Quando Tita abriu Os Olhos e tirou um feijão para o examinar, verificou que os feijões já estavam no seu ponto certo. Com isto teria tempo suficiente para se dedicar ao seu arranjo pessoal, antes de chegar a tia Mary. Feliz da vida deixou a cozinha e dirígiu-se para o seu quarto, com a intenção de se enfeitar. A primeira coisa que tinha a fazer era lavar os dentes. A cambalhota no chão que sofrera por causa do empurrão que o torvelinho das galinhas lhe dera, deixara-lhos cheios de terra. Agarrou numa porção do pó para limpar a dentadura e escovou-os vigorosamente. Na escola tinham-lhe ensinado a preparar estes pós. Fabricam-se pondo meia onça de tartarato ácido de potássio, meia de açúcar e meia de osso de jivía, juntamente com duas dracmas de lírios de Florença e sangue-de-drago; reduzem-se a pó todos os ingredientes e misturam-se. A professora Jovita foi a encarregada de o fazer. Foi sua professora durante três anos seguidos. Era uma mulher pequena e miúda. Todos se lembravam dela, não tanto pelos conhecimentos que lhes tinha transmitido, mas sim porque era uma personagem fora do vulgar. Dizem que aos dezoito anos tinha ficado viúva e com um filho. Nunca quis dar um padrasto ao menino, e assim passou a vida em absoluto celibato. Bom, quem sabe até que ponto estaria convencida desta resolução e quanto a teria afectado, pois com os anos, a pobre coitada foi perdendo a razão. Trabalhava dia e noite para não dar espaço aos maus pensamentos. A sua frase preferida era "A ociosidade é a mãe de todos os vícios". E assim, não descansava nem um segundo por dia. Cada vez trabalhava mais e dormia menos. Com o tempo o trabalho dentro da sua casa não lhe chegava para acalmar o seu espírito, e por isso saía para a rua às cinco da manhã para varrer o passeio. O dela e o das suas vizinhas. Depois foi aumentando o seu círculo de acção para os quatro Passaram o resto da tarde de uma forma maravilhosa. Quando John se retirou, deu um beijo na mão a Tita e disse-lhe: - Não te quero pressionar, só quero assegurar-te que ao meu lado serás feliz. - Eu sei. Claro que sabia. E claro que ia ter isso em consideração quando tomasse a sua decisão, a definitiva, a que determinaria todo o seu futuro. Continua... Receita seguinte: CHILes EM NOGADO CAPÍTULO XIII DEZEMBRO CHILES EM NOGADO INGREDIENTES: chiles poblanos romãs nozes gramas de queijo branco curado quilo de carne de vaca picada gramas de passas /4 quilo de amêndoas /4 quilo de nozes /2 quilo de tomate cebolas médias cidrões pêssego maçã cominhos pimenta branca sal açúcar MODO DE FAZER: Deve-se começar por descascar as nozes com uns dias de antecedência, pois fazer isto representa uma tarefa muito trabalhosa, que implica muitas horas de dedicação. Depois de lhes tirar a casca é preciso despojá-las da pele que cobre a noz. Tem de se pôr especial esmero para que não fique agarrado nem um só pedaço, pois ao serem moídas e misturadas as nozes com o creme iriam tornar o nogado amargo, tornando estéril todo o esforço anterior. Tita e Chencha acabavam de descascar as nozes, sentadas em volta da mesa da sala de jantar. Estas nozes seriam utilizadas na confecção dos chiles em nogado que seriam servidos como prato principal no casamento do dia seguinte. Todos os outros membros da família as tinham deixado sozinhas desertando da mesa da sala com um ou outro pretexto. Só estas duas ilustres mulheres é que continuavam na faina. Na verdade, Tita não as culpava. Já a tinham ajudado bastante durante toda a semana e ela entendia muito bem que não era fácil descascar mil nozes sem se ficar esgotado. A única pessoa que conheceu que conseguia fazer isso sem mostrar sinais de cansaço em momento algum foi a Mamã Elena. Ela não só conseguia partir sacos e sacos de nozes em poucos dias, como adorava imenso fazer este trabalho. Prensar, destroçar e descascar eram algumas das suas actividades favoritas. As horas passavam- se sem que ela se desse conta quando se sentava no pátio com um saco de nozes em cima das pernas e não se levantava antes de o acabar. Para ela teria sido uma brincadeira de crianças partir estas mil nozes, que tanto trabalho lhes tinha custado a todos eles. Esta descomunal quantidade devia-se ao facto de, como para cada 25 chiles é preciso descascar 100 nozes, logicamente a 250 chíles correspondiam 1000 nozes. Tinham convidado 80 pessoas para o casamento, entre familiares e amigos mais íntimos. Cada um poderia comer, se assim o desejasse, 3 chíles, o que era um cálculo muito decente. Tratava-se de um casamento íntimo, mas de qualquer forma Tita queria dar um banquete de 20 pratos, como os que já não se faziam, e é claro que não podiam faltar os deliciosos chíles em nogado, pois o memorável festejo assim o merecia, ainda que isto representasse um trabalho tão intenso. Tita não se importava de ter os dedos negros depois de ter descascado tanta noz. Este casamento valia bem o sacrificio, pois tinha um significado muito especial para ela. Também para John. Ele estava tão feliz que tinha sido um dos seus mais entusiastas colaboradores na preparação do banquete. Fora ele precisamente um dos últimos a retirar-se para descansar. Merecia um bom descanso. Na casa de banho da sua casa, John limpava as mãos morto de cansaço. Doíam-lhe as unhas de tanto descascar nozes. Preparou-se para dormir sentindo uma intensa emoção. Dentro de umas horas estaria mais próximo de Tita e isto dava-lhe uma enorme satisfação. O casamento estava programado para o meio dia. Passou revista com o olhar ao smokíng que repousava numa cadeira. Toda a indumentária que iria vestir no dia seguinte estava meticulosamente disposta, esperando o melhor momento para se mostrar. Os sapatos brilhavam como nunca e o laço, a faixa e a camisa estavam impecáveis. Sentindo-se satisfeito por tudo estar em ordem, respirou longamente, deitou-se e assim que pôs a cabeça na almofada ficou a dormir profundamente. Pedro, pelo contrário, não conseguia conciliar o sono. Uns ciúmes infernais corroíam-lhe as entranhas. Não lhe agradava nada ter de assistir ao casamento e suportar ver a imagem de Tita ao pé de John. Não entendia nada a atitude de John, parecia que não tinha sangue nas veias! Sabia muito bem o que existia entre Tita e ele. E mesmo assim continuava a agir como se nada fosse! Nessa tarde quando Tita estava a tentar acender o forno, não encontrava os fósforos em lado nenhum. Então John, o eterno galante, rapidamente se ofereceu para a ajudar. E isso não foi tudo! Depois de ter acendido a chama ofereceu a Tita a caixa de fósforos pegando nas mãos dela entre as suas. O que é que ele tinha de andar a oferecer a Tita esse tipo de prendas tontas? Só era um bom pretexto de John para acariciar as mãos de Tita à frente dele. Com certeza que se julgava muito civilizado, mas ele ia ensinar-lhe o que um homem faz quando ama de verdade uma mulher. Pegando no casaco preparou-se para ir procurar John e partir-lhe a cara. Parou à porta. Poderia prestar-se a falatórios o cunhado de Tita lutar com John um dia antes da cerimônia. Tita nunca lhe perdoaria. Com raiva atirou o casaco para cima da cama e pôs-se a procurar um comprimido para que a dor de cabeça acalmasse. O barulho que Tita fazia na cozinha era amplificado mil vezes por causa da dor. Tita pensava na sua irmã enquanto acabava de descascar as poucas nozes que restavam em cima da mesa. Rosaura teria gostado de estar presente no casamento. A pobre coitada tinha morrido há um ano. Em respeito à sua memória tinham deixado passar todo este tempo para realizarem a cerimônia religiosa. A sua morte tinha sido estranhíssima. jantara como de costume e retirara-se imediatamente depois para o seu quarto. Esperanza e Tita tinham ficado a conversar na casa de jantar. Pedro subiu para se despedir de Rosaura antes de ir dormir. Tita e Esperanza não ouviram nada por a sala de jantar se encontrar muito retirada dos quartos. Ao princípio Pedro não
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