Baixe Artigo Ecologia Química e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Química, somente na Docsity! C h e m k e y s - L i b e r d a d e p a r a a p r e n d e r w w w . c h e m k e y s . c o m * Autor para contato Ecologia Química José Roberto Trigo Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia Criado em Setembro de 1999 Atualizado em Março de 2000 Ecologia Interações tróficas Interações não tróficas Hormônios Feromônios Metabólitos Ecologia foi definida em 1866 por Ernst Haeckel [1] como a ciência que estuda interações entre os organismos e entre organismos e seu ambiente. O estudo de substâncias químicas mediadoras de interações entre organismos é chamado de Ecologia Química. Segundo Feeny [2] as raízes da Ecologia Química podem ser traçadas desde Theophrastus, naturalista grego, o qual em seu livro “Investigações sobre plantas, Livro IV,c.”, datado de 300 AC, descreve: “Todas as árvores têm vermes, mas algumas têm menos, como o figo e a maçã, e algumas mais, como O q u e é e c o l o g i a q u í m i c a Chemkeys. Licenciado sob Creative Commons (BY-NC-SA) I n f o r m a ç õ e s d o A r t i g o Histórico do Artigo Palavras-Chaves R e s u m o Neste texto, pretende-se transmitir aos leitores a sofisticação da química envolvida na interação entre os organismos de um ecossistema. Muito embora os seres humanos gostem de atribuir a si próprios a exclusividade do uso da química, os exemplos que serão abordados nesta matéria indicam claramente que a realidade está longe de ser esta. a pera. Geralmente, aquelas que são menos consumidas pelos vermes são as que têm um suco acre amargo”. Só no final do século XVIII, as interações entre plantas e insetos começaram a ser estudadas cientificamente. O primeiro cientista a desenvolver trabalhos na área de ecologia floral, a parte da ecologia que trata do processo da polinização das flores, é sem dúvida o alemão C.K. Sprengel. Em 1793 ele escreveu uma obra importante [3], “A descoberta do segredo da natureza na morfologia e fertilização das flores”, onde mostrou pela primeira vez que, ao contrário do pensamento corrente na época, as flores Anita J. Marsaioli * Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Química anita@iqm.unicamp.br Volker Bittrich Maria do Carmo Amaral C h e m k e y s - L i b e r d a d e p a r a a p r e n d e r Chemkeys. Licenciado sob Creative Commons (BY-NC-SA) não foram concebidas pela natureza com a finalidade de enfeitar, mas possuem um papel importante na reprodução das plantas, através da disponibilização de néctar e pólen. Talvez não o acaso e sim a lógica tenha levado Sprengel, um autodidata que chamava a si mesmo um “botânico filosófico”, a sugerir que a finalidade da coloração e dos aromas das flores era de atrair polinizadores. Ele descreveu que certas flores marrons (p.e. Stapelia, Figura 1), que possuem um aroma semelhante ao de carniça (o qual não combina com a idéia de dar alegria para os seres humanos), atraiam certas moscas, que geralmente se encontram em carniça. Visitando as flores, as moscas desempenham assim o papel de polinizador. As idéias modernas de Sprengel foram pouco aceitas pelos seus contemporâneos e só 70 anos depois, o próprio Charles Darwin descobriu a grande importância de sua obra. Na virada do século XIX, um dos autores citados na revisão de Feeny [2] como um dos pioneiros a apresentar uma visão do papel das substâncias químicas mediadoras das interações entre insetos e plantas foi A. P. de Candolle [4] (1778-1841). Este autor, professor de Zoologia na Université de Genève na Suíça, publicou em 1804 um livro chamado “Essai. Sur les propriétés médicinales des plantes, comparèes avec leurs formes extérieures et leur classifications naturelles”. Neste livro, A. P. de Candolle correlacionou os padrões de ataques por herbívoros a plantas com as classes de substâncias químicas nelas contidas. de Candolle diferenciou herbívoros monófagos1 e polífagos2 , descrevendo monofagia como um extremo, e mostrando que muitas espécies de insetos se alimentam de gêneros ou famílias específicas de plantas (oligofagia3). Figura 1 - Stapelia sp. Ele sabia que animais domésticos são majoritariamente polífagos, mas que características morfológicas das plantas, como a presença de espinhos e dureza foliar, poderiam proteger algumas plantas de ataques. Ele também observou que cavalos não comem crucíferas (família à qual pertence a couve). Sua conclusão foi que “la nature ne semble-t- elle pas nous dire elle même que les sucs des espèces congénères jouissent des propriétés analogues!” e “les sucs secrétés par les plantes du même genre ou de même famille, sont doués des mêmes propriétés alimentaires”, isto é, substâncias encontradas em grupos relacionados (mesma família, mesmo gênero) contêm propriedades similares. A. P. de Candolle estudou principalmente a interação estreita entre borboletas do gênero Pieris (Pieridae) e as plantas que são utilizadas pelas larvas destas borboletas, as crucíferas, sugerindo que as substâncias químicas hoje conhecidas como glucosinolatos estavam envolvidas nesta especificidade. A afirmação feita por de Candolle [4], de que glucosinolatos estariam envolvidos na interação entre borboletas do gênero Pieris e crucíferas, foi confirmada experimentalmente mais de um século depois por Verschaffelt [5]. Este autor provou experimentalmente que a especificidade ao hospedeiro pode ser mediada por substâncias químicas de plantas. Verschaffelt verificou que larvas da borboleta da couve Pieris brassicae e P. rapae alimentavam-se de folhas de plantas não-hospedeiras que tinham sido tratadas com suco de crucíferas, sua planta hospedeira normal. O mesmo efeito era obtido quando plantas não-hospedeiras eram tratadas com uma solução pura de alilglucosinolato. Como a planta hospedeira das larvas de Pieris continham um variedade de glucosinolatos, Verschaffelt [5] concluiu que a larva “era claramente atraída por aquela classe de substâncias”. 1 Monofagia: quando um herbívoro se alimenta de somente uma espécie de planta, mas o termo é usualmente aplicado para incluir espécies que se alimentam de plantas de um único gênero. 2 Polifagia: quando um herbívoro se alimenta de um grande número de plantas de diferentes famílias. 3 Oligofagia: quando um herbívoro se alimenta de plantas de diferentes gêneros dentro de uma mesma família. S u b s t â n c i a s e c o l ó g i c a s Ao longo dos anos 60-70, diversos autores definiram a nomenclatura do papel de substâncias químicas envolvidas nas interações dos organismos [6-8]. O termo normalmente utilizado para estas substâncias é semioquímicos [9,10]. Recentemente, Dicke & Sabelis [11] propuseram o termo infoquímicos, ao invés de semioquímicos, levando C h e m k e y s - L i b e r d a d e p a r a a p r e n d e r Chemkeys. Licenciado sob Creative Commons (BY-NC-SA) glutamina, vulgarmente denominada de volicitina. Este mecanismo foi comprovado recentemente com marcadores isotópicos. Assim como o milho e o feijão do exemplo anterior, outras plantas superiores utilizam diferentes mecanismos e compostos químicos em estratégias de defesa contra herbívoros. Muitas vezes, plantas anuais possuem uma química de defesa diferente das plantas lenhosas perenes, de maneira e também árvores de crescimento rápido podem apresentar defesa química distinta das árvores de crescimento lento. Feeny [31] lançou a hipótese que a defesa química seria distinta em plantas ou partes da planta que pudessem escapar à herbivoria através de um fenômeno temporal (plantas sazonais) e/ou espacial. Para as plantas sazonais, a defesa química seria preferivelmente qualitativa (alcalóides, furocumarinas etc) e de baixo investimento de nutrientes, já que a defesa pode ou não ser necessária. Nas plantas perenes, a defesa deve ser mais eficiente e quantitativamente mais representativa (por exemplo, taninos). Neste caso, o investimento de nutrientes é maior, e outros fatores como solos pobres ou ricos irão influenciar a disponibilidade dessas substâncias, e conseqüentemente a sobrevivência da espécie e sua historia evolutiva. Figura 3 - 4,8-dimetil- 1,3,7-nonatrieno 6. I n t e r a ç õ e s n ã o t r ó f i c a s Como foi citado acima, os infoquímicos entre planta e herbívoros receberam uma atenção especial, entretanto existem outras interações que tem por base o mutualismo. Dentro deste enfoque a polinização mediada por insetos e animais é uma das relações importantes. A comunicação química entre os polinizadores e as flores inicia-se, de forma geral, pelos compostos voláteis liberados, que sinalizam para borboletas, abelhas, moscas, besouros, morcegos a presença de uma recompensa (néctar, resinas, óleos), a qual é retirada pelo animal que poliniza a flor. Por exemplo, as flores de Clusia (Figura 4) produzem aromas (normalmente ricos em mono e sesquiterpenos) que atraem abelhas ou outros insetos, e como recompensa oferecem, frequentemente, uma resina [32], na qual predominam compostos poliisoprenilados cujas estruturas genéricas estão indicadas na Figura 5. Estas resinas [33] são utilizadas pelas abelhas solitárias ou sociais para construção e proteção de seus ninhos. A proteção contra alguns microorganismos foi verificada através da atividade inibidora das resinas no crescimento de diversos microorganismos. Por outro lado, através do isolamento de fungos presentes no corpo de abelhas coletoras da resina, foi possível observar que estas resinas auxiliavam na seleção dos microorganismos em convívio com as abelhas. Assim, os fungos isolados das abelhas são resistentes à ação antimicrobiana das resinas florais, e produzem substâncias bactericidas. Estas últimas observações levam a crer que os fungos isolados são simbiontes e, junto com as resinas, protegem as abelhas do ataque de microorganismos patogênicos. Este é um exemplo onde a química (dos compostos do tipo I e II) está relacionando os reinos Plantae, Animalia e Fungi. Em alguns casos, o sinal químico e a recompensa para os polinizadores são uma mesma substância. Este é o caso dos óleos altamente aromáticos das flores de várias orquídeas e de algumas outras plantas, como recentemente observado em flores de Tovomita (Guttiferae) [34], que são coletados por machos de abelhas da tribo Euglossini (Figura 6). Entretanto, vale aqui uma observação que os exemplos acima podem levar a conclusões errôneas de que essa flores desenvolveram a oferta de resinas com o único propósito de atrairem polinizadores. Foi demonstrado entretanto Figura 4 - Clusia renggerioides masc com abelha coletando resina. Figura 5 - Estruturas genéricas dos compostos encontrados nas resinas de Clusia. C h e m k e y s - L i b e r d a d e p a r a a p r e n d e r Chemkeys. Licenciado sob Creative Commons (BY-NC-SA) por Armbruster [35] que no gênero Dalechampia (Euphorbiaceae), a primeira função das resinas florais (compostas por triterpenos) era de defesa contra herbívoros e/ou micróbios. Mais tarde, com a evolução do gênero, a resina passou a servir de recompensa para polinizadores. Este exemplo demonstra o quão importante é o conhecimento da filogenia do grupo de organismos em estudo. Na ecologia química, é necessário pois, entender a evolução dos compostos químicos, bem como a evolução de sua interação com os animais. Exemplos de infoquímicos que participam de interações não tróficas dentro da água são mais raros, refletindo a maior dificuldade de se estudar as relações entre organismos neste ambiente, uma vez que a diversidade de substâncias no mar e nas lagoas deve ser comparável à terrestre. Um exemplo clássico de infoquímico de ambiente aquático é a (-) - sirenina 7, (Figura 7). Este feromônio sexual quiral é liberado pelos gametas mononucleados femininos dos Allomyces macrogynus (fungo saprófita, presente em água doce, responsável pela degradação de resíduos orgânicos), o qual atrai os gametas masculinos em concentrações de 10-10 M. Somente o isômero levógiro é ativo. Tão logo o gameta masculino se aproxima do gameta feminino, ele destroe a sirenina, cujo nome foi inspirado na mitologia grega, referindo-se às sereias que atraíam os navegadores [36]. Figura 6 - Machos de abelhas da tribo Euglossini coletando óleo de flores de Tovomita (Guttiferae). Figura 7 - (-) sirenina 7. O u t r a s i n t e r a ç õ e s Dentro desse tópico, os estudos de William Fenical (Scripps Institution of Oceanography, San Diego, Estados Unidos) foram de capital importância, e despertaram os pesquisadores do mundo inteiro para as associações complexas entre bactérias marinhas e os outros organismos de ambiente aquático. Foram observadas, entre outras evidências químicas, que ovos e lâminas de camarões e algas, respectivamente, escapam do ataque de bactérias patogênicas através da ação de compostos antibióticos liberados por bactérias simbióticas. Um outro exemplo clássico são os isotiocianatos sesquiterpênicos 8 (Figura 8), sesquestrados por nudibrânquios (moluscos sem carapaça protetora) na dieta alimentar (esponjas das ordens Axinellida, Halicondrida e Lithistida) [37]. As cores aposemáticas sinalizam aos predadores a periculosidade destes organismos. Outro exemplo de substâncias sequestradas que atuam tanto em interações tróficas quanto não tróficas são os alcalóides pirrolizidínicos 9 (Figura 9). Estes compostos do metabolismo secundário de plantas atuam na mediação química de interações ecológicas entre estas, insetos herbívoros e seus inimigos naturais [38-41]. Os APs são encontrados principalmente em Asteraceae (principalmente Eupatorium e Senecio), Boraginaceae (Heliotropium), Leguminosae (Crotalaria) e Apocynaceae (Prestonia e Parsonsia) [42]. Alcalóides pirrolizidínicos ocorrem geralmente como ésteres de uma base necina e um ácido nécico (monoésteres, diésteres de cadeias abertas, diésteres macrocíclicos - sendo que a base necina pode apresentar ou não insaturação na posição 1,2). Um grande número de insetos pertencentes a diversas ordens, como Lepidoptera, Coleoptera, Orthoptera e Homoptera, são conhecidos por seqüestrar APs de plantas [42]. A defesa química devida a APs nestes insetos é bem conhecida contra um grande número de diferentes predadores, incluindo várias aranhas [43-49], formigas [50], lagartos [51] e pássaros [53-54]. Figura 8 - Isotiocianato sesquiterpênico,8. C h e m k e y s - L i b e r d a d e p a r a a p r e n d e r Chemkeys. Licenciado sob Creative Commons (BY-NC-SA) Vasconcellos-Neto e Lewinsohn [42] mostraram que a aranha Nephila clavipes discrimina adultos de borboletas da sub-família Ithomiinae e Danainae, liberando-os ilesos de sua teia. Estes autores sugeriram que a discriminação ocorria devido a substâncias químicas presentes nestes insetos, e Brown [44] mostrou que os responsáveis pela liberação de borboletas Ithomiinae por N. clavipes são os alcaloides pirrolizidinicos (Figura 10). Trigo e Chemin [49], em experimentos de dosagem e estrutura versus atividade anti-predação de APs, verificaram que N-óxidos apresentam uma maior atividade contra Nephila do que as suas respectivas bases livres. Entre os insetos herbívoros, machos de algumas espécies de lepidópteros utilizam estes alcalóides como precursores de feromônios, nos quais a quantidade de feromônios nos machos é um indicativo para fêmeas de que estes estão melhor protegidos contra predadores, uma vez que a quantidade destes feromônios está diretamente relacionada com a quantidade de alcalóides em seus tecidos. Com esse breve relato esperamos ter fornecido aos leitores uma visão da ecologia química e transmitir o quanto deste universo continua sem explicação e Figura 9 - Alcalóide de um alcaloide pirrolizidinico 9. Figura 10 - Borboletas Ithominae visitando flores de Heliotropium, uma planta que contem alcaloides pirrolizidinicos. R e f e r ê n c i a s B i b l i o g r á f i c a s Stiling, P.D., “ Ecology, Theories and Applications” Prentice Hall, New Jersey,1996. Feeny, P.P., “Herbivores. Their interactions with secondary plant metabolites. Vol.II. Ecological and evolutionary processes.”, G. A. Rosenthal, M. R. Berenbaum Eds.). Academic Press, NY,1992. Sprengel, C.K., “Das entdeckte Geheimnis der Natur im Bau und in der Befruchtung der Blumen.”, Friedrich Vieweg Berlim, 1793. de Candolle, P., “Essai. Sur les propriétés médicinales des plantes, compareés avec leurs formes extérieures et leur classification naturelle.”, Didot Jeune, Paris. 1804. Verschaffelt, E., Proc. Acad. Sci. Amsterdam, 1911, 13: 536 Karlson, P.; Lüscher, M., Nature, 1959, 183:155 Sondheimer, E.; Simeone, J.B., (Eds.), “Chemical Ecology”, Academic Press, N. York, 1970. Whittaker, R.H.; Feeny, P.P., Science, 1971, 171: 757 Nordlund, D.A.; Lewis, W.J., J. Chem. Ecol., 1976, 2: 211 Mori, K., J. Eur. Org. Chem., 1998, 1479-1489. Dicke, M.M.; Sabelis, W., Func. Ecol., 1988, 2:131 Hick, A.J.; Luszniak, M.C.; Pickett, J.A., Nat. Prod. Rep. , 1999, 16:39-54 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. aguarda ser desvendado. Muito da nossa dificuldade nesse campo provem do fato dos humanos basearem suas comunicações em sinais visuais e sonoros e poucos sinais químicos, enquanto que a maioria dos outros seres utiliza extensivamente os recursos químicos.