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Guias e Dicas
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Bioetanol de Cana-de-açucar, Manuais, Projetos, Pesquisas de Energia e Meio Ambiente

Livro elaborado pelo BNDES sobre o bioetanol

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 25/01/2010

gustavo-simao-1
gustavo-simao-1 🇧🇷

11 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Bioetanol de Cana-de-açucar e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Energia e Meio Ambiente, somente na Docsity! Bioetanol de Cana-de-Açúcar Energia para o Desenvolvimento C,H;OH Sustentável Coordenação BNDES e CGEE o . O www.bioetanoldecana.org I I-O-r I 12 Edição T-U-r I Rio de Janeiro — Novembro 2008 T ” O no) 11/11/2008 tsaoa | [— | B615b Bioetanol de cana-de-açúcar : energia para o desenvolvimento sustentável / organização BNDES e CGEE. – Rio de Janeiro : BNDES, 2008. 316 p. ISBN: 978-85-87545-24-4 1. Bioenergia. 2. Biocombustível. 3. Bioetanol. 4. Cana-de- açúcar. I. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. II. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. CDD 333.953 Bioetanol-00.indd 2 11/11/2008 15:20:48 Sumário Prefácio 13 Apresentação 17 1 Bioenergia e biocombustíveis 23 1.1 Fundamentos da bioenergia 25 1.2 Evolução da bioenergia e dos biocombustíveis 32 2 Etanol como combustível veicular 39 2.1 Dimensões técnicas e ambientais do uso do etanol 41 2.2 Aspectos econômicos e institucionais do etanol combustível 54 2.3 Cadeias logísticas para o etanol 60 3 Produção de bioetanol 67 3.1 Matérias-primas e tecnologias de produção do bioetanol 69 3.2 Bioetanol de cana-de-açúcar 72 3.3 Bioetanol de milho 83 3.4 Bioetanol de outras matérias-primas 89 3.5 Produtividade, emissões e balanços energéticos 92 4 Co-produtos do bioetanol de cana-de-açúcar 103 4.1 Açúcar e derivados 105 4.2 Bioeletricidade 108 4.3 Outros co-produtos do bioetanol de cana-de-açúcar 118 5 Tecnologias avançadas na agroindústria da cana-de-açúcar 123 5.1 Hidrólise de resíduos lignocelulósicos 125 5.2 Gaseificação para produção de combustíveis e eletricidade 133 5.3 Uso de bioetanol como insumo petroquímico ou alcoolquímico 140 5.4 Produção de plásticos biodegradáveis 143 5.5 Biorrefinaria: múltiplos produtos e uso integral da matéria-prima 146 6 Bioetanol de cana-de-açúcar no Brasil 151 6.1 Evolução do bioetanol combustível no Brasil 153 6.2 Agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil 162 6.3 Pesquisa e desenvolvimento tecnológico 169 7 Sustentabilidade do bioetanol de cana-de-açúcar: a experiência brasileira 179 7.1 Ambiente e energia da cana-de-açúcar 181 7.2 Uso do solo 196 Bioetanol-00.indd 5 11/11/2008 15:20:48 7.3 Viabilidade econômica do bioetanol de cana-de-açúcar 203 7.4 Geração de emprego e renda na agroindústria do bioetanol 209 7.5 Certificação e sustentabilidade na agroindústria do bioetanol 216 8 Perspectivas para um mercado mundial de biocombustíveis 221 8.1 Potencial global para produção de biocombustíveis 223 8.2 Oferta e demanda de biocombustíveis: quadro atual 229 8.3 Projeções para oferta e demanda de bioetanol em 2010–2015 234 8.4 Políticas de suporte e fomento aos biocombustíveis 249 8.5 Conexões entre alimentos e bioenergia 252 8.6 Fatores de indução para um mercado global de bioetanol 264 9 Uma visão de futuro para o bioetanol combustível 271 Anexos 281 Referências 287 Bioetanol-00.indd 6 11/11/2008 15:20:48 Índice de boxes, figuras, gráficos e tabelas Boxes O etanol em motores aeronáuticos 53 As possibilidades do açúcar orgânico 107 Evolução da produção de eletricidade em uma usina brasileira 115 Primeiros passos da etanolquímica no Brasil 142 Melhoramento genético e disponibilidade de cultivares 171 Figuras 1 O processo de fotossíntese 26 2 Pluviosidade média anual 28 3 Rotas tecnológicas para produção de bioenergia 32 4 Solubilidade da água em misturas gasolina/etanol 47 5 Modelo de produção, estoque e demanda de etanol 61 6 Logística da gasolina e do etanol no Brasil 65 7 Rotas tecnológicas para produção de etanol 70 8 Estrutura típica da biomassa da cana 72 9 Distribuição das 350 usinas de processamento de cana-de-açúcar no Brasil 77 10 Diagrama de fluxo da produção de açúcar e bioetanol de cana 79 11 Estrutura típica da biomassa do milho 84 12 Distribuição da produção de milho nos Estados Unidos 85 13 Diagrama de fluxo do processo via úmida para a produção de bioetanol de milho 87 14 Diagrama de fluxo do processo via seca para a produção de bioetanol de milho 88 15 Diagrama do ciclo de vida de um biocombustível 93 16 Análise de sensibilidade para o uso e a relação de energia para o bioetanol de cana-de- açúcar no cenário atual (2005/2006) 97 17 Análise de sensibilidade para as emissões de GEE para o bioetanol de cana-de-açúcar no cenário atual (2005/2006) 98 18 Configuração usual do sistema de co-geração na agroindústria canavieira 110 19 Esquema do processo de produção de etanol por meio da hidrólise da biomassa 126 20 Representação esquemática de um sistema BIG/GT-CC 135 21 Fluxograma geral para produção de metanol, hidrogênio e diesel via gaseificação de biomassa (Fischer-Tropsch) 137 22 Diagrama de fluxo da produção de PHB com base no açúcar da cana 146 23 Ciclo integrado completo agri-biocombustível-biomaterial-bioenergia para tecnologias sustentáveis 147 Bioetanol-00.indd 7 11/11/2008 15:20:48 11 Rendimentos dos co-produtos na via úmida 88 12 Balanço de energia na produção de bioetanol de cana 95 13 Emissões na produção do bioetanol de cana 96 14 Emissões líquidas na produção e no uso do bioetanol de cana 96 15 Balanço de energia e emissões de GEE para o bioetanol de milho nos EUA 100 16 Comparação das diferentes matérias-primas para a produção de bioetanol 101 17 Principais países produtores e exportadores de açúcar para a safra 2006/2007 105 18 Energia elétrica e bagaço excedente em sistemas de co-geração na agroindústria canavieira 112 19 Novos produtos da agroindústria da cana-de-açúcar 120 20 Processos para pré-tratamento da biomassa por hidrólise 127 21 Comparação das diferentes opções para a hidrólise da celulose 128 22 Comparação das estimativas de rendimentos e custos para produção de bioetanol por meio da hidrólise 131 23 Comparação das estimativas de rendimento e custos dos sistemas BIG/GT-CC 136 24 Comparação dos rendimentos e custos para a produção de combustíveis de síntese 139 25 Processos básicos da indústria alcoolquímica 141 26 Impacto da introdução de novas tecnologias na produção de bioetanol 174 27 Expectativas de ganhos de eficiência em processos da produção da bioetanol 174 28 Balanço resumido das emissões de gás carbônico na agroindústria do bioetanol de cana- de-açúcar no Centro-Sul brasileiro 182 29 Efluentes líquidos da agroindústria do bioetanol 185 30 Uso de defensivos agrícolas nas principais culturas no Brasil 187 31 Potencial para produção de cana-de-açúcar no Brasil 201 32 Demanda de áreas para produção de bioetanol visando o mercado global em 2025 203 33 Empregos diretos formais por atividade e região do setor sucroalcooleiro 210 34 Impactos diretos, indiretos e induzidos do processamento de um milhão de toneladas de cana-de-açúcar para a produção de álcool 216 35 Potencial total técnico de produção de bioenergia para diversas regiões e cenários produtivos em 2050 226 36 Potencial de diversas matérias-primas e sistemas produtivos para bioenergia 228 37 Biocombustíveis na oferta total primária de energia 232 38 Participação relativa dos biocombustíveis na oferta total primária de energia 233 39 Capacidade, produção e consumo de bioetanol na União Européia 238 40 Principais objetivos para o desenvolvimento da bioenergia 250 41 Principais instrumentos de políticas energéticas relacionadas à bioenergia 251 42 Coeficientes de correlação simples entre os preços do petróleo e os preços dos produtos diretamente associados aos biocombustíveis, entre janeiro de 1990 e março de 2008 263 Bioetanol-00.indd 10 11/11/2008 15:20:48 Bioetanol-00.indd 11 11/11/2008 15:20:49 H H H C C O H H H H H H C C O H H H C 2H 5O H C 2H 5O H C2H5OH Bioetanol-00.indd 12 11/11/2008 15:20:49 Bioetanol-00.indd 15 11/11/2008 15:20:49 H H H C C O H H H H H H C C O H H H C 2H 5O H C 2H 5O H C2H5OH Bioetanol-00.indd 16 11/11/2008 15:20:49 H H H C C O H H H H H H C C O H H H C2H5OH C 2H 5O H Ap re se nt aç ão O interesse mundial pelo desenvolvimento dos biocombustíveis aumentou a partir de meados da presente década, em virtude de uma preocupação maior com o desenvolvimento de fontes energéticas renováveis e mais limpas, que permitam avançar na superação do atual paradigma, baseado nos combustíveis fósseis. Nesse cenário, destaca-se o Brasil, cujo programa de bioetanol de cana-de-açúcar apresenta resultados interessantes, desde a pesquisa de variedades de cana de maior rendimento até a fabricação de motores que funcionam com qualquer mistura de gasolina e etanol. Compartilhar essa experiência e as lições dela derivadas com o resto do mundo – especialmente com países em desenvolvimento situados em zonas tropicais e subtropicais – foi a principal motivação para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encomendasse ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) a elaboração deste livro. Um interesse similar motivou a colaboração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e do Escritório Regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para a América Latina e o Caribe. Com a elevação dos preços das matérias-primas agrícolas e dos alimentos nos últimos anos, passou-se a questionar se uma das causas importantes para isso não seria a demanda de produtos agrícolas na fabricação de biocombustíveis. Nesse sentido, é crucial fazer a distinção entre os diferentes sistemas de produção dos biocombustíveis, considerando seus aspectos ambientais e energéticos e os possíveis trade- offs com a produção de alimentos. É preciso compreender que os biocombustíveis são bastante diferentes entre si quanto aos impactos e benefícios. Por exemplo, o bioetanol de cana-de-açúcar tem pouco a ver com o bioetanol de trigo ou de milho. Este livro tem como premissa tal distinção e argumenta que, tanto em termos energéticos Bioetanol-00.indd 17 11/11/2008 15:20:49 20 Outros temas relevantes são a proteção intelectual do desenvolvimento biotecnológico e do melhoramento das variedades de cana e as providências para manter a atual vantagem competitiva dos produtores de bioetanol nos países em desenvolvimento. Hoje em dia, está claro que as políticas relacionadas aos biocombustíveis devem ser orientadas por quatro princípios fundamentais: a) orientação para o mercado, de forma a reduzir as distorções nos mercados agrícola e de biocombustíveis e evitar a introdução de novas restrições; b) sustentabilidade ambiental, para buscar o desenvolvimento de biocombustíveis com efeitos positivos líquidos em termos energéticos e diminuição sensível nas emissões de gases de efeito estufa, sob reduzido impacto ambiental no contexto de sua produção; c) promoção do desenvolvimento econômico, valorizando a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação para melhorar a eficiência física e econômica da produção de matérias-primas e sua conversão em biocombustíveis; e d) proteção às populações de baixa renda e melhora na segurança alimentar, a fim de corrigir os problemas criados pelo déficit de alimentos e pela dependência de importações de petróleo dos países mais pobres e com maiores problemas de fome. Considerando essas orientações fundamentais, as instituições envolvidas na preparação deste livro entendem que programas de produção e uso de etanol de cana-de-açúcar, adequadamente desenhados e bem conduzidos, podem contribuir para reforçar positivamente as relações entre os países e promover de modo efetivo o desenvolvimento sustentável em suas sociedades. Luciano Coutinho Presidente, BNDES Lúcia Melo Presidente, CGEE Alicia Bárcena Secretária executiva, Cepal José Graziano da Silva Representante regional da FAO para América Latina e Caribe Bioetanol-00.indd 20 11/11/2008 15:20:49 Luz do sol que a folha traga e traduz em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz... Luz do sol, Caetano Veloso Bioetanol-01.indd 21 11/11/2008 15:21:43 Bioetanol-01.indd 22 11/11/2008 15:21:44 25 1.1 Fundamentos da bioenergia Em sua acepção mais rigorosa, energia é a capacidade de promover mudanças, que se apre- senta em muitas formas, como a energia térmica, a energia elétrica e a energia química, sempre representando um potencial para causar transformações, sejam naturais ou determinadas pelo homem. A energia química é a forma de energia fornecida mediante reações químicas, em que acontece uma mudança de composição, por meio da qual reagentes se convertem em produtos, geralmente com liberação de calor. Por exemplo, a energia química se encontra disponível nos alimentos e nos combustíveis, sendo usada nos processos vitais dos animais e do homem e para mover veículos, entre outros fins. Um caso particular de energia química é a bioenergia, que pode ser definida como toda e qualquer forma de energia associada a formas de energia química acumulada mediante pro- cessos fotossintéticos recentes. Em geral, denomina-se biomassa os recursos naturais que dis- põem de bioenergia e que podem ser processados para fornecer formas bioenergéticas mais elaboradas e adequadas para o uso final. Portanto, seriam exemplos de fontes de bioenergia a lenha e os resíduos de serrarias, o carvão vegetal, o biogás resultante da decomposição anaeróbia de lixo orgânico e outros resíduos agropecuários, bem como os biocombustíveis líquidos, como o bioetanol e o biodiesel, e a bioeletricidade, gerada pela queima de com- bustíveis como o bagaço e a lenha. No amplo contexto da bioenergia, a produção de biocombustíveis líquidos tem sido consi- derada para atender particularmente às necessidades de transporte veicular. Para esses fins, além dos biocombustíveis, ainda não existem, na atualidade, outras alternativas renováveis com maturidade tecnológica e viabilidade econômica suficientes. Os biocombustíveis líqui- dos podem ser utilizados de forma bastante eficiente em motores de combustão interna que equipam os mais diversos veículos automotores e que se classificam basicamente em dois tipos, dependendo da maneira pela qual se inicia a combustão: motores do ciclo Otto, com ignição por centelha, para os quais o biocombustível mais recomendado é o bioetanol; e motores do ciclo Diesel, no qual a ignição é conseguida por compressão e que podem uti- lizar com bom desempenho o biodiesel. Em ambas as situações, os biocombustíveis podem ser usados puros ou misturados com combustíveis convencionais derivados de petróleo. É interessante observar que, nos primeiros anos da indústria automobilística, durante a segunda metade do século XIX, os biocombustíveis representavam a fonte de energia preferencial para os motores de combustão interna, com a adoção do bioetanol, por Henry Ford, e do óleo de amendoim, por Rudolf Diesel. Esses dois produtos foram substituídos, respectivamente, pela gasolina e pelo óleo diesel à medida que os combustíveis derivados de petróleo passaram a ser abundantes e baratos, a partir do início do século passado. Os aspectos técnicos associa- dos ao uso de etanol em motores serão comentados no próximo capítulo. Bioetanol-01.indd 25 11/11/2008 15:21:45 26 Automóvel Ford Modelo A (1896) para etanol puro. Figura 1 – O processo de fotossíntese Água Energia solar O2 CO2 Fonte: Elaboração de Luiz Augusto Horta Nogueira. Bioetanol-01.indd 26 11/11/2008 15:21:46 27 A produção de biomassa, como resultado da reação de fotossíntese, depende essencialmente da energia solar e da presença de água e dióxido de carbono (CO2), desenvolvendo-se nas células vegetais dos estômatos das folhas segundo complexos ciclos que podem ser represen- tados pela expressão a seguir, em que água e gás carbônico se combinam para a formação de uma molécula de glicose, que é um açúcar simples, e oxigênio. 6 H 2 O+6 CO 2 luz solar C 6 H 12 O 6 +6 O 2 ⎯ →⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯ (1) Nessa reação, em termos energéticos, a formação de 1 kg de açúcar corresponde à fixação de cerca de 17,6 MJ (megajoules) de energia solar, equivalente a cerca de meio litro de gasolina. Pelo balanço de massa dessa reação, tem-se que a síntese de 1 kg de glicose con- some cerca de 0,6 kg de água e 1,4 kg de dióxido de carbono, liberando para a atmosfera 1 kg de oxigênio. Naturalmente, essa água representa apenas a parcela utilizada na composição do açúcar, pois durante seu crescimento e, especialmente, durante a fotossíntese, quando ocorre a evapotranspiração, o vegetal necessita de água em volumes centenas de vezes acima da quantidade fixada no produto vegetal. Assim, a condição fundamental para a produção de biomassa e, conseqüentemente, de bioenergia é a disponibilidade de radiação solar, de água e de dióxido de carbono. Entre esses fatores de produção básicos para a produção vegetal, o dióxido de carbono é o menos problemático, pois encontra-se bem distribuído na atmosfera, em concentrações suficientes para as plantas. No entanto, é relevante observar que sua concentração tem mostrado, nas últimas décadas, um preocupante crescimento, principalmente associado ao uso intensivo de combustíveis fósseis, capaz de promover o incremento do efeito estufa na atmosfera terrestre e o conseqüente aquecimento global. Nesse sentido, os bio- combustíveis apresentam duas importantes vantagens: seu uso permite reduzir a emissão de carbono para a atmosfera e, além disso, a produção de biomassa é potencialmente favorecida, dentro de limites e para algumas espécies, pela crescente disponibilidade de dióxido de carbono na atmosfera. Com relação à radiação solar, interessa conhecer qual a fração utilizada pelas plantas e como está disponível no planeta. A fotossíntese se realiza com absorção de luz pela clorofila em faixas específicas do espectro solar, especialmente para os comprimentos de onda entre 400 e 700 nm (nanômetro), região da cor vermelha. Em fisiologia vegetal, essa faixa é chama- da de radiação fotossinteticamente ativa (PAR, do inglês photosynthetically active radiation) e corresponde, aproximadamente, a 50% do total da radiação solar. Com relação à disponibi- lidade da radiação solar, o fator primordial é a latitude, que faz com que as regiões tropicais recebam mais energia solar comparativamente às situadas em latitudes mais altas. De acordo com o Atlas Solarimétrico Brasileiro, uma área de um metro quadrado, situada entre 10° e 15° de latitude sul, na Região Norte do Brasil, recebe, em média, 18,0 MJ/dia, enquanto, para uma latitude entre 20° e 25°, na Região Sul, essa mesma área recebe 16,6 MJ/dia, cerca de 8% menos energia [Cresesb/UFPE/Chesf (2000)]. Também associada à latitude, a tempera- tura ambiente é outro fator que influi diretamente na fotossíntese. Dentro de limites, maiores Bioetanol-01.indd 27 11/11/2008 15:21:46 30 tanto, apenas nas últimas décadas têm sido elucidados os mecanismos bioquímicos que per- mitem ao vegetal sintetizar açúcares e outros produtos químicos, sendo estabelecidas as rotas de fixação do carbono e identificadas suas diferentes fases, que se desenvolvem segundo uma seqüência complexa de reações sucessivas, com diversas bifurcações e compostos instáveis, até a formação de substâncias estáveis, denominadas ciclos fotossintéticos. Tal conhecimento descortina uma nova e importante fronteira de possibilidades para compreender o comporta- mento das plantas e incrementar a produtividade das espécies com potencial bioenergético. Os ciclos fotossintéticos de maior interesse são o ciclo de Calvin, ou ciclo C3, e o ciclo Hatch-Lack, ou ciclo C4, em que a molécula do primeiro produto estável produzido apre- senta, respectivamente, três carbonos (ácido fosfoglicérico) ou quatro carbonos (produtos como oxaloacetato, malato e aspartato) [Hall e Rao (1999)]. Enquanto a maioria das plantas conhecidas utiliza o ciclo C3, em algumas gramíneas tropicais, como cana-de-açúcar, ceva- da e sorgo, foi identificado o ciclo C4. Tal distinção é relevante para o desenvolvimento de sistemas bioenergéticos, em função da grande diferença de produtividade entre tais ciclos em favor do ciclo C4, que apresenta elevada taxa fotossintética de saturação (absorve mais energia solar), ausência de perdas por fotorrespiração, alta eficiência na utilização da água, maior tolerância salina e baixo ponto de compensação para o CO2, ou seja, responde melhor sob menores concentrações desse gás. Em síntese, pode-se afirmar que os vegetais com ciclo C4 são os mais aptos à produção bioenergética. A Tabela 1 apresenta uma comparação de alguns parâmetros de interesse para esses dois ciclos fotossintéticos. Tabela 1 – Parâmetros de desempenho vegetal para os ciclos fotossintéticos Característica Espécies C3 Espécies C4 Razão de transpiração (kg de água evaporada por kg sintetizado) 350 – 1000 150 – 300 Temperatura ótima para fotossíntese (grau C) 15 a 25 25 a 35 Local da fotossíntese Toda a folha Parte externa da folha Resposta à luz Saturada para radiações médias Não-saturada sob radiações elevadas Produtividade anual média (t/ha) ~ 40 60 a 80 Aptidão climática Temperado a tropical Tropical Exemplos Arroz, trigo, soja, todas as frutíferas, oleaginosas e a maioria dos vegetais conhecidos Milho, cana-de- açúcar, sorgo e outras gramíneas tropicais Fonte: Janssens et al. (2007). Bioetanol-01.indd 30 11/11/2008 15:21:47 31 Da radiação solar incidente sobre a Terra, de 178 mil TW (terawatt ou bilhão de quilowatts), estima-se que cerca de 180 TW, ou 0,1%, são utilizados nos processos fotossintéticos, natu- rais ou promovidos pelo homem. Desse modo, em todo o planeta, são produzidos, anual- mente, cerca de 114 bilhões de toneladas de biomassa, em base seca, correspondendo a, aproximadamente, 1,97 bilhão de TJ (terajoule ou bilhão de quilojoules), equivalentes a 314 trilhões de barris de petróleo, cerca de dez mil vezes o atual consumo mundial desse com- bustível fóssil. Nesse contexto, a eficiência média de assimilação da energia solar é inferior a 1%, embora vegetais de maior desempenho, como a cana-de-açúcar, possam atingir 2,5% em média anual [Smil (1991)]. Naturalmente, esses valores servem apenas como referência para a compreensão da magnitude energética da fotossíntese, não havendo sentido em ima- ginar a bioenergia como substituta de todas as formas fósseis de suprimento energético, prin- cipalmente nos países de elevada demanda. Esse crescimento vegetal ocorre, como visto, so- bretudo em formações nativas das regiões tropicais, estimando-se que as atividades agrícolas correspondem a cerca de 6% desse total. É interessante observar que, dependendo do vegetal, a energia solar é fixada em diferentes substâncias e órgãos de acumulação, que determinam as rotas tecnológicas passíveis de se- rem adotadas para sua conversão em biocombustíveis para uso final. Na cana-de-açúcar, por exemplo, as reservas energéticas se localizam principalmente nos colmos, como sacarose, celulose e lignina, sendo tradicionalmente empregadas na produção de bioetanol e baga- ço, mas também as pontas e folhas da cana apresentam crescente interesse, à medida que se desenvolvem processos para a utilização de seu substrato lignocelulósico. Por sua vez, nas árvores e outras espécies lenhosas, o conteúdo energético está essencialmente no fuste (tronco mais galhos), na forma de celulose e lignina, sendo empregado basicamente como lenha. As raízes e tubérculos de plantas como a mandioca e a beterraba acumulam amido e sa carose, enquanto os frutos e as sementes, como o dendê e o milho, acumulam geralmente amido, açúcar e óleos vegetais, de acordo com cada espécie. Além de definirem as rotas tecnológicas mais adequadas para conversão da biomassa em bio- combustíveis, esses aspectos são relevantes para a eficiência global de captação e utilização de energia solar: para a síntese de carboidratos (como celulose e sacarose), o vegetal requer cerca de 60% menos energia do que para a síntese de gorduras ou lipídios [Demeyer et al. (1985)], por unidade de massa de produto final, o que, em princípio, torna as rotas associa- das ao biodiesel comparativamente menos eficientes do que as rotas do bioetanol, com base na sacarose ou na celulose. A Figura 3 apresenta uma síntese das diversas rotas de conversão que podem ser aplicadas para transformar a biomassa em biocombustíveis e calor útil. Além dos processos físicos, pu- ramente mecânicos, para concentração, redução granulométrica, compactação ou redução da umidade da biomassa, são utilizados dois grupos de tecnologias químicas, que alteram a composição da matéria-prima para fornecer produtos mais compatíveis com os usos finais: processos termoquímicos, que empregam matérias-primas com baixa umidade e temperatu- ras elevadas; e processos bioquímicos, desenvolvidos em meios com elevado teor de água e temperaturas próximas à condição ambiente. Bioetanol-01.indd 31 11/11/2008 15:21:47 32 Figura 3 – Rotas tecnológicas para produção de bioenergia Combustão Vapor Gás Gás Óleo Carvão Biogás Turbina a vapor Ciclos combinados, motores Síntese Refino Motor a gás Destilação Esterificação Células a combustível Diesel Etanol Biodiesel Gaseificação Digestão Fermentação Pirólise Liquefação HT Extração (oleaginosas) Conversão termoquímica CALOR ELETRICIDADE COMBUSTÍVEL Conversão bioquímica Fonte: Elaborado com base em Turkenburg et al. (2000), apud Seabra (2008). 1.2 Evolução da bioenergia e dos biocombustíveis A bioenergia, em suas diferentes formas, foi a principal e, em algumas situações, a única for- ma de suprimento energético exógeno utilizada pelo homem ao longo de sua história. Desde as primitivas fogueiras há mais de 500 mil anos, a biomassa lenhosa foi a fonte energética por excelência e cobria as necessidades domésticas de energia para cocção e aquecimento, além de suprir os primitivos sistemas de iluminação, que empregavam gorduras vegetais e animais em candeeiros e velas. Posteriormente e durante milênios, a produção cerâmica e metalúr- gica passou a representar uma demanda importante de bioenergia, consumida em fornos e forjas. Apenas a partir do século XVIII, ocorreu a exaustão das reservas de lenha disponíveis em boa parte da Europa Ocidental e, principalmente, na Inglaterra, um fator determinante para o início da exploração do carvão mineral e que, junto com a máquina a vapor, tornou-se um dos fatos desencadeadores da Revolução Industrial. Não houvesse sido introduzida a energia fóssil, na forma de carvão mineral, disponível em quantidade abundante e com acesso relati- vamente fácil na época, a história moderna certamente teria tido outro percurso. Bioetanol-01.indd 32 11/11/2008 15:21:47 35 Desse modo, os sistemas bioenergéticos apresentam uma marcada dicotomia entre dois gran- des e diferenciados paradigmas. No primeiro caso, encontram-se os sistemas tradicionais, praticados há milhares de anos, nos quais a exploração dos recursos de biomassa se faz em bases extrativistas, sem adequada valoração econômica dos produtos e, em geral, por meio de sistemas de baixa eficiência e menor produtividade, atendendo a necessidades residen- ciais e de indústrias tradicionais. Como exemplos desse quadro, têm-se a utilização de lenha para a cocção doméstica no meio rural, prática comum e sem impactos notáveis, e a danosa produção de carvão vegetal associada ao desmatamento, fadada a desaparecer. Como se- gundo paradigma, encontram-se os sistemas inovadores e modernos de bioenergia, em que a produção ocorre quase sempre em bases comerciais, por meio de tecnologias eficientes, mesmo do ponto de vista ambiental, visando atender às necessidades de energia da moder- na indústria, do setor de transporte e na geração de eletricidade. Para esse caso, podem ser citadas como exemplos as cadeias bioenergéticas do bioetanol de cana-de-açúcar, do bio- diesel de palma ou de sebo, da bioeletricidade produzida com bagaço, licor negro ou lixívia celulósica, entre outras. Essa dupla realidade fica evidenciada no Gráfico 3, em que se relaciona o consumo bioener- gético (essencialmente com base em recursos lenhosos) per capita com a renda per capita para diversos países. Se tomados apenas os pontos claros, correspondentes aos países em de- senvolvimento, onde predominam as formas tradicionais de bioenergia, pode-se afirmar que o crescimento da renda conduz a uma redução da demanda bioenergética ou, dito de outra forma, que o uso da bioenergia é uma característica das nações pobres. Contudo, tal hipótese não se confirma quando se incluem na análise os países industrializados, correspondentes aos pontos escuros, onde, mesmo para rendas elevadas, a demanda de bioenergia pode ser relevante, alcançando níveis superiores aos demais países. Como exemplos notáveis de países de elevado consumo energético e situados em regiões frias, de baixa insolação e, portanto, de baixa produtividade fotossintética, mas que conse- guem produzir sustentavelmente volumes importantes de bioenergia, a Suécia e a Finlândia obtêm da fotossíntese, respectivamente, 19% e 20% de sua demanda energética total [Hall et al. (2005)]. Como outro exemplo notável, estudos dos Departamentos de Energia e Agri- cultura dos Estados Unidos indicam para 2030 uma produção anual de biomassa para fins energéticos e industriais de um bilhão de toneladas (base seca), capaz de reduzir em 30% a demanda prevista de petróleo [DOE/USDA (2005)]. Nesses casos, como na moderna produ- ção de biocombustíveis, a bioenergia é concebida sob modernas tecnologias de produção e conversão, atendendo aos pressupostos de sustentabilidade e sendo reconhecida como uma forma renovável de suprimento energético [FAO (2001)]. Bioetanol-01.indd 35 11/11/2008 15:21:48 36 Gráfico 3 – Contribuição da bioenergia em função da renda per capita Fonte: FAO (1998). Sob tais acepções, cada vez mais a evolução da bioenergia, em escala mundial, aponta para a redução da contribuição das bioenergias tradicionais, a serem mantidas circunscritas às situações de menor impacto, enquanto as bioenergias modernas se expandem, ocupando o espaço das fontes energéticas fósseis. Dessa forma, a bioenergia, progressivamente, deixa de ser considerada uma energia “antiga” e passa a ser reconhecida como uma forma energética moderna, competitiva e adequada, em condições de proporcionar uma nova revolução tec- nológica. Como profetiza Sachs (2007): A bioenergia é apenas uma parte de um conceito mais amplo do que se chama desenvolvimento sustentado, um conceito que se baseia no tripé biodiversidade, biomassa e biotecnologia e que pode servir de alavanca para o lugar que a bio- massa poderá representar nas próximas décadas. Bioetanol-01.indd 36 11/11/2008 15:21:49 Bioetanol-01.indd 37 11/11/2008 15:21:49 | | Boetanorozinas «o tinvzoos 1522 | — 41 2.1 Dimensões técnicas e ambientais do uso do etanol O etanol, ou álcool etílico, é uma substância com fórmula molecular C2H6O, que pode ser utilizada como combustível em motores de combustão interna com ignição por centelha (ciclo Otto) de duas maneiras, basicamente: 1) em misturas de gasolina e etanol anidro; ou 2) como etanol puro, geralmente hidratado. A Tabela 2 sintetiza as principais características do etanol e de uma gasolina típica. Vale observar que essas propriedades não se referem a uma especificação formal, que inclui diversas outras propriedades e parâmetros associados à segurança, ao desempenho, à contaminação e à agressividade química. No caso brasileiro, as especificações, que devem ser atendidas pelos produtores e respeitadas por toda a cadeia de comercialização, são definidas pela Portaria ANP 309/2001, para a gasolina com etanol anidro, e pela Resolução ANP 36/2005, para o etanol anidro e hidratado, denominados, res- pectivamente, álcool etílico anidro combustível (AEAC) e álcool etílico hidratado combustível (AEHC), na legislação brasileira. Segundo essa legislação, considerando teores em massa, o etanol anidro deve conter menos 0,6% de água, enquanto que, para o etanol hidratado, esse teor deve estar entre 6,2% e 7,4%. Expressos como proporção em volume a 20° C, esses va- lores correspondem, respectivamente, a um teor máximo de 0,48% para o etanol anidro e a uma faixa de 4,02% a 4,87% para o etanol hidratado. Tabela 2 – Propriedades da gasolina e do bioetanol Parâmetro Unidade Gasolina Etanol Poder calorífico inferior kJ/kg 43.500 28.225 kJ/litro 32.180 22.350 Densidade kg/litro 0,72 – 0,78 0,792 Octanagem RON (Research Octane Number) – 90 – 100 102 – 130 Octanagem MON (Motor Octane Number) – 80 – 92 89 – 96 Calor latente de vaporização kJ/kg 330 – 400 842 – 930 Relação ar/combustível estequiométrica 14,5 9,0 Pressão de vapor kPa 40 – 65 15 – 17 Temperatura de ignição grau C 220 420 Solubilidade em água % em volume ~ 0 100 Fonte: API (1998) e Goldemberg e Macedo (1994). Bioetanol-02.indd 41 11/11/2008 15:22:17 42 No Brasil, há várias décadas, os únicos combustíveis encontrados em todos os postos de ga- solina para motores de ignição por centelha são: gasolinas regular e premium, com octanagem média (entre os métodos RON e MON) mínima de 87 e 91, respectivamente, ambas sempre com um teor de etanol anidro estabelecido entre 20% e 25%, conforme decisão do governo federal, em- pregadas nos veículos nacionais e importados com motores a gasolina, inclusive os modelos de luxo. etanol hidratado, com uma octanagem média superior a 110, usado em veículos aptos para seu uso, que podem usar motores próprios para esse combustível ou motores flex-fuel, capazes de usar quaisquer misturas de etanol hidratado e gasolina (com 20% a 25% de etanol). O etanol hidratado puro deve ser usado em motores fabricados ou adaptados especifica- mente para esse fim, em particular com a adoção de taxas de compressão mais elevadas, visando utilizar adequadamente a octanagem mais alta do etanol frente à gasolina e obter ganhos de eficiência de 10%. Em outras palavras, a maior octanagem do etanol permite que os motores obtenham mais energia útil do calor do combustível, comparativamente à gaso- lina. Outras modificações devem ser efetuadas no sistema de alimentação de combustível e na ignição, para compensar as diferenças na relação ar-combustível e outras propriedades. Além disso, são requeridas modificações em alguns materiais em contato com o combustível, como tratamento anticorrosivo das superfícies metálicas dos tanques, filtros e bombas de combustível e substituição de tubulações ou adoção de materiais mais compatíveis com o etanol. Atualmente, após décadas de aperfeiçoamento de motores especialmente fabricados para etanol, a tecnologia automotiva está suficientemente desenvolvida para permitir que veículos a etanol puro hidratado tenham desempenho, dirigibilidade, condições de partida a frio e durabilidade absolutamente similares aos motores a gasolina, especialmente em países com invernos moderados. Com a intensa utilização da eletrônica embarcada em sistemas avançados de controle de mistura e de ignição, a partir de 2003 foram lançados comercialmente, no Brasil, veículos com os motores flexíveis (flex-fuel), capazes de utilizar, sem qualquer interferência do moto- rista, gasolina (com 20% a 25% de etanol), etanol hidratado puro ou ainda misturas desses dois combustíveis em qualquer proporção, de acordo com os requisitos de eficiência e di- rigibilidade e atendendo aos limites legais de emissões de gases de escapamento [Joseph Jr. (2007)]. Os veículos equipados com esses motores têm representado a maioria dos veículos novos vendidos no Brasil a partir de 2005 e, desde então, vêm se aperfeiçoando, em termos de desempenho e funcionalidade dos sistemas de partida a frio. Atualmente, existem mais de 60 modelos diferentes, fabricados por dez montadoras de origem americana, européia e japonesa, instaladas no país. Essa concepção de veículo flexível adotada no Brasil permite ao usuário escolher, de acordo com sua conveniência, o combustível que vai usar, desde 100% de etanol hidratado até uma gasolina com 20% a 25% de etanol. Nos Estados Unidos, no − − Bioetanol-02.indd 42 11/11/2008 15:22:17 45 totalmente o chumbo tetraetila e somente adotou o MTBE de modo episódico e localizado, durante os anos 1990. Esses aditivos antidetonantes ainda são empregados em alguns países, mas acarretam problemas ambientais e estão em progressivo desuso. Como se pode observar pelos valores apresentados na Tabela 4, a adição de etanol afeta mais a octanagem RON do que a MON e constata-se, ainda, uma grande influência da composição da gasolina-base e, portanto, de sua octanagem original sobre o incremento da octanagem, devido ao etanol. Como regra geral e de clara importância, quanto mais baixa a octanagem da gasolina-base, mais significativo o ganho devido ao etanol. Tabela 4 – Efeito do bioetanol na octanagem da gasolina-base Composição da gasolina-base Incremento da octanagem com: 5% de bioetanol 10% de bioetanol 15% de bioetanol 20% de bioetanol Aromáticos Olefínicos Saturados MON RON MON RON MON RON MON RON 50 15 35 0,1 0,7 0,3 1,4 0,5 2,2 0,6 2,9 25 25 50 0,4 1,0 0,9 2,1 1,3 3,1 1,8 4,1 15 12 73 1,8 2,3 3,5 4,4 5,1 6,6 6,6 8,6 11 7 82 2,4 2,8 4,6 5,5 6,8 8,1 8,8 10,6 Fonte: Carvalho (2003). Volatilidade Para que um combustível queime corretamente, é necessário que esteja bem misturado com o ar. Portanto, a facilidade de um combustível líquido em vaporizar-se é uma propriedade importante, que afeta diretamente diversos parâmetros de desempenho do veículo, como condições de partidas a frio ou a quente, aceleração, economia de combustível e diluição do óleo lubrificante. Exatamente por isso, os combustíveis derivados de petróleo devem apre- sentar uma composição equilibrada entre frações leves e pesadas, de modo a produzir uma curva de destilação, segundo a qual o produto começa a se vaporizar a temperaturas rela- tivamente mais baixas e termina a temperaturas bem mais elevadas do que a temperatura ambiente. A adição de etanol tende a baixar a curva de destilação, especialmente em sua primeira metade, afetando a chamada temperatura T50, correspondente a 50% da massa evaporada, embora as temperaturas inicial e final de destilação sejam pouco afetadas. Nesse sentido, a adição de etanol é de reduzida importância para o comportamento dos motores. Entretanto, uma propriedade importante e relacionada com a volatilidade – a pressão de vapor – é significativamente afetada pela adição de etanol. A pressão de vapor determina o nível das emissões evaporativas e a possibilidade de ocorrer formação de vapor nas linhas de alimentação de combustível, um problema minorado com a atual adoção de bombas de combustível no tanque, como ocorre na grande maioria dos veículos modernos. É interessan- te constatar que, embora a pressão de vapor da gasolina pura seja superior à do etanol puro, Bioetanol-02.indd 45 11/11/2008 15:22:18 46 como apresentado na Tabela 2, a adição de etanol à gasolina eleva a pressão de vapor da mistura. Esse incremento, tipicamente, apresenta um máximo em torno de 5% em volume de etanol na gasolina, reduzindo-se lentamente à medida que cresce o teor de etanol. A título ilustrativo, pode-se citar o exemplo de uma dada composição de gasolina que, recebendo 5% de etanol, tem sua pressão de vapor elevada para 7 kPa, enquanto, com 10% em volume, essa pressão vai a 6,5 kPa [Furey (1985)]. Esse efeito pode ser corrigido sem dificuldades, ajustando a composição da gasolina-base, de modo a garantir que a mistura cumpra com as especificações. No Brasil e em outros países que têm introduzido etanol na gasolina, a pres- são de vapor tem sido especificada em níveis similares à gasolina pura. Em poucas palavras, o efeito do etanol sobre a pressão de vapor pode ser controlado sem maiores dificuldades. Desempenho Como as misturas gasolina/etanol podem ser adequadamente ajustadas para atender às espe- cificações típicas de uma gasolina pura, não existem, necessariamente, problemas de desem- penho e dirigibilidade, desde que se cumpram os requisitos de qualidade especificados para os combustíveis. No entanto, comparado à gasolina pura, uma gasolina com 10% de etanol necessita de 16,5% mais calor para vaporizar-se totalmente, o que pode ser uma dificuldade real em temperaturas muito baixas [TSB (1998)]. Por outro lado, o maior calor de vaporização da gasolina aditivada com etanol é uma das razões principais para que a eficiência de um motor que utiliza esse combustível aumente entre 1% e 2% em relação ao desempenho com gasolina pura. Desse modo, mesmo que uma gasolina com 10% de etanol contenha 3,3% menos energia por unidade de volume, o efeito final sobre o consumo de combustível é me- nor e depende das condições particulares de uso [Orbital (2002)]. Esse ponto é relevante: em teores de até 10%, o efeito da adição de etanol sobre o consumo dos veículos é inferior à variação de consumo observada entre diferentes motoristas e, para efeitos práticos, um litro de gasolina aditivada com etanol produz praticamente os mesmos efeitos que um litro de gasolina pura [Salih e Andrews (1992) e Brusstar e Bakenhus (2005)]. Já para teores mais elevados, como 25% de etanol, correspondendo a um conteúdo energético em volume 10% inferior, observa-se um aumento médio no consumo da ordem de 3% a 5% sobre a gasolina pura. Esses resultados, confirmados em muitos ensaios de campo, indicam como o etanol, embora apresente menor poder calorífico, permite melhorar a eficiência do motor, graças à menor temperatura na admissão e ao maior volume dos produtos de com- bustão. Com o etanol puro hidratado, esse efeito é ainda mais sensível, desde que o motor seja corretamente adaptado para esse combustível, incrementando sua taxa de compressão: embora apresente um poder calorífico cerca de 40% inferior ao da gasolina, o efeito final nos motores atuais é um consumo de 25% a 30% mais elevado do que a gasolina. A médio prazo, a adoção de conceitos mais avançados de engenharia de motores, como a inje- ção direta de combustível, taxas de compressão mais elevadas e sistemas de turboalimentação inteligentes, poderá trazer ganhos expressivos de consumo específico nos motores a etanol hidra- tado, até mesmo superando os valores obtidos com gasolina pura [Szwarc (2008)]. Bioetanol-02.indd 46 11/11/2008 15:22:18 47 Separação de fases A possibilidade de ocorrer uma separação de fases aquosas em uma mistura etanol/gasolina é, fre- qüentemente, mencionada como um problema para a adoção de etanol combustível. Existe um temor de que, de algum modo, a água seja introduzida com o etanol ou se condense no tanque de combustível de um veículo, ficando separada no fundo e causando problemas para o funcio- namento normal do motor. A rigor, esse problema tende a ser tanto menor quanto maior for a adição de etanol à gasolina. Enquanto a gasolina pura praticamente não absorve água, o etanol anidro tem total afinidade com a água, fazendo com que as misturas gasolina/etanol apresentem uma capacidade de dissolver água diretamente proporcional ao teor alcoólico, como indicado no diagrama ternário apresentado na Figura 4. Quanto mais elevado o teor de etanol na gasolina, mais larga é a faixa que define a região na qual ocorre total solubilidade, como se observa na parte superior do diagrama. Sob temperaturas muito baixas, esse efeito é menos pronunciado, mas, de todo modo, o etanol sempre atua como um co-solvente entre a gasolina e a água, reduzindo os riscos de separação da fase aquosa da gasolina. Figura 4 – Solubilidade da água em misturas gasolina/etanol Etanol 100% Vol. Gasolina 100% Vol. Água 100% Vol.(% de Volume a 24º C) 9 0 8 0 7 0 6 0 6 0 6 0 7 0 8 0 8 0 9 0 9 0 7 0 5 0 1 0 1 0 2 0 2 0 2 0 3 0 3 0 3 0 4 0 4 0 5 0 5 0 4 REGIÃO DE 2 FASES Fonte: CTC (1998). Bioetanol-02.indd 47 11/11/2008 15:22:18 50 Gráfico 4 – Evolução das emissões de veículos novos no Brasil Fonte: Elaborado com base em Ibama (2006). Em alguns estudos, sinaliza-se uma preocupação especial com as emissões de aldeídos asso- ciadas ao uso de etanol. Com efeito, essas substâncias apresentam potencial cancerígeno e podem se apresentar em teores mais elevados no escapamento dos motores que utilizam eta- nol do que naqueles a gasolina pura. Entretanto, os catalisadores – equipamentos instalados nos veículos norte-americanos a partir de 1975 e que passaram a ser progressivamente utili- zados em todos os veículos comercializados em outras regiões do mundo e no Brasil a par tir de 1997 – reduzem esses poluentes a níveis toleráveis, sem agravantes. Atualmente, a emissão média de aldeídos nos veículos novos brasileiros é de 0,014 g/km para os veículos a etanol e 0,002 g/km para os veículos a gasolina (a gasolina de referência para os testes de emissão contém 22% de etanol anidro), índices inferiores ao atual limite de 0,030 g/km estabelecido pela legislação ambiental brasileira, bem como ao futuro limite de 0,020 g/km, que passará a valer em 2009 [Ibama (2006)]. Diversas medições em cidades americanas, comparando a qualidade do ar antes e após a introdução mais massiva de 10% de etanol na gasolina, não indicaram qualquer incremento significativo na concentração atmosférica de aldeídos [An- dersson e Victorinn (1996)]. A rigor, a maior fonte de aldeídos nos contextos urbanos têm sido os motores diesel [Abrantes et al. (2002)] e parecem ser bastante conclusivas as observações de um abrangente estudo desenvolvido na Austrália, segundo o qual a adoção de 10% de etanol na gasolina permite decrescer em 32% as emissões de CO, em 12% as emissões de hidrocarbonetos e em mais de 27% as emissões de aromáticos, reduzindo o risco carcinogê- nico em 24% [Apace (1998)]. Uso do etanol em motores diesel Com relação ao uso de etanol em caminhões e ônibus, é interessante observar que os mesmos fatores que tornam o etanol especialmente apto a ser utilizado em motores com ignição por Bioetanol-02.indd 50 11/11/2008 15:22:19 51 centelha o fazem pouco atrativo para os motores com ignição por compressão (ciclo Diesel), geralmente empregados nesses veículos. Nesse caso, é necessário aditivar o etanol de forma intensa, para reduzir sua octanagem, ampliar sua cetanagem e seu poder lubrificante e, even- tualmente, utilizar co-solventes, o que tem se mostrado pouco viável em termos econômicos. Não obstante, graças aos efeitos ambientais positivos, o uso de etanol em motores diesel oti- mizados para esse biocombustível já é uma realidade, em particular na Suécia, onde, há mais de 18 anos, diversos ônibus em uso regular em Estocolmo vêm utilizando etanol hidratado com cerca de 5% de aditivo em motores diesel [Ethanolbus (2008)]. Os resultados mostrados pelos 600 ônibus operando em oito cidades suecas têm sido estimulantes. Recentemente, foi lançada uma terceira geração de motores comerciais a etanol com 9 litros de deslocamento, 270 CV de potência e uma elevada taxa de compressão (28:1), atendendo às novas normas européias de emissões veiculares (Euro 5) [Scania (2007)], o que motivou um programa pro- movendo o uso do etanol para transporte coletivo em dez metrópoles de todo o mundo, em escala experimental, o Projeto Best (Bioethanol for Sustainable Transport) [Best (2008)]. O uso do etanol em motores diesel tem sido promovido, essencialmente, por seus benefícios ambientais, pois, embora a eficiência térmica com etanol se mantenha similar à do die- sel (aproximadamente 44%), esses motores não permitem utilizar a vantagem de sua maior octanagem e apresentam consumos com etanol 60% superiores ao observado com diesel, por causa da diferença de poderes caloríficos entre esses combustíveis. Ônibus com motor ciclo Diesel a etanol hidratado em Madri. No Brasil, ainda nos anos 1980, desenvolveram-se diversas pesquisas sobre o uso de eta- nol em motores de maior porte, seja aditivando o etanol para uso em motores diesel, seja “ottolizando“ esses motores, isto é, adaptando o sistema de alimentação de combustível e introduzindo sistemas de ignição com centelha, acumulando um razoável acervo de estudos, Bioetanol-02.indd 51 11/11/2008 15:22:19 52 mas sem resultados conclusivos [Sopral (1983)]. Na atualidade, é compreensível o interes- se do próprio setor sucroalcooleiro em desenvolver essa aplicação para o biocombustível que produz. Estima-se que existam hoje cerca de cem mil motores diesel em operação nos caminhões e no maquinário agrícola das usinas brasileiras, que, mediante o uso de etanol substituindo o diesel, poderiam reduzir pela metade as despesas com combustível. Nesse sentido, o emprego de etanol aditivado em motores com injeção eletrônica e elevada taxa de compressão parece ser a tendência predominante [Idea (2008)]. A visão da indústria automobilística e dos usuários Como uma última observação sobre a utilização de etanol como aditivo na gasolina e suas implicações sobre o desempenho e a durabilidade dos motores e veículos, cabe mencionar a Worldwide Fuel Chart (WWFC), um conjunto de especificações para combustíveis veicula- res preparado por associações de fabricantes de automóveis dos Estados Unidos (Alliance of Automobile Manufacturers – Alliance), da Europa (Association des Constructeurs Européens d’Automobiles – ACEA) e do Japão (Japan Automobile Manufacturers Association – Jama) e pela associação de fabricantes de motores Engines Manufacturers Association (EMA), que re- presentam bem a posição da indústria automobilística mundial como uma proposta para os produtores de combustível [Autoalliance (2006)]. Segundo tal proposta, a presença de etanol até 10% é bem aceita como um oxigenante para a gasolina, com recomendação expressa de que seja um produto que cumpra com as especificações de qualidade. Na atualidade, praticamente todos os fabricantes de veículos, independentemente de o eta- nol estar ou não presente na gasolina que será empregada, procuram produzir seus modelos em condições de usar os novos combustíveis. Nessa direção, os manuais do proprietário dos veículos esclarecem as vantagens da presença do etanol na gasolina. Indica-se, por exemplo, que a “Toyota permite o uso de gasolina oxigenada com até 10% de etanol. Esse combustí- vel possibilita um excelente desempenho, reduz as emissões e melhora a qualidade do ar” [Toyota (2007)]. Apesar de o WWFC limitar sua recomendação ao E10, algumas iniciativas internacionais a favor de misturas com 20% de etanol anidro (E20) vêm sendo discutidas. Na Tailândia e no estado norte-americano de Minnesota, por exemplo, pretende-se adotar uma mistura com 20% de etanol. Como resposta a essas tendências, já há modelos sendo comercializados na Tailândia, como o Ford Escape e o Ford Focus, compatíveis com o E20. A Ford reconhece que a experiência acumulada no mercado brasileiro permitiu desenvolver rapidamente as versões para o mercado tailandês. A introdução mais generalizada do etanol como aditivo à gasolina enfrenta ainda sérios pre- conceitos em alguns países onde essa tecnologia poderia ser implementada de modo ime- diato, como uma alternativa energética renovável e um componente importante do desen- volvimento local. Sem bases científicas, são gerados temores entre os consumidores quanto à durabilidade e ao desempenho de seus automóveis, criando uma barreira cultural que deve ser rompida pela informação clara e objetiva aos interessados. A concepção de que o eta- nol é um bom aditivo e um bom combustível, para o consumidor e para a sociedade, está Bioetanol-02.indd 52 11/11/2008 15:22:20 55 ços superiores a tal preço. Naturalmente, essa relação física perde sentido em casos-limite, por exemplo, quando o mercado de açúcar se satura e a possibilidade de reduzir a produção de bioetanol para fabricar mais açúcar se torna pouco atrativa, já que os preços do açúcar tendem a baixar por excesso de oferta. Gráfico 5 – Preço de indiferença do etanol anidro em função do preço do açúcar 50 40 30 20 10 0 0 5 10 15 20 25 30 US$ cent/litro US$ cent/kg Fonte: Elaboração de Luiz Augusto Horta Nogueira. O uso de melaço ou mel esgotado – subproduto da produção de açúcar – na produção de bio- etanol também permite uma análise similar, que favorece, nesse caso, o bioetanol, pois o preço do melaço é sempre inferior ao preço do açúcar. Entretanto, as disponibilidades de melaço são sempre determinadas pela produção de açúcar e podem ser consideradas limitadas pelas necessidades de produção de bioetanol em programas de maior enver- gadura. Com efeito, enquanto, com base no caldo direto, produzem-se mais de 80 litros de bioetanol por tonelada de cana, por meio do melaço esgotado, são produzidas cerca de 12 litros por tonelada de cana processada, além do açúcar fabricado. De todo modo, constata-se que, na maioria dos países latino-americanos com produção açucareira, o melaço poderia constituir uma fonte de bioetanol relevante e precursora para o atendi- mento das necessidades internas de combustível. Por exemplo, nos países centro-ame- ricanos, apenas com o uso do melaço disponível e sem cultivar um hectare adicional de cana, seria possível atender a 22% da demanda de bioetanol necessária para promover a introdução de 10% desse biocombustível na gasolina consumida, totalmente importada por esses países [Horta Nogueira (2004)]. Naturalmente, a essa avaliação da viabilidade da produção de bioetanol, superpõem-se ou- tras considerações, como compromissos e estratégias de mercado. Além disso, deve-se levar em conta a variação que os preços do açúcar têm apresentado em tempos recentes, como, de resto, outras commodities. Outra complicação inescapável tem a ver com a relativa rigidez dos mercados internacionais de açúcar, com um volume apreciável de produto comerciali- Bioetanol-02.indd 55 11/11/2008 15:22:20 56 zado mediante cotas a preços que pouco refletem as pressões de oferta e demanda. Há uma justa expectativa dos países em desenvolvimento de que essas distorções se reduzam pro- gressivamente, introduzindo mais eficiência e realismo no mercado açucareiro. Um estudo recente do Banco Mundial, utilizando diferentes cenários de mercado, apresenta simulações do comportamento dos preços do açúcar caso sejam liberados os mercados, apontando ele- vações de apenas 2,5% frente aos preços médios atuais. As vantagens mais expressivas ocor- rem nos países da América Latina e da África ao sul do Saara [World Bank (2007b)]. Duas referências importantes para os preços internacionais do açúcar são: a) contratos pre- ferenciais com os Estados Unidos, dentro das quotas estabelecidas pelo Departamento de Agricultura norte-americano, com preços determinados pelos Contratos nº 14 da Junta de Comércio de Nova York (New York Board of Trade – NYBOT), e com a Europa, no âmbito dos acordos ACP (Africa, Caribbean and Pacific) e SPS (Special Protocol Sugar), limitados por quotas atribuídas aos países produtores; e b) contratos livres ou de excedentes, que podem seguir os preços dos Contratos nº 5 da Bolsa de Londres ou os Contratos nº 11 da NYBOT. Embora, em ambos os casos, esses contratos definam preços de referência para o comércio internacional, com base em operações realizadas eletronicamente em tais bolsas de merca- dorias, os contratos preferenciais correspondem a preços mais elevados e mercados menores, enquanto os contratos livres representam melhor a realidade do mercado internacional do açúcar. O Gráfico 6 apresenta o comportamento dos preços do açúcar segundo o Contrato nº 11 da NYBOT para os últimos dez anos, quando os preços sofreram expressivas variações, com alguma elevação do preço médio. Gráfico 6 – Preço internacional do açúcar (Contrato no 11 NYBOT) 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 dez/1996 dez/1998 dez/2000 dez/2002 dez/2004 dez/2006 US$/kg Fonte: NYBOT (2008). Tomando os preços do Gráfico 6 e aplicando na expressão anterior, podem ser estimados os preços mínimos de atratividade para o bioetanol, capazes de estimular os produtores a Bioetanol-02.indd 56 11/11/2008 15:22:21 57 utilizar preferencialmente sua matéria-prima na fabricação do biocombustível. Considerando ainda que, em misturas até 10%, um litro de etanol produz o mesmo efeito que um litro de gasolina, como comentado anteriormente, podem-se comparar tais preços de indiferença diretamente com os preços da gasolina (sem tributos, igualmente no atacado) praticados no mercado internacional. O Gráfico 7 apresenta essa comparação, utilizando para o derivado de petróleo o preço livre da gasolina regular na costa do Golfo (U.S. Gulf Coast Conventional Gasoline Regular Spot Price FOB). Gráfico 7 – Preço de indiferença do etanol frente ao açúcar e preço internacional da gasolina Fonte: Calculado com base em NYBOT (2008) e EIA (2008). A diferença entre as curvas do Gráfico 7 evidencia bem como evoluiu a atratividade da pro- dução de bioetanol com base na cana nos últimos dez anos, para ser usado como aditivo em gasolina. Podem ser identificadas claramente duas fases: o período anterior a 2003 e os anos sucessivos a 2003. Na primeira fase, os preços da gasolina ficaram quase sempre abaixo do valor de oportunidade do bioetanol, calculado com base no preço internacional do açúcar. Nesse período, a produção de bioetanol dependeu, em muitas situações, de subsídios que cobrissem esse diferencial de atratividade e que se justificaram pelas reconhecidas exter- nalidades positivas do bioetanol: menores emissões atmosféricas, geração de empregos e redução da dependência externa no suprimento energético. No período seguinte, os preços se aproximam bastante e, salvo alguns meses em que a gasolina esteve mais barata, a fabri- cação de bioetanol passou a ser mais compensadora do que a produção de açúcar a preços Bioetanol-02.indd 57 11/11/2008 15:22:21 60 cessariamente, mais complexos e a formação de preços se sujeita a outros condicionantes e padrões. Por exemplo, dentro de limites, é o preço da gasolina que tem definido o preço do bioetanol no Brasil nos últimos meses, constituindo o teto a ser respeitado pelos produtores interessados em proteger seu mercado consumidor. Esse mercado conta com um crescente número de veículos flexíveis, que poderão migrar para a gasolina caso o preço do bioetanol ao consumidor, por litro, ultrapasse cerca de 70% do preço da gasolina nos postos revende- dores. Por outro lado, o preço do bioetanol também limita a elevação do preço da gasolina, já que os consumidores que, eventualmente, usam gasolina deixarão de fazê-lo caso o bioetanol lhes pareça mais atrativo. Essa arbitragem exercida pelo consumidor leva em conta os custos finais na utilização dos combustíveis, que são, por sua vez, uma conseqüência das diferenças de consumo por quilômetro percorrido, e tem constituído um efetivo estabilizador dos preços dos combustíveis no Brasil, mesmo em tempos de altos preços do barril de petróleo. 2.3 Cadeias logísticas para o etanol Apresentados os condicionantes de ordem técnica e econômica e estabelecido um marco referencial para a promoção do uso do etanol, é interessante comentar os requerimentos de infra-estrutura e logística para sua efetiva implementação. Em muitos países, reconhece-se que o etanol deveria e poderia participar da matriz energética, mas são apontados obstáculos na infra-estrutura e carência de recursos para sua superação. De modo geral, as condições de transporte e armazenamento do etanol, puro ou misturado à gasolina, não são, essencialmente, diferentes das empregadas com os combustíveis derivados de petróleo. Contudo, existem, pelo menos, três fatores particulares e importantes a conside- rar: a sazonalidade da produção de etanol, a dispersão espacial dessa produção e a compati- bilidade dos materiais dos tanques e tubulações que estarão em contato com o etanol e suas misturas. Esses temas serão comentados a seguir, considerando o contexto da agroindústria de etanol com base na cana-de-açúcar. Como não se pode armazenar a cana-de-açúcar por mais do que poucos dias, para a cana colhida manualmente, e apenas por algumas horas, para a cana picada, colhida com máqui- nas, apenas durante os meses de colheita há produção de etanol, produto que, por sua vez, é consumido regularmente ao longo de todo o ano. Em tal contexto, é evidente a importância da duração da safra de cana. São sempre interessantes safras mais longas, que permitem me- lhor utilização da capacidade de produção instalada e menor necessidade de armazenamento para o período de entressafra. Nesse sentido, a produção de bioetanol de milho ou de mandioca (com raspas secas) apresenta vantagens, já que a matéria-prima é armazenável. Em uma modelagem simples das relações entre capacidade de produção, estoques e de- manda de bioetanol, como apresentado na Figura 5, indica-se como ocorrem a formação e o consumo do estoque de entressafra. Nessa figura, a capacidade de produção adicional ao Bioetanol-02.indd 60 11/11/2008 15:22:21 61 consumo para atender à demanda de entressafra associa-se à inclinação de curva de pro- dução durante a safra, sinalizando graficamente o impacto de sua duração. Com base nesse modelo e considerando uma demanda anual de um milhão de metros cúbicos de bioetanol, ao estender as safras de 150 dias para 200 dias, a tancagem exigida para atender a uma de- manda constante se reduziria de 589 mil litros para 452 mil litros, correspondente a uma redução de 23%. Da mesma forma, essa extensão de safra permitiria reduzir a capacidade diária de produção de 6,6 mil litros para 5 mil litros, para atender idêntico mercado. Figura 5 – Modelo de produção, estoque e demanda de etanol Fonte: Elaboração de Luiz Augusto Horta Nogueira. Esses valores são exercícios teóricos. Na realidade, além das variações de produção e deman- da ao longo dos meses, diversos fatores de incerteza, notadamente climáticos, recomendam que se mantenha um estoque de segurança, para enfrentar contingências no abastecimento. Assim, no início da safra, geralmente, existem ainda estoques de bioetanol da safra anterior. Uma forma importante de enfrentar as incertezas no abastecimento de bioetanol destinado à mistura com gasolina é a variação dos teores de bioetanol em função das disponibilidades desse produto, dentro de uma faixa na qual os motores de combustão não apresentarão problemas. Esse procedimento vem sendo usado rotineiramente pelas autoridades brasileiras para a gestão dos estoques de bioetanol, ajustando conforme as necessidades o teor de bio- etanol entre 20% e 25%. Por ser produzido de modo relativamente disperso, com marcada sazonalidade, em unidades situadas na zona rural, susceptível às condições climáticas e devendo ser misturado à gaso- lina, o bioetanol impõe uma infra-estrutura logística mais complexa do que os derivados de petróleo. A movimentação de quantidades importantes desse combustível – com a garantia de qualidade (especialmente o teor de água e impurezas) e sem afetar as instalações que servem também a outros produtos – implica um adequado planejamento e o correto dese- nho dos sistemas e processos, para que exista funcionalidade sob custos toleráveis. Isso não Bioetanol-02.indd 61 11/11/2008 15:22:21 62 configura um desafio muito diferente dos usualmente enfrentados pela agroindústria, em geral, que nesse caso deve somar competências com a área de distribuição de combustíveis. No contexto brasileiro, os estoques de bioetanol mantidos pelas distribuidoras são suficientes para uma ou duas semanas de consumo, sendo repostos regularmente pelos produtores, sem problemas notáveis. É interessante entender como se processam o armazenamento e o transporte de bioetanol no Brasil, onde quase dois milhões de metros cúbicos de produto são movimentados mensal- mente, a partir de mais de 350 unidades produtoras, com um sistema bastante diversificado de modais de transporte e armazenamento intermediário [Cunha (2003)]. Nesse sistema, destacam-se nove terminais de coleta de bioetanol nas principais regiões produtoras (estados de São Paulo, Goiás, Paraná e Sergipe), com uma capacidade total de armazenamento de 90 mil metros cúbicos. O bioetanol das usinas produtoras é recebido por modal rodoviário e despachado através de meios de transporte mais econômicos – que podem ser o ferroviá- rio, o fluvial ou o dutoviário – para os terminais ou as bases primárias das distribuidoras de combustível, onde se realiza a mistura com gasolina. A gasolina com bioetanol é, então, dis- tribuída para as bases secundárias ou diretamente para os 35,5 mil postos revendedores das diversas bandeiras nacionais e multinacionais, empregando novamente diferentes modais de transporte, da forma mais conveniente ou disponível, como sintetizado na Figura 6. Figura 6 – Logística da gasolina e do etanol no Brasil Fonte: Elaboração de Luiz Augusto Horta Nogueira. Mesmo com tal diversidade de opções, 70% do volume de bioetanol comercializado no Brasil (inclusive bioetanol hidratado) é movimentado desde o produtor até as bases primárias e daí aos postos revendedores utilizando somente caminhões-tanque, com capacidade de até 30 mil litros. Nem todo bioetanol anidro é comercializado através dos terminais de coleta, já que uma parte da Bioetanol-02.indd 62 11/11/2008 15:22:21 Bioetanol-02.indd 65 11/11/2008 15:22:22 Bioetanol-03.indd 66 11/11/2008 15:23:29 C ap ítu lo 3 Produção de bioetanol De modo análogo à produção de bebidas alcoólicas, que é normalmente realizada por variadas maneiras, a produção de biocombustíveis com base em matérias-primas vegetais pode ser efetuada por distintas rotas tecnológicas, com diferentes vantagens e limitações. Entre esses portadores de energia solar, o bioetanol se destaca, claramente, por ser a alternativa com maior maturidade e por sua efetiva inserção nas matrizes energéticas de diversos países. Em 2006, o bioetanol representou uma oferta energética igual a cerca de 3% da demanda mundial de gasolina e mais de dez vezes superior à produção de biodiesel no mesmo período [EIA 2008]. Neste capítulo, apresenta-se a produção do bioetanol para as principais matérias-primas e tecnologias. Procura-se oferecer a cada caso uma visão panorâmica das etapas agrícola e industrial, comentando seus condicionantes e os indicadores de produtividade atuais e prospectivos. Assim, serão sucessivamente detalhados os sistemas produtivos do bioetanol de cana-de-açúcar e de milho, que respondem por grande parte da produção mundial, bem como, de um modo mais sucinto, serão abordados os sistemas produtivos do bioetanol de outras matérias-primas, como a mandioca, o trigo, a beterraba e o sorgo. Depois de caracterizadas essas rotas produtivas, apresentam-se algumas recomendações sobre os critérios a considerar na seleção das matérias-primas que podem ser adotadas para a produção de bioetanol, em que se destacam o desempenho global na utilização de recursos naturais (incluindo energia) na conversão de energia solar em biocombustível e a emissão associada de gases de efeito estufa por unidade energética disponível. Valores para esses parâmetros serão apresentados ao final do capítulo para o bioetanol de cana-de-açúcar e o bioetanol de milho. Bioetanol-03.indd 67 11/11/2008 15:23:30 70 tação, o vinho resultante é destilado, assim como no caso da produção com base no amido. A Figura 7 sintetiza as rotas tecnológicas para produção de bioetanol, considerando as diferen- tes matérias-primas de interesse. Observe-se que a produção de bioetanol utilizando celulose ainda está em nível de laboratório e plantas-piloto, ainda sem significado real no contexto energético, com obstáculos tecnológicos e econômicos por superar. Uma comparação entre as diferentes rotas para a produção de bioetanol é apresentada no Gráfico 8, que evidencia como podem ser diferentes os índices de produtividade por uni- dade de área cultivada. Os resultados do gráfico correspondem a lavouras em condições de boa produtividade, que em alguns casos podem implicar elevado uso de insumos, tendo sido tomados da literatura [GPC (2008)] e modificados para o caso da cana e do sorgo, em função das análises apresentadas adiante neste trabalho. As tecnologias industriais implíci- tas no gráfico, para conversão de açúcares e amido em bioetanol, podem ser consideradas maduras e disponíveis, exceto as referentes à hidrólise de materiais lignocelulósicos, ora em desenvolvimento, adotadas para a obtenção de bioetanol da parte celulósica da cana. Para a cana, no Gráfico 8, consideraram-se uma produção de 80 toneladas de cana por hectare, uma produtividade de 85 litros de bioetanol por tonelada de cana processada e a utilização de 30% do bagaço disponível e metade da palha, convertida em bioetanol à razão de 400 litros por tonelada de biomassa celulósica seca. Figura 7 – Rotas tecnológicas para produção de etanol Fonte: Elaboração de Luiz Augusto Horta Nogueira. Bioetanol-03.indd 70 11/11/2008 15:23:30 71 Gráfico 8 – Produtividade média de etanol por área para diferentes culturas Fonte: Modificado de GPC (2008). Dos 51 bilhões de litros de bioetanol produzidos em 2006 [F. O. Licht (2006)], a produção norte-americana, com base no milho, e a brasileira, com base na cana, representaram 70% do total, como mostrado no Gráfico 9 [RFA (2008)]. Por conta dessa enorme importância no contexto dos biocombustíveis, serão discutidas a seguir, com um pouco mais de detalhes, as tecnologias de produção envolvendo cada uma dessas biomassas, incluindo os aspectos agrícolas mais relevantes. Gráfico 9 – Distribuição da produção mundial de etanol em 2006 Fonte: Elaborado com base em RFA (2008). Bioetanol-03.indd 71 11/11/2008 15:23:30 72 3.2 Bioetanol de cana-de-açúcar A cana-de-açúcar é uma planta semiperene com ciclo fotossintético do tipo C4, pertencente ao gênero Saccharum, da família das gramíneas, composta de espécies de gramas altas pe- renes, oriundas de regiões temperadas quentes a tropicais da Ásia, especialmente da Índia. A parte aérea da planta é composta pelos colmos, nos quais se concentra a sacarose, e pelas pontas e folhas, que constituem a palha da cana, como mostrado na Figura 8. Todos esses componentes somados totalizam cerca de 35 toneladas de matéria seca por hectare. Um dos cultivos comerciais de maior importância em todo o mundo, a cana ocupa mais de 20 milhões de hectares, nos quais foram produzidos, aproximadamente, 1.300 milhões de toneladas em 2006/2007, com destaque para o Brasil, que, com uma área plantada de cerca de 7 milhões de hectares, respondeu por cerca de 42% do total produzido. Observe-se que o ano açucareiro, adotado internacionalmente, começa em setembro e termina em agosto do ano seguinte. O Gráfico 10 apresenta os dez principais produtores de cana na safra de 2005 [FAOSTAT (2008a)]. Figura 8 – Estrutura típica da biomassa da cana Fonte: Seabra (2008). Bioetanol-03.indd 72 11/11/2008 15:23:31 75 típicas no Centro-Sul brasileiro (utilizando metade da cana para açúcar e metade para bio- etanol), a aplicação da vinhaça representa cerca de 15 mm a 20 mm em 30% do canavial e praticamente elimina a necessidade da irrigação. Os valores apresentados para aplicação da vinhaça e torta de filtro se referem aos valores recomendados em condições típicas para o Estado de São Paulo, de acordo com a legislação ambiental. (a) (b) Colheita da cana: (a) manual com queima e (b) mecanizada sem queima. O período da colheita da cana varia de acordo com o regime de chuvas, de modo a tornar possíveis as operações de corte e transporte e para permitir alcançar o melhor ponto de maturação e acumulação de açúcares. Na Região Centro-Sul do Brasil, a colheita é de abril a dezembro, enquanto, na Região Nordeste, é realizada de agosto a abril. O sistema tradicional de colheita, ainda utilizado em cerca de 70% das áreas cultivadas com cana-de- açúcar no Brasil, envolve a queima prévia do canavial e o corte manual da cana inteira. Esse procedimento, no entanto, vem sendo aos poucos substituído pela colheita mecanizada da cana crua picada (sem queima), por conta das restrições ambientais às práticas da queima. Com os recentes acordos firmados entre governo e produtores, espera-se que até 2020 toda a cana seja colhida mecanicamente, sem a queima prévia do canavial. Bioetanol-03.indd 75 11/11/2008 15:23:33 76 Tabela 7 – Principais parâmetros agrícolas da cana no Centro-Sul brasileiro Indicador Valor Produtividade 87,1 tc/ha Colheita de cana crua (sem queimar) 30,8% Colheita mecanizada 49,5% Pol % cana (teor de sacarose) 14,22 Fibra % cana (teor de bagaço) 12,73 Fertilizantes P2O5 Cana-planta 120 kg/ha Cana-soca sem vinhaça 25 kg/ha K2O Cana-planta 120 kg/ha Cana-soca sem vinhaça 115 kg/ha Nitrogênio Cana-planta 50 kg/ha Cana-soca com vinhaça 75 kg/ha Cana-soca sem vinhaça 90 kg/ha Calcário 1,9 t/ha (apenas no plantio) Herbicida 2,20 kg/ha (valor recomendado) Inseticida 0,12 kg/ha (valor recomendado) Outros defensivos 0,04 kg/ha Aplicação de torta de filtro 5 t (base seca)/ha Aplicação de vinhaça 140 m3/ha Fonte: Macedo (2005a) e CTC (2005). Bioetanol-03.indd 76 11/11/2008 15:23:34 77 Figura 9 – Distribuição das 350 usinas de processamento de cana-de-açúcar no Brasil Fonte: CGEE (2006). Após o corte, a cana é transportada o mais cedo possível para a usina, a fim de evitar perdas de sacarose. Exceto por poucas empresas que utilizam algum transporte fluvial, o sistema de transporte é baseado em caminhões, com diversas possibilidades – caminhão simples, duplo (Romeu-Julieta), treminhão, rodotrem –, cuja capacidade de carga varia de 15 a 60 tone- ladas. Vale mencionar que, nos últimos anos, a logística da cana, envolvendo as operações integradas de corte, carregamento e transporte, vem passando por uma contínua evolução, com a finalidade de reduzir os custos e diminuir o nível de compactação do solo. Bioetanol-03.indd 77 11/11/2008 15:23:34 80 Desse modo, a produção de bioetanol de cana-de-açúcar pode se basear na fermentação tanto do caldo da cana direto quanto de misturas de caldo e melaço, como é mais freqüen- temente praticada no Brasil. No caso de bioetanol de caldo direto, as primeiras etapas do pro- cesso de fabricação, da recepção da cana ao tratamento inicial do caldo, são semelhantes ao processo de fabricação do açúcar. Em um tratamento mais completo, o caldo passa pela calagem, aquecimento e decantação, assim como no processo do açúcar. Uma vez tratado, o caldo é eva- porado para ajustar sua concentração de açúcares e, eventualmente, é misturado com o melaço, dando origem ao mosto, uma solução açucarada e pronta para ser fermentada. O mosto segue para as dornas de fermentação, onde é adicionado com leveduras (fungos unicelulares da espécie Saccharomyces cerevisae) e fermentado por um período de 8 a 12 horas, dando origem ao vinho (mosto fermentado, com uma concentração de 7% a 10% de álcool). O processo de fermentação mais utilizado nas destilarias do Brasil é o Melle-Boinot, cuja característica principal é a recuperação das leveduras do vinho mediante sua centrifu- gação. Assim, após a fermentação, as leveduras são recuperadas e tratadas para novo uso, enquanto o vinho é enviado para as colunas de destilação. Usina de processamento de cana-de-açúcar no Brasil. Na destilação, o bioetanol é recuperado inicialmente na forma hidratada, com aproximada- mente 96° GL (porcentagem em volume), correspondentes a cerca de 6% de água em peso, deixando a vinhaça ou vinhoto como resíduo, normalmente numa proporção de 10 a 13 litros por litro de bioetanol hidratado produzido. Nesse processo, outras frações líquidas também são separadas, dando origem aos álcoois de segunda e ao óleo fúsel. O bio- etanol hidratado pode ser estocado como produto final ou pode ser enviado para a coluna de desidratação. Mas, como se trata de uma mistura azeotrópica, seus componentes não podem ser separados por uma simples destilação. A tecnologia mais utilizada no Brasil é a desidra- tação pela adição do cicloexano, formando uma mistura azeotrópica ternária, com ponto de Bioetanol-03.indd 80 11/11/2008 15:23:35 81 ebulição inferior ao do bioetanol anidro. Na coluna de desidratação, o cicloexano é adicio- nado no topo, e o bioetanol anidro é retirado no fundo, com aproximadamente 99,7° GL ou 0,4% de água em peso. A mistura ternária retirada do topo é condensada e decantada, enquanto a parte rica em água é enviada à coluna de recuperação de cicloexano. A desidratação do bioetanol ainda pode ser feita por adsorção com peneiras moleculares ou pela destilação extrativa com monoetilenoglicol (MEG), que se destacam pelo menor con- sumo de energia e também pelos custos mais elevados. Por conta das crescentes exigências do mercado externo, diversos produtores de bioetanol no Brasil e em outros países estão optando pelas peneiras moleculares, já que são capazes de produzir um bioetanol anidro livre de contaminantes. A possibilidade de utilizar os açúcares da cana total ou parcialmente para produção de bioe- tanol se configura como uma importante flexibilidade para essa agroindústria, que, em função das condições de preço, demanda existente e perspectivas de mercado, pode arbitrar, dentro de limites, um programa de produção de mínimo custo e máximo benefício econômico. Exa- tamente para aproveitar essa vantagem, diversas usinas brasileiras têm linhas de fabricação de açúcar e bioetanol capazes, cada uma, de processar cerca de 75% do caldo produzido, permitindo uma margem de 50% de capacidade total de processo frente à capacidade de extração das moendas. O uso de água no processo é relativamente alto. Atualmente, nas condições do Centro-Sul brasileiro, a captação está em torno de 1,8 m3 por tonelada de cana processada, mas vem se reduzindo de modo significativo como resultado da implantação de medidas de reuso, que permitem reduzir tanto o nível de captação quanto a disposição de água tratada. Esse aspecto será mais bem analisado no Capítulo 6. Considerando todo o processo de produção de bioetanol de cana, os resíduos consistem na vinhaça (entre 800 a 1.000 litros por tonelada de cana processada para bioetanol), na torta de filtro (aproximadamente 40 kg úmidos por tonelada de cana processada) e nas cinzas das caldeiras [Elia Neto (2007)]. Como comentado, nas plantas brasileiras, tais resíduos são va lorizados e efetivamente constituem subprodutos, que são reciclados e utilizados como fer tilizantes, con- tribuindo para reduzir, de modo significativo, a necessidade de incorporar fertilizantes minerais e evitar a demanda por irrigação nos canaviais. Como a produção do bioetanol envolve uma grande eliminação de água, a demanda de energia é alta, especialmente com respeito à parcela de energia térmica, como mostrado na Tabela 8, elaborada com base em Pizaia (1998). Nessa tabela, a demanda de vapor para o bioetanol hidratado e anidro considerou, respectivamente, a tecnologia convencional com consumo de 3,0 kg a 3,5 kg de vapor por litro de bioetanol hidratado e um processo de destilação azeotrópica com cicloexano, com consumo de 1,5 kg a 2,0 kg de vapor por litro de bioetanol anidro. Com relação à demanda de energia elétrica, há uma pequena variação Bioetanol-03.indd 81 11/11/2008 15:23:36 82 entre os processos, mas todos eles estão próximos do valor apresentado de 12 kWh por to- nelada de cana processada. Tabela 8 – Demanda de energia no processamento da cana Energia Unidade Açúcar Bioetanol hidratado Bioetanol anidro Térmica Como vapor saturado a 1,5 bar (manométrico), para aquecedores, evaporadores e destilaria kg/tc 470-500 370-410 500-580 Mecânica Acionamento dos sistemas de preparo e moagem da cana e motobombas kWh/tc 16 16 16 Elétrica Motores elétricos diversos, iluminação e outras cargas kWh/tc 12 12 12 Fonte: Pizaia (1998). No caso da agroindústria de bioetanol com base na cana, a totalidade da energia consumida no processo pode ser provida por um sistema de produção combinada de calor e potência (sistema de co-geração) instalado na própria usina, utilizando apenas bagaço como fonte de energia. Com efeito, a maioria das usinas de açúcar de cana em todo o mundo produzem gran de parte da energia de que necessitam. No Brasil, particularmente, as usinas são auto-suficien- tes e, com freqüência, ainda conseguem exportar excedentes cada vez mais relevantes de energia elétrica para a rede pública, graças à crescente utilização de equipamentos de melhor desempenho. Mais detalhes sobre a configuração da planta de energia das usinas e seus po- tenciais de geração são discutidos adiante, no Capítulo 4. Quanto aos rendimentos industriais, pode-se dizer que, em geral, uma tonelada de cana utilizada exclusivamente para a produção de açúcar dá origem a cerca de 100 kg de açúcar, além de se poder produzir mais de 20 litros de bioetanol por meio do melaço. Mais especi- ficamente para o contexto brasileiro, considerando os valores médios observados em cerca de 60 usinas do Estado de São Paulo (valores adaptados de CTC, 2005), obtêm-se os dados apresentados na Tabela 9, com as perdas referidas a uma cana média com teor de sacarose de 14%. Com base nesses valores de rendimento, no caso do uso exclusivo para a produção de bioetanol, com uma tonelada de cana é possível obter 86 litros de bioetanol hidratado, ao passo que, quando o objetivo é a produção de açúcar, além de 100 kg desse produto, ainda é possível produzir 23 litros de bioetanol hidratado por tonelada de cana por meio do melaço. Esses últimos valores correspondem a um processo de produção de açúcar com duas massas Bioetanol-03.indd 82 11/11/2008 15:23:36 85 Figura 12 – Distribuição da produção de milho nos Estados Unidos* Fonte: Seabra (2008). * Os números no mapa indicam a contribuição percentual de cada estado. Colheita do milho. A produtividade média americana está em torno de 9 toneladas de grãos por hectare [USDA (2008)]. Na realidade, os grãos representam cerca de 50% da matéria seca da planta, que ainda conta com o colmo, as folhas, a palha e o sabugo [Pordesimo et al. (2004)], totalizando Bioetanol-03.indd 85 11/11/2008 15:23:37 86 cerca de 15 toneladas de matéria seca por hectare. Embora se espere que essa biomassa ve- nha a ser utilizada como alternativa energética, é imprescindível que uma boa parte dela seja mantida no campo após a colheita, a fim de preservar a fertilidade do solo [Blanco-Canqui e Lal (2007)]. Comparado com a cana, o milho demanda uma quantidade significativamente maior de fertilizantes, conforme mostrado na Tabela 10, com resultados ponderados para as áreas com e sem irrigação [Pimentel e Patzek (2005)]. Com relação à água, a demanda total é de cerca de 5,6 mil m3 por hectare, embora menos de 10% da área plantada nos Estados Unidos precise de irrigação [NGCA (2008)]. Tabela 10 – Demanda de fertilizantes e defensivos para a produção de milho nos EUA Insumo Demanda Nitrogênio 153 kg/ha Fósforo 65 kg/ha Potássio 77 kg/ha Calcário 1.120 kg/ha Sementes 21 kg/ha Irrigação (em 10% da área plantada) 8,1 cm/ha Herbicida 6,2 kg/ha Inseticida 2,8 kg/ha Fonte: Pimentel e Patzek (2005). O bioetanol pode ser produzido de milho por meio de dois processos, adotando moagem úmida ou seca. A via úmida era a opção mais comum até os anos 1990, mas, hoje em dia, a via seca se consolidou como o processo mais utilizado para a produção do bioetanol. Apesar de não proporcionar grande variedade de produtos, como no caso úmido, as inúmeras oti- mizações realizadas no processo seco tornaram-no uma opção com custos de investimento e operacionais mais baixos, reduzindo consideravelmente o custo final do bioetanol [Novo- zymes (2002)]. No processo úmido, apresentado na Figura 13, as diferentes frações do grão do milho são separadas, possibilitando a recuperação de diversos produtos, como proteínas, nutrientes, gás carbônico (CO2, utilizado em fábricas de refrigerantes), amido e óleo de milho. Enquanto o óleo de milho é o produto mais valioso, o amido (e, por conseguinte, o bioetanol) é aquele produzido em maior volume, com rendimentos ao redor de 440 litros de bioetanol por tonelada seca de milho, como mostrado na Tabela 11. Já no caso da via seca, o único co-produto do bioetanol é um suplemento protéico para alimentação animal conhecido como DDGS (distillers dried grains with solubles). Nesse pro- cesso, esquematizado na Figura 14, o grão de milho moído é adicionado de água e enzimas Bioetanol-03.indd 86 11/11/2008 15:23:37 87 (alfa-amilase), a fim de promover a hidrólise do amido em cadeias menores de açúcar. Na etapa seguinte, essas cadeias são sacarificadas pela ação da glico-amilase e a solução resul- tante segue para a fermentação. Em algumas unidades, essas operações de liquefação/sacari- ficação sofrem o reciclo de uma parte da vinhaça fina (processo de backsetting) com o intuito de reduzir o pH e prover nutrientes para a fermentação. Figura 13 – Diagrama de fluxo do processo via úmida para a produção de bioetanol de milho Fonte: Wyman (1996). Bioetanol-03.indd 87 11/11/2008 15:23:37 90 cultivos como mandioca, trigo e beterraba açucareira, assim como são freqüentemente men- cionadas as possibilidades do sorgo sacarino. Essas alternativas serão comentadas a seguir. A mandioca (Manihot esculenta) é uma planta originária do Brasil e bastante cultivada em regiões tropicais da África e da Ásia. Além de sua ampla utilização como alimento básico na dieta humana e animal, na Tailândia e na China a mandioca é semi-industrializada para ex- portação (como tapioca) e utilizada localmente para produzir bioetanol para bebidas. Como principais vantagens, apresenta um elevado conteúdo de amido de suas raízes, entre 20% e 30%, associado à rusticidade dos cultivos, à baixa exigência edafoclimática e à possibilidade de produzir ao longo de quase todo o ano. Essas características motivaram tentativas con- cretas para o uso de mandioca durante a primeira fase do Proálcool, o programa brasileiro de bioetanol, nos anos 1970. Entretanto, tais projetos não tiveram êxito, principalmente por causa do preço elevado do bioetanol de mandioca frente ao bioetanol de cana-de-açúcar e das descontinuidades no fornecimento regular de raízes para a indústria. Nos últimos anos, principalmente em países asiáticos, a mandioca tem sido proposta para produção de bioe- tanol combustível [Howeler (2003)] e tem sido efetivamente empregada em destilarias na Tailândia [Koisumi (2008)]. Para a produção de bioetanol, as raízes de mandioca são descascadas, lavadas e moídas, passando então a cozedores e, sucessivamente, aos tanques para sacarificação do amido, em processos similares aos empregados para o bioetanol de milho. Com índices de produtividade industrial semelhantes aos adotados para o milho, uma tonelada de mandioca in natura, com cerca de 25% de amido, permite produzir 170 litros de bioetanol. Nessas condições, consi- derando a produtividade agrícola média encontrada em plantações bem cuidadas no Brasil, em torno de 18 toneladas por hectare [Mandioca Brasileira (2008)], resultaria uma produti- vidade agroindustrial de 3.060 litros de bioetanol por hectare. Além da vinhaça, efluente do processo de destilação, não se identificaram co-produtos de valor significativo nesse processo [Trindade (1985)]. Apesar de seu custo mais elevado que o da mandioca, a batata-doce tam- bém poderia ser processada de forma similar e tem sido avaliada como matéria-prima para a fabricação de bioetanol, com resultados limitados. O trigo (Triticum spp.), outro cultivo fornecedor de amido, tem sido empregado, nos últimos anos, para a produção de bioetanol em alguns países europeus, como Inglaterra e Alemanha, mediante um processo industrial bastante similar ao utilizado para o milho. Nesse caso, a produtividade agrícola e a produtividade industrial típicas são, respectivamente, 7,5 to neladas por hectare e 240 litros de bioetanol por tonelada de grãos processados [LowCVP (2004)], resultando numa produção de 1.800 litros por hectare cultivado. Também como o milho, são produzidos cerca de 320 kg de co-produtos com valor para a alimentação animal por tone- lada de trigo processado. Bastante parecidas com o trigo, as culturas da cevada e do centeio também têm sido adotadas, em pequena escala, para a produção de bioetanol combustível em países da Europa. Entre os cultivos que produzem diretamente açúcar, além da cana, a beterraba açucareira (Beta vulgaris) tem sido utilizada para a fabricação de bioetanol, utilizando o mel residual Bioetanol-03.indd 90 11/11/2008 15:23:38 91 (melaço) sempre disponível na produção industrial de sacarose [Tereos (2006)]. Essa hortali- ça tem uma raiz tuberosa, na qual acumula quantidades elevadas de açúcar, apresentando produtividade entre 50 e 100 toneladas por hectare e teores de sacarose da ordem de 18% [RIRDC (2007)], podendo alcançar índices de produtividade agroindustriais bastante eleva- dos, da ordem de 7.500 litros de bioetanol por hectare cultivado, similares à cana. O proces- samento industrial da beterraba se inicia com sua limpeza e fracionamento em fatias finas, que seguem para um difusor, no qual são, sucessivamente, lavadas em água quente, cedendo seu açúcar. O líquido resultante dessa operação contém aproximadamente 16% de sólidos solúveis extraídos da beterraba, sendo então processado de forma análoga ao caldo de cana, para açúcar ou para bioetanol. Com uma tonelada de tubérculos, são produzidos 86 litros de bioetanol e 51 kg de uma torta fibrosa que pode ser utilizada para alimentação animal [El Sayed et al. (2005)]. Observe-se que, apesar de apresentar elevada produtividade, a beterra- ba depende de energia externa (eletricidade e combustível) para seu processamento. Embora ainda não exista uma produção significativa de bioetanol com base no sorgo sacarino (Sorghum bicolor (L.) Moench), esse cultivo tem sido freqüentemente proposto como uma potencial fonte de matéria-prima. Em particular, a utilização do sorgo para a fabricação de bioetanol poderia ser integrada à agroindústria canavieira, estendendo o período usual de safra com um cultivo mais rústico que a cana e com diversas semelhanças quanto ao proces- samento. Os colmos de sorgo doce podem ser processados em moendas, produzindo um caldo açucarado, com um conteúdo de sacarose inferior ao caldo de cana, que pode, por sua vez, ser submetido a um processo industrial similar para produzir méis e bioetanol. Considerando uma produtividade industrial de 40 litros de bioetanol por tonelada de sor- go processado [Icrisat (2004)] e os valores de produtividade agrícola de 50 toneladas por hectare, observados em áreas plantadas com o cultivar BR 505, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo, visando à produção de bioetanol [Teixeira et al. (1997)], tem-se uma produtividade agroindustrial de 2.500 litros de bioetanol por hectare. Não obstante, o emprego do sorgo ainda apresenta dificuldades que precisam ser superadas antes de sua efetiva adoção, prin- cipalmente sua reduzida resistência à degradação após a colheita, a limitada base de germo- plasma, a pouca adaptabilidade ambiental e a baixa resistência a pragas e doenças [Venturi e Venturi (2003)]. Com efeito, experimentos em usinas paulistas com sorgo, mesmo consorcia- do à cana, não produziram resultados motivadores [Leal (2008)]. Tendo em vista a possível viabilização, em médio prazo, de rotas inovadoras para a produção de bioetanol, especialmente mediante a hidrólise de materiais celulósicos, além das espé- cies silviculturais como o eucalipto e algumas leguminosas arbóreas (em particular, Leucaena spp.), cresce o interesse em gramíneas de rápido crescimento e alta produtividade, como o capim-elefante (Pennisetum purpureum), normalmente utilizado como forrageira no Brasil, e o switchgrass (Panicum virgatum), espécie nativa na América do Norte, que poderiam pro- duzir vários cortes anuais, além do capim alto do gênero Miscanthus, de maior interesse na Europa como fonte de biomassa celulósica. Bioetanol-03.indd 91 11/11/2008 15:23:38 92 Na seleção de um cultivo como fonte de matéria-prima para a fabricação de bioetanol, é imperativo considerar os pressupostos de eficiência, em um sentido amplo. Assim, cabe priorizar os cultivos que minimizem os requerimentos de terra, água e aportes externos de agroquímicos, entre outros aspectos. Além disso (e igualmente relevante), a viabilidade eco- nômica deve ser levada em conta, havendo pouco sentido em propor o uso de cultivos nobres e de bom valor de mercado como fonte de bioenergia. A matéria-prima representa entre 60% e 70% do custo final do bioetanol e a busca de alternativas de baixo custo é fundamental. A existência de co-produtos e subprodutos, de valor alimentício, industrial ou energético, é importante, na medida em que pode conferir uma desejável flexibilidade na produção bioenergética, associando a disponibilidade de biocombustíveis a outras fontes de valor econômico. Outro ponto absolutamente relevante para a adequada seleção de biomassas com potencial para produção de bioetanol é o balanço energético de cada uma delas, ou seja, a relação entre a energia produzida e a demanda de energia direta e indireta para produzir tal ener- gia, sendo mais interessantes os cultivos de alta produtividade e baixa demanda de insumos energéticos exógenos. Esse assunto será tratado no próximo tópico. Desse modo, apesar das perspectivas interessantes de alguns cultivos não-convencionais para produção de bioetanol, é importante ter claro seu caráter inovador e a necessidade de es- tudos agronômicos mais densos para ter seu emprego recomendado de forma extensiva, em boa parte das alternativas. Não obstante a cautela necessária, à medida que avance o conhecimento sobre tais cultivos, a diversificação na oferta de matéria-prima para produ- ção de bioetanol poderá ocorrer em bases consistentes e sustentáveis, eventualmente em nichos particulares de alto interesse, contemplando, por exemplo, cultivos em solos salinos e com baixa exigência de água. Para qualquer cenário, deve ser reiterado que a produção de bioetanol não pode ser considerada substituta da produção agrícola atual, mas uma nova atividade, destinada a utilizar terras marginais em um processo de expansão e diversificação das práticas agrícolas. 3.5 Produtividade, emissões e balanços energéticos Independentemente da biomassa utilizada para sua produção, o principal objetivo do uso do bioetanol como combustível é a substituição de derivados de petróleo, o que permite di- minuir a dependência por tais recursos fósseis e mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Contudo, a extensão em que um biocombustível pode substituir um combustível fóssil depende, essencialmente, da maneira pela qual ele é produzido. Como todas as tecnologias de produção envolvem (direta ou indiretamente) o uso de recursos fósseis, o benefício asso- ciado ao uso de um biocombustível depende da economia efetiva de energia não-renovável que ele proporciona quando comparado ao seu equivalente fóssil. Para o adequado cômputo Bioetanol-03.indd 92 11/11/2008 15:23:38 95 mas de co-geração de 9 MJ/kWh e 7,2 MJ/kWh, respectivamente, para 2005/2006 e 2020, valores compatíveis com as tecnologias disponíveis e em desenvolvimento, que consideram, nesse último caso, a utilização da palha da cana-de-açúcar (40% de recuperação) como com- bustível suplementar ao bagaço em sistemas com turbinas de extração-condensação de alta pressão e processos com consumo reduzido de vapor (340 kg de vapor por tonelada de cana processada) [Macedo et al. (2008)]. Em termos de emissões de gases de efeito estufa, atualmente a produção do bioetanol ani- dro de cana-de-açúcar envolve uma emissão de quase 440 kg CO2eq/m3 de bioetanol, com perspectivas de alguma redução nos próximos anos, como mostrado na Tabela 13. Contudo, quando considerado o seu uso em misturas com gasolina, em teores de 25%, como adotado no Brasil, associado aos efeitos devidos ao uso do bagaço e da eletricidade excedentes, a emissão líquida evitada, resultante da diferença entre as emissões na produção e as emissões evitadas, alcança 1.900 kg CO2eq/m3 de bioetanol, para as condições atuais, e possivelmente chegará a níveis superiores a 2.260 kg CO2eq/m3 de bioetanol, para as condições esperadas para 2020, como apresentado na Tabela 14. Isso ocorre porque, quando se substitui a gasolina pelo bioetanol, toda a emissão associada ao uso do combustível fóssil é mitigada, passando a valer somente as emissões relacionadas com a produção do bioetanol, que, por sua vez, de- pendem da eficiência no uso final desse biocombustível. Para essas avaliações, foi assumido ainda que o bagaço excedente deve substituir óleo combustível em caldeiras e que a energia elétrica produzida na agroindústria do bioetanol passa a ocupar o lugar de energia elétrica gerada com os fatores de emissão médios mundiais (579 e 560 t CO2eq/GWh para 2005 e 2020, respectivamente) [Macedo et al. (2008)]. Tabela 12 – Balanço de energia na produção de bioetanol de cana (MJ/tc) Componente do balanço energético 2005/2006 Cenário 2020 Produção e transporte de cana 210,2 238,0 Produção do bioetanol 23,6 24,0 Input fóssil (total) 233,8 262,0 Bioetanol 1.926,0 2.060,0 Excedente de bagaço 176,0 0,0 Excedente de eletricidade 82,8 972,0 Output renovável (total) 2.185,0 3.032,0 Produção/consumo energético Bioetanol + bagaço 9,0 7,9 Bioetanol + bagaço + eletricidade 9,3 11,6 Fonte: Macedo et al. (2008). Bioetanol-03.indd 95 11/11/2008 15:23:39 96 Tabela 13 – Emissões na produção do bioetanol de cana (kg CO2eq/m3) 2005/2006 Cenário 2020 Bioetanol Hidratado Anidro Hidratado Anidro Emissão total 417 436 330 345 Combustíveis fósseis 201 210 210 219 Queimadas 80 84 0 0 Solo 136 143 120 126 Fonte: Macedo et al. (2008). Tabela 14 – Emissões líquidas na produção e no uso do bioetanol de cana (kg CO2eq/m3) 2005/2006 Cenário 2020 Forma de uso do bioetanol E100 E25 E100 E100-FFV* E25 Emissões evitadas 2.181 2.323 2.763 2.589 2.930 Uso da biomassa excedente 143 150 0 0 0 Excedente de eletricidade 59 62 784 784 819 Uso do bioetanol 1.979 2.111 1.979 1.805 2.111 Emissões líquidas -1.764 -1.886 -2.433 -2.259 -2.585 Fonte: Macedo et al. (2008). * FFV: veículos flexíveis. Vale lembrar que esses resultados se baseiam nas condições médias da amostra de usinas do Centro-Sul brasileiro, dentro da qual podem ocorrer variações dos balanços energéticos conforme são considerados os parâmetros agrícolas e industriais individuais de cada usina. A Figura 16 ilustra a influência individual da variação desses parâmetros sobre o uso de energia nas usinas e sobre a relação de energia (produção/consumo de energia), enquanto a Figura 17 apresenta a sensibilidade das emissões de GEE e das emissões líquidas de GEE, conside- rando os intervalos de variação verificados para essa amostra de usinas. Sob tais limites, esses resultados podem ser considerados característicos para a agroindústria energética baseada na cana-de-açúcar com bons indicadores de desempenho, como praticada em diversos países tropicais com clima favorável a essa cultura. Bioetanol-03.indd 96 11/11/2008 15:23:39 97 Figura 16 – Análise de sensibilidade para o uso e a relação de energia para o bioetanol de cana-de-açúcar no cenário atual (2005/2006) Fonte: Macedo et al. (2008). Bioetanol-03.indd 97 11/11/2008 15:23:39
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