Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Abordagem Clínica e Preventiva, Notas de estudo de Enfermagem

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ? BNDES, através da Área de Desenvolvimento Social, vem aplicando parte dos recursos de seu Fundo Social em projetos da área da saúde materno-infantil. Nesse contexto, o do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de Risco Social, vem Banco apoiou a difusão do Método Canguru de tratamento de prematuros e, no âmbito financiando instituições que prestam atenção extra-hospitalar a crianças com câncer e outras patologias graves.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 17/04/2010

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

4.8

(351)

772 documentos

1 / 158

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Abordagem Clínica e Preventiva e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! ] Vencendo à q = q RA a Desnutrição Abordagem Clínica e Preventiva 2a edição Realização: Em parceria com: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Índice◗ PREFÁCIO – UM TRABALHO EM REDE 8 A Palavra do BNDES 8 A Palavra da AVSI 10 ◗ APRESENTAÇÃO 12 ◗ PARTE 1 – IMPORTâNCIA DA PREvENÇÃO E DO CONTROLE DA DESNUTRIÇÃO ENERgéTICO-PROTéICA PARA A SAúDE INFANTIL – SUA PREvALêNCIA E SUAS CONSEqüêNCIAS 15 ◗ PARTE 2 – UMA qUESTÃO DE MéTODO: AgIR NA PREvENÇÃO E NO CONTROLE DA DESNUTRIÇÃO ENERgéTICO-PROTéICA PARTINDO DA REALIDADE ENCONTRADA 21 Ín d ic e ◗ PARTE 3 – DIAgNóSTICO E AvALIAÇÃO DA DESNUTRIÇÃO ENERgéTICO-PROTéICA 27 1. Antropometria 28 1.1 Principais classificações e índices antropométricos 28 1.2 O acompanhamento do crescimento 39 1.3 O seguimento do crescimento do recém-nascido baixo peso: pequeno para a idade gestacional e prematuro 40 1.4 Baixa estatura: um marcador da desnutrição 44 1.5 O seguimento do crescimento da criança com baixa estatura 45 1.6 Como obter as medidas necessárias para a avaliação do estado nutricional 46 a) Peso b) Estatura 2. Anamnese alimentar 49 3. Quadro clínico 51 3.1 Principais aspectos relacionados com o exame físico 51 3.2 Marasmo e Kwashiorkor: diferenças clínicas, adaptativas e metabólicas 55 3.3 Alterações hormonais na criança desnutrida 59 a) Eixo hormônio do crescimento-somato- medina-c b) Somatomedina-c como marcador do estado nutricional c) Hormônios Tireoidianos d) Metabolismo da glicose e insulina e) Função adrenocortical f) Hormônios reprodutivos 4. Quadro laboratorial 60 4.1 Avaliação protéica 61 a) Albumina sérica b) Transferrina sérica c) Pré-albumina d) Índice Creatinina – Altura e) Balanço nitrogenado f) IGF-1 (fator de crescimento insulina- símile tipo 1) 4.2 Testes Laboratoriais 64 5. O desenvolvimento neuropsicomotor, outros aspectos da história e o exame físico 65 5.1 Condições de vida da criança: a condição socioeconômica e as características familiares 66 5.2 Desenvolvimento neuropsicomotor da criança 67 5.3 Outros dados da anamnese e exame físico 68 ◗ PARTE 4 – PREvENÇÃO E CONTROLE DA DESNUTRIÇÃO ENERgéTICO-PROTéICA 71 6. Alimentação 72 6.1 O aleitamento materno 72 6.2 Como amamentar? 74 6.3 Até quando amamentar a criança? 76 6.4 O desmame 77 6.5 A orientação alimentar 78 6.6 Higiene ambiental e alimentar 79 6.7 A alimentação da criança desnutrida 79 6.8 Erro alimentar, uma causa importante de desnutrição 81 6.9 Educação alimentar: um desafio frente aos novos hábitos alimentares. O respeito às diversas culturas 82 5 A partir desse conhecimento o BNDES optou por continuar acompa- nhando o assunto e apoiar a formação de uma rede que permita a troca BEATRIZ AZEREDO DIRETORA DO BNDES ÁREA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL ÁREA DE INFRA-ESTRUTURA URBANA de experiências e faça circular conhecimentos específicos no campo do combate à des- nutrição infantil. Nesse contexto, apoiou o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) na construção de uma nova unidade de atendimento. Ainda como parte desse apoio, o BNDES disponibilizou recursos para a criação da Rede de Combate à Desnutrição Infantil, tendo em vista a experiência acumulada pelo CREN na intervenção, instituição da metodologia, ensino e pesquisa nessa área. Ao lado dessa atividade, o BNDES apoiou a elaboração, produção e distribuição da presente Coleção Vencendo a Desnutrição, voltada para os profissionais que lidam com a questão em seu cotidiano, como os educadores das creches e dos centros de educação infantil, os agentes comunitários de saúde e os profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, pedagogos, etc. Essa coleção traz também folders educativos para as mães enfo- cando temas como a gravidez, a higiene e a amamentação. A partir do fortalecimento do CREN e da Rede de Combate à Desnutrição Infantil, o BNDES espera estar contribuindo para a melhoria da qualidade da prestação dos serviços de combate à desnutrição infantil no Brasil. O embrião dessa rede será o lançamento do Portal Vencendo a Desnutrição, coordenado pelo CREN com o apoio técnico do Ministério da Saúde e em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, a Pastoral da Criança e a AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional.  No Brasil, a AVSI tem se empenhado na construção de uma rede de centros educativos que buscam responder à necessidade mais urgente do contexto A AVSI – Associação Voluntários para o Serviço Internacional – é uma ONG fundada na Itália na década de 1970, atualmente presente em mais de trinta paí- ses do mundo. Atua em vários estados do Brasil com projetos de desenvolvimento social desde o início da década de 1980. A partir de 1996 a AVSI tornou-se membro do Conselho Econômico e Social da ONU. O encontro com o CREN nasceu da condivisão de uma percepção que não permaneceu teórica, mas se colocou em ação. O mesmo amor pela pessoa e a paixão pelo seu destino que movia a ação do CREN, movia a minha ação com a AVSI. Fiquei fascinado pela idéia de que a desnutrição não seja somente um problema de distribuição e de acesso, mas sim uma questão de educação da pessoa a amar a si mesma e aos outros, principalmente as crianças, e que este amor não é verdadeiro se não é colocado em movimento. E, ainda, que é este movimento que muda o mundo. Não é aceitável que ainda hoje se sofra com a fome. Esta reivindicação permanece árida, ou um modelo ideal e violento se não se torna conhecimento verdadeiro e ação concreta. Dessa forma, a AVSI começou um trabalho juntamente com o CREN, com a certeza de que o amor, que também se transmite através da comida, muda a vida das pessoas e o modo de enfrentar as situações. social de hoje, que é a educação, construindo lugares onde crianças e adolescentes possam ser reconhecidos como pessoas e, por isto, olhados em todos os seus aspectos constitutivos. A PALAVRA DA AVSI Educação nutricional como veículo de civilização: é este o desafio que estamos enfrentando junto com o CREN, conscientes de que isto representa um serviço público à pessoa e não um simples gesto de assistência. 10 O CREN faz parte desta rede, desenvolvendo um trabalho com crianças desnutridas, suas famílias e comunidades em São Paulo, evidenciando que a carência nutricional não é causada simplesmente pela baixa renda, mas por um conjunto de situações desfavoráveis, que chega até à forma de tratamento da pessoa, em particular, da criança. Aquilo que mais chama a atenção no trabalho do CREN é exatamente o fato de que a criança não é olhada parcialmente, ou seja, definida pelo pro- blema da desnutrição, mas é vista como pessoa e, por isto, como ser único e irrepetível, com laços fundamentais, sendo o principal deles a família. A educação alimentar e a educação aos cuidados com a criança investem a truir os traços de sua humanidade destruída. Elas são acompanhadas na aventura da vida por educadores que têm a responsabilidade e o desafio de des- pertar a exigência de um significado para a vida e para a realidade, que permita a retomada da consciência do próprio eu. Estes anos de trabalho compartilhando a vida de cada criança encontrada, le- varam o CREN e a UNIFESP, através do patrocínio do BNDES, em parceria com o Programa Adotei um Sorriso da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e do Instituto Ayrton Senna , a Parmalat do Brasil S/A, e com o apoio técnico da AVSI, a lançar a presente Coleção Vencendo a Desnutrição como instrumento metodológico eficaz e de fácil compreensão para o enfrentamento do grave problema da desnutrição. Este é um sinal de que o empenho com as necessidades encontradas pode se tornar uma resposta com fundamen- tação científica e relevante do ponto de vista social. ALBERTO PIATTI DIRETOR ExECUTIVO DA AVSI família no seu conjunto. Nesse contexto, a tarefa dos pais é valorizada, a fim de restituir solidez ao núcleo familiar e à figura do adulto. A criança e sua família são acolhidas em um lugar que as ajuda a recons- 11 15 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Segundo estimativas mundiais sobre a condição nutricional1, 2, 3, quando iniciamos o novo milênio a desnutrição energético-protéica (DEP) perma- neceu como um dos mais importantes problemas da saúde pública, pois deve haver atualmente em torno de 800 milhões de desnutridos crôni- cos em todo o mundo. Destes, 200 milhões são crianças moderadamente desnutridas e 70 milhões gravemente desnutridas1, 3. No Brasil, três estudos nacionais avaliaram as prevalências da desnutrição em crianças meno- res de 5 anos: o ENDEF – Estudo Nacional da Despesa Familiar (1974)4, a PNSN - Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (1989)5 e a p a r t e 1 Importância da prevenção e do controle da Desnutrição Energético-Protéica para a saúde infantil – sua prevalência e suas conseqüências PNDS – Pesquisa Nacional sobre Demografia de Saúde (1996)6. Nos três estudos, a forma crônica da DEP (alteração da estatura em relação à idade) foi a mais prevalente. As taxas nacionais encontradas para esse tipo de desnutrição foram 32,0% em 1974, 15,4% em 1989 e 10,5% em 19967. Essa redução nas taxas de desnutrição indica que as transformações de ordem econômica, social e demográfica pelas quais No Brasil a forma crônica da DEP (alteração da estatura em relação à idade) é a mais prevalente Sa úd e Pa rt e 1 16 A B O R D A G E M C L Í N I C A passou a sociedade brasileira nas últimas décadas afetaram consideravelmente o perfil nutricional da população. Porém, essa mudança não ocorreu de forma igual durante todo o período, pois a preva- lência da forma crônica caiu 16,6 pontos percentu- ais de 1974 a 1989 e apenas 4,9 pontos percentuais de 1989 a 19967. Outro aspecto a ser considerado é que, apesar desses e de outros estudos realizados nos níveis nacional, regional e municipal, mostrarem tendên- cias decrescentes nas prevalências de déficits nutri- cionais em nosso meio, há discrepância quando se considera o aspecto regional8, 9, pois a prevalência da desnutrição crônica permanece alta nas regi- ões Norte (16,2%) e Nordeste (17,9%)7. Situação similar é encontrada em áreas de baixa renda das grandes cidades da região Sudeste8, 9. Além disso, a melhora ocorrida atingiu a popula- ção de forma desigual, pois os níveis de desnutrição crônica permanecem altos nas populações com menor poder aquisitivo10, 11. Quando se comparam os 20% mais pobres da sociedade brasileira com os 20% mais ricos, vê-se a prevalência da DEP é 2,6 vezes maior nos primeiros do que nos segundos12. De acordo com sua etiologia. a DEP é consi- derada primária quando é de origem nutricional, e secundária quando é causada por doenças não-nutri- cionais, como as cardiopatias, as nefropatias e outras doenças crônicas. A forma primária da DEP é a mais prevalente nos países pobres ou nos setores pobres dos países, ou seja está vinculada substancialmente às baixas condições socioeconômicas dessas populações. Um exemplo dessa afirmação pode ser encontrado nos dados do ENDEF, onde a proporção de crianças com desnutrição aumenta à medida que diminui o poder aquisitivo da família12. A PNSN mostra dados que apontam na mesma direção, pois na população brasileira menor de 10 anos de idade a DEP concen- tra-se nas famílias cuja renda mensal é inferior a dois salários mínimos11. Assim, por expressarem a condi- ção de pobreza das famílias das crianças, os índices de desnutrição na população infantil constituem indicadores sensíveis da situação social do país14, 15. A pobreza não constitui, porém, uma situação ho- mogênea. Seus efeitos são múltiplos e diferenciados, vinculados tanto à educação, à saúde e ao trabalho, quanto à alimentação e a características individuais5. É a interação entre a pobreza (condição socioeconô- mica e familiar), a saúde e a alimentação da criança que conduz ao estado nutricional. A figura 1 apre- senta os diferentes fatores causais da DEP. 1 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O é preciso em primeiro lugar fazer, do modo mais amplo possível, o diagnóstico e a avaliação da desnutrição na comunidade. Em segundo lugar, identificando as populações em maior risco nutricional, devem-se estabelecer medidas de pre- venção e controle em todos os níveis: nas comu- nidades, nas unidades básicas de saúde e creches, e nas unidades de referência e hospitais. 21 A principal preocupação deste livro não será fornecer fórmulas prontas para um trabalho junto às crianças com desnutrição e suas famílias, mas indicar um método de conhecimento e de inter- venção na realidade. Este método permite ao profissional de saúde olhar para a realidade mais atentamente, bem como lhe oferece instrumentos adequados para enfrentar problemas inesperados e novas situações. Todo método indica um caminho em direção a algo. O primeiro passo necessário deste caminho é compreender quem é a criança a ser tratada e p a r t e 2 Uma questão de método: agir na prevenção e no controle da Desnutrição Energético-Protéica partindo da realidade encontrada quem é a pessoa responsável por ela. Isto implica em responder a perguntas como: ◗ Quem é essa pessoa? ◗ A que contexto pertence? ◗ Tem família, amigos, vizinhos, parentes ou instituições ao seu redor? ◗ O que a move? ◗ O que deseja? ◗ Que experiências vive? ◗ Como interpreta a realidade que experimenta? Sa úd e Pa rt e 2 24 A B O R D A G E M C L Í N I C A falta à família. A atuação da equipe de saúde não pode ter como perspectiva reduzir a intervenção à resposta a algo que falta, porque na relação com a criança e sua família percebe que elas são mais do que suas carências. A equipe verifica que mesmo submetida a circunstâncias de privação, sendo ajudada a família tem possibilidades de enfrentá-las e superá-las. O ponto de partida da intervenção, portanto, é algo positivo, algo que a família possui, ou seja, o seu patrimônio 24. Por patrimônio entende-se um conjunto de recursos do qual as pessoas podem dispor para enfrentar suas necessidades e as de seus familiares. Tais recur- sos compõem-se de trabalho, saúde, moradia e habilidades pessoais e relacionais, como relacio- namentos de vizinhança, de amizade, familiares, comunitários e institucionais25. Estruturar uma intervenção a partir do patrimônio26 da pessoa, da família e da comu- nidade significa considerar as potencialidades e os nexos que essas pessoas e essas comunidades estabeleceram na sua história de vida. Compreender o trabalho em saúde a partir do patrimônio implica uma abertura a uma reali- dade mais ampla, que transcende a dificuldade em si, não se restringindo à aplicação de solu- ções previamente concebidas. Tal compreensão permite o gradativo aumento do patrimônio da pessoa em situação de pobreza. Em outras palavras, a ação nasce do que existe, e esse é o princípio que estimula a participação da família nesse processo. Partir do patrimônio significa considerar as potencialidades e os nexos existentes A co n te ce u ... O barraco de Gilda, mãe de uma criança em tratamento no CREN, que mora com dois filhos e a mãe, desabou. Gilda, através de contatos do CREN com algumas entidades, ganhou o material de construção para a reforma e solicitou a ajuda dos vizinhos para resolver seu problema de moradia. A presença dos vizinhos é parte do patrimônio de Gilda. Partir da falta seria ficar esperando a obtenção de recursos financeiros para a reconstrução 25 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O C o n cl u sã oA seguir será exposta a aplicação, por equipes de saúde que atendem crianças desnutridas ou em risco de desnutrição, desse método realista, razoável e com moralidade, apoiado na condivisão e partindo do patrimônio das famílias. Este livro fará a apresentação de experiências de trabalho com a DEP que nasceram dessa abordagem. As considerações teóricas apresentadas, além de sua fundamentação na literatura científica da área da saúde, foram avaliadas tendo como critério essa experiência. da casa. Na maioria das vezes isso conduz a um imobilismo. Tantas vezes, diante de uma criança desnutrida, da sua mãe que parece tão desinteressada e da sua situação econômica de carência extrema, nos sentimos diante de algo que não pode ser resolvido. Partir do patrimônio permite olhar para essa situação buscando encontrar os recursos que nela existem, encontrar um caminho e não ficar parado. Essa atitude do profissional de saúde provoca a mãe a assumir os próprios problemas tendo em conta seu patrimônio, como no caso de Gilda. 2 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O centímetros constitui o percentil 50 (mediana). Isso significa que 50% dos meninos têm uma estatura menor ou igual a esse valor e, 50%, maior ou igual a esse valor. Do mesmo modo, 10% dos meninos têm uma estatura igual ou menor que o percentil 10, o que, na figura, corresponde à estatura de 97,5 cm. Se distribuirmos os dados antropométricos (peso ou estatura) de uma população, a curva obtida é chamada de curva de Gauss (gaussiana) ou normal. Esta curva é simétrica, ou seja, abaixo e acima da média estão 50% das medidas observadas nessa população e, assim, média e mediana são o mesmo ponto central. O escore Z atribui a cada criança afastamen- tos da mediana em unidades de desvio-padrão30. O desvio-padrão indica a que distância a criança está da mediana de peso ou estatura em termos de quilogramas ou centímetros, respectivamente. Por exemplo, um menino com um ano de idade pesando 9,1 kg apresenta um escore Z de -1, ou seja, está um desvio-padrão abaixo da mediana31, pois nessa idade a mediana é 10,2 kg e o desvio-padrão do peso 1,1 kg. Assim, o escore Z pode ser calculado da seguinte forma: O percentil é fixado mediante a comparação de um indivíduo em relação a uma distribuição normal da população de referência, chamado “sistema de classificação em percentis”. Um percentil refere-se à posição do valor medido em relação a todas as medidas da população de referência (100%), ordenadas de acordo com a magnitude (ver figura 2). 90 95 100 105 110 115 Freqüência Percentil 50 = 102,9 cm P50 Percentil 10 = 97,5 cm P10 Estatura (cm) Figura 2: Distribuição de freqüências acumuladas de estatura de meninos aos 4 anos de idade. A figura 2 apresenta uma distribuição de freqüências acumuladas de estatura de meninos aos quatro anos de idade ilustrando o uso de percentis. Nesta figura, uma estatura de 102,9 Valor individual medido - Valor da mediana do padrão de referência Escore Z = Desvio-padrão da população de referência Sa úd e Pa rt e 3 30 A B O R D A G E M C L Í N I C A O índice peso em relação à idade é obtido pela comparação, de acordo com o sexo, do peso observado (o que foi encontrado como medida da criança) com um peso esperado para a idade crono- lógica (o percentil 50 para a idade cronológica). O índice estatura em relação à idade é obtido pela comparação, de acordo com o sexo, entre a estatura observada e a estatura esperada para a idade cronológica (o percentil 50 para a idade cronológica). O índice peso em relação à estatura é obtido comparando-se, de acordo com o sexo, o peso e a estatura observados de duas maneiras: ◗ se tabelas e gráficos que relacionam dire- tamente o peso e a estatura observados estiverem disponíveis, o índice peso/esta- tura pode ser calculado diretamente deles. Compara-se o peso observado com o peso esperado para a estatura (o percentil 50 para a estatura nas tabelas e gráficos que relacio- nam o peso e estatura). Nesse caso deve-se proceder como no exemplo do Gráfico 1: Pa ra le m b ra r Os principais índices antropométricos construídos a partir do peso e da estatura são: o peso em relação à idade, a estatura em relação à idade e o peso em relação à estatura. Gráfico 1: Distribuição de peso para estatura. ◗ se essas tabelas e gráficos não estiverem disponíveis, o índice peso/estatura poderá ser calculado a partir da idade estatura. A idade estatura é a idade que a criança teria se sua estatura estivesse no percentil 50. Compara- se, então, o peso observado ao peso esperado para a idade estatura (o percentil 50 para a idade estatura) e não para a idade cronológi- ca, como no caso do índice peso/idade. 48 52 56 60 64 68 72 2 4 6 8 10 12 Estatura (cm) Pe so (k g) Percentil P50 31 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Exemplo: Para um menino com 6 meses, pesando 6 quilos, medindo 60 centímetros, como se calculam seus índices antropométricos? • peso/idade: comparam-se 6,0 quilos (A) (peso observado) com o peso de referência para 6 meses que é 7, (B) quilos, como pode ser observado no Gráfico 2. • estatura/idade: comparam-se 60,0 centímetros (C) (estatura observada) com a estatura de referência para 6 meses, que é 67 centímetros (D). • para o peso/estatura o primeiro passo é achar a idade estatura: verifica-se que a idade que corresponde a 60 centímetros no percentil 50 é 2/3 meses (E). Assim, • a idade estatura dessa criança é 2/3 meses. • o peso de referência para 2/3 meses é 5,6 quilos (F). • comparam-se 6 quilos (peso observado) com o peso de referência para 2/3 meses, que é 5,6 quilos. Gráfico 2: Percentis de Comprimento para idade e peso para idade 0 a 36 meses: Meninos Fonte: National Center for Health Statistics em colaboração com National Center for Chronic Disease prevention and Health Promotion, EUA (2000). A F CE B+ D+ + Sa úd e Pa rt e 3 34 A B O R D A G E M C L Í N I C A Em 1976, Waterlow34 criou outra classificação, que toma em consideração a estatura esperada para a idade e sua relação com o peso. Essa classificação está apresentada no quadro 2: QUADRO 2 - Classificação do estado nutricional segundo Waterlow34 Estado nutricional Índice peso em relação à estatura Índice estatura em relação à (P/E) - em % idade (E/I) - em % Eutrofia > 90 > 95 Desnutrição atual < ou = 90 >95 Desnutrição crônica < ou = 90 < ou = a 95 Desnutrição pregressa > 90 < ou = a 95 Como entender a classificação: ◗ a criança estará normal se estiver com mais de 90% do índice peso em relação à estatura e com mais de 95% do índice estatura em relação à idade; ◗ a criança estará com desnutrição atual se estiver com 90% ou menos do índice peso em relação à estatura e com mais de 95% do índice estatura em relação à idade; ◗ a criança estará com desnutrição crônica se estiver com 90% ou menos do índice peso em relação à estatura e com 95% ou Fonte: Adaptado de 35 menos do índice estatura em relação à idade; ◗ a criança estará com desnutrição pregressa se estiver com mais de 90% do índice peso em relação à estatura e com 95% ou menos do índice estatura em relação à idade. A criança do exemplo anterior, com 6 kg, 60 cm e 6 meses apresenta-se com desnutrição pregressa segundo Waterlow, conforme o cálculo a seguir: 35 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Essas duas classificações utilizam a porcen- tagem da mediana como medida da desnutrição observada (peso e estatura). O problema, nesse caso, é que, para um mesmo índice (peso/idade ou peso/estatura), o significado de um ponto de corte (80%) varia com a idade e a estatura. Isso acarreta diferentes riscos entre crianças de idades diferentes29. Assim, um peso/idade menor que 80% significa nível de desnutrição muito mais grave para um menor de um ano do que para um escolar. Em função disso criaram-se outros modos de classificação da desnutrição utilizando-se o per- centil ou o escore Z. Essas medidas têm o mesmo significado ao classificar uma criança menor de um ano e um escolar. Em nível clínico, nas unidades de saúde, a utilização do percentil é útil para o acompa- nhamento nutricional de lactentes e de pré- escolares, porque permite uma interpretação imediata. Dois percentis muito utilizados em nosso meio como critérios de classificação são o 10 e o 3 (como aproximação do percentil 2,3). Enquanto o primeiro inclui muitas crian- ças normais entre os desnutridos (falsos posi- tivos), o segundo deixa de fora os desnutridos leves, classificando exclusivamente as formas moderadas e graves (falsos negativos). O atual cartão da criança, utilizado nas unidades básicas de saúde, apresenta os dois percentis (10 e 3) como limite inferior do gráfico. Cabe então ao profissional de saúde, Cálculo de Waterlow da criança exemplo Waterlow P/E = 100 x [6,00 (peso observado)/ 5,6 (peso esperado para a idade estatura e sexo)] = 107% Waterlow E/I = 100 x [60,0 (estatura observada)/ 67 (estatura esperada para a idade cronológica e sexo)] = ,5% Conclusão: a criança do exemplo é desnutrida pregressa Sa úd e Pa rt e 3 36 A B O R D A G E M C L Í N I C A analisando a avaliação antropométrica no conjunto dos dados clínicos, concluir quanto ao estado nutricional da criança. O uso do percentil como critério da classifica- ção antropométrica não é recomendado quando a prevalência de desnutrição grave é alta, porque grande parte da população pode apresentar ín- dices abaixo de percentis extremos, o que torna menos acurada essa classificação29. Outro problema a ser considerado é quanto ao pressuposto de que essas medidas (peso e estatura) sempre têm distribuição gaussia- na. Se um dado tem distribuição gaussiana, como ocorre com a estatura para a idade, o valor do percentil 50 é o mesmo tanto para a média como para a mediana. Por outro lado, para dados com uma distribuição não-normal, o percentil 50 não corresponde à média, mas somente à mediana. Algumas observações da distribuição de dados antropométricos de acordo com o sexo mostram que o peso corporal não tem distribuição normal, mas a curva da distribuição se desloca para a direita28. Nesse caso, o uso do percentil partiria de uma suposição não-verdadeira. Como o significado do índice não varia com a estatura e a idade, o escore Z está sendo mais utilizado atualmente. A Organização Mundial de Saúde em 1995 propôs o nível de corte de -2 escore Z para a classificação de desnutrição energético-protéica33. Ele é muito útil para estu- dos populacionais nos países em desenvolvimento, pois diminui os riscos de falsos positivos, identi- ficando as crianças com maior probabilidade de serem desnutridas (as formas moderadas e graves da DEP)36. A separação entre as formas modera- das e as graves pode ser feita utilizando o ponto de corte -3 escore Z33. Na prática clínica e na atuação na comunida- de é importante, por outro lado, que o profis- sional identifique as crianças com desnutrição leve ou em risco nutricional. A dificuldade da utilização do -2 escore Z, como seu equiva- lente, o percentil 2,3 (ou 3 como no caso do cartão da criança), é que ele não identifica a desnutrição leve. Pesquisas sobre efeitos a lon- go prazo da desnutrição mostram que a identifi- cação das crianças com DEP leve é importante, pois ocorrem conseqüências deletérias também nesse nível de desnutrição28. Para identificar a forma leve pode-se utilizar o ponto de corte -1 escore Z (percentil 16 ou 15)37. Considerando esses três pontos de corte teremos a seguinte classificação: 3 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Recomendamos a uti- lização do NCHS/2000 (encarte) devido ao seu melhoramento matemático, a sua amostra maior e a sua maior diversidade étnica, enquanto não existe um padrão multinacional. ! Recentemente, iniciou-se o uso do padrão NCHS/2000, que difere do NCHS/177 em vários aspectos. As curvas do NCHS/2000 foram traçadas com base em três inquéritos nutricionais feitos nos Estados Unidos: National Health and Nutrition Examination Survey - NHANES I, em 170, NHANES II, em 10 e NHANES III, em 10. Uma das maiores diferenças entre esses padrões diz respeito às curvas para a faixa etária de 0 a 36 meses. O padrão de 177 utilizou para essa faixa etária um estudo feito com crianças caucasianas alimentadas com leite artificial e pertencentes à classe média do sudoeste de Ohio. Essa população não reflete, portanto, a diversidade cultural e racial das várias nações. Outro aspecto é que o NCHS/2000 buscou corrigir as altas prevalências de sobrepeso que a versão anterior apresentava40. O Epiinfo é um pacote estatístico do CDC (responsável pelos padrões NCHS) que permite a classificação do estado nutricional. é de uso público e pode ser encontrado, em inglês, no site www.cdc. gov/epo/epi/epiinfo.htm. O EPIINFO 2000 permite classificar o estado nutricional de crianças e adolescentes (até 20 anos) disponibilizando as duas curvas de referência de 1977 e 2000). ▼ C o n cl u sã o A antropometria apresenta como principal contribuição ao diagnóstico e avaliação nutricionais o fato de ser um dado objetivo, simples, de baixo custo, fornecendo informações sobre a gravidade e “cronicidade” da desnutrição. Seu maior limite está em que a avaliação transversal (uma única medida da criança) não pode ser conclusiva. Para corrigir esse problema recomenda-se a avaliação longitudinal do crescimento, ou seja, o acompanhamento da evolução pôndero-estatural da criança. 1.2 O ACOMPANHAMENTO DO CRESCIMENTO Um modo de tornar mais preciso o dado antropométrico é o acompanhamento da evolu- ção pôndero-estatural. Desse modo, a avaliação do estado nutricional é feita pelo acompanha- mento do crescimento, porque o principal fator de alteração desse é a DEP. Independentemente da classificação inicial da criança, observa-se sua curva em relação às curvas de percentis do gráfico, chamada de canal do crescimento27, 31, 41. Para ela ser válida são necessários no mínimo três Sa úd e Pa rt e 3 40 A B O R D A G E M C L Í N I C A medidas, de tal modo que seja possível traçar-se a curva do crescimento da criança. Genetica- mente, as crianças normais seguem determinado percentil na curva da estatura, que é o seu canal do crescimento. As alterações nesse canal de crescimento deverão determinar no profissional de saúde a preocupação quanto a distúrbios de crescimento, cuja causa mais freqüente em nosso meio é a DEP41. Outro modo de se realizar esse acompanha- mento é através do cálculo da velocidade do crescimento27, 28. Ela permite avaliar a resposta te- rapêutica ou a recuperação nutricional de crianças desnutridas pela mudança nas taxas do crescimen- to. A velocidade do crescimento é calculada de acordo com a seguinte fórmula: Velocidade do crescimento = x2 - x1 t2 - t1 x = peso ou estatura medida; t= tempo de observação O menor intervalo de medida para o cálculo da velocidade do crescimento é 6 meses, sendo ideais os intervalos anuais. Há dois padrões de referência internacionais, um americano e o outro inglês. A dificuldade em sua utilização é a dúvida de que, em função do padrão genético, os dados dessas popu- lações sirvam para a população brasileira28. A seguir serão apresentados os principais aspectos do baixo peso ao nascimento e da baixa estatura, já que essas duas importantes altera- ções da antropometria das crianças estão fre- qüentemente relacionadas com a DEP. 1.3 O SEGUIMENTO DO CRESCIMEN- TO DO RECéM-NASCIDO BAIxO PESO: PEQUENO PARA A IDADE GESTACIO- NAL E PREMATURO42 Entende-se por recém-nascido de baixo peso (RNBP) qualquer criança com peso de nascimento inferior a 2500 gramas, independente- mente da idade gestacional. O peso de nascimento pode, ainda, ser classi- ficado de acordo com a idade gestacional através do uso de curva do crescimento intra-uterino de Lubchenco43. Três categorias foram definidas: • pequeno para idade gestacional (PIG), quando o recém-nascido tiver seu peso ao nascer abaixo do percentil 10 da curva citada; • adequado para idade gestacional (AIG), quando seu peso estiver entre o percentil 10 e 90; • grande para idade gestacional (GIG), quando seu peso estiver acima do percentil 90. 41 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Portanto, o grupo do recém-nascido de baixo peso pode ser heterogêneo. Este paciente pode ser ou uma criança a termo com o peso peque- no para idade gestacional (PIG) ou uma criança prematura com o peso adequado para Idade Gestacional (AIG), ou ainda um recém-nascido pré-termo e pequeno para idade gestacional (PIG). Na prática clínica o termo PIG é utilizado para designar crianças que sofreram desnutrição intra-uterina. Sendo assim, PIG e baixo peso não são sinônimos, pois uma pequena porcentagem dos recém-nascidos que se encontram abaixo do percentil 10 nas curvas do peso não sofreu desnutrição intra-uterina, mas seu peso constitui só uma variação biológica individual. Condições socioeconômicas desfavoráveis, desnutrição energético-protéica materna e doenças crônicas maternas que levam à insuficiência útero-placentária ocasionam o nascimento dessas crianças pequenas para idade gestacional. Dependendo da natureza da agressão e do momento da gestação em que esses danos aconteceram, o grau e as características da desnutrição podem variar. Mais intensas serão as repercussões no com- primento, peso e perímetro cefálico se fatores adversos já atuarem durante a primeira metade O recém-nascido pode ser classificado por sua maturida- de, sendo: • pré-termo, quando tiver idade gestacional abaixo de 37 semanas; • a termo, quando tiver idade gestacional entre 37 a 42 semanas; • pós-termo, com idade gestacional acima de 42 semanas. Gestante sendo pesada Percentis de Peso Intra-uterino Semanas de gestação G ra m as Fonte: 43 meninos meninas CURVA DE CRESCIMENTO INTRA-UTERINO Sa úd e Pa rt e 3 44 A B O R D A G E M C L Í N I C A 1.4 BAIxA ESTATURA: UM MARCADOR DA DESNUTRIÇÃO A estatura é considerada um importante parâmetro para se avaliar a qualidade da vida de uma população, pois sendo um indicador do crescimento linear está vinculado às suas condições econômicas e sociais. Assim, é possível, através de sua medida, acompanhar as mudanças nos padrões econômico, de saúde e de nutrição de uma população. A estatura indicará então, seja a condição nutricional prévia, seja a qualidade da vida de uma comunidade. Relatos científicos evidenciam maior interferência dos fatores ambientais (desnutrição) na estatura final dos indivíduos do que dos fatores genéticos: Historicamente, tem-se observado uma tendência progressiva para o aumento na estatura de indiví- duos que habitam em países industrializados e em alguns países em desenvolvimento. As taxas médias, nas populações européias, variam conforme a idade e o estrato socioeconômico, alcançando em torno de 1,0 a 1,3 cm / década para crianças entre 5 e 10 anos; de 1,9 a 2,5 cm / década durante a adolescência e de 0,6 a 1,0 cm / década no início da idade adulta48. No Brasil, a estatura dos adolescentes aumentou ao redor de 8 cm entre 1975 e 1989, porém ainda permanece com um déficit de aproximadamente 10 cm em relação aos adolescentes norte-americanos49. A interferência do fator genético na determina- ção da estatura final deve ser considerada quando o fator nutricional não for relevante. Em uma aná- lise estratificada no Chile observou-se que o déficit de estatura materna foi associado a um risco 2 vezes maior de déficit de estatura na criança no nível socioeconômico baixo. No estrato social mais elevado esse risco subiu para 4, significando que quando o fator nutricional não é preponderante, a estatura dos pais pode ser um preditor da estatura final dos filhos50. No Brasil, um trabalho realizado com base nos dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição “ “As taxas de mudanças na estatura durante os anos de crescimento refletem de forma acurada o estado de saúde pública de um país e o estado nutricional médio de seus cidadãos”46 “Em populações economicamente desprivilegiadas, o déficit de estatura em adultos também poderia ser usado como um indicador da iniqüidade socio- econômica”.47” 45 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O ! (PNSN) mostrou que o déficit de estatura das crianças está relacionado com o analfabetismo materno com uma estimativa do risco relativo de 17,2 e com a baixa renda familiar com um risco de 11,0 comparando-se com as famílias do estrato social mais elevado51. Assim, a DEP primária por estar associada às precárias condições de vida é a principal causa de alteração do crescimento em nosso meio42, 52, 53. 1.5 O SEGUIMENTO DO CRESCIMENTO DA CRIANÇA COM BAIxA ESTATURA No acompanhamento da evolução da estatura da criança pode ocorrer uma das seguintes situações 41, 52, 53: ◗ desaceleração da curva do crescimento - a criança tem seu percentil de estatura acima do 10 (-1,3 escore Z), mas entre as últimas consultas sua estatura caiu em termos de percentis; ◗ zona de vigilância de crescimento (ZVC) - a criança tem sua estatura entre os percentis 10 e 3 (ou 2,3) (entre -1,3 e -2 escore Z). Estas duas situações indicam uma situação de risco para baixa estatura; ◗ baixa estatura - a criança tem sua estatura abaixo do percentil 3 (ou 2,3) (abaixo do -2 escore Z). No trabalho do CREN tem sido utilizado um nível de corte mais sensível para o diagnóstico da baixa estatura – percentil 5 ou -1,6 escore Z (ver quadro 4). Após a avaliação clínica, o passo seguinte no esclarecimento do diagnóstico da BE é a solicita- ção da idade óssea e a elaboração de um perfil do crescimento. Esse perfil do crescimento pode ser calculado pela comparação da idade óssea com a idade cronológica, a idade peso (idade que a criança teria se o seu peso estivesse no percentil 50) com a idade estatura. No caso da BE por desnutrição, a idade óssea está abaixo da idade cronológica e entre a idade peso e a idade estatura, também chamadas de idade somática53. É importante lembrar que a avaliação da baixa estatura não poderá ser feita exclusivamente pela antropometria, sendo fundamentais a avaliação da situação socioeconômica da família e a rea- lização da uma anamnese alimentar de maneira adequada, conforme serão comentadas em itens específicos a seguir. Sa úd e Pa rt e 3 46 A B O R D A G E M C L Í N I C A prato, e a balança pediátrica eletrônica, portátil com boa sensibilidade e capacidade para 15 kg e variações de 5 gramas, na qual é acoplado um berço de acrílico. Balança pediátrica manual. ! Como a causa mais importante de BE em nosso meio é a DEP, somente depois dessa avaliação (condição socioeconômica e anamnese alimentar) pode-se pensar em BE não nutricional. Isso deve ser considerado mesmo para as crianças em que a baixa estatura está dissociada da pobreza. No CREN, a intervenção alimentar tem permitido a recuperação da estatura mesmo em crianças que nasceram PIG ou cujo canal de crescimento inicialmente era paralelo ao percentil 3. 1.6 COMO OBTER AS MEDIDAS NE- CESSáRIAS PARA A AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL As variáveis coletadas para a avaliação do estado nutricional pela antropometria são o peso (quilogramas), a estatura (comprimento ou altura em centímetros), a idade (meses) e o sexo. a) Peso: Para a aferição do peso de crianças de 0 a 2 anos de idade são utilizadas a balança pediátrica manual com capacidade para 15 kg e variações de 10 gramas, na qual é acoplado um Balança pediátrica eletrônica 4 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O 2. ANAMNESE ALIMENTAR A anamnese alimentar tem como principal con- tribuição ao diagnóstico e ava- liação nutricional a indicação da presença do principal fator de risco, que é uma alimenta- ção deficiente. É utilizada como ativida- de de rotina, consistindo na obtenção de informações qualitativas e quantitativas sobre o consumo e hábitos alimentares do indivíduo. Entre os métodos de anamnese alimentar, o recordatório 24 horas é freqüentemente utilizado, consistindo na obtenção de informações quanti- tativas sobre o consumo alimentar individual ou familiar por um dia. Outros métodos são54: ◗ registro diário do consumo alimentar – consiste no registro quantitativo diário do consumo alimentar pelo próprio indivíduo ou pelo responsável por ele; ◗ pesos e medidas – recomendado pela FAO, consiste em registrar minuciosamente as quantidades de alimentos a serem consu- midos através da pesagem direta do que foi oferecido e do que sobrou; ◗ método do inventário – mais simples que o anterior, consiste em pesar os alimentos exis- tentes no primeiro e no último dia do período investigado; ◗ orçamento familiar – consiste na obtenção de informações sobre os gastos familiares com alimentação e sobre a quantidade e qualidade dos alimentos adquiridos semanalmente, quin- zenalmente ou mensalmente; ◗ freqüência do consumo dos alimentos – utiliza como instrumento de investigação a relação de todos os alimentos básicos que formam o pa- drão alimentar do país, região ou localidade, resultando em informações qualitativas sobre o consumo diário, semanal e mensal; ◗ técnicas combinadas de inquérito dietético – por exemplo, o método do inventário e regis- tro diário do consumo alimentar. Para a anamnese alimentar, um bom método é a coleta da história e freqüência alimentares Atendimento ambulatorial. Sa úd e Pa rt e 3 50 A B O R D A G E M C L Í N I C A Na experiência do CREN tem-se mostrado mais eficiente a anamnese alimentar por meio dos instrumentos de inquérito sobre a freqüência alimentar e a história alimentar, buscando informações referentes ao consumo de alimentos durante a semana e no fim de semana, com o objetivo de avaliar especialmente o comportamento alimentar da criança.! Pergunta-se como costuma ser a alimentação diária da criança.▼ Para isso são preenchidos os seguintes ins- trumentos de inquérito: ◗ História nutricional (Anexo 1), ◗ História alimentar – consumo habitual (Anexo 2), ◗ Freqüência alimentar (Anexo 3). Ao aplicar esses questionários é muito impor- tante o envolvimento do profissional de saúde com a pessoa em atendimento para que ela se sinta livre e relate a real história alimentar da criança. Estas fichas substituem o inquérito recordató- rio 24 horas, pois muitas vezes a mãe tem dificuldade para lembrar o que foi oferecido, ou então não sabe efetivamente o que foi dado à criança durante o período em que não estiveram juntas; ou ainda porque o que se levanta a respei- to da alimentação da criança no dia anterior pode não retratar sua alimentação habitual. A freqüência alimentar é aplicada a cada 6 meses aproximadamente, com o intuito de completar as informações obtidas por meio da História Alimentar. Através desses 3 instrumentos são detectados alguns possíveis erros alimentares que logo em seguida receberão as orientações para correção. Pa ra le m b ra r Dependendo da idade da criança a anamnese é diferenciada. ✓ Se a criança tiver até 30 meses as perguntas giram em torno de como foram o aleitamento materno, o desmame, se precoce ou tardio, e a introdução de novos alimentos. ✓ Acima de 30 meses foca-se a atenção no comportamento alimentar, se a criança come em frente à TV, se come sozinha, se faz suas refeições com a família, etc. Outros aspectos a abordar na anamnese e que se relacionam com a alimentação: hábito intestinal da criança; queixas relacionadas com a 51 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O C o n cl u sã o alimentação ou crescimento; opinião da mãe ou responsável sobre a evolução e a situação atual dos parâmetros de crescimento (peso e estatura); apetite. Esse conjunto de dados permite definir o diagnóstico da alimentação da criança. Deve levar em consideração o estado nutricional da criança, a situação socioeconômica e a disponibilidade de alimentos pela família55. 3. QUADRO CLÍNICO 3.1 PRINCIPAIS ASPECTOS RELACIONADOS COM O ExAME FÍSICO A avaliação clínica do paciente com desnutrição deve ser detalhada e deve procu- rar sinais não só de desnutrição, mas tam- bém de outras doenças como, por exemplo, doenças genéticas, endócrinas e crônicas de outros sistemas orgânicos(respiratórias, cardio- vasculares e outras) que também podem determinar alteração no crescimento da criança. No exame clínico é importante observar as alterações associadas a outros distúrbios nutricionais que podem ou não estar associados à DEP. O Quadro 5 apresenta um conjunto de sinais ou sintomas associados a carências nutricionais específicas, além da desnutrição. Apresenta, também, outro conjunto de sinais ou sintomas associados a alterações nutricionais por excesso de consumo. A anamnese alimentar tem como principal contribuição ao diagnóstico e avaliação nutricional a indicação da presença do principal fator de risco, que é uma alimentação deficiente. Porém, a anamnese alimentar depende da coleta de informações junto à mãe ou responsável pela criança, o que muitas vezes pode conduzir a erros por se basear na recordação, sujeita a falhas de lembrança, além de envolver aspectos subjetivos do relacionamento entre o entrevistador e o entrevistado. Para contornar essa situação o profissional precisa conquistar a confiança da mãe ou responsável, estabelecendo um vínculo e fazendo-o entender a importância dessa atividade para a recuperação da saúde da criança. Sa úd e Pa rt e 3 54 A B O R D A G E M C L Í N I C A Em geral, a primeira alteração no início da desnutrição é a desaceleração ou perda do peso corporal para a idade ou para a estatura. Se a alteração nutricional se prolongar haverá desa- celeração ou até parada do crescimento (estatu- ra). Com o prolongamento do processo, outros sinais e sintomas surgirão, dependendo das carências agregadas ou intercorrências, como as infecções, até serem alcançados os quadros mais graves, que são o kwashiorkor ou o marasmo. Esses sinais clínicos variarão de acordo com a forma de desnutrição, se kwashiorkor, marasmo ou forma mista. QUADRO 5: (continuação) Aparência Normal Sinais associados Doença possível ou à desnutrição deficiências de observados no paciente nutrientes Sistema Estabilidade Alterações psicomotoras Tiamina nervoso psicológica; Confusão mental reflexos normais Perda sensitiva Fraqueza motora Perda do senso da posição Perda da sensibilidade Perda da contração de punho e tornozelo Formigamento das mãos e pés (parestesia) Fonte: Adaptado de 56, 57, 58. C o n cl u sã o O exame clínico é essencial para complementar a avaliação antropométrica e a anamnese alimentar por ser mais específico que a primeira e mais fidedigno que a segunda. Está alterado fundamentalmente nas formas moderadas e graves e essa é sua principal limitação, pois não permite a prevenção dos distúrbios nutricionais, ou seja, a atuação do profissional de saúde evitando que eles se estabeleçam ou agindo prontamente na sua resolução. 55 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Criança com Marasmo. Criança com Kwashiorkor. Ainda existe considerável discussão sobre as diferenças das duas síndromes reconheciddas da DEP: marasmo e kwashiorkor. Elas são vistas como doenças que marcam os pontos finais da DEP. Alguns autores sugeriram que ambas as formas de 3.2 MARASMO E KwASHIORKOR: DIFERENÇAS CLÍNICAS, ADAPTATIVAS E METABóLICAS61 desnutrição poderiam resultar de um mesmo tipo e grau de privação dietética; enquanto a teoria clássica afirma que kwashiorkor é basicamente uma deficiência protéica e o marasmo uma deficiência energética. Na verdade, as diferenças na etiologia podem ocorrer de acordo com as áreas geográficas, tipos de comida, idade, ausência ou presença de algumas infecções, diarréia, etc. Sa úd e Pa rt e 3 56 A B O R D A G E M C L Í N I C A QUADRO 6: Principais características clínicas e laboratoriais que diferenciam as formas graves de DEP Achados clínicos e laboratoriais Marasmo Kwashiorkor Idade prevalente primeiro ano de vida segundo e terceiro anos de vida Alterações do peso e da estatura +++ + Edema clínico ausente presente Gordura subcutânea ausente presente, diminuído Hipotrofia ou atrofia muscular presente presente Dermatoses menos freqüentes freqüentes Alterações dos cabelos freqüentes muito freqüentes Hepatomegalia (por esteatose) ausente presente Apetite diminuído diminuído Retardo do DNPM ++ ++ Estado mental alerta apatia, desinteresse (exceto nas formas avançadas) Atividade física diminuída muito diminuída Diarréia +++ +++ Albumina sérica normal ou pouco baixa baixa Água corporal aumentada muito aumentada Potássio corporal baixo muito baixo Anemia freqüente muito freqüente Sinonímia subnutrição, atrofia, desnutrição protéica, distrofia desnutrição global pluricarencial hidropigênica No marasmo predomina a perda de peso acentuada, enquanto no kwashiorkor predomina o edema. Em função dessas duas características, Fonte adaptado de 59, 60 em 1970 foi proposta a Classificação Wellcome, que utiliza conjuntamente o dado antropométrico com o edema clínico. QUADRO 7: Classificação Wellcome,1970 Edema Déficit de peso/idade Presente Ausente em porcentagem da mediana 60-80% de adequação Kwashiorkor Subnutrição Menos de 60% de adequação Marasmo-kwashiorkor Marasmo Fonte 59 5 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O As principais diferenças metabólicas entre kwashiorkor e marasmo estão apresentadas no quadro 10: MARASMO MÚSCULO AMINOÁCIDOS PLASMÁTICOS FÍGADO CORTISOL KWASHIORKOR MÚSCULO AMINOÁCIDOS PLASMÁTICOS FÍGADO INSULINA (fonte dos aminoácidos plasmáticos = dieta + degradação de proteínas endógenas) Quadro 10. Diferenças metabólicas entre kwashiorkor e marasmo b) Somatomedina-c ou IGF-I A dosagem dos níveis sangüíneos de soma- tomedina-c e de sua proteína carregadora (IGFBP-3) é utilizada como indicadora do estado nutricional em crianças desnutridas. c) Hormônios Tireoidianos Na desnutrição, a atividade dos hormônios tireoidianos está diminuída. Esse é um potente mecanismo de economia de energia. d) Metabolismo da glicose e insulina Hipoglicemia severa é um sinal geralmen- te encontrado em casos terminais, mas, em geral, os indivíduos desnutridos pos- suem níveis baixos de glicemia de jejum acompanhados por insulina baixa. 3.3 ALTERAÇõES HORMONAIS NA CRIANÇA DESNUTRIDA61 a) Eixo hormônio do crescimento- somatomedina-c O hormônio do crescimento (GH) é produzido pela glândula hipófise. Sua ação é mediada por peptídeos conhecidos como somatomedinas, dos quais o mais impor- tante no estímulo do crescimento somático é a somatomedina-c, também conhecida como fator do crescimento insulina-símile tipo I (IGF-1) e produzida no fígado, por estímulo do GH. Em crianças desnutridas, apesar dos níveis de GH estarem elevados, a somatomedina-c está reduzida. Esse é um dos motivos para a baixa estatura. Sa úd e Pa rt e 3 60 A B O R D A G E M C L Í N I C A É descrito também um certo grau de intolerância à glicose. e) Função adrenocortical O cortisol é o principal hormônio responsável pelo controle do stress no organismo. A fome e as infecções são potentes fatores de stress, por isso os níveis de cortisol estão aumenta- dos nas crianças desnutridas em geral. f) Hormônios reprodutivos A desnutrição, de acordo com a gravidade, também afeta a função reprodutiva. As mudanças que ocorrem na desnutri- ção são: ◗ atraso da menarca; ◗ atraso no estágio puberal de Tanner; ◗ atraso no aumento das gonadotrofinas (FSH e LH) na puberdade; ◗ nos adultos ocorre deficiência da função das gônadas, ou hipogonadismo. 4. QUADRO LABORATORIAL 62, 63 Embora a antropometria, associada à anamnese alimentar e ao exame clínico, seja suficiente para o diagnóstico e a avaliação nutricionais, algumas vezes se faz necessário o uso de métodos laboratoriais para uma melhor investigação (tanto em caráter de monitoriza- ção, como diagnóstico). No CREN, os pacientes atendidos em regime de semi-internato são submetidos a exames de rotina semestralmente, em caráter de monitorização e/ou diagnóstico. Hemograma completo com ferro sérico, ferritina, transferrina e reticulócitos nos mostram a presença de anemia ferropriva, bem como a Pesquisador inglês, definiu cinco estágios de desenvolvimento puberal para ambos os sexos, a partir do desenvolvimento das mamas, pêlos pubianos e tamanho do pênis. ▼ 61 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O resposta à suplementação de ferro administrada aos pacientes. Cálcio, fósforo e fosfatase alcalina são solicitados para o diagnóstico de doenças ósseas que afetam o crescimento, como por exemplo, o raquitismo. Protoparasitológico é pedido em 3 amos- tras devido a alta incidência de verminoses na população e aos quadros disabsortivos que esta patologia pode provocar. Urina tipo I e uro- cultura são particularmente importantes nos lactentes jovens, ainda em uso de fraldas. Protei- nograma e outros formas de avaliação protéica serão melhor detalhadas posteriormente. Função tireoidiana (T3, T4 livre e TSH) e idade óssea são solicitados quando há associa- ção com baixa estatura. Outros exames se fazem necessários de acor- do com as patologias associadas que o paciente desnutrido pode eventualmente apresentar. Há um grande número de técnicas que permi- tem avaliar o grau de depleção de macro e/ou micronutrientes. O método deve possuir aplicabilidade na clínica rotineira, tendo alta sen- sibilidade e alta especificidade, ser de fácil execu- ção, não ser invasivo e ter baixo custo. A utilização isolada de um único método não alcança todos os requisitos necessários. Portanto, é necessária uma análise em conjunto dos dados disponíveis. As técnicas de avaliação nutricional são baseadas em testes para análise da composição corporal. O objetivo desses testes é identificar o paciente desnutrido e controlar sua resposta ao suporte nutricional. Essa avaliação é tradicionalmente realizada pela antropometria, balanço nitrogenado, dosagem sérica de proteínas incluindo albumina, transferrina entre outras. Bioimpedanciometria e Espectroscopia por ressonância magnética são métodos mais aplicados na área de pesquisa. Embora fiquem restritos ao uso hospitalar, principalmente como acompanhamento da respos- ta ao suporte nutricional (nutrição enteral ou parenteral) aqui serão apresentados os principais exames com o objetivo de informação ao leitor, ainda que provavelmente nunca venham ser utili- zados em suas atividades profissionais. 4.1 AVALIAÇÃO PROTéICA Algumas proteínas plasmáticas podem ser usadas para a avaliação nutricional. Níveis baixos de proteínas séricas podem teoricamente refletir uma síntese hepática reduzida por falta de Sa úd e Pa rt e 3 64 A B O R D A G E M C L Í N I C A índice no estado nutricional e no controle da resposta à terapia nutricional. Está associa- da ao anabolismo, retenção de nitrogênio. Os níveis de IGF-1 podem ser mais afetados pela desnutrição que a albumina, a transfer- rina ou a contagem de linfócitos. A IGF-1 parece ser mais sensível à depleção protéica que uma simples restrição calórica. A mag- nitude das variações dos níveis circulantes de IGF-1 em resposta a uma terapia nutri- cional é mais intensa que as observadas nas dosagens da transferrina, da pré-albumina ou da proteína ligada ao retinol. Seus níveis séricos independem da presença de doença renal e/ou hepática. Os níveis de referência laboratorial são amplos, dificultando a identi- ficação do início do processo da desnutrição. 4.2 TESTES LABORATORIAIS A desnutrição afeta de forma negativa o sistema imunológico, inibindo a produção de imunoglobolinas, reduzindo a função fagocitá- ria e a atividade dos complementos, bem como diminuindo o número de linfócitos e a resposta da sensibilidade cutânea. Estas alterações são conse- qüências tardias da desnutrição. O déficit Balanço Nitrogenado = Nitrogênio recebido - Nitrogênio perdido Balanço Nitrogenado = Aporte protéico (gramas)/6,25 - (Nitrogênio uréico em urina 24hs + 4) O nitrogênio recebido é calculado divi- dindo-se o aporte protéico, ingestão de pro- teínas em gramas e em 24 horas, por 6,25. Divide-se por 6,25 porque 6,25 gramas de proteína fornecem 1 grama de nitrogênio. O nitrogênio perdido é fornecido pela soma do nitrogênio uréico mais o valor 4, porque 4 é uma quantidade constante em gramas de nitrogênio não-uréico que se perde diariamente pela pele, fezes e urina. O nitrogênio uréico é medido multiplican- do-se a uréia urinária (em gramas em urina de 24 horas) por 0,47, o nitrogênio corres- ponde a 47% do peso molecular da uréia. f) IGF-1 (fator de crescimento insuli- na-símile tipo 1) É outro marcador sérico utilizado como 65 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Pa ra le m b ra r Nenhuma das técnicas atualmente disponíveis responde totalmente às necessidades dos profissionais que realizam o suporte nutricional. O progresso tecnológico nos campos da bioengenharia, da biologia molecular e da fisiologia poderá prover novos instrumentos que eventualmente irão suplementar os tradicionais índices estáticos de avaliação metabólica. da imunidade celular é o mais freqüente e precocemente observado com diminuição dos linfócitos T, alteração na relação T4/T8, diminuição dos tecidos linfóides e diminuição da hipersensibilidade cutânea tardia. Discute-se a validade desses testes cutâneos para lactentes, porém em crianças acima de 4 anos eles podem contribuir para avaliação da imunidade celular do tipo tardio. C o n cl u sã o Os testes laboratoriais não têm aplicação no diagnóstico e avaliação da DEP nas suas formas leves e moderadas, que são as mais freqüentes, nem nas formas graves na medida que essas são bem avaliadas com o exame clínico. Sua utilização restringe-se ao paciente hospitalizado (avaliação do risco de mortalidade) e principalmente ao acompanhamento da resposta à terapia nutricional. 5. O DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR OUTROS ASPECTOS DA HISTóRIA E O ExAME FÍSICO Os itens reunidos neste tópico não são menos importantes que os anteriores, mas são menos específicos em relação ao diagnóstico e à avaliação da DEP. Trazem novas contribuições Sa úd e Pa rt e 3 66 A B O R D A G E M C L Í N I C A aos tópicos anteriores (antropometria, anamnese alimentar, dados de exame clínico sugestivos de DEP), sendo, por isso dados complementares. 5.1 CONDIÇõES DE VIDA DA CRIANÇA: A CONDIÇÃO SOCIOECONôMICA E AS CARACTERÍSTICAS FAMILIARES Os fatores ligados à condição socioeconômica e características familiares são itens significativos na anamnese clínica, principalmente na avaliação da DEP, pois são fundamentais na determinação da desnutrição. Para uma avaliação completa da situação familiar, sugerimos a utilização de um questio- nário para avaliação socioeconômica da família (Anexo 4), que levanta dados sobre a renda familiar; a instrução e ocupação dos pais (se empregados, o tipo de emprego); quem cuida da criança; etc. Pa ra le m b ra rDurante a aplicação do questionário é fundamental que a mãe sinta-se à vontade e encontre no profissional de saúde um aliado no combate à desnutrição do seu filho. A lista de possíveis fatores de risco mencionados64 na literatura é bastante grande, incluindo características da criança, como o 6 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O se possível em equipe multiprofissional e inter- disciplinar, conduzirá à compreensão do estado nutricional e de suas alterações, e proporcionará a base para uma adequada estratégia de prevenção e controle desse problema. É fundamental enfatizar que tanto essa avalia- ção quanto as providências necessárias para uma saúde adequada não poderão ser conseguidas sem a participação da família e da comunidade em que a criança esteja inserida. FOTO M37 (SLIDE), NÃO CONSTA NO CD 71 A DEP é uma doença social. Sua prevenção e controle só poderão ser alcançados através da elevação do padrão de vida da população atin- gida, pois o fator etiológico mais importante é a condição socioeconômica. Esta se expressa na comunidade e na família principalmente através das más condições ambientais - uma alimentação deficiente e uma saúde precária. Dentro desse quadro a equipe de saúde tem um papel muito importante através de: ◗ integração com a comunidade; ◗ incentivo das práticas preventivas e de p a r t e 4 promoção de saúde, mais do que as curativas; ◗ reconhecimento dos problemas nutricionais e de seu manejo, principalmente em suas formas iniciais; ◗ acompanhamento adequado da gestante para a prevenção da desnutrição intra-ute- rina; ◗ educação nutricional: incentivo ao aleitamento materno, orientação para uma alimentação adequada no desmame e demais faixas etárias da criança; Prevenção e Controle da Desnutrição Energético-Protéica Sa úd e Pa rt e 4 74 A B O R D A G E M C L Í N I C A • a amamentação funciona como método con- traceptivo durante os primeiros seis meses após o parto em situações em que a crian- ça recebe apenas o leite materno e a mãe permanece amenorréica devido à ação da prolactina sobre os ovários. Quando se inicia a introdução de novos alimentos ou a mulher volta a menstruar, aumentam as chances de uma nova gestação71, 73,75; • a redução na hemorragia após o parto é induzida pela ocitocina, um dos hormônios re-lacionados com a lactação, por meio de estí- mulos à contrações uterinas para involução do útero ao tamanho pré-gestacional71, 73; • o aumento no dispêndio energético de mães que amamentam devido à produção do leite humano é uma importante ferramenta na recuperação do peso pré-gestacional 76; • as mães que amamentam desfrutam de maior tempo livre para cuidar de seus bebês, pois não precisam preparar as refeições nem limpar os utensílios. Amamentar também é mais econômico: estimativas indicam que são necessárias 6 latas de leite em pó para alimentar um bebê no primeiro mês de vida, 7 latas no segundo mês e 8 a partir do pri- meiro trimestre71. Em nosso país, é importante ressaltar que muitas crianças são desnutridas devido ao desmame inade- quado (precoce ou tardio). O desmame precoce (a interrupção do aleitamento materno exclusivo antes dos seis meses) está associado a vários fatores, como: ◗ não realização do pré-natal; ◗ falta de orientação às gestantes no pré-natal quanto aos benefícios da aleitamento materno; ◗ aumento na incidência de cesáreas; ◗ prematuridade; ◗ demora em levar o RN ao peito ao nascer; ◗ falta de apoio da família e do pai da criança; ◗ introdução de chupetas e mamadeiras de chás e/ou água. 6.2 COMO AMAMENTAR? Durante o pré-natal, a gestante deve receber orientações referentes às técnicas da amamentação para evitar os problemas que mais freqüentemente ocorrem: dor, formação de fissuras no mamilo e mastite. O aleitamento deve ocorrer em posição confortável para a mãe e o bebê; é importante alter- nar as posições entre uma mamada e outra para não machucar o seio materno70, 71 Dentre as posições mais comuns, des- tacam-se aquelas em que: a mãe abraça o bebê, 75 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O acomodando-o sobre o seu corpo; mãe e bebê encontram-se deitados, um de frente para o outro; a mãe segura a cabeça da criança com as mãos, acomodando o corpo da criança embaixo de seus braços como se estivesse segurando uma bola de futebol americano. Essa posição é interessante para lactantes que sofreram cesariana71, 75. O volume de leite produzido pela mãe de- pende, basicamente, do estímulo decorrente da sucção do bebê e/ou da remoção do leite por meio da ordenha manual. Portanto, a falta de leite relaciona-se com a redução na freqüência das mamadas e não ao esvaziamento do seio. Mães que não receberam informações adequa- das referentes a este assunto durante a gestação podem apresentar dificuldades para amamentar, introduzindo mamadeiras precocemente e colabo- rando ainda mais para a diminuição na produção do leite73, 76. O ingurgitamento das mamas pode ocorrer devido à produção excessiva de leite e conseqüente inchaço e aquecimento desse local. Nestes casos, recomenda-se o esvaziamento ma- nual de parte das mamas para permitir que o bebê consiga abocanhá-las. Mães que amamentam com freqüência e sempre que o bebê manifesta vontade dificilmente passarão por essa experiência75,76. Pa ra le m b ra r Ao amamentar, é importante: • que mãe e filho vistam roupas confortáveis; • verificar se o bebê abocanhou grande parte da aréola e se o seu braço encontra-se colocado ao redor da cintura da mãe, para que não fique entre os dois corpos; • que a boca da criança permaneça bem aberta; • que o lábio inferior esteja virado para fora; • visualizar maior porção da aréola na parte superior à boca do bebê; • que a mãe não sinta dor ao amamentar e que o bebê fique satisfeito após a mamada71; • que a mãe segure o seio com os dedos em forma de C; • que ocorra o contato direto entre a barriga da mãe e a do bebê; • que o queixo da criança toque o seio da mãe e suas nádegas e costas estejam bem apoiadas70,71. Sa úd e Pa rt e 4 76 A B O R D A G E M C L Í N I C A 6.3 ATé QUANDO AMAMENTAR A CRIANÇA? O aleitamento materno exclusivo deve ser mantido até o sexto mês de vida, uma vez que se mostra compatível com as necessidades nutricionais dessa faixa etária e oferece proteção contra doenças. A partir dessa idade deve-se complementá-lo com outros alimentos e mantê- lo, na medida do possível, até que a criança complete 2 anos73, 77. A introdução precoce de alimentos é desvantajosa para o bebê com menos de seis meses de idade, devido a inúmeras razões, como: ◗ a pequena maturação fisiológica e imunoló- gica de seu organismo; ◗ o suprimento de todas as necessidades nutricionais da criança apenas com o leite materno; ◗ a redução do consumo de leite humano e conseqüente prejuízo na sua produção; ◗ a diminuição da absorção do ferro; contido no leite materno e o aumento na probabi- lidade da criança criar alergias aos novos alimentos introduzidos; ◗ as infecções decorrentes da higienização inadequada desses alimentos e utensílios73; 7 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O 6.6 HIGIENE AMBIENTAL E ALIMENTAR A alimentação pode ser inadequada na sua qualidade, mas também no seu preparo, podendo ser um importante veículo de doenças gastrintestinais. As doenças gastrintestinais são uma causa importante de DEP em crianças. Por isso é fundamental orientar mães e responsáveis pelo cuidado de crianças em creches, por exemplo, quanto à higiene no preparo da alimentação. Essa orientação não deve restringir-se somen- te aos alimentos, mas também a todo ambiente de vida da criança, em especial à cozinha, que deve ser agradável, organizada e principalmente limpa. Os alimentos que ali serão manipulados devem receber cuidados para evitar a conta- minação das pessoas que os ingerirem e conse- qüentemente o surgimento de doenças. Os microrganismos podem chegar até o ali- mento, ocasionando doenças na criança, através das seguintes veiculações: ◗ ambiente de preparo em más condições de higiene; ◗ presença de insetos e roedores; ◗ utensílios sujos que podem resultar em contaminação cruzada, ou seja, usá-los na manipulação e preparo de um novo alimen- to antes de um processo de limpeza; ◗ através do próprio manipulador dos ali- mentos que se tiver hábitos de higiene pessoal inadequados também levará mi- crorganismos aos mesmos. O anexo 6 apresenta um roteiro de orienta- ções quanto aos cuidados para a higiene ambien- tal e alimentar para entidades que trabalhem com crianças. 6.7 ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA DESNUTRIDA O planejamento da dieta para crianças desnu- tridas é muito importante para a garantia de um adequado fornecimento de nutrientes e para a recuperação nutricional. Sa úd e Pa rt e 4 0 A B O R D A G E M C L Í N I C A O cálculo das necessidades de energia e proteínas para uma população saudável tem como objetivo principal a manutenção do es- tado nutricional e deve levar em consideração variáveis como sexo, idade, atividade física, peso e estatura. No cálculo das necessidades de energia e proteína para crianças desnutridas o objetivo é a recuperação do estado nutricional. Por este motivo, um grupo de especialistas79 propôs como referência para o cálculo dessas estima- tivas ao invés da idade cronológica a utilização da idade estatura, que é a idade que a criança teria se a sua estatura estivesse no percentil 50, e ao invés do peso esperado para a idade, o peso esperado para a idade estatura. Como pode ser visto no quadro 11, calculando-se desse modo, a oferta protéica e energética será maior do que se utilizassem como referência o peso atual e a idade cronológica. QUADRO 11: Exemplo do cálculo das necessidades de energia e proteína para crianças desnutridas segundo a proposta da OMS/FAO para um menino de 24 meses pesando 9,0 kg e me- dindo 74 cm. Sua idade estatura é 10,5 meses, o peso esperado para a idade estatura é 9,8 kg e o peso esperado para a idade cronológica é 12,6 kg Necessidade total (necessidade por kg multiplicada pelo peso em kg) Idade usada Necessidade Peso real Peso esperado Peso esperado para o cálculo por kg de (9,0 kg) para idade para a idade acordo com estatura cronológica a idade (9,8 kg) (12,6 kg) Necessidade Cronológica 1,15 10,4 11,3 14,5 de proteína em g/kg Idade estatura 1,37 12,3 13,4 17,3 Energia Cronológica 101 910 990 1270 em kcal/kg Idade estatura 105 950 1030 1320 Fonte: 79 1 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O Conforme ocorre a recuperação do estado nutricional da criança, os valores estimados para a energia e a proteína devem aproximar-se dos recomendados para crianças eutróficas da mesma faixa etária. Atenção especial deve ser dedicada à densida- de nutricional dos alimentos que serão oferecidos às crianças desnutridas. Sabe-se que a capacidade gástrica dessas crianças é um fator limitante para sua aceitação alimentar, portanto sugere-se a ofer- ta de alimentos que com menor volume ofereçam maiores quantidades de nutrientes. É importante lembrar que o valor nutricional diário refere-se ao que é oferecido por dia e não corresponde, necessariamente, à aceitação da criança. Estudos referentes ao consumo alimentar de crianças que freqüentam o Centro de Recuperação e Educação Nutricional veri- ficaram que em média essas crianças alcançam cerca de 80% e mais de 200% de adequação em relação às necessidades de energia e proteí- nas, respectivamente, quando se consi- dera a ingestão alimentar total/dia, ou seja, o que foi consumido em seu domicílio e no Centro de Recuperação e Educa- ção Nutricional80,81. 6.8 ERRO ALIMENTAR, UMA CAUSA IMPORTANTE DA DESNUTRIÇÃO Embora na realidade do nosso país a DEP primária esteja vinculada fundamentalmente à po- breza, sabe-se que hábitos inadequados de alimen- tação, mesmo em níveis socioeconômicos mais favorecidos, podem também ocasionar a desnu- trição. É cada vez mais comum que as crianças ingiram guloseimas como salgadinhos, balas, cho- colates e refrigerantes no horário das refeições, o que reduz proporcionalmente a ingestão de hortaliças, frutas e carnes. Na faixa etária de dois a quatro anos, quando a criança está formando seus hábitos alimentares, é essencial trabalhar a educação nutricional para que elas possam chegar à vida adulta com mais saúde. A tarefa é árdua, já que os meios de comunicação têm uma forte influência – muitas vezes negativa – na formação dos hábitos alimentares. Sa úd e Pa rt e 4 4 A B O R D A G E M C L Í N I C A recheados e chocolates, são os alimentos que estão em maior quantidade na alimentação diária das crianças e que muitas vezes eles substituem erroneamente as refeições saudáveis que as crianças deveriam ingerir, princi- palmente nessa fase importante do desenvolvimento. Há, porém, uma série de indi- cações de que a família e a experiência alimentar influenciam na preferência por sabores, ou seja, as preferências são criadas através de um proces- so de aprendizagem86, 88, 90, 91. Uma vez que o alimento é uma das primei- ras experiências de prazer do ser humano, altas expectativas para a criança comer e ameaças de repressão podem tornar a refeição um momento desagradável para a criança, levando-a a comer aquilo que poderá de alguma forma lhe proporcionar prazer, como por exemplo o salgadinho que come em companhia dos amigos, o brigadeiro que come em festas de aniversário, a bolacha recheada de chocolate que come quando volta da escola, etc. 7. PREVENÇÃO E CONTROLE DAS DOENÇAS MAIS ASSO- CIADAS à DEP Apresentaremos a seguir os principais aspectos relacionados às doenças mais associadas à DEP, mostrando como elas estão associadas entre si e como deve ser feita sua prevenção e controle. As preferências são criadas através de um processo de aprendizagem C o n cl u sã o A educação alimentar tem um importante papel na formação dos hábitos alimentares e conseqüentemente funciona como fator preventivo de futuras patologias. Pa ra le m b ra r As principais patologias associadas à DEP são: ✓ as doenças infecciosas; • as imunopreveníveis: sarampo e tuberculose; • as respiratórias agudas; • as diarréicas agudas; • as parasitoses; • a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). ✓ as diarréias persistente e crônica; ✓ as deficiências nutricionais. 5 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O 7.1 DESNUTRIÇÃO E INFECÇÃO Até as décadas de 50-60 os profissionais de saúde atribuíam pouca importância ao papel das infecções. Predominava o “paradigma dos alimentos”, que estabelecia que a DEP era determinada pela carência de alimentos ou de algum nutriente específico. A observação de que a infecção tem um claro efeito negativo sobre a nutrição e saúde, não somente nos desnutridos, mas também nos eutróficos, levou a uma preo- cupação crescente com as doenças infecciosas, incluindo as parasitoses92. É reconhecido atual- mente que o binômio infecção-baixa ingestão de alimentos é a causa primária de desnutrição na maioria das crianças. Esta associação forma um círculo vicioso que, se não interrompido, agrava cada vez mais a desnutrição da criança, levando à morte. A desnutrição está associada a um significati- vo prejuízo na resposta imune celular, na função fagocitária, no sistema complemento, nas con- centrações de IgA secretória e na produção de citoquinas. A desnutrição é a causa mais freqüen- te da imunodeficiência. A incidência de infecções respiratórias agudas e de doenças diarréicas agudas está aumentada93. Por sua vez, as infecções alteram o estado nutricional, levando à desnutrição, principalmen- te se a alimentação oferecida não for suficiente para suprir os gastos energéticos durante o processo infeccioso. As repercussões de uma infecção sobre o organismo dependem de uma série de condições. Em primeiro lugar, depen- dem do estado nutricional prévio e da presença ou não de outras doenças. A idade, o sexo e a resistência geneticamente condicionada pare- cem interferir como fator de suscetibilidade, ou seja, de imunidade parcial. Relacionadas com o agente estão a virulência, intensidade e duração da infecção, bem como sua evolução ou não para cronicidade. Os mecanismos pelos quais a infecção leva à desnutrição são: ◗ a anorexia; ◗ o catabolismo; ◗ a substituição de alimentos sólidos por alimentos líquidos com baixo teor energético e de proteínas; ◗ a absorção de nutrientes diminuída, como resultado de diarréia e parasitoses intestinais; ◗ as perdas aumentadas pela urina de nitrogênio, potássio, magnésio, zinco, fosfatos, enxofre e vitaminas A, B e C94. Sa úd e Pa rt e 4 6 A B O R D A G E M C L Í N I C A O ambiente de vida da criança é fundamental na inter-relação das doenças infecciosas com o estado nutricional da criança, como está indicado na Figura 4: Ambiente contaminado Saneamento precário Suprimento inadequado de água Cozimento inadequado de alimentos Freqüência de infecção Capacidade de recuperação Falha temporária do crescimento Falha permanente do crescimento ÓBITO Falta de cuidados com a criança Estado nutricional inicial Duração e gravidade da infecção Virulência e exposição prévia ao agente infeccioso Exposição a agentes infecciosos Figura 4: Esquema mostrando a inter-relação entre o meio ambiente, o agente infeccioso e o estado nutricional da criança95.  V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O 7.4 DOENÇAS DIARRéICAS AGUDAS E DESIDRATAÇÃO97,99 comprometimento do estado geral, e aos casos graves de cólera97. Nesses casos, devido à resis- tência antimicrobiana recomenda-se a utilização de ácido nalidíxico99. São absolutamente contra-indicados os inibidores do peristaltismo e os adsorventes intestinais, pois eles não trazem nenhum benefício ao tratamento. Quanto aos antipiréticos e aos antieméticos, serão desnecessários na maior parte dos casos.100 A alimentação, deve ser mantida de acordo com o hábito da criança. Os períodos prolon- gados de jejum, ainda muitas vezes utilizados, estão associados à piora do estado nutricional da criança. Deve-se manter as 6 refeições diárias habituais, para compensar as perdas em função da diarréia, até a recuperação do estado nutricio- nal prévio. O não-seguimento dessas orientações alimentares está associado ao estabelecimento da desnutrição. Na síndrome diarréica, as perdas fecais de água e eletrólitos estão aumentadas. A desidratação ocorre quando estas perdas não são com- pensadas adequadamente. Assim, desde o início de um processo de diarréia aguda, antes que o paciente apresente desidratação, recomenda-se Na interação entre doença diarréica aguda e desnutrição sabe-se que a diarréia precipita e exacerba a DEP e que esta predispõe à diarréia persistente devido às alterações morfológicas e funcionais no trato gastrointestinal 98. Na maior parte das vezes, os quadros diarréicos agudos têm etiologia infecciosa, com predominância dos agentes virais sobre os bacterianos. Como é uma doença autolimitada, não há indi- cação para o uso de antimicrobianos, mesmo em crianças desnutridas. Esses ficam reservados para os casos de diarréia que apresentem sangue nas fezes (disenteria) e após a reidratação mantêm o Sódio, cloro, potássio, bicar- bonato, etc. ▼ Sa úd e Pa rt e 4 0 A B O R D A G E M C L Í N I C A a oferta de uma quantidade maior de líquidos do que a que normalmente é consumida, no intuito de cobrir as necessidades basais e repor as perdas hidroeletrolíticas anormais. Podem ser utilizadas sopas, chás, sucos, água do cozimento do arroz, leite e iogurte. Devem ser evitados os refrigerantes, por conterem quantidades eleva- das de hidratos de carbono, alta osmolaridade e baixíssimas concentrações de eletrólitos. A água pode ser dada, de preferência acompanhada por outros alimentos. Nos pacientes com diarréia aguda sem desidratação instalada, não há necessidade de suspender os alimentos e outros líquidos. No tratamento da desidratação em crianças menores de 5 anos de idade, deve ser empregado esquema terapêutico de reidratação baseado nas recomen- dações da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil, apresentado adiante. Conforme a avaliação feita no quadro 12 esta- belecem-se três planos terapêuticos: Plano A – criança com diarréia sem desidrata- ção – é recomendado apenas aumento de líquidos; Plano B – criança com diarréia com sinais de desidratação – é recomendada a Terapia de Reidratação Oral (TRO) com Sais de Reidratação Oral (SRO); Plano C – criança com diarréia com sinais de desidratação grave (choque) – é recomendada a hidratação endovenosa para a fase rápida ou de expansão; TRO com SRO para a fase de manutenção. O esquema completo pode ser obtido no Manual do Ministério da Saúde - Assistência e Controle das Doenças Diarréicas97. A criança desnutrida deve ser tratada do mesmo modo. O principal cuidado é na avaliação clínica dos sinais de desidratação na desnutrição grave, pois muitos desses não são confiáveis, dificultando a detecção do distúrbio hidro-eletrolítico, bem como a sua gravidade. Considerar principalmente a história da diarréia, sede, hipotermia, olhos encovados, pulso radial fraco ou ausente, extremidades frias e fluxo da urina. Não são confiáveis o estado mental, a umidade da boca e da língua, a presença de lágrimas e a elasticidade da pele99. Para crianças gravemente desnutridas tem-se proposto a utilização de SRO com menos sódio e mais potássio (ReSoMal), pois essas crianças têm níveis anormalmente altos do primeiro e são deficientes do segundo100. Peso/estatura < -3 escore Z. ▼ 1 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O QUADRO 12: Classificação do estado de hidratação segundo os critérios propostos pela OMS para crianças com diarréia aguda ou persistente COMO AVALIAR O ESTADO DE HIDRATAÇÃO DO SEU PACIENTE 1. OBSERVE CONDIÇÃO Bem, alerta Irritado, intranqüilo Comatoso, hipotônico OLHOS Normais Fundos Muito fundos LÁGRIMAS Presentes Ausentes Ausentes BOCA E LÍNGUA Úmidas Secas Muito secas SEDE Bebe normalmente Sedento, bebe rápido Bebe mal ou não é e avidamente capaz (*) 2. ExPLORE SINAL DA PREGA Desaparece Desaparece Desaparece muito rapidamente lentamente lentamente (*) PULSO Cheio Rápido, débil Muito débil ou ausente (*) ENCHIMENTO Normal Prejudicado Muito prejudicado CAPILAR # (até 3 segundos) (de 3-5 segundos) (> 5 segundos) 3.DECIDA Não tem sinais de Se apresentar 2 ou Com 2 ou mais sinais: desidratação mais sinais: TEM tem DESIDRATAÇÃO; DESIDRATAÇÃO incluindo pelo menos 1 SINAL (*): tem DESIDRATAÇÃO GRAVE 4. TRATE Use Plano A Use Plano B Use Plano C # Para avaliar o enchimento capilar, a mão da criança deve ser mantida fechada e comprimida por 15 segundos. Abrir a mão da criança e observar o tempo em que a coloração da palma da mão voltou ao normal. A avaliação da perfusão periférica é muito importante, principalmente em desnutridos em quem a avaliação dos outros sinais de desidratação (elasticidade da pele, olhos, etc.) é muito difícil.96 Sa úd e Pa rt e 4 4 A B O R D A G E M C L Í N I C A Pa ra le m b ra r Durante a introdução de alimentos complemen- tares, verificam-se com freqüência práticas alimen- tares inadequadas, como a substituição do leite materno por leite de vaca, bem como sua oferta em refeições nas quais a criança deveria receber alimentos semi-sólidos com alto teor de ferro. Como medida preventiva, sugere-se a manutenção do aleitamento materno durante os primeiros seis meses de vida e a introdução de alimentos complementares com alto teor de ferro (por exemplo, carnes e leguminosas) juntamente com alimentos que promovem o aumento de sua absorção, como frutas cítricas. A educação nutricional e a melhoria da qualida- de da dieta são importantes aliados na prevenção de anemia ferropriva em pré-escolares. 7.9 DEFICIêNCIAS DE VITAMINAS As vitaminas são nutrientes essenciais ao organismo. Sua carência geralmente relaciona-se com uma alimentação monótona, decorrente tanto da dificuldade ao acesso, quanto da esco- lha inadequada de alimentos. Dentre as hipovita- mi-noses comumente associadas à desnutrição infantil, destacam-se as carências de vitamina A, D e C e as do complexo B (principalmente o ácido fólico) . a) Deficiência de vitamina A Acarreta problemas oculares como ce- gueira noturna e xeroftalmia, alterações na pele, inibição do crescimento, anorexia e infecções freqüentes. Como prevenção ! Os principais fatores que são responsáveis pela alta prevalência de anemia em crianças são: • baixo nível socioeconômico; • desmame precoce; • ocorrência de parasitoses intestinais; • pequena ingestão de alimentos ricos em ferro e alto consumo de leite. A ingestão de algumas bebidas prejudica a absorção do ferro. Por isso deve ser evitada a oferta de bebidas como café, chá preto, mate e refrigerante, principalmente durante as refeições, para não prejudicar a absorção do ferro presente nos alimentos. 5 V E N C E N D O A D E S N U T R I Ç Ã O deve-se consumir alimentos como fígado, leite, gema de ovo, hortaliças folhosas de cor verde escura e hortaliças e frutas de cor amarelo-alaranjada. b) Deficiência de vitamina D Causa o raquitismo, que consiste na má- formação óssea decorrente de inadequada mineralização da matriz orgânica, acarre- tando baixa estatura e ossos fracos, que não suportam o peso corporal. A maior fonte de absorção de vitamina D é a exposição da pele à luz solar; alguns alimentos de origem animal apresentam grandes quantidades desta vitamina na forma de colecalciferol, como, por exemplo, a manteiga, o fígado e a gema do ovo. c) Deficiência de vitaminas do complexo B Participam deste grupo as vitaminas B1 (tiamina), B2 (riboflavina), ácido nicotínico, B6 (piridoxina), ácido pantotênico, biotina, colina, inositol, ácido fólico, B12 (cobala- mina) e ácido para-amino-benzóico. Como derivam de grupos de alimentos semelhan- tes, dificilmente ocorre carência de apenas uma destas vitaminas. Elas geralmente são encontradas em alimentos como leite, ovos, carnes (bovina, ave, peixe e miúdos, entre outras), leguminosas, vegetais folhosos, fa- rinhas integrais, cereais, etc. São vitaminas que participam no metabolismo energético e nos processos enzimáticos. A carência de algumas vitaminas resulta em síndromes específicas, como a carência da vitamina B1 acarreta beriberi (problemas cardiovas- culares e neurológicos); a da vitamina B6 causa problemas na pele, neurológicos e hematopoiéticos; a da vitamina B12, anemia perniciosa; a do ácido fólico compromete o crescimento e causa problemas no trato gastrointestinal, anemia megaloblástica e outras alterações hematológicas. d) Deficiência de Vitamina C A vitamina C participa de forma importan- te na prevenção de infecções e age como agente antioxidante; sua carência prolonga- da acarreta escorbuto, caracterizado pela ocorrência de hemorragias na pele e muco- sas bem como sintomatologia dolorosa nos ossos. As principais fontes de vitamina C são as frutas cítricas (laranja, limão, maracu- já, goiaba, acerola, morango, kiwi, etc). Sa úd e Pa rt e 4 6 A B O R D A G E M C L Í N I C A 7.10 TRATAMENTO DAS ANEMIAS CARENCIAIS E DAS HIPO- VITAMINOSES ASSOCIADAS à DES- NUTRIÇÃO As condições de vida que determinaram a DEP com freqüência ocasionarão anemias carenciais, principalmente ferropriva e hipovitaminoses, especialmente A e D. social. Sua resolução última depende de atuar so- bre as condições de vida da população. Depende, então, da adoção de políticas sociais eficazes na redução da pobreza. Assim, são necessárias uma atuação governamental e a participação de todos os setores da sociedade. Colocada essa questão de fundo, a primeira re- ação que surge para a maioria dos profissionais de saúde, é que se para a desnutrição ser realmente enfrentada se exigem políticas sociais adequadas, então ela não é um problema de saúde. Em primeiro lugar, a DEP é também um problema de saúde na medida em que a maior parte das suas conseqüências se expressarão em alterações biológicas e psíquicas. Em segundo lugar, é aos serviços e profis- sionais de saúde que essas pessoas, as crianças desnutridas e suas mães, levarão seus problemas. Sendo assim, frente ao panorama social da DEP, a pergunta a ser feita pelo profissional de saúde é como participar dele. Em primeiro lugar, como cidadão. Mas também como agente de saúde: agindo na promoção da saúde, na pre- venção e controle dos problemas que quotidia- namente encontrem em seu trabalho, como a DEP, independentemente de onde se dá sua atuação profissional. Pa ra le m b ra r De modo geral, deve-se considerar no tratamento do desnutrido a suplementação com ferro (4 mg/kg/dia de sulfato ferroso) se a anemia estiver presente, e o fornecimento de vitaminas A (2500 U/dia) e D (00 U/dia) se houver suspeita de carência específica. Essa suplementação deve ser iniciada só após o início da recuperação nutricional65, 100, 103. 8. MEDIDAS PARA O CONTROLE DA DEP É importante que o profissional de saúde reconheça que a DEP não é um problema exclusivamente de saúde, mas principalmente No CREN utiliza-se complexo polivitamínico contendo as Vitaminas A, Complexo B, C, D e E.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved