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Guias e Dicas
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Indagações sobre Curriculo 2, Notas de estudo de Matemática

Educando e educadores: seus Direitos e o Currículo

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 23/04/2010

simone-da-silva-lopes-1
simone-da-silva-lopes-1 🇧🇷

4.5

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Baixe Indagações sobre Curriculo 2 e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! INDAGAÇÕES SOBRE CURRÍCULO Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo texto02_3292.indd 1 3/10/2007 14:21:37 Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental Organização do Documento Jeanete Beauchamp Sandra Denise Pagel Aricélia Ribeiro do Nascimento Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 500 CEP: 70.047-900 – Brasília-DF Tel. (061) 2104-8612/8613 Fax: (61) 2104-9269 http://www.mec.gov.br Ficha catalográfica [Gonzáles Arroyo, Miguel] Indagações sobre currículo : educandos e educadores : seus direitos e o currículo / [Miguel Gonzáles Arroyo]; organização do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 52 p. 1. Ensino Fundamental - Brasil. 2. Educação Básica. 3. Currículo. 4. Professor. 5. Aluno. I. Beauchamp, Jeanete. II. Pagel, Sandra Denise. III. Nascimento, Aricélia Ribeiro do. IV. Brasil. Secretaria de Educação Básica. V. Título. CDU – 37.046.12 Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Lúcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401 Impresso no Brasil texto02_3292.indd 2 3/10/2007 14:21:37 Indagações sobre currículo  APRESENTAÇãO A publicação que o Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado à Secretaria de Educação Básica – SEB, deste Ministério da Educação – MEC, ora apresenta, tem como objetivo principal de- flagrar, em âmbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepção de currículo e seu processo de elaboração. Não é recente a abordagem curricular como objeto de atenção do MEC. Em cumprimento ao Artigo 210 da Constituição Federal de 1988, que determi- na como dever do Estado para com a educação fixar “conteúdo mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”, foram elabo- rados e distribuídos pelo MEC, a partir de 1995, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil/RCNEI, os Parâmetros Curriculares Nacio- nais/PCN’s para o Ensino Fundamental, e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. No momento, o que está em discussão é a elaboração de um documento que, mais do que a distribuição de materiais, promova, por meio de uma estratégia dinâmica, a reflexão, o questionamento e um processo de discussão em cada uma das escolas e Secretarias de Educação sobre a concepção de currículo e seus desdobramentos. Para tanto, sugerimos inicialmente alguns eixos que, do nosso do ponto de vista, são fundamentais para o debate sobre currículo com a finalidade de que professores, gestores e demais profissionais da área educacional façam reflexões sobre concepção de currículo, relacionando-as a sua prática. Nessa perspectiva, pretendemos subsidiar a análise das propostas pedagógicas dos sistemas de ensino e dos projetos pedagógicos das unidades escolares, porque entendemos que esta é uma discussão que precede a elaboração dos projetos políticos pedagógicos das escolas e dos sistemas. Dessa forma, elaboramos (5) cinco cadernos priorizando os seguintes eixos organizadores: Currículo e Desenvolvimento Humano; Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo; Currículo, Conhecimento e Cultura; Diversidade e Currículo; Currículo e Avaliação. No momento em que ocorre a implementação do Ensino Fundamental de nove anos e a divulgação dos documentos consolidados da Política Nacional de Educação Infantil, é necessário retomar a reflexão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – ação já desencadeada pelo Conselho Nacional de Educação. texto02_3292.indd 5 3/10/2007 14:21:38 Apresentação  A liberdade de organização conferida aos sistemas por meio da legislação vincula-se à existência de diretrizes que os orientem e lhes possibilitem a definição de conteúdos de conhecimento em conformidade à base nacional comum do currículo, bem como à parte diversificada, como estabelece o Artigo 26 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394, 20 de dezembro de 1996: “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”. Com a perspectiva de atender aos desafios postos pelas orientações e normas vigentes, é preciso olhar de perto a escola, seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as indagações sobre suas condições concretas, sua história, seu retorno e sua organização interna. Torna-se fundamental, com essa discussão, permitir que todos os envolvidos se questionem e busquem novas possibilidades sobre currículo: o que é? Para que serve? A quem se destina? Como se constrói? Como se implementa? Levando em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais, entendemos que esse não pode ser analisado fora de interação dialógica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Partindo dessa reflexão, convidamos gestores, professores e demais profissionais da educação para um debate sobre os eixos organizadores do documento sobre currículo. O fato de termos chamado estes estudiosos para elaborarem os textos significa haver entre eles pontos de aproximação como, por exemplo, escola inclusiva, valorização dos sujeitos do processo educativo, cultura, conhecimento formal como eixo fundante, avaliação inclusiva. Por privilegiarmos o pensamento plural, reconhecemos nos textos também pontos de afastamento. Assim, será possível encontrar algumas concepções sobre currículo não necessariamente concordantes entre si. É justamente divulgando parte dessa pluralidade que o MEC contribui com a discussão. Há diversidade nas reflexões teóricas, porque há diversidade de projetos curriculares nos sistemas, nas escolas. Esse movimento, do nosso ponto de vista, enriquece o debate. Em um primeiro momento, foi solicitado a profissionais, diretamente envolvidos com a questão curricular junto aos sistemas de ensino, indicados pelo/a UNDIME, CONSED, SEESP/MEC, SECAD/MEC, CONPEB/MEC, REDE/MEC, que respondessem à seguinte questão: que interrogações sobre currículo deveriam constar em um texto sobre esse tema? Posteriormente, esses profissionais efetuaram a leitura dos textos preliminares elaborados pelos autores do GT CURRÍCULO, visando a responder a uma segunda questão: como os textos respondem às interrogações levantadas? Foi solicitado ainda que apresentassem lacunas detectadas nos textos e contribuições. Coube à texto02_3292.indd 6 3/10/2007 14:21:38 Indagações sobre currículo  equipe do DPE sistematizar e analisar as contribuições, apresentadas pelo grupo anteriormente citado em reunião de trabalho em Brasília, e elaborar um pré-texto para discussão em seminários a partir da sistematização das propostas apresentadas na consulta técnica. Em um segundo momento, visando à elaboração final deste documento, ocorreu em Brasília um seminário denominado “Currículo em Debate”, organizado em duas edições (novembro e dezembro de 2006). Nessa ocasião, os textos, ainda em versão preliminar, foram socializados e passaram pela análise reflexiva de secretários municipais e estaduais de educação; de profissionais da educação representantes da UNDIME, do CONSED, do CNE e de entidades de caráter nacional como CNTE, ANFOPE, ANPED; de professores de Universidades – que procuraram apresentar as indagações recorrentes de educadores, professores, gestores e pesquisadores sobre currículo e realizar um levantamento da potencialidade dos textos junto aos sistemas. Esse evento contou com a expressiva participação de representantes das secretarias estaduais e municipais de educação e da secretaria do Distrito Federal, em um total de aproximadamente 1500 participantes. Os textos chegam agora aos professores das escolas, dos sistemas. Apresentam indagações para serem respondidas por esses coletivos de professores, uma vez que a proposta de discussão sobre concepção curricular passa pela necessidade de constituir a escola como espaço e ambiente educativos que ampliem a aprendizagem, reafirmando-a como lugar do conhecimento, do convívio e da sensibilidade, condições imprescindíveis para a constituição da cidadania. Entendemos, também, haver outras perspectivas, ainda não contempladas, a serem consideradas. O objetivo não é, portanto, esgotar todas as possibilidades em uma única publicação. Propomos uma reflexão para quem, o que, por que e como ensinar e aprender, reconhecendo interesses, diversidades, diferenças sociais e, ainda, a história cultural e pedagógica de nossas escolas. Posicionamo-nos em defesa da escola democrática que humanize e assegure a aprendizagem. Uma escola que veja o estudante em seu desenvolvimento – criança, adolescente e jovem em crescimento biopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura. Desse modo comprometemo-nos com a construção de um projeto social que não somente ofereça informações, mas que, de fato, construa conhecimentos, elabore conceitos e possibilite a todos o aprender, descaracterizando, finalmente, os lugares perpetuados na educação brasileira de êxito de uns e fracasso de muitos. Os eixos aqui apresentados são constitutivos do currículo, ao lado de outros. Não é pretensão deste documento abranger todas as demais dimensões. As aqui destacadas convergem, especialmente, para o desenvolvimento humano dos sujeitos no processo educativo e procuram dialogar com a prática dos sujeitos desse processo. texto02_3292.indd 7 3/10/2007 14:21:38 Introdução 10 indagações mais prementes para o conhecimento, para o currículo e para as práticas educativas. Esta foi a primeira preocupação da equipe do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental e dos autores dos textos. Esta poderá ser a preocupação dos coletivos profissionais das escolas e Redes: detectar aqueles pólos, eixos ou campos mais dinâmicos de onde vêm as indagações sobre o currículo e sobre as práticas pedagógicas. Cada um dos textos se aproxima de um eixo de indagações: desenvolvimento humano, educandos e educadores: seus direitos e o currículo, conhecimento e cultura, diversidade e avaliação. CADA TEXTO APRESENTA SUAS ESPECIFICIDADES DE ACORDO COM O EIXO ABORDADO. • O texto “Currículo e Desenvolvimento Humano”, de Elvira Souza Lima, apresenta reflexão sobre currículo e desenvolvimento humano, tendo como referência conhecimentos de Psicologia, Neurociências, Antropologia e Lingüística. Conceitua a cultura como constitutiva dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Aborda questões como função simbólica, capacidade imaginativa da espécie humana e memória. Discute currículo e aquisição do conhecimento, informação e atividades de estudo e a capacidade do ser humano de constituir e ampliar conceitos. O texto faz uma abordagem sobre a questão do tempo da aprendizagem, apontando que a construção e o desenvolvimento dos conceitos se realizam progressivamente e de forma recorrente. • Em “Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo”, de Miguel Gonzáles Arroyo, há uma abordagem sobre o currículo e os sujeitos da ação educativa: os educandos e os educadores, ressaltando a importância do trabalho coletivo dos profissionais da Educação para a construção de parâmetros de sua ação profissional. Os educandos são situados como sujeitos de direito ao conhecimento e ao conhecimento dos mundos do trabalho. Há ênfase quanto à necessidade de se mapearem imagens e concepções dos alunos, para subsidiar o debate sobre os currículos. É proposta do texto que se desconstruam visões mercantilizadas de currículo, do conhecimento e dos sujeitos do processo educativo. O texto traz crítica ao aprendizado desenvolvido por competências e habilidades como balizadores da catalogação de alunos desejados e aponta o direito à educação, entendido como o direito à formação e ao desenvolvimento humano pleno. • O texto “Currículo, Conhecimento e Cultura”, de Antônio Flávio Moreira e Vera Maria Candau, apresenta elementos para reflexão texto02_3292.indd 10 3/10/2007 14:21:38 Indagações sobre currículo 11 sobre questões consideradas significativas no desenvolvimento do currículo nas escolas. Analisa a estreita vinculação que há entre a concepção de currículo e as de Educação debatidas em um dado momento. Nessa perspectiva, aborda a passagem recente da preocupação dos pesquisadores sobre as relações entre currículo e conhecimento escolar para as relações entre currículo e cultura. Apresenta a construção do conhecimento escolar como característica da escola democrática que reconhece a multiculturalidade e a diversidade como elementos constitutivos do processo ensino-aprendizagem. • No texto “Diversidade e Currículo”, de Nilma Lino Gomes, procurou-se discutir alguns questionamentos que estão colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros da categoria docente: que indagações a diversidade traz para o currículo? Como a questão da diversidade tem sido pensada nos diferentes espaços sociais, principalmente nos movimentos sociais? Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? O que entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemos que esteja contemplada no currículo das escolas e nas políticas de currículo? No texto é possível perceber a reflexão sobre a diversidade entendida como a construção histórica, cultural e social das diferenças. Assim, mapear o trato que já é dado à diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relação entre diversidade e currículo. Para tanto é preciso ter clareza sobre a concepção de educação, pois há uma relação estreita entre o olhar e o trato pedagógico da diversidade e a concepção de educação que informa as práticas educativas. • Em “Currículo e Avaliação”, de Cláudia de Oliveira Fernandes e Luiz Carlos de Freitas, a avaliação é apresentada como uma das atividades do processo pedagógico necessariamente inserida no projeto pedagógico da escola, não podendo, portanto, ser considerada isoladamente. Deve ocorrer em consonância com os princípios de aprendizagem adotados e com a função que a educação escolar tenha na sociedade. A avaliação é apresentada como responsabilidade coletiva e particular e há defesa da importância de questionamentos a conceitos cristalizados de avaliação e sua superação. O texto faz considerações não só sobre a avaliação da aprendizagem dos estudantes que ocorre na escola, mas a respeito da avaliação da instituição como um todo (protagonismo do coletivo de profissionais) e ainda sobre a avaliação do sistema escolar (responsabilidade do poder público). texto02_3292.indd 11 3/10/2007 14:21:38 Introdução 12 OS TEXTOS EM SEU CONJUNTO APRESENTAM INDAGAÇÕES CONSTANTES. • Todos constatam as mudanças que vêm acontecendo na consciência e identidade profissional dos(as) educadores(as). Todos coincidem ao destacar as mudanças nas formas de viver a infância e a adolescência, a juventude e a vida adulta. O que há de coincidente nessas mudanças? Educadores e educandos se vendo e sendo reconhecidos como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento coloca os currículos, o conhecimento, a cultura, a formação, a diversidade, o processo de ensino-aprendizagem e a avaliação, os valores e a cultura escolar e docente, a organização dos tempos e espaços em um novo referente de valor: o referente ético do direito. Reorientar o currículo é buscar práticas mais conseqüentes com a garantia do direito à educação. • Todos os textos recuperam o direito à educação entendido como direito à formação e ao desenvolvimento humano, como humanização, como processo de apropriação das criações, saberes, conhecimentos, sistemas de símbolos, ciências, artes, memória, identidades, valores, culturas... resultantes do desenvolvimento da humanidade em todos os seus aspectos. • Todos os textos coincidem ao recuperar o direito ao conhecimento como o eixo estruturante do currículo e da docência. O conhecimento visto como um campo dinâmico de produção e crítica, de seleção e legitimação, de confronto e silenciamento de sua diversidade. Conseqüentemente, todos os textos repõem a centralidade para a docência e para o currículo dos processos de apreensão do conhecimento, da possibilidade de aprendizagem de todo ser humano, da centralidade dos tempos de aprender, das tensões entre conhecimento, aprendizagem e diversidade etc. • Todos os textos coincidem ao recuperar o direito à cultura, o dever do currículo, da escola e da docência de garantir a cultura acumulada, devida às novas gerações. O direito de se apropriarem das práticas e valores culturais, dos sistemas simbólicos e do desenvolvimento da função simbólica tão central na construção de significados, na apreensão do conhecimento e no desenvolvimento pleno do ser humano etc. Recuperar o direito à cultura, tão secundarizado nos currículos, é uma das indagações mais instigantes para a escola e a docência. Recuperar os vínculos entre cultura, conhecimento e aprendizagem. • Todos os textos têm como referente a diversidade, as diferenças e as desigualdades que configuram nossa formação social, política e cultural. Diversidades que os educadores e educandos levam para as escolas: sócio-étnico-racial, de gênero, de território, de geração texto02_3292.indd 12 3/10/2007 14:21:38 Indagações sobre currículo 1 COMO LER E TRABALHAR OS TEXTOS? Na especificidade de cada coletivo, escola e sistema, esses eixos poderão ser desdobrados, alguns serão mais enfatizados. Outras indagações poderão ser acrescentadas. Esse poderá ser um exercício dos coletivos. No conjunto de textos, prevalece um trato dialogal, aberto, buscando incentivar esse exercício de cultivar sensibilidades teóricas e pedagógicas para identificar e ouvir as indagações que vêm das teorias e práticas e para apontar reorientações. Cada texto pode ser lido e trabalhado separadamente e sem uma ordem seqüenciada. Cada eixo tem seus significados. Entretanto, será fácil perceber que as indagações dos diversos textos se reforçam e se ampliam. Na leitura do conjunto, será fácil perceber que há indagações que são constantes, que fazem parte da dinâmica de nosso tempo. Um exercício coletivo poderá ser perceber essas indagações mais constantes e instigantes, ver como se articulam e se reforçam entre si. Perceber essas articulações será importante para tratar o currículo e as práticas educativas das escolas como um todo e como propostas coesas de formação dos educandos e dos educadores. Captar o que há de mais articulado no conjunto de indagações auxiliará a superar estilos recortados e fragmentados de propostas curriculares, de abordagens do conhecimento e dos processos de ensino-aprendizagem. Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental texto02_3292.indd 15 3/10/2007 14:21:39 texto02_3292.indd 16 3/10/2007 14:21:40 Indagações sobre currículo 1 EDUCANDOS E EDUCADORES: SEUS DIREITOS E O CURRÍCULO Miguel G. Arroyo A reflexão sobre o currículo está instalada nas escolas. Durante as últimas décadas, o currículo tem sido central nos debates da academia, da teoria pedagógica, da formação docente e pedagógica. Como está chegando o debate aos profissionais da educação básica? Haveria um clima propício nas escolas ao repensar dos currículos? Partimos da constatação de que há um clima propício nas escolas ao repensar dos currículos. Neste texto, focalizamos as indagações que vêm dos sujeitos da ação educativa, dos profissionais, educadores-docentes e dos educandos. Educadores(as) indagam o Currículo Partimos de que os profissionais da educação infantil, fundamental, média, de EJA, da educação especial vêm se constituindo “outros” como profissionais. Sua identidade profissional tem sido redefinida, o que os leva a ter uma postura crítica sobre sua prática e sobre as concepções que orientam suas escolhas. Essa postura os leva a indagar o currículo desde sua identidade. Que indagações sobre o currículo vêm dessa nova identidade profissional? Esta indagação está posta à categoria e merece ser explicitada, assumida e trabalhada nas escolas e Redes. Por outro lado, as identidades pessoais vêm sendo redefinidas. Identidades femininas, negras, indígenas, do campo. A identificação de tantas e tantos docentes com os movimentos sociais suscita novas sensibilidades humanas, sociais, culturais e pedagógicas, que se refletem na forma de ser professora-educadora, professor-educador. Refletem-se na forma de ver os educandos, o conhecimento, os processos de ensinar-aprender. Que indagações sobre o currículo vêm dessa nova identidade pessoal e coletiva dos(as) educadores(as)? De formas diversas e em tempos diversos, essas indagações aparecem em encontros dos coletivos das escolas, em dias de estudo, em congressos de educadores(as). 1 Professor Titular Emérito da Faculdade de Educação da UFMG e Ex-Secretário Municipal Adjunto de Educação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. texto02_3292.indd 17 3/10/2007 14:21:40 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 20 3o) Os docentes, fiéis à nova consciência profissional, vêm reinventando formas de organizar seu trabalho. Reagem à condição de aulistas e avançam na autoria de sua prática. Como? Reivindicam horários de estudo, planejamento, tempos de atividades programadas. Tempos coletivos. Como essa condição de sujeitos cada vez mais qualificados e com maiores tempos de qualificação e controle de seu trabalho vem afetando seu controle sobre os currículos e sobre as práticas educativas? Em que pode mudar os currículos e essas práticas o fato de ter aumentado a capacidade de autoria dos docentes de educação básica? Essa capacidade se reforça no trabalho coletivo, na autoria coletiva. Uma forma de trazer o currículo para o cotidiano profissional vem de uma prática que se torna familiar nas escolas: o trabalho mais coletivo dos(as) educadores(as). O planejamento por coletivos de área ou por coletivos de ciclo passou a ser um estilo de trabalho que tende a se generalizar. Tanto cada profissional quanto esses coletivos revêem os conteúdos de sua docência e de sua ação educativa. Junto com os administradores das escolas, escolhem e planejam prioridades e atividades, reorganizam os conhecimentos, intervêm na construção dos currículos. Poderíamos dizer que isolada, mas, sobretudo coletivamente, vão construindo parâmetros de sua ação profissional. Sem dúvida, o avanço dessa prática de trabalho coletivo está se constituindo em uma dinâmica promissora para a reorientação curricular na educação básica. Esses coletivos de profissionais terminam produzindo e selecionando conhecimentos, material, recursos pedagógicos. Tornam-se produtores coletivos do currículo. Como exercermos o direito e a responsabilidade de ser autores coletivos do repensar dos currículos e de nossas práticas? Um exercício interessante pode ser mapear e intercambiar essas práticas coletivas. Uma vez feito esse exercício, podemos perguntar-nos pelos significados dessas práticas educativas. 4o) Ao mesmo tempo em que os educadores têm novas sensibilidades sobre si mesmos e sobre suas identidades, mudanças significativas vêm acontecendo nas identidades dos educandos. Também são “outros”, como crianças e adolescentes, como jovens e adultos. As identidades dos educadores sempre se conformaram em diálogo, até tenso, com as identidades dos educandos. Estamos em um desses momentos tensos. (Arroyo, Miguel, 2004).3 Como o mal-estar nas escolas na relação mestres-alunos pode estar indagando os currículos? As indisciplinas, o desinteresse teriam a ver com os conteúdos da docência, com os processos de aprendizagem e com a organização escolar e curricular? Os educandos, sujeitos também centrais na ação educativa, são condicionados pelos conhecimentos a serem aprendidos e, sobretudo, pelas lógicas e tempos predefinidos em que terão de aprendê-los: preocupa-nos 3 Dedico a estas tensões vários capítulos do livro Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Ed. Vozes, 2004, 3ª. Edição, 2006. texto02_3292.indd 20 3/10/2007 14:21:40 Indagações sobre currículo 21 que tantos alunos tenham problemas de aprendizagem. Talvez muitos desses problemas sejam de aprendizagem nas lógicas temporais e nos recortes em que organizamos os conhecimentos nos currículos. Mas dado que essas lógicas e ordenamentos temporais se tornaram intocáveis, resulta mais fácil atribuir os problemas à falta de inteligência dos alunos e a seus ritmos lentos de aprendizagem. Medimos os educandos pela aprendizagem dos conteúdos curriculares. Entretanto, muitos coletivos docentes passam a investigar os currículos a partir dos educandos. Há novas sensibilidades nas escolas e na docência em relação aos educandos. Não há como ignorá-los. Interrogam-nos sobre o que ensinamos, como ensinamos, sobre a organização escolar e curricular. Muitos docentes adotam pedagogias mais participativas, reconhecem os educandos como sujeitos da ação educativa. À medida que as sensibilidades se voltam para os sujeitos da ação educativa, para nossas identidades e saberes docentes e, sobretudo, para nosso trabalho, e à medida que temos outro olhar sobre os educandos, torna-se obrigatório ter outra visão sobre a prática escolar, os currículos, os tempos e seu ordenamento. Daí que se instalou como central a preocupação com o repensar dos conteúdos de nossa docência e, sobretudo, o repensar das lógicas em que são estruturados. Como os currículos afetam o trabalho de administrar e de ensinar e o trabalho de aprender dos educandos? Esta pode ser uma outra porta de entrada para repensar e reinventar os currículos; explorar as novas sensibilidades dos docentes para com os educandos. Como os vemos, como nos obrigam a vê- los, terminará obrigando-nos a repensar o que ensinar, o que aprender e em que lógicas. Nas próximas páginas, as reflexões focalizam os educandos e as educandas, como estão mudando e obrigando-nos a rever nosso olhar sobre eles e elas e sobre os conteúdos da nossa docência e de suas aprendizagens. Os educandos nos obrigam a rever os currículos A hipótese que pode nos guiar para o debate é que o ordenamento curricular não representa apenas uma determinada visão do conhecimento, mas representa também e, sobretudo, uma determinada visão dos alunos. Os educandos nunca foram esquecidos nas propostas curriculares, a questão é com que olhar foram e são vistos. Desse olhar dependerá a lógica estruturante do ordenamento curricular. Ainda que resistamos a aceitá-lo, o que projetamos para os alunos no futuro Como os currículos afetam o trabalho de administrar e de ensinar e o trabalho de aprender dos educandos? texto02_3292.indd 21 3/10/2007 14:21:40 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 22 e como os vemos no presente têm sido a motivação mais determinante na organização dos saberes escolares. O currículo parte de protótipos de alunos, estrutura-se em função desses protótipos e os reproduz e legitima. O ordenamento curricular termina reproduzindo e legitimando a visão que, como docentes ou gestores, temos dos educandos, das categorias e das hierarquias em que os classificamos. Na família somos filhos, filhas; na escola somos alunos, alunas. Durante o percurso escolar aprendemos a ser alunos, como a escola quer, ou espera que sejamos. A escola fará tudo para que aprendamos a ser o protótipo de alunos que ela deseja. A figura de aluno e os diversos protótipos de alunos são uma invenção do sistema escolar (Sacristan, J. Gimeno, 2003). O molde para conformá-los é o ordenamento curricular. Há uma relação direta entre as formas como temos estruturado os currículos e os processos de com- formação dos diversos protótipos de aluno que esperamos. A construção de nossas identidades docentes e gestoras tem caminhado em paralelo com a construção do aluno como figura escolar. As organizações de currículo têm sido a forma em que os protótipos legitimados tanto de docentes quanto de alunos foram desenhados e são reproduzidos. Os processos de seleção e exclusão, por exemplo, dos educandos com necessidades especiais são justificados na suposta incapacidade de acompanhar o ordenamento e a seqüenciação das aprendizagens previstas nos currículos. O currículo vem conformando os sujeitos da ação educativa – docentes e alunos. Conforma suas vidas, produz identidades escolares: quem será o aluno bem sucedido, o fracassado, o aprovado, o reprovado, o lento, o desacelerado, o especial. Ser reconhecido como escolarizado ou não e em que nível condiciona até o direito ao trabalho. Como essas tipologias de aluno são produzidas pelas lógicas curriculares? Como marcam as identidades das infâncias, adolescências e até da vida adulta? Nossas vidas dependem do aluno que fomos, bem sucedidos ou fracassados na escola. Logo, as indagações sobre os Currículos não devem privilegiar apenas que conhecimentos ensinar-aprender, mas como ordená-los, organizá-los, em que lógicas, hierarquias e precedências, em que tempos, espaços. Pensar em que organização do trabalho são enquadrados os educandos, se é a forma mais propícia para aprender e se formar. Se reconhecemos o papel constituinte dos educandos sobre o currículo e deste sobre os educandos, somos obrigados a repensar os currículos e as lógicas em que os estruturamos. Estas lógicas são muito mais conformadoras das identidades dos alunos do que as lições que transmitimos. Estes pontos têm merecido estudos e debates nas escolas. O ordenamento curricular termina reproduzindo e legitimando a visão que, como docentes ou gestores, temos dos educandos, das categorias e das hierarquias em que os classificamos. texto02_3292.indd 22 3/10/2007 14:21:40 Indagações sobre currículo 2 Essa visão dos alunos como empregáveis tem marcado profundamente as auto-imagens docentes – sermos vistos como treinadores e preparadores de mão-de-obra habilitada nas exigências do mercado –, imagens reducionistas da docência, desmotivadoras. Poderemos fazer outra tarefa: refletir coletivamente sobre como o lugar dado aos educandos nos currículos e o olhar com que os enxergamos têm condicionado o nosso lugar como educadores-docentes, mestres, professores, administradores. Nossas imagens profissionais se refletem nas imagens que temos dos alunos. Se os educandos não passam de capital humano a ser capacitado para as demandas hierarquizadas do mercado e se o currículo se organiza nessa lógica segmentada, os profissionais que trabalham esses conteúdos serão segmentados, hierarquizados e valorizados ou desvalorizados na mesma lógica segmentada e hierarquizada do mercado. Muitas escolas e muitos coletivos docentes têm questionado essa visão mercantilizada dos educandos, do conhecimento, da docência e dos currículos. São freqüentes encontros, debates e oficinas nas escolas desmistificando as crenças na estreita relação entre o domínio das competências escolares e a empregabilidade. Esta relação mecânica, linear ainda é sustentável? Não se torna necessária uma visão crítica? Para essa crítica, podem ser coletados dados que sirvam de base para o estudo. Por exemplo, os dados do IBGE e análises de centros de pesquisa não encontram relação positiva entre empregabilidade e escolaridade. Estudos nos repetem: “apesar do aumento da escolarização, a inserção dos mais pobres no mercado de trabalho está praticamente desaparecendo”; “para os jovens das camadas médias cada vez está mais distante a certeza de que uma escola de qualidade lhes garantirá um emprego de qualidade em um mercado tão inseguro”. Podemos fundamentar nosso estudo em pesquisas com os alunos, verificando se o estudo de seus irmãos, amigos e parentes abre automaticamente as portas do emprego ou se eles não encontram emprego. Podemos trazer como dados nossas trajetórias de estudo e qualificação e de emprego e salários. Quantos anos de estudo, quantas novas titulações e os horizontes profissionais não se abrem, estreitam-se. Desmistificar essa crença tão persistente no olhar sobre os educandos, sobre a docência e os conteúdos da docência é pré-requisito para repensar os currículos. Podemos aproximar-nos da sociologia do trabalho que vem estudando a recessão econômica e a desregulação do trabalho e a expansão do trabalho informal. Neste quadro teremos de rever as supostas relações mecânicas entre escolarização e mercado de emprego. Conseqüentemente superar a visão dos alunos como empregáveis, como mercadoria é precondição para repensar os currículos. Podemos dedicar tempos de estudo para identificar as conseqüências dessa visão mercantil dos educandos e dos currículos e da docência. texto02_3292.indd 25 3/10/2007 14:21:41 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 2 Destacamos algumas conseqüências para o repensar dos currículos: Primeiro, nós, docentes, sujeitos de nosso trabalho, perdemos autonomia e ficamos à mercê das habilidades que o mercado impõe aos futuros trabalhadores. Nesse atrelamento de o que privilegiar na docência quanto às exigências do mercado, nossos horizontes profissionais se fecham, perdemos a autoria, estreitamos o leque de auto-escolhas, renunciamos à possibilidade de ter outro projeto de sociedade, de formação humana, de educação. Vendemos nossa realização profissional ao mercado. Segundo, reduzimos o currículo e o ensino a uma seqüenciação do domínio de competências e a uma concepção pragmatista, utilitarista, cientificista e positivista de conhecimento e de ciência. Currículos presos a essa concepção tendem a secundarizar o conhecimento e a reduzir o conhecimento à aquisição de habilidades e competências que o pragmatismo do mercado valoriza. Terminamos por renunciar a ser profissionais do conhecimento, deixamos de ser instigados pelo conhecimento, sua dinâmica e seus significados e terminamos por não garantir o direito dos educandos ao conhecimento. O mercado é pouco exigente em relação aos conhecimentos dos seus empregados. O que valoriza é a eficácia no fazer. Terceiro, é sensato e profissional relativizar o papel das demandas do mercado na hora de indagar e reorientar currículos. É urgente recuperar o conhecimento como núcleo fundante do currículo e o direito ao conhecimento como ponto de partida para indagar os currículos. O Direito aos saberes sobre o trabalho Relativizando as demandas do mercado estaremos negando aos(às) educandos(as) seu direito à preparação para o trabalho? Teremos de separar educação-docência-currículo e trabalho? O direito ao trabalho é inerente à condição humana, é um direito humano. Reconhecer o direito ao trabalho e aos saberes sobre o trabalho terá de ser um ponto de partida para indagar os currículos. Ter como referente ético o direito dos educandos ao trabalho e o direito aos conhecimentos e saberes dos mundos do trabalho irá além do referente mercantil, do aprendizado de competências. Lembremos que, no último século, os profissionais e os trabalhadores resistiram e continuam resistindo a ser reduzidos à mercadoria e para isso vêm lutando para dominar os conhecimentos e saberes sobre o trabalho que a redução à mercadoria lhes negou e nega. Vêm exigindo o direito à formação, ao conhecimento, a se apropriar dos conhecimentos e das tecnologias, das ciências, para o controle do trabalho e para sua autonomia política. texto02_3292.indd 26 3/10/2007 14:21:41 Indagações sobre currículo 2 Dessa história chegam às escolas, aos currículos e a nós, profissionais do conhecimento, indagações para não reduzir os saberes sobre o trabalho ao domínio de um elenco de habilidades e competências pragmáticas, mas ir além e garantir o direito a aprender a utilizar os instrumentos e tecnologias da produção para seu controle. Podemos refletir também sobre nossa história de lutas pelo direito ao trabalho, à qualificação profissional e aos saberes sobre a realidade do trabalho. Nas últimas décadas, os professores se afirmaram como trabalhadores em educação, avançaram no conhecimento do trabalho docente e dos mundos do seu trabalho, suas dimensões políticas, culturais, éticas. Avançar nesses conhecimentos passou a ser visto como um direito da condição de trabalhadores em educação. Pensemos de mesma forma sobre os educandos e seus direitos ao trabalho e aos saberes sobre os mundos do trabalho como uma das dimensões de seu direito ao conhecimento socialmente produzido. Em síntese, nos defrontamos com dois referentes na organização curricular: o referente do mercado e o referente dos direitos dos educandos e educadores. Equacionar os conhecimentos e as competências no referente do mercado nos levará a uma visão pragmatista, utilitarista, parcializada e segmentada do conhecimento e do currículo. Equacionar o conhecimento, as competências e o currículo no referente do direito de todo ser humano, particularmente das novas gerações à produção cultural da humanidade, nos levará a um currículo mais rico, mais plural. Um currículo que não secundarize, antes inclua com destaque, mas como direito, a oralidade, a escrita, a matemática, as ciências e as técnicas de produção, o domínio dos instrumentos e equipamentos culturais produzidos para qualificar o trabalho como atividade humana. No referente ético do direito à produção cultural da humanidade, não serão secundarizadas as inovações tecnológicas na comunicação e informação como não será esquecida a diversidade de sistemas simbólicos e de linguagens, nem o domínio dos instrumentos, lógicas e formas de pensar e de apreender, que a humanidade acumulou e que capacitem as novas gerações para novas formas de pensar e de agir. (Lima, Elvira S., 2007).4 Este currículo, pautado pelo referente ético da garantia do direito, não se reduz, antes amplia a experiência humana dos educandos. O referente estreito do mercado nos tem levado a reduzir a experiência dos educadores e educandos à condição de mercadoria. O referente ético do direito nos leva 4 Lima, Elvira S. Currículo e Desenvolvimento Humano. Brasília, MEC, 2007 (nesta coletânea). Equacionar o conhecimento, as competências e o currículo no referente do direito de todo ser humano, particularmente das novas gerações à produção cultural da humanidade, nos levará a um currículo mais rico, mais plural. texto02_3292.indd 27 3/10/2007 14:21:41 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 30 As competências e habilidades, que deverão ser aprendidas e em que tempos e ritmos, por bimestres, séries, níveis, têm como referente os alunos vistos como os mais capazes, sem problemas de aprendizagem, os acelerados, não-defasados, bem sucedidos. Estes alunos passam a ser catalogados como os “normais” ou os desejados e o resto como anormais, deficientes mentais. Até as deficiências físicas são vistas como deficiências mentais. Tudo nas escolas é pensado para esse padrão de normalidade ou de aluno desejado: os conteúdos e seu ordenamento, as provas, os tempos e ritmos de aprendizagem. Aluno padrão a partir do qual serão avaliados os “outros” alunos. Os dados revelam que altas porcentagens de alunos que não atingem esse padrão de normalidade são classificados como incapazes, fracassados, lentos, deficientes. Serão reprovados e condenados a repetir e multirrepetir, tentar de novo até atingir o ritmo, o sucesso dos bem sucedidos vistos como os normais, como os capazes. Há uma espécie de incongruência na lógica escolar: partir da certeza de que os alunos são desiguais em capacidades de aprender, mas organizar um currículo único, igual, tendo como parâmetros os alunos tidos como mais capazes. Considerando como os capazes aqueles poucos que passarão nos vestibulares, que aprenderão com sucesso as competências exigidas para entrada na universidade e nas empresas, instituições regidas por critérios de mérito e sucesso. Estes são os parâmetros de conhecimentos a ser consagrados como o currículo de qualidade desde o pré-escolar e, sobretudo, desde a 5a série/6º ano do ensino fundamental. Esta lógica está tão incrustada na administração do ensino, na aprendizagem e na avaliação dos conteúdos escolares que nem se aceita qualquer debate que a coloque em dúvida. O argumento que logo é apresentado é que qualquer tentativa de repensar os currículos superando essas supostas desigualdades será rebaixar a qualidade da docência e da escola. Partimos de uma visão que não reconhece os alunos iguais perante as capacidades de aprender, conseqüentemente tudo se organiza nas escolas tratando-os como desiguais, por incapacidade, por natureza, raça, classe, entretanto, organizamos os conteúdos a serem ensinados e aprendidos tendo como parâmetro único os supostamente mais capazes e acelerados. As conseqüências dessa lógica na gestão dos conteúdos estão espelhadas nas persistentes e familiares estatísticas sobre alunos fracassados, lentos, desacelerados, defasados, reprovados e repetentes – dados que comprovam as nossas crenças e hipóteses. Partimos da hipótese de que os seres humanos somos desiguais nas capacidades mentais e organizamos os conteúdos de forma hierárquica, montamos turmas em função dessas supostas desigualdades mentais e até físicas, aplicamos provas seletivas para avaliar as supostas desigualdades mentais, avaliamos os resultados com a lógica mais positivista e cientificista e concluímos com certeza que os alunos são mesmo desiguais nas capacidades mentais. Concluímos que a organização dos conteúdos, os critérios de enturmação, as provas, as hierarquias não são texto02_3292.indd 30 3/10/2007 14:21:41 Indagações sobre currículo 31 inventos nossos. São apenas a confirmação de que os alunos, as capacidades mentais dos seres humanos são realmente desiguais. Os imaginados como desiguais se mostram realmente desiguais. Qual a reação das escolas, dos docentes e gestores diante desses dados tão chocantes? Culpar os alunos, suas famílias, seu meio social, sua condição racial e até suas limitações físicas pelas capacidades desiguais de aprender. Os hierarquizados como desiguais na sociedade continuarão vistos e tratados como desiguais nas escolas. A escola e os docentes concluirão que não são eles que têm um olhar viciado sobre os alunos, mas são mesmo os alunos que chegam às escolas desiguais em capacidades mentais e físicas e em condições sociais. Poderíamos ter outra postura: reconhecer que a sociedade cria desiguais e, não obstante, como profissionais do conhecimento e dos processos mentais de aprendizagem, partir de onde as ciências partem: de que toda mente humana é igualmente capaz de aprender. O preocupante é que não é este o ponto de partida. Partimos de que são desiguais na sociedade, porque são desiguais nas capacidades mentais e nos ritmos de aprender. Confirmamo-nos nessa crença, a partir dos resultados das avaliações classificatórias que nós mesmos criamos. Os resultados apenas reconfirmam os olhares viciados: os desiguais por classe, raça, etnia são vistos como desiguais nas capacidades e ritmos de aprendizagem dos conteúdos ou do conhecimento socialmente acumulado. É preocupante que, por décadas, continuemos incapazes ou com medo de questionar nosso olhar que classifica os alunos como desiguais perante as capacidades de aprender. Como é preocupante que o ordenamento dos conteúdos e sua gestão tenha por parâmetro as mentes tidas como as mais capazes e aceleradas, as mentes “normais”, e avalie a todos por esse parâmetro excludente, tido como democrático. Na última década, muitas Redes, escolas e coletivos docentes passaram a incomodar-se com esses resultados e com os olhares sobre os alunos e as lógicas escolares e curriculares que os produzem. Muitas são as iniciativas, mas superam as velhas crenças? A atitude mais freqüente é manter o olhar classificatório dos alunos e o padrão de normalidade bem sucedida na gestão dos conteúdos e tentar pôr remédios para os mal-sucedidos, os lentos, desacelerados, fracassados, os deficientes físicos. Por exemplo, o reforço e recuperação paralela, extraturno, nas férias, agrupá-los em turmas de aceleração e turmas especiais e até enclausurá-los em espaços segregados. Outra iniciativa é rever a avaliação, seus critérios, chegando a modelos de aprovação contínua e até automática. São desiguais, logo empurrá- los para frente com suas desigualdades. Iniciativas que não superam as É preocupante que, por décadas, continuemos incapazes ou com medo de questionar nosso olhar que classifica os alunos como desiguais perante as capacidades de aprender. texto02_3292.indd 31 3/10/2007 14:21:41 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 32 velhas lógicas que vêem os seres humanos, os alunos como desiguais nas capacidades mentais, de aprender. A persistência dessa lógica leva a estratégias compensatórias com as mentes e os corpos que supomos menos capazes, lentos, desacelerados, deficientes. Já que por natureza são menos capazes, lentos, desacelerados, tentemos minimizar essas incapacidades mentais acelerando seus ritmos lentos. O repensar dos currículos tende a seguir a mesma lógica: flexibilizar ou adaptar os currículos a seus ritmos ou exigir mais tempos, mais anos, seja repetindo, seja acrescentando um ano a mais após cada ciclo, mantendo currículos rígidos. Há coletivos, escolas e Redes que se atrevem a repensar a crença na desigualdade de capacidades mentais dos seres humanos. Podemos encontrar iniciativas mais corajosas: escolas e Redes que se atrevem a repensar os olhares e as lógicas e perguntar-se se há bases teóricas que sustentam a desigualdade de capacidades para aprender entre os seres humanos. Professores individualmente ou em coletivos docentes se atrevem a rever a lógica que estrutura os conhecimentos, os tempos de aprendizagem, superando classificações e hierarquias por supostas capacidades desiguais de aprender. Como superar as velhas crenças na desigualdade mental, intelectual dos educandos? Muitos coletivos docentes dedicam tempos ao estudo dessas questões. Aproximam-se das contribuições das várias ciências que estudam a mente humana (Gerome Bruner, 2001). Se somos profissionais do conhecimento e se os currículos organizam conhecimentos, é obrigação de ofício entender como a mente humana aprende. Repensar os currículos à luz dos avanços da ciência sobre os complexos processos do aprender humano (Lima, Elvira S., 1998 e 2007, texto nestas Indagações sobre o Currículo). Podemos colocar-nos algumas perguntas para nosso pensar coletivo: ainda vemos os educandos como desiguais nas capacidades de aprender? Poderíamos estudar as ciências que provam que toda mente humana tem as mesmas capacidades de aprender? Que iniciativas estamos adotando? Professores individualmente ou em coletivos docentes se atrevem a rever a lógica que estrutura os conhecimentos, os tempos de aprendizagem, superando classificações e hierarquias por supostas capacidades desiguais de aprender. texto02_3292.indd 32 3/10/2007 14:21:41 Indagações sobre currículo 3 Ver os educandos como aprendizes nos leva a ver-nos como profissionais dos processos de aprendizagem, da apreensão de significados. Obrigados a ser competentes em questões que vão se tornando familiares: como a mente humana aprende? Em que tempos e em que processos? Os alunos deixam de ser vistos apenas como atentos ou desatentos aos conteúdos condensados nos currículos para serem vistos como sujeitos em complexos processos de apropriação de saberes, conhecimentos, valores, culturas, dos instrumentos e das técnicas. À medida que passamos a entender mais desses processos de aprender, os currículos, o que ensinar e como adquirem novas dimensões. A questão nuclear não deixa de ser o que ensinar, como ensinar, como organizar os conhecimentos, porém, tendo como parâmetro os processos de aprendizagem dos educandos em cada tempo humano, tempo mental, cultural. As lógicas do aprender humano passam a ser as determinantes do ordenamento dos conteúdos do ensinar. Somos obrigados a repensar e superar as tradicionais lógicas centradas em uma suposta ordem precedente, hierarquizada e segmentada dos conhecimentos e somos obrigados a perguntar-nos pela lógica em que toda mente humana aprende. Um olhar mais profissional da docência e do ordenamento curricular. A preocupação com os educandos como aprendizes tem levado os professores a organizarem dias de estudo e oficinas para aprofundar questões como estas: que sabemos sobre a aprendizagem humana? Todo ser humano tem as mesmas capacidades de aprender? Tem fundamento teórico a suposta desigualdade natural, nas capacidades de aprender? As condições corpóreas, de classe, raça, gênero limitam as capacidades de aprender? O que os avanços das ciências nos trazem para compreender questões tão básicas para nosso pensar-fazer profissional? Os questionamentos nos dias de estudo nos levam aos currículos: em que aspectos os avanços das ciências sobre os processos de aprender interrogam as lógicas em que organizamos os conhecimentos e suas aprendizagens? Impõem-se outros parâmetros e outras lógicas na seleção do que aprender e no seu ordenamento. Para alimentar e dar densidade aos dias de estudo ou às oficinas, os coletivos escolares têm buscado se atualizar nos avanços que as ciências vêm fazendo na compreensão dos processos de aprender, na igualdade de toda mente humana nesses processos. Os avanços das ciências desconstroem nossos olhares hierárquicos e classificatórios das capacidades e ritmos dos alunos e nos levam a visões mais Em que aspectos os avanços das ciências sobre os processos de aprender interrogam as lógicas em que organizamos os conhecimentos e suas aprendizagens? texto02_3292.indd 35 3/10/2007 14:21:42 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 3 respeitosas e igualitárias. Mais profissionais. Os critérios de organização dos currículos se tornam mais igualitários. Como organizar os conhecimentos que toda mente humana é capaz de aprender? Esta passa a ser uma questão nuclear no repensar dos Currículos. À medida que estas questões vindas da visão dos alunos e suas aprendizagens interrogam nosso profissionalismo, somos levados a rever as lógicas em que estruturamos os conhecimentos curriculares. Somos obrigados a rever-nos. Um outro Olhar sobre os Educandos. Um outro Olhar sobre os Currículos. Os coletivos que assumem a tarefa de pesquisar qual a centralidade dos educandos nas propostas curriculares constatam que esse lugar não aparece explicitado, o que leva à impressão de que os educandos estão fora do foco da organização dos currículos. Um olhar mais atento vai descobrindo que eles estão presentes, na sombra, ou melhor, na lógica subjacente em que as habilidades, competências e saberes curriculares são estruturados. Quando os coletivos chegam a essa constatação se impõe uma questão: se o olhar sobre os educandos é tão determinante das orientações curriculares, será que nas últimas décadas esse olhar foi se redefinindo? Em que medida redefinições no olhar sobre os educandos têm reorientado ou poderão reorientar os currículos da educação básica? Uma tarefa nos encontros das escolas e dos coletivos docentes pode ser voltar-nos sobre nossa história mais recente, sobre as mudanças que vêm acontecendo nas auto-imagens docentes e nas imagens dos educandos. Mudamos bastante as formas de olhar-nos e de olhar os educandos e, como conseqüência, as formas de olhar os currículos, a educação, as escolas e a docência. Poderíamos dizer que os educandos estão se tornando mais centrais e mais determinantes do repensar dos currículos? Nós mesmos professores, educadores nos tornamos mais centrais? Ao menos mestres e alunos ou educadores e educandos adquirimos novas centralidades na hora de equacionar o que ensinar, o que aprender, o que privilegiar, o que estará ausente ou secundarizado. Pensemos em alguns momentos desse percurso no repensar curricular a partir do percurso no nosso olhar sobre nós e sobre os educandos. texto02_3292.indd 36 3/10/2007 14:21:42 Indagações sobre currículo 3 Educadores e educandos, sujeitos de direitos Ver-nos como profissionais sujeitos de direitos tem sido determinante na desconstrução de imagens tradicionais do magistério e na construção de novas imagens e identidades docentes. A questão que se impõe a nossa reflexão é em que medida esses avanços têm sido acompanhados por uma visão dos educandos como sujeitos de direitos. Avançamos também nessa direção? A sociedade avançou. Já em 1959 foi aprovada a Convenção sobre os Direitos da Infância, na ONU. Em 1990, por meio do Estatuto da Infância e da Adolescência – ECA –, o Brasil reconheceu a infância e a adolescência como tempos de direitos. Em todos os Estatutos e Convenções sobre os Direitos Humanos e os Direitos da Infância e da Adolescência aparece a educação como direito de todo ser humano, de toda criança e adolescente por serem humanos. Sem condicionantes. Que conseqüências podemos tirar desse reconhecimento incondicional dos educandos como sujeitos de direitos? Tentar responder a essa pergunta exigirá encontros, oficinas, estudos. Exigirá rever as imagens da docência, da função da escola e do ordenamento dos currículos. Tentemos apontar nessa direção. Se os alunos são sujeitos de direitos, nossas imagens docentes adquirem novas dimensões: trabalhamos em um campo social reconhecido como campo de direitos, a educação; trabalhamos com sujeitos e tempos de direitos. Somos profissionais de direitos. Logo, os currículos organizam conhecimentos, culturas, valores, técnicas e artes a que todo ser humano tem direito. Tem sido esse o critério na seleção e organização dos saberes curriculares? Essas identidades dos educandos e nossas, tendo como referencial os direitos, nos obrigarão a fazer escolhas sobre o que ensinar e aprender a partir do conhecimento e da cultura, dos valores, da memória e identidade na diversidade a que os educandos têm direito. Significará inverter prioridades ditadas pelo mercado e definir prioridades a partir do imperativo ético do respeito ao direito dos educandos. Somente partindo do reconhecimento dos educandos como sujeitos de direitos, estaremos em condições de questionar o trato seletivo e segmentado em que ainda se estruturam os conteúdos. Guiados pelo imperativo ético dos direitos dos educandos, seremos obrigados a desconstruir toda estrutura escolar e toda organização e ordenamento curricular legitimados em valores do mérito, do sucesso, em lógicas excludentes e seletivas, em hierarquias de conhecimentos e de tempos, cargas-horárias. Por exemplo, desconstruir o atual ordenamento em saberes, A questão que se impõe a nossa reflexão é em que medida esses avanços têm sido acompanhados por uma visão dos educandos como sujeitos de direitos. texto02_3292.indd 37 3/10/2007 14:21:42 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 40 jovens, que o ordenamento escolar pressupõe, não coincidam com as vidas de milhões de educandos e de educandas. São vidas precárias, imprevisíveis, não liberadas, atoladas na sobrevivência mais elementar, exercendo sua liberdade nos limites. A lógica a que a sociedade submete suas existências não coincide, antes, se defronta com as lógicas que inspiram o ordenamento curricular. Esses educandos e essas educandas populares interrogam os modelos de ordenamento curricular que prevalecem em nosso sistema escolar e nos obrigam a repensar políticas e diretrizes curriculares. Que fazer? Esperar que um dia esses milhões de alunos que se debatem entre o direito a viver, a sobreviver e o direito à educação sejam liberados do trabalho, da sobrevivência, de escolhas no limite? Bolsa-escola? Bolsa-família? Sabemos das possibilidades, mas também dos limites dessas políticas como instrumentos de libertação e de garantia dos direitos mais básicos da infância-adolescência popular. Esses programas têm o mérito de perceber as tensões entre os tempos de sobrevivência e os tempos de escola, tentam minimizar essas tensas relações melhorando as condições de sobrevivência, porém, será necessário que os sistemas educativos façam sua parte. Que a organização de seus tempos e conteúdos torne menos tensa a relação entre os tempos a que são condenadas crianças, adolescentes e juventude populares e os tempos de escola. A escola vem fazendo esforços para repensar-se em função da vida real dos sujeitos que têm direito à educação, ao conhecimento e à cultura? Tenta inventar uma organização escolar e curricular a serviço da concretude dos direitos que tem por função garantir? Por que não nos atrever a repensar as lógicas do ordenamento escolar e curricular a partir da infância-adolescência sujeitos reais de direitos? O que impede atrever-nos a construir outros ordenamentos mais próximos dos sujeitos reais do direito ao conhecimento, à cultura, à educação? Não seriam a escola, os currículos os obrigados a se adaptar aos sujeitos reais do direito à educação? Por que construir um ordenamento ideal e esperar que as vidas dos sujeitos reais a ele se adaptem? Interrogações que estão postas no Sistema Escolar Brasileiro desde que os setores populares vêm pressionando pelo seu direito a nele entrar. Interrogações que pressionam as políticas curriculares e até as teorias dos currículos. Interrogações que os coletivos docentes vêm assumindo como suas questões. Que fazer? Esperar que um dia esses milhões de alunos que se debatem entre o direito a viver, a sobreviver e o direito à educação sejam liberados do trabalho, da sobrevivência, de escolhas no limite? texto02_3292.indd 40 3/10/2007 14:21:42 Indagações sobre currículo 41 Os educandos: sujeitos do direito à formação plena Nunca falamos tanto em direito à educação. Estaremos recuperando o campo da educação? A nova LDB nº 9394/96 recoloca a educação na perspectiva da formação e do desenvolvimento humano: o direito à educação entendido como direito à formação e ao desenvolvimento humano pleno. A nova LDB se afasta da visão dos educandos como mão-de-obra a ser preparada para o mercado e reconhece que cada criança, adolescente, jovem ou adulto tem direito à formação plena como ser humano. Reafirma que essa é uma tarefa da gestão da escola, da docência e do currículo. Uma retomada do humanismo pedagógico? Diríamos que faz parte de uma retomada dos sujeitos na sociedade, nas ciências, nas artes, nos movimentos sociais. No protagonismo da infância e da juventude. Também faz parte da sensibilidade das escolas e dos seus profissionais como seres humanos. São freqüentes congressos, encontros de professores nos quais se debate a relação entre educação, docência, conteúdos da docência e formação dos educandos. Em que aspectos essa retomada do direito à formação interroga os currículos? Pensemos em algumas conseqüências para o repensar dos currículos. Em primeiro lugar, reconhecer os educandos como sujeitos do direito à formação plena nos obriga a recuperar dimensões da docência e dos currículos soterradas sob o tecnicismo, o positivismo e o pragmatismo que dominaram por décadas o campo do ensino. Obriga-nos a repensar o ensinar e situá-lo no campo mais fecundo do direito à educação e à formação plena; a indagar-nos pelas dimensões a serem formadas para garantir o direito à plena formação das crianças e adolescentes, jovens ou adultos com que trabalhamos. Vê-los em sua totalidade humana, como sujeitos cognitivos, éticos, estéticos, corpóreos, sociais, políticos, culturais, de memória, sentimento, emoção, identidade diversos... Vê-los não recortados nessas dimensões, mas em sua totalidade humana. Sabemos que os currículos têm privilegiado umas dimensões, secundarizado – e até ignorado – outras. Como arquitetar um currículo que dê conta do direito à formação básica plena? Que dimensões incorporar? Como ordenar, organizar essa pluralidade de dimensões e faculdades a desenvolver sem recortes, segmentações e hierarquias, mas em uma concepção de totalidade? Que função mediadora terão os conhecimentos e a cultura nessa formação humana plena e articulada? Questões inadiáveis no repensar dos currículos. Como trabalhá-las nas escolas? Podem ser organizados dias de estudo e oficinas para em coletivo analisar que dimensões da formação de uma criança ou adolescente, de um jovem ou adulto têm sido privilegiadas nos currículos, nas várias áreas e disciplinas; que dimensões não são trabalhadas ou são secundarizadas. O peso dado a cada área em cargas horárias tão desiguais já é um indicador das dimensões priorizadas e secundarizadas. Mas há dimensões da formação texto02_3292.indd 41 3/10/2007 14:21:42 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 42 humana ignoradas. Quais? As dimensões éticas, culturais, estéticas, corpóreas, identitárias, a diversidade de gênero, raça, etnia, a autonomia intelectual e moral, a memória, a emoção etc. Por que foram ignoradas? Que importância têm na formação plena? Que conseqüências trazem que a pedagogia, a docência, os currículos ignorem dimensões tão básicas do ser humano? Estas questões são próprias de nosso ofício de ensinar-educar. Com elas se defrontam muitos coletivos de profissionais da educação. Atrever-nos a incorporar a formação dessa pluralidade de dimensões enriquecerá os currículos, a docência e a pedagogia. Outra conseqüência pode ser estarmos atentos à pluralidade de tempos, espaços, processos, em que nos formamos. A LDB no seu 1o Artigo nos lembra de alguns desses espaços formadores: a família, o trabalho, o lugar, a cidade, o campo, os movimentos sociais, a cultura, a sobrevivência, a escola. Lembra-nos de que os processos de formação nas escolas são inseparáveis do conjunto de processos de socialização e sociabilidade em que se formam os alunos. Como articular essa pluralidade de processos formadores em uma proposta sistematizada, pedagógica, de formação nos tempos de escola? Que estrutura curricular dará conta da função específica da escola e do magistério nessa pluralidade de processos formadores? Que peso dar às vivências socializadoras, culturais, cognitivas, construídas na pluralidade de espaços? Recolocados os conteúdos da docência nesse horizonte da formação plena dos educandos, seremos levados a um debate público ou embasado em referentes éticos, públicos, não privados, sobre como estruturar currículos que dêem conta da formação humana plena dos educandos. Para essa tarefa será necessária uma formação profissional que não entenda apenas do que e do como ensinar em nossa matéria, mas entenda das múltiplas dimensões da formação e dos processos complexos de formação de um ser humano. Que entenda do papel do conhecimento e da cultura nesses processos de formação. O conhecimento não perde centralidade, adquire novas centralidades quando referido à formação. A procura dessa qualificação profissional nos levará a ler as múltiplas interpretações sobre a formação humana postas no debate das diversas ciências. Interpretações que terão de ser incorporadas nas teorias do currículo e que terão de inspirar os debates da docência sobre o que ensinar-aprender para formar uma criança e adolescente, um jovem ou adulto como seres humanos plenos. O direito à nossa formação profissional, a tempos e condições de trabalho se torna mais exigente quando temos como referencial que somos profissionais do direito à formação dos educandos, profissionais do conhecimento e da cultura. O que se espera é que o velho ideal perseguido historicamente pela docência e pela pedagogia – a formação do ser humano como sujeito de cultura por meio da educação – seja retomado como ideário de toda política texto02_3292.indd 42 3/10/2007 14:21:42 Indagações sobre currículo 4 indiferente a esse protagonismo que os tempos de formação vêm adquirindo nas ciências, nas artes, nas letras e na organização escolar? A resposta de muitas Redes e escolas vem no sentido de reorganizar tempos, espaços, trabalho e currículos na lógica do respeito às especificidades formativas de cada tempo da vida: formas diversificadas de organização escolar que interrogam as lógicas em que os conteúdos da docência têm sido selecionados, organizados e transmitidos. A nova LDB, Art. 23, sugere uma organização diversificada das escolas em séries, ciclos etc. tendo como critério os processos de formação e aprendizagem dos educandos. Essa flexibilidade de formas de organização escolar leva a repensar as formas de organização curricular. As Redes de ensino e as escolas vêm ensaiando formas diversificadas de reorganização escolar e curricular tentando respeitar os tempos humanos dos educandos. Esta realidade será reconhecida pelas Diretrizes Curriculares. As respostas têm sido diferentes, dependendo da compreensão que se tenha dos tempos de vida. Encontramos escolas e Redes que reduzem os tempos de vida a amontoados de anos sem, no entanto, repensar e superar a lógica segmentada, hierarquizada dos conteúdos. O mesmo acontece em propostas que condensam tempos na lógica da progressão contínua e até progressão automática. Nestas concepções de tempos de aprendizagem, a lógica determinante da organização dos conteúdos continua a ser uma suposta progressão em um contínuo de conteúdos lineares, precedentes e progressivos. A reorientação curricular se limita a elencar uma série de competências a serem dominadas em cada ano. Dos alunos se espera que vão passando, superando, contínua ou descontinuamente em cada ano ou compacto de anos, um conjunto de conteúdos programados. Em realidade nessa concepção não se mexe com profundidade nos currículos, nem nas lógicas que os estruturam. Apenas se desdobram para cada ano de idade os conteúdos predefinidos para aprendizagem, no currículo pré-existente. Esse desdobramento não significa que o currículo deixe de ser pensado nas lógicas pragmáticas, cientificistas, precedentes, segmentadas e hierárquicas dos conteúdos. Entretanto, podemos encontrar escolas e Redes que reorganizam os tempos e espaços e o trabalho a partir dos educandos, reconhecidos como sujeitos de direito à formação plena e se perguntam como repensar os currículos respeitando a especificidade de cada tempo humano de formação e de aprendizagem. Tentar avançar nessa direção toca no núcleo fundante e estruturante dos currículos. Introduz uma nova lógica na escolha do que ensinar, aprender, formar em cada tempo de formação. Conseqüentemente introduz nova lógica na estruturação dos conhecimentos, culturas e valores. Estes passam a ser priorizados e organizados como dimensões formadoras a que todo educando tem direito na especificidade de seu tempo humano. Nesta perspectiva, organizar a escola, os tempos e os conhecimentos, o que ensinar e aprender respeitando a especificidade de cada tempo de formação não é uma opção a mais na diversidade de formas de organização escolar e curricular, texto02_3292.indd 45 3/10/2007 14:21:43 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 4 é uma exigência do direito que os educandos têm a ser respeitados em seus tempos mentais, culturais, éticos, humanos. Os conhecimentos, as culturas e os valores a serem aprendidos não perdem centralidade, antes, adquirem funções mais relevantes como mediadores do direito à formação plena. Adquirem especificidades porque referidos aos tempos específicos de socialização, de aprendizagem e de formação dos educandos: infância, adolescência, juventude, vida adulta, velhice. Entretanto, guiar-nos na organização dos currículos pela lógica dos educandos como sujeitos do direito à formação plena, respeitada a especificidade de cada tempo de vida, terá de significar reorganizar radicalmente o que ensinar e o que aprender a partir das contribuições das ciências sobre a especificidade desses processos em cada tempo de vida. Podemos encontrar estudos das diversas ciências – história, sociologia, psicologia, antropologia, neurociências – sobre a especificidade de cada tempo de vida, de cada tempo geracional nos processos de socialização, de aprendizagem, de formação. O pensamento pedagógico e curricular se enriquece quando dialoga com esses estudos. Coletivos de professores- educadores se aproximam dos estudos das diversas ciências. Aproximação que não é exclusiva das escolas e Redes que se organizam respeitando os tempos- ciclos de formação, mas que interrogam todos os profissionais que trabalham com as diversas categorias geracionais: infância, adolescência, juventude, vida adulta ou velhice. As ciências podem ajudar-nos a entender como em cada tempo de vida acontecem a socialização, as capacidades de aprender a cultura e os significados do mundo, da vida, da convivência; como acontece o domínio dos instrumentos e das técnicas; como se dá o aprendizado das múltiplas linguagens e símbolos; como em cada tempo se aprende o exercício da liberdade e racionalidade, da criatividade e sensibilidade, da memória e identidade etc. Partir das contribuições das ciências na compreensão desses complexos processos de formação, que vão se dando em cada tempo da vida, será um ponto de partida orientador do que escolher, estruturar e do que ensinar, aprender, formar. Repensar os currículos respeitando as especificidades de cada tempo humano Apontemos, de maneira indicativa para o debate dos profissionais das escolas e Redes, alguns aspectos que integram os currículos quando nos colocamos na ótica do respeito às especificidades formadoras de cada tempo de formação. texto02_3292.indd 46 3/10/2007 14:21:43 Indagações sobre currículo 4 Primeiro ponto de interrogação Como superar a lógica curricular segmentada? A lógica temporal dos conteúdos, tão marcante na organização curricular segmentada e disciplinar, é superada à medida que as temporalidades humanas passam a ser o referencial dos processos de aprendizagem, socialização, formação e desenvolvimento humano. Vimos que os currículos, o que ensinar e o que aprender, a organização dos tempos, espaços e do trabalho, as avaliações, aprovações e retenções se justificam em uma suposta lógica dos conteúdos, lógica temporal precedente, segmentada, hierarquizada. As ciências que vêm estudando a mente humana, os processos de aprender, de socializar-nos e formar-nos como sujeitos mentais, éticos, estéticos, identitários; como sujeitos de conhecimento, cultura, memória, emoção, sensibilidade, criatividade, liberdade vêm demonstrando que essas lógicas temporais em que organizamos os processos de ensinar-aprender não coincidem com os processos temporais de socializar-nos e formar-nos. Como profissionais destes processos, somos obrigados a confrontar-nos com os avanços das ciências em nosso campo profissional e a rever as lógicas em que organizamos o currículo, as escolas, a docência e o trabalho. Segundo ponto de interrogação Qual a centralidade do tempo humano nos processos de ensinar, aprender, formar? O que as diversas ciências estão mostrando é a centralidade do tempo nos processos de formar-nos e de aprender. Reorganizar os currículos respeitando os tempos da vida é assumir essa centralidade do tempo no fazer educativo. Deveríamos começar por partir dos tempos dos educandos, de suas trajetórias temporais, da liberdade ou falta de liberdade para controlar seus tempos, de articular os tempos rígidos de sobrevivência e trabalho com os tempos inflexíveis de escola e de estudo. Com a precarização da vida, está se tornando mais difícil administrar esses tempos para milhões de crianças e adolescentes, de jovens e adultos. Seria possível organizar o currículo e os tempos de escola com a necessária flexibilidade para garantir o direito ao conhecimento e à cultura desses milhões de educandos? Que sentido político tem organizar currículos rígidos e tempos de escola inflexíveis, conseqüentemente inacessíveis a milhões de educandos? Reconhecer a centralidade do tempo nos processos de Reorganizar os currículos respeitando os tempos da vida é assumir essa centralidade do tempo no fazer educativo. texto02_3292.indd 47 3/10/2007 14:21:43 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 0 Quinto ponto de interrogação Que lugar dar nos currículos ao conhecimento dos direitos? Destacamos que há um novo olhar sobre os mestres e educandos: ver- nos e vê-los como sujeitos de direitos. Há um riquíssimo saber acumulado sobre a história da construção e legitimação dos direitos humanos, direitos dos povos do campo, das mulheres, da infância e adolescência, dos portadores de necessidades especiais; direitos étnico-raciais, culturais; direitos coletivos tão defendidos pelos diversos movimentos sociais etc. Há também um acúmulo de conhecimentos sobre a negação desses direitos e sobre as lutas coletivas por sua garantia. Por que não incluir nos currículos esse acúmulo de conhecimentos? Por que não os reconhecer como saber socialmente construído? Os educandos têm direito a conhecer essa história e a conhecer-se nessa história como pacientes da negação dos direitos humanos mais básicos e também conhecer-se como agentes, por vezes coletivos, inseridos em movimentos sociais que lutam pela garantia de seus direitos como humanos. Ver os educandos como sujeitos dessa história na diversidade de lutas por seu direito à vida, ao trabalho, à terra, à educação, à dignidade e à liberdade; a viver a infância, a adolescência e a juventude; à memória, à cultura e à identidade étnico-racial, de gênero etc. As crianças, adolescentes também participam nas diversas lutas coletivas pelos direitos, têm consciência de seus direitos coletivos e das formas de defendê-los e garanti-los. Têm direito desde crianças a esse conhecimento. Que importância dar a esses conhecimentos no repensar dos currículos? Como incorporar os educandos no repensar dos currículos como sujeitos desses conhecimentos? As crianças e adolescentes, os jovens e adultos levam para as escolas suas interrogações sobre seus direitos negados, sobre o trato dado a sua condição social, racial, sexual, étnica. Interrogações que esperam resposta dos saberes escolares. Pensar na reorientação curricular significará incorporar essas interrogações, tratá-las de maneira sistematizada. Incorporar o conhecimento vivo, do trabalho, dos movimentos sociais, da sobrevivência como conhecimento que interroga os saberes acumulados e sistematizados. As indagações que vêm dos sujeitos da ação educativa, educadores e educandos não são as únicas. Cada um dos textos desta publicação mostra outras indagações, configurando o Currículo como um campo dinâmico. Os educandos têm direito a conhecer essa história e a conhecer-se nessa história como pacientes da negação dos direitos humanos mais básicos e também conhecer-se como agentes, por vezes coletivos, inseridos em movimentos sociais que lutam pela garantia de seus direitos como humanos. texto02_3292.indd 50 3/10/2007 14:21:43 Indagações sobre currículo 1 As escolas não são um espaço tranqüilo onde verdades verdadeiras são repassadas, mas questionadas. Questões que vêm da dinâmica social e cultural, das ciências, da política, dos movimentos sociais, do movimento docente e também dos educadores e dos educandos, das formas tão precarizadas de viver a infância, adolescência, a juventude ou a vida adulta. Interrogações que penetram no interior das grades curriculares e as desestabilizam em suas certezas. Como repensar os currículos em tempos de incertezas e de tantas interrogações que vêm da dinâmica social e cultural? Estas seriam algumas das questões que ao longo do texto fomos destacando. Muitas Redes e escolas e, sobretudo, muitos coletivos docentes buscam dar respostas, ao menos estar atentos, a tantas interrogações que o protagonismo dos educadores e os educandos nos coloca. Inventam programas e projetos que vão incorporando em sua prática uma pluralidade de dimensões formadoras. Muitas dessas propostas e projetos focalizam a especificidade dos tempos de formação. Sensibilidade e vontade dos(as) educadores(as) de responder as interrogações dos(as) educandos(as) não faltam. As questões nucleares passam a ser: as estruturas das escolas e a rigidez das grades curriculares incorporarão essa pluralidade de propostas e projetos? Deixaram-nas à margem, como temas transversais, sem tempos, espaços, sem lugar na rígida organização do trabalho? As políticas curriculares pretendem incorporar e legitimar politicamente as interrogações dos(as) educandos(as) e as respostas que tentam dar os educadores e as educadoras? texto02_3292.indd 51 3/10/2007 14:21:44 Educandos e Educadores: seus D ireitos e o Currículo 2 Bibliografia ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas – trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes, 2004 (4a. edição). ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000 (8a. edição). ARROYO, Miguel G. “Experiências de Inovação Educativa: o currículo na prática da escola”. In: MOREIRA, Antônio Flávio B. (Org.) Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999. (3a. edição) BRUNER, Jerome. A Cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2001. JAVEAU, Claude. “Criança, infância(s), crianças: que objetivo dar a uma ciência social da infância?” In: Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 91, 2005. KRAMER, Sonia. “A infância e sua singularidade”. In: MEC, Ensino Fundamental de Nove Anos, 2006. LEI no. 10.639/2003. MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma L. Para entender o Negro no Brasil de Hoje. São Paulo: Global, 2005. SACRISTAN, J. Gimeno. El alunno como invención. Madrid: Morata, 2003. SARMENTO, Manuel J. “Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância”. In: Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 91, 2005. texto02_3292.indd 52 3/10/2007 14:21:44
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