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Indagações sobre Curriculo 3, Notas de estudo de Matemática

Currículo Conhecimento e Cultura

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Baixe Indagações sobre Curriculo 3 e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! INDAGAÇÕES SOBRE CURRÍCULO Currículo, Conhecimento e Cultura texto03_520.indd 1 3/10/2007 14:26:10 Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental Organização do Documento Jeanete Beauchamp Sandra Denise Pagel Aricélia Ribeiro do Nascimento Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 500 CEP: 70.047-900 – Brasília-DF Tel. (061) 2104-8612/8613 Fax: (61) 2104-9269 http://www.mec.gov.br Ficha catalográfica [Moreira, Antônio Flávio Barbosa] Indagações sobre currículo : currículo, conhecimento e cultura / [Antônio Flávio Barbosa Moreira , Vera Maria Candau] ; organização do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 48 p. 1. Ensino Fundamental - Brasil. 2. Educação Básica. 3. Currículo. 4. Conhecimento. 5. Cultura. I. Candau, Vera Maria. II. Beauchamp, Jeanete. III. Pagel, Sandra Denise. VI. Nascimento, Aricélia Ribeiro do. V. Brasil. Secretaria de Educação Básica. VI. Título. CDU – 37.046.12 Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Lúcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401 Impresso no Brasil texto03_520.indd 2 3/10/2007 14:26:10 Indagações sobre currículo  APRESENTAÇãO A publicação que o Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado à Secretaria de Educação Básica – SEB, deste Ministério da Educação – MEC, ora apresenta, tem como objetivo principal de- flagrar, em âmbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemas de ensino, sobre a concepção de currículo e seu processo de elaboração. Não é recente a abordagem curricular como objeto de atenção do MEC. Em cumprimento ao Artigo 210 da Constituição Federal de 1988, que determi- na como dever do Estado para com a educação fixar “conteúdo mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”, foram elabo- rados e distribuídos pelo MEC, a partir de 1995, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil/RCNEI, os Parâmetros Curriculares Nacio- nais/PCN’s para o Ensino Fundamental, e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. No momento, o que está em discussão é a elaboração de um documento que, mais do que a distribuição de materiais, promova, por meio de uma estratégia dinâmica, a reflexão, o questionamento e um processo de discussão em cada uma das escolas e Secretarias de Educação sobre a concepção de currículo e seus desdobramentos. Para tanto, sugerimos inicialmente alguns eixos que, do nosso do ponto de vista, são fundamentais para o debate sobre currículo com a finalidade de que professores, gestores e demais profissionais da área educacional façam reflexões sobre concepção de currículo, relacionando-as a sua prática. Nessa perspectiva, pretendemos subsidiar a análise das propostas pedagógicas dos sistemas de ensino e dos projetos pedagógicos das unidades escolares, porque entendemos que esta é uma discussão que precede a elaboração dos projetos políticos pedagógicos das escolas e dos sistemas. Dessa forma, elaboramos (5) cinco cadernos priorizando os seguintes eixos organizadores: Currículo e Desenvolvimento Humano; Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo; Currículo, Conhecimento e Cultura; Diversidade e Currículo; Currículo e Avaliação. No momento em que ocorre a implementação do Ensino Fundamental de nove anos e a divulgação dos documentos consolidados da Política Nacional de Educação Infantil, é necessário retomar a reflexão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – ação já desencadeada pelo Conselho Nacional de Educação. texto03_520.indd 5 3/10/2007 14:26:10 Apresentação  A liberdade de organização conferida aos sistemas por meio da legislação vincula-se à existência de diretrizes que os orientem e lhes possibilitem a definição de conteúdos de conhecimento em conformidade à base nacional comum do currículo, bem como à parte diversificada, como estabelece o Artigo 26 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394, 20 de dezembro de 1996: “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”. Com a perspectiva de atender aos desafios postos pelas orientações e normas vigentes, é preciso olhar de perto a escola, seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as indagações sobre suas condições concretas, sua história, seu retorno e sua organização interna. Torna-se fundamental, com essa discussão, permitir que todos os envolvidos se questionem e busquem novas possibilidades sobre currículo: o que é? Para que serve? A quem se destina? Como se constrói? Como se implementa? Levando em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais, entendemos que esse não pode ser analisado fora de interação dialógica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Partindo dessa reflexão, convidamos gestores, professores e demais profissionais da educação para um debate sobre os eixos organizadores do documento sobre currículo. O fato de termos chamado estes estudiosos para elaborarem os textos significa haver entre eles pontos de aproximação como, por exemplo, escola inclusiva, valorização dos sujeitos do processo educativo, cultura, conhecimento formal como eixo fundante, avaliação inclusiva. Por privilegiarmos o pensamento plural, reconhecemos nos textos também pontos de afastamento. Assim, será possível encontrar algumas concepções sobre currículo não necessariamente concordantes entre si. É justamente divulgando parte dessa pluralidade que o MEC contribui com a discussão. Há diversidade nas reflexões teóricas, porque há diversidade de projetos curriculares nos sistemas, nas escolas. Esse movimento, do nosso ponto de vista, enriquece o debate. Em um primeiro momento, foi solicitado a profissionais, diretamente envolvidos com a questão curricular junto aos sistemas de ensino, indicados pelo/a UNDIME, CONSED, SEESP/MEC, SECAD/MEC, CONPEB/MEC, REDE/MEC, que respondessem à seguinte questão: que interrogações sobre currículo deveriam constar em um texto sobre esse tema? Posteriormente, esses profissionais efetuaram a leitura dos textos preliminares elaborados pelos autores do GT CURRÍCULO, visando a responder a uma segunda questão: como os textos respondem às interrogações levantadas? Foi solicitado ainda que apresentassem lacunas detectadas nos textos e contribuições. Coube à texto03_520.indd 6 3/10/2007 14:26:10 Indagações sobre currículo  equipe do DPE sistematizar e analisar as contribuições, apresentadas pelo grupo anteriormente citado em reunião de trabalho em Brasília, e elaborar um pré-texto para discussão em seminários a partir da sistematização das propostas apresentadas na consulta técnica. Em um segundo momento, visando à elaboração final deste documento, ocorreu em Brasília um seminário denominado “Currículo em Debate”, organizado em duas edições (novembro e dezembro de 2006). Nessa ocasião, os textos, ainda em versão preliminar, foram socializados e passaram pela análise reflexiva de secretários municipais e estaduais de educação; de profissionais da educação representantes da UNDIME, do CONSED, do CNE e de entidades de caráter nacional como CNTE, ANFOPE, ANPED; de professores de Universidades – que procuraram apresentar as indagações recorrentes de educadores, professores, gestores e pesquisadores sobre currículo e realizar um levantamento da potencialidade dos textos junto aos sistemas. Esse evento contou com a expressiva participação de representantes das secretarias estaduais e municipais de educação e da secretaria do Distrito Federal, em um total de aproximadamente 1500 participantes. Os textos chegam agora aos professores das escolas, dos sistemas. Apresentam indagações para serem respondidas por esses coletivos de professores, uma vez que a proposta de discussão sobre concepção curricular passa pela necessidade de constituir a escola como espaço e ambiente educativos que ampliem a aprendizagem, reafirmando-a como lugar do conhecimento, do convívio e da sensibilidade, condições imprescindíveis para a constituição da cidadania. Entendemos, também, haver outras perspectivas, ainda não contempladas, a serem consideradas. O objetivo não é, portanto, esgotar todas as possibilidades em uma única publicação. Propomos uma reflexão para quem, o que, por que e como ensinar e aprender, reconhecendo interesses, diversidades, diferenças sociais e, ainda, a história cultural e pedagógica de nossas escolas. Posicionamo-nos em defesa da escola democrática que humanize e assegure a aprendizagem. Uma escola que veja o estudante em seu desenvolvimento – criança, adolescente e jovem em crescimento biopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura. Desse modo comprometemo-nos com a construção de um projeto social que não somente ofereça informações, mas que, de fato, construa conhecimentos, elabore conceitos e possibilite a todos o aprender, descaracterizando, finalmente, os lugares perpetuados na educação brasileira de êxito de uns e fracasso de muitos. Os eixos aqui apresentados são constitutivos do currículo, ao lado de outros. Não é pretensão deste documento abranger todas as demais dimensões. As aqui destacadas convergem, especialmente, para o desenvolvimento humano dos sujeitos no processo educativo e procuram dialogar com a prática dos sujeitos desse processo. texto03_520.indd 7 3/10/2007 14:26:11 Introdução 10 indagações mais prementes para o conhecimento, para o currículo e para as práticas educativas. Esta foi a primeira preocupação da equipe do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental e dos autores dos textos. Esta poderá ser a preocupação dos coletivos profissionais das escolas e Redes: detectar aqueles pólos, eixos ou campos mais dinâmicos de onde vêm as indagações sobre o currículo e sobre as práticas pedagógicas. Cada um dos textos se aproxima de um eixo de indagações: desenvolvimento humano, educandos e educadores: seus direitos e o currículo, conhecimento e cultura, diversidade e avaliação. CADA TEXTO APRESENTA SUAS ESPECIFICIDADES DE ACORDO COM O EIXO ABORDADO. • O texto “Currículo e Desenvolvimento Humano”, de Elvira Souza Lima, apresenta reflexão sobre currículo e desenvolvimento humano, tendo como referência conhecimentos de Psicologia, Neurociências, Antropologia e Lingüística. Conceitua a cultura como constitutiva dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Aborda questões como função simbólica, capacidade imaginativa da espécie humana e memória. Discute currículo e aquisição do conhecimento, informação e atividades de estudo e a capacidade do ser humano de constituir e ampliar conceitos. O texto faz uma abordagem sobre a questão do tempo da aprendizagem, apontando que a construção e o desenvolvimento dos conceitos se realizam progressivamente e de forma recorrente. • Em “Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo”, de Miguel Gonzáles Arroyo, há uma abordagem sobre o currículo e os sujeitos da ação educativa: os educandos e os educadores, ressaltando a importância do trabalho coletivo dos profissionais da Educação para a construção de parâmetros de sua ação profissional. Os educandos são situados como sujeitos de direito ao conhecimento e ao conhecimento dos mundos do trabalho. Há ênfase quanto à necessidade de se mapearem imagens e concepções dos alunos, para subsidiar o debate sobre os currículos. É proposta do texto que se desconstruam visões mercantilizadas de currículo, do conhecimento e dos sujeitos do processo educativo. O texto traz crítica ao aprendizado desenvolvido por competências e habilidades como balizadores da catalogação de alunos desejados e aponta o direito à educação, entendido como o direito à formação e ao desenvolvimento humano pleno. • O texto “Currículo, Conhecimento e Cultura”, de Antônio Flávio Moreira e Vera Maria Candau, apresenta elementos para reflexão texto03_520.indd 10 3/10/2007 14:26:11 Indagações sobre currículo 11 sobre questões consideradas significativas no desenvolvimento do currículo nas escolas. Analisa a estreita vinculação que há entre a concepção de currículo e as de Educação debatidas em um dado momento. Nessa perspectiva, aborda a passagem recente da preocupação dos pesquisadores sobre as relações entre currículo e conhecimento escolar para as relações entre currículo e cultura. Apresenta a construção do conhecimento escolar como característica da escola democrática que reconhece a multiculturalidade e a diversidade como elementos constitutivos do processo ensino-aprendizagem. • No texto “Diversidade e Currículo”, de Nilma Lino Gomes, procurou-se discutir alguns questionamentos que estão colocados, hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros da categoria docente: que indagações a diversidade traz para o currículo? Como a questão da diversidade tem sido pensada nos diferentes espaços sociais, principalmente nos movimentos sociais? Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? O que entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemos que esteja contemplada no currículo das escolas e nas políticas de currículo? No texto é possível perceber a reflexão sobre a diversidade entendida como a construção histórica, cultural e social das diferenças. Assim, mapear o trato que já é dado à diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relação entre diversidade e currículo. Para tanto é preciso ter clareza sobre a concepção de educação, pois há uma relação estreita entre o olhar e o trato pedagógico da diversidade e a concepção de educação que informa as práticas educativas. • Em “Currículo e Avaliação”, de Cláudia de Oliveira Fernandes e Luiz Carlos de Freitas, a avaliação é apresentada como uma das atividades do processo pedagógico necessariamente inserida no projeto pedagógico da escola, não podendo, portanto, ser considerada isoladamente. Deve ocorrer em consonância com os princípios de aprendizagem adotados e com a função que a educação escolar tenha na sociedade. A avaliação é apresentada como responsabilidade coletiva e particular e há defesa da importância de questionamentos a conceitos cristalizados de avaliação e sua superação. O texto faz considerações não só sobre a avaliação da aprendizagem dos estudantes que ocorre na escola, mas a respeito da avaliação da instituição como um todo (protagonismo do coletivo de profissionais) e ainda sobre a avaliação do sistema escolar (responsabilidade do poder público). texto03_520.indd 11 3/10/2007 14:26:11 Introdução 12 OS TEXTOS EM SEU CONJUNTO APRESENTAM INDAGAÇÕES CONSTANTES. • Todos constatam as mudanças que vêm acontecendo na consciência e identidade profissional dos(as) educadores(as). Todos coincidem ao destacar as mudanças nas formas de viver a infância e a adolescência, a juventude e a vida adulta. O que há de coincidente nessas mudanças? Educadores e educandos se vendo e sendo reconhecidos como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento coloca os currículos, o conhecimento, a cultura, a formação, a diversidade, o processo de ensino-aprendizagem e a avaliação, os valores e a cultura escolar e docente, a organização dos tempos e espaços em um novo referente de valor: o referente ético do direito. Reorientar o currículo é buscar práticas mais conseqüentes com a garantia do direito à educação. • Todos os textos recuperam o direito à educação entendido como direito à formação e ao desenvolvimento humano, como humanização, como processo de apropriação das criações, saberes, conhecimentos, sistemas de símbolos, ciências, artes, memória, identidades, valores, culturas... resultantes do desenvolvimento da humanidade em todos os seus aspectos. • Todos os textos coincidem ao recuperar o direito ao conhecimento como o eixo estruturante do currículo e da docência. O conhecimento visto como um campo dinâmico de produção e crítica, de seleção e legitimação, de confronto e silenciamento de sua diversidade. Conseqüentemente, todos os textos repõem a centralidade para a docência e para o currículo dos processos de apreensão do conhecimento, da possibilidade de aprendizagem de todo ser humano, da centralidade dos tempos de aprender, das tensões entre conhecimento, aprendizagem e diversidade etc. • Todos os textos coincidem ao recuperar o direito à cultura, o dever do currículo, da escola e da docência de garantir a cultura acumulada, devida às novas gerações. O direito de se apropriarem das práticas e valores culturais, dos sistemas simbólicos e do desenvolvimento da função simbólica tão central na construção de significados, na apreensão do conhecimento e no desenvolvimento pleno do ser humano etc. Recuperar o direito à cultura, tão secundarizado nos currículos, é uma das indagações mais instigantes para a escola e a docência. Recuperar os vínculos entre cultura, conhecimento e aprendizagem. • Todos os textos têm como referente a diversidade, as diferenças e as desigualdades que configuram nossa formação social, política e cultural. Diversidades que os educadores e educandos levam para as escolas: sócio-étnico-racial, de gênero, de território, de geração texto03_520.indd 12 3/10/2007 14:26:11 Indagações sobre currículo 1 COMO LER E TRABALHAR OS TEXTOS? Na especificidade de cada coletivo, escola e sistema, esses eixos poderão ser desdobrados, alguns serão mais enfatizados. Outras indagações poderão ser acrescentadas. Esse poderá ser um exercício dos coletivos. No conjunto de textos, prevalece um trato dialogal, aberto, buscando incentivar esse exercício de cultivar sensibilidades teóricas e pedagógicas para identificar e ouvir as indagações que vêm das teorias e práticas e para apontar reorientações. Cada texto pode ser lido e trabalhado separadamente e sem uma ordem seqüenciada. Cada eixo tem seus significados. Entretanto, será fácil perceber que as indagações dos diversos textos se reforçam e se ampliam. Na leitura do conjunto, será fácil perceber que há indagações que são constantes, que fazem parte da dinâmica de nosso tempo. Um exercício coletivo poderá ser perceber essas indagações mais constantes e instigantes, ver como se articulam e se reforçam entre si. Perceber essas articulações será importante para tratar o currículo e as práticas educativas das escolas como um todo e como propostas coesas de formação dos educandos e dos educadores. Captar o que há de mais articulado no conjunto de indagações auxiliará a superar estilos recortados e fragmentados de propostas curriculares, de abordagens do conhecimento e dos processos de ensino-aprendizagem. Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental texto03_520.indd 15 3/10/2007 14:26:11 texto03_520.indd 16 3/10/2007 14:26:11 Indagações sobre currículo 1 CURRÍCULO, CONHECIMENTO E CULTURA Antonio Flavio Barbosa Moreira Vera Maria Candau2 Este texto tem por objetivo oferecer aos professores e professoras, assim como aos profissionais de educação em geral, alguns elementos que permi- tam a reflexão e a discussão de questões que consideramos significativas para o desenvolvimento do currículo em nossas escolas, na perspectiva da promoção de uma educação de qualidade para todos e todas, democrática, relevante do ponto de vista da construção do conhecimento escolar e multiculturalmente orientada. . Os estudos de currículo: desenvolvimento e preocupações Questões referentes ao currículo têm-se constituído em freqüente alvo da atenção de autoridades, professores, gestores, pais, estudantes, membros da comunidade. Quais as razões dessa preocupação tão nítida e tão persistente? Será mesmo importante que nós, profissionais da educação, acompanhemos toda essa discussão e nela nos envolvamos? Não será suficiente deixarmos que as autoridades competentes tomem as devidas decisões sobre o que deve ser ensinado nas salas de aula? Para examinarmos possíveis respostas a essas perguntas, talvez seja necessário esclarecer o que estamos entendendo pela palavra currículo, tão familiar a todos que trabalhamos nas escolas e nos sistemas educacionais. Por causa dessa familiaridade, talvez não dediquemos muito tempo a refletir sobre o sentido do termo, bastante freqüente em conversas nas escolas, palestras a que assistimos, textos acadêmicos, notícias em jornais, discursos de nossas autoridades e propostas curriculares oficiais. À palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. Diferentes fatores sócio-econômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que currículo venha a ser entendido como: 1 Doutor em Educação – Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Católica de Petrópolis. 2 Doutora - Universidade Católica do Rio de Janeiro. texto03_520.indd 17 3/10/2007 14:26:12 Currículo, Conhecim ento e Cultura 20 Stuart Hall (1997, p.97), conhecido intelectual caribenho radicado na Grã-Bretanha e um dos fundadores do centro de pesquisas que foi o berço dos Estudos Culturais, na Universidade de Birmingham (Inglaterra), é especialmente incisivo nessa perspectiva. Por bem ou por mal, a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica no novo milênio. Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma política cultural. Ainda, é inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos e que se manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade freqüentemente acarreta confrontos e conflitos, tornando cada vez mais agudos os desafios a serem enfrentados pelos profissionais da educação. No entanto, essa mesma pluralidade pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades de atuação pedagógica. Antes, porém, de analisarmos as relações entre currículo e cultura, examinaremos o outro tema central das discussões sobre currículo – o conhecimento escolar. Procuraremos realçar sua importância para todos os que se envolvem no processo curricular e destacaremos o processo de sua elaboração em diferentes níveis do sistema educativo. Subjacente aos nossos comentários está a crença de que a escola precisa preparar-se para bem socializar os conhecimentos escolares e facilitar o acesso do(a) estudante a outros saberes. Subjacente aos nossos comentários está a crença de que os conhecimentos que se constroem e que circulam nos diferentes espaços sociais constituem direito de todos (Arroyo, 2006). ... A escola precisa preparar-se para bem socializar os conhecimentos escolares e facilitar o acesso do(a) estudante a outros saberes. texto03_520.indd 20 3/10/2007 14:26:12 Indagações sobre currículo 21 2. Esclarecendo o que entendemos por conhecimento escolar Que devemos entender por conhecimento escolar? Reiteramos que ele é um dos elementos centrais do currículo e que sua aprendizagem constitui condição indispensável para que os conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e reconstruídos por todos/as os/as estu- dantes do país. Daí a necessidade de um ensino ativo e efetivo, com um/a professor/a comprometido(a), que conheça bem, escolha, organize e trabalhe os conhecimentos a serem aprendidos pelos(as) alunos(as). Daí a importân- cia de selecionarmos, para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e significativos. Mas, para que nossos pontos de vista sejam bem compreendidos, é preciso esclarecer o que estamos considerando como qualidade e relevância na educação e no currículo. A nosso ver, uma educação de qualidade deve propiciar ao(à) estudante ir além dos referentes presentes em seu mundo cotidiano, assumindo-o e ampliando- o, transformando-se, assim, em um sujeito ativo na mudança de seu contexto. Que se faz necessário para que esse movimento ocorra? A nosso ver, são indispensáveis conhecimentos escolares que facilitem ao(à) aluno(a) uma compreensão acurada da realidade em que está inserido, que possibilitem uma ação consciente e segura no mundo imediato e que, além disso, promovam a ampliação de seu universo cultural. Entendemos relevância, então, como o potencial que o currículo possui de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mudança de seus contextos imediatos e da sociedade em geral, bem como de ajudá-las a adquirir os conhecimentos e as habilidades necessárias para que isso aconteça. Relevância sugere conhecimentos e experiências que contribuam para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos que analisem como as coisas passaram a ser o que são e como fazer para que elas sejam diferentes do que hoje são (Avalos, 1992; Santos e Moreira, 1995). Que implicações esses pontos de vistas têm para a prática curricular? Julgamos que uma educação de qualidade, como a que defendemos, requer a seleção de conhecimentos relevantes, que incentivem mudanças individuais e sociais, assim como formas de organização e de distribuição dos conhecimentos escolares que possibilitem sua apreensão e sua crítica. Tais Entendemos relevância, então, como o potencial que o currículo possui de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mudança de seus contextos imediatos e da sociedade em geral, bem como de ajudá-las a adquirir os conhecimentos e as habilidades necessárias para que isso aconteça. texto03_520.indd 21 3/10/2007 14:26:12 Currículo, Conhecim ento e Cultura 22 processos necessariamente implicam o diálogo com os saberes disciplinares assim como com outros saberes socialmente produzidos. Referimo-nos a conhecimentos escolares relevantes e significativos. Mas talvez não tenhamos, até o momento, esclarecido suficientemente o que estamos denominando de conhecimento escolar. Que aspectos o caracterizam? Quem o constrói? Onde? Inicialmente, cabe ressaltar que concebemos o conhecimento escolar como uma construção específica da esfera educativa, não como uma mera simplificação de conhecimentos produzidos fora da escola. Consideramos, ainda, que o conhecimento escolar tem características próprias que o distinguem de outras formas de conhecimento. Ou seja, vemos o conhecimento escolar como um tipo de conhecimento produzido pelo sistema escolar e pelo contexto social e econômico mais amplo, produção essa que se dá em meio a relações de poder estabelecidas no aparelho escolar e entre esse aparelho e a sociedade (Santos, 1995). O currículo, nessa perspectiva, constitui um dispositivo em que se concentram as relações entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmente construídos e os conhecimentos escolares. Podemos dizer que os primeiros constituem as origens dos segundos. Em outras palavras, os conhecimentos escolares provêm de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos chamados “âmbitos de referência dos currículos”. Que são esses âmbitos de referência? Podemos considerá-los como correspondendo: (a) às instituições produtoras do conhecimento científico (universidades e centros de pesquisa); (b) ao mundo do trabalho; (c) aos desenvolvimentos tecnológicos; (d) às atividades desportivas e corporais; (e) à produção artística; (f) ao campo da saúde; (g) às formas diversas de exercício da cidadania; (h) aos movimentos sociais (Terigi, 1999). Nesses espaços, produzem-se os diferentes saberes dos quais derivam os conhecimentos escolares. Os conhecimentos oriundos desses diferentes âmbitos são, então, selecionados e “preparados” para constituir o currículo formal, para constituir o conhecimento escolar que se ensina e se aprende nas salas de aula. Ressalte-se que, além desses espaços, a própria escola constitui local em que determinados saberes são também elaborados, ensinados e aprendidos. Exemplifique-se com a gramática escolar, historicamente criada pela própria escola, na escola e para a escola (Chervel, 1990). Que importância tem para nós, professores e gestores, compreender o que se chama de conhecimento escolar? De que modo conhecer essa noção modifica nossa prática? Cientificamo-nos de que os conhecimentos ensinados ... concebemos o conhecimento escolar como uma construção específica da esfera educativa, não como uma mera simplificação de conhecimentos produzidos fora da escola. Consideramos, ainda, que o conhecimento escolar tem características próprias que o distinguem de outras formas de conhecimento. texto03_520.indd 22 3/10/2007 14:26:12 Indagações sobre currículo 2 Em terceiro lugar, os conhecimentos escolares tendem a se submeter aos ritmos e às rotinas que permitem sua avaliação. Ou seja, tendemos a ensinar conhecimentos que possam ser, de algum modo, avaliados. Mas, é claro, nem todos os conteúdos são avaliados da mesma forma. Os que historicamente têm sido vistos como os mais “importantes” costumam ser avaliados segundo padrões vistos como mais “rigorosos”, ainda que não se problematize quem ganha e quem perde com essa “hierarquia”. Chega- se mesmo a aceitar, sem questionamentos, que as vozes de docentes de determinadas disciplinas sejam ouvidas, nos Conselhos de Classe, com mais intensidade que as de docentes de disciplinas em que o processo de avaliação não se centra em provas ou testes escritos. Em quarto lugar, o processo de construção do conhecimento escolar sofre, inegavelmente, efeitos de relações de poder. Recorrendo mais uma vez ao Conselho de Classe: a “hierarquia” que se encontra no currículo, com base na qual se valorizam diferentemente os conhecimentos escolares e se “justifica” a prioridade concedida à matemática em detrimento da língua estrangeira ou da geografia, deriva, certamente, de relações de poder. Nessa hierarquia, se supervalorizam as chamadas disciplinas científicas, secundarizando-se os saberes referentes às artes e ao corpo. Nessa hierarquia, separam-se a razão da emoção, a teoria da prática, o conhecimento da cultura. Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos. Nessa hierarquia, reforçam-se relações de poder favoráveis à manutenção das desigualdades e das diferenças que caracterizam nossa estrutura social. De que modo a compreensão dos processos de construção do conhecimento escolar é útil ao(à) professor(a)? Se o(a) professor(a) entende como o conhecimento escolar se produz, saberá melhor distinguir em que momento os mecanismos implicados nessa produção estão favorecendo ou atravancando o trabalho docente. Em outras palavras, a compreensão do processo de construção do conhecimento escolar facilita ao professor uma maior compreensão do próprio processo pedagógico, o que pode estimular novas abordagens, na tentativa tanto de bem selecionar e organizar os conhecimentos quanto de conferir uma orientação cultural ao currículo. Vejamos, então, como abordar, nas decisões curriculares, a diversidade cultural que marca nossa sociedade. ... O processo de construção do conhecimento escolar sofre, inegavelmente, efeitos de relações de poder. texto03_520.indd 25 3/10/2007 14:26:12 Currículo, Conhecim ento e Cultura 2 3. Cultura, diversidade cultural e currículo Que entendemos pela palavra cultura? Talvez seja útil esclarecermos, ini-cialmente, como a estamos concebendo, já que seus sentidos têm variado ao longo dos tempos, particularmente no período da transição de formações sociais tradicionais para a modernidade (Bocock, 1995; Canen e Moreira, 2001). Acreditamos que tal esclarecimento pode subsidiar a discussão das relações entre currículo e cultura. O primeiro e mais antigo significado de cultura encontra-se na literatura do século XV, em que a palavra se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais. É nesse sentido que entendemos palavras como agricultura, floricultura, suinocultura. O segundo significado emerge no início do século XVI, ampliando a idéia de cultivo da terra e de animais para a mente humana. Ou seja, passa-se a falar em mente humana cultivada, afirmando-se mesmo que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais apresentam mentes e maneiras cultivadas e que somente algumas nações apresentam elevado padrão de cultura ou civilização. No século XVIII, consolida-se o caráter classista da idéia de cultura, evidente na idéia de que somente as classes privilegiadas da sociedade européia atingiriam o nível de refinamento que as caracterizaria como cultas. O sentido de cultura, que ainda hoje a associa às artes, tem suas origens nessa segunda concepção: cultura, tal como as elites a concebem, corresponde ao bem apreciar música, literatura, cinema, teatro, pintura, escultura, filosofia. Será que não encontramos vestígios dessa concepção tanto em alguns de nossos atuais currículos como em textos que se escrevem sobre currículo? Para alguns docentes, o estudo da literatura, por exemplo, ainda tende a se restringir a escritores e livros vistos como clássicos. Para alguns estudiosos da cultura e da educação, os grandes autores, as grandes obras e as grandes idéias deveriam constituir o núcleo central dos currículos de nossas escolas. Já no século XX, a noção de cultura passa a incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos dos meios de comunicação de massa. Diferenças e tensões entre os significados de cultura elevada e de cultura popular acentuam-se, levando a um uso do termo cultura que se marca por valorizações e avaliações. Será que algumas de nossas escolas não continuam a fechar suas portas para as manifestações culturais associadas à cultura popular, contribuindo, assim, para que saberes e valores familiares a muitos(as) estudantes sejam desvalorizados e abandonados na entrada da sala de aula? Poderia ser diferente? Como? Um terceiro sentido da palavra cultura, originado no Iluminismo, a associa a um processo secular geral de desenvolvimento social. Esse significado é comum nas ciências sociais, sugerindo a crença em um processo harmônico de desenvolvimento da humanidade, constituído por etapas claramente definidas, pelo qual todas as sociedades inevitavelmente passam. Tal processo texto03_520.indd 26 3/10/2007 14:26:12 Indagações sobre currículo 2 acaba equivalendo, por “coincidência”, aos rumos seguidos pelas sociedades européias, as únicas a atingirem o grau mais elevado de desenvolvimento. Há ainda reflexos dessa visão no currículo? Parece-nos que sim. Em alguns cursos de História, por exemplo, as referências se fazem, dominantemente, às histórias dos povos “desenvolvidos”, o que nos aliena dos esforços e dos rumos seguidos na maioria dos países que formam o chamado Terceiro Mundo Em um quarto sentido, a palavra “culturas” (no plural) corresponde aos diversos modos de vida, valores e significados compartilhados por diferentes grupos (nações, classes sociais, grupos étnicos, culturas regionais, geracionais, de gênero etc) e períodos históricos. Trata-se de uma visão antropológica de cultura, em que se enfatizam os significados que os grupos compartilham, ou seja, os conteúdos culturais. Cultura identifica-se, assim, com a forma geral de vida de um dado grupo social, com as representações da realidade e as visões de mundo adotadas por esse grupo. A expressão dessa concepção, no currículo, poderá evidenciar-se no respeito e no acolhimento das manifestações culturais dos(as) estudantes, por mais desprestigiadas que sejam. Finalmente, um quinto significado tem tido considerável impacto nas ciências sociais e nas humanidades em geral. Deriva da antropologia social e também se refere a significados compartilhados. Diferentemente da concepção anterior, porém, ressalta a dimensão simbólica, o que a cultura faz, em vez de acentuar o que a cultura é. Nessa mudança, efetua- se um movimento do que para o como. Concebe-se, assim, a cultura como prática social, não como coisa (artes) ou estado de ser (civilização). Nesse enfoque, coisas e eventos do mundo natural existem, mas não apresentam sentidos intrínsecos: os significados são atribuídos a partir da linguagem. Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. São os arranjos e as relações envolvidas em um evento que passam, dominantemente, a despertar a atenção dos que analisam a cultura com base nessa quinta perspectiva, passível de ser resumida na idéia de que cultura representa um conjunto de práticas significantes. Não será pertinente considerarmos também o currículo como um conjunto de práticas em que significados são construídos, disputados, rejeitados, compartilhados? Como entender, então, as relações entre currículo e cultura? Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. texto03_520.indd 27 3/10/2007 14:26:13 Currículo, Conhecim ento e Cultura 30 visem a enfrentar alguns dos desafios que a diversidade cultural nos tem trazido. Fundamentamo-nos, nesse propósito, em estudos, pesquisas, práticas e depoimentos de docentes comprometidos com uma escola cada vez mais democrática. Nossa intenção é convidar o profissional da educação a engajar- se no instigante processo de pensar e desenvolver currículos para essa escola. Desejamos, com os princípios que vamos sugerir, intensificar a sensibilidade do(a) docente e do gestor para a pluralidade de valores e universos culturais, para a necessidade de um maior intercâmbio cultural no interior de cada sociedade e entre diferentes sociedades, para a conveniência de resgatar manifestações culturais de determinados grupos cujas identidades se encontram ameaçadas, para a importância da participação de todos no esforço por tornar o mundo menos opressivo e injusto, para a urgência de se reduzirem discriminações e preconceitos. O objetivo maior concentra-se, cabe destacar, na contextualização e na compreensão do processo de construção das diferenças e das desigualdades. Nosso propósito é que os currículos desenvolvidos tornem evidente que elas não são naturais; são, ao contrário, “invenções/construções” históricas de homens e mulheres, sendo, portanto, passíveis de serem desestabilizadas e mesmo transformadas. Ou seja, o existente nem pode ser aceito sem questionamento nem é imutável; constitui-se, sim, em estímulo para resistências, para críticas e para a formulação e a promoção de novas situações pedagógicas e novas relações sociais. texto03_520.indd 30 3/10/2007 14:26:13 Indagações sobre currículo 31 4. Princípios para a construção de currículos multiculturalmente orientados Passemos aos nossos princípios. Insistimos, inicialmente, na necessidade de uma nova postura, por parte do professorado e dos gestores, no esforço por construir currículos culturalmente orientados. Propomos, a seguir, que se reescrevam os conhecimentos escolares, que se evidencie a ancoragem social desses conhecimentos, bem como que se transforme a escola e o currículo em espaços de crítica cultural, de diálogo e de desenvolvimento de pesquisas. Es- peramos que nossos princípios possam nortear a escolha de novos conteúdos, a adoção de novos procedimentos e o estabelecimento de novas relações na escola e na sala de aula. 4. A necessidade de uma nova postura Elaborar currículos culturalmente orientados demanda uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante presente nas escolas. O professor “daltônico cultural” é aquele que não valoriza o “arco-íris de culturas” que encontra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar, não tirando, portanto, proveito da riqueza que marca esse panorama. É aquele que vê todos os estudantes como idênticos, não levando em conta a necessidade de estabelecer diferenças nas atividades pedagógicas que promove (Stoer e Cortesão, 1999). O daltonismo cultural a que nos referimos expressa-se, por exemplo, na visão da professora de uma escola normal que desencoraja uma pesquisadora interessada em compreender o tratamento dado, na escola, a questões referen- tes a racismo na formação docente. “Lamento, mas aqui você não terá material para seu estudo. Não temos problema nenhum de racismo aqui. Eu, por exem- plo, ao entrar em sala, trato todos os meus alunos como se fossem brancos” (Paraíso, 1997). O daltonismo é tão intenso que chega a impedir que a profes- sora reconheça a presença da diversidade (e de suas conseqüências) na escola. Em casos como esse, pode ser útil, em um primeiro momento, buscar- mos sensibilizar o corpo docente para a pluralidade e para a diversidade. Como fazê-lo? Que estratégias empregar nessa tarefa, para que se possa ter a maior adesão possível dos que ainda não perceberam a importância de tais aspectos? Nessa perspectiva, é importante articular o aprofundamento teórico com vivências de experiências em que os/as profissionais da educação são convidados/as a se colocar “em situação” e analisar as suas próprias reações. Como se sentiriam e reagiriam, por exemplo, se, como algumas pessoas negras ainda têm sido, fossem impedidos(as) de entrar pela “porta da frente” em um edifício residencial ou em um hotel de luxo? texto03_520.indd 31 3/10/2007 14:26:13 Currículo, Conhecim ento e Cultura 32 Outra estratégia possível diz respeito ao resgate de histórias de vida e análise de estudos de caso reais, trazidos pelos próprios educadores ou registrados em pesquisas realizadas sobre tal temática. Talvez alguns docentes se estimulem a apresentar e a discutir situações em que se viram, eles próprios, discriminados, ou em que presenciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas. Como se comportaram nesses momentos? Em resumo, a ruptura do daltonismo cultural e da visão monocultural da dinâmica escolar é um processo pessoal e coletivo que exige desconstruir e desnaturalizar estereótipos e “verdades” que impregnam e configuram a cultura escolar e a cultura da escola. Após a adoção de uma nova postura frente à pluralidade, outros princípios e propósitos podem mostrar-se úteis na formulação dos currículos. Vejamos alguns deles. 4.2 O currículo com um espaço em que se reescreve o conhecimento escolar Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produção. No processo de construção do conhecimento escolar, que já abordamos, se “retiram” os interesses e os objetivos usualmente envolvidos na pesquisa e na produção do conhecimento de origem (Terigi, 1999). O conhecimento escolar tende a ficar, em decorrência desse processo, “asséptico”, “neutro”, despido de qualquer “cor” ou “sabor”. O que estamos desejando, em vez disso, é que os interesses ocultados sejam identificados, evidenciados e subvertidos, para que possamos, então, reescrever os conhecimentos. Desejamos que o aluno perceba o quanto, em Geografia, os conhecimentos referentes aos diversos continentes foram construídos em íntima associação com o interesse, de certos países, em aumentar suas riquezas pela conquista e colonização de outros povos. Em conformidade com essa proposta, encontram-se já numerosos(as) professores(as) de História que não mais se contentam em ensinar aos(às) estudantes apenas a visão do dominante, do vencedor. Já se fazem freqüentes, em suas aulas na escola fundamental, discussões como: o Brasil foi descoberto ou invadido pelos portugueses? A Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, pretendeu de fato beneficiar os escravos? Domingos Fernandes Calabar deve ser mesmo considerado um traidor? Em 1964 houve uma revolução ou um golpe? Esses e outros inúmeros pontos controversos de nossa História são Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produção. texto03_520.indd 32 3/10/2007 14:26:13 Indagações sobre currículo 3 entender como o conhecimento socialmente valorizado tem sido escrito de uma dada forma e como pode, então, ser reescrito. Não se espera, cabe reiterar, substituir um conhecimento por outro, mas sim propiciar aos(às) estudantes a compreensão das relações de poder envolvidas na hierarquização das manifestações culturais e dos saberes, assim como nas diversas imagens e leituras que resultam quando certos olhares são privilegiados em detrimento de outros. Nessa perspectiva, é importante que consideremos a escola como um espaço de cruzamento de culturas e saberes. A escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas (Pérez Gómez, 1998). A responsabilidade específica que a distingue de outros espaços de socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia é exatamente a possibilidade de promover análises e interações das influências plurais que as diferentes culturas exercem, de forma permanente, sobre as novas gerações. O responsável definitivo da natureza, do sentido e da consistência do que os alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola, entre as propostas da cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, refletidas nas definições que constituem o currículo; os influxos da cultura social, constituída pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura institucional, presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios da escola como instituição específica; e as características da cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno através da experiência nos intercâmbios espontâneos com seu meio (Pérez Gómez, 1998, p.17). Conceber a dinâmica escolar nesse enfoque supõe repensar seus diferentes componentes e romper com a tendência homogeneizadora e padronizadora que impregna suas práticas. Para Moreira e Candau (2003, p.161), a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar. A escola precisa, assim, acolher, criticar e colocar em contato diferentes saberes, diferentes manifestações culturais e diferentes óticas. A contemporaneidade requer culturas que se misturem e ressoem mutuamente, texto03_520.indd 35 3/10/2007 14:26:14 Currículo, Conhecim ento e Cultura 3 que convivam e se modifiquem. Que se modifiquem modificando outras culturas pela convivência ressonante. Ou seja, um processo contínuo, que não pare nunca, por não se limitar a um dar ou receber, mas por ser contaminação, ressonância (Pretto, 2005). 4.3 O currículo como um espaço em que se explicita a ancoragem social dos conteúdos Sugerimos, como outra estratégia (intimamente relacionada à anterior), que se desenvolva nos(as) estudantes a capacidade de perceber o que tem sido denominado de ancoragem social dos conteúdos (Moreira, 2002b). Pretendemos que se propicie uma maior compreensão de como e em que contexto social um dado conhecimento surge e se difunde. Nesse sentido, vale examinar como um determinado conceito foi proposto historicamente, por que se tornou ou não aceito, por que permaneceu ou foi substituído, que tipos de discussões provocou, de que forma promoveu o avanço do conhecimento na área em pauta e, ainda, como esse avanço propiciou benefícios (ou não) à humanidade (ou a certos grupos da humanidade). Não seria estimulante envolvermos nossos(as) estudantes nas lutas travadas em torno da aceitação do modelo heliocêntrico do universo? Não seria enriquecedor acompanharmos e situarmos na história o surgimento e as transformações dos modelos de átomo, discutindo suas contribuições para o avanço da ciência e da tecnologia? O que estamos propondo é que se evidenciem, no currículo, a construção social e os rumos subseqüentes dos conhecimentos, cujas raízes históricas e culturais tendem a ser usualmente “esquecidas”, o que faz com que costumem ser vistos como indiscutíveis, neutros, universais, intemporais. Trata- se de questionar a pretensa estabilidade e o caráter aistórico do conhecimento produzido no mundo ocidental, cuja hegemonia tem sido incontestável. Trata- se, mais uma vez, de caminhar na contramão do processo de transposição didática, durante o qual usualmente se costumam eliminar os vestígios da construção histórica dos saberes. Procurando ilustrar nosso ponto de vista com outros exemplos, sugerimos perguntas que, no ensino das Ciências Naturais, podem se revelar bastante pertinentes. Eis algumas delas: (a) onde situar as origens da ciência: em culturas européias ou culturas não européias?; (b) em que medida a ciência moderna pode ser considerada ocidental?; (c) existem ou podem vir a existir ciências, elaboradas em outras culturas, que também “funcionem”, que também expliquem a realidade?; (d) por que a escola insiste em apresentar a ciência ocidental como a única possibilidade?; (e) que conflitos se encontram subjacentes aos processos de construção e de difusão do conhecimento científico?; (f) que debates têm sido gerados pela introdução, na comunidade científica, de novas teorias?; (g) por que a escola insiste em apresentar uma teoria consensual da ciência, subestimando as divergências referentes a texto03_520.indd 36 3/10/2007 14:26:14 Indagações sobre currículo 3 temáticas priorizadas, metodologias, fundamentos teóricos, objetivos? (Apple, 1982; Harding, 1996). Acreditamos que a exploração de questões como essas, em um curso de Ciências Naturais, tanto ajuda a desafiar a suposta neutralidade cultural da ciência quanto a iluminar perspectivas e possibilidades insuspeitadas de desenvolvimento científico. O princípio que estamos defendendo nos instiga também a relacionar os conteúdos curriculares às experiências culturais dos(as) estudantes e ao mundo concreto, o que permite analisar quem lucra e quem perde com as formas de emprego desses conhecimentos. Experiência desenvolvida por um pesquisador canadense, John Willinsky (2004), pode ser associada a esse enfoque. Bastante crítico da forma como habitualmente se analisam obras poéticas nas salas de aula, despindo-as de seus propósitos culturais e estéticos, o autor, ao ser desafiado por um estudante para dar uma unidade de Literatura em uma turma de ensino médio, abandonou a antologia tradicionalmente empregada. Optou, então, por formular, com os(as) alunos(as), uma antologia alternativa que abrigasse as diferentes vozes e identidades que hoje povoam o Canadá e que pudesse trazer à cena cultura, vida, dor, sangue, paixão, sensibilidade, assim como desafiar relações de poder que garantem a continuidade de diferenças e desigualdades no mundo contemporâneo (Moreira, 2004). O que os(as) estudantes escolheram para compor a nova antologia abriu as portas da sala de aula para suas posições históricas, experiências, visões de mundo. Ainda: denunciou a persistente hegemonia da cultura de origem européia, claramente expressa na herança colonial que continua a se infiltrar no currículo. Não se está diante de uma confirmação de que visões da cultura como mente cultivada ou como desenvolvimento social atrelado aos padrões europeus continuam presentes nos currículos escolares? O mesmo autor (Willinsky, 2002) nos oferece outro exemplo que também se harmoniza com o princípio que estamos defendendo. Pergunta- nos se é possível dividirmos a realidade humana em culturas, raças, histórias, tradições e sociedades claramente diferentes e conseguirmos suportar, com dignidade, as conseqüências dessas classificações. Insiste, então, no questionamento do caráter aparentemente natural, científico mesmo, dessas divisões. Para isso, acrescenta, há que se compreender a dinâmica histórica das categorias por meio das quais temos sido rotulados, identificados, definidos e situados na estrutura social. Para isso, há que se focalizar, no currículo, a construção dessas categorias. Somente assim iremos desafiar seus significados e abrir espaço, na escola e na sala de aula, para a diversidade. Ou seja, Willinsky rejeita a idéia de que existe uma verdade, uma essência ou um núcleo em qualquer categoria. Incentiva-nos, nas diferentes disciplinas curriculares, a tornar evidente e a desestabilizar a construção histórica de categorias que nos têm marcado, tais como raça, nação, sexualidade, masculinidade, feminilidade, idade, religião etc. Com essa estratégia, pretende explicitar como o mundo tem sido dividido. texto03_520.indd 37 3/10/2007 14:26:14 Currículo, Conhecim ento e Cultura 40 Como temos entendido esse outro? Para Skliar e Duschatzky (2001), principalmente de três formas distintas: o outro como fonte de todo mal, o outro como sujeito pleno de um grupo cultural, o outro como alguém a tolerar. A primeira perspectiva, segundo os autores, marcou predominantemente as relações sociais durante o século XX e pode se revestir de diferentes formas, desde a eliminação física do outro, até a coação interna, mediante a regulação de costumes e moralidades. Nesse modo de nos situarmos diante do outro, assumimos uma visão binária e dicotômica. Em um lado separamos os bons, os verdadeiros, os autênticos, os civilizados, cultos, defensores da liberdade e da paz. Em outro, deixamos os outros: os maus, os falsos, os bárbaros, os ignorantes e os terroristas. Se nos identificamos com os primeiros, o que temos a fazer é eliminar, neutralizar, dominar ou subjugar os outros. Caso nos sintamos representados como integrantes do pólo oposto, ou internalizamos a nossa maldade e nos deixamos salvar, passando para o lado dos bons, ou nos confrontamos violentamente com eles. Como essa primeira perspectiva se traduz na escola? Mostra-se presente quando: (a) atribuímos o fracasso escolar dos(as) alunos(as) às suas características sociais ou étnicas; (b) diferenciamos os tipos de escolas segundo a origem social dos(as) estudantes, considerando que alguns têm maior potencial que outros e, para desenvolvermos uma educação de qualidade, não podemos misturar estudantes de diferentes potenciais; (c) nos situamos, como professores(as), diante dos(as) alunos(as), com base em estereótipos e expectativas diferenciadas segundo a origem social e as características culturais dos grupos de referência; (d) valorizamos exclusivamente o racional e desvalorizamos os aspectos afetivos presentes nos processos educacionais; (e) privilegiamos somente a comunicação verbal, desconsiderando outras formas de comunicação humana, como a corporal, a artística etc. Ao considerarmos o outro como sujeito pleno de uma marca cultural, estamos concebendo-o como membro de uma dada cultura, vista como uma comunidade homogênea de crenças e estilos de vida. O outro, ainda que não seja a fonte de todo mal, é diferente de nós, tem uma essência claramente definida, distinta da que nos caracteriza. Na área da educação, essa visão se expressa, por exemplo, quando nos limitamos a abordar o outro de forma genérica e “folclórica”, apenas em dias especiais, usualmente incluídos na lista dos festejos escolares, tais como o Dia do Índio ou Dia da Consciência Negra. Já a expressão o outro como alguém a tolerar convida tanto a admitir a existência de diferenças quanto a aceitá-las. Nessa admissão, contudo, reside um paradoxo. Se aceitamos, por princípio, todo e qualquer diferente, deveríamos aceitar os grupos cujas marcas são comportamentos anti-sociais ou opressivos, como os racistas. Que conseqüências a adoção dessa perspectiva pode ter para a prática pedagógica? Julgamos que a simples tolerância pode nos situar em uma posição débil, evitando que tomemos posição em relação aos valores que dominam a cultura contemporânea. Pode impedir que polemizemos, levando-nos a assumir a conciliação como valor último. Pode texto03_520.indd 40 3/10/2007 14:26:14 Indagações sobre currículo 41 incentivar-nos a não questionar a “ordem”, vendo-a como comportamentos a serem inevitavelmente cultivados. Poderíamos acrescentar outras formas de nos situar diante dos outros. No entanto, acreditamos que a tipologia proposta por Skliar e Duschatzky (2000) expressa as posições mais presentes na nossa sociedade hoje, evidenciando a complexidade das questões relacionadas à alteridade e à diferença. O que desejamos destacar é que o modo como concebemos a condição humana pode bloquear nossa compreensão dos outros. Portanto, é importante promovermos processos educacionais nos quais identifiquemos e desconstruamos nossas suposições, em geral implícitas, que não nos permitem uma aproximação aberta e empática à realidade dos outros (Taylor, 2001). 4.6 O currículo como um espaço de crítica cultural Apresentamos agora outro princípio, fortemente relacionado aos anteriores: sugerimos que se expandam os conteúdos curriculares usuais, de modo a neles incluir alguns dos artefatos culturais que circundam o(a) aluno(a). A idéia é tornar o currículo um espaço de crítica cultural. Como fazê-lo? Um dos caminhos é abrir as portas, na escola, a diferentes manifestações da cultura popular, além das que compõem a chamada cultura erudita. Músicas populares, danças, filmes, programas de televisão, festas populares, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, poemas, revistas e romances precisam fazer-se presentes nas salas de aula. Da mesma forma, levando-se em conta a importância de ampliar os horizontes culturais dos(as) estudantes, bem como de promover interações entre diferentes culturas, outras manifestações, mais associadas aos grupos dominantes, precisam ser incluídas no currículo. A intenção é que a cultura dos estudantes e da comunidade possa interagir com outras manifestações e outros espaços culturais como museus, exposições, centros culturais, música erudita, clássicos da literatura. Se aceitarmos a inexistência, no mundo contemporâneo, de qualquer “pureza cultural” (McCarthy, 1998), se pretendermos abrir espaço na escola para a complexa interpenetração das culturas e para a pluralidade cultural, tanto as manifestações culturais hegemônicas como as subalternizadas precisam integrar o currículo e ser objeto de apreciação e crítica. Talvez fosse útil, para o desenvolvimento do que sugerimos, que discutíssemos, na escola, com que recursos podemos contar em nossa comunidade e como fazer para que outros recursos venham, de alguma forma, a tornar-se familiares a nossos(as) alunos(as). ... Abrir as portas, na escola, a diferentes manifestações da cultura popular, além das que compõem a chamada cultura erudita. texto03_520.indd 41 3/10/2007 14:26:14 Currículo, Conhecim ento e Cultura 42 Nessa perspectiva, há um ponto que desejamos destacar. Ao intentarmos transformar a escola em um espaço cultural, estamos convidando cada professor(a), como intelectual que é, a desempenhar o papel de crítico(a) cultural. Estamos considerando que a atividade intelectual implica o questionamento do que parece inscrito na natureza das coisas, do que nos é apresentado como natural, questionamento esse que visa, fundamentalmente, a mostrar que as coisas não são inevitáveis. A atividade intelectual centra-se, assim, na crítica da cultura em que estamos imersos. Como se expressa essa atividade na prática curricular? Julgamos que cabe à escola, por meio de suas atividades pedagógicas, mostrar ao aluno que as coisas não são inevitáveis e que tudo que passa por na- tural precisa ser questionado e pode, conseqüentemente, ser modificado. Cabe à escola levá-lo a compreender que a ordem social em que está inserido define-se por ações sociais cujo poder não é absoluto. O que existe precisa ser visto como a condição de uma ação futura, não como seu limite. Nossos questionamentos devem, então, provocar tensões e desafiar o existente (Moreira, 1999). Podem não mudar o mundo, mas podem permitir que o aluno o compreenda melhor. Como nos diz Bauman (2000), “para operar no mundo (por contraste a ser ‘ope- rado’ por ele) é preciso entender como o mundo opera” (p. 242). A crítica de diferentes artefatos culturais na escola pode, por exemplo, levar-nos a identificar e a desafiar visões estereotipadas da mulher propagadas em anúncios; imagens desrespeitosas de homossexuais difundidas em programas cômicos de televisão; preconceitos contra povos não ocidentais evidentes em desenhos animados; mensagens encontradas em revistas para adolescentes do sexo feminino (e da classe média) que incentivam o uso de drogas, o consumismo e o individualismo; estímulos à erotização precoce das meninas, visíveis em brinquedos e programas infantis; presença e aceitação da violência em filmes, jogos e brinquedos. Outros exemplos poderiam ser citados, reforçando-nos o ponto de vista de que os produtos culturais à nossa volta nada têm de ingênuos ou puros; ao contrário, incorporam intenções de apoiar, preservar ou produzir situações que favorecem certos grupos e outros não. Tais artefatos, como se tem insistentemente acentuado, desempenham, junto com o currículo escolar, importante papel no processo de formação das identidades de nossas crianças e nossos adolescentes, devendo constituir- se, portanto, em elementos centrais de crítica em processos curriculares culturalmente orientados. 4.7 O currículo como um espaço de desenvolvimento de pesquisas Como intelectual que é, todo(a) profissional da educação precisa comprometer-se com o estudo e com a pesquisa, bem como posicionar-se politicamente. Precisa, assim, situar-se frente aos problemas econômicos, texto03_520.indd 42 3/10/2007 14:26:14 Indagações sobre currículo 4 MOREIRA, A. F. B. Vivendo um currículo pós-colonial: um diálogo com John Willinsky. In: MOREIRA, A. F. B., PACHECO, J. A. e GARCIA, R. L. (Orgs.) Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro, DP&A, 2004. MOREIRA, A. F. B. O campo do currículo no Brasil: construção no contexto da ANPEd. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p. 81-101, 2002a. 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