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Guias e Dicas
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Princípios de neurofarmacologia, Notas de estudo de Enfermagem

PRINCÍPIOS DE NEUROFARMACOLOGIA

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 09/08/2010

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

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Baixe Princípios de neurofarmacologia e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Princípios Fundamentais de Neurofarmacologia Princípios de Excitabilidade Celular e Transmissão Eletroquímica John Dekker, Michael Ty e Gary R. Strichartz Introdução Caso Excitabilidade Celular Lei de Ohm Canais lônicos Seletividade dos Canais, Equação de Nemst e Potencial de Repouso A Equação de Goldman O Potencial de Ação Farmacologia dos Canais lônicos Transmissão Eletroquímica Regulação da Fenda Sináptica Receptores Pós-Sinápticos Metabolismo e Recaptação dos Transmissores Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO A comunicação celular é essencial para o funcionamento efe- tivo de qualquer organismo multicelular complexo. O principal modo de comunicação intercelular é a transmissão de sinais químicos, como os nenrotransmissores e os hormônios. Nos tecidos excitáveis, como os nervos e os músculos, a comu- nicação intracelular rápida depende da propagação de sinais elétricos — potenciais de ação — ao longo da membrana plasmática da célula. A transmissão tanto química quanto elé- trica envolve comumente o movimento de íons através da mem- brana plasmática, que separa a célula de seu meio ambiente, ou através das membranas de organelas internas, como o retículo endoplasmático ou as mitocôndrias. Os movimentos iônicos podem modificar diretamente a concentração citoplasmática de íons, como o Ca?”, que atuam como reguladores essenciais de processos bioquímicos e fisiológicos, como fosforilação, secreção e contração. Os movimentos iônicos também modifi- cam o potencial elétrico através da membrana através da qual fluem os íons, regulando, dessa maneira, diversas funções dependentes da voltagem, como a abertura de outros canais iônicos. Alguns desses eventos são breves, com durações e ações de vários milissegundos (0,001 s). Outros podem levar muitos segundos, tendo conseqjiências bioquímicas que podem persistir por vários minutos ou horas. Mesmo a expressão gêni- ca pode ser regulada por mudanças nas concentrações de íons, resultando em alterações a longo prazo na fisiologia, no cresci- mento, na diferenciação e ontros processos celulares. Muitas substâncias modificam a sinalização química ou elétrica, aumentando ou diminuindo a excitabilidade celular e a transmissão elétrica. Para apreciar como essas substâncias atuam, o presente capítulo irá explicar as bases eletroquími- cas subjacentes a esses fenômenos. Esses princípios gerais são 74 | capítulo seis O Canaisotetivo de k Força química Força elétrica ZERO Gradiente eletroquímico = força química + força elétrica ——— ZERO Fig. 6.3 Base eletroquímica do potencial de membrana em repouso. A. Considere o protótipo de uma célula que inicialmente contém concentrações iguais de ions potássio (K') intracelulares e ânions não-permeantes (A). Pressuponha também que os fons só podem sair da célula através de um único canal seletivo para o Kº, Neste caso, existe um forte gradiente químico para a saída tanto de K* quanto de A- da célula, porém não há nenhuma força elétrica favorecendo o fluxo de fons, visto que a soma elétrica das cargas intracelulares é zero. B. O K* começa a sair da célula através do canal seletivo para K, porém A- permanece no interior da célula, visto que não possuí nenhuma via de saída. Por conseguinte, o gradiente químico de K* através da membrana toma-se menor. À medida que o Kº abandona a célula, a carga negativa efetiva do A- que permanece no interior da célula produz um potencial de membrana negativo, que exerce uma força elétrica que desfavorece o efluxo de K*, A direção dessa força é oposta à do gradiente químico; em consegiência, o gradiente eletroquímico total (a soma da força química e da força elétrica) é menor do que o gradiente químico sozinho. €. Quando o gradiente elétrico é igual e oposto ao gradiente químico, o sistema encontra-se em equilibrio, e não ocorre nenhum fluxo efetivo de fons. A voltagem resultante da separação de cargas em equilíbrio é designada como potencial de Nest. da célula. Essas forças se combinam para criar um gradiente eletroquímico, que é igual à soma do gradiente elétrico e do gradiente químico. O gradiente eletroquímico transmembrana é a força propulsora efetiva para o movimento de íons através dos canais nas membranas biológicas. Em conseqiiência do gradiente eletroquímico, a concentra- ção extracelular de K* não se equilibra com a concentração intracelular. Com efeito, estabelece-se um equilíbrio em que a força eletrostática que “puxa” os íons K“ de volta para o interior da célula é equilibrada exatamente pelo gradiente químico que favorece o efluxo de K'. O potencial em que esse equilíbrio ocorre, para qualquer íon X permeante, é uma função da carga do íon (2), da temperatura (T) e das concentrações intracelulares e extracelulares do íon. Essa relação é expressa na equação de Nernst: -RT V=Vi-Vi= m [4 ao AX Equação 6.2 onde V, é o potencial transmembrana alcançado por uma mem- brana seletivamente permeável ao íon X em equilíbrio (isto é, o potencial de Nernst para este íon), V.« — Vou é à diferença de voltagem transmembrana, RT/zF é uma constante para uma determinada temperatura e carga (esse número é simplificado para 26,7 mV para uma carga de +1 em uma temperatura de 370), e [Xu e [X1, São as concentrações extracelulares e intracelulares, respectivamente, do íon X. A força propulsora eletroquímica sobre o íon X é igual à diferença entre o poten- cial de membrana verdadeiro e o potencial de Nernst para esse íon, V, — Vo O terceiro determinante do potencial de membrana em repouso, a ação das bombas iônicas ativas e passivas que mantêm gradientes iônicos através da membrana, determina a concentração de íons no lado intemo e no lado externo da célula. Numerosas bombas desempenham um importante papel fisiológico na manutenção dos gradientes iônicos: incluem a bomba de Na'/K* dependente de ATP (que expulsa três íons Na' para cada dois íons K* que penetram na célula) e o troca- dor de Na'/Ca?* (que expulsa um Ca?! para cada três íons Na” que penetram na célula). A ação coordenada dessas bombas regula rigorosamente as concentrações intracelulares e extrace- lulares de todos os cátions e ânions de importância biológica. Conhecendo os valores dessas concentrações iônicas, é possível calcular os potenciais de Nernst para esses cátions e ânions em temperatura fisiológica e, portanto, o valor do potencial transmembrana em que a força propulsora efetiva para cada íon desaparece (Quadro 6.1). As diferenças entre as concentrações extracelulares e intra- celulares dos quatro principais íons são atribuíveis a variações na extensão do transporte de cada um deles — mediadas por bombas e trocadores na membrana plasmática — e a variações na permeabilidade da membrana — mediadas por canais sele- tivos para cada espécie iônica. As permeabilidades relativas da membrana neuronal em repouso aos íons são: K' >> Cl-> Na” > > Ca”, Como o K' é o íon mais permeante em condições de repouso, o potencial de membrana em reponso aproxima- se mais estreitamente do potencial de Nernst para o K' (cerca de -90 mV). Na realidade, a permeabilidade fraca a ontras espécies iônicas eleva o potencial de membrana em repouso acima daquele para o K'. Por conseguinte, apesar de o K' ser o íon mais permeante, a permeabilidade aos outros íons e a ação das denominadas bombas “eletrogênicas” (isto é, bom- bas que produzem um movimento efetivo de cargas) também contribuem para o potencial de repouso global. No estado de equilíbrio dinâmico, que descreve o verdadeiro potencial de membrana em repouso (Fig. 6.4), V., não é igual ao potencial de Nernst para qualquer um dos íons individuais, e cada espécie iônica experimenta uma força eletroquímica efetiva. Em outras Princípios de Excitabilidade Celular e Transmissão Eletroquímica [75 QUADRO 6.1 Potenciais de Equilíbrio de Nernst para os Principais fons Na” 145 mM 15 mM K' 4mM 140 mM cr 122 mM 4,2 mM Ca” 1,5 mM = 1x 105 mM 26,7 In (145/15) 26,7 In (4/140) — 26,7 In (122/4,2) 26,7/2 In (1,5/1 x 105) Vw =+ 61 mV Ve =-95mV Va =-90 mV Va =+ 159 mV Os valores calculados para o potencial de Nerust são típicos do músculo esquelético de mamífero. Muitas células humanas apresentam gradientes iônicos transmembrana semelhantes. palavras, (V, — Vo.) não é zero, e ocorrem pequenos fluxos iônicos. A soma algébrica dessas correntes para dentro e para fora da célula é pequena e equilibrada por correntes das bombas eletrogênicas ativas, de modo que não há nenhuma corrente efetiva através da membrana em reponso. Foi estimado que até 25% de toda a energia celular são consumidos na manutenção dos gradientes iônicos através das membranas celulares. - corrente de K* Ik Vk - potencial de Nernst do K* dk - condutância do K* - corrente de Na* Ina Vya - potencial de Nernst para o Na* da — condutância do Nat Vh - potencial de membrana em repouso leio = Corrente efetiva Fig. 6.4 Contribuição relativa do K*e do Na* para o potencial de membrana em repouso. As permeabilidades relativas da membrana ao Kº, ao Nat e a outros íons e os potenciais de Nernst (equilíbrio eletroquímico) desses íons determinam, em seu conjunto, o potencial de membrana em repouso. No exemplo apresentado, a condutância do K* é cinco vezes a do Na* (mostrada pelas inclinações das linhas / versus V para I, € In, respectivamente). Isto é, a membrana é cinco vezes mais permeável ao K* do que ao Na”. A corrente de K* é descrita pela |, [1 = & (V — Vo], enquanto a corrente de Na* é descrita pela la [ho = Bus (V — Vaa)]. (Neste exemplo, gx e gx, São as condutâncias constantes em todas as voltagens.) A |.,, à corrente efetiva da membrana, é a soma dessas duas correntes (lu. = 1x + lo). O potencial de membrana em “repouso” (Vo) é o valor de V em que a l.« é igual a zero. Neste exemplo, observe que Wi está próximo a V« porém não é maior. Isso se deve ao fato de que, embora o K* seja o principal determinante do potencial de repouso, a corrente de Na* menor despolariza V, para um valor mais positivo do que V,. A EQUAÇÃO DE GOLDMAN O exemplo apresentado na Fig. 6.3 mostra uma situação em que apenas uma espécie iônica flui através da membrana plasmáti- ca. Na realidade, muitas células possuem vários canais seletivos para diferentes íons, que em seu conjunto contribuem para o potencial de membrana em reponso global. Quando o potencial de repouso é determinado por duas ou mais espécies de íons, a influência de cada espécie é determinada pelas suas concentra- ções no interior e no exterior da célula e pela permeabilidade da membrana a este íon. Em termos quantitativos, essa relação é expressa pela Equação de Goldman-Hodgkin-Katz: = 'm F PAK Ju + PLN! + PAC Tu ão 6.3 PART PINA hor PAC Paração onde P, é a permeabilidade da membrana ao íon x. (A P, é expressa como fração, sendo a permeabilidade máxima indica- da pelo valor 1.) Essencialmente, essa expressão estabelece que quanto maior a concentração de determinado íon e maior a permeabilidade da membrana a este íon, maior o seu papel na determinação do potencial de membrana. No caso extremo, quando a permeabilidade a determinado íon é exclusivamente dominante, a equação de Goldman reverte para a equação de Nernst para este íon. Por exemplo, se P,> > Pc, Py, à equação transforma-se em RT, KI =—In ” F [Kas Alternativamente, se a P,, exceder acentuadamente a Px, Po, logo V,, — Vw, e a membrana estará fortemente despola- rizada. Esse conceito importante estabelece uma ligação entre as mudanças na permeabilidade dos canais iônicos e as altera- ções no potencial de membrana. Toda vez que um canal iônico seletivo estiver no estado aberto, o potencial de membrana é impulsionado para o potencial de Nernst para este íon. A contribuição relativa de determinado canal para o potencial de membrana global depende da extensão do fluxo de íons através desse canal (representada pela permeabilidade). As mudanças dependentes do tempo na permeabilidade da membrana ao Na” e ao K' (e, nas células cardíacas, ao Ca?”) são responsáveis pela principal característica diferencial dos tecidos eletricamen - te excitáveis — o potencial de ação. O POTENCIAL DE AÇÃO De acordo com a lei de Ohm, a passagem de uma pequena quantidade de corrente através de uma membrana celular pro- duz uma mudança da voltagem através da membrana, atingindo 76 | Capítuloseis um novo valor em estado de equilíbrio dinâmico, que é deter- minado pela resistência da membrana (ver anteriormente). O período de tempo dessa mudança de voltagem é determinado pelo produto da resistência r, pela capacitância C, da membra- na, com uma taxa constante iguala [r, x CJ". (A capacitância da membrana resulta da presença de um isolante, o cerne de hidrocarboneto dos fosfolipídios na membrana, entre dois con- dutores, as soluções iônicas em ambos os lados da membrana [ver Fig. 6.2]. Os capacitores armazenam cargas em ambas as superfícies e necessitam de tempo para a mudança dessa carga.) Se a mudança de potencial estimulado for menor do que o valor limiar, a voltagem da membrana modifica-se uniformemente e retorna a seu valor de repouso quando a corrente é interrom- pida (Fig. 6.54). Por outro lado, se a voltagem da membrana muda positivamente para um nível acima do valor limiar, ocorre um evento mais dramático: a voltagem da membrana eleva-se e 0d > E E -so- Voltagem limiar | 3 E 8 ol Pequeno estímulo despolarizante > E od 5 E -sod Voltagem limiar | g =90 Grande estímulo despolarizante o Grande estímulo hiperpolarizante E E 5 8 E 5 > Tempo Fig.6.5 0 potencial de ação. A. No exemplo ilustrado, uma célula em repouso possui um potencial de membrana de cerca de -80 mv. Se for aplicado um pequeno estímulo despolarizante à célula (por exemplo, um estímulo que abre alguns canais de Ca?* regulados por voltagem), a membrana despolariza-se lentamente em resposta ao influxo de fons Ca”. Após o término do estímulo e o fechamento dos canais de Ca?, a membrana retorna a seu potencial de repouso. A fase temporal da mudança de voltagem é determinada pela capacitância da membrana (ver Fig. 6.2). B. Se for aplicado um estímulo despolarizante maior à célula, de modo que o potencial de membrana exceda a sua voltagem “limiar”, a membrana despolariza-se rapidamente para cerca de +50 mV e, a seguir, retorna a seu potencial de repouso. Esse evento é conhecido como potencial de ação; a sua magnitude, fase temporal e forma são determinadas pelos canais de Na* e de K* regulados por voltagem, que se abrem em resposta à despolarização da membrana. €. Em comparação, à aplicação de um estímulo hiperpolatizante a uma célula não gera um potencial de ação, independentemente da magnitude da hiperpolarização. rapidamente até um valor de cerca de +50 mV e, a seguir, cai para o seu valor de repouso de aproximadamente -80 mV (Fig. 6.5B). Esse evento “supralimiar” é conhecido como potencial de ação (PA). Não pode haver produção de um PA até mesmo por um grande estímulo hiperpolarizante; neste caso, a resposta de voltagem da membrana permanece contínua e graduada com a corrente externa, dependendo apenas da resistência e capaci- tância da membrana em repouso (Fig. 6.50). Na maioria dos neurônios, o equilíbrio entre os canais de Na* edeK' regulados por voltagem regula o PA. (Em algumas célu- las cardíacas, os canais de Ca!* regulados por voltagem também estão envolvidos na regulação do PA; ver Cap. 18.) Os canais de Na” regulados por voltagem conduzem uma corrente para dentro da célula, que a despolariza no início do PA. Os canais de K* regulados por voltagem conduzem uma corrente para fora da célula que a repolariza no final do PA, na preparação para o próximo evento excitatório. A Fig. 6.6 mostra as relações de corrente-voltagem (I-V) para o canal de Na” regulado por voltagem e o canal de K' “em repouso”. A condutância total da membrana para o Na” é o produto da condutância de um único canal de Na' aberto, do número total de canais de Na e da probabilidade de um canal de Na' individual estar aberto, P,. O elemento-chave para a excitabilidade da membrana é a depen- dência de voltagem de P,, conforme mostrado na Fig. 6.64. As despolarizações rápidas da membrana para 50 mV ou acima determinam a abertura dos canais de Na”, com uma probabili- dade que aumenta para 1,0, isto é, o valor máximo, em cerca de zero milivolts. A probabilidade de abertura do canal representa a fração de todos os canais de Na” que se abrem em resposta a uma única etapa de voltagem. Por exemplo, em potenciais muito negativos (por exemplo, -85 mV), praticamente nenhum canal de Na” está aberto; à medida que o PA despolariza a membrana através de O mV, ocorre abertura da maioria ou de todos os canais de Na”; e as despolarizações rápidas para 25 mV abrem cerca da metade dos canais de Na'. Convém lembrar que a corrente iônica é o produto da condu- tância iônica (g) por uma diferença de potencial. Para os íons, a diferença de potencial é igual à força propulsora eletroquímica, V.—V, onde V, é o potencial de Nernst para o íon específico. Por exemplo, para a corrente de Na': Ta = Buai(Vo — Vu) ou Equação 6.4 Ta = BuaP Vo — Vau) Aqui a Ex, é a condutância da membrana para o Na! quando todos os canais de Na” estão abertos, e P, é, como anteriormen- te, a probabilidade de abertura de qualquer canal individual de Na. A ilustração gráfica dessa equação é mostrada na Fig. 6.6B, onde a corrente de Na' para uma membrana “totalmente ativada” é descrita pela linha reta que passa com inclinação positiva através de Vw. Se a condutância do Na' não depen- desse da voltagem (isto é, se a gx, fosse sempre igual à Ex), essa linha se estenderia através da faixa de voltagem negativa, conforme mostrado pela sua extrapolação em linha tracejada. Todavia, a dependência de voltagem da P, (Fig. 6.64) faz com que a verdadeira condutância de Na”, gx, Seja dependente da voltagem, resultando em desvio da Is, real dessa condição “totalmente ativada” teórica. Por conseguinte, despolarizações crescentes a partir do estado de repouso (produzidas, por exem- plo, pela aplicação de um estímulo) resultam em correntes de Na' para dentro da célula que, a princípio, tornam-se maiores à medida que ocorre abertura de um maior número de canais, subseqiiente do trausmissora receptores existentes na membrana da célula pós-sináptica). Por esse motivo, a transmissão sináptica é fregiientemente denominada transmissão eletroquímica. A segiiência geral de processos essenciais para a transmissão eletroquímica é a seguinte (Fig. 6.8): 1. Os neurotransmissores são sintetizados por enzimas cito- plasmáticas e armazenados no neurônio. Os nenrotrans- missores comuns incluem a acetilcolina, a norepinefrina, o ácido y-aminobutírico (GABA), o glutamato, a dopamina e a serotonina. Os neurônios são, em sua maioria, especiali- zados na liberação de apenas um tipo de nenrotransmissor, e essa especialização é determinada, em grande parte, pelas enzimas sintéticas expressas no neurônio. Após a sua sínte- se, os nenrotransmissores são ativamente transportados do citoplasma para o interior de vesículas intracelulares (fre- qiientemente denominadas vesículas sinápticas), nas quais atingem altas concentrações. O enchimento dessas vesículas é efetuado pela atividade coordenada de diversas proteínas de membrana vesiculares. Na maioria dos casos, um trans- portador dependente de ATP bombeia prótons do citoplasma para dentro da vesícula, criando, assim, um gradiente de prótons através da membrana da vesícula. A energia eletro química nesse gradiente de prótons é utilizada para fornecer aos transportadores especializados de neurotransmissores a energia necessária para o transporte ativo das moléculas nenrotransmissoras do citoplasma para o interior da vesícu- la. As vesículas repletas de neurotransmissores sofrem um processo iniciador e fixam-se sobre a “zona ativa” da mem- brana plasmática da terminação pré-sináptica, uma estrutura celular especializada na liberação de nenrotransmissores. 2. Quando a voltagem limiar é alcançada no neurônio, um PA é iniciado e propagado ao longo da membrana axônica até a terminação nervosa pré-sináptica. 3. A despolarização da membrana da terminação nervosa pro- voca a abertura dos canais de Ca?! dependentes de voltagem eo influxo de Ca” através desses canais abertos para a ter- minação nervosa pré-sináptica. Em muitos neurônios, esse influxo de Ca?” é regulado por canais de Ca?” do tipo P/Q (Ca, 2,1) ou do tipo N (Ca, 2,2). 4. Na terminação nervosa pré-sináptica, a rápida elevação da concentração citosólica de Ca?” livre provoca a fusão das vesículas repletas de neutotransmissores com o conjunto de proteínas especializadas na membrana plasmática pré-sináp- tica (ver regulação da vesícula sináptica, na seção seguinte). Após a fusão da vesícula, ocorre liberação do nenrotrans- missor na fenda sináptica. 5. O neurotransmissor liberado difunde-se através da fenda sináptica, onde pode ligar-se a duas classes de receptores sobre a membrana pós-sináptica: a. A ligação do nenrotransmissor a receptores ionotrópicos regulados por ligante abre canais que permitem o fluxo de íons através da membrana pós-sináptica. Dentro de milissegundos, esse fluxo de íons leva a potenciais pós- sinápticos excitatórios ou inibitórios. b. A ligação do neurotransmissor a receptores metabotró- picos (por exemplo, receptores acoplados à proteína G) produz ativação das cascatas de sinalização de segundos mensageiros intracelulares. Esses eventos de sinalização Princípios de Excitabilidade Celular e Transmissão Eletroquímica L 79 Neurônio pré-sináptico Potencial de ação o Transportador do neurotransmissor o Precursor N Neurotransmissor—? Célula pós-sináptica / Fosfodiesterase Fig. 6.8 Etapas na transmissão sináptica. A transmissão sináptica pode ser dividida em uma série de etapas que acoplam a despolarização elétrica do neurônio pré-sináptico com a sinalização química entre as células pré- sinápticas e pós-sinápticas. 1. O neurônio sintetiza um neurotransmissor a partir de um precursor e o armazena em vesículas. 2. Um potencial de ação que se propaga pelo neurônio despolariza a terminação nervosa pré-sináptica. 3. A despolarização da membrana ativa os canais de Ca?* dependentes de voltagem, permitindo a entrada de Ca?* na terminação nervosa pré-sináptica. 4. O aumento do Ca? ciosólico permite a fusão da vesícula com a membrana plasmática do neurônio pré-sináptico, com liberação subsequente do neurotransmissor na fenda sináptica. 5. O neurotransmissor difunde-se através da fenda sináptica e liga-se a um de dois tipos de receptores pós-sinápticos. 5a. Aligação do neurotransmissor a receptores ionotrópicos provoca a abertura dos canais e mudanças na permeabilidade da membrana pós-sináptica a fons. Isso também pode resultar em mudança no potencial de membrana pós-sináptica. 5b. A ligação do neurotransmissor a receptores metabotrópicos na célula pós-sináptica ativa cascatas de sinalização intracelulares; o exemplo mostra a ativação da proteína G, levando à formação do cAMP pela adenilil ciclase, Por sua vez, essa cascata de sinalização pode ativar outros canais iônicos seletivos. 6. A terminação do sinal é efetuada através da remoção do transmissor da fenda sináptica. 6a. O transmissor pode ser degradado por enzimas (8) na fenda sináptica. 6b. Alternativamente, o transmissor pode ser reciclado na célula pré-sináptica por transportadores de recaptação. 7. A terminação do sinal também pode ser efetuada por enzimas (como a fosfodiesterase), que degradam as moléculas de sinalização intracelulares pós-sinápticas (como o cAMP). 80 | Capítulo seis também podem levar a mudanças no potencial pós-sináp- tico, embora a sua fase temporal seja mais lenta (em geral, de segundos a vários minutos). Alguns neurotransmissores também podem ligar-se a uma terceira classe de receptores na membrana pré-sindp ca. Esses receptores são denominados auto-receptores, uma vez que regulam a liberação de nenrotransmissores. 6. Os potenciais pós-sinápticos excitatórios (PPSE) e os potenciais pós-sinápticos inibitórios (PPSI) propagam-se passivamente (isto é, sem a geração de um PA) ao longo da membrana da célula pós-sináptica. Um grande núme- ro de PPSE pode somar-se, fazendo com que a membrana pós-sináptica exceda a voltagem limiar (V,). Quando isso ocorre, um PA pode ser gerado na célula pós-sináptica. (Esse processo não é mostrado na Fig. 6.8.) 7. A estimulação da célula pós-sináptica termina com a remo- ção do nenrotransmissor, dessensibilização do receptor pós-sináptico ou uma combinação de ambas. A remoção do neurotransmissor ocorre através de dois mecanismos: a. Degradação do neurotransmissor por enzimas na fenda sináptica. b. Captação do nenrotransmissor por transportadores espe- cíficos na terminação pré-sináptica (ou por células gliais circundantes), que termina a ação sináptica e permite a reciclagem do neurotransmissor em vesículas sinápticas na preparação de um novo evento de liberação. 8. Para os receptores metabotrópicos acoplados à proteína G na célula pós-sináptica, a terminação da resposta a um estímulo transmissor também depende das enzimas intracelulares que inativam os segundos mensageiros (por exemplo, fosfodies- terases que convertem o cAMP em seu metabólito inativo AMP). O protótipo da sinapse química é o da junção neutomuscu- lar (ver Fig. 8.4 para maiores detalhes). Nessa junção, ramos terminais do axônio motor situam-se numa depressão sináptica na superfície das células musculares. Quando o neurônio dispa- ra, ocorre liberação de acetilcolina (ACh) das terminações do neurônio motor. A ACh liberada difunde-se através da fenda sináptica, ligando-se a receptores ionotrópicos regulados por ligante situados sobre a membrana muscular pós-sináptica. Essa ligação da ACh a seu receptor produz um aumento transitório na probabilidade de abertura dos canais iônicos associados ao receptor. O poro dos canais é igualmente permeável ao Na” e ao K', e esses canais possuem um potencial de inversão (isto é, um potencial em que não há fluxo de corrente efetiva através do canal) de aproximadamente O mV (a média dos potenciais de Nernst de Na* e K“ individuais). A corrente efetiva para dentro da célula que passa por esses canais abertos despolariza a membrana celular muscular. Embora esse potencial de placa motora particular seja grande o suficiente para estimular um PA no músculo, sua magnitude é incomum, visto que os potenciais pós-sinápticos excitatórios são, em sua maioria, de magnitude insuficiente para estimular um PA. Na verdade, devem ocorrer diversos potenciais pós-sinápticos excitatórios neuronais dentro de um curto período de tempo (-10 ms), e em sinapses estrei- tamente espaçadas, para que a despolarização pós-sináptica alcance o valor limiar para disparar um PA. A discussão que se segue ressalta pontos nas etapas básicas da neurotransmissão que podem ser modificados por agentes farmacológicos. REGULAÇÃO DA FENDA SINÁPTICA As terminações nervosas contêm dois tipos de vesículas secre- toras: pequenas vesículas sinápticas de cerne claro e grandes vesículas sinápticas de cerne denso ou granulares. As vesículas claras armazenam e secretam pequenos nenrotrans- missores orgânicos, como a acetilcolina, o GABA, a glicina e o glutamato. As vesículas granulares têm mais tendência a conter neurotransmissores peptídicos ou amínicos. As vesículas granulares maiores assemelham-se aos grânulos secretores das células endócrinas, visto que a sua liberação não é limitada a zonas ativas da célula pré-sináptica. A liberação das vesículas granulares também tem mais tendência a ocorrer após uma série de impulsos (estimulação contínua ou rítmica) do que após um único PA. Por conseguinte, as vesículas menores de cerne claro estão envolvidas na transmissão química rápida, enquanto as vesículas maiores de cerne denso, ou granulares, estão impli- cadas na sinalização lenta, moduladora ou distante. No decorrer dos últimos anos, foram identificadas muitas das proteínas que controlam o movimento das vesículas sináp- ticas. A sinapsina é uma proteína de membrana intrínseca que se liga às vesículas sinápticas e à actina. Essa proteína liga as vesículas à matriz de actina citoplasmática nas terminações nervosas. Como a sinapsina é um importante substrato de pro- teinocinases reguladas pelo cAMP e Ca?'/calmodulina, acredi- ta-se que esses segundos mensageiros atuam na liberação de neurotransmissores ao controlar a disponibilidade de vesículas sinápticas para exocitose dependente de Ca?!. A sinaptobre- vina é uma proteína ancorada à membrana da vesícula na sua região C-terminal hidrofóbica. Trata-se de uma das várias pro- teínas coletivamente denominadas SNARE (receptor protéico de fixação de fator sensível à N-etilmaleimida solúvel), que são essenciais para exocitose da vesícula tanto regulada pelo Ca?* quanto independente de Ca? (Fig. 6.9). Certas nenrotoxinas, como a toxina tetânica e a toxina botulínica (ver Cap. 8), pare- cem atuar através da clivagem seletiva da sinaptobrevina, ini- bindo, assim, a exocitose das vesículas sinápticas. A sinapsina, a sinaptobrevina e outras proteínas recém-descobertas envolvi- das na liberação do nenrotransmissor podem proporcionar alvos para o controle farmacológico da transmissão sináptica. RECEPTORES PÓS-SINÁPTICOS Numerosos a gentes nenrofarmacológicos atuam nos receptores pós-sinápticos. Essas proteínas de membrana integrais são divi- didas em duas classes: receptores ionotrópicos e metabotrópi- cos. Os receptores ionotrópicos, como os receptores nicotínicos de acetilcolina e os receptores de GABA do tipo “A”, são quase sempre compostos de quatro a cinco subunidades que oligome- rizam na membrana, formando um canal regulado por ligante. A ligação de uma (ou, algumas vezes, duas) moléculas de ligante ao receptor leva a uma alteração conformacional alostérica, que abre o poro do canal. As subunidades que compõem o mes- mo receptor funcional freqiientemente diferem entre diferentes tecidos, e, em conseqiiência, a farmacologia molecular detalha- da dos receptores depende do tecido. Por exemplo, embora a acetilcolina seja o transmissor endó geno de todos os receptores nicotínicos colinérgicos, vários agonistas (ou antagonistas) sin- téticos ativam (ou inibem) seletivamente esses receptores no músculo esquelético, nos gânglios autônomos ou no sistema nervoso central (ver Cap. 8). De forma semelhante, os receptores metabotrópicos são diversos. Embora a maioria consista em receptores acoplados OQ Vesícula sináptica preparada para a liberação de neurotransmissor Vesícula sináptica N Sinaptotagmina Pi io 'sensor do Ca) Complexo SNARE Canal de cálcio regulado por voltagem Citoplasma Membrana plasmática Fenda sináptica pré-sináptica (O 0 Ca?* local transitório desencadeia a liberação de neurotransmissor na fenda sináptica nd La ca?! Fig. 6.9 Mecanismo detalhado da liberação de neurotransmissores. A. As vesículas sinápticas são fixadas próximo à membrana plasmática do neurônio pré-sináptico por diversas interações proteina-proteina. As mais importantes dessas interações envolvem proteínas SNARE (receptor protéico de fixação de fator sensível à Nretilmaleimida solúvel) na membrana da vesícula e na membrana plasmática. Os canais de Ca?* regulados por voltagem localizam-se na proximidade desses complexos SNARE na membrana plasmática, facilitando a percepção da entrada de Ca?* pela sinaptotagmina na membrana vesicular. B. Os canais de cálcio regulados por voltagem abrem-se em resposta a um potencial deação, permitindo a entrada de Ca? extracelular no interior da célula. O aumento do Ca?» intracelular desencadeia a fusão da membrana vesicular com a membrana plasmática, liberando moléculas de neurotransmissor na fenda sináptica. à proteína G, os domínios extracelulares e citoplasmáticos desses receptores diferem significativamente. Essas diferenças permitem o desenvolvimento de agonistas (ou antagonistas), que ativam (ou inibem) subtipos específicos de receptores metabotrópicos. METABOLISMO E RECAPTAÇÃO DOS TRANSMISSORES A alteração do metabolismo do nentotransmissor proporciona um mecanismo importante de intervenção farmacológica na Princípios de Excitabilidade Celular e Transmissão Eletroquímica | 81 sinapse. Os dois tipos principais de intervenção envolvem a inibição da degradação do nenrotransmissor e o antagonismo da recaptação do neurotransmissor. A acetilcolinesterase, a enzima responsável pela degradação da acetilcolina, é um exemplo do primeiro tipo de alvo farmacológico. Os inibidores da acetil- colinesterase constituem a base do tratamento da miastenia grave (ver Cap. 8). Os transportadores que facilitam a recaptação do neuro- transmissor a partir da fenda sináptica para o interior da célu- la pré-sináptica são ainda de maior importância. Como esses transportadores de recaptação são cruciais para o término da transmissão sináptica, sua inibição possui efeitos profundos. Por exemplo, os efeitos psicotrópicos da cocaína provêm da capacidade dessa droga de inibir a recaptação de dopamina e norepinefrina no cérebro, enquanto o benefício terapêutico dos antidepressivos, como a fluoxetina, resulta da inibição da recaptação seletiva de serotonina (ver Cap. 13). Como os transportadores da recaptação tendem a ser específicos quanto ao substrato, pode-se antecipar o possível desenvolvimento de novos fármacos direcionados seletivamente para outros subti- pos específicos de transportadores. EH Conclusão e Perspectivas Futuras A excitabilidade celular é um componente crucial da comu- nicação intercelular. A base fundamental da excitabilidade celular reside nos gradientes eletroquímicos que são estabe- lecidos por bombas de íons através da dupla camada lipídica da membrana plasmática. Os canais iônicos seletivos per- mitem a regulação seletiva da permeabilidade da membrana a diferentes espécies iônicas, possibilitando uma mudança na voltagem da membrana acoplada a um estímulo químico ou resposta. O potencial de ação, um tipo especial de resposta estereotipada encontrada nas células excitáveis, é possível devido às propriedades dependentes de voltagem dos canais de Na' e K'. Os processos básicos da transmissão eletroquímica forne- cem o substrato para a modulação farmacológica da excitação e comunicação celular; esses tópicos são considerados de modo mais detalhado em todo este livro. E Leituras Sugeridas Conley EC, Brammer WJ. The ion channel facts book, vol. IV: voltage- gated channels. San Diego: Academic Press; 1996. (Informações básicas sobre os canais iônicos.) Hille B. Zonic channels of excitable membranes. 3rd ed. Sunderland, MA: Sinaver Associates; 2001. (Discute com clareza a base da excitabilidade celular e a biologia dos canais iônicos.) Nestler EJ, Hyman SE, Malenka RC. Molecular neuropharmacology: a foundation for clinical neuroscience. New York: McGraw-Hill Appleton & Lange; 2001. (Resumo de neurofarmacologia.) Rizzoli SO, Betz WJ. Synaptic vesicle pools. Nat Rev Neurosci 2005:6:57-69. (Avanços na biologia das vesículas sinápticas.) Sudhof TC. The synaptic vesicle cycle. Annu Rev Neurosci 2004; 27:509-547. (Revisão dos mecanismos que regulam a jusão e a reciclagem das vesículas sinápticas.)
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