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Coletânea de Textos2, Notas de estudo de Pedagogia

É muito bom esse arquivo. Me ajudou muito!!

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 17/08/2010

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barbara-grosso-3 🇧🇷

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Baixe Coletânea de Textos2 e outras Notas de estudo em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! Coletânea de Textos módulo 2 a? Editaça, Los n $ |Programa de Formação E ' de Professores 2001 [ A lfabetizado res MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Secretaria de Educação Fundamental Programa de Formação de Professores Alfabetizadores Coletânea de Textos Módulo 2 Brasília Junho 2001 M2U7T10 Caatinga: um grito de socorro pela vida – Silvanito Dias M2U7T11 O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra – Chefe Seattle M2U7T12 A profecia – Tatiana Belinky M2U7T13 Produção do aluno Renan M2U7T14 Uma estratégia para auxiliar a revisão de aspectos discursivos dos textos produzidos pelos alunos – Telma Weisz M2U7T15 Festança na floresta – Clarice Lispector Unidade 8 M2U8T1 Entrevista de Sebastião Salgado M2U8T2 Viver é muito perigoso – Guimarães Rosa M2U8T3 O discurso de Macotas – Manuel Benício M2U8T4 Coletânea de textos – Sugestões para o trabalho de textos com os alunos M2U8T5 Contribuições à prática pedagógica – 8 Unidade 9 M2U9T1 O fim da banda – Rubem Alves M2U9T2 Papel de parede e livros – Elias Canetti M2U9T3 A tempestade – William Shakespeare M2U9T4 Análise comparativa M2U9T5 Análise comparativa – Conclusões M2U9T6 Verdades e mentiras sobre a cópia M2U9T7 Texto para ler em voz alta M2U9T8 Carta avaliativa Unidade 10 M2U10T1 A moura torta – Conto popular M2U10T2 Negrinha – Monteiro Lobato M2U10T3 O mundo é um moinho – Cartola M2U10T4 Proposta de avaliação Introdução Carta aos professores cursistas Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais. Rubem Alves Caros professores A iniciativa de escrever esta carta tem três razões principais. A primeira é demonstrar a nossa intenção de, mesmo a distância, sermos parceiras de vocês – parceiras na busca de conhecimento, na necessidade e na dificuldade de transformar a prática pedagógica para ajustá-la às necessidades de aprendizagem dos alunos, no compromisso de ensinar de fato. A segunda é nos solidarizar com a atitude de todos que assumiram o desafio de trabalhar numa perspectiva diferente dentro da escola, onde nem sempre se tem o apoio necessário, merecido e esperado. E a terceira é dizer o quanto valorizamos os profissionais que vocês são. Somos a maior categoria profissional do país. Somos mais de um milhão e seiscentos mil professores! Porém, o mais importante no fato de ser professor não é que somos muitos, mas que somos fundamentais na vida dos alunos, porque realizamos um trabalho educativo do qual depende não só sua aprendizagem escolar, mas também, em grande medida, sua formação como pessoas. O conhecimento sobre as características da nossa profissão certamente nos ajuda a exercê-la com mais competência, a assumir o compromisso com os resultados do próprio trabalho, a crescer profissionalmente. Mas esse é um processo que exige muito de nós. Tivemos – quase todos – uma formação pautada na concepção empirista de ensino e aprendizagem e a partir dela passamos a desenvolver nossa prática. E acreditávamos que nossos alunos poderiam aprender muito bem com nossas propostas de ensino. Mas, com o tempo, fomos vendo que ou não aprendiam muito bem, ou nem sequer aprendiam, muitas vezes… 1 Conhecer como acontecem os processos de aprendizagem da leitura e da escrita, como se caracterizam os conteúdos que são objeto de conhecimento dos alunos e como se pode organizar uma proposta de ensino a partir dessas novas informações é fundamental para conquistar bons resultados na alfabetização. Mas a construção desses conhecimentos profissionais também exige muito de nós, porque eles geralmente se opõem ao que aprendemos no nosso curso de habilitação e em eventos de formação em serviço. Afinal, é tudo muito diferente do que sabíamos até bem pouco tempo atrás. Isso muitas vezes nos causa a impressão de que estamos ficando sem chão, de que não temos onde nos apoiar. A dificuldade de encarar de frente as próprias concepções – que certamente vêm sendo questionadas em alguns aspectos, reforçadas em outros e talvez até negadas em outros tantos – intensifica-se quando dentro da escola não há parceiros com quem compartilhar os conhecimentos, as descobertas, as interrogações… As mudanças que pretendemos fazer na nossa prática geralmente não são fáceis, exigem persistência e muito empenho de nossa parte. Não é bom estar sozinho nessa hora! Durante o curso, alguns de vocês estão entrando em contato com muitas informações novas e outros apenas aprofundando o que já conheciam. Mas todos participam de um grupo de formação, que é uma oportunidade privilegiada de aprender e de transformar as formas de pensar e, conseqüentemente, de agir, porque potencializa a reflexão sobre as próprias crenças, atitudes e experiências. Quando aprendemos, cada um de nós se apropria do que é objeto do nosso conhecimento de acordo com nossas possibilidades pessoais de compreensão – muitas vezes distorcemos as informações buscando entendê-las, e isso é bastante natural (se de fato acreditamos que o conhecimento é construído). Um grupo de formação tem uma importância muito grande nesse sentido, pois nos ajuda a compreender que cada um constrói seus conhecimentos com os recursos pessoais de que dispõe no momento, e nos faz aprender com a diversidade de experiências, de pontos de vista, de formas de interpretar as mesmas informações – o que só acontece quando interagimos com outras pessoas, especialmente quando pensam diferente de nós. “A postura de investir na própria formação e estudar – estudo que faz diferença, uma vez que está a favor de alguma coisa e contra tantas outras – mostra que nós, professores, sabemos o quanto temos a ver com ‘o mundo lá fora’. Mudar é um desafio – difícil e possível. É principalmente a partir do conhecimento que adquirimos no processo de formação que podemos desenvolver um novo tipo de prática, que é na verdade uma ação político-pedagógica. “A dificuldade da mudança não pode apagar nosso sonho e nem intimidar nossa curiosidade. É ela que nos faz perguntar, conhecer, atuar, re-conhecer. 2 as unhas com a faca de ponta, quando meu pai chegou e disse: – “Xandu, você nos seus passeios não achou roteiro da égua pampa?” E eu respondi: – “Não achei, nhor não.” – “Pois dê umas voltas por aí, tornou meu pai. Veja se encontra a égua.” – “Nhor sim.” Peguei um cabresto e saí de casa antes do almoço, andei, virei, mexi, procurando rastos nos caminhos e nas veredas. A égua pampa era um animal que não tinha agüentado ferro no quarto nem sela no lombo. Devia estar braba, metida nas brenhas, com medo de gente. Difícil topar na catinga um bicho assim. Entretido, esqueci o almoço e à tardinha descansei no bebedouro, vendo o gado enterrar os pés na lama. Apareceram bois, cavalos e miunça, mas da égua pampa nem sinal. Anoiteceu, um pedaço de lua branqueou os xiquexiques e os mandacarus, e eu me estirei na ribanceira do rio, de papo para o ar, olhando o céu, fui-me amadornando devagarinho, peguei no sono, com o pensamento em Cesária. Não sei quanto tempo dormi, sonhando com Cesária. Acordei numa escuridão medonha. Nem pedaço de lua nem estrelas, só se via o carreiro de Sant’Iago. E tudo calado, tão calado que se ouvia perfeitamente uma formiga mexer nos garranchos e uma folha cair. Bacuraus doidos faziam às vezes um barulho grande, e os olhos deles brilhavam como brasas. Vinha de novo a escuridão, os talos secos buliam, as folhinhas das catingueiras voavam. Tive desejo de voltar para casa mas o corpo morrinhento não me ajudou. Continuei deitado, de barriga para cima, espiando o carreiro de Sant’Iago e prestando atenção ao trabalho das formigas. De repente conheci que bebiam água ali perto. Virei-me, estirei o pescoço e avistei lá embaixo dois vultos malhados, um grande e um pequeno, junto de cerca do bebedouro. A princípio não pude vê-los direito, mas firmando a vista consegui distingui-los por causa das malhas brancas. – “Vão ver que é a égua pampa, foi o que eu disse. Não é senão ela. Deu cria no mato e só vem ao bebedouro de noite.” Muito ruim o animal aparecer àquela hora. Se fosse de dia e eu tivesse uma corda, podia laçá-lo num instante. Mas desprevenido, no escuro, levantei-me azuretado, com o cabresto na mão, procurando meio de sair daquela dificuldade. A égua ia escapar, na certa. Foi aí que a idéia me chegou. – Que foi que o senhor fez? Perguntou Das Dores curiosa. Alexandre chupou o cigarro, o olho torto arregalado, fixo na parede. Voltou para Das Dores o olho bom e explicou-se: – Fiz tenção de saltar no lombo do bicho e largar-me com ele na catinga. Era o jeito. Se não saltasse, adeus égua pampa. E que história ia contar a meu pai? Hem? Que história ia contar a meu pai, Das Dores? A benzedeira de quebranto não deu palpite, e Alexandre mentalmente pulou nas costas do animal: – Foi o que eu fiz. Ainda bem não tinha resolvido, já estava escanchado. Um desespero, seu Libório, carreira como aquela só se vendo. Nunca houve outra igual. O vento zumbia nas minhas orelhas, zumbia como corda de viola. E eu então… Eu então pensava, na tropelia desembestada: – “A cria, miúda, naturalmente ficou atrás e se perde, que não pode acompanhar a mãe, mas esta amanhã está ferrada e arreada.” Passei o cabresto no focinho da bicha e, os calcanhares presos nos vazios, deitei-me, grudei-me com ela, mas antes levei muita pancada M2UET1 2 de galho e muito arranhão de espinho rasga-beiço. Fui cair numa touceira cheia de espetos, um deles esfolou-me a cara, e nem senti a ferida: num aperto tão grande não ia ocupar-me com semelhante ninharia. Botei-me para fora dali, a custo, bem maltratado. Não sabia a natureza do estrago, mas pareceu-me que devia estar com a roupa em tiras e o rosto lanhado. Foi o que me pareceu. Escapulindo-se do espinheiro, a diaba ganhou de novo a catinga, saltando bancos de macambira e derrubando paus, como se tivesse azougue nas veias. Fazia um barulhão com as ventas, eu estava espantado, porque nunca tinha ouvido égua soprar daquele jeito. Afinal subjuguei-a, quebrei-lhe as forças e, com puxavantes de cabresto, murros na cabeça e pancadas nos queixos, levei-a para a estrada. Aí ela compreendeu que não valia a pena teimar e entregou os pontos. Acreditam vossemecês que era um vivente de bom coração? Pois era. Com tão pouco ensino, deu para esquipar. E eu, notando que a infeliz estava disposta a aprender, puxei por ela, que acabou na pisada baixa e num galopezinho macio em cima da mão. Saibam os amigos que nunca me desoriento. Depois de termos comido um bando de léguas naquela pretume de meter o dedo no olho, andando para aqui e para acolá, num rolo do inferno, percebi que estávamos perto do bebedouro. Sim senhores. Zoada tão grande, um despotismo de quem quer derrubar o mundo – e agora a pobre se arrastava quase no lugar da saída, num chouto cansado. Tomei o caminho de casa. O céu se desenferrujou, o sol estava com vontade de aparecer. Um galo cantou, houve nos ramos um rebuliço de penas. Quando entrei no pátio da fazenda, meu pai e os negros iam começando o ofício de Nossa Senhora. Apeei-me, fui ao curral, amarrei o animal no mourão, cheguei-me à casa, sentei-me no copiar. A reza acabou lá dentro, e ouvi a fala de meu pai: − “Vocês não viram por aí o Xandu?” – “Estou aqui, nhor sim, respondi cá de fora.” – “Homem, você me dá cabelos brancos, disse meu pai abrindo a porta. Desde ontem sumido!” – “Vossemecê não me mandou procurar a égua pampa?” – “Mandei, tornou o velho. Mas não mandei que você dormisse no mato, criatura dos meus pecados. E achou roteiro dela?” – “Roteiro não achei, mas vim montado num bicho. Talvez seja a égua pampa, porque tem malhas. Não sei, nhor não, só se vendo. O que sei é que é bom de verdade: com umas voltas que deu ficou pisando baixo, meio a galope. E parece que deu cria: estava com outro pequeno.” Aí a barra apareceu, o dia clareou. Meu pai, minha mãe, os escravos e meu irmão mais novo, que depois vestiu farda e chegou a tenente de polícia, foram ver a égua pampa. Foram, mas não entraram no curral: ficaram na porteira, olhando uns para os outros, lesos, de boca aberta. E eu também me admirei, pois não. Alexandre levantou-se, deu uns passos e esfregou as mãos, parou em frente de mestre Gaudêncio, falando alto, gesticulando: – Tive medo, vi que tinha feito uma doidice. Vossemecês adivinham o que estava amarrado no mourão? Uma onça-pintada, enorme, da altura de um cavalo. Foi por causa das pinhas brancas que eu, no escuro, tomei aquela desgraçada pela égua pampa. M2UET1 3 M2UET2 Respostas da avaliação final do Módulo 1 1o bloco de perguntas 1. Na minha experiência como alfabetizadora, já pude entender a importância do trabalho com os textos e reconheço a capacidade das crianças de escrever mesmo antes de estarem alfabetizadas. No entanto, acho que facilitaria o processo de aprendizagem realizar exercícios com letras e sílabas, pois acredito que aprenderiam mais rápido. Vocês concordam comigo? Por quê? A questão colocada aqui não trata de rapidez ou lentidão, mas sim de qualidade de aprendizagem. Quando falamos em alfabetizar estamos nos referindo não só à compreensão do sistema de escrita, mas principalmente à possibilidade de os alunos serem reais usuários da língua escrita e da leitura. É possível alfabetizar sem ensinar sílabas, é mais eficaz alfabetizar sem ensinar sílabas, é melhor alfabetizar sem ensinar sílabas, sob todos os aspectos. Desde que se saiba como. A alfabetização por meio de textos, que dispensa a memorização de famílias silábicas, não é e nem pode ser considerada um modismo ou uma aventura: é um trabalho pedagógico sério, necessário e difícil, que exige uma formação específica dos professores. Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual e auditiva e da noção de lateralidade. Hoje o conhecimento disponível aponta – e comprova cientificamente – que a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita; que esse não é um conteúdo simples, mas, ao contrário, extremamente complexo, que demanda procedimentos de análise também complexos por parte de quem aprende; que, como já se pode constatar, por trás da mão que escreve e do olho que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso, alfabetiza-se. No processo de alfabetização, crianças e adultos – independente da classe social e até mesmo da proposta de ensino – formulam estranhas hipóteses, muito curiosas e muito lógicas, em relação à escrita. Progridem de idéias bastante primitivas, pautadas no desconhecimento da relação entre fala e escrita, para idéias geniais sobre como seria essa relação, tão logo compreendem que fala e escrita se relacionam. Depois de uma árdua trajetória de reflexão sobre essas questões, finalmente é possível compreender qual a natureza da relação entre fala e escrita, é possível desvendar o mistério que o funcionamento da escrita representa para todos os analfabetos. Esse é o momento em que crianças e adultos conquistaram a escrita alfabética, se alfabetizaram, no sentido estrito da palavra. M2UET2 1 3. O conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real, sem se transformar em objeto escolar desprovido de significado social. 4. A organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de informação possível. Tendo em vista as considerações feitas, devemos pensar que, ao pedirmos ao aluno para escrever quando ainda não sabe, permitimos que ele se arrisque a usar suas hipóteses sobre a escrita, que pense em como ela se organiza, o que representa e para que serve. Quando se diz, portanto, que hoje sabemos que se aprende a escrever escrevendo textos, não se está falando de algo simples – como a expressão enganosamente pode sugerir. Aprender a ler e escrever lendo e escrevendo requer um conjunto de procedimentos de análise e de reflexão sobre a escrita, um objeto de conhecimento que, pelas suas características e funcionamento, exige alto nível de elaboração intelectual por parte do aprendiz, seja ele criança ou adulto. Para poder escrever textos quando ainda não se sabe escrever é preciso escolher quantas letras e quais letras serão colocadas e, se a proposta é escrever com um colega que faz outras opções de quantas e quais letras utilizar, refletir sobre escolhas diferentes para as mesmas necessidades. Para poder interpretar a própria escrita (ler o que escreveu) quando ainda não se sabe ler e escrever, é preciso justificar, para si mesmo e para os outros, as escolhas feitas ao escrever, com tudo que isso demanda explicar: porque sobram letras, ou porque elas parecem estar fora de ordem, ou porque parece estar escrito errado considerando o próprio critério etc. Portanto, escrever mesmo sem saber é a condição básica para ele poder aprender a escrever convencionalmente, pois somente nessas situações poderá pôr em jogo suas hipóteses de escrita, comparar, reformular e transformar sucessivamente suas hipóteses. Por fim, o aspecto fundamental dessa situação não é que alguém leia e entenda o que está escrito, mas sim a possibilidade de os alunos escreverem, pensarem sobre o que escreveram e compararem suas escritas para poderem justificar suas respectivas produções. 2º bloco de perguntas 1. É possível dizer que as hipóteses de leitura são as mesmas que as hipóteses de escrita? Ou seja, existem hipóteses de leitura pré-silábica, silábica etc.? Expliquem melhor isso para mim. Ler e escrever são dois processos diferentes, e o que sabemos a partir da investigação de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, publicada no Brasil no livro chamado Psicogênese da língua escrita, é que as crianças em fase de alfabetização passam por dois processos: um de construção de hipóteses de escrita e outro de construção de hipóteses de leitura. As crianças constroem hipóteses sobre o que a escrita representa – hipóteses de escrita. Estas evoluem de uma etapa inicial, em que a escrita ainda não é uma representação do falado (hipótese pré-silábica), para uma etapa em que ela representa a fala por correspondência silábica (hipótese silábica) e, por fim, chegando a uma correspondência alfabética, esta sim adequada à escrita em português. Constroem também hipóteses de leitura, isto é, constroem idéias sobre o que está ou não grafado em um texto escrito por outros e o que se pode ler ou não nele. M2UET2 4 As hipóteses que as crianças constroem sobre a leitura estão relacionadas à interpretação que fazem na leitura de um texto associado a uma imagem e a interpretação do que está escrito e o que se pode ler considerando as relações entre a totalidade do texto e suas partes. Os textos “O que está escrito e o que se pode ler: a interpretação de um texto associado a uma imagem” (Coletânea de Textos M1U6T4) e “O que está escrito e o que se pode ler: as relações entre o texto como totalidade e suas partes” (Coletânea de Textos M1U6T5) definem claramente as hipóteses de leitura das crianças. Por isso, volte a eles para saber mais sobre o assunto e verificar se você contemplou todas as informações necessárias na formulação de sua resposta sobre hipóteses de leitura. 2. Eu observei na minha sala que dois alunos leram uma lista com os nomes de personagens de histórias conhecidas. Fiquei intrigada, pois eles não estão alfabetizados. Como puderam ler se ainda não sabem decodificar tudo? A decodificação não é o único procedimento que utilizamos para ler. A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto a partir do que está buscando nele, do conhecimento que já possui a respeito do assunto, do autor e do que sabe sobre a língua – características do gênero, do portador do texto (se está em um jornal, numa folha de papel, num livro), do sistema de escrita etc. Ninguém pode extrair informações do texto escrito apenas decodificando letra por letra, palavra por palavra. A decodificação é apenas um dos procedimentos que se utiliza para ler. A leitura fluente envolve uma série de outras estratégias, isto é, de recursos para construir significados; sem elas, não é possível alcançar rapidez e desenvoltura. O texto “Para ensinar a ler” (Coletânea de Textos M1U7T8) trata, de forma breve, das descobertas sobre os procedimentos de leitura e define cada estratégia de leitura utilizando exemplos que servem tanto para o leitor iniciante como para o leitor experiente. Volte ao texto para conferir se contemplou todas as informações necessários sobre estratégias de leitura em sua resposta. 3. Pedir para os alunos lerem quando ainda não sabem ler não provoca um sentimento de fracasso e incompetência, já que eles não o fazem convencionalmente? Esse não é um desafio muito grande para eles? O modelo de ensino mediante a resolução de problemas assumido pelos PCNs se traduz na elaboração de situações didáticas em que os alunos precisam pensar, tomar decisões e resolver problemas compatíveis com suas necessidades e possibilidades de aprendizagem e usar o que sabem para aprender o que não sabem. Essas situações didáticas devem estar pautadas no equilíbrio entre o difícil e o possível. Sabemos que se aprende a ler lendo, então, propor atividades em que os alunos que não sabem ler leiam é um desafio que deve ser garantido por meio de situações didáticas difíceis, mas possíveis. M2UET2 5 Só é possível ler antes de saber ler convencionalmente se a situação didática de leitura for organizada de tal forma que permita aos alunos realizar a atividade. O texto “Contribuições à prática pedagógica - 3” (Coletânea de Textos M1U8T5) indica as orientações para a elaboração de boas situações de ensino de leitura para alunos que não sabem ler convencionalmente. Volte ao texto para saber mais e conferir se considerou, na elaboração de sua resposta, todas as orientações necessárias para uma boa situação de aprendizagem. 4. Trabalho em dois períodos; em um deles sou professora de educação infantil e no outro de jovens e adultos. Reflito sobre minha prática profissional e consigo explicar o que faço e por que faço de determinada maneira. Porém, não tenho clareza sobre estas duas questões: • É possível crianças pequenas conseguirem produzir textos oralmente sem saber ler e escrever? Essa capacidade não está vinculada ao fato de estarem alfabetizadas? • Por que os adultos não-alfabetizados que estão em contato freqüente com a leitura e escrita, principalmente nas grandes cidades, não aprenderam a ler e escrever? A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de redigir e grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá seja pré-requisito para o início do ensino da língua e nos mostra que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultânea. Um diz respeito à aprendizagem da escrita alfabética; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. Os alunos, muito antes de adquirir a habilidade para ler e escrever convencionalmente, já são capazes de produzir linguagem escrita e atribuir sentido aos textos lidos: sem ainda saber ler, podem recontar histórias em linguagem literária, como se as estivessem lendo; ditar informações sobre um assunto estudado na classe para que a professora redija um relatório; produzir oralmente uma carta para um colega alfabetizado fazer o papel de escriba e assim por diante. Por outro lado, para a aprendizagem do sistema de escrita, a simples exposição dos alunos à escrita na sala de aula não é suficiente para que se alfabetizem. Se assim fosse, os adultos analfabetos que vivem em uma sociedade urbana, imersos num mundo letrado, cheio de outdoors, panfletos e letreiros, com certeza já estariam alfabetizados, pois as cidades expõem a escrita em todos os cantos. Salas de aula cheias de escritas afixadas nas paredes não se constituem, por si só, em ambientes alfabetizadores, em contextos de letramento: isso é algo que depende da criação do maior número possível de situações de uso real da escrita na escola. A aprendizagem da escrita está relacionada à reflexão que os alunos podem fazer sobre ela – suas características, seu modo de funcionamento. Para que aprendam a ler e escrever, portanto, é preciso planejar situações didáticas específicas destinadas a essa finalidade – não basta inundá-los de letras escritas. No texto “Alfabetização e ensino da língua” (Coletânea de Textos M1U9T4) vocês encontrarão mais informações para consultar e também para complementar as respostas. M2UET2 6 perigoso porque corre o risco de “assustar as crianças”, ou seja, distanciá-las da leitura em vez de aproximá-las; ao colocar em juízo o contexto da leitura na escola, não é justo sentar os professores no banco dos réus, porque “eles também são vítimas de um sistema de ensino”; contudo, não há que se perder todas as esperanças: em certas condições, a instituição escolar pode converter-se em um ambiente propício à leitura; essas condições devem ser criadas antes mesmo de as crianças aprenderem a ler no sentido convencional do termo – e uma delas é que o professor assuma o papel de intérprete e que os alunos possam ler através dele. García Márquez teve sorte em sua escolaridade. Se conseguirmos criar outras condições didáticas em todas as escolas, é provável que tenhamos mais escritores geniais. Mas isto é só um detalhe. O essencial é outra coisa: é fazer da escola um ambiente propício à leitura, é abrir para todos as portas dos mundos possíveis, é inaugurar um caminho que todos possam percorrer para se tornarem cidadãos da cultura escrita. Para esclarecer quais as condições didáticas que devem ser criadas, é preciso examinar, antes de tudo, quais são as atuais dificuldades para a formação de leitores. A realidade não se responsabiliza pela perda de suas (nossas) ilusões (ou: Não. Não é possível ler na escola). Ao analisar a prática escolar da leitura, alguém lembra a legenda que aparece nos filmes: “Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”. E as semelhanças com o uso social da leitura são realmente escassas. A apresentação da leitura como objeto de ensino – a transposição didática – está tão distanciada da realidade que não é nada fácil encontrar coincidências. Pelo contrário, as perguntas que alguém se faz “ao assistir ao filme” se referem às discrepâncias flagrantes entre a versão social e a versão escolar da leitura: por que a leitura – tão útil na vida real, para cumprir diversos propósitos – aparece na escola como uma atividade gratuita, cujo único objetivo é aprender a ler? Por que se ensina uma única maneira de ler – linearmente, palavra por palavra, desde a primeira até a última – se os leitores usam diferentes modalidades em função do objetivo que têm? (Às vezes lêem exaustivamente, outras vezes exploram apenas certas partes do texto ou pulam o que não lhes interessa; em alguns casos lêem muito rápido e em outros lentamente; em certas situações controlam cuidadosamente o que estão compreendendo, enquanto em outras se entregam completamente ao prazer de ler). Por que se usa textos específicos para ensinar, diferentes dos que são lidos fora da escola? Por que se enfatiza tanto a leitura oral – que não é muito freqüente em outros contextos – e tão pouco a leitura silenciosa? Por que se espera que a leitura reproduza literalmente o que está escrito, se os leitores que se preocupam com a construção de significado para o texto evitam perder tempo em identificar cada uma das palavras e apenas as substituem por expressões sinônimas? Por que, na escola, se supõe (e se avalia, em conseqüência) que existe uma só interpretação correta para cada texto, quando a experiência de todo leitor mostra tantas discussões originadas das diversas interpretações M2UET3 3 possíveis de um artigo ou de um romance?3 Como explicar essas discrepâncias? Decorrem de autênticas necessidades didáticas? É necessário transformar – deformar – desse modo a leitura para conseguir que as crianças aprendam a ler? Dois fatores essenciais parecem conjugar-se, em um perfeito e duradouro matrimônio, para criar essa versão fictícia da leitura: a teoria comportamentalista de aprendizagem e um conjunto de regras, imposições e exigências fortemente arraigadas na instituição escolar. Dar resposta às interrogações acima permitirá expor publicamente como se encadeiam os fatores que estão em jogo na escola. A leitura aparece desligada dos propósitos que lhe dão sentido no uso social porque a construção do sentido não é considerada uma condição necessária para a aprendizagem. A teoria oficial, na escola, parece considerar – diria Piaget4 – que o funcionamento cognitivo das crianças é totalmente diferente do funcionamento cognitivo dos adultos: enquanto estes aprendem somente o que lhes é significativo, as crianças poderiam aprender aquilo que lhes ensinam, independente de poder ou não atribuir-lhe sentido. Por outro lado, segundo as regras institucionais, é o professor quem tem o direito (e o dever) de atribuir sentido às atividades que propõe: elas devem “cumprir os objetivos” estabelecidos para o ensino. Por que se ensina uma única maneira de ler? Esta é, em primeiro lugar, uma conseqüência imediata da ausência de objetivos, porque a diversidade de modalidades só pode se fazer presente – como logo veremos – em função dos diversos objetivos do leitor e dos diversos textos que utiliza para alcançá-los. Quando o objetivo que a instituição estabelece é um só – aprender a ler ou, no máximo, ser avaliado – a modalidade que se utiliza é também única. Quando o trabalho se realiza com uns poucos livros que, além disso, pertencem ao gênero “texto escolar”, bloqueia-se a possibilidade de surgirem diferentes maneiras de ler. Por outro lado, permitir apenas o uso de uma única modalidade de leitura e o acesso a um único tipo de texto facilita o exercício de uma importante exigência institucional: o controle rigoroso da aprendizagem. O predomínio da leitura em voz alta deriva sem dúvida de uma concepção de aprendizagem que põe em primeiro plano as manifestações externas da atividade intelectual, deixando de lado os processos subjacentes que as tornam possíveis. Mas é conseqüência também da necessidade de controle, já que avaliar a aprendizagem da leitura seria mais difícil se na aula predominassem as situações de leitura silenciosa. A exigência de oralizar com exatidão o que está escrito – de fazer uma leitura rigorosamente literal – não é apenas conseqüência do desconhecimento do processo leitor, mas também da preocupação com o controle exaustivo 3. Retomo aqui um conjunto de interrogações que foram formuladas em um trabalho anterior (Lerner, 1994), do qual este é, de certo modo, a continuação. 4. Piaget coloca que a modalidade adotada pelo ensino parece estar fundamentada em uma consideração das semelhanças e diferenças entre as crianças e os adultos como sujeitos cognitivos, que é exatamente oposta ao que se conclui das investigações psicogenéticas. Estas últimas têm mostrado que a estrutura intelectual das crianças é diferente da dos adultos (heterogeneidade estrutural); mas o funcionamento de ambos é essencialmente o mesmo (homogeneidade funcional); contudo, ao ignorar o pro- cesso construtivo dos alunos e supor que possam dedicar-se a atividades desprovidas de sentido, a escola os trata como se sua estrutura intelectual fosse a mesma dos adultos e seu funcionamento intelectual fosse diferente. M2UET3 4 da aprendizagem: permitindo aos alunos substituir as palavras do texto, por mais pertinentes que estas sejam, quais seriam os parâmetros para determinar a correção ou a incorreção da leitura? O uso de textos especialmente produzidos para o ensino da leitura é apenas uma das manifestações de um postulado básico da concepção vigente na escola: o processo de aprendizagem evolui do “simples” para o “complexo”; portanto, para ensinar saberes complexos é necessário decompô-los em seus elementos constituintes e distribuir a apresentação desses elementos ao longo do tempo, começando, certamente, pelo mais simples. É assim que o escrito é parcelado em seus componentes mínimos – sílabas, letras ou, na melhor das hipóteses, palavras – e, somente depois que esses componentes tiverem sido assimilados, se inicia o trabalho com frases ou textos. Os textos devem apresentar-se também em forma cuidadosamente graduada: a exigência de simplificação (e também de brevidade) é tal que é impossível encontrar, entre os textos verdadeiros, algum que reúna os requisitos pré-fixados – a única solução, então, é recorrer a livros “de texto” especialmente elaborados. Por outro lado, a leitura em si deve decompor-se e reduzir-se, em princípio, a seus elementos mais simples: leitura mecânica primeiro, compreensiva depois, e crítica apenas ao final da escolaridade. É dessa forma que o conteúdo escolar vai se distribuindo no tempo: um pouco de escrita – algumas sílabas, algumas palavras – para cada semana, um aspecto do processo leitor destinado a cada período da escolaridade. A linguagem escrita e o ato da leitura desaparecem, são sacrificados em função da gradação. Controlar a aprendizagem de cada uma dessas pequenas parcelas é inegavelmente mais fácil do que seria controlar a aprendizagem da linguagem escrita ou da leitura se apresentadas em toda sua complexidade. Finalmente, a aceitação de uma única interpretação válida para cada texto é consoante com uma postura teórica segundo a qual o significado está no texto, em vez de se construir graças ao esforço de interpretação realizado pelo leitor – ou seja, graças à interação do sujeito- leitor com o objeto-texto. Mas, também aqui, podemos reconhecer as regras predominantes na instituição escolar: o direito de decidir sobre a validade da interpretação é reservado ao professor. Por outro lado, quando existe uma única possibilidade em jogo, o controle se facilita: a interpretação da criança coincide ou não com a do professor, é correta ou incorreta. Muito mais difícil seria tentar compreender as interpretações das crianças e apoiar-se nelas para ajudá-las a construir uma interpretação cada vez mais ajustada. Em síntese: uma teoria de aprendizagem que não se ocupa do sentido que a leitura possa ter para as crianças e concebe a aquisição de conhecimento como um processo cumulativo e graduado, como uma decomposição do conteúdo em elementos supostamente mais simples; uma distribuição do tempo escolar que predetermina os períodos destinados à aprendizagem de cada um desses elementos; um controle estrito da aprendizagem de cada componente; e um conjunto de regras que dão ao professor certos direitos e deveres que só ele pode exercer –enquanto o aluno exerce outras complementares. Esses são os fatores que, articulados, tornam impossível ler na escola. Quais são então as ilusões perdidas? Perdemos a ilusão da naturalidade. Antes, nos M2UET3 5 sobre o tema do artigo que se está escrevendo, ou a monografia que se precisa entregar); ler para buscar determinadas informações necessárias por algum motivo (o endereço de alguém, o significado de uma palavra etc.); ler pelo prazer de ingressar em outro mundo possível… Cada um desses propósitos aciona uma modalidade diferente de leitura (Solé, 1993). Quando o objetivo é obter no jornal informações gerais sobre a atualidade nacional, o leitor opera de forma seletiva: lê as manchetes de todas as notícias e os corpos das mais importantes (para ele) mas se detém apenas naquelas que lhe dizem respeito diretamente ou lhe interessam mais… Quando o objetivo da leitura é resolver um problema prático, o leitor tende a examinar cuidadosamente toda a informação contida no texto, já que isto é necessário para pôr em funcionamento o aparelho que quer fazer funcionar, ou para que o objeto que se está construindo tenha a forma e as dimensões adequadas… Quando se lê por prazer, o leitor pode centrar-se na ação e pular as descrições, ou reler várias vezes as frases cuja beleza, ironia ou precisão forem marcantes e prestar pouca atenção às outras partes do texto… Diferentes modalidades de leitura podem ser utilizadas, em diferentes situações, diante de um mesmo tipo de texto: um mesmo material informativo-científico pode ser lido para obter uma informação global, para buscar um dado específico ou para aprofundar um aspecto determinado do tema sobre o qual se está escrevendo; um artigo de jornal pode ser lido em um momento simplesmente por prazer e, em outro, ser utilizado como objeto de reflexão – é o que me tem ocorrido com o artigo de García Márquez cujo comentário dá início a este texto; um poema ou um conto podem ser lidos em um momento por prazer e, em outro, como forma de comunicar algo a alguém… Diversidade de propósitos, diversidade de modalidades de leitura, diversidade de textos e diversidade de combinações entre eles… A inclusão dessas diversidades – assim como a articulação com as exigências escolares – é um dos componentes da complexidade didática necessária quando se opta por apresentar a leitura na escola sem simplificações, procurando conservar sua natureza e, portanto, sua complexidade como prática social. Como se coordenam os dois sentidos da leitura? Como se articulam os objetivos didáticos – referentes ao ensino e à aprendizagem – e os propósitos imediatos para os quais aponta o projeto proposto (a situação a-didática)? Se, ao planejar o projeto, se levam em conta ambos tipos de objetivo, essa articulação não coloca maiores problemas: enquanto se desenvolvem as atividades necessárias para cumprir o propósito imediato, alcançam-se também os objetivos referentes à aprendizagem. Analisemos alguns exemplos. Projeto realizado na 2ª série, início do ano escolar5 • Propósito: produção de uma fita cassete de poemas (ler para compartilhar com os outros algo de que se goste). • Destinatários: grupo de Jardim da Infância da escola e biblioteca falada de cegos. 5. Na Argentina, o ensino obrigatório começa aos 6 anos. A 2 a série corresponderia então, em termos de idade, à nossa 1a série. [NT] M2UET3 8 • Seqüência de atividades: a. Proposta do projeto às crianças e discussão do plano de trabalho. b. Seleção dos poemas para gravar: a professora lê muitos poemas – alguns que ela mesma pesquisou, outros que foram sugeridos pela bibliotecária ou pelas crianças, todos aprovados pelo controle de qualidade literária. Cada criança anota os títulos dos poemas que gostaria de gravar. Essa atividade ocupa muitas horas de aula: as crianças desfrutam de cada um dos poemas, trocam impressões, pedem que o professor releia os que gostam muito, falam sobre os autores, lêem outros poemas dos poetas favoritos… c. Organização da tarefa: considerando os poemas escolhidos e as possibilidades de cooperação, a professora forma as duplas de alunos que trabalharão juntos. Cada dupla relê os poemas que gravará. As crianças trocam idéias sobre as formas de ler. Decidem (provisoriamente) qual integrante da dupla gravará cada um dos poemas. Levam os poemas para casa para estudar. b. Audição de fitas gravadas por poetas ou declamadores. e. Gravação (ensaio): cada dupla – e cada criança – grava os poemas escolhidos. Depois de gravado os dois primeiros (um de cada criança), escutam, analisam, decidem as modificações. Fazem uma nova gravação, voltam a escutar e determinam se será necessário regravar. Experimentam com outros poemas. f. Audição: todas as crianças escutam as gravações realizadas até o momento. As duplas trocam sugestões. g. Gravação (segundo ensaio): cada dupla volta a gravar, considerando as recomendações dos ouvintes. Escutam o gravado, fazem as correções necessárias. Repetem o processo com os poemas que faltam. Em alguns casos, será preciso ensaiar e gravar novamente. Em outros casos, o poema já está pronto para sua gravação definitiva. h. Gravação final (continuam fazendo correções, algumas sugeridas pelas crianças, outras pela professora, até que esta determina o fim do trabalho, pois o produto é aceitável). i. Todos escutam o cassete que a professora montou, copiando as gravações de todos. j. Redige-se uma carta coletiva, apresentando o cassete aos destinatários, solicitando resposta e crítica construtiva. Foram alcançados tanto os propósitos colocados pelo projeto como os objetivos de ensino e aprendizagem: garantiu-se um intenso contato com textos de um mesmo gênero e os alunos sabem agora muito mais do que antes sobre poemas e poetas; ouvir a leitura da professora e escutar gravações realizadas por declamadores ou poetas permitiu-lhes desfrutar das possibilidades desse gênero literário em que a forma de dizer adquire um valor específico; os repetidos e animados ensaios, as autocorreções infinitas e as sugestões dos ouvintes (sobre a ênfase conveniente a uma palavra, a intensidade da voz em uma determinada passagem, a tendência de alguns alunos de acentuar demasiadamente a rima…) permitiram que as crianças avançassem consideravelmente como “leitores em voz alta”. M2UET3 9 Antes de abandonar esse exemplo, uma observação: no âmbito desse projeto (ou de outros similares), a leitura em voz alta deixa de ser um mero exercício “para aprender a ler em voz alta”, ou um meio de avaliar a “organização do texto”; adquire sentido porque se constitui num veículo de comunicação. E, ainda que pareça paradoxal, permite aprender muito mais, precisamente porque não serve só para aprender: nesse caso, para as crianças é altamente significativo “ler bem”, porque querem se comunicar com seu público e por isso ensaiarão quantas vezes forem necessárias, até chegarem aos resultados que desejam. Além do mais, as crianças descobrirão que ler em voz alta pode ser prazeroso e que podem vir a ler muito melhor do que suspeitavam. Projeto realizado na 3ª série, segundo mês de aula: • Propósito: instalação de um serviço de consultas telefônico,6 que possa fornecer todo tipo de informação científica. Em uma primeira etapa, o público deverá chamar por telefone. Mais tarde se instalará um “serviço de fax”. (Ler para extrair informações específicas, ler para comunicar a outras pessoas, ler para escrever). • Destinatários: todos os alunos da escola. Eventualmente, outros membros da instituição. • Seqüência de atividades: em lugar de detalhar aqui a enorme série de atividades envolvidas nesse projeto, nos limitaremos a indicar uma variação proposta pelas professoras na última vez que o pusemos em prática, porque essa variação está vinculada à articulação de objetivos didáticos e propósitos imediatos que nos interessa. Enquanto planejávamos o projeto, as professoras sugeriram que a instalação do “serviço de consultas” fosse precedida por um curso de capacitação para o “pessoal”, que compreenderia, entre outros, os seguintes aspectos: visita a diversas bibliotecas para localizar determinadas informações; seleção dos livros pertinentes, busca da informação (e, portanto, manejo de índice, exploração de capítulos, orientar-se por subtítulos, leitura seletiva etc.); tomar apontamentos sobre a informação recolhida e anotar referências… Neste caso, a necessidade de preparo dos alunos para enfrentar a tarefa – difícil para uma 3ª série – de localizar rapidamente informações heterogêneas e relativamente imprevisíveis solicitadas pelos “clientes” levou a desenvolver certos objetivos didáticos antes mesmo de o telefone começar a funcionar (ou seja, antes de que se cumprisse o propósito imediato dos alunos). De qualquer forma, as situações didáticas estiveram carregadas de sentido também durante o “curso de capacitação”, porque este foi tratado como um conjunto de ensaios consistentes para resolver situações similares às que logo haveriam de enfrentar. Assim, as crianças precisam resolver problemas que as levem a manejar cada vez melhor o discurso informativo-científico, a se familiarizar com a estrutura própria de seus diferentes subgêneros e com o vocabulário específico de cada disciplina. Além do que, têm oportunidade de progredir na leitura em voz alta ao responder às perguntas telefônicas e na elaboração de textos expositivos quando a resposta se envia por fax. E, certamente, aprendem muito sobre os temas que são objeto de sua indagação. 6. Esse projeto didático foi inspirado em uma situação experimental planejada por Emília Ferreiro (em 1988), ao implementar uma pesquisa avaliativa de experiências didáticas vinculadas com a psicogênese da língua escrita. M2UET3 10 Em cada seqüência se inclui – assim como nos projetos – atividades coletivas, grupais e individuais. Assim, é possível tanto a colaboração entre os leitores para compreender o texto e o confronto de suas diferentes interpretações como a leitura pessoal, que permite a cada criança interagir livremente com o texto: ou seja, pode-se ler o que mais gostou, saltar o que não lhe interessa, deter-se ou voltar para verificar uma interpretação da qual não se tem certeza… O empréstimo de livros permite que os alunos continuem lendo em casa, ambiente que, em alguns casos, pode ser mais apropriado para essa leitura privada. Situações independentes – Estas podem se classificar em dois subgrupos: • Situações ocasionais: em algumas oportunidades, a professora encontra um texto que considera valioso e o compartilha com os alunos, ainda que pertença a um gênero ou trate de um assunto que não se relaciona às atividades que no momento estão sendo realizadas. E, em outras ocasiões, os próprios alunos propõem a leitura de um artigo de jornal, um poema, um conto que os tenha impressionado e cuja leitura a professora também considere interessante. Nesses casos, não teria sentido nem renunciar à leitura dos textos em questão pelo fato de não ter relação com o que se está fazendo, nem inventar uma relação inexistente: se sua leitura permite trabalhar sobre algum conteúdo significativo, a organização em uma situação independente se justifica. • Situações de sistematização: estas são consideradas “independentes” apenas pelo fato de não ajudarem a alcançar objetivos colocados em relação à ação imediata (para a elaboração de um produto, como nos projetos, ou para o desejo de “saber como continua” uma história de aventuras que provoca curiosidade e emoção, por exemplo). Embora não estejam relacionadas com propósitos imediatos, as situações de sistematização guardam sempre uma relação direta com os objetivos didáticos e com os conteúdos que estão sendo trabalhados, porque se destinam justamente à sistematização dos conhecimentos lingüísticos construídos através de outras modalidades organizativas. Por exemplo, depois de haver realizado uma seqüência de atividades centrada na leitura de fábulas, cria-se uma situação cujo objetivo é refletir sobre os traços característicos das fábulas e as diferenças em relação aos contos. Do mesmo modo, a partir de um projeto voltado para a produção de um jornal escolar ou uma revista literária, propõem-se situações que permitam definir explicitamente as características do discurso jornalístico e de alguns de seus diferentes subgêneros, elaborar conclusões sobre o uso dos tipos de letras nesses portadores, sistematizar conhecimentos que construíram sobre a pontuação ao enfrentar diferentes problemas de escrita. É dessa forma que a articulação de diferentes modalidades organizativas torna possível desenvolver situações didáticas que tenham diferentes durações, que podem ser permanentes ou acontecer em determinados períodos, algumas que se sucedem no tempo, outras que se cruzam em uma mesma série ou ciclo. Desse modo, a distribuição do tempo didático – em vez de se confundir com a justaposição de pedaços do objeto de conhecimento que seriam sucessiva e cumulativamente aprendidos pelo sujeito – favorece a apresentação da leitura, pela escola, como uma prática social complexa e a apropriação progressiva dessa prática por parte dos alunos. M2UET3 13 O esforço para ajustar o tempo didático ao objeto de ensino e aprendizagem de um modo que permita superar a fragmentação do conhecimento não se limita ao tratamento da leitura – que tem sido o eixo deste artigo –, mas abrange a totalidade do trabalho didático com a língua escrita. Em primeiro lugar, leitura e escrita se inter-relacionam permanentemente: ler “para escrever” é imprescindível quando se desenvolvem projetos de produção de textos – já que estes requerem sempre um intenso trabalho de leitura para aprofundar o conhecimento dos conteúdos sobre os quais se está escrevendo e as características do gênero em questão; da mesma forma, no âmbito de muitas das situações didáticas que se colocam, a escrita se constitui em um instrumento que está a serviço da leitura, seja porque é necessário tomar notas para lembrar os aspectos fundamentais do que se está lendo, ou porque a compreensão do texto requer que o leitor faça resumos ou esquemas que o ajudem a reorganizar aa informações. Em segundo lugar, os diferentes tipos de texto – em vez de se distribuírem linearmente, cabendo a cada série determinados escritos sociais – aparecem e reaparecem em diferentes momentos da escolaridade e em diferentes situações, de tal modo que os alunos possam fazer uso deles e reanalisá-los em novas perspectivas. Em terceiro lugar, as modalidades de trabalho adotadas durante a alfabetização inicial são basicamente as mesmas utilizadas depois que os alunos se apropriam do sistema alfabético de escrita. Como as situações didáticas que se colocam antes e depois de os alunos se alfabetizarem estão orientadas por um mesmo propósito fundamental – criar condições que favoreçam a formação de leitores autônomos e críticos e de produtores de textos adequados à situação comunicativa – o esforço para reproduzir na escola as condições sociais da leitura e da escrita está sempre presente. Desde o início da escolaridade, a leitura e a escrita respondem a propósitos definidos; o trabalho está focado prioritariamente nos textos, propõe-se a análise crítica do que é lido, discutem-se diferentes interpretações buscando acordos, considera-se o ponto de vista do destinatário ao escrever, revisam-se cuidadosamente os escritos produzidos. As atividades devem permitir articular dois objetivos: fazer com que os alunos se apropriem progressivamente da “linguagem que se escreve” – do que esta tem de específico e diferente do oral-conversacional, dos diferentes gêneros da escrita, da estrutura e do vocabulário próprios a cada um deles – e com que aprendam a ler e escrever autonomamente. Em alguns casos, o professor atua como mediador, lendo diferentes textos para os alunos, ou escrevendo o que produzem e ditam. Em outros casos, as situações de leitura tendem a colocar os alunos diretamente em contato com os textos para buscar informações, para localizar um determinado dado, para buscar indícios que permitam verificar ou modificar suas antecipações sobre o que está escrito. Do mesmo modo, as situações de escrita colocam às crianças o desafio de produzir textos por si mesmos, o que as obriga a se preocupar não só com a “linguagem que se escreve”, mas também com como fazer para escrever. Quando a situação exige dos alunos que leiam ou escrevam diretamente, a atividade pode acontecer a partir de textos completos ou de algum fragmento de um texto que tenha sido lido, escrito ou ditado pelo professor; pode ser individual ou grupal; pode responder a um propósito imediato M2UET3 14 dos alunos – por exemplo, fazer cartazes e convites para divulgar uma peça teatral que se está preparando – ou responder somente a um objetivo cujo alcance não é imediato, mas muito significativo para os alunos nessa fase: aprender a ler e a escrever. Delineamos uma modalidade alternativa de distribuição do tempo didático, uma modalidade que responde à necessidade de produzir uma mudança qualitativa na apresentação escolar da leitura. Não podemos concluir este ponto sem reconhecer que o tempo escolar se mostra insuficiente também nessa perspectiva apresentada, que sempre é necessário fazer uma seleção deixando de lado aspectos que gostaríamos de incluir, que a escolha é sempre difícil e que o único guia que até agora temos encontrado para decidir é este: administrar o tempo de tal modo que o importante ocupe sempre o primeiro lugar. Sobre o controle: avaliar a leitura e ensinar a ler A avaliação é uma necessidade legítima da instituição escolar, é o instrumento que permite determinar em que medida o ensino está atingindo seus objetivos; em que medida foi possível comunicar aos alunos o que o professor pretendia. A avaliação da aprendizagem é imprescindível, porque oferece informações sobre o funcionamento das situações didáticas e, com isso, permite reorientar o ensino, fazer os ajustes necessários para avançar e para atingir os objetivos colocados. No entanto, a prioridade da avaliação deve terminar ali, onde começa a prioridade do ensino. Quando a necessidade de avaliar predomina sobre os objetivos didáticos, quando – como ocorre no ensino tradicional da leitura – a exigência de controlar a aprendizagem se sobrepõe ao critério de seleção e hierarquização dos conteúdos, se produz uma redução no objeto de ensino, porque sua apresentação se limita àqueles aspectos que são mais suscetíveis de controle. Privilegiar a leitura em voz alta, propor sempre um mesmo texto para todos os alunos, eleger apenas fragmentos ou textos muito breves… são estes alguns dos sintomas que mostram como a pressão da avaliação se impõe diante das necessidades do ensino e da aprendizagem. Ao contrário, priorizar o objetivo de formar leitores competentes nos levará a promover a leitura de livros completos (embora não possamos controlar exatamente tudo o que os alunos aprendem ao lê-los); a propor, em alguns casos, que cada aluno ou grupo leia um texto diferente para favorecer a formação de critérios de seleção e propiciar as situações de comentário ou recomendação, típicas do comportamento leitor (embora isso implique o risco de não poder corrigir todos os eventuais erros de interpretação); a dar maior relevância às situações de leitura silenciosa (embora sejam mais difíceis de controlar do que as atividades de leitura em voz alta). Saber que o conhecimento é provisório, que os erros não se “fixam” e que tudo o que se aprende é objeto de sucessivas reorganizações, permite aceitar, com maior serenidade, a impossibilidade de controlar tudo. Oferecer aos alunos todas as oportunidades necessárias para que cheguem a ser leitores no pleno sentido da palavra coloca o desafio de elaborar – através da análise sobre o que ocorre durante as situações propostas – novos parâmetros de M2UET3 15 Nessa perspectiva, ao longo de uma mesma atividade ou em atividades diferentes, a responsabilidade de ler pode, em alguns casos, ser apenas do professor ou apenas dos alunos, ou ser compartilhada por todos. O ensino adquire características específicas em cada uma dessas situações. Ao adotar em aula a posição de leitor, o professor cria uma situação de ficção: procede “como se” a situação não tivesse lugar na escola, “como se” a leitura estivesse orientada por um propósito não-didático – compartilhar com os outros um poema que o emocionou, ou uma notícia de jornal que o surpreendeu, por exemplo. Seu propósito é, no entanto, claramente didático: o que se propõe com essa representação é comunicar a seus alunos certos traços fundamentais do comportamento leitor. O professor interpreta o papel de leitor e, ao fazê-lo, atualiza um significado da palavra “ensinar” que habitualmente não se aplica à ação da escola, significado cuja relevância, no caso da leitura, faz tempo tem sido apontada por M.E. Dubois (1984): “Pode-se falar de ensinar em dois sentidos, como um ‘fazer com que alguém aprenda algo’ […], ou como um ‘mostrar algo’8 […]. A idéia de ensinar a leitura desta última forma […] seria mostrar à criança de que maneira nós, adultos, utilizamos a leitura, do mesmo modo como lhe mostramos de que maneira usamos a linguagem oral.” Mostrar para que se lê, quais são os textos que atendem a certa necessidade ou interesse, e quais serão mais úteis para outros objetivos, mostrar qual é a modalidade de leitura mais adequada para uma determinada finalidade, ou como o que já se sabe acerca do autor ou do tema tratado pode contribuir para a compreensão de um texto… Ao ler para as crianças, o professor “ensina” como se faz para ler. A leitura do professor é particularmente importante no início da escolaridade, quando as crianças ainda não lêem, por si próprias, de forma eficaz. Durante esse período, o professor cria muitas e variadas situações nas quais lê diferentes tipos de texto. Quando se trata de um conto, por exemplo, cria um clima propício para desfrutá-lo: propõe que as crianças se sentem a sua volta para que possam ver as imagens e o texto, caso queiram; lê com a intenção de provocar emoção, curiosidade, suspense ou diversão; evita as interrupções que poderiam cortar o fio da história e, portanto, não faz perguntas para verificar se as crianças estão entendendo, nem explica palavras supostamente difíceis; incentiva as crianças a seguirem o fio da narrativa (sem se deterem no significado particular de certos termos) e a apreciarem a beleza daqueles trechos cuja forma foi objeto de um cuidado especial por parte do autor. Quando termina o conto, em vez de interrogar os alunos para saber o que compreenderam, prefere comentar suas próprias impressões – como faria qualquer leitor – e, com isso, desencadeia uma animada conversa com as crianças sobre a mensagem que pode ser inferida a partir do texto, sobre o que mais impactou a cada uma, sobre os personagens com os quais se identificam ou que lhes parecem estranhos, sobre o que teriam feito se precisassem enfrentar 8. A palavra enseñar , em espanhol, tem os dois sentidos: ensinar e mostrar. [NT] M2UET3 18 uma situação semelhante ao conflito apresentado no conto… Quando, no entanto, se recorre a uma enciclopédia ou a outros livros para buscar respostas para as questões das crianças sobre um tema em estudo – por exemplo, em relação ao corpo humano as crianças de 5 ou 6 anos costumam fazer perguntas do tipo “por que se chamam ‘dentes de leite’ os que estão caindo?”; “serão realmente de leite?”; “é o coração que empurra o sangue ou é o sangue que empurra o coração?” –, o professor recorre ao índice, lê os diferentes títulos que nele se encontram e discute com as crianças em qual deles será possível encontrar a informação que procura; uma vez localizado o capítulo em questão, localizam-se os subtítulos, o professor os lê (mostrando-os), escolhe-se aquele que parece ter relação com a pergunta formulada, o professor explora mais essa parte do texto (indicando- a), até localizar a informação, em seguida lê, e analisa-se em que medida responde à questão surgida … Uma vez terminada a leitura, tanto no caso do texto literário quanto no do texto informativo, o professor põe o livro que leu à disposição das crianças, para que possam folheá- lo e possam se deter naquilo que lhes chamar mais a atenção, propõe que levem para casa esse livro e outros que achem interessantes… Faz propostas desse tipo porque quer que as crianças descubram o prazer de reler um texto do qual gostaram ou de evocá-lo, observando as imagens, porque considera importante que seus alunos continuem interagindo com os livros e compartilhando-os com os outros, porque não considera imprescindível controlar toda a atividade leitora de seus alunos. O professor continuará atuando como leitor – embora certamente não com tanta freqüência como no início – durante toda a escolaridade, porque lendo materiais que ele considera interessantes, belos e úteis, poderá comunicar às crianças o valor da leitura. Entretanto, operar como leitor é uma condição necessária, mas não suficiente para ensinar a ler. Quando as crianças se confrontam diretamente com os textos, o ensino adquire outras características, são necessárias outras intervenções do docente. Essas intervenções são orientadas para que as crianças possam ler por si mesmas, para que avancem no uso de estratégias eficazes, nas suas possibilidades de compreender melhor o que lêem. Em alguns casos, como já dissemos, a responsabilidade da leitura será compartilhada. Essa modalidade se mostra apropriada, por exemplo, quando se aborda um texto difícil para as crianças. Enquanto estão lendo, o professor as incentiva para que continuem a leitura sem se deterem diante de cada dificuldade, sem a pretensão de entender tudo, buscando compreender qual é o assunto tratado no texto; uma vez que elas tenham trocado idéias a partir dessa leitura global, propõe-se uma segunda leitura durante a qual irão descobrindo que conhecer todo o texto permite compreender melhor cada parte. No decorrer dessa leitura, ou durante a discussão posterior, o professor intervém – se considerar necessário – acrescentando uma informação pertinente para uma melhor compreensão de algum trecho, sugerindo que estabeleçam relações entre as partes do texto que eles não tiverem relacionado por si mesmos, perguntando sobre as intenções do autor, desafiando a distinguir o que o texto diz explicitamente e o que quer dizer… A ajuda oferecida pelo professor consiste em propor M2UET3 19 estratégias das quais as crianças se apropriarão progressivamente, e que serão úteis para abordar novos textos que apresentem certo grau de dificuldade. Além disso, nessas situações, o professor incentiva os alunos a cooperarem entre si, com o objetivo de que a confrontação de pontos de vista leve a uma melhor compreensão do texto. Finalmente, em situações como as que analisamos no ponto anterior, o professor devolve totalmente às crianças a responsabilidade da leitura – cria uma atividade que lhes exige trabalhar sozinhas durante um tempo determinado –, com o objetivo de que se esforcem por compreender e construam ferramentas de autocontrole. Em síntese, tanto ao mostrar como se faz para ler quando o professor se coloca no papel de leitor, quanto ao ajudar as crianças sugerindo estratégias eficazes nos momentos de leitura compartilhada, como também ao delegar a elas a responsabilidade pela leitura, individual ou grupal, o professor está ensinando a ler. A instituição e o sentido da leitura A questão da formação do leitor, longe de ser específica de determinadas séries, é comum a toda a instituição escolar. O desafio de dar sentido à leitura tem então uma dimensão institucional e, se essa dimensão é assumida, se a instituição como tal se encarrega da análise do problema, se seus integrantes em conjunto elaboram e põem em prática projetos destinados a enfrentá-lo, começa a ser possível diminuir a distância entre as intenções e a realidade. “Professores isolados em aulas fechadas não podem resolver problemas que lhes são comuns na medida em que transcendem o tempo e o espaço de suas aulas”, assinala M. Castedo (1995), ao se referir aos contextos em que se formam leitores e escritores – contextos que, certamente, transcendem à instituição escolar. Além de ressaltar a importância de que os professores estabeleçam acordos sobre a forma que a leitura se faz presente em todos os grupos – sobre os conteúdos que selecionam e as estratégias escolhidas para comunicá-los – a autora destaca os efeitos positivos produzidos por projetos institucionais tais como o jornal escolar, a troca de cartas e a formação de clubes de teatro ou clubes de avós narradores. Com efeito, os projetos institucionais permitem instalar na escola, e não só na sala de aula, um “clima leitor” que, em alguns casos, se estende para os lares, porque vai conseguindo envolver de forma imperceptível não só as crianças, como também a família. É o que ocorreu, por exemplo, com um projeto implementado em uma escola de Caracas onde desenvolvemos nossa experiência:9 um quiosque destinado ao empréstimo de livros e outras publicações – que funcionava no pátio da escola durante os recreios, em sistema de rodízio, com diferentes membros da instituição – acabou constituindo-se em um espaço de reunião obrigatório de pais e filhos, em um lugar onde se escutavam simultaneamente muitas conversas ligadas às leituras realizadas, onde sempre se podia ver alguma criança mostrando aos outros certo fragmento do conto, história em quadrinho ou poema que havia lhe chamado a atenção, onde se presenciavam às 9. Essa experiência teve lugar no âmbito das pesquisas sobre leitura desenvolvidas pela Direção de Educação Especial de Venezuela, com a cooperação técnica da OEA, durante o período compreendido entre 1982 e 1993. M2UET3 20 espectro lingüístico ao de uma especialidade (o discurso jornalístico) nos permitiu saber mais a respeito do que queríamos ensinar. Por conseguinte, tivemos maior clareza sobre o que queríamos alcançar com o trabalho. Saber mais nos permitiu ampliar a busca de ofertas didáticas e fazer boas leituras dos processos de apropriação dos alunos”. Em seguida, acrescentam que alcançaram um bom nível de reflexão pedagógica, que puderam detectar melhor os obstáculos que se colocavam na aprendizagem e encontrar soluções, que aprenderam a “aceitar o fracasso de uma proposta, a reconhecer que não haviam percebido que…, a reconhecer que não haviam se entusiasmado com…”. E concluem: “Esse tipo de conquista é possível quando o eixo do trabalho dos professores é a qualidade do trabalho pedagógico e se toma consciência das limitações que cada um de nós tem a esse respeito. Nos acostumamos a não defender a nossa ignorância.” Entre os aspectos não concretizados, os professores mencionam que, por falta de tempo, não puderam trabalhar com intensidade alguns dos tipos de texto presentes no jornal e que o trabalho com a leitura não teve a profundidade desejada, porque não dispunham de informação didática suficiente: “Teríamos necessitado de um planejamento um pouco mais preciso no que se refere a o que revisar em um texto e como revisá-lo. Infelizmente chegou atrasada uma informação teórica […] que para nós teria sido de grande utilidade”. Para esses professores, a leitura é parte de um projeto, cumpre uma função importante para o trabalho profissional, contribui para enriquecer as discussões sobre os problemas lingüísticos, psicolingüísticos e didáticos que se apresentam no decorrer do trabalho, abre novos horizontes, coloca novas perspectivas a partir das quais se reformula o trabalho desenvolvido. O projeto – afirmam – “transformou a escola em uma usina de conhecimentos que foram gerados tanto por parte dos alunos quanto dos professores. A circulação incansável de trabalhos e experiências nos deixou a sensação de missão cumprida ao terminar o ano. […] A realização de uma tarefa significativa e coletiva reconcilia os professores com a profissão, apesar das condições adversas de trabalho”. A título de conclusão – deste ponto e também do artigo – só nos resta acrescentar que, quando se consegue produzir uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, quando se concilia a necessidade de avaliar com as prioridades do ensino e da aprendizagem, quando se distribuem as responsabilidades entre professores e alunos em relação à leitura para possibilitar a formação de leitores autônomos, quando se desenvolvem na aula e na instituição projetos que dêem sentido à leitura, que promovam o funcionamento da escola como uma microssociedade de leitores e escritores da qual participem crianças, pais e professores, então… sim, é possível ler na escola. M2UET3 23 M2UET4 Diferentes formas de organização dos conteúdos M2UET4 1 Fo nt e: D el ia L er ne r. É p os sí ve l l er n a es co la ? A ti vi d ad es p er m an en te s P ro je to s A ti vi d ad es se q üe nc ia d as S it ua çõ es i nd ep en d en te s O ca si on ai s D e si st em at iz aç ão C ar ac te rí st ic as C ar ac te rí st ic as C ar ac te rí st ic as C ar ac te rí st ic as C ar ac te rí st ic as M2UET5 Expectativas de aprendizagem do Módulo 2 Sendo o “Programa de Formação de Professores Alfabetizadores” um curso dividido em três módulos, muitas das expectativas de aprendizagem se repetem, uma vez que são orientadoras das propostas nos diferentes módulos e representam conquistas progressivas, que vão se aprofundando com o tempo. Com o objetivo de facilitar a identificação de quais já foram indicadas no Módulo 1 e se repetem no Módulo 2 e de quais se referem às especificidades dos novos conteúdos trabalhados neste momento, as expectativas de aprendizagem que se repetem estão relacionadas primeiro, com a indicação de que fizeram parte também do Módulo 1 (M1). • Analisar […] o percurso de formação profissional, relacionando-o com a própria prática pedagógica e a atuação do professor. (M1) • Monitorar o processo pessoal de formação, considerando as expectativas de aprendizagem do módulo e as próprias expectativas. (M1) • Trabalhar coletivamente de forma produtiva. (M1) • Intensificar as práticas de leitura e escrita, especialmente de textos reflexivos. (M1) • Utilizar o registro escrito para documentar o trabalho pedagógico e para refletir sobre a prática profissional e sobre o processo de formação. (M1) • Desenvolver procedimentos produtivos de estudo dos textos expositivos que aprofundam os conteúdos abordados no curso. (M1) • Entender o contrato didático como um dos fatores que interferem na compreensão dos papéis e das relações envolvidos nas situações de ensino e aprendizagem, tanto na sala de aula como no grupo de formação. (M1) • Aprofundar o conhecimento sobre a natureza das atividades de alfabetização pautadas na reflexão sobre a língua e sobre propostas metodológicas de resolução de problemas. (M1) • Encarar os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas aprendizagens para se desenvolver pessoalmente e para ter uma imagem positiva de si mesmos. (M1) • Compreender os procedimentos possíveis/necessários para ler e escrever antes de estar alfabetizado. (M1) • Compreender que os alunos podem e devem ser incentivados a ler e escrever antes de estar alfabetizados e que por trás dessa proposta existe uma concepção de ensino e aprendizagem. (M1) M2UET5 1 * Texto organizado por Rosaura Soligo tendo como referência outros textos, especialmente os produzidos para o Módulo 1 do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Dez importantes questões a considerar...* Variáveis que interferem nos resultados do trabalho pedagógico Neste texto, recuperamos as principais questões didáticas que foram tratadas no Módulo 1 – algumas de forma mais explícita, tematizadas nos textos e nos programas de vídeo, outras apenas anunciadas. A proposta agora é sistematizar essas questões, para favorecer seu estudo e sua utilização em atividades propostas nas Unidades do Módulo 2. Como sabemos, o desafio de organizar a prática pedagógica na alfabetização a partir do modelo metodológico da resolução de problemas se expressa, principalmente, no planejamento de situações de ensino e aprendizagem ao mesmo tempo difíceis e possíveis, ou seja, em atividades e intervenções pedagógicas adequadas às necessidades e possibilidades de aprendizagem dos alunos. Uma prática desse tipo pressupõe uma preocupação do professor em: • favorecer a construção da autonomia intelectual dos alunos; • considerar a diversidade na sala de aula e atendê-la; • favorecer a interação e a cooperação; • analisar o percurso de aprendizagem e o conhecimento prévio dos alunos; • mobilizar a disponibilidade para a aprendizagem; • articular objetivos de ensino e objetivos de realização dos alunos; • criar situações que aproximem, o mais possível, a “versão escolar” e a “versão social” das práticas e dos conhecimentos que se convertem em conteúdos na escola; • organizar racionalmente o tempo; • organizar o espaço em função das propostas de ensino e aprendizagem; • selecionar materiais adequados ao desenvolvimento do trabalho; • avaliar os resultados obtidos, e redirecionar as propostas se eles não forem satisfatórios. Para desenvolver um trabalho pedagógico orientado por esses propósitos, é preciso que o professor se torne cada vez mais capaz de: • analisar a realidade, que é o contexto da própria atuação; • planejar a ação a partir da realidade à qual se destina; • antecipar possibilidades que permitam planejar intervenções com antecedência; M2UET6 M2UET6 1 • identif icar e caracterizar problemas (obstáculos, dif iculdades, distorções, inadequações...); • priorizar o que é relevante para a solução dos problemas identificados e ter autonomia para tomar as medidas que ajudam a solucioná-los; • buscar recursos e fontes de informação que se mostrem necessários; • compreender a natureza das diferenças entre os alunos; • estar aberto e disponível para a aprendizagem; • trabalhar em colaboração com os pares; • refletir sobre a própria prática; • utilizar a leitura e a escrita em favor do desenvolvimento pessoal e profissional.”1 O que garante os resultados A observação da realidade, e algumas pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem vêm indicando que há um conjunto de variáveis que interferem nos resultados (positivos ou negativos) do trabalho pedagógico. As principais são as seguintes: 1. A concepção de ensino e aprendizagem do professor e o nível de conhecimento profissional2 de que ele dispõe. 2. A crença do aluno na sua própria capacidade de aprender e o reconhecimento e a valorização dos seus próprios saberes. 3. O contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem3 acontecem. 4. O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem. 5. A relação professor-aluno. 6. O planejamento prévio do trabalho pedagógico. 7. As condições de realização das atividades propostas. 8. A intervenção do professor durante as atividades. 9. A gestão da sala de aula. 10. A relação da família com a aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica. A seguir, discutiremos cada uma dessas questões, analisando-as especificamente sob o ponto de vista da alfabetização. 1 In Guia de Orientações Metodológicas Gerais, Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Brasília, SEF/MEC, 2001. 2 Conforme indicam os Referenciais para a Formação de Professores , publicado pela SEF/MEC em 1998, são âmbitos de conhe- cimento profissional: conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos; conhecimento sobre dimensão cultural, social e política da educação; cultura geral e profissional; conhecimento pedagógico; e conhecimento experiencial contextualizado em situa- ções educacionais (pp. 84 a 106). 3 Neste curso, quando nos referimos à “situação de aprendizagem”, estamos falando de algo que resulta da atividade organi- zada pelo professor combinada com a intervenção pedagógica planejada para incidir na aprendizagem dos alunos. M2UET6 2 1. A concepção de ensino e aprendizagem do professor e seu nível de conhecimento profissional “Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual e auditiva e da noção de lateralidade. O que se pôde ver, nas últimas duas décadas, a partir das pesquisas sobre como se aprende a ler e escrever, é que a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento e as regras de geração do sistema alfabético de escrita; que esse não é um conteúdo simples, mas, ao contrário, extremamente complexo, que demanda procedimentos de análise também complexos por parte de quem aprende; que, como já se pôde constatar desde então, por trás da mão que escreve e do olho que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso, se.alfabetiza “Hoje sabemos que, no processo de alfabetização, crianças e adultos – independente da classe social e até mesmo da proposta de ensino – formulam estranhas hipóteses, muito curiosas e muito lógicas. Progridem de idéias bastante primitivas, pautadas no desconhecimento da relação entre fala e escrita, para idéias geniais sobre como seria essa relação, tão logo compreendem que fala e escrita se relacionam: alguns – crianças e adultos – com atenção quase exclusiva em quantas letras, outros em quais letras, outros conflituados com a coordenação entre quantas e quais letras se utiliza para escrever. Depois de uma árdua trajetória de reflexão sobre essas questões, finalmente é possível compreender qual a natureza da relação entre fala e escrita, é possível desvendar o mistério que o funcionamento da escrita representa para todos os analfabetos. Nesse momento, crianças e adultos conquistaram a escrita alfabética, alfabetizaram-se, no sentido estrito da palavra. “Pois bem, tanto a pesquisa acadêmica quanto a observação dos professores que ensinam crianças e adultos a ler e escrever vêm comprovando que a estratégia necessária para um indivíduo se alfabetizar não é a memorização, mas a reflexão sobre a escrita. Essa constatação, legitimada cientificamente, pôs em xeque uma das crenças mais antigas, nas quais a escola apóia suas práticas de ensino, o que desencadeou uma verdadeira revolução conceitual, uma mudança de paradigma. É esse o momento pelo qual estamos passando, com as vantagens e os prejuízos que caracterizam um momento de transição, de transformação de idéias e práticas cristalizadas ao longo de muitos anos. “Mas, se não é por um processo de memorização, como então é isso de aprender a ler e escrever refletindo sobre a escrita? “Em primeiro lugar, é preciso considerar que há conteúdos escolares que se aprende, sim, por memorização. Tudo que não requer construção conceitual, por ser de simples assimilação, se aprende memorizando: nomes em geral (das letras, por exemplo), informações e instruções simples (como “em português, escrevemos da esquerda para a direita”), respostas a adivinhações, números de telefone, endereços etc. “Mas o grande equívoco, no qual a concepção tradicional de ensino e aprendizagem esteve apoiada por muito tempo, é considerar que todos os conteúdos escolares, de um modo M2UET6 3 3. O contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem A aprendizagem não é resultado apenas de ações pedagógicas especialmente planejadas: a partir do momento que nasce, o ser humano começa a aprender – tanto o que lhe é ensinado de forma intencional quanto o que pode aprender pelo simples fato de estar vivo –, ao conviver com outras pessoas em ambientes sociais diversificados. Muitas das coisas que sabemos não nos foram ensinadas formalmente. Quando temos consciência desse fenômeno, nos empenhamos em cuidar do contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem. Não podemos formar leitores, por exemplo, se não houver livros e atos significativos de leitura e escrita na sala de aula. Não podemos formar escritores, se convidarmos os alunos a escrever seus próprios textos apenas ocasionalmente, e somente depois que estiverem alfabetizados. Não podemos seduzir nossos alunos a escrever da forma que sabem, se corrigirmos o tempo todo tudo o que escrevem. Não ensinaremos nossos alunos a trabalhar em grupo, se essa meta não for expressa em atos cotidianos na sala de aula. Não faremos nossos alunos respeitarem os colegas que têm mais dificuldades se não expressarmos, como professores, nosso próprio respeito por eles. Às vezes, o contexto da sala de aula ensina até mais do que aquilo que planejamos intencionalmente. E o contexto da escola, para além da sala de aula, também ensina. Em parte é por essa razão que se defende a importância de a escola definir coletivamente seu projeto educativo: tudo aquilo que não é o processo formal de ensino e aprendizagem que transcorre na sala de aula também educa. O jeito de as pessoas se relacionarem, as atitudes dos adultos para com as crianças, a relação estabelecida com as famílias e com a comunidade, o funcionamento geral da escola, a dinâmica do intervalo de recreio, o esquema de uso da quadra ou do pátio interno, o tipo de sanção que se utiliza, as priorizações que se faz... tudo isso, a despeito de nossa intenção, representa situações de ensino e aprendizagem. Não basta, portanto, cuidar apenas do planejamento pedagógico; é preciso cuidar do contexto em que ele se realiza. Não basta cuidar apenas de nosso discurso; é preciso cuidar dos nossos atos e das nossas atitudes na escola. 4. O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem De acordo com os Referenciais para a Formação de Professores, “contrato didático são as regras próprias da escola que regulam, entre outras coisas, as relações que alunos e professores mantêm com o conhecimento e com as atividades escolares, estabelecem direitos e deveres em relação às situações de ensino e de aprendizagem, e modelam os papéis dos diferentes atores do processo educativo e suas relações interpessoais. Representa o conjunto de condutas específicas M2UET6 6 que os alunos esperam dos professores e que estes esperam dos alunos, e que regulam o funcionamento da aula e as relações professor-aluno-conhecimento. Como toda instituição, a escola organiza-se segundo regras de convívio e de funcionamento que vão se constituindo ao longo do tempo, determinadas por sua função social e pela cultura institucional predominante.” Essas regras e expectativas que determinam os papéis a serem desempenhados na escola estabelecem direitos e deveres em relação também às situações de ensino e aprendizagem dos conteúdos escolares,6 que ocorrem na sala de aula – criam contratos implícitos que, normalmente, se tornam observáveis apenas quando são transgredidos. O imaginário social está povoado de representações (crenças e expectativas, na verdade) mais ou menos cristalizadas sobre esses diferentes papéis e sobre os elementos que compõem a instituição escolar e suas práticas. Quando a proposta pedagógica subverte o funcionamento convencional da escola ou da sala de aula, a consciência do professor sobre essas questões é muito importante para a reflexão sobre sua prática e para a compreensão de acontecimentos que, às vezes, são aparentemente incompreensíveis. Um exemplo: historicamente, a responsabilidade pela correção dos textos escolares sempre foi do professor. Se tivermos como objetivo didático que os próprios alunos tomem para si a responsabilidade de analisar criticamente seus textos e, conseqüentemente, corrigi- los, tanto nosso próprio papel (de professor) como o dos alunos está sendo subvertido. Eles passam a assumir parte da responsabilidade que era exclusivamente nossa, e nós assumimos uma nova responsabilidade, diferente da de realizar a correção – agora teremos de ensinar os alunos a desenvolver atitude crítica e procedimentos de análise das inadequações diante de seus próprios textos; e precisaremos fazer um tipo de correção diferente da que fazíamos até então. Esse novo objetivo cria novas necessidades para a prática; e exige mudanças em um contrato didático antigo em relação à correção de textos produzidos. Se compreendemos as implicações disso, fica mais fácil entender, por exemplo, as eventuais resistências dos alunos em realizar o árduo trabalho de revisão do que produzem. Outros aspectos permeados por representações cristalizadas pela tradição pedagógica – em relação aos papéis e às responsabilidades das “partes envolvidas” – são a avaliação e a disciplina: muitas das dificuldades e mal-entendidos vivenciados nas escolas que procuram inovar suas práticas se localizam justamente aí. A inexistência de um contrato claro – e compartilhado por todos – a respeito das concepções de base, das formas de transposição dessas concepções para a prática e dos papéis que devem desempenhar os atores do processo educativo favorece a projeção de diferentes representações dos envolvidos nas relações que têm lugar na escola e, dessa forma, acabam sendo inevitáveis os mal-entendidos e freqüentes conflitos. Essas são situações – avaliação e uso da liberdade/autoridade no espaço público da escola – em que o contrato não pode ser ambíguo e pouco explícito, para não provocar interpretações distorcidas que, ainda assim, certamente acontecerão. 6 “Conteúdo escolar”, aqui, significa tudo que se ensina e se aprende formal ou informalmente na escola: fatos, conceitos, procedimentos, normas, valores, atitudes... M2UET6 7 Vejamos outras s ituações em que as representações pessoais interferem consideravelmente nas relações educativas. Em uma escola orientada pela concepção construtivista, e por um modelo de ensino por resolução de problemas, o aluno deve realizar as atividades propostas como consegue; pode errar; deve justificar o procedimento utilizado, em vez de apenas dar respostas esperadas; pode interagir com seus pares; não deve ter medo do professor; pode circular pelo espaço; deve expressar suas opiniões; pode contestar… normas incomuns na educação tradicional. Isso, no entanto, não significa que não deva se esforçar para dar o melhor de si, que o erro tenha o mesmo valor do acerto, que não precise se comprometer com os melhores resultados, que possa conversar a todo momento com quem tiver vontade e circular pelo espaço a seu bel-prazer, que possa tratar o professor “de igual para igual”, impor sua vontade a qualquer preço e ser mal-educado… Uma escola em que tais atitudes apareçam como a tônica do cotidiano mostra que o contrato não foi definido adequadamente, que as normas, as regras, as responsabilidades, as obrigações recíprocas e os papéis não estão claros para ninguém, principalmente para os educadores. Isso significa que, por falta de acordos negociados a priori, os acontecimentos e as situações escolares estão sendo interpretados de acordo com perspectivas e expectativas pessoais; significa que, por falta de um contrato explícito, há lugar para a projeção de representações pessoais a respeito das normas, das regras, das responsabilidades, das obrigações recíprocas e dos papéis que cabem a cada um. Quando isso ocorre, é preciso uma razoável capacidade de análise e de distanciamento por parte dos educadores para que se possa identificar quais são de fato os problemas, pois não se pode encontrar soluções para problemas que não forem identificados adequadamente. Quando se toma o efeito pela causa, por exemplo, sabemos que não há resolução possível... Para um professor sair da condição de “apresentador de aulas” e conquistar, por um lado, um nível de profissionalismo condizente com as demandas que estão hoje colocadas, e por outro, o status de educador, ele precisará desenvolver sua capacidade de análise crítica. Isso implica exercício de outras duas capacidades: a de refletir sobre a própria prática e a de “colocar-se no lugar do outro” – especialmente do aluno – buscando, tanto quanto possível, analisar as coisas a partir também da sua perspectiva. Por que isto está acontecendo? Por que os alunos agem dessa maneira? Qual o efeito das minhas propostas e das minhas atitudes na conduta dos alunos? Qual a melhor solução para essa questão? Será que o que estou propondo é, de fato, relevante? Estou tendo distanciamento para avaliar essa situação?... Se tiverem um espaço de discussão coletiva, os professores movidos por esse tipo de inquietação, pela busca de respostas a perguntas desse tipo, pelo compromisso com a qualidade de suas práticas, certamente encontrarão boas soluções para as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia. É por essa razão que tem sido consensual a defesa de espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico e a ênfase na reflexão sobre a ação (especialmente por meio da escrita) como exercício fundamental na profissão de professor. A transformação das práticas de ensino depende, em grande medida, da modificação do contrato que rege as relações envolvidas nessas práticas. E isso é algo que depende da M2UET6 8 proposta é “ler sem ainda saber ler”. É o caso de textos que os alunos sabem de cor (não a escrita deles, mas o conteúdo), em que a tarefa é descobrir o que está escrito em cada parte, tendo apenas a informação do que trata o texto (por exemplo: “Esta é a música Pirulito que bate-bate”), onde começa e onde termina. São os poemas, quadrinhas, parlendas, adivinhas, cantigas de roda, canções populares, diálogos canônicos de contos clássicos, desde que sejam conhecidos (como, por exemplo, “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” ou “– Que olhos tão grandes você tem, vovó! / – São para te ver melhor! Que orelhas tão grandes você tem, vovó! / – São para te ouvir melhor!”, entre outros). A tarefa de ler esses textos obriga os alunos a ajustar o que sabem que está escrito com a escrita, pondo em uso tudo que sabem a respeito. A seu favor eles têm a disposição gráfica do texto em versos, o que permite que se orientem para descobrir “onde está escrito o quê”. Em qualquer tipo de situação, o aluno deve pôr em uso todo o conhecimento que possui sobre a escrita e receber informações parciais sobre o conteúdo que tornem a atividade proposta um desafio compatível com suas possibilidades. No caso da alfabetização de adultos, evidentemente os textos oferecidos para leitura devem ser pertinentes à faixa etária e aos interesses do grupo: músicas de seu repertório no lugar de cantigas de roda, provérbios e “frases de caminhão” no lugar de parlendas infantis, e assim por diante. Atividades de escrita: se considerarmos que os alunos não-alfabetizados podem escrever de acordo com suas próprias hipóteses, isso significa que supostamente poderiam escrever qualquer tipo de texto, desde que não seja esperado que o façam convencionalmente. De qualquer forma, não é apropriado, por exemplo, solicitar a escrita de um texto longo que vá oferecer grandes dificuldades, sendo que não se obterá como resultado uma escrita convencional. São mais adequados trechos de histórias conhecidas, bilhetes, cartas curtas, regras de jogo, além dos demais textos indicados acima, para as atividades de leitura. A prática pedagógica tem demonstrado que, quando se pretende trabalhar com a diversidade textual nas classes de alfabetização, nas situações em que se lê para os alunos praticamente todo gênero é adequado, desde que o conteúdo possa interessar, pois o professor atua como mediador entre eles e o texto. Mas se o texto se destinar à leitura pelos próprios alunos é preciso considerar suas reais possibilidades de realizar a tarefa, para que o desafio não seja muito difícil. Se a situação for de produção oral do texto, há que se considerar que, em princípio, os alunos não-alfabetizados podem produzir quaisquer gêneros, desde que tenham bastante familiaridade com eles, seja por meio da leitura feita pelo professor ou por outros leitores. E quando se trata de produzir textos por escrito, isto é, de escrever textos de próprio punho, as possibilidades se restringem, pois a tarefa requer a coordenação de vários procedimentos complexos relacionados tanto com o planejamento do que se pretende expressar quanto com a própria escrita. É preciso, portanto, saber o que se pode propor aos alunos em cada caso: quando o professor lê para eles, quando eles próprios é que têm de ler, quando produzem os textos M2UET6 11 sem precisar escrever e quando precisam escrever eles próprios. Além disso, é importante considerar que há uma série de variações que se pode fazer nas atividades de uso da língua que permitem contar com diferentes propostas a partir de situações muito parecidas, que se alteram apenas em um ou outro aspecto. Essas variações podem ser de: • material (lápis, caneta...), instrumento (à mão, à máquina, no computador...) e suporte (em papel comum ou especial, na lousa, com letras móveis...); • tipo de atividade: escutar, ler, escrever, recitar, ditar, copiar etc.; • unidade lingüística (palavra, frase, texto); • tipo (gênero) de texto; • modalidade (oralmente ou por escrito); • tipo de registro ou de instrumento utilizado (com ou sem gravador, com ou sem vídeo, ou por escrito); • conteúdo temático (sobre o quê); • estratégia didática (com ou sem preparação prévia, com ou sem ajuda do professor, com ou sem consulta...); • duração (mais curta, mais longa...) e freqüência (pela primeira vez, freqüentemente...); • tamanho e tipo de letra; • circunstância, destino e objetivo (quem, onde, quando, de que modo, a quem, para que... etc.); • tipo de agrupamento (individual, em dupla, em grupos maiores); • com ou sem algum tipo de restrição explícita (sem erros, com pontuação, com letra bonita, com separação entre palavras etc.)”.10 “Uma atividade se transforma em outra se, por exemplo, de individual passa a ser em dupla ou realizada com toda a classe – e vice-versa. O mesmo ocorre se for feita com ajuda ou sem ajuda, com ou sem consulta, com ou sem rascunho, de uma só vez ou em duas ou mais vezes, no caderno ou em papel especial, para ser exposto num mural, com letras móveis, com cartões, na lousa, no computador ou escrito a lápis... Quando se acredita que a alfabetização é um processo que se desenvolve a partir da análise e da reflexão que o aluno faz sobre a língua, não há muito o que ‘inventar’ em relação às situações de ensino e aprendizagem. As atividades específicas de reflexão sobre o sistema de escrita, como já se discutiu em vários momentos, devem basicamente se constituir em contextos de uso dos conhecimentos que os alunos possuem, de análise das regularidades da escrita, de comparação de suas hipóteses com a dos colegas e com a escrita convencional, de resposta a desafios, de resolução de problemas...”11 10 Texto adaptado a partir do item “Quinze possíveis variações: instruções de uso”, in Aprendendo a escrever , de Ana Teberosky. São Paulo, Ática. 11 Parâmetros em Ação – Alfabetização . Brasília, MEC/SEF, 1999. M2UET6 12 Escolha da forma de organização dos conteúdos Além da seleção dos conteúdos a serem trabalhados e do tipo de atividade específica que será proposto, há ainda outra importante decisão pedagógica, relacionada ao tratamento dos conteúdos: a depender dos objetivos que se tem, eles podem ser trabalhados na forma de “atividades permanentes, atividades seqüenciadas, atividades de sistematização, atividades independentes ou projetos”.12 Atividades permanentes são as que acontecem ao longo de um determinado período de tempo, porque são importantes para o desenvolvimento de procedimentos, de hábitos ou de atitudes. É o caso de atividades como: leitura diária feita pelo professor; roda semanal de leitura; oficina de produção de textos; hora das notícias; discussão semanal dos conhecimentos adquiridos etc. Atividades seqüenciadas são as planejadas em uma seqüência encadeada: o que vem a seguir depende do que já foi realizado (e aprendido) anteriormente. Por exemplo: atividades para alfabetizar, para ensinar a produzir textos de um determinado gênero, para ensinar ortografia ou o uso de certos recursos gramaticais etc. As atividades de sistematização, embora não decorram de propósitos imediatos, têm relação direta com os objetivos didáticos e com os conteúdos: são atividades que se destinam à sistematização dos conteúdos já trabalhados. As atividades independentes são aquelas que não foram planejadas a priori, mas que fazem sentido num dado momento. Por exemplo: “em algumas oportunidades, o professor encontra um texto que considera valioso e compartilha com os alunos, ainda que pertença a um gênero ou trate de um assunto que não se relaciona às atividades previstas para o período. E, em outras ocasiões, os próprios alunos propõem a leitura de um artigo de jornal, um poema, um conto que os tenha impressionado e que o professor também considera interessante ler para todos. Nesses casos, não teria sentido nem renunciar à leitura dos textos em questão, pelo fato de não ter relação com o que se está fazendo no momento, nem inventar uma relação inexistente”.13 Os projetos são situações didáticas em que o professor e os alunos se comprometem com um propósito e com um produto final: em um projeto, as ações propostas ao longo do tempo têm relação entre si e fazem sentido em função do produto que se deseja alcançar. É o caso de atividades como jogral, dramatização, apresentação pública de leitura, produção 12 Conforme Delia Lerner, in “É possível ler na escola?”, revista Lectura y Vida , ano 17, n. 1, mar. 1996. 13 Delia Lerner, idem, ibidem. M2UET6 13 Para organizar uma rotina semanal do trabalho pedagógico, é fundamental definir previamente: todas as áreas a serem trabalhadas, a freqüência com que serão trabalhadas (por exemplo: Língua Portuguesa todos os dias, com duração de 90 minutos etc.); a melhor forma de tratar didaticamente os conteúdos (projetos, atividades permanentes, atividades seqüenciadas...); os textos e os tipos de atividade a serem propostos durante a semana (tanto na sala de aula como em casa), e a respectiva freqüência. Só então será possível distribuir tudo isso no tempo disponível durante uma semana de trabalho, estabelecendo as devidas prioridades. A forma de organizar a rotina semanal que tem se mostrado mais prática é por meio de uma tabela de dupla entrada com espaço para indicar todas as propostas planejadas para cada dia da semana.17 Organização da classe em função dos objetivos da atividade e das possibilidades de aprendizagem dos alunos “Como bem sabemos, a diversidade é inevitável na sala de aula: teremos sempre alunos com níveis de compreensão e conhecimento diferentes e, por isso, é preciso conhecer, analisar e acompanhar o que eles produzem, para adequar as propostas, considerando os ritmos e as possibilidades de aprendizagem, cuidando para que ‘a música não vibre alto demais’, ou que sequer seja ouvida por eles” (M1U5T4). Nesse sentido, o desafio é conhecer o que eles pensam e sabem sobre o que se pretende ensinar (o que indica suas reais possibilidades de realizar as tarefas), para poder lançar problemas adequados às suas necessidades de aprendizagem. Considerando que, inevitavelmente, as classes são sempre heterogêneas, há três tipos de organização do trabalho pedagógico, para situações de atividade tanto individual como em parceria: momentos em que todos os alunos realizam a mesma proposta; momentos em que, diante de uma mesma proposta ou material, realizam tarefas diferentes; e momentos de propostas diversificadas, em que os grupos têm tarefas diferentes em função do que estão precisando no momento. A opção por organizar ou não os alunos em duplas, grupos de três ou de quatro, em um único grupo que reúne toda a classe, ou individualmente, depende especialmente dos objetivos da proposta e do grau de familiaridade dos alunos com ela. Se o tipo de proposta não é familiar, possivelmente será preciso que o professor realize uma (ou mais vezes) a atividade com todo o grupo de alunos, dando as necessárias explicações e ensinando os procedimentos. Depois, quando a proposta for de que os alunos realizem a tarefa por si mesmos, em grupo ou individualmente, será preciso que o professor funcione como parceiro experiente, dando grande assistência a todos (porque estão aprendendo a trabalhar com uma proposta nova). E, por fim, depois que se apropriaram do tipo de proposta e dos respectivos procedimentos, os alunos certamente precisarão de menos auxílio do professor. 17 Para entender melhor como isso pode ser feito, ver o texto “Planejar é preciso”, in Cadernos da TV Escola – Língua Portu- guesa, vol. 1, cit. E também em Parâmetros em Ação – Alfabetização , cit. M2UET6 16 Vejamos um exemplo: se é a primeira vez que propomos uma atividade de leitura aos alunos não-alfabetizados, provavelmente eles vão dizer que não sabem, ou não podem fazer, porque não sabem ler. Será necessário, então, que façamos na lousa com eles, problematizando alguns aspectos que lhes permitam usar seus conhecimentos e se conscientizar de que conseguiram “ler sem saber ler”, mostrando que se trata de um desafio possível, sugerindo possibilidades, oferecendo algumas pistas e coisa que o valha. Se, por um lado, esse tipo de situação requer o grupo todo atento à intervenção do professor, as situações de avaliação da competência pessoal dos alunos exigem atividades individuais. Em caso contrário, como o professor poderá identificar o que cada um de seus alunos sabe, se estavam trabalhando com outros colegas? No caso das atividades cotidianas, entretanto, a prática tem mostrado que o trabalho em colaboração é muito mais produtivo para a aprendizagem dos alunos: especialmente as duplas (mas também os trios e grupos de quatro) têm se revelado uma boa opção, se os critérios de agrupamento forem adequados. Esse tipo de agrupamento favorece que os alunos socializem seus conhecimentos, permitindo-lhes confrontar e compartilhar suas hipóteses, trocar informações, aprender diferentes procedimentos, defrontar-se com problemas sobre os quais não haviam pensado... Entretanto, como sabemos, o fato de estarem sentados juntos não garantirá que trabalhem coletivamente. É preciso criar mecanismos que os ajudem a aprender esse importante procedimento, que é o trabalho em colaboração de fato: por exemplo, em algumas situações, pode-se oferecer uma única folha para a realização da tarefa; em outras, definir claramente qual o papel de cada aluno na dupla ou no grupo, e assim por diante. Em qualquer caso, até aprenderem a trabalhar juntos, terão de contar com muita ajuda do professor. Quando a opção for por trabalho em parceria, para organizar os agrupamentos é preciso considerar os objetivos da atividade proposta, o conhecimento que os alunos possuem e a natureza da atividade. “As interações, os agrupamentos, devem ser pensados tanto do ponto de vista do que se pode aprender durante a atividade como do ponto de vista das questões que cada aluno pode ‘levar’ para pensar. Um outro fator importante a considerar, além do conhecimento que os alunos possuem, são suas características pessoais: seus traços de personalidade, por um lado, e a disposição de realizar atividades em parceria com um determinado colega, por outro. Às vezes, a tomar pelo nível de conhecimento, a dupla poderia ser perfeita, mas o estilo pessoal de cada um dos alunos indica que é melhor não juntá-los, pois o trabalho tenderia a ser improdutivo.” (M1U5T4) Definição do tipo de ajuda pedagógica que será oferecida aos alunos e dos grupos específicos que serão acompanhados mais de perto Além de contribuir com a aprendizagem ao selecionar conteúdos pertinentes, planejar atividades adequadas e formar agrupamentos produtivos, o professor também tem um papel fundamental durante a realização da atividade – ao circular pela classe e colocar perguntas que ajudam os alunos a pensar, problematizar as respostas dadas por eles, pedir M2UET6 17 que um ou outro leia algo aos demais, apresentar informações úteis e, sempre que for apropriado, socializar as respostas, questionar e discutir como foram encontradas. Para funcionar assim, como um parceiro que ajuda a aprender, precisa estar atento aos procedimentos ut i l izados pelos alunos para real izar as tarefas propostas e aos conhecimentos que revelam enquanto trabalham. O professor sabe que é impossível acompanhar de perto todos os alunos a cada dia: é preciso distribuir esse tipo de acompanhamento ao longo das semanas. Tendo isso em conta, será muito útil para ele a manutenção de um instrumento de registro no qual coloque a data, o nome dos alunos que foram observados mais criteriosamente naquele dia, o tipo de questões colocadas/reveladas por eles etc. Ou seja, uma espécie de “mapa”, que facilita a documentação das informações em relação à aprendizagem e ao desempenho dos alunos, além de permitir o planejamento da intervenção junto a todos. “Sabemos que o professor é um informante privilegiado na sala de aula, mas não é o único: se as atividades e os agrupamentos forem bem planejados, os alunos também aprenderão muito uns com os outros, mesmo que o professor não consiga intervir diariamente com cada um. Por outro lado, vale lembrar que a possibilidade de circular pela classe fazendo intervenções é facilitada pelo trabalho em grupo – quando se tem uma classe numerosa, com todos trabalhando individualmente, é muito mais difícil intervir com cada um e, ao mesmo tempo, ‘controlar’ a classe. Se o professor tem, por exemplo, 36 alunos divididos em 18 duplas que já sabem trabalhar em parceria, será preciso ‘controlar’ 18 agrupamentos que tendem a funcionar bem, e não 36 alunos que o tempo todo requisitam apenas o professor. De mais a mais, com 18 duplas, é perfeitamente possível intervir com todas a cada uma ou duas semanas, no máximo – o que significa acompanhar mais de perto cerca de três agrupamentos por dia.” (M1U7T3) Mas às vezes se faz necessário, além disso, montar um esquema de apoio pedagógico mais sistemático e intensivo com os alunos cujo desempenho está se distanciando da média da classe. É o que chamamos de “apoio pedagógico”.18 Em qualquer experiência educativa, os alunos se desenvolvem de forma e em ritmos distintos entre si. A função principal da avaliação é justamente identificar as ajudas específicas que cada um necessita ao longo de seu processo de aprendizagem. Há aqueles que, dependendo da dificuldade que apresentam e/ou da natureza do conteúdo ensinado, precisam apenas de uma explicação dada de outra forma, ou de um pouco mais de empenho, ou de maior exercitação em atividades suplementares. Mas há alunos que requerem uma intervenção pedagógica complementar – seja pelo tipo de dificuldade apresentada, pela natureza do conteúdo, ou pelas duas razões. De modo geral, a resposta encontrada para essa questão nas escolas públicas é a recuperação final (do semestre ou do ano letivo) ou, no caso de muitas escolas privadas, a solicitação de acompanhamento por um professor particular. Entretanto, é papel da própria 18 Para conhecer alguns exemplos concretos, ver “Depoimento da professora Rosa Maria” e “Depoimento da professora Marly” ( M2U1T5). M2UET6 18 Vejamos como exemplo uma consigna feita oralmente: “Vocês devem reescrever, em duplas, a história ‘Os três porquinhos’, um ajudando o outro, procurando fazer tudo da melhor maneira possível.” Uma orientação aparentemente clara e precisa como essa pode ter um resultado totalmente inesperado. A idéia de um ajudar o outro e fazer tudo da melhor maneira possível pode ser entendida como “para ficar um bom trabalho, quem sabe mais deve ajudar quem sabe menos” – e, se for assim, o aluno considerado menos sabido pode ficar com uma participação totalmente passiva durante a atividade. Muitas das provas externas21 aplicadas nas salas de aula desconsideram essa variável: não basta os alunos terem familiaridade com as propostas em si; é preciso que também conheçam o tipo de enunciado que explica o que é para ser feito. Quando temos consciência das variáveis que interferem nos resultados das propostas apresentadas aos alunos, fica mais fácil compreender o que pode estar por trás desses resultados. A certeza de que aquele que ouve ou lê pode não compreender exatamente o que foi dito, oralmente ou por escrito, deve ter como conseqüência uma atenção maior de nossa parte, bem como a consciência de que podemos ser mal interpretados mesmo que julguemos dar uma orientação totalmente clara – afinal, a compreensão da consigna é a compreensão não só do que deve ser feito, mas também de algumas intenções implícitas do professor... Circular pela classe, observando como os alunos realizam as tarefas propostas é uma forma de verificar se as orientações foram bem compreendidas e, quando não, corrigir a falha em tempo. 7. As condições de realização das atividades propostas Conforme já foi discutido em vários momentos neste curso, e de acordo com as concepções que orientam nossa proposta de alfabetização, uma atividade é considerada uma boa situação de aprendizagem quando: • os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo em torno do qual o professor organizou a tarefa; • os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem a produzir; • o conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real – por isso, no caso da alfabetização, a proposta é o uso de textos, e não de sílabas ou palavras soltas; • a organização da tarefa garante a máxima circulação de informações possível entre os alunos – por isso as situações propostas devem prever o intercâmbio e a interação entre eles. Sabemos que nem sempre é possível garantir todas essas condições ao mesmo tempo, mas é importante procurar assegurá-las. 21 O que chamamos de “provas externas” são as atividades de avaliação realizadas por outros profissionais que não o próprio professor da classe – o coordenador pedagógico da escola, um outro professor, ou uma instituição que realize avaliação de desempenho no sistema de ensino. M2UET6 21 8. A intervenção pedagógica do professor durante as atividades Embora muitos especialistas e educadores defendam que a intervenção pedagógica não é apenas o que o professor faz durante as atividades, enquanto os alunos trabalham – mas também as decisões que toma antes e depois, em função do seu conhecimento sobre o que eles sabem e de suas observações sobre como procedem ao realizar as tarefas – trataremos a seguir especificamente da intervenção pedagógica do professor durante as atividades, o que inclui a consigna e as orientações gerais relacionadas à realização da tarefa proposta. Algumas dessas orientações gerais implicam: • informar os alunos sobre o que se pretende com a atividade, levando-os a perceber que estão fazendo algo que responde a um certo tipo de objetivo, e/ou de necessidade; • preparar os alunos antes de toda e qualquer mudança ou novidade que for ocorrer em relação a: uso do tempo, organização do espaço, forma de agrupamento, utilização dos materiais, propostas de atividade e demais aspectos que interferem nos resultados do trabalho pedagógico; • apresentar as atividades de maneira a incentivar os alunos a darem o melhor de si mesmos e a acreditarem que sua contribuição é relevante para todos; • criar um ambiente favorável à aprendizagem e ao desenvolvimento de autoconceito positivo e de confiança na própria capacidade de enfrentar desafios (por meio de situações em que eles, por exemplo, são incentivados a se colocar, a fazer perguntas, a comentar o que aprenderam etc.). Se, por um lado, esse tipo de contexto geral de ensino e aprendizagem é necessário, por outro, não garante nem substitui a intervenção direta do professor enquanto os alunos trabalham. Esse é um momento privilegiado não só para avaliar a adequação das propostas à medida que elas se concretizam, na ação dos alunos, como para fazer colocações que respondem a suas necessidades de aprendizagem – é quando podemos oferecer informações, problematizar respostas ou procedimentos, orientar a ação etc. Nos programas de vídeo utilizados neste curso há inúmeras situações em que se pode observar e analisar como os professores procedem durante a realização das atividades. É importante considerar que a problematização é um dos mais relevantes tipos de intervenção, do ponto de vista pedagógico. Nesse tipo de situação, a atitude do professor é fundamental por três razões principais. Em primeiro lugar: se queremos que os alunos expressem seus procedimentos, opiniões e idéias, precisamos saber lidar com eles, especialmente quando estão equivocados. Não é possível pretender que façam as atividades da maneira que sabem e, ao mesmo tempo, corrigi-los sempre que erram; se isso ocorrer, com certeza deixarão de produzir, ou farão apenas aquilo de que tiverem certeza, para não passarem pelo desconforto de ter seu erro apontado. Em segundo lugar, é preciso saber dosar o nível de desafio. Se acreditamos que desafiador é aquilo que é difícil e possível ao mesmo tempo, temos que saber “o quanto o aluno agüenta” ser questionado; para tanto, é imprescindível identificar – e/ou inferir – os M2UET6 22 conhecimentos prévios que ele possui sobre o conteúdo trabalhado. Em terceiro, não se deve perder de vista que a problematização é um procedimento que rompe com o contrato didático clássico, de uma proposta tradicional, no qual a regra é o professor perguntar para avaliar o que os alunos sabem, e não para ajudá-los a pensar. Se isso não estiver claro para os alunos, é possível que não compreendam as razões das perguntas, e que lidem mal com esse tipo de situação. A intervenção direta do professor durante as atividades, evidentemente, é condição para que os alunos avancem em seus conhecimentos. Entretanto, também a atividade proposta deve ser, em si, portadora de desafios; deve colocar um problema real de forma que, para tentar solucioná-lo, os alunos mobilizem tudo que já sabem sobre aquele conteúdo. Sendo assim, não basta que a atividade seja interessante: ela precisa favorecer a construção e a utilização de conhecimentos. Quanto mais a atividade estiver adequada às necessidades de aprendizagem, e quanto mais criteriosamente planejados forem os agrupamentos, maiores serão as possibilidades de os alunos evoluírem em seu processo de alfabetização, mesmo se não puderem contar a todo instante com a intervenção direta do professor. 9. A gestão da sala de aula A gestão da sala de aula envolve inúmeros aspectos, mas aqui trataremos apenas daqueles relacionados ao gerenciamento do tempo e à apresentação de propostas alternativas, em função do planejamento pedagógico e do ritmo de realização das atividades pelos alunos. “Pilotar” adequadamente uma sala de aula exige muito conhecimento, talento e capacidade de improvisar de forma inteligente, pois a atuação de professor se apóia em competências relacionadas principalmente à resolução de situações-problema. Como se pode observar, várias competências profissionais do professor, indicadas no início deste texto, se relacionam direta ou indiretamente à gestão da sala de aula. Vejamos uma situação típica. O que fazer com os alunos que terminam as atividades rapidamente? O que fazer com os que nunca terminam? Como orquestrar essas diferenças de ritmo? A incapacidade de lidar com essas situações pode criar na classe um tal nível de desorganização que leve o professor a sonhar com uma homogeneidade - que jamais conseguirá - no ritmo de realização das tarefas. Nesse caso, há dois pontos a considerar: um é que a organização de uma rotina de trabalho já deve responder ao menos parcialmente às questões; e o outro é que o professor precisa criar um tipo de funcionamento para a aula de maneira a dar, ao mesmo tempo, espaço e resposta para as diferenças de ritmo. Alguns exemplos: • Organizar atividades alternativas para os alunos mais rápidos e deixá-las em folhas separadas sobre a mesa, em uma ordem conhecida por todos – assim, à medida que forem terminando as tarefas, poderão apanhar as folhas, na seqüência. Para que esse tipo de proposta seja eficaz, o contrato didático que estabelece essa organização da aula deve estar claro para todos; as atividades devem ser familiares e interessantes, não soando como simples “passatempo”, e os alunos precisam poder realizá-las individualmente e com autonomia. M2UET6 23 Por que nem sempre conseguimos ensinar a todos? Há aproximadamente dez anos, o Dr Saul Cypel, neurologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, estudioso das dificuldades de aprendizagem escolar, fez a seguinte afirmação em um seminário em São Paulo:22 “Recentemente, o Instituto Nacional de Psiquiatria Infantil da Venezuela publicou relatório sobre atendimentos no ano de 1984, mostrando que cerca de 30% das crianças que procuravam aquele serviço traziam como queixa a dificuldade escolar; e estudo detalhado desse grupo mostrou que mais de metade se apresentava dentro de processo normal de desenvolvimento; outras crianças mostravam alterações diversas de comportamento, e somente 2% tinham dificuldades na leitura. Essas cifras correspondiam às observadas em nosso grupo de trabalho, e vêm sendo confirmadas também em outros locais, como na Inglaterra. Estamos saindo dos números aberrantes onde as dificuldades de aprendizagem aconteciam em até 30% dos escolares, para números mais corretos, entre 1 a 3%.” Essa afirmação é emblemática da posição assumida por muitos estudiosos das dificuldades de aprendizagem que, após o contato com as pesquisas de Emilia Ferreiro e seus colaboradores, puderam compreender o que acontecia com as crianças que eram consideradas portadoras dessas dificuldades. A opinião desses especialistas trouxe uma enorme contribuição para os educadores, especialmente para os alfabetizadores, uma vez que desmitificou algumas das causas do fracasso escolar. Se considerarmos a hipótese de que 3% dos alunos podem ter de fato um comprometimento real no aprendizado de leitura e escrita (o máximo que os especialistas hoje admitem como aceitável), isso corresponderia a 1 aluno, em média, em uma classe de 35 – sendo que a média de 1 aluno tanto pode significar que existam dois quanto que não haja nenhum (o que é muito diferente de acreditar que 30% têm dificuldade para aprender!). Isso, evidentemente, não quer dizer que todos os alunos aprendem no mesmo ritmo e com a rapidez que desejamos: há aqueles que de fato demoram mais, por diferentes razões. Mas o importante é saber que a demora, em certas aprendizagens, é apenas uma questão de tempo, e não de impossibilidade. Por essa razão, cada vez mais os educadores vêm procurando nas suas propostas de ensino as razões da ineficácia da aprendizagem. Quando as atividades “não dão certo”, geralmente o problema está relacionado a uma das dez variáveis abordadas neste texto, e não à falta de capacidade dos alunos. Esse redirecionamento do olhar dos educadores tem uma grande importância política, pois revela a seriedade de uma atitude profissional: a responsabilidade pelos resultados do próprio trabalho. Em uma categoria como o magistério, que luta a duras penas pela profissionalização, essa atitude é uma grande conquista. Significa que os professores começam a se sentir responsáveis não só pelo sucesso, mas também pelo fracasso na aprendizagem dos seus alunos, tal como se espera que os médicos se sintam responsáveis pelo fracasso na cura de seus doentes; os engenheiros, pelo fracasso nas construções e máquinas que projetam; os advogados, pelo fracasso na defesa de seus clientes; os publicitários, pelo fracasso das campanhas que inventaram... 22 In Caderno Idéias , Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). São Paulo, Secretaria Estadual da Educação. M2UET6 26 Referências bibliográficas BROUSSEAU, Guy. “Os diferentes papéis do professor”, in Cecília Parra & Irma Saiz (org.). Didática da Matemática – Reflexões pedagógicas. Porto Alegre, Artmed, 1996. CHARNAY, Roland. “Aprendendo com a resolução de problemas”, in Cecília Parra & Irma Saiz (org.). Didática da Matemática – Reflexões pedagógicas. Porto Alegre, Artmed, 1996. LERNER, Délia. El conocimiento didáctico como eje del proceso de capacitación. Buenos Aires, Argentina: mimeo, 1996. ———. Capacitação em serviço e mudança da proposta didática vigente. Texto apresentado no projeto “Renovação de práticas pedagógicas na formação de leitores e escritores”. Bogotá, Colômbia, outubro de 1993. ———. El lugar del conocimiento didáctico en la formación del maestro. Texto apresentado no Primeiro Seminário Internacional “Quem é o professor do terceiro milênio?”. Bahia, agosto de 1995. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa (1ª a 4ª série). Brasília/DF, 1997. ———. Referenciais para a Formação de Professores. Brasília/DF, 1998. ———. Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília/DF, 1999. PERRENOUD, Philippe. Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre, Artmed, 1999. ———. Pedagogia diferenciada – das intenções à ação. Porto Alegre, Artmed, 2000. ———. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre, Artmed, 2000. SOLÉ, Isabel. “Disponibilidade para aprender e sentido da aprendizagem”, in O construtivismo na sala de aula. São Paulo, Ática, 1996. TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever. São Paulo, Ática, 1994. ZABALA, Antoni. A prática educativa – como ensinar. Porto Alegre, Artmed, 1998. M2UET6 27 M2U1T1 A fábula da águia e da galinha Leonardo Boff * A globalização representa uma etapa nova no processo de cosmogênese e de antropogênese. Temos que entrar nela. Não do jeito que as potências controladoras do mercado mundial querem – mercado competitivo e nada cooperativo –, apenas interessadas em nossas riquezas materiais, reduzindo-nos a meros consumidores. Nós queremos entrar soberanos e conscientes de nossa possível contribuição ecológica, multicultural e espiritual. Percebe-se desmesurado entusiasmo do atual governo pela globalização. O presidente fala dela sem as nuanças que colocariam em devida luz nossa singularidade. Ele tem capacidade para ser uma voz própria e não o eco da voz dos outros. Para ele e seus aliados, conto uma história que vem de um pequeno país da África Ocidental, Gana, narrada por um educador popular, James Aggrey, nos inícios deste século, quando se davam os embates pela descolonização. Oxalá os faça pensar. Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro, a fim de mantê-lo cativo em casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto às galinhas. Cresceu como uma galinha. Depois de cinco anos, esse homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista: “Esse pássaro aí não é uma galinha. É uma águia”. “De fato”, disse o homem. “’É uma águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais águia. É uma galinha como as outras.” “Não”, retrucou o naturalista. “Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.” “Não”, insistiu o camponês. “Ela virou galinha e jamais voará como águia.” Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e, desafiando-a, disse: “Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!”. A águia ficou sentada sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou: “Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!”. * Folha de São Paulo , 6 de abril de 1997. Leonardo Boff é teólogo, professor de Ética na UERJ e escritor. M2U1T1 1 bananeiras e esses laranjais não eram licença poética. Os subúrbios de nossas cidades ainda não tinham sofrido essa degradação ambiental que infelizmente se fez presente com o passar dos anos. Vi muitos Brasis entre esses meus oito anos, os oito anos do poeta e essas duas mulheres: Carmosina e Dora. Vejo essa passagem de tempo, claro, com alegrias e ganhos, mas também com muitas perdas e dor. Sou atriz e confesso a minha deformação profissional: esse sentimento de perdas, essa nostalgia me ajudaram a resgatar o emocional dessa desprotegida e amarga Dora ao intuir que dentro dessas Doras desiludidas existe sempre uma Carmosina à espera de um ombro e de um socorro. Senhor presidente, nesta nossa confraternização de artistas e autoridades como não lembrar o milagre que a educação e a cultura produzem em todo ser humano. É este, me parece, o espírito que nos une aqui, neste espaço, e por estarmos diante da mais alta autoridade do nosso país, que é Vossa Excelência, a herança cultural da reivindicação artística e social se apresenta… Mas, Vossa Excelência é um democrata e um professor, por isso peço a Vossa Excelência me dar o direito de não resistir, mesmo porque acredito que estamos numa concordância de vontades. Senhor presidente, precisamos urgentemente de muitas, muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora. Vossa Excelência tem poder para transformar as Doras em Carmosinas. O país lhe deu esse poder. Eu tenho um sonho que certamente é também um sonho de Vossa Excelência e de muitos, muitos, muitos brasileiros. Eu tenho um sonho (parodiando o notável reverendo americano) que um dia, realmente, todas as desesperadas Doras serão resgatadas desses ônibus perdidos que atravessam esse nosso sertão de miséria e que a elas será dado nem que seja uma parcela daquele reconhecimento e respeito social das professoras Carmosinas da minha infância. Doras com visão de futuro, com auto- estima, economicamente ajustadas. Professoras Doras inventivas, confiantes, confiantes no seu magistério, para que possam ser amadas como seres humanos e (por que não?) como personagens também. Muito amadas e lembradas por todos os Vinícius e todos os Josués de nosso país. Mesmo assim prefiro as Carmosinas… Que Dora compreenda e me perdoe. Vale a troca. Para o fortalecimento da nossa educação, da nossa cultura, vale a pena, senhor presidente, se a nossa alma, isto é, se a realização do sonho de todos nós, se essa realização não for pequena. Faço de Dora e Carmosina minhas companheiras neste meu agradecimento. Ignorá-las seria desprezar a minha infância e a realidade da minha, não digo velhice, mas da minha madureza. M2U1T2 2 M2U1T3 Como um rio Thiago de Mello* Ser capaz, como um rio que leva sozinho a canoa que se cansa, de servir de caminho para a esperança. E de lavar do límpido a mágoa da mancha, como o rio que leva, e lava. Crescer para entregar na distância calada um poder de canção, como o rio decifra o segredo do chão. Se tempo é de descer, reter o dom da força sem deixar de seguir. E até mesmo sumir para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar. Como um rio, aceitar essas súbitas ondas feitas de água impuras que afloram a escondida verdade nas funduras. Como um rio, que nasce de outros, saber seguir junto com outros sendo e noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim. Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda. Como um rio. * Mormaço na floresta . Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983. M2U1T3 1 Quadro de referência do trabalho semanal – 1º trimestre Organização do trabalho pedagógico Classe de Educação de Jovens e Adultos – 1º segmento M2U1T4 M2U1T4 1 S eg u n d a- fe ir a Te rç a- fe ir a Q u ar ta -f ei ra Q u in ta -f ei ra S ex ta -f ei ra Lí ng ua P or tu gu es a A ti vi d ad e p er m an en te Le itu ra fe ita p el o pr of es so r de po em as e /o u pi ad as , e /o u fá bu la s, e /o u le nd as p op ul ar es , e/ ou li te ra tu ra d e co rd el . A ti vi d ad e p er m an en te d e al fa b et iz aç ão P ar a al un os c om es cr it a nã o- al fa b ét ic a (a tiv id ad e de le itu ra ) • or de na çã o de t ex to s: po em a ou p ar le nd a (fr as e ou p al av ra ) • at iv id ad e co m n om es pr óp ri os P ar a al u n os c om e sc ri ta al fa b ét ic a • co m pl et ar t ex to s • le itu ra d e fr as e de ca m in hã o, p ro vé rb io o u pe ns am en to P ro je to • br in ca de ir as d o m eu te m po - r ec or da r pa ra pr es er va r A ti vi da de p er m an en te • re la to d e ca us os d a m in ha te rr a9 A ti vi d ad e d e C iê nc ia s A ti vi d ad e d e M at em át ic a – jo go s Lí ng ua P or tu gu es a A ti vi d ad e p er m an en te Le itu ra f ei ta p el o pr of es so r de t ex to n ar ra tiv o. L iv ro : O vi sc on de p ar tid o ao m ei o, d e Ita lo C al vi no ( em c ap ítu lo s) . A ti vi d ad e p er m an en te d e al fa b et iz aç ão P ar a al un os c om es cr it a nã o- al fa b ét ic a (a tiv id ad e de le itu ra )2 • lis ta s: le itu ra o u id en tif ic a- çã o de p al av ra s o u fr as es (p ro vé rb io , f ra se d e ca m i- nh ão , p en sa m en to , n om es ) • or de na çã o de t ex to s co nh ec id os P ar a al u n os c om e sc ri ta al fa b ét ic a3 • or de na r as p ar te s de u m co nt o • le itu ra d e cu rio sid ad es – co m t ar ef a4 A ti vi d ad e p er m an en te d e es cr it a5 • es cr ita d e te xt os c on he cid os (p oe m a, q ua dr in ha , m ús ica … ) o u es cr ita d e lis ta s (fr as e de c am in hã o, tí tu lo s de m ús ica s, pe ns am en to s, pr ov ér bi os … ) A ti vi d ad e p er m an en te • ro da d e co nv er sa 6 A ti vi d ad e d e M at em át ic a A ti vi d ad e d e H is tó ri a A ti vi d ad e d e A rt es Lí ng ua P or tu gu es a A ti vi d ad e p er m an en te Le itu ra f ei ta p el o pr of es so r de t ex to in fo rm at iv o ou in st ru ci on al .1 A ti vi d ad e p er m an en te d e al fa b et iz aç ão P ar a al un os c om es cr it a nã o- al fa b ét ic a (a tiv id ad e de le itu ra ) • pa la vr as c ru za da s (c om a lis ta d e pa la vr as ) • di ta do c an ta do ( m ús ic a) P ar a al u n os c om e sc ri ta al fa b ét ic a • pa la vr as c ru za da s • le itu ra d e hi st ór ia – c om ta re fa P ro je to 7 • br in ca de ir as d o m eu te m po - r ec or da r pa ra pr es er va r A ti vi d ad e oc as io na l • ab or da ge m d e as su nt o tr az id o pe lo g ru po A ti vi d ad e d e C iê nc ia s A ti vi d ad e d e G eo gr af ia Lí ng ua P or tu gu es a A ti vi d ad e p er m an en te Le itu ra f ei ta p el o pr of es so r de t ex to n ar ra tiv o. L iv ro : O vi sc on de p ar tid o ao m ei o, d e Ita lo C al vi no ( em c ap ítu lo s) . A ti vi d ad e p er m an en te d e al fa b et iz aç ão P ar a al un os c om es cr it a nã o- al fa b ét ic a (a tiv id ad e de le itu ra ) • ad iv in ha s (c om li st a de pa la vr as ) • le itu ra d e te xt o co nh ec id o (p oe m a e qu ad ri nh a) P ar a al u n os c om e sc ri ta al fa b ét ic a • ad iv in ha s • le itu ra d e te xt o in fo rm at ivo – co m ta re fa A ti vi d ad e se q üe nc ia d a • es cr ita d e ca rt as A ti vi d ad e p er m an en te • le itu ra d e di fe re nt es po rt ad or es d e te xt o: jo rn ais , r ev ist as , g ib is … 8 A ti vi d ad e d e M at em át ic a A ti vi d ad e d e H is tó ri a A ti vi d ad e d e A rt es Lí ng ua P or tu gu es a A ti vi d ad e p er m an en te Le itu ra f ei ta p el o pr of es so r de t ex to n ar ra tiv o. L iv ro : O vi sc on de p ar tid o ao m ei o, d e Ita lo C al vi no ( em c ap ítu lo s) . A ti vi d ad e p er m an en te d e al fa b et iz aç ão P ar a al un os c om es cr it a nã o- al fa b ét ic a (a tiv id ad e de le itu ra ) • le itu ra d e re ce ita s id en tif ic an do o s in gr ed ie nt es • ad iv in ha s P ar a al u n os c om e sc ri ta al fa b ét ic a • le itu ra d e re ce ita s • ad iv in ha s • es cr ev er o t ex to c om le tr as m óv ei s A ti vi d ad e p er m an en te d e es cr it a • es cr ita d e tr ec ho d e hi st ór ia c on he ci da A ti vi d ad e p er m an en te • ro da d e bi bl io te ca (c om pa rt ilh ar a s le itu ra s da s em an a) A ti vi d ad e d e M at em át ic a A ti vi d ad e d e G eo gr af ia A ti vi d ad e d e A rt es Como na escola particular onde trabalho há alguns anos no período da tarde desenvolvemos a proposta de Grupo de Estudo desde 1993, com bastante sucesso, apresentei-a à equipe de professoras de 1º ciclo, que resolveu discuti-la seriamente. O Grupo de Estudo é uma das possibilidades de atendimento das necessidades específicas dos alunos em espaços especialmente planejados para essa finalidade. Se o cotidiano da sala de aula é onde se convive com a heterogeneidade e, do ponto de vista pedagógico, se tira proveito dela, o Grupo de Estudo é onde os alunos podem receber ajudas pontuais em função de dificuldades que estejam encontrando em relação aos conteúdos. É algo semelhante a aulas particulares na própria escola. Na escola particular esse tipo de trabalho implica atendimento dos alunos fora do horário de aula e remuneração do professor, uma vez que ele realiza esse atendimento fora de sua jornada regular. Entretanto, no caso da escola pública, esse formato, na maior parte das vezes, é inviável. Era o nosso caso em 1994. Mas resolvemos discutir o mérito da proposta para poder verificar se havia alguma adaptação possível. As professoras ficaram muito seduzidas pela idéia e nos pusemos a pensar sobre que possibilidades teríamos de realizar um trabalho similar… E então surgiu a “luz”: por que não atender as crianças no seu próprio horário de aula? Estudamos bastante os prós e os contras e acabamos elaborando uma proposta que, pelo quarto ano, estamos realizando com sucesso. Como funciona esse tipo de trabalho? Realizamos o atendimento dos alunos, considerando suas necessidades específicas de aprendizagem, duas vezes por semana por duas horas seguidas: nesse momento os alunos de todas as turmas da série são subdivididos segundo essas necessidades, ficando cada professora com a turma com a qual se identifica mais, ou acha que pode trabalhar melhor. Ou seja, cada professora fica com os seus próprios alunos e com os das demais classes que estão tendo necessidades similares. Sempre soubemos que, no caso do 1º ano, quando a intervenção pedagógica tem como foco a compreensão do sistema alfabético de escrita, as turmas de alunos com escrita alfabética podem ser mais numerosas (já chegamos, inclusive, a ter 42 alunos) e as de alunos com escrita ainda não-alfabética não podem ter mais de dezoito (embora o ideal fosse quinze, no máximo). Nesse caso, as professoras que ficam com os alunos que já sabem ler e escrever têm de trabalhar com turmas bem grandes. Já as que ficam com as turmas menores são as que devem “dar o sangue” para que o tempo seja super bem aproveitado, de modo que os alunos avancem em sua compreensão das regras de geração do sistema alfabético. Atualmente, temos observado que o mais adequado é começar esse trabalho em junho, pois assim é possível antecipar, para antes do recesso, o período gasto com a adaptação dos alunos e das professoras à nova situação. No final de maio, fazemos uma avaliação diagnóstica de leitura e escrita com todos os alunos do 1º ano e, assim, organizamos os Grupos de Estudos que funcionarão duas vezes por semana. Com a experiência, estamos todas mais atentas a como é importante o período de adaptação de todas as crianças à nova situação – inclusive daquelas já alfabetizadas que, embora de certa forma se destaquem em sua sala de aula, estarão periodicamente diante de uma nova professora e de atividades mais desafiadoras. M2U1T5 2 Claro que nem tudo foi sempre maravilhoso e problema é o que nunca faltou. Tivemos vários nos dois primeiros anos. Uma das professoras de início não quis participar do trabalho. Em seguida, outra professora precisou tirar licença médica por quase um mês e o Grupo de Estudo ficou suspenso nesse período. Quando alguma de nós faltava inesperadamente, não havia como mudar o dia do grupo e então ele não acontecia… E assim fomos sempre administrando os problemas todos – que é o que mais se faz na escola pública – para não termos de desistir dessa prática, porque cada vez mais acreditamos nela e sabemos o quanto ajuda os alunos a aprenderem em melhores condições. Como o Grupo de Estudo foi se convertendo numa prática bastante eficaz, foi também se “espalhando pela escola”: desde o ano passado todos os professores do 1º ciclo realizam esse tipo de trabalho – isso inclui 1º, 2º e 3º ano. Esse é, atualmente, um projeto muito importante do 1º ciclo na nossa escola, do qual nos orgulhamos muito. Mas, e os alunos, os principais envolvidas nesse trabalho? Como se tratava de um trabalho novo, lembro-me que em 1994, quando tudo começou, tivemos várias conversas com eles. Contamos que nós, professoras, tínhamos uma proposta muito interessante para ajudá-los a ficar cada vez mais sabidos e que eles não mudariam de turma, embora, de vez em quando, tivessem que ter aula com outra professora. No início ficaram meio desconfiados e um pouco perdidos mas, após quinze dias de trabalho, puderam compreender melhor o que estava acontecendo. Mesmo agora que o Grupo de Estudo está totalmente incorporado à rotina da escola, antes de começar o trabalho discutimos seriamente com os alunos os objetivos a que nos propomos e o que esperamos deles para que possam aprender mais e melhor. Isso é muito importante para que não se criem estigmas e para que não circulem comentários desagradáveis e preconceituosos. Mas o que aprendemos também é que quando nós, professores, temos uma atitude de respeito e apoio diante das dificuldades dos alunos, quando revelamos que há muitas coisas que nós adultos também temos dificuldade em aprender, em geral todos começam ser mais tolerantes e solidários uns com os outros. Dessa forma, o trabalho com grupos de alunos que precisam de ajuda pedagógica específica, que, à primeira vista, poderia parecer de certa maneira discriminatório, acaba sendo uma iniciativa de grande respeito intelectual por eles. Até porque, em todos os grupos, mesmo naqueles em que os alunos já possuem um conhecimento mais avançado, as atividades propostas são desafiadoras – possíveis, porém, difíceis. Então, todos os alunos estão se deparando com suas limitações e com a necessidade de superá-las: não tem por que ficarem achando que os colegas dos outros grupos é que têm dificuldades… Uma vantagem muito importante desse trabalho é que a troca de professora por algumas horas semanais pode trazer um olhar diferente sobre a produção do aluno, ajudando não só a ele, mas também a sua própria professora. Evidentemente, isso só é possível se houver um trabalho compartilhado de planejamento e avaliação dos Grupos de Estudo, para que se possam trocar impressões e discutir encaminhamentos. A possibilidade desse “outro olhar” ficou bem evidente para nós que trabalhamos com os grupos, principalmente em relação aos alunos com escrita ainda não-alfabética. Algumas professoras acreditavam que esses alunos tinham muitas dificuldades de aprendizagem porque, em classe, não realizavam as lições, eram dependentes, lentos, quase não M2U1T5 3 participavam das aulas… Na verdade, com a análise e a discussão coletivas da produção deles, pudemos todas perceber que, apesar de lentos e pouco participativos, muitos deles sabiam muito mais a respeito da escrita do que eles próprios imaginavam – e, inclusive, suas respectivas professoras. Tem sido muito gratificante ver as mudanças que vêm ocorrendo por conta desse trabalho: os alunos vão tomando consciência do quanto sabem e passam a participar das aulas e a se envolver mais com as atividades, não só no Grupo de Estudo. As professoras, por sua vez, também tiveram importantes mudanças de atitude: passaram a compreender muito melhor o que, de fato, os alunos sabem ou não, e a dosar melhor as exigências que se pode fazer a eles. Cada vez mais temos percebido, ao longo desses anos todos, o quanto o trabalho pedagógico, especialmente com o 1º ano do ensino fundamental, requer de nós, professores, organização, disciplina e uso adequado do tempo. Por quê? Temos que preparar as atividades para a classe considerando a heterogeneidade do grupo, as lições de casa e, quando há Grupos de Estudo, também as situações didáticas apropriadas a esse tipo de proposta. Por isso, é muito importante que haja espaços de trabalho coletivo na escola, tanto para que todos possam se apropriar da proposta de trabalho da série e/ou do ciclo e aperfeiçoá-la, como para que se possa distribuir tarefas, estruturar um banco de propostas didáticas que facilitem o planejamento, analisar produções dos alunos, compartilhar preocupações e dúvidas, encontrar soluções para os problemas… É importante ressaltar que, nem mesmo com esse trabalho, temos conseguido garantir que todos os alunos terminem o 1º ano escrevendo alfabeticamente – uma média de quatro alunos por classe não consegue se alfabetizar, mas todos avançam, se envolvem com o trabalho e, de um modo geral, no primeiro semestre do 2º ano acabam aprendendo a ler. Nesse sentido, a discussão com a professora que vai assumir a turma no ano seguinte é condição para que se dê continuidade ao trabalho, uma vez que não há repetência e o agrupamento permanece o mesmo, com o acréscimo de novos alunos que entram. Por fim, creio que é importante colocar que, quando avaliamos o nível de conhecimento que as crianças possuem ao entrar no 1º ano, percebemos sempre, e cada vez mais, a diferença que faz na vida delas um trabalho sério com leitura e escrita na Educação Infantil – quando elas têm oportunidade de freqüentar uma escola antes. A diferença é enorme, quando se compara o quanto sabem as crianças que vêm de uma proposta de trabalho pautada no uso da língua (inclusive escrita) com o quanto não sabem as que vêm de propostas que consideram prematuro o trabalho com a escrita na Educação Infantil – algo incompreensível para nós, professores de 1º ano. Claro que as crianças aprendem muitas coisas na escola, qualquer que seja sua proposta. Mas o que é intrigante é o seguinte: o fracasso escolar está quase todo assentado na demora dos alunos para aprender a ler e escrever no ensino fundamental, pois têm pouco repertório em relação ao uso da escrita; em praticamente todos os países do mundo os alunos aprendem a ler aos 5 ou 6 anos, sem sacrifício; no Brasil, as crianças de classe média e alta também aprendem a ler, felizes, aos 5 ou 6 anos; como se justifica que, às crianças pobres, se ofereçam escolas de Educação Infantil que julgam prematuro o trabalho com leitura e escrita? Mas acho que essa já é uma outra história! Rosa Maria Antunes de Barros EMPG Tenente Alípio Andrada Serpa (julho de 1998) M2U1T5 4 Qualquer atividade didática em que tenha sentido os alunos fazerem da forma como conseguem é uma possibilidade desse tipo – e não são poucas. Situações em que, a partir de uma mesma proposta ou material, os alunos deveriam realizar tarefas diferentes Uma atividade desse tipo era a produção de texto em duplas, em que cada um tinha uma tarefa específica – nesse momento, os alunos que já estavam alfabetizados tinham a função de escribas e os demais, de produtores do texto. Outra proposta: para um texto poético, conhecido de memória, os alunos já alfabetizados tinham a tarefa de escrevê-lo e os alunos ainda não-alfabetizados tinham a tarefa de ordená-lo (tendo recebido tiras com os versos recortados). Há muitas outras possibilidades que fui descobrindo, ou aprendendo com outros professores. Por exemplo, uma atividade como a de preenchimento de palavras cruzadas era proposta para os alunos já alfabetizados para que realizassem da forma convencional – portanto, era uma situação de escrita em que, para eles, estava em jogo a ortografia (uso de ss, rr, ch etc.). E, para os alunos que ainda não escreviam alfabeticamente, a tarefa era de preenchimento da mesma “cruzadinha” consultando uma relação de palavras agrupadas por quantidade de letras. Encontrada a palavra considerada correta, os alunos tinham que copiá-la no espaço correspondente – portanto, uma atividade de leitura e cópia, em que estava em jogo o funcionamento do sistema alfabético. Isto porque, não tendo ainda compreendido a regra de geração do sistema de escrita, provavelmente a quantidade de quadradinhos da “cruzadinha” não iria coincidir facilmente com as hipóteses dos alunos sobre a forma de escrever a palavra. E também porque – para garantir um nível de desafio adequado – na relação de palavras havia sempre muitas desnecessárias, várias delas com a mesma quantidade de letras e com as mesmas letras iniciais e finais. Essa circunstância obrigava os alunos a analisar as letras internas às palavras para poder escolher a adequada ao preenchimento. Veja: diante da necessidade de encontrar a palavra BARCO, consultando a lista, o aluno poderia encontrar, por exemplo, BARCO, BRAÇO e BANHO: todas começadas com B e terminadas com O; portanto, para descobrir a correta, teria de analisar as letras do meio da palavra. E se estivesse acreditando que a palavra teria de ser escrita com duas letras apenas, por conseguir identificar somente duas partes ao pronunciá-la, então teria outro bom problema para pensar. Situações diversificadas Nesse caso, os grupos realizavam tarefas diferentes em função de suas necessidades específicas de aprendizagem. Eram situações em que eu agrupava os alunos tendo como critério as dificuldades parecidas, o que favorecia uma intervenção mais dirigida de minha parte. Esse tipo de organização me permitia, às vezes, lançar mão da ajuda de alunos que estavam em condições de monitorar a atividade dos demais, o que era de grande ajuda para mim e para a aprendizagem de todos. Alguns exemplos desse tipo: o grupo de alunos ainda não alfabetizados fazia, em duplas, atividades de leitura de textos poéticos conhecidos, tendo de ajustar o que conheciam de cor com o que sabiam que estava escrito; o outro grupo – de alunos que já liam convencionalmente M2U1T5 7 – lia textos individualmente. Outra possibilidade: o grupo de alunos ainda não alfabetizados escrevia, em duplas, uma lista de histórias lidas na classe e o outro reescrevia uma história de sua preferência, individualmente ou em duplas. E outra: um procurava, em duplas, palavras indicadas por mim em uma lista de personagens de histórias conhecidas e o outro revisava seus textos individualmente e depois trocava com os colegas. Nesse tipo de organização didática, minha prioridade era sempre a intervenção nos subgrupos de alunos que ainda não liam convencionalmente, uma vez que os demais já tinham maior autonomia para realizar as atividades propostas. E, como eu disse, em alguns casos, eu lançava mão da ajuda de alguns “monitores”. Dessa forma, fui aprendendo a trabalhar produtivamente com turmas heterogêneas e a propor atividades difíceis e possíveis para os alunos. Penso que o grande desafio do professor é descobrir como dificultar atividades que não colocariam desafios por serem muito fáceis, e como criar condições favoráveis para que as propostas que não seriam desafiadoras, por serem impossíveis de realizar, pudessem se manter difíceis, mas se tornassem possíveis. Creio que o critério de agrupamento e a intervenção problematizadora do professor são os maiores aliados nesse sentido. Agora, no final do ano, depois de muito trabalho, pude constatar, gratificada, o quanto meus alunos aprenderam. Aprenderam muito, não só em relação aos conteúdos escolares, mas também em relação ao convívio social em um grupo como a sala de aula. Melhoraram muito suas atitudes, aprenderam a trabalhar em grupo e a ser mais solidários. Dois alunos apenas, por motivos que não vale a pena relatar nesse momento, não se alfabetizaram. Os demais conquistaram os objetivos do ciclo inicial e ingressaram no primeiro ano do ciclo posterior como leitores e escritores. Uma das alunas, a Ana Paula, que não escrevia alfabeticamente no início do ano, teve um incrível avanço em relação ao seu próprio desempenho e chegou a superar toda a turma no que diz respeito à leitura. Foi realmente uma surpresa, uma linda surpresa. Ela tornou-se uma leitora voraz, interessadíssima, completamente autônoma: a leitura passou a fazer parte de sua vida, e é isso que importa. Tenho certeza de que essa é uma valiosa herança do trabalho que conseguimos realizar na classe. E esse não foi, de forma alguma, um trabalho fácil. Não gostaria que este meu relatório deixasse a impressão de que considero natural que os alunos cheguem ao terceiro ano de escolaridade no ensino fundamental sem escrever ainda alfabeticamente – acho que as crianças devem se alfabetizar o quanto antes, e sei que podem fazer isso desde os 5 ou 6 anos. Porém, se a realidade que vivemos hoje permite que aos 9 ou 10 anos – muitas vezes, até mais – as crianças não tenham conquistado essa aprendizagem fundamental para suas vidas, é preciso que nós, professores, não vacilemos em assumir, o quanto antes, a tarefa de ensiná-las a ler e a escrever. Em qualquer série que seja. Finalmente, quero compartilhar uma das muitas lições que aprendi nesses anos todos como professora: na sala de aula, não é fácil fazer um aluno que é diferente, porque “sabe menos”, se tornar alguém imprescindível para o grupo, que “sabe mais”. Mas não é impossível. Marly de Souza Barbosa EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva M2U1T5 8 M2U1T6 Entrevista Rosinalva Dias, professora da escola pública, no ensino fundamental há 24 anos, vinte dos quais na 1ª série, fala sobre seu trabalho na sala de aula e nos conta um pouco de sua história profissional, na busca de uma prática educativa de qualidade e de uma rotina adequada para o trabalho pedagógico de alfabetização. PROFA: Como você planeja o trabalho nas primeiras semanas de aula? Rosinalva: Todo início de ano, nós, professores, ficamos ansiosos não só para conhecer os novos alunos, como também para organizar a rotina do trabalho pedagógico nas primeiras semanas de aula. Alguns anos atrás, isso não era muito tranqüilo para mim e nem para os meus colegas, não só porque não tínhamos claro que atividades desenvolver, mas porque os objetivos de alcance do ano não eram discutidos pela equipe escolar. Antes de contar o que faço hoje, nas primeiras semanas de aula, gostaria de destacar que é importante que o professor tenha claros os objetivos didáticos colocados para a série com a qual vai trabalhar. PROFA: E quais são seus objetivos, em Língua Portuguesa, para a sua classe de 1ª série? Rosinalva: O que espero é que meus alunos cheguem alfabetizados ao final do 1o ano, isto é, que saibam ler e escrever com autonomia, mesmo que cometam ainda muitos erros. Há alguns anos, venho utilizando em meu plano de trabalho os objetivos apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais. E tenho contado com a parceria da coordenadora pedagógica da minha escola, que tem me ajudado a compreender o real significado desses objetivos e a expressá-los de fato no meu planejamento. Com a implementação dos ciclos em nosso município, aumentou a minha preocupação em definir os objetivos para o ano letivo, pois o fato de não haver retenção, entre a 1ª e a 2ª série, para os alunos que não se alfabetizam, não significa que a grande maioria não possa aprender a ler e escrever em um ano. Essa possibilidade depende, em grande parte, das metas que a gente traçar. PROFA: Alfabetizar todos os alunos em um ano não é a meta de todo professor alfabetizador? Rosinalva: Sim. Todos querem que seus alunos se alfabetizem no 1o ano, mas a proposta de organização da escolaridade em ciclos provocou algumas distorções sérias, em alguns casos, por falta de clareza dos professores sobre os seus fundamentos. Eu mesma cheguei a dizer que, agora, com os ciclos, os alunos teriam dois anos para aprender a ler e escrever – o que não é a finalidade de um sistema de ciclos –, e isso se refletiu diretamente em minha prática. O que acontecia comigo, e acontece com muitos colegas ainda, é o seguinte: acham que se os alunos não aprendem no 1º ano, devem começar tudo de novo no 2º e, com esse raciocínio, repetem-se as mesmas atividades propostas no ano anterior e eles continuam sem saber ler e escrever. PROFA: Conte como você organiza seu trabalho no início do ano? Rosinalva: Na década de 80, eu já tinha como objetivo alfabetizar todos os alunos em um ano, mas meus primeiros dias de aula eram muito diferentes dos de hoje em dia. Nas duas escolas públicas em que trabalhava, sempre tive de três a cinco dias de reuniões de planejamento no início do ano, sendo que um dos dias era reservado para organizar o trabalho na primeira semana de aula. Eu sentava com as minhas colegas e definíamos uma série de atividades. A rotina do trabalho proposta para a semana era mais ou menos assim: • Segunda-feira: apresentação dos alunos, v is i ta à escola para conhecer suas dependências e funcionários, desenho da escola, leitura de história, apresentação do nome de cada criança no crachá e cópia do cabeçalho. Apresentação da vogal A, M2U1T6 1 PROFA: Você e os seus colegas fazem um planejamento com atividades iguais para todas as turmas, desenvolvidas nos mesmos horários do dia? Rosinalva: Não. Como eu disse anteriormente, nós listamos todas as atividades das áreas a serem trabalhadas, o que, nesse período inicial, inclui jogos de mesa e conhecimento do espaço da escola e das pessoas que nela trabalham. Depois, cada professor faz a organização da sua rotina semanal, considerando o que discutimos e as necessidades específicas do seu agrupamento. Portanto, não existe mais aquela coisa estranha de todo mundo, no mesmo horário, realizar as mesmas atividades. PROFA: De onde vêm os recursos para vocês comprarem os materiais de que precisam? Rosinalva: Alguns vêm da verba do Fundef: foi com esse dinheiro que compramos o mimeógrafo, o vídeo, a tevê e outros materiais para os alunos: jogos, brinquedos e alguns materiais escolares. Os livros, recebemos do Ministério da Educação. As revistas e gibis foram doados, inclusive por familiares dos professores. Dificilmente podemos contar com a ajuda financeira dos pais, mas quando fazemos festas que revertem em fundos para a escola eles comparecem e colaboram de uma forma ou de outra. O pouco que arrecadamos, investimos em livros e outros materiais para os alunos. Não é nada fácil, mas os resultados são sempre gratificantes. Com o tempo a gente vai aprendendo que quando se quer verdadeiramente algo nada nos impede de conseguir. O material que temos ainda é pouco, mas já provocou grandes avanços em nosso trabalho. PROFA: Há uma pergunta que ainda gostaríamos de fazer. Como você faz quando encontra na sua classe alunos já alfabetizados, no início do ano? Existe uma rotina semanal diferente para eles? Não seria melhor remanejá- los? Rosinalva: Não é fácil responder essas questões em poucas palavras… Mas vamos lá. Em todas as classes, há alunos que iniciam o ano alfabetizados: nesse caso, não há necessidade de se fazer uma rotina diferenciada e sim propostas que atendam a suas necessidades de aprendizagem. Por exemplo, quando os alunos com escrita não-alfabética realizam uma atividade de leitura de um texto com algum tipo de apoio que permita tornar o desafio de ler possível para eles, os alunos já alfabetizados podem ler esse mesmo texto sem nenhum tipo de apoio, ou escrever o texto, ditado pelo professor. Quando a proposta é de escrita, os alunos que já estão alfabetizados escreverão de forma mais próxima da convencional e os que ainda não estão alfabetizados escreverão conforme suas próprias hipóteses de escrita. Durante todo o ano em minha sala de aula, há situações em que todos realizam a mesma atividade, cada qual de acordo com a sua competência; há situações em que o texto é o mesmo e a proposta é que varia, conforme as possibil idades de realização dos alunos; e há situações em que as propostas são mesmo diferenciadas. Mas isso não significa uma rotina de trabalho diferente para alunos que já sabem ler e que ainda não sabem… E a possibil idade de remanejamento nem passa pela nossa cabeça, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque é horrível para um aluno ficar mudando de professora em função do que sabe ou não. E, depois, porque os alunos com um nível de conhecimento superior à média da classe são informantes importantes, que em muito contribuem com o trabalho de todos. O cuidado necessário, entretanto, é para não colocá- los na condição de ajudantes do professor, pois eles são alunos que precisam ter atendidas as suas próprias necessidades de aprendizagem. PROFA: Mas, de qualquer forma, esses alunos com mais conhecimento não ficam prejudicados? Rosinalva: Eu também pensava assim. Mas se eles têm suas próprias necessidades de aprendizagem atendidas esse risco não existe. Além do que, quando esses alunos experimentam situações em que precisam ensinar o que sabem aos colegas que ainda não sabem, acabam aprendendo muito também. Hoje sabemos que diante da tarefa de ensinar o outro, todo indivíduo aprende mais sobre o que ensina, pois precisa organizar os conhecimentos disponíveis para dar explicações e elaborar argumentações convincentes. Isto parece fácil, mas não é. Por fim, quero dizer uma coisa que me parece necessária: ter uma classe heterogênea é muito bom para os alunos, mas ainda um grande desafio para o professor. M2U1T6 4 M2U1T7 Quadro para elaboração de uma rotina M2U1T7 1 Considerando o que você leu na entrevista da professora Rosinalva Dias, e os conhecimentos que construiu durante o primeiro módulo, organize uma rotina para a primeira semana de aula. S eg u n d a- fe ir a Te rç a- fe ir a Q u ar ta -f ei ra Q u in ta -f ei ra S ex ta -f ei ra M2U2T1 Farinha de mandioca Nina Horta* Que comida eu mais gosto… Que comida eu mais gosto? Fiquei com a pergunta na cabeça por uns dois meses. Qual a preferida, qual a mais digna de merecer a palavra saudade. Profunda, lúgubre, a toda hora me vinha à mente a feijoada, trançando o feijão, a lingüiça, o paio, quiçá, o rabo, talvez, a orelhinha, ah, feijão-preto, o óbvio ululante. É, a feijoada resolveria. Só pode ser ela. Boa demais, brasileira com origens nobres de cassoulets, ela própria nascida no restaurante G. Lobo, carioca a mais não poder. Conheço uma autora de livros de comida que só escreve receitas que gostaria de comer todos os dias, se possível. Nada de excessos, novidades, exotismos. Só o que perdura e se repete. Concordo com ela. Neste caso a feijoada perderia pontos, barroca, exagerada. E o palmito? Só nosso. Quase só nosso, fruto da palmeira que anuncia nossa brasilidade, flor, folha, fruto, fresco, branco, macio, desmanchando na boca. Todo dia? Também não. O jeito é percorrer as raízes portuguesas, africanas e indígenas. Doces de ovos, o bacalhau ao azeite, as sardinhas fritas. Tudo delicioso, da pontinha, muito bom, pois, pois. Dos africanos, as papas, os mingaus, o dendê translúcido e dourado, comida baiana, vatapás, moquecas, carurus, acarajés. Comida de festa, comida de santo. Sai do rol das costumeiras. Dos índios, a farinha. Assim, curto e grosso. A mandioca ralada, espremida, trabalhada, transformada. Há para todo gosto. Na Amazônia pode quebrar a ponta do dente, desce o país em nuances de beijus, crocantes, etéreas, aéreas, embebem o feijão sem empapar, empapam-se de feijão. É de uma modéstia de coisa centrada, que sabe o seu lugar. Na Bahia conheço uma, macia como veludo e que escorre dos dedos como pó, massa saborosa que solta o sabor quando apertada contra o céu da boca com a língua. Tem um gosto decidido de mandioca. Em Paraty a granulada já se faz mais evidente, é comprada em casas de farinha pelos caboclos e trazida para casa em lombo de burro ou nas costas, mesmo, em sacos de aniagem alvejados, brancos, limpíssimos. Fazem isso uma vez por mês, num ritual, escolhem o produto, * Revista Ícaro Brasil , outubro de 1999. Nina Horta é jornalista, escritora, dona do bufê Ginger, autora do livro Não é sopa (Companhia das Letras) e colaboradora das páginas de gastronomia do jornal Folha de São Paulo. M2U2T1 1 M2U2T3 Ei! Tem alguém aí? Jostein Gaarder* Ele se inclinou bem para frente, fazendo uma reverência. […] Perguntei: “Por que você está se inclinando?’” “Lá de onde eu venho”, explicou ele, “nós sempre fazemos alguma reverência, quando alguém faz uma pergunta fascinante. E quanto mais profunda for a pergunta, mais profundamente a gente se inclina.” […] a resposta me impressionou tanto que fiz uma profunda reverência, me inclinando ao máximo. “Por que você me fez uma reverência?”, perguntou ele, num tom quase ofendido. “Porque você deu uma resposta superinteligente para minha pergunta”, respondi. Daí, numa voz bem alta e clara, ele disse algo que eu haveria de lembrar para o resto da vida: “Uma resposta nunca merece uma reverência. Mesmo que for inteligente e correta, nem assim você deve se curvar para ela. […] Quando você se inclina, dá passagem. […] E a gente nunca deve dar passagem para uma resposta. […] A resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só a pergunta pode apontar o caminho para frente”. Achei que havia tanta sabedoria nas suas palavras, que precisei segurar bem firme meu queixo para não fazer outra reverência. * Extraído de Ei! Tem alguém aí? São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1997, pp. 27-29. M2U2T3 1 M2U2T4 Rotina semanal para a primeira semana de aula construída a partir do depoimento da professora Rosinalva Dias * Esse registro refere-se à lista de atividades que serão realizadas no decorrer do período de aula. Por exemplo: roda de conversa; escrita da parlenda (“Lá em cima do piano”); jogos de mesa; leitura de conto de fadas etc. Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Roda de conversa Apresentação dos alunos Registro da agenda feito pelas crianças* Leitura compartilhada Contos Brincadeiras no pátio Desenho livre Atividade com nome próprio Roda de conversa Minhas músicas preferidas Registro da agenda feito pelas crianças Visita aos espaços da escola Leitura compartilhada Poemas Afixar um cartaz com o alfabeto Brincadeiras no pátio Atividade com o nome próprio Roda de conversa Minhas histórias preferidas (levantamento do repertório das crianças) Registro da agenda feito pelas crianças Leitura compartilhada Contos Jogos de mesa (Matemática) Brincadeiras no pátio Cantigas de roda Escrita – lista de nossas brincadeiras preferidas Roda de notícias Leitura de gibis Registro da agenda feito pelas crianças Leitura compartilhada Parlendas e quadrinhas Escrita de parlenda Brincadeiras no pátio Oficina de artes visuais: argila, tinta, lápis de cor, colagem (organizar os espaços para que as crianças escolham os materiais) Roda de leitura Escolha dos livros que farão parte da roda de leitura semanal Registro da agenda feito pelas crianças Leitura compartilhada Contos Alunos com escrita não-alfabética – cruzadinha com lista de palavras (leitura) Alunos com escrita alfabética – cruzadinha sem lista de palavras (escrita) Jogos de mesa (Mate- mática) Jogo de forca – com nomes próprios M2U2T4 1 M2U2T5 Planejando agrupamentos produtivos Imagine a seguinte situação-problema: Você é professora em uma escola e uma colega da 1ª série solicitou sua colaboração para analisar e adequar (se necessário) uma atividade de leitura que ela planejou para seus alunos. Para que a atividade seja produtiva, você precisará pensar em formas de ajudá-la a montar os agrupamentos, e também em poss íve is var iações para a at iv idade proposta – com a preocupação de responder às necessidades de aprendizagem de todos os alunos e permitir que todos tenham bons problemas a resolver. Observe as escritas, que já foram previamente analisadas pela professora, veja se você concorda com a análise feita por ela e monte agrupamentos adequados, considerando não só as produções dos alunos, mas também as observações que ela fez em seu diário sobre suas características pessoais. Defina duplas e eventuais variações para a atividade, a fim de discutir com a professora posteriormente. Observação: Apesar de a classe da 1ª série ter 35 alunos, a professora selecionou apenas doze escritas, que julgou representativas do conhecimento de todos seus alunos. Algumas informações registradas no diário da professora • Taís é uma criança muito agitada. • Ana e Pedro se relacionam muito mal, basta colocá-los perto para que fiquem o tempo todo brigando. • Luísa e Elisa são ótimas amigas e trabalham sempre com muita disciplina. • Daniel tem muita informação sobre o sistema alfabético, mas não é um bom informante para crianças com escrita não-alfabética – ele não tem nenhuma paciência e acaba realizando as atividades pelos colegas. • Pedro e Ednaldo continuam se enfrentando, basta que se olhem para que o tumulto comece. • Jeremias tem avançado muito, se envolve em todas as atividades e se relaciona muito bem com todo mundo. • Fábio não se envolve nas atividades. (“Ando preocupada, tenho a impressão que as atividades que tenho planejado estão além de sua possibilidade. Conversei com sua mãe e ela me disse que depois que nasceu seu irmãozinho, que tem um mês, ele anda muito apático.”) M2U2T5 1
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