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Guias e Dicas
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nc - cap13, Notas de estudo de Física

fisica matematica para fisicos parte 13

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/09/2010

marilton-rafael-1
marilton-rafael-1 🇧🇷

4.5

(6)

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Baixe nc - cap13 e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 13 Rudimentos da Teoria das Equações a Derivadas Parciais Conteúdo 13.1 Definições, Notações e Alguns Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 598 13.2 Algumas Classificações de Equações a Derivadas Parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 606 13.2.1 Equações Lineares, Não-Lineares, Semi-Lineares e Quase-Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . 606 13.2.2 Classificação de Equações de Segunda Ordem. Equações Parabólicas, Eĺıpticas e Hiperbólicas 608 13.3 O Método de Separação de Variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 612 13.3.1 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . 612 13.3.2 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Não-Lineares . . . . . . . . . . . . . 615 13.4 Problemas de Cauchy e Superf́ıcies Caracteŕısticas. Definições e Exemplos Básicos . . . 617 13.5 O Método das Caracteŕısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 624 13.5.1 Exemplos de Aplicação do Método das Caracteŕısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 629 13.5.2 Caracteŕısticas. Comentários Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 641 13.5.3 Sistemas de Equações Quase-Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 642 13.5.3.1 Generalidades Sobre Problemas de Condição Inicial em Sistemas Quase-Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 646 13.5.3.2 Sistemas Hiperbólicos Semi-Lineares de Primeira Ordem em Duas Variáveis . . . . . . . 650 13.5.3.3 Soluções Ditas Simples de Sistemas Quase-Lineares, Homogêneos, de Primeira Ordem em Duas Variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 652 13.6 Alguns Teoremas de Unicidade de Soluções de Equações a Derivadas Parciais . . . . . . 656 13.6.1 Casos Simples. Discussão Preliminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 656 13.6.2 Unicidade de Solução para as Equações de Laplace e Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 660 13.6.3 Unicidade de Soluções. Generalizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 662 13.7 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 669 N este caṕıtulo apresentaremos uma breve introdução à teoria das equações a derivadas parciais. Serão apresen-tados alguns métodos de resolução mais comummente empregados e alguns teoremas de unicidade de soluçãode importância na justificativa daqueles métodos. Assim como as equações diferenciais ordinárias, introduzidasno Caṕıtulo 8, página 356, equações a derivadas parciais são de grande importância nas Ciências Naturais por expressarem leis f́ısicas. Ainda que tenham se desenvolvido em paralelo, a teoria das equações diferenciais ordinárias distingue-se um tanto da teoria das equações a derivadas parciais, pois na segunda menos resultados gerais são conhecidos e os métodos de resolução e de análise qualitativa são mais intrincados e limitados em escopo. Por exemplo, não existem na teoria das equações a derivadas parciais resultados sobre existência e unicidade de solução que sejam tão gerais quanto os Teoremas de Peano e de Picard-Lindelöf, válidos para equações diferenciais ordinárias (vide Teorema 8.1, página 372 e Teorema 8.2, página 373). Uma outra observação geral que deve ser feita sobre a teoria das equações a derivadas parciais é que nem sempre encontram-se resultados válidos para equações de ordem arbitrária com um número arbitrário de variáveis. Há mais resultados, e mais fortes, sobre equações envolvendo duas variáveis que mais de duas variáveis e, igualmente, há mais e mais fortes resultados sobre equações de ordem um ou dois que para equações de ordem três ou mais. Alguns métodos de resolução de equações a derivadas parciais, como o método de separação de variáveis e o método das caracteŕısticas, envolvem a resolução de equações diferenciais ordinárias e vamos nos dedicar a eles aqui. Nosso propósito neste caṕıtulo é apresentar primordialmente idéias da teoria geral das equações a derivadas parciais. O caṕıtulo 17, página 744, é dedicado a exemplos de aplicações de métodos espećıficos de resolução e sua leitura complementa a deste caṕıtulo de maneira essencial. A Seção 13.6, página 656, dedica-se a alguns teoremas de unicidade de solução, os quais são evocados nos exemplos do Caṕıtulo 17. A leitura da Seção 13.6 dispensa a leitura das seções precedentes. 597 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 598/1730 Há uma vasta literatura sobre equações a derivadas parciais e nossas pretensões no presente caṕıtulo são infimamente modestas. Para um estudo mais completo recomendamos [40, 41], [95], [149], [62], [49], [178], [54], [98]. 13.1 Definições, Notações e Alguns Exemplos • Notação de multi-́ındices e diversas outras notações Devido à freqüente ocorrência de derivadas parciais mistas na teoria das equações a derivadas parciais é conve- niente introduzir algumas notações simplificadoras. Um n-multi-́ındice, ou simplesmente multi-́ındice, é uma n-upla α = (α1, . . . , αn) onde cada αk é um número inteiro maior ou igual a zero. A coleção de todos os n-multi-́ındices é, por- tanto, Nn0 . A ordem de um multi-́ındice α, denotada por |α|, é definida por |α| := α1+ · · ·+αn. O multi-́ındice (0, . . . , 0) é denominado multi-́ındice nulo e denotado por 0. Dados dois n-multi-́ındices α = (α1, . . . , αn) e β = (β1, . . . , βn) denotamos por α+ β o n-multi-́ındice (α1 + β1, . . . , αn + βn). Seja u um a função de n variáveis x1, . . . , xn. Dado um multi-́ındice α ∈ Nn0 , denotamos por Dαu ou por ∂αu a derivada parcial mista de u univocamente definida por Dαu ≡ ∂αu := ∂ |α|u ∂xα11 · · · ∂xαnn , sendo que, se 0 = (0, . . . , 0) for o multi-́ındice nulo, define-se D0u := u. Note-se também que DαDβu = Dα+βu. Dado um operador diferencial Dα o valor de |α| é dito ser o grau de Dα. Neste texto denotaremos por Mnm o conjunto de todos os n-multi-́ındices de ordem menor ou igual a m ∈ N0: Mnm := { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , 0 ≤ |α| ≤ m } = { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , 0 ≤ α1 + · · · + αn ≤ m } (13.1) e denotaremos por Nnm o conjunto de todos os n-multi-́ındices de ordem igual a m ∈ N0: Nnm := { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , |α| = m } = { (α1, . . . , αn) ∈ Nn0 , α1 + · · · + αn = m } . (13.2) O número de elementos do conjunto Nnm é denotado por |Nnm| e tem-se |Nnm| = ( n+m− 1 m ) = (n+m− 1)! (n− 1)!m! (13.3) (vide Exerćıcio E. 12.9, página 542). Pelo Exerćıcio E. 12.10, página 543, tem-se também que |Mnm|, o número de elementos do conjunto Mnm, é dado por |Mnm| = ( n+m m ) = (n+m)! n!m! . (13.4) É de se notar a validade da relação DαDβ = Dα+β = DβDα , onde, se α = (α1, . . . , αn) e β = (β1, . . . , βn), denotamos α+ β := (α1 + β1, . . . , αn + βn) = β + α. Para um n-multi-́ındice α = (α1, . . . , αn) definimos o śımbolo α! como sendo o produto α! = α1! · · · αn! . Para z ∈ Cn (ou Rn) da forma z = (z1, . . . , zn) e um n-multi-́ındice α = (α1, . . . , αn) definimos o śımbolo zα como sendo o produto zα = zα11 · · · zαnn . Além da notação de multi-́ındices, empregaremos outras notações para as derivadas parciais de uma função u. Por exemplo, ∂ u ∂x ≡ ∂xu ≡ ux JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 601/1730 • Equação de Laplace1 ∆u = 0 . • Equação de Poisson2: ∆u = ρ , ρ sendo uma função não-nula (doutra forma recáımos na equação de Laplace). • Equação de Helmholtz3: ∆u+ k2u = 0 , onde k2 é um parâmetro fixo ou um autovalor a ser fixado pela imposição de condições de contorno. • Equação de difusão de calor em um meio material não-homogêneo, sólido (ou seja, na ausência de condução de calor por convecção) com uma fonte interna de calor: cρ ∂ u ∂t −∇ · ( κ~∇u ) = Φ , onde u ≡ u(~x, t) é a temperatura como função da posição ~x e do tempo t, c ≡ c(~x, t) é o calor espećıfico do material, ρ ≡ ρ(~x, t) a densidade do material, κ ≡ κ(~x, t) a condutividade térmica do material e Φ ≡ Φ(~x, t) a quantidade de calor produzida por unidade de volume por unidade de tempo por uma fonte interna de calor dentro do material (e.g. radioatividade, reações qúımicas etc). As funções c(~x, t), ρ(~x, t) e κ(~x, t) são positivas e, assim como Φ(~x, t), podem também ser dependentes da temperatura u(~x, t). • Equação de difusão homogênea ou Equação do calor (provavelmente proposta pela primeira vez por Fourier4): ∂ u ∂t −D∆u = Φ , onde D é uma constante positiva e Φ uma função, a qual pode ser identicamente nula. • Equação de ondas homogênea: ∂2 u ∂t2 − c2∆u = 0 , onde c é uma constante positiva. • Equação de ondas homogênea com amortecimento: ∂2 u ∂t2 + γ ∂ u ∂t − c2∆u = 0 , onde c > 0 e γ > 0 são constantes. • Equação do telégrafo: ∂2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 + γ ∂ u ∂t + ηu = 0 , onde c > 0, γ > 0 e η são constantes. • Equação de Tricomi5, também conhecida como equação de Euler-Tricomi: ∂2 u ∂y2 − y ∂ 2 u ∂x2 = 0 . 1Pierre-Simon Laplace (1749–1827). 2Siméon Denis Poisson (1781–1840). 3Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821–1894). 4Jean Baptiste Joseph Fourier (1768–1830). 5Francesco Giacomo Tricomi (1897–1978). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 602/1730 • Equação de Schrödinger6 dependente do tempo: i~ ∂ u ∂t = − ~ 2 2m ∆u+ V u , (13.10) onde u ≡ u(~x, t) é uma função de ~x e t, ~ (a constante de Planck) e m são constantes positivas, e V ≡ V (~x, t) é uma função de ~x e t. • Equação de Schrödinger independente do tempo: − ~ 2 2m ∆u + V u = Eu , onde u ≡ u(~x) é uma função apenas de ~x, assim como a função V , sendo E um autovalor a ser fixado por condições de contorno e pela condição ∫ |u(~x)|2dn~x <∞. • Equação de Gross-Pitaevsky: i~ ∂ u ∂t = − ~ 2 2m ∆u+ V (x)u + α|u|2u , α sendo uma constante real. • Equação de Schrödinger não-linear: i~ ∂ u ∂t = − ~ 2 2m ∆u+ α|u|2u , α sendo uma constante real. Na Seção 17.4.3.4, página 786, estudamos algumas soluções especiais (13.12), a saber, os chamados sólitons claro e escuro da equação de Schrödinger não-linear. • Equação de Klein-Gordon7: ∆u− 1 c2 ∂2 u ∂t2 −m2u = 0 , c e m constantes positivas. • Equação de Sine-Gordon8: ∆u− 1 c2 ∂2 u ∂t2 − α sen ( u ) = 0 , (13.11) com c > 0 e α > 0, equação essa particularmente estudada no caso de uma dimensão espacial, onde assume a forma ∂2 u ∂x2 − 1 c2 ∂2 u ∂t2 − α sen ( u ) = 0 . (13.12) Na Seção 17.4.3.2, página 783, estudamos algumas soluções especiais (13.12), a saber, os chamados sólitons da equação de Sine-Gordon. • Equação de Korteweg-de Vries9, também abreviada para Equação KdV: ∂η ∂t = √ g l [ 3 2 η ∂η ∂x + 2σ ∂3η ∂x3 ] , (13.13) com σ = l 3 3 − Tlρg . Essa equação descreve o movimento de um fluido de densidade ρ e tensão superficial T em um canal unidimensional de profundidade l (com l suposta “pequena”), a constante g sendo a aceleração da gravidade. 6Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887–1961). 7Oskar Klein (1894–1977). Walter Gordon (1893–1939). A equação de Klein-Gordon foi, em verdade, originalmente proposta por Schrödin- ger como equação de ondas para uma part́ıcula quântica relativ́ıstica, antes mesmo de Schrödinger propor a equação (não-relativ́ıstica) que leva seu nome (e, portanto, antes de Klein e Gordon). 8O nome “Sine-Gordon” é um jogo de palavras com o nome da equação de Klein-Gordon. 9Diederik Johannes Korteweg (1848–1941). Gustav de Vries (1866–1934). A referência original ao trabalho de Korteweg e de de Vries é “On the Change of Form of Long Waves Advancing in a Rectangular Canal and on a New Type of Long Stationary Waves”, Philosophical Magazine, 5th series, 36, 422–443 (1895). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 603/1730 Após algumas transformações simples a equação pode ser reescrita em uma forma na qual a equação de Korteweg-de Vries é usualmente apresentada na literatura moderna: ∂ u ∂t + ∂3 u ∂x3 + 6u ∂ u ∂x = 0 . (13.14) Na Seção 17.4.3.1, página 782, estudamos uma solução especial de (13.14), o assim denominado sóliton da equação de Korteweg-de Vries. • Equação de Burgers10: ∂ u ∂t − η∂ 2 u ∂x2 + u ∂ u ∂x = 0 , (13.15) η sendo uma constante positiva. A equação de Burgers é uma espécie de versão unidimensional da equação de Navier-Stokes da Mecânica dos Fluidos (sem gradiente de pressão e forças externas). Para η = 0 tem-se a Equação de Burgers invisćıvel (i.e., sem viscosidade): ∂ u ∂t + u ∂ u ∂x = 0 . (13.16) Essa equação também coincide com a versão unidimensional da equação de Euler da Mecânica dos Fluidos na ausência de gradiente de pressão e forças externas. Vide [118]. • Equação da Óptica Geométrica: (grad u)2 = 1 , ou seja, ( ∂ u ∂x1 )2 + · · · + ( ∂ u ∂xn )2 = 1 . • Equação de Black11-Scholes12, usada em análise financeira: ∂u ∂t + σ2x2 2 ∂2u ∂x2 + rx ∂u ∂x − ru = 0 . • Exemplos de sistemas de equações a derivadas parciais de interesse • Equações de Maxwell13 fora de meios materiais, do Eletromagnetismo: ∇ · ~E = ρ ǫ0 , ∇ · ~B = 0 , ~∇× ~B = µ0 ~J + µ0ǫ0 ∂ ~E ∂t , ~∇× ~E = −∂ ~B ∂t , (13.17) onde ~E e ~B são o campo elétrico e magnético, respectivamente, ρ sendo a densidade de carga elétrica e ~J sendo a densidade de corrente elétrica. As equações acima estão escritas no chamado sistema internacional de unidades (SI). Para a forma das equações de Maxwell em outros sistemas, vide e.g. [100]. Uma conseqüência imediata das equações acima é a lei de conservação de carga elétrica, expressa na forma ∂ ρ∂t + ∇ · ~J = 0. Das equações (13.17) é posśıvel obter (vide Exerćıcio E. 17.26, página 839 ou qualquer bom livro de Eletromagne- tismo, e.g., [100]) as equações de onda não-homogêneas para os campos ~E e ~B: ∆ ~E − 1 c2 ∂2 ~E ∂t2 = 1 ǫ0 ( ~∇ρ+ 1 c2 ∂ ~J ∂t ) , (13.18) ∆ ~B − 1 c2 ∂2 ~B ∂t2 = −µ0~∇× ~J , (13.19) onde c ≡ 1√µ0ǫ0 . 10Johannes Martinus Burgers (1895–1981). 11Fischer Sheffey Black (1938–1995). 12Myron Samuel Scholes (1941–). 13James Clerk Maxwell (1831–1879). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 606/1730 v (x)u (x) L x a b L x U h V 0 0 0 0 Figura 13.1: As funções u0 e v0 para a corda pinçada e percutida, respectivamente. O fato importante é que as soluções de equações a derivadas parciais dependem crucialmente das condições de contorno, iniciais ou subsidiárias impostas. Em verdade, a própria questão da existência e/ou unicidade da solução dessas equações depende crucialmente daquelas condições. Vide Seção 13.6, página 656. • Problemas bem-postos Um problema envolvendo a resolução de uma equação a derivadas parciais é dito ser um problema bem-posto caso se possa garantir: 1o existência de solução, 2o unicidade de solução, 3o continuidade em relação a condições iniciais e de contorno (continuidade aqui entendida em relação a alguma topologia conveniente). Esta noção foi introduzida por Hadamard21 ao listar propriedades que modelos matemáticos de sistemas f́ısicos deveriam idealmente possuir, uma colocação, aliás, ingênua, pois em F́ısica pode haver também interesse por problemas mal-postos. É por vezes muito importante determinar a priori se um problema de interesse é bom-posto mas, particularmente na F́ısica, não apenas problemas bem-postos atraem a atenção. A questão da boa-postura de certas equações a derivadas parciais é ainda assunto de pesquisa, especialmente no que concerne à questão da estabilidade de soluções (continuidade em relação a condições inicias, de contorno e a parâmetros). 13.2 Algumas Classificações de Equações a Derivadas Parci- ais 13.2.1 Equações Lineares, Não-Lineares, Semi-Lineares e Quase-Lineares Equações a derivadas parciais podem ser classificadas de diversas formas de acordo com certas especificidades. Métodos de resolução e propriedades das soluções dependem dos tipos aos quais as equações pertencem e listaremos aqui alguns de maior relevância. A nomenclatura que apresentaremos é importante para futuras discussões. A classificação mais básica divide as equações diferenciais em lineares e não-lineares. • Equações lineares e não-lineares Uma equação a derivadas parciais para uma função u é dita ser linear se depender linearmente de u e suas derivadas parciais. Por exemplo, a forma mais geral de uma equação linear de segunda ordem nas variáveis x e t é a1(x, t) ∂2 u ∂x2 + a2(x, t) ∂2 u ∂t2 + a3(x, t) ∂2 u ∂x∂t + a4(x, t) ∂ u ∂x + a5(x, t) ∂ u ∂t + a6(x, t)u = b(x, t) , (13.22) as funções ak, k = 1, . . . , 6, e b, acima, são em prinćıpio arbitrárias, mas não contêm nenhuma dependência em u, apenas nas variáveis x e t. 21Jacques Salomon Hadamard (1865–1963). Vide J. Hadamard: “Sur les problèmes aux dérivées partielles et leur signification physique”. Princeton University Bulletin, 49–52 (1902). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 607/1730 De modo geral, uma equação diferencial linear de ordem m em n variáveis x1, . . . , xn é da forma ∑ α∈Mnm aα(x1, . . . , xn)D αu(x1, . . . , xn) = b(x1, . . . , xn) , (13.23) onde, usando a notação de multi-́ındices introduzida acima, aα, α ∈ Mnm, e b são funções em prinćıpio arbitrárias das variáveis x1, . . . , xn (recordar a definição de M n m em (13.1)). Muito freqüentemente denotaremos uma equação diferencial linear por Lu = b, onde L é um operador diferencial linear como em (13.6) e b uma função apenas de x1, . . . , xn. • Equações lineares homogêneas e não-homogêneas. O prinćıpio de sobreposição Analogamente ao que ocorre para equações diferenciais ordinárias lineares, uma equação a derivadas parciais linear Lu = b é dita ser homogênea se a função b for identicamente nula e não-homogênea, caso contrário. Também como no caso de equações ordinárias, vale para equações a derivadas parciais lineares e homogêneas o importante prinćıpio de sobreposição (ou de superposição): se u1 e u2 são duas soluções de uma equação homogênea (ou seja, se Lu1 = 0 e Lu2 = 0), então qualquer combinação linear γ1u1 +γ2u2 é igualmente uma solução da mesma equação, pois L ( γ1u1 + γ2u2 ) = γ1Lu1 + γ2Lu2 = 0. (Note-se que condições iniciais ou de contorno podem limitar as combinações lineares posśıveis). No caso de equações a derivadas parciais lineares não-homogêneas vale uma forma mais fraca do prinćıpio de sobre- posição. Se u1 e u2 são duas soluções de uma equação linear não-homogênea (ou seja, se Lu1 = b e Lu2 = b), então uma combinação linear da forma γ1u1 + γ2u2 será uma solução da mesma equação se e somente se γ1 + γ2 = 1. De fato, L ( γ1u1 + γ2u2) = γ1Lu1 + γ2Lu2 = (γ1 + γ2)b, que é igual a b se e somente se γ1 + γ2 = 1. Há ainda uma outra observação elementar, mas relevante, a se fazer sobre equações lineares não-homogêneas. Seja u uma solução da equação linear não-homogênea Lu = b e seja v uma solução da equação homogênea Lv = 0 (para o mesmo operador diferencial linear L). Então u + v é igualmente solução da equação linear não-homogênea. De fato, L(u+ v) = Lu+ Lv = b. Esse último fato é muito empregado na prática quando se deseja encontrar uma solução de uma equação não- homogênea satisfazendo certas condições de contorno. Se uma solução u não satisfaz as condições de contorno, por vezes é posśıvel encontrar uma solução satisfazendo as condições desejadas adicionando a u uma solução v conveniente da equação homogênea. • Equações expĺıcitas. Parte principal de uma EDP Uma equação a derivadas parciais de ordem m (não necessariamente linear) é dita ser uma equação expĺıcita (ou, mais raramente, extŕınseca) se for da forma G1 ( x, u, Dα1u . . . , DαMu ) = G2 ( x, u, Dβ1u . . . , DβNu ) , (13.24) para certas funções G1 e G2, onde x ≡ (x1, . . . , xn), com |αj | ≤ m para todo j = 1, . . . , M e |βk| < m para todo k = 1, . . . , N , ou seja, se o lado esquerdo contiver todas as derivadas de ordem m (a ordem da equação) e o lado direito contiver derivadas de ordem menor que m. Essa definição é um tanto amb́ıgua, pois o lado esquerdo pode conter também derivadas de ordem menor m que podem ou não ser passadas para o lado direito. Suporemos no que segue que na forma (13.24) não seja mais posśıvel eliminar derivadas de ordem menor que m do lado esquerdo o que, admitidamente, nem sempre pode ser feito de modo único. A parte de uma equação a derivadas parciais expĺıcita que contém as derivadas de maior ordem (ou seja, o lado esquerdo de (13.24)) é denominada parte principal da equação. Por exemplo, a parte principal da equação linear de ordem m de (13.23) ∑ α∈Nnm aα(x1, . . . , xn)D αu(x1, . . . , xn) (recordar a definição de Nnm em (13.2)). Certas propriedades de equações diferenciais dependem de caracteŕısticas de sua parte principal, de modo que é relevante classificá-las de acordo com propriedades da mesma. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 608/1730 • Equações quase-lineares Uma equação a derivadas parciais é dita ser uma equação quase-linear se sua parte principal depender linearmente das derivadas de maior ordem. Assim, a forma geral de uma equação quase-linear de ordemm em n variáveis x = (x1, . . . , xn) é ∑ α∈Nnm aα ( x, u, Dβ1u, . . . , Dβku ) Dαu(x) = H ( x, u, Dβ1u, . . . , Dβku ) , onde H e as funções aα dependem eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D βlu, l = 1, . . . , k, com |βl| ≤ m−1. Novamente, k ≤ |Mnm−1| = ( n+m−1 m−1 ) . Assim, a forma geral de uma equação quase-linear de primeira ordem é: n∑ k=1 ak(u, x) ∂ u ∂xk = b(u, x) , onde x = (x1, . . . , xn) são as n variáveis das quais a função u depende e onde as funções b(u, x) e ak(u, x), k = 1, . . . , n, são funções de x e de u, mas não de derivadas de u. A forma geral de uma equação quase-linear de segunda ordem é (por simplicidade, mas sem perder em generalidade, consideraremos apenas funções em duas variáveis: x e y): a(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2 u ∂x2 + b(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2u ∂x∂y + c(x, y, u, ∂xu, ∂yu) ∂2 u ∂y2 = d(x, y, u, ∂xu, ∂yu) , onde as funções a, b, c e d dependem de x, y, u, e das duas derivadas parciais de primeira ordem de u. A equação da óptica geométrica ( ∂ u ∂x )2 + ( ∂ u ∂y )2 = 1 não é uma equação quase-linear (nem pode ser reescrita como tal). • Equações semi-lineares Uma equação a derivadas parciais é dita ser uma equação semi-linear se sua parte principal for um operador linear. Assim, a forma geral de uma equação semi-linear de ordem m em n variáveis x = (x1, . . . , xn) é ∑ α∈Nnm aα(x)D αu(x) = H ( x, u, Dβ1u, . . . , Dβku ) , onde aα são funções apenas de x e H depende eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D βlu, l = 1, . . . , k, com |βl| ≤ m− 1. Naturalmente, acima k é um número natural satisfazendo k ≤ |Mnm−1| = ( n+m−1 m−1 ) . É de se notar que toda equação linear é semi-linear e toda equação semi-linear é quase-linear. Um outro comentário é que diversas equações diferenciais quase-lineares de primeira ordem podem ser resolvidas por um método denominado método das caracteŕısticas, do qual falaremos na Seção 13.5, página 624. Diversas equações diferenciais lineares e homogêneas podem ser resolvidas pelo método de separação de variáveis, sobre o qual falaremos na Seção 13.3, página 612. 13.2.2 Classificação de Equações de Segunda Ordem. Equações Parabólicas, Eĺıpticas e Hiperbólicas • Transformação da parte principal de uma EDP Dada uma equação a derivadas parciais de tipo semi-linear, é importante, para diversos propósitos, saber como sua parte principal se transforma por uma mudança (local, eventualmente) de variáveis (x1, . . . , xn) → (ξ1, . . . , ξn) (suposta diferenciável e de Jacobiano não-nulo). No que segue, para não carregar em excesso a notação, consideraremos equações semi-lineares, mas o caso de equações quase-lineares e idêntico, como o leitor pode facilmente perceber. Se considerarmos o operador ∂ a ∂xa k , a ∈ N, é muito fácil constatar, aplicando a regra da cadeia, que após a referida mudança de variáveis o mesmo transforma-se em ∑ β∈Nna   n∏ j=1 ( ∂ ξj ∂xk )βj   ∂ a ∂ξβ11 · · · ∂ξβnn + · · · , (13.25) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 611/1730 • O caso de EDPs de segunda ordem em R2. Exemplos Para o caso n = 2 as condições que classificam as equações de segunda ordem exibidas acima podem ser diretamente expressas em termos do determinante da matriz de coeficientes A = ( A11 A12 A21 A22 ) pois seu determinante A11A22 − (A12)2 é também igual ao produto de seus autovalores. Assim, se ambos os autovalores tiverem o mesmo sinal o determinante de A será positivo, se tiverem sinais trocados será negativo. Com isso, dizemos que a equação é • Parabólica, se A11A22 − (A12)2 = 0; • Eĺıptica, se A11A22 − (A12)2 > 0; • Hiperbólica, se A11A22 − (A12)2 < 0. Fazemos notar que a classificação acima é local, pois os coeficientes Aab podem ser funções da posição e da função u. Como veremos logo abaixo, há equações ditas mistas (como a equação de Euler-Tricomi) cujo tipo varia com a posição, podendo ser parabólica, eĺıptica e hiperbólica. • Alguns exemplos Para a equação de difusão ∂u∂t − ∂ 2u ∂x2 = 0 temos A = ( 0 0 0 −1 ) . Trata-se portanto de uma equação parabólica. Para a equação de Laplace ∂ 2u ∂x2 + ∂2u ∂y2 = 0 temos A = ( 1 0 0 1 ). Trata-se portanto de uma equação eĺıptica. A equação de Poisson é ipso facto eĺıptica. Para a equação de ondas ∂ 2u ∂t2 − ∂ 2u ∂x2 = 0 temos A = ( 1 0 0 −1 ) . Trata-se portanto de uma equação hiperbólica. Também é hiperbólica a equação ∂ 2u ∂ξ∂η = 0 (verifique!) que é a equação de ondas em coordenadas caracteŕısticas. Vide Seção 17.4.1, página 775, em particular a equação (17.123). A equação de Tricomi (também conhecida como equação de Euler-Tricomi), ∂ 2 u ∂y2 − y ∂ 2 u ∂x2 = 0, é eĺıptica na região y < 0, é parabólica na região y = 0 e é hiperbólica na região y > 0. Uma equação dessas é dita ser mista, pois seu tipo pode mudar de uma região para outra. A equação (13.22) será parabólica na região em que a1(x, t)a2(x, t) − ( a3(x, t) )2 = 0, eĺıptica na região em que a1(x, t)a2(x, t) − ( a3(x, t) )2 > 0 e hiperbólica na região em que a1(x, t)a2(x, t) − ( a3(x, t) )2 < 0. • Classificação de sistemas de equações a derivadas parciais de segunda ordem Consideremos em Rn um sistema de equações a derivadas parciais de segunda ordem em m funções incógnitas reais u1, . . . , um, que possa ser escrito na forma n∑ a=1 n∑ b=1 A (k) ab ∂2 uk ∂xa∂xb = Fk ( x, u1, . . . , um, ∂ u1 ∂x1 , . . . , ∂ u1 ∂xn , . . . , ∂ um ∂x1 , . . . , ∂ um ∂xn ) , (13.30) com k = 1, . . . , m. Para cada k, os coeficientes A (k) ab são reais, satisfazem a condição de simetria A (k) ab = A (k) ba , não são todos identicamente nulos e são eventualmente também funções de x, das funções uj e suas derivadas de no máximo primeira ordem. As funções Fk, acima, são reais. Cada uma das m equações acima pode ser classificada de acordo com as propriedades dos autovalores da matriz Ak de maneira análoga ao que se fez para o caso de apenas uma função incógnita. Um exemplo de interesse é a equação de Schrödinger dependente do tempo (13.10), a qual, por ter coeficientes complexos, pode ser representada como um sistema de duas equações reais. Como tal, é um sistema de tipo puramente parabólico, por consistir de um par de equações parabólicas. Para ver isso, transformemo-la em um sistema de equações reais, escrevendo u = u1 + iu2, com u1 e u2 reais. Separando parte real e imaginária de (13.10), obtemos ~ 2 2m ∆u1 = ~ ∂ u2 ∂t + V (x)u1 , ~ 2 2m ∆u2 = −~ ∂ u1 ∂t + V (x)u2 . Trata-se de um sistema na forma (13.30). Disso reconhecemos facilmente tratar-se de um par de equações parabólicas. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 612/1730 • Classificação de sistemas quase-lineares de primeira ordem Sistemas quase-lineares de primeira ordem podem ser classificados em eĺıpticos e hiperbólicos. Tal é discutido na Seção 13.5.3, página 642. 13.3 O Método de Separação de Variáveis Dentre os diversos métodos de resolução de equações a derivadas parciais aquele que encontra emprego mais freqüente- mente em aplicações é o chamado método de separação de variáveis. A idéia desse método consiste basicamente do seguinte. Suponhamos que procuramos resolver uma equação a derivadas parciais (linear ou não) para uma função incógnita u(x1, . . . , xn) de n variáveis x1, . . . , xn. O método de separação de variáveis consiste em identificar uma função F conveniente de n variáveis e procurar escrever u em termos de F e n funções desconhecidas de uma variável X1, . . . , Xn na forma u(x1, . . . , xn) = F ( X1(x1), . . . , Xn(xn) ) , de sorte a transformar a equação a derivadas parciais para u em um conjunto de n equações diferenciais ordinárias para as funções X1, . . . , Xn, as quais podem ser eventualmente resolvidas pelo vasto arsenal de métodos de resolução de equações diferenciais ordinárias. Identificar a função F conveniente para cada caso é parte da arte de resolver equações por esse método. Por exemplo, mostra a experiência que para muitas das equações diferenciais lineares homogêneas pode-se adotar F na forma de um produto: u(x1, . . . , xn) = F ( X1(x1), . . . , Xn(xn) ) = X1(x1) · · ·Xn(xn) . Veremos também exemplos de equações não-lineares onde pode-se adotar F na forma de uma soma: u(x1, . . . , xn) = F ( X1(x1), . . . , Xn(xn) ) = X1(x1) + · · · +Xn(xn) . Outras formas para a função F são posśıveis. Vide exemplos da Seção 13.3.2. É importante frisar que nem sempre o método de separação de variáveis permite encontrar a totalidade das soluções de uma dada equação. No caso de equações lineares e homogêneas, porém, o método de separação de variáveis, combinado com o prinćıpio de sobreposição, permite em muitos casos uma resolução completa de certos problemas sob certas condições iniciais e de contorno. Discutimos isso no que segue e nos exemplos do Caṕıtulo 17, página 744. 13.3.1 O Método de Separação de Variáveis. Caso de Equações Lineares O chamado método de separação de variáveis é freqüentemente empregado na solução de certas equações a derivadas parciais lineares e homogêneas. Quer a sorte que muitas equações de interesse em F́ısica pertencem à classe de equações para as quais esse método é eficaz23, uma das razões da sua popularidade. Uma segunda vantagem desse método reside no fato de o mesmo transformar um problema de equações a derivadas parciais em uma série de problemas de equações diferenciais ordinárias, sobre as quais muito mais é conhecido, especialmente no que concerne a métodos de solução. Uma terceira razão para o interesse no método de separação de variáveis reside no fato de o mesmo permitir explorar simetrias de determinados problemas (por exemplo, a simetria por rotações), o que é de particular utilidade em certas situações. O método de separação de variáveis foi originalmente descoberto (ou inventado) por Daniel Bernoulli24 no estudo de diversas equações diferenciais lineares, como a equação da corda vibrante (vide Seção 17.5, página 796). Vamos ilustrar o emprego do método de separação de variáveis no tratamento de uma equação a derivadas parciais linear e homogênea de segunda ordem em duas variáveis reais, digamos x e y, definidas em um certo domı́nio de R2, mas é importante que se diga que o método é também eventualmente aplicável se mais variáveis estiverem envolvidas e/ou se a ordem da equação for diferente de dois. 23Por trás do fato de muitos sistemas de interesse serem solúveis pelo método de separação de variáveis residem propriedades profundas ligadas a simetrias das equações. 24Daniel Bernoulli (1700–1782). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 613/1730 Seja a equação a derivadas parciais linear e homogênea da forma A(x) ∂2u ∂x2 +B(y) ∂2u ∂y2 + C(x) ∂u ∂x +D(y) ∂u ∂y + ( E(x) + F (y) ) u = 0 , (13.31) sendo que ou A ou B não é identicamente nula (de modo que a equação seja de segunda ordem em pelo menos uma das variáveis, mas não-necessariamente em ambas) a ser satisfeita por uma função incógnita de duas variáveis u(x, y). Como claramente indicado acima, as funções A, C e E são funções de uma única variável, a saber x, enquanto que B, D e F são funções de uma única variável, a saber y. É preciso supor muito pouco sobre essas funções, por exemplo, que as mesmas são cont́ınuas, mas mesmo essa hipótese pode ser enfraquecida, o que ocorre em muitos exemplos de interesse (vide as próximas seções). Por enquanto, deixemos de lado considerações sobre o domı́nio de validade D ⊂ R2 da equação acima e sobre condições de contorno e concentremo-nos em procurar soluções particulares de (13.31). O método de separação de variáveis consiste em procurar soluções particulares para a equação (13.31) que sejam da forma u(x, y) = F(X(x), Y (y)) := X(x)Y (y). Antes de fazermos perguntas sobre a aplicabilidade dessa idéia, vejamos a que a mesma conduz. Inserindo o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) na equação (13.31), obtem-se A(x)X ′′(x)Y (y) +B(y)X(x)Y ′′(y) + C(x)X ′(x)Y (y) +D(y)X(x)Y ′(y) + ( E(x) + F (y) ) X(x)Y (y) = 0 . Dividindo-se essa expressão por X(x)Y (y), obtem-se A(x) X ′′(x) X(x) +B(y) Y ′′(y) Y (y) + C(x) X ′(x) X(x) +D(y) Y ′(y) Y (y) + E(x) + F (y) = 0 . Aqui, é de se observar que cada termo da expressão acima é função de uma única variável. Separando os termos que dependem de cada variável em cada lado da igualdade, obtem-se da última expressão ( A(x) X ′′(x) X(x) + C(x) X ′(x) X(x) + E(x) ) = − ( B(y) Y ′′(y) Y (y) +D(y) Y ′(y) Y (y) + F (y) ) . Chegamos agora ao ponto crucial que justifica o que foi feito até aqui. Do lado esquerdo da igualdade acima encontra-se uma função que depende apenas de x e do lado direito uma função apenas de y. Ora, como ambas as variáveis são independentes, uma tal igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma mesma constante, que denotaremos por λ, a qual é denominada constante de separação. Assim, ( A(x) X ′′(x) X(x) + C(x) X ′(x) X(x) + E(x) ) = − ( B(y) Y ′′(y) Y (y) +D(y) Y ′(y) Y (y) + F (y) ) = λ , o que implica o par de equações desacopladas A(x)X ′′(x) + C(x)X ′(x) + ( E(x) − λ ) X(x) = 0 , (13.32) B(y)Y ′′(y) +D(y)Y ′(y) + ( F (y) + λ ) Y (y) = 0 , (13.33) cada qual sendo uma equação diferencial ordinária. Ambas as equações podem agora, em prinćıpio, ser tratadas se- paradamente com os métodos de solução dispońıveis para equações diferenciais ordinárias lineares como por exemplo, o método de expansão em série ou o método de Frobenius. É de se lembrar, porém, que ambas as equações não são totalmente independentes, pois têm em comum a presença da mesma constante de separação ainda indeterminada λ. Em muitos problemas de F́ısica as constantes de separação desempenham o papel de autovalores de operadores diferenciais e são fixadas por condições de contorno que garantam que esses operadores sejam auto-adjuntos em um espaço de Hilbert conveniente. Uma pergunta que se coloca nesse momento é se a equação (13.31) é a forma mais geral de uma equação linear de segunda ordem em duas variáveis para a qual o Ansatz u(x, y) = X(x)Y (y) conduz a equações separadas para X e para Y . Não é do conhecimento do autor que sejam conhecidas condições necessárias e suficientes para a separabilidade de equações a derivadas parciais lineares, de modo que a forma da (13.31) é apenas uma condição suficiente para separabilidade. Um pouco de experimentação (faça!) permite concluir que a separação dificilmente se dá caso haja na equação um termo com uma derivada mista ∂ 2u ∂x∂y , ou se as funções A, B etc. não forem funções de uma única variável especificamente como explicitado em (13.31), mas há exceções, como mostra o exemplo do Exerćıcio E. 13.4, abaixo. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 616/1730 E. 13.5 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para a equação da Óptica Geométrica em três dimensões: (∂xu) 2 + (∂yu) 2 + (∂zu) 2 = 1 , com u(x, y, z) = X(x) + Y (y) + Z(z) e obtenha a solução u(x, y, z) = ±ax± by ± √ 1 − a2 + b2 z + c , os três sinais ± sendo independentes. Observe novamente que u(x, y, z) = √ x2 + y2 + z2, para (x, y, z) 6= (0, 0, 0), é também uma solução da mesma equação. 6 E. 13.6 Exerćıcio. De [41]. Aplique o método de separação de variáveis com a tentativa u(x, y) = X(x) + Y (y) para a equação f(x)(∂xu) 2 + g(y)(∂yu) 2 = a(x) + b(y) . Obtem-se as soluções u(x, y) = ∫ x x0 √ a(ξ) + α f(ξ) dξ + ∫ y y0 √ b(η) − α g(η) dη + β , onde α e β são constantes arbitrárias. 6 E. 13.7 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = u . Sugestão: tente u(x, y) = X(x) + Y (y). 6 E. 13.8 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = u . Sugestão: tente u(x, y) = F(X(x), Y (y)) = f(X(x) + Y (y)) = (X(x) + Y (y) + γ)2 4 , onde f(z) = (z + γ)2/4 é solução de (f ′(z))2 = f(z). Acima, γ é uma constante arbitrária. 6 E. 13.9 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para a equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = u2 . Sugestão: tente u(x, y) = X(x)Y (y). 6 E. 13.10 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = u2 . Sugestão: tente u(x, y) = F(X(x), Y (y)) = f(X(x) + Y (y)) = exp ( ± ( X(x) + Y (y) ) + γ ) , onde f(z) = e±z+γ é solução de (f ′)2 = (f)2. Acima, γ é uma constante arbitrária. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 617/1730 E. 13.11 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = u2 , Sugestão: tente u(x, y) = F(X(x), Y (y)) = f(X(x) + Y (y)) = exp ( ±2 √ X(x) + Y (y) + γ ) , onde f(z) = exp(±2√z + γ) é solução de (f ′(z))2 = z−1(f(z))2. Acima, γ é uma constante arbitrária. 6 E. 13.12 Exerćıcio. Aplique o método de separação de variáveis para encontrar uma solução para equação (∂xu) 2 + (∂yu) 2 = un , n 6= 2 . Sugestão: tente u(x, y) = F(X(x), Y (y)) = f(X(x) + Y (y)) = [ ±(2 − n) √ X(x) + Y (y) + γ ] 2 2−n , onde f(z) = [ ±(2 − n)z1/2 + γ ] 2 2−n é solução de (f ′(z))2 = z−1(f(z))n. Acima, γ é uma constante arbitrária. 6 E. 13.13 Exerćıcio. Generalizando as idéias de acima, aplique o método de separação de variáveis para encontrar soluções para equação (∂xu) m + (∂yu) m = un . 6 13.4 Problemas de Cauchy e Superf́ıcies Caracteŕısticas. De- finições e Exemplos Básicos Problema de Cauchy é o nome dado a uma classe de problemas envolvendo equações a derivadas parciais e que merece particular atenção devido à sua relevância em aplicações (especialmente em F́ısica). Problemas de Cauchy são também conhecidos como problemas de condição inicial, mas no caso de EDPs essa nomenclatura pode ser enganosa e um certo cuidado é recomendado ao estudante. • Problemas de Cauchy Um problema de Cauchy envolve a resolução de um sistema de equações a derivadas parciais independentes, como o sistema (13.7), do seguinte tipo: 1. O número de equações é igual ao número m ≥ 1 de funções incógnitas. 2. Para uma das variáveis, que sem perda de generalidade suporemos ser a variável xn, tem-se o seguinte: (a) Para cada i = 1, . . . , m, seja ni o maior grau das derivadas parciais da função ui que ocorre no sistema. Então, suporemos que cada derivada parcial de grau máximo ∂ ni ui ∂x ni n pode ser resolvida do sistema, de modo que o mesmo assume a forma ∂ni ui ∂xnin = Fi ( x1, . . . , xn, u1 ( x1, . . . , xn ) , . . . , um ( x1, . . . , xn ) , . . . , ∂k uj ∂xk11 · · · ∂x kn−1 n−1 ∂x kn n , . . . ) , (13.37) i = 1, . . . , m, sendo que para cada j = 1, . . . , m tem-se k = k1 + . . .+ kn−1 + kn ≤ nj mas com kn < nj . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 618/1730 (b) Para algum ζ são prescritas na superf́ıcie definida por xn = ζ, para cada k = 0, 1, . . . , ni − 1 e cada i = 1, . . . , m, as condições ∂k ui ∂xkn (x1, . . . , xn−1, ζ) = φi, k(x1, . . . , xn−1) , com certas funções dadas φi, k. Assim, para cada i = 1, . . . , m são fixadas a função ui na superf́ıcie xn = ζ e as as ni− 1 primeiras derivadas normais à superf́ıcie xn = ζ da função ui. As funções φi, k, com k = 1, . . . , ni − 1 e i = 1, . . . , m, são denominadas dados de Cauchy do problema. Alguns autores denominam (13.37) a forma de Kovalevskaya27 do sistema de equações a derivadas parciais do problema de Cauchy em questão. Assim, na forma de Kovalevskaya temos no lado esquerdo da equação as derivadas de ordem maior das funções incógnitas ui em relação à variável xn (em relação à qual o problema de Cauchy é definido) e no lado direito temos funções envolvendo derivadas de ordem menor. Logo adiante, quando apresentarmos a noção de equação caracteŕıstica, discutiremos condições para que a forma de Kovalevskaya exista. • Alguns poucos problemas de Cauchy Problemas de Cauchy são muito comuns em problemas mecânicos, onde xn ≡ t é a variável “tempo”, as equações são (tipicamente) de segunda ordem e os dados de Cauchy prescrevem posições e velocidades do sistema em um instante “inicial” t = t0. Um problema protot́ıpico é o problema da equação de ondas em uma dimensão espacial descrito e resolvido na Seção 17.4.1, página 775. O problema de resolver a equação de Laplace ∂ 2 u ∂x2 + ∂2 u ∂y2 = 0 em R 2 sob as condições u(0, y) = φ0(y) e ∂ u ∂x (0, y) = φ1(y) é um problema da Cauchy (para a variável x) com os dados de Cauchy φ0 e φ1 fixados na superf́ıcie x = 0. O problema de resolver a equação de Laplace ∂ 2 u ∂x2 + ∂2 u ∂y2 = 0 em R 2 sob as condições u(x, 0) = φ̃0(x) e ∂ u ∂y (x, 0) = φ̃1(x) é um problema da Cauchy (para a variável y) com os dados de Cauchy φ̃0 e φ̃1 fixados na superf́ıcie y = 0. O problema de determinar a solução da equação ∂ u∂t = ∂2 u ∂x2 com a condição inicial que fixa u em t = 0: u(x, 0) = u0(x), sendo u0 uma função dada, (problema esse t́ıpico de problemas de difusão) não é um problema da Cauchy, pois a derivada de ordem maior é 2, e na variável x. Para essa equação, um problema de Cauchy seria o determinar a solução sob as condições u(0, t) = T (t), ∂ u∂x (0, t) = Q(t) para todo t ∈ R, sendo T e Q funções dadas. • A equação caracteŕıstica Para que o sistema (13.7) possa ser resolvido nas derivadas ∂nj uj ∂x nj n , j = 1, . . . , m, e, portanto, para que se possa ter a forma de Kovalevskaya (13.37), é suficiente pelo Teorema da Função Impĺıcita28 que seja não-nulo em xn = ζ o determinante da matriz m×m cujos elementos são definidos pelas derivadas Hij = ∂ Gi ( x, u1(x), . . . , um(x), D αj11 u1(x) . . . , D αj1 M1j u1(x), . . . , D αjm1 um(x) . . . , D αjm Mmj um(x) ) ∂ ( ∂nj uj ∂x nj n ) (13.38) i, j = 1, . . . , m. Implicitamente, assumimos aqui que as funções Gi sejam cont́ınuas e diferenciáveis em suas variáveis. A continuidade garantirá que esse determinante é não-nulo em uma vizinhança da superf́ıcie C definida por xn = ζ. Note que det H depende (especialmente em sistemas não-lineares) da solução u e dos dados de Cauchy. Se para uma dada u e determinados dados de Cauchy tivermos det H = 0 em algum ponto de C, então C é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica, ou simplesmente caracteŕıstica, para o problema de Cauchy em questão. A equação det H = 0 é denominada equação caracteŕıstica do problema em questão. Se C for caracteŕıstica e não for posśıvel resolver as derivadas ∂ni ui ∂x ni n para que se possa ter (13.37), então o sistema de equações a derivadas parciais (13.7) representa restrições aos dados de Cauchy em C, sendo por isso denominado interno. A noção de superf́ıcie caracteŕıstica será estendida quando tratarmos de problemas de Cauchy generalizados logo adiante. 27Sofia Vasilyevna Kovalevskaya (1850–1891). 28Vide, e.g., [39] ou qualquer outro bom livro de Cálculo de funções de várias variáveis. Para uma versão geral do Teorema da Função Impĺıcita, vide Teorema 22.8, página 1076. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 621/1730 e vale ( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n ) ( ∂nj vj ∂ξ nj n ) = n∏ k=1 ( ∂ ξn ∂xk )bk . Desse fato, conclúımos, evocando novamente o Teorema da Função Impĺıcita e usando a regra da cadeia, que o sistema (13.41) só pode ser resolvido nas variáveis ∂nj vj ∂ξ nj n , j = 1, . . . , m, se for não-nulo o determinante da matriz m×m cujos elementos de matriz Hij são definidos por Hij := ∂Gi( ∂nj vj ∂ξ nj n ) = nj∑ b1, ..., bn =0 b1+···+bn = nj   ∂Gi( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n )   ( ∂ ξn ∂x1 )b1 · · · ( ∂ ξn ∂xn )bn . (13.43) i, j = 1, . . . , m. Compare com (13.38). Como em (13.38) assumimos aqui implicitamente que as funções Gi se- jam cont́ınuas e diferenciáveis em suas variáveis. A continuidade garantirá que esse determinante é não-nulo em uma vizinhança da superf́ıcie C definida por ξn = ζ. Note que det H depende (especialmente em sistemas não-lineares) da solução u e dos dados de Cauchy. Se para uma dada u e determinados dados de Cauchy tivermos det H = 0 em algum ponto P de C, então C é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica em P . Uma superf́ıcie C que seja caracteŕıstica em algum de seus pontos é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica, ou simplesmente caracteŕıstica, para o problema de Cauchy em questão. A equação det H = 0 é denominada equação caracteŕıstica do problema em questão. Em valendo det H 6= 0 em toda superf́ıcie C, C é dita ser uma superf́ıcie não-caracteŕıstica e podemos em uma vizinhança de C escrever o sistema (13.41) na forma de Kovalevskaya, explicitando as derivadas de maior ordem em ξn, a saber, ∂nj vj ∂ξ nj n , j = 1, . . . , m, obtendo o sistema ∂ni vi ∂ξnin = Fi ( ξ1, . . . , ξn, v1 ( ξ1, . . . , ξn ) , . . . , vm ( ξ1, . . . , ξn ) , . . . , ∂k vj ∂ξk11 · · · ∂ξ kn−1 n−1 ∂ξ kn n , . . . ) , (13.44) i = 1, . . . , m, sendo que para cada j = 1, . . . , m tem-se k = k1 + . . .+kn−1 +kn ≤ nj mas com kn < nj . Isso generaliza (13.37). Se C for caracteŕıstica e não for posśıvel resolver as derivadas ∂ ni vi ∂ξ ni n para que se possa ter (13.44), então o sistema de equações a derivadas parciais (13.40) representa restrições aos dados de Cauchy em C, sendo por isso denominado interno. • Planos caracteŕısticos Consideremos ainda o sistema (13.40)-(13.41). Muito útil saber se uma superf́ıcie é caracteŕıstica ou não para um sistema de equações como as de acima (vide exemplos mais adiante) é a noção de plano caracteŕıstico. Seja P ∈ Rn um ponto com coordenadas (p1, . . . , pn), seja ~a = (a1, . . . , an) um vetor não-nulo e seja o hiperplano (n− 1)-dimensional H~a, P , que passa por P , definido por H~a, P := { (x1, . . . , xn) ∈ Rn ∣∣∣∣ n∑ k=1 ak(xn − pn) = 0 } . Como é bem sabido, o vetor ~a = (a1, . . . , an) é normal ao hiperplano H~a, P . Dizemos que H~a, P é um plano caracteŕıstico do sistema (13.40)-(13.41) se for nulo no ponto P o determinante da matriz m×m cujos elementos de matriz Jij são definidos por Jij := = nj∑ b1, ..., bn = 0 b1+···+bn = nj   ∂Gi( ∂njuj ∂x b1 1 ···∂x bn n )   (a1) b1 · · · (an)bn . (13.45) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 622/1730 i, j = 1, . . . , m. Compare com (13.43). Repare que como (13.45) é homogênea nas componentes de ~a (pois b1+· · ·+bn = nj), podemos sem perda de generalidade considerar sempre vetores ~a unitários, ou seja, com ‖~a‖2 = (a1)2+· · ·+(an)2 = 1. Outra normalização tem apenas o efeito de multiplicar as colunas da matriz J por constantes não-nulas, o que não altera a equação det J = 0. Percebemos dessa definição e de (13.43) que se a superf́ıcie C definida por ξn = ζ passa pelo ponto P , então ela é uma superf́ıcie caracteŕıstica em P do sistema (13.40)-(13.41) se e somente se o plano tangente a C em P for um plano caracteŕıstico do sistema (13.40)-(13.41). Isso é útil, pois geralmente é muito mais fácil lidar com a equação det J = 0 que com a equação det H = 0. Determinando os planos caracteŕısticos de um sistema de equações diferenciais parciais saberemos que todas as superf́ıcies que lhes tangenciam são caracteŕısticas. Os exemplos adiante tornarão isso mais claro. • Alguns exemplos Equações de segunda ordem do tipo n∑ a, b=1 a≥b Aab ∂2 u ∂xa∂xb +B = 0 (13.46) ocorrem com muita freqüência em problemas f́ısicos. No que segue podemos considerar os coeficientes Aab e B como sendo funções de x, de u e das derivadas de primeira ordem de u. Como é fácil constatar, a equação caracteŕıstica de (13.46) é n∑ a, b=1 a≥b Aab ∂ ξn ∂xa ∂ ξn ∂xb = 0 . (13.47) e a equação dos planos caracteŕısticos é n∑ a, b=1 a≥b Aab aaab = 0 . (13.48) Analisemos com mais detalhe alguns casos espećıficos, onde tomaremos B da forma n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc +C, onde os coeficientes Bc e C podem ser funções de x, de u e das derivadas de primeira ordem de u. 1. Para a equação n∑ a=1 ∂2 u ∂x2a + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (13.49) a superf́ıcie ξn = constante será caracteŕıstica em um ponto P se a a equação caracteŕıstica (13.47) for satisfeita em P . Em nosso caso (13.47) fica n∑ a=1 ( ∂ ξn ∂xa )2 = 0. Se essa equação é satisfeita em P então nesse ponto todas as derivadas ∂ ξn∂xa anulam-se. Mas isso implica que o Jacobiano da transformação x 7→ ξ anula-se em P , o que não é aceitável para o novo sistema de coordenadas ξ. Assim, a equação (13.49) não possui caracteŕısticas (reais). Observe-se que as equações de Laplace e de Poisson em R3, importantes em diversos problemas de F́ısica, são do tipo (13.49) e, portanto, não têm caracteŕısticas (reais). A equação (13.49) faz parte de uma classe de equações denominadas equações eĺıpticas. 2. Para a equação n∑ a=1 Aa ∂2 u ∂x2a + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (13.50) com Aa > 0 para todo a, a equação caracteŕıstica (13.47) fica n∑ a=1 Aa ( ∂ ξn ∂xa )2 = 0. Como no caso anterior conclúımos que a equação (13.50) não possui caracteŕısticas (reais). A equação (13.50) faz parte de uma classe de equações denominadas equações eĺıpticas. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 623/1730 3. Seja a equação [( n−1∑ a=1 ∂2 u ∂x2a ) − ∂ 2 u ∂x2n ] + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (13.51) que cuja parte principal (entre parênteses, acima) coincide com a da equação de ondas, identificando xn ≡ ct. A equação dos planos caracteŕısticos (13.48) fica (a1) 2 + · · ·+ (an−1)2 = (an)2. Como temos também a normalização (a1) 2 + · · ·+ (an)2 = 1, conclúımos que an = ± √ 2 2 . Geometricamente isso significa que os planos caracteŕısticos de (13.51) têm uma normal que forma um ângulo de 45o com o eixo xn. Assim, uma superf́ıcie é caracteŕıstica para a equação (13.51) em um determinado ponto se nesse ponto a normal a seu plano tangente formar um ângulo de 45o com o eixo xn. A equação (13.51) faz parte de uma classe de equações denominadas equações hiperbólicas. Para um ponto ~y = (y1, . . . , yn) ∈ Rn define-se o cone de luz com vértice em ~y, denotado por V~y, como sendo a superf́ıcie (n− 1)-dimensional definida por V~y := { ~x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn ∣∣∣ (x1 − y1)2 + · · · + (xn−1 − yn−1)2 = (xn − yn)2 } . Os cones de luz passado e futuro com vértice em ~y, denotados por e V −~y e V + ~y , respectivamente, são definidos por V −~y := { ~x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn ∣∣∣ (x1 − y1)2 + · · · + (xn−1 − yn−1)2 = (xn − yn)2 , xn < yn } e V +~y := { ~x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn ∣∣∣ (x1 − y1)2 + · · · + (xn−1 − yn−1)2 = (xn − yn)2 , xn > yn } . Naturalmente, V~y = V − ~y ∪V +~y ∪{~y}. Todo plano tangente a V −~y ou a V +~y (e, portanto, a V~y) é um plano caracteŕıstico. Assim, V −~y e V + ~y são superf́ıcies caracteŕısticas em todos os seus pontos. 4. Seja a equação n−1∑ a=1 ∂2 u ∂x2a + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 (13.52) que difere de (13.51) pela omissão do termo com ∂ 2 u ∂x2n . A equação dos planos caracteŕısticos (13.48) fica (a1) 2 + · · · + (an−1)2 = 0. Como temos também a normalização (a1)2 + · · · + (an)2 = 1, conclúımos que an = ±1. Geometricamente isso significa que os planos caracteŕısticos são os planos xn = constante. Assim, uma superf́ıcie é caracteŕıstica para a equação (13.52) em um determinado ponto se nesse ponto a normal a seu plano tangente apontar na direção do eixo xn, ou seja, se esse plano for paralelo a um plano xn = constante. A equação (13.52) faz parte de uma classe de equações denominadas equações parabólicas. Note que a equação de difusão é do tipo (13.52). 5. Seja a equação definida em Rn, com n ≥ 4, dada por [( n−2∑ a=1 ∂2 u ∂x2a ) − ∂ 2 u ∂x2n−1 − ∂ 2 u ∂x2n ] + n∑ c=1 Bc ∂ u ∂xc + C = 0 . (13.53) Essa equação faz parte de uma classe de equações denominadas equações ultra-hiperbólicas. A equação dos planos caracteŕısticos (13.48) fica (a1) 2 + · · · + (an−2)2 = (an−1)2 + (an)2. Como temos também a normalização (a1) 2 + · · · + (an)2 = 1, conclúımos que (an−1)2 + (an)2 = 12 . Geometricamente isso significa que os planos caracteŕısticos de (13.53) têm uma normal que forma um ângulo de 45o com o plano xn−1–xn. Assim, uma superf́ıcie é caracteŕıstica para a equação (13.51) em um determinado ponto se nesse ponto a normal a seu plano tangente formar um ângulo de 45o com o plano xn−1–xn. E. 13.15 Exerćıcio-exemplo. A equação de Dirac. Determinemos os planos caracteŕısticos da equação de Dirac (13.21). Como facilmente se vê, a equação dos planos caracteŕısticos é det ( 3∑ µ=0 γµaµ ) = 0 . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 626/1730 Pela regra da cadeia temos, naturalmente, d ds u(x(s1)) = n∑ k=1 ẋk(s1) uxk(x(s1)) = n∑ k=1 ak ( x(s1), u(x(s1)) ) uxk(x(s1)) (13.54) = b ( x(s1), u(x(s1)) ) , (13.57) e conclúımos que a curva em T definida por I ∋ s1 7→ ( x(s1), u(x(s1)) ) ∈ T é uma curva caracteŕıstica da equação (13.54). De (13.56) e (13.57) vê-se que os vetores tangentes a essa curva caracteŕıstica são paralelos em cada ponto ao campo definido pelos vetores (a1, . . . , an, b) e, portanto, essas curvas caracteŕısticas encontram-se inteiramente sobre a superf́ıcie-solução da equação (13.54) definida pela solução u. Esse fato deve ser retido em mente para o que segue. Vemos, portanto, que dada uma função u, solução de (13.54), obtem-se curvas caracteŕısticas procurando soluções do sistema de n equações diferenciais ordinárias (13.56). A questão que se põe é se é posśıvel inverter esse procedimento: será posśıvel recuperar a solução u(x) de (13.54) se for dada a famı́lia de curvas caracteŕısticas de (13.54), ou seja, as soluções de (13.55)? Como veremos, sob hipóteses convenientes a resposta é sim e esse método de determinar a solução de (13.55) a partir da determinação das curvas caracteŕısticas de (13.54), ou seja, as soluções de (13.55), é denominado método das caracteŕısticas. A idéia do método das caracteŕısticas é interpretar as diversas soluções U(s1) de (13.55) como U(s1) = u(x(s1)) para alguma solução u de (13.54) e procurar determinar essa u a partir da função U . Geometricamente, o que se faz é aproveitar a observação feita acima de que, as curvas caracteŕısticas definidas por uma solução dada u de (13.54) encontram-se inteiramente dentro da superf́ıcie-solução definida por u e tentar recuperar essa superf́ıcie-solução (e portanto a solução u) a partir do conjunto de todas as curvas caracteŕısticas associadas à equação (13.54). No que segue descreveremos como essas idéias podem ser implementadas, discutiremos as virtudes e limitações desse método e estudaremos exemplos. • Obtendo soluções com uso das curvas caracteŕısticas O sistema (13.55) é um sistema de n + 1 equações diferenciais ordinárias de primeira ordem e iremos supor que um tal sistema possua solução única para um dado conjunto de condições iniciais. A resolução de (13.55) geralmente requer a fixação de n+ 1 condições iniciais x1(0), . . . , xn(0) e U(0). Vamos supor que as curvas caracteŕısticas planares s1 7→ (x1(s1), . . . , xn(s1)) cruzem C em exatamente um ponto e que tal se de para s1 = 0. Portanto, escolhemos o ponto (x1(0), . . . , xn(0)) ∈ E sobre a superf́ıcie C onde as condições iniciais para (13.54) foram definidas. Assim, x(0) = (x1(0), . . . , xn(0)) ∈ E é tal que x(0) = Ψ(s2, . . . , sn) para algum conjunto de parâmetros s2, . . . , sn. Como desejamos interpretar U(0) = u(x(0)) para uma solução u de (13.54), é natural impormos U(0) = u0(s2, . . . , sn) . (13.58) As relações x(0) = Ψ(s2, . . . , sn) e U(0) = u0(s2, . . . , sn), ou seja, ( x(0), U(0) ) = ( Ψ(s2, . . . , sn), u0(s2, . . . , sn) ) , (13.59) fazem cada curva caracteŕıstica s1 7→ (x(s1), U(s1)) ∈ T depender também dos n − 1 parâmetros s2, . . . , sn que fixam a condição inicial (13.59). Introduzindo a notação s ≡ (s1, . . . , sn) ∈ Rn, podemos escrever as funções xk(s1), k = 1, . . . , n, e U(s1) como funções de s1 e desses parâmetros: x1(s1, . . . , sn) = x1(s) , . . . , xn(s1, . . . , sn) = xn(s) (13.60) e U(s1, . . . , sn) = U(s) . Para s1 = 0 o ponto x(s1 = 0, s2, . . . , sn) encontra-se sobre C e, portanto, T ∋ ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn), U(s1 = 0, s2, . . . , sn) ) = ( x1(s1 = 0, s2, . . . , sn), . . . , xn(s1 = 0, s2, . . . , sn), U(s1 = 0, s2, . . . , sn) ) = ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn), u0(s2, . . . , sn) ) . (13.61) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 627/1730 Se o Jacobiano ∂x∂s = ∂(x1, ..., xn) ∂(s1, ..., sn) não se anular, podemos inverter as n funções de (13.60) e escrever os parâmetros s1, . . . , sn em termos de x1, . . . , xn: s1(x1, . . . , xn) = s1(x) , . . . , sn(x1, . . . , xn) = sn(x) . Sob essa hipótese estamos supondo que as funções s → x(s) e x → s(x), definidas entre certos abertos de Rn, são bijetoras, uma sendo a inversa da outra. Com as escolhas descritas acima, cada curva caracteŕıstica é fixada pelos parâmetros s2, . . . , sn e parametrizada pelo parâmetro s1 quando a curva é percorrida. Para s1 = 0 a curva inicia-se no ponto de T dado em (13.61). Com a introdução dos parâmetros s podemos re-escrever as equações para as curvas caracteŕısticas dadas em (13.55) trocando a derivada total em relação a s1 por uma derivada parcial (levando em consideração, assim, a presença das outras variáveis s2, . . . , sn): ∂ x1 ∂s1 (s) = a1 ( x(s), U(s) ) , ... ∂ xn ∂s1 (s) = an ( x(s), U(s) ) , ∂ U ∂s1 (s) = b ( x(s), U(s) ) . (13.62) Vamos agora descrever de que forma o exposto acima pode ser empregado na resolução da equação (13.54). Defina-se u(x) := U(s(x)) , ou seja, u(x1, . . . , xn) := U ( s1(x1, . . . , xn), . . . , sn(x1, . . . , xn) ) . Vamos provar que u assim definida é uma solução de (13.54) e satisfaz as condições iniciais desejadas. De fato, calculando- se explicitamente, n∑ k=1 ak ( x, u(x) ) ∂ u ∂xk (x) = n∑ k=1 ak ( x, u(x) ) n∑ j=1 ∂ U ∂sj (s(x)) ∂sj ∂xk (x) = n∑ j=1 ∂ U ∂sj (s(x)) n∑ k=1 ak ( x, u(x) ) ∂sj ∂xk (x) = n∑ j=1 ∂ U ∂sj (s(x)) n∑ k=1 ak ( x, U(s(x)) ) ∂sj ∂xk (x) (13.62) = n∑ j=1 ∂ U ∂sj (s(x)) n∑ k=1 ∂xk ∂s1 (s(x)) ∂sj ∂xk (x) ︸ ︷︷ ︸ = ∂sj ∂s1 = δj, 1 = ∂ U ∂s1 (s(x)) (13.62) = b ( x(s(x)), U(s(x)) ) = b ( x, U(s(x)) ) = b ( x, u(x) ) , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 628/1730 provando que u satisfaz (13.54), como queŕıamos. É também claro que, na superf́ıcie C, u(Ψ(s2, . . . , sn)) = u ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn) ) = U ( s ( x(s1 = 0, s2, . . . , sn) )) = U ( (s1 = 0, s2, . . . , sn) ) (13.61) = u0(s2, . . . , sn) , (13.63) mostrando que u satisfaz as condições iniciais desejadas. • O método das caracteŕısticas em sistemas de EDPs O método das caracteŕısticas também pode ser empregado em certos sistemas de equações diferenciais quase-lineares espećıficos. O caso mais destacado, a saber, o de sistemas quase-lineares de primeira ordem, é tratado detalhadamente na Seção 13.5.3, página 642. • Método das caracteŕısticas. Resumo e comentários gerais Recapitulando e resumindo, os passos para a resolução da equação quase-linear de primeira ordem (13.54) pelo método das caracteŕısticas são: 1. Determinação das curvas caracteŕısticas s1 7→ (x(s1), U(s1)) através da resolução do sistema de equações diferen- ciais ordinárias (13.55). 2. Parametrização das curvas caracteŕısticas em termos de coordenadas locais s2, . . . , sn da superf́ıcie de Cauchy C onde está definida a condição inicial, fornecendo assim as funções x(s) e U(s). 3. Obtenção das funções inversas s(x). 4. Determinação da solução u por u(x) = U(s(x)), com U obtida nos passos 1 e 2. A aplicação do método das caracteŕısticas tem diversos pressupostos que vagamente delineamos na discussão acima e algum comentário deve ser feito a respeito de certas patologias ou especialidades que podem ocorrer quando de sua implementação. Uma primeira observação é que a parametrização das curvas caracteŕısticas pelas coordenadas locais da superf́ıcie de Cauchy tem em muitos casos um significado apenas local. É bem conhecido que nem sempre é posśıvel parametrizar glo- balmente uma superf́ıcie com um único conjunto de coordenadas (tal ocorre, por exemplo, no caso da esfera bidimensional S2). Em tais casos, a parametrização deve ser feita localmente, conduzindo a soluções definidas apenas localmente (as quais podem, eventualmente, ter extensões globais, parametrizadas por outras coordenadas). Analogamente, a existência de uma aplicação inversa de s 7→ x pode ser, muitas vezes, garantida apenas localmente. Pode também ocorrer de a aplicação s 7→ x não possuir inversa, local ou globalmente. Nesse contexto, um fenômeno observado em certas equações não-lineares é o cruzamento de curvas caracteŕısticas, conduzindo a uma ambigüidade de solução ou a soluções singulares (o fenômeno de ondas de choque, observado em equações não-lineares como a equação de Burgers sem viscosidade, sendo um exemplo. Vide o tratamento da equação de Burgers invisćıvel feito no Exemplo 13.6, página 634). Outro fenômeno patológico se dá em situações nas quais existem regiões no espaço das variáveis x que não são visitadas por curvas caracteŕısticas planares, levando a ambigüidades de solução nessas regiões (ondas de rarefação. Vide novamente o Exemplo 13.6, página 634). Tais situações requerem um tratamento especial para o qual remetemos o leitor à literatura especializada. Outras anomalias podem ocorrer no que concerne à relação entre as curvas caracteŕısticas planares e a superf́ıcie de Cauchy e a condição inicial. Pode, por exemplo, ocorrer de algumas curvas caracteŕısticas planares não cruzarem a superf́ıcie de Cauchy ou fazerem-no mais de uma vez. Ou pode ocorrer de haver curvas caracteŕısticas planares contidas dentro de superf́ıcies de Cauchy ou de serem tangentes à mesma em alguns pontos. Ou ainda pode ocorrer de haver pontos da superf́ıcie de Cauchy pelos quais não passam curvas caracteŕısticas planares. Essas situações exigem cuidados especiais e, para seu tratamento, pressupostos adicionais podem ter de ser feitos, mas a unicidade e mesmo a existência de soluções podem ser perdidas. Sob essas ressalvas, é pedagogicamente mais útil, no momento, estudar alguns exemplos de aplicação do método das caracteŕısticas. Nos exemplos que apresentamos mais adiante, veremos situações em que o método funciona sem máculas e situações em que diversas das patologias acima descritas manifestam-se. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 631/1730 vemos por (13.68) (e também de (13.67)) que essa descontinuidade propaga-se no espaço ao longo da curva caracteŕıstica fixada por s2, ou seja ao longo da curva x2 − (x1) 3 3 = s2. O mesmo se dá se a derivada u ′ 0 for descont́ınua em s2. Isso ilustra um fenômeno válido para equações lineares como (13.64): a propagação de singularidades a partir de uma condição inicial se dá ao longo de curvas caracteŕısticas. No caso de equações não-lineares, ensinam-nos inúmeros exemplos e alguns teoremas gerais que a propagação de singularidades a partir de uma condição inicial pode ser bem mais complexa. ◊ Vamos tratar agora de um exemplo bem mais simples, mas com o qual podemos identificar e discutir alguns problemas do método das caracteŕısticas. Exemplo 13.4 Consideremos u como uma função de duas variáveis (x1, x2) ∈ R2 satisfazendo a equação diferencial ux1(x1, x2) = 0 . (13.69) Naturalmente, a solução dessa equação é u(x1, x2) = h(x2), para uma função h em prinćıpio arbitrária, a qual deve ser fixada por condições iniciais (vide abaixo). Como nesse caso a1(x, u) = 1 e a2(x, u) = b(x, u) = 0, as equações (13.55) da curva caracteŕıstica são ẋ1(s1) = 1 , ẋ2(s1) = 0 , U̇(s1) = 0 . (13.70) A solução desse sistema é x1(s1) = s1 + α , x2(s1) = β , U(s1) = γ , (13.71) onde α, β e γ são constantes. Dessas expressões inferimos que as curvas caracteŕısticas planares é a famı́lia de todas as retas paralelas ao eixo x1. De (13.71) observamos que, para a equação aqui discutida, U(s1, s2) é constante ao longo das curvas caracteŕısticas planares (pois U(s1, s2) não depende de s1). Vamos agora discutir a solução sob alguns tipos de condições iniciais. 1. A superf́ıcie de Cauchy C é a reta x1 ≡ 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = 0 , x2 = ψ2(s2) = s2, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. Por (13.71) podemos adotar α = 0, β = s2 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 , x2(s1, s2) = s2 , U(s1, s2) = u0(s2) , (13.72) Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 1 e a transformação inversa existe em toda parte, sendo dada por s1(x1, x2) = x1, s2(x1, x2) = x2. Logo, a solução u é dada por u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0(x2) . Assim, para esse tipo de condição inicial tem-se h(x2) = u0(x2). 2. A superf́ıcie de Cauchy C é a reta x2 ≡ 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = s2 , x2 = ψ2(s2) = 0, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. A especialidade desse problema é que a superf́ıcie de Cauchy C é paralela ao eixo x1 e, portanto, é uma das curvas caracteŕısticas planares do problema. O problema em questão é, portanto, um problema de Cauchy caracteŕıstico. Por (13.71) podemos adotar α = s2, β = 0 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 + s2 , x2(s1, s2) = 0 , U(s1, s2) = u0(s2) , (13.73) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 632/1730 Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 0 e não existe a trans- formação inversa (x1, x2) 7→ (s1, s2) em nenhum ponto de R2. Já observamos que, para a equação aqui tratada, a função U(s1, s2) é constante ao longo das caracteŕısticas planares (pois independe de s1, como se vê em (13.73)). Como nesse caso a própria superf́ıcie de Cauchy é uma curva caracteŕıstica planar, conclúımos que u0 deve ser constante. Nesse caso, então, uma solução pode ser obtida para u, a saber, u(x1, x2) = u0, constante. Percebe-se que nesse caso, no qual a superf́ıcie de Cauchy é uma curva caracteŕıstica planar, nem sempre é posśıvel encontrar uma solução para o problema de valor inicial, somente em casos especiais, a saber quando u0 for constante. 3. A superf́ıcie de Cauchy C é a parábola (x2) 2 − x1 = 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = (s2)2 , x2 = ψ2(s2) = s2, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. Por (13.71) podemos adotar α = (s2) 2, β = s2 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 + (s2) 2 , x2(s1, s2) = s2 , U(s1, s2) = u0(s2) , (13.74) Claramente, para o Jacobiano da transformação (s1, s2) 7→ (x1, x2) tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 1 e a transformação inversa existe em toda parte, sendo dada por s1(x1, x2) = x1 − (x2)2, s2(x1, x2) = x2. Logo, a solução u é dada por u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0(x2) . Assim, para esse tipo de condição inicial tem-se h(x2) = u0(x2). 4. A superf́ıcie de Cauchy C é a parábola (x1) 2 − x2 = 0, a qual podemos parametrizar como C = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = ψ1(s2) = s2 , x2 = ψ2(s2) = (s2)2, s2 ∈ R } . Para a condição inicial em C fixamos, na parametrização acima, u(ψ1(s2), ψ2(s2)) = u0(s2), u0 sendo uma função dada. A especialidade desse problema é que as curvas caracteŕısticas planares cruzam a superf́ıcie de Cauchy duas vezes ou nenhuma vez, exceto a curva caracteŕıstica planar x2 ≡ 0, que é tangente à superf́ıcie de Cauchy no ponto (0, 0). De fato, a reta x2 ≡ β (usando a notação de (13.71)) cruza a parábola C nos pontos ± √ β caso β > 0 e em nenhum ponto se β < 0. Se β = 0 as duas curvas se tangenciam no ponto (0, 0). Por (13.71) podemos adotar α = s2, β = (s2) 2 e γ = u0(s2). Assim, x1(s1, s2) = s1 + s2 , x2(s1, s2) = (s2) 2 . (13.75) Note-se que ao parametrizarmos as curvas caracteŕısticas da forma feita acima, com o parâmetro s2 da superf́ıcie de Cauchy C, estamos excluindo as curvas caracteŕısticas com x2 < 0, pois, claramente x2(s1, s2) ≥ 0. Note-se também que, para cada s2 a curva caracteŕıstica planar s1 7→ (x1(s1, s2), x2(s1, s2)) coincide com a curva caracteŕıstica planar s1 7→ (x1(s1, −s2), x2(s1, −s2)), pois ambas são linhas retas paralelas ao eixo x1 com x2 = (s2)2. De acordo com as idéias gerais do método das caracteŕısticas, descritas acima, o valor de U deve ser fixado pelo valor da função u0 no ponto em que cada curva caracteŕıstica planar cruza a superf́ıcie de Cauchy. Para s2 6= 0 há dois desses pontos. Qual adotar? Como, para a equação estudada, U é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica planar, conclúımos que para s2 6= 0 a função U(s1, s2) assume o mesmo valor nos dois pontos onde estas cruzam C. Ora, isso só é posśıvel se u0(s2) = u0(−s2) para todo s2 ∈ R, ou seja, se u0 for uma função par. Caso contrário, não existe solução para o problema. Assumindo então que u0 é uma função par, podemos adotar U(s1, s2) = u0(s2), dando sentido à última relação de (13.71). Podemos então passar à questão de determinar a solução u. Notemos que a aplicação (s1, s2) 7→ (x1, x2) definida em (13.75) tem por imagem o semiplano x2 ≥ 0. Para o Jacobiano dessa transformação tem-se ∂(x1, x2)∂(s1, s2) = 2s2 e ao menos uma transformação inversa existe, portanto, se s2 6= 0. De fato, tem-se s1(x1, x2) = x1 − √ x2 , s2(x1, x2) = √ x2 , ∀ x1 ∈ R, x2 ≥ 0 , (13.76) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 633/1730 ou s1(x1, x2) = x1 + √ x2 , s2(x1, x2) = − √ x2 , ∀ x1 ∈ R, x2 ≥ 0 . (13.77) Logo, no semiplano x1 ∈ R, x2 ≥ 0, a solução u é dada por u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0( √ x2) se adotarmos (13.76) ou u(x1, x2) = U(s1(x1, x2), s2(x1, x2)) = u0(− √ x2) se adotarmos (13.77). Como u0 foi suposta par, não há distinção entre essas soluções. No semiplano x2 < 0 a solução não é fixada pelas condições de contorno (pois essa região não é visitada pelas curvas caracteŕısticas). Nessa região podemos adotar para u(x1, x2) qualquer função que seja constante ao longo das curvas caracteŕısticas planares, ou seja, que seja função apenas de x2. Naturalmente, se desejarmos soluções clássicas, essa função deve ser cont́ınua e diferenciável e, por exemplo, deve-se impor que a solução seja igual a u0(0) em x2 = 0. Resumindo, caso u0 não seja par não há solução para o problema e se o for a solução é u(x1, x2) =    u0( √ x2) , x2 ≥ 0 , g(x2) , x2 < 0 , onde g é uma função, em prinćıpio, arbitrária. ◊ Exemplo 13.5 Considere-se a equação diferencial linear e homogênea x1(1 − x1) ∂u ∂x1 − (1 − 2x1)x2 ∂u ∂x2 = 0 , (13.78) para x ∈ [0, 1], t ≥ 0, com as condições de contorno u(x, 0) = 0 e u(0, t) = u(1, t) = 0. Nesse caso a superf́ıcie de Cauchy é C = V0 ∪ V2 ∪H onde V0 = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = 0, x2 ≥ 0 } , V1 = { (x1, x2) ∈ R2, x1 = 1, x2 ≥ 0 } , H = { (x1, x2) ∈ R2, 0 ≤ x1 ≤ 1, x2 = 0 } , ou seja, C é formada pela união as semi-retas que compõe a fronteira do retângulo semi-infinito R = {(x1, x2) ∈ R2, x1 ∈ [0, 1] , x2 ≥ 0} onde a equação (13.78) está sendo considerada. Nesse caso a função u0 é identicamente nula em C. As equações que definem as curvas caracteŕısticas são ẋ1(s1) = x1(s1) ( 1 − x1(s1) ) , ẋ2(s1) = −(1 − 2x1(s1))x2(s1) , U̇(s1) = 0 . A primeira equação pode ser facilmente resolvida por integração (faça!), fornecendo x1(s1) = αes1 1 + αes1 , onde α é uma constante arbitrária. Inserindo isso na segunda equação, obtemos por integração (faça!) a solução x2(s1) = β (1 + αes1)2 αes1 , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 636/1730 R x110 2x Figura 13.4: As curvas caracteŕısticas em todo plano x1-x2 para diversos valores de α e β, positivos e negativos. à famı́lia de linhas retas t = x− s2 , x ∈ R , s2 ≤ 0 , t = x− s2 (1 − (s2)2)2 , x ∈ R , 0 < s2 < 1 , x = s2 , t ∈ R , s2 ≥ 1 , tal como desenhadas na Figura 13.6, página 638. Nessa figura exibimos apenas o semi-plano t ≥ 0. É importante recordar que, pela última equação de (13.79), U é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica planar. O fato mais notável observado na Figura 13.6 é a existência de regiões no plano x–t onde se dá cruzamento das curvas caracteŕısticas planares32. Nas regiões em que não ocorre cruzamento, u é constante ao longo das caracteŕısticas planares e, portanto, é univocamente determinado pelo valor de u0 no ponto em que cada caracteŕıstica planar cruza o eixo x em t = 0. Nas regiões em que ocorre cruzamento de curvas caracteŕısticas planares a aplicação (s1, s2) 7→ (x, t) não é bijetora (pois a inversão não é uńıvoca) e, não havendo inversa, é de se esperar a existência de singularidades na solução. Na Figura 13.7, página 639, é exibida a evolução temporal do perfil de velocidades u(x, t) para diversos instantes de tempo após o instante inicial t = 0, quando foi fixada a condição inicial u0(x) dada em (13.81) e exibida na Figura 13.5. O surgimento de singularidades é notado na formação de uma descontinuidade na função u como função de x. Esse 32É de se observar, também, que as curvas caracteŕısticas no espaço x–t–u não se cruzam. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 637/1730 1 1 x u0 Figura 13.5: A condição inicial u0 dada em (13.81) representa um perfil inicial de velocidades no qual todo ponto do fluido situado em x < 0 move-se com velocidade 1. A velocidade decai a zero continuamente (e diferenciavelmente) no intervalo 0 ≤ x ≤ 1 e é nula para x > 1. Dessa forma, todo o ponto do fluido situado em x < 1 tem uma velocidade inicial positiva. Como vemos na solução da equação de Burgers invisćıvel, essa condição conduz ao aparecimento de uma onda de choque no fluido. fenômeno é denominado choque, em referência ao fenômeno fisicamente conhecido das chamadas ondas de choque, e é sempre, matematicamente falando, associado à ocorrência de cruzamento de curvas caracteŕısticas planares. E. 13.17 Exerćıcio. Estudando a Figura 13.6, convença-se da validade do quadro exibido na Figura 13.5, que descreve a evolução temporal do sistema considerado. 6 O fenômeno de ondas de choque é observado em outras equações diferenciais não-lineares, um exemplo sendo a equação de Korteweg-de Vries (13.14), página 603. Para uma discussão mais extensa do fenômeno de ondas de choque em Mecânica dos Fluidos e sua relação com a teoria das equações a derivadas parciais, vide [62] ou [118]. ◊ Exemplo 13.7 [A equação de Burgers invisćıvel e ondas de rarefação]. Vamos agora considerar novamente a equação de Burgers invisćıvel u∂ u∂x + ∂ u ∂t = 0, com uma condição inicial u(x, 0) = u0(x) tratada no Exemplo 13.6, página 634, mas agora com uma outra condição inicial com a qual podemos exemplificar outro fenômeno. Adotamos, a saber, u0(x) =    0 , x ≤ 0 , 1 , x > 0 . Como (13.80) permanece válida, conclúımos que ( x(s1, s2), t(s1, s2) ) =    ( s2, s1 ) , s1 ∈ R , s2 ≤ 0 , ( s1 + s2, s1 ) , s1 ∈ R , s2 > 0 . No plano x–t essas curvas correspondem à famı́lia de linhas retas x = s2 , t ∈ R , s2 ≤ 0 , t = x− s2 , x ∈ R , s2 > 0 , tal como desenhadas na Figura 13.8, página 640. Nessa figura exibimos apenas o semi-plano t ≥ 0. É importante recordar que, pela última equação de (13.79), U é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica planar. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 638/1730 0 t xu = 1 0 u = 0 0 10 < u < 1 0 Figura 13.6: As curvas caracteŕısticas planares no semi-plano t ≥ 0 associadas à condição inicial u0 de (13.81). As retas que partem do eixo x na região x ≤ 0 correspondem a s2 < 0 e têm inclinação 1. As retas que partem do eixo x na região 0 < x < 1 correspondem a 0 < s2 < 1 e têm inclinação variando de 1 a infinito. As retas que partem do eixo x na região x ≥ 1 correspondem a s2 ≥ 1 e têm inclinação infinita, ou seja, são verticais. A função u é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica planar, assumindo em cada uma o valor fixado pela função u0 no ponto onde mesma atinge o eixo horizontal x (i.e., em t = 0). Porém, em pontos em que ocorrem cruzamentos de curvas caracteŕısticas planares, há uma indefinição. Observe na figura acima a existência de zonas de cruzamento das curvas caracteŕısticas planares. Essas zonas são regiões singulares onde ocorrem as chamadas ondas de choque. O fato notável observado na Figura 13.8 é a ausência de curvas caracteŕısticas planares na região t ≥ x com x > 0. Como U é constante ao longo de cada curva caracteŕıstica planar conclúımos que a solução da equação diferencial que satisfaz a condição de Cauchy dada é u(x, t) =    0 , x ≤ 0 , t ≥ 0 , 1 , x > 0 , t < x , sendo que a solução está indeterminada na região t ≥ x com x > 0 onde as curvas caracteŕısticas planares estão ausentes e, portanto, não determinam a solução nessa região. Esse fenômeno da ausência de curvas caracteŕısticas planares em uma região do espaço onde a solução é procurada é denominado rarefação ou onda de rarefação. Nesse exemplo, a presença desse fenômeno é parcialmente devida à descontinuidade da condição inicial (e ao fato de u0 ser não-decrescente). Na região t ≥ x com x > 0 podemos adotar u(x, t) = 0, obtendo uma solução cont́ınua exceto ao longo da linha x = t. Podemos também adotar u(x, t) = 1, obtendo uma solução cont́ınua exceto ao longo da linha x = 0. Na mesma região é também posśıvel adotar a solução u(x, t) = x/t. É fácil verificar que a função u(x, t) =    0 , x ≤ 0 , t ≥ 0 , x/t , x > 0 , t ≥ x , 1 , x > 0 , 0 ≤ t < x , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 641/1730 13.5.2 Caracteŕısticas. Comentários Adicionais • Curvas caracteŕısticas e mudanças de coordenadas Se for realizada uma mudança de variáveis (x1, . . . , xn) 7→ (y1, . . . , yn) na equação (13.54) a mesma transforma-se em n∑ j=1 Aj ( y, v(y) ) vyj (y) = B ( y, v(y) ) , (13.83) onde y := (y1, . . . , yn), v(y) = u(x(y)), Aj(y, v(y)) := n∑ k=1 ak ( x(y), v(y) )∂ yj ∂xk (y) , B(y, v(y)) := b ( x(y), v(y) ) . (13.84) Para a nova equação (13.83) as curvas caracteŕısticas seriam dadas pelo sistema (vide (13.62)) ∂ y1 ∂s1 (s) = A1 ( y(s), U(s) ) , ... ∂ yn ∂s1 (s) = An ( y(s), U(s) ) , ∂ V ∂s1 (s) = B ( y(s), U(s) ) . (13.85) Expressando essas curvas em termos das coordenadas x teremos ∂ xl ∂s1 (s) = n∑ j=1 ∂ xl ∂yj ∂ yj ∂s1 (s) = n∑ j=1 ∂ xl ∂yj Aj ( y(s), U(s) ) = n∑ k=1 ak ( x(y(s)), v(y(s)) ) n∑ j=1 ∂ xl ∂yj ∂ yj ∂xk (s) ︸ ︷︷ ︸ = ∂ xl ∂x k = δl, k = al ( x(y(s)), v(y(s)) ) e ∂ V ∂s1 (s) = b ( x(y(s)), U(s) ) . Percebemos tratar-se do mesmo sistema de (13.62). A conclusão disso é que as curvas caracteŕısticas de uma equação quase-linear de primeira ordem não dependem do particular sistema de coordenadas usado para escrevê-la tendo, portanto, um carácter intŕınseco. Esse comentário justifica, aliás, o adjetivo “caracteŕısticas” para designar tais curvas. Em Matemática esse quali- ficativo é utilizado para designar objetos que independem das coordenadas ou sistemas de referência usados para sua descrição (mais ou menos como, no jargão da F́ısica, se emprega a palavra “invariante”). Por exemplo, se M é uma matriz quadrada, o polinômio PM (x) := det(x1−M) é denominado polinômio caracteŕıstico de M pois independe da base usada para descrever M . De fato, PM (x) := det(x1−M) = det(T−1(x1 −M)T ) = det(x1− (T−1MT )) =: PT−1MT (x) para qualquer matriz inverśıvel T (lembrar que T−1MT representa a transformação de M pela mudança de base descrita por T ). Retornando a (13.83), suponhamos que as novas coordenadas y coincidam com as coordenadas s usadas para para- metrizar as curvas caracteŕısticas de (13.54). Para (13.84) teremos, usando (13.62), Aj(s, v(s)) := n∑ k=1 ak ( x(s), v(s) )∂ yj ∂xk (s) = n∑ k=1 ∂ xk ∂s1 (s) ∂ sj ∂xk (s) = ∂ sj ∂s1 = δj, 1 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 642/1730 e, assim, (13.83) reduz-se a vs1(s) = B ( s, v(s) ) , (13.86) que trata-se, em essência, de uma equação diferencial ordinária para v. Essa equação não é distinta da última equação de (13.62) ou de (13.55), mas permite um novo entendimento das curvas caracteŕısticas: a famı́lia das curvas caracteŕısticas representa um sistema de coordenadas no qual alguns termos são eliminados da parte principal da equação quase-linear de primeira ordem (13.54), de modo a torná-lo o mais simples posśıvel. Essa idéia é importante, pois pode ser reproduzida em equações de ordem superior a 1, levando à noção de superf́ıcies caracteŕısticas. 13.5.3 Sistemas de Equações Quase-Lineares de Primeira Ordem Vamos aqui estender o método das caracteŕısticas para a resolução de certos sistemas de equações a derivadas parciais quase-lineares de primeira ordem. Consideremos um sistema de equações diferenciais a derivadas parciais quase-lineares de primeira ordem da forma n∑ k=1 Ak(u, x) ∂ u ∂xk + a(u, x) = 0 , (13.87) onde u(x) : Rn → Rm, u = ( u1(x) ... um(x) ) , é um vetor coluna composto por m funções incógnitas ul em R n e onde cada Ak(x, u) é uma matriz m ×m dependendo eventualmente de x ∈ Rn e de u ∈ Rm de forma cont́ınua e a é um vetor coluna de m componentes a(u, x) = ( a1(u, x) ... am(u, x) ) , sendo cada ak : R n+m → R eventualmente dependente de x ∈ Rn e de u ∈ Rm. Acima, como no que segue, usamos a abreviação (u, x) ≡ (u1, . . . , um, x1, . . . , xn). Para manter o tratamento simples, vamos supor que os elementos de matriz das matrizes Ak e de a sejam infinitamente diferenciáveis em suas variáveis, mas condições muito mais fracas podem ser consideradas em muito do que segue. No que segue, apresentaremos algumas considerações gerais sobre sistemas como (13.87) e discutiremos em alguns casos métodos de solução. Observamos de antemão que, especialmente no caso não-linear, as soluções que obteremos podem existir apenas em certas regiões limitadas, em função de fenômenos como cruzamento de caracteŕısticas, “blow-up” de soluções (i.e., divergências de soluções em tempo finito) ou “choque”, i.e., divergência de alguma derivada espacial de alguma das componentes de u. Uma extensa literatura foi desenvolvida em torno desse tema (inclusive com estimativas precisas da região de validade das soluções), mas na corrente versão deste texto não discutiremos esse assunto, limitando- nos a remeter o leitor à literatura especializada, por exemplo a [96], [41], [62], [189] ou [70]. Tomando emprestada uma nomenclatura de sistemas de equações lineares, o sistema (13.87) é dito ser um sistema quase-linear homogêneo se a(u, x) for identicamente nula e é dito ser um sistema quase-linear não-homogêneo de outra forma. Vamos supor que, ao menos localmente, façamos uma mudança de variáveis x → ξ em Rn em (13.87), as novas variáveis sendo diferenciáveis ao menos uma vez em relação à antigas (e vice-versa) e com o determinante Jacobiano supostamente não-nulo. A equação (13.87) tornar-se-ia n∑ l=1 Ãl(v, ξ) ∂ v ∂ξl + ã(v, ξ) = 0 , (13.88) onde v(ξ) ≡ u(x(ξ)), Ãl ( v(ξ), ξ ) ≡ n∑ k=1 Ak ( v(ξ), x(ξ) ) ∂ ξl ∂xk (x(ξ)) e ã(v, ξ) ≡ a ( v(ξ), x(ξ) ) . Consideremos agora a superf́ıcie C definida por ξn(x) = k, constante, e suponhamos que sejam fornecidos os valores de u (e, portanto, de v) nessa superf́ıcie. Esses valores compõe os dados de Cauchy do problema. Note que em se conhecendo os dados de Cauchy, conhece-se automaticamente as derivadas de u (e, portanto, de v) na direções dos plano tangente a C em cada ponto. A questão que estão se coloca é se as equações que definem o sistema permitem também determinar a derivada normal a C em cada ponto. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 643/1730 A derivada normal de v (e, portanto, de u) em relação a essa superf́ıcie é ∂ v ∂ξn = n∑ j=1 ∂ u ∂xj ∂ xj ∂ξn . De acordo com (13.88), temos Ãn(v, ξ) ∂ v ∂ξn = − n−1∑ l=1 Ãl(v, ξ) ∂ v ∂ξl − ã(v, ξ) , (13.89) e, portanto, a equação (13.88) determina a derivada normal ∂ v∂ξn em termos dos dados de Cauchy e suas derivadas primeiras ao longo de C se e somente se a matriz inversa Ãn(ξ, v) −1 existir em toda C, em cujo caso ∂ v ∂ξn = − n−1∑ l=1 Ãn(v, ξ) −1Ãl(v, ξ) ∂ v ∂ξl − Ãn(v, ξ)−1ã(v, ξ) . (13.90) Segundo nossas definições de acima, a superf́ıcie C definida por ξn = k, constante, é dita ser uma superf́ıcie não- caracteŕıstica da equação (13.87) se para todo x ∈ C e qualquer u a matriz inversa Ãn(v, ξ)−1 existir, ou seja, se valer det ( n∑ k=1 Ak ( u(x), x )∂ ξn ∂xk (x) ) 6= 0 , (13.91) caso contrário, ou seja, se para algum x ∈ C valer det ( n∑ k=1 Ak ( u(x), x )∂ ξn ∂xk (x) ) = 0 , (13.92) C é dita ser uma superf́ıcie caracteŕıstica, ou simplesmente uma caracteŕıstica para u no ponto x em questão. A equação (13.92) é denominada equação caracteŕıstica. Note-se que, pela hipótese de continuidade das matrizes Ak ( u(x), x ) e das derivadas ∂ ξn∂x k (x), se C não é caracteŕıstica, então (13.91) vale em uma vizinhança de C. Dessa forma, a derivada normal ∂ v∂ξn só é determinada pelos dados de Cauchy em C e suas derivadas primeiras ao longo de C se C for não-caracteŕıstica. A equação dos planos caracteŕısticos é det ( n∑ k=1 Ak ( u(x), x ) αk ) = 0 , (13.93) onde o vetor ~α é suposto ser normalizado: (α1) 2 + · · · + (αn)2 = 1. • As superf́ıcies caracteŕısticas Vamos supor que ao menos uma das matrizes Aj ( u(x), x ) , j = 1, . . . , n seja inverśıvel. Sem perda de generalidade, vamos supor que essa matriz seja a matriz An ( u(x), x ) . Se as superf́ıcies de ńıvel ξn = constante forem caracteŕısticas, ou seja, se (13.91) for identicamente satisfeita, a relação (13.91) é válida. Se An ( u(x), x ) for inverśıvel, podemos escrever (13.91) como det ( ∂ ξn ∂xn (x)1 − A(u(x), x)) = 0 , com A(u(x), x) := − n−1∑ k=1 An ( u(x), x )−1 Ak ( u(x), x )∂ ξn ∂xk (x) , (13.94) que se trata de uma equação polinomial para ∂ ξn∂xn (x), a saber, a equação para os zeros do polinômio caracteŕıstico (vide Seção 6.2.1, página 246) da matriz A ( u(x), x ) e as soluções em ∂ ξn∂xn (x) seriam os autovalores dessa matriz. Para( ∂ ξn ∂x1 , . . . , ∂ ξn∂xn−1 ) nulo, a equação (13.94) exibe apenas a solução nula ∂ ξn∂xn = 0. Para ( ∂ ξn ∂x1 , . . . , ∂ ξn∂xn−1 ) ∈ Rn−1 não- nulo a equação (13.94) exibe, em prinćıpio, m soluções para ∂ ξn∂xn (x). Cada solução é, ao menos localmente nas variáveis( ∂ ξn ∂x1 , . . . , ∂ ξn∂xn−1 ) , do tipo ∂ ξn ∂xn (x) = fa ( ∂ ξn ∂x1 , . . . , ∂ ξn ∂xn−1 ) , a = 1, . . . , m , (13.95) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 646/1730 e ∂ u1∂x − ∂ u2 ∂y = 0, ou seja, ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima. Reciprocamente, se ( u1 u2 ) satisfaz o sistema acima defina-se u(x, y) = ∫ (x, y) (x0, y0) ( u2dx + u1dy ) , onde a integral é tomada em uma curva suave orientada entre entre um ponto fixo (x0, y0) ∈ R2 e (x, y) ∈ R2. Devido à equação ∂ u2∂y − ∂ u1 ∂x = 0 a integral independe do caminho de integração. Com essa definição é fácil verificar que u1 = ∂ u ∂y e u2 = ∂ u ∂x . Logo, a equação ∂ u2 ∂x + ∂ u1 ∂y = 0 implica ∂2 u ∂x2 + ∂2 u ∂y2 = 0. III. Mostre que as superf́ıcies caracteŕısticas do sistema     1 0 0 0   ∂ ∂t +   0 −1 1 0   ∂ ∂x     u1 u2  +   0 u2   = 0 são dadas por t = constante. Mostre que não se trata de um sistema hiperbólico ou eĺıptico. Sob condições adequadas esse sistema equivale à equação de difusão ∂ u∂t − ∂ 2 u ∂x2 = 0 com u1 = u e u2 = ∂ u ∂x . As condições a que nos referimos, são a imposição que u2 = ∂ u1 ∂x na superf́ıcie de Cauchy C considerada, um caso particular da condição mais geral onde u1 e u2 são escolhidos independentemente em C. Para entendermos esse exemplo melhor, notemos que o sistema acima é composto pelas equações (a) ∂ u1∂t = ∂ u2 ∂x e (b) ∂ u1 ∂x = u2. Se tomarmos a superf́ıcie caracteŕıstica t = 0, os dados de Cauchy seriam u1(x, 0) e u2(x, 0). A equação (b) mostra que esses dados não são independentes, pois ∂ u1∂x (x, 0) deve ser igual a u2(x, 0). Assim, uma das equações do sistema força a existência de uma relação entre os dados de Cauchy ao longo da superf́ıcie caracteŕıstica. A equação (a) permite determinar a derivada de u1 normal à superf́ıcie caracteŕıstica (ou seja, ∂ u1 ∂t ) a partir de ∂ u2 ∂x (x, 0) (que pode ser obtida dos dados de Cauchy), mas não há nenhuma outra relação no sistema de equações que forneça a derivada de u2 normal à superf́ıcie caracteŕıstica (ou seja, ∂ u2 ∂t ) em termos dos dados de Cauchy ou suas derivadas primeiras em relação à variável x. 6 13.5.3.1 Generalidades Sobre Problemas de Condição Inicial em Sistemas Quase-Lineares de Primeira Ordem No sistema (13.87) vamos supor que as superf́ıcies xn = constante não sejam caracteŕısticas e que u esteja submetida à condição inicial em xn = 0 expressa em u ( x1, . . . , xn−1, 0 ) =   u01 ( x1, . . . , xn−1 ) ... u0m ( x1, . . . , xn−1 )   , (13.100) as funções u0j ( x1, . . . , xn−1 ) , j = 1, . . . , m, sendo dadas e pertencentes a certas classes adequadas de funções (por exemplo, infinitamente diferenciáveis) a serem especificadas conforme a necessidade. A hipótese de as superf́ıcies xn = constante não serem caracteŕısticas implica que An é inverśıvel e podemos escrever (13.87) na forma n−1∑ k=1 Bk(u, x) ∂ u ∂xk + ∂ u ∂xn + b(u, x) = 0 , (13.101) onde Bk(u, x) := An(u, x) −1Bk(u, x), k = 1, . . . , n − 1, e b(u, x) ≡ ( b1(u, x) ... bm(u, x) ) := An(u, x) −1a(u, x). Aqui, abreviamos (u, x) ≡ (u1, . . . , um, x1, . . . , xn). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 647/1730 É um fato de utilidade prática (resolução das equações) e teórica (obtenção de estimativas sobre as soluções) que o sistema (13.101) sob as condições (13.100) pode ser transformado em outros problemas de condição inicial quase-lineares de primeira ordem que apresentam as mesmas soluções. No que segue exibiremos duas dessas transformações. • Transformação em um sistema homogêneo Afirmamos que o problema (13.101), em m funções incógnitas u1, . . . , um e n variáveis x1, . . . , xn, sob as condições iniciais (13.100) pode ser transformado no sistema homogêneo em m+1 funções incógnitas u1, . . . , um, um+1 e n variáveis x1, . . . , xn definido por n−1∑ k=1 Ck(u, x) ∂ u ˜∂xk + ∂ u ˜∂xn = 0 , (13.102) onde Ck, k = 1, . . . , n− 1, são as matrizes (m+ 1) × (m+ 1) definidas por C1(u, x) :=   p q b1(u, x) B1(u, x) ... x y bm(u, x) 0 · · · 0 1   , Ck(u, x) :=   p q 0 Bk(u, x) ... x y 0 0 · · · 0 0   para k = 2, . . . , n− 1 , e u ˜ (x) ≡ ( u(x) um+1(x) ) =   u1(x) ... um(x) um+1(x)  , com as condições iniciais u ˜ ( x1, . . . , xn−1, 0 ) =   u1 ( x1, . . . , xn−1, 0 ) ... um ( x1, . . . , xn−1, 0 ) um+1 ( x1, . . . , xn−1, 0 )   =   u01 ( x1, . . . , xn−1 ) ... u0m ( x1, . . . , xn−1 ) x1   , (13.103) sendo as funções u0j , j = 1, . . . , m, sendo as mesmas dadas em (13.100). De fato, escrevendo-se (13.102) explicitamente, teremos as equações n−1∑ k=1 Bk(u, x) ∂ u ∂xk + ∂ um+1 ∂x1 b(u, x) + ∂ u ∂xn = 0 , (13.104) ∂ um+1 ∂x1 + ∂ um+1 ∂xn = 0 . (13.105) Verifique! Agora, (13.105) tem por solução um+1(x1, . . . , xn−1, xn) = f(x1−xn, x2, . . . , xn−1), com f diferenciável. A condição inicial um+1(x1, . . . , xn−1, 0) = x1 (vide última componente de (13.103)) implica f(x1, x2, . . . , xn−1) = x1. Assim, um+1(x1, . . . , xn−1, xn) = x1−xn. Isso, por sua vez, implica ∂ um+1∂x1 = 1 e, com isso, (13.104) reduz-se a (13.101) com a mesma condição inicial (13.100). • Transformação em um sistema independente das coordenadas x Afirmamos que o problema (13.101), em m funções incógnitas u1, . . . , um e n variáveis x1, . . . , xn, sob as condições iniciais (13.100) pode ser transformado em um problema de valor inicial com um sistema quase-linear de primeira ordem em m+ n funções incógnitas u1, . . . , um, um+1, . . . , um+n e independente das variáveis x1, . . . , xn. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 648/1730 Para simplificar a exposição vamos considerar o caso em que n = 2. O caso geral pode ser tratado semelhantemente. Afirmamos que o sistema B1(u, x) ∂ u ∂x1 + ∂ u ∂x2 + b(u, x) = 0 , (13.106) com as condições iniciais u ( x1, 0 ) =   u1 ( x1, 0 ) ... um ( x1, 0 )   =   u01 ( x1 ) ... u0m ( x1 )   , (13.107) onde x = (x1, x2) e u(x) = ( u1(x) u2(x) ) , u(u, x) = ( b1(u, x) b2(u, x) ) , onde (u, x) = (u1, u2, x1, x2), equivale ao sistema D1 ( u ˆ ) ∂ u ˆ∂x1 + ∂ u ˆ∂x2 + d ( u ˆ ) = 0 , (13.108) onde u ˆ (x) ≡ ( u(x) um+1(x) um+2(x) ) =   u1(x) ... um(x) um+1(x) um+2(x)   com as condições iniciais u ˆ ( x1, 0 ) =   u1 ( x1, 0 ) ... um ( x1, 0 ) um+1 ( x1, 0 ) um+2 ( x1, 0 )   =   u01 ( x1 ) ... u0m ( x1 ) x1 0   , (13.109) sendo as funções u0j , j = 1, . . . , m, sendo as mesmas dadas em (13.107) e onde D1 ( u ˆ ) é a matriz (m+ 2)× (m+ 2) dada em D1 ( u ˆ ) :=   p q 0 0 B1 ( u ˆ ) ... ... x y 0 0 0 · · · 0 0 −1 0 · · · 0 −1 0   e d ( u ˆ ) :=   b ( u ˆ ) 0 0   =   b1 ( u ˆ ) ... bm ( u ˆ ) 0 0   . De fato, escrevendo-se (13.108) explicitamente, teremos as equações B1 ( u ˆ ) ∂ u ∂x1 + ∂ u ∂x2 + b ( u ˆ ) = 0 , (13.110) − ( 0 1 1 0 ) ∂ ∂x1 ( um+1 um+2 ) + ∂ ∂x2 ( um+1 um+2 ) = 0 . (13.111) Verifique! A solução de (13.111) é um+1(x1, x2) = f(x1 − x2) + g(x1 + x2) e um+2(x1, x2) = −f(x1 − x2) + g(x1 + x2) (prove isso!), para f e g arbitrárias (mas diferenciáveis). As condições iniciais um+1(x1, 0) = x1 e um+2(x1, 0) = 0 (vide as duas últimas linhas de (13.109)) implicam f(x1) = g(x1) = x1/2 para todo x1 e disso obtemos um+1(x1, x2) = x1 e um+2(x1, x2) = x2 . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 651/1730 Note-se que os vetores βa são eventualmente funções de x Seja P ≡ P (x) a matriz m×m dada por P := [ β1, . . . , βm ] (para a notação, vide (6.9), página 238), de sorte que, para cada a = 1, . . . , m, sua a-ésima coluna é o vetor βa. Como os vetores β1, . . . , βm são linearmente independentes, a matriz P é inverśıvel. Com a matriz P , (13.121) pode ser escrita em forma matricial como B1(x)P = PΛ , (13.122) onde Λ := diag ( −∂ ξ (1) 2 ∂x2 / ∂ ξ (1) 2 ∂x1 , . . . , −∂ ξ (m) 2 ∂x2 / ∂ ξ (m) 2 ∂x1 ) é a matriz diagonal cujo a-ésimo elemento diagonal é Λa := −∂ ξ (a) 2 ∂x2 / ∂ ξ (a) 2 ∂x1 . Verifique (para tal, use (6.14), página 239)! Defina-se w := P−1u, ou seja, escrevamos u = Pw. Supondo P diferenciável34) fica B1(x)P ∂ w ∂x1 + P ∂ w ∂x2 = − ( B1(x) ∂ P ∂x1 + ∂ P ∂x2 ) w − b(x, Pw) . (13.123) Usando (13.122) isso fica Λ ∂ w ∂x1 + ∂ w ∂x2 = − ( ΛP−1 ∂ P ∂x1 + P−1 ∂ P ∂x2 ) w − P−1b(Pw, x) . (13.124) Cada componente da equação (13.124) é da forma Λa ∂ wa ∂x1 + ∂ wa ∂x2 = m∑ b=1 Mabwb + ℓa , a = 1, . . . , m , (13.125) com M sendo a matriz m × m dada em M ≡ − ( ΛP−1 ∂ P∂x1 + P−1 ∂ P∂x2 ) e ℓ sendo o vetor coluna ℓ ≡ ℓ(w, x) := −P−1b(Pw, x). A expressão (13.124) ou (13.125) é por vezes denominada forma canônica do sistema de equações semi-lineares hiperbólico em duas variáveis considerado. O ponto importante na equação (13.125) é que a equação para cada componente wa depende apenas da a-ésima caracteŕıstica, no sentido de que as derivadas que lá comparecem poder ser entendidas como derivadas ao longo da a-ésima curva caracteŕıstica (vide abaixo). Para a resolução de cada uma das equações em (13.125) aplica-se, portanto, o método das caracteŕısticas que discutimos na Seção 13.5, página 624. De fato, para a a-ésima equação teremos para a curva caracteŕıstica as equações dx (a) 1 ds = Λa = − ∂ ξ (a) 2 ∂x2 / ∂ ξ (a) 2 ∂x1 e dx (a) 2 ds = 1 , que facilmente se escrevem como dξ (a) 2 ds = 0. Portanto, como esperado, as curvas caracteŕısticas são as curvas ξ (a) 2 (s) = constante, sendo que podemos adotar s = x2. Note-se que também as derivadas em M ≡ − ( P−1 ∂ P∂x1 + ΛP−1 ∂ P∂x2 ) podem ser escritas como derivadas ao longo da a-ésima caracteŕıstica. Adotando-se a mesma parametrização s = x2 para todas as curvas, as equações (13.125) assumem a forma dωa ds = m∑ b=1 Mab(s)wb(s) + ℓa ( w(s), s ) , a = 1, . . . , m . (13.126) O sistema (13.126) é um sistema de equações diferenciais ordinárias e deve entendido como um problema de valor inicial com dados de Cauchy ao longo da reta x2 = constante. Ao menos em prinćıpio, esse sistema ser resolvido pelos procedimentos usuais de tratamento de sistemas de EDOs. 34Essa é praticamente a única hipótese técnica a ser introduzida, mas note o leitor que a mesma não é sempre satisfeita, especialmente no caso de haver pontos nos quais ocorre degenerescência de autovalores. Note também o leitor que no caso de sistemas quase-lineares em que A1 e A2 (e, portanto B1) dependem de u, as derivadas ∂ P ∂x j que surgem em (13.123) conterão também termos com as derivadas ∂ w ∂x j . Isso dificulta o tratamento dessas equações pelo método de acima e é a razão de termos nos limitado a sistemas semi-lineares. Para um tratamento de sistemas com A1 ou A2 dependentes de u, vide Seção 13.5.3.3, página 652. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 652/1730 E. 13.23 Exerćıcio. Usando o método das caracteŕısticas, mostre que sua solução de (13.99) em termos dos dados de Cauchy para (u1, u2) em t = 0 (ou seja, u1(y, 0) e u2(y, 0), y ∈ R) é u1(x, t) = 1 2 ( u1(x+ ct, 0) + u1(x − ct, 0) ) + 1 2c ( u2(x+ ct, 0) − u2(x− ct, 0) ) , (13.127) u2(x, t) = c 2 ( u1(x+ ct, 0) − u1(x − ct, 0) ) + 1 2 ( u2(x+ ct, 0) + u2(x− ct, 0) ) . (13.128) Com a interpretação u1 := ∂ u ∂x e u2 := ∂ u ∂t (re)obtenha de (13.127)–(13.128) a solução de D’Alembert 35 da equação de ondas em 1 + 1-dimensões: u(x, t) = u0(x− ct) + u0(x+ ct) 2 + 1 2c ∫ x+ct x−ct v0(s) ds , (13.129) (vide (17.125), página 776), onde u0(x) := u(x, 0) e v0(x) := ∂ u ∂t (x, 0) são dados de Cauchy para u na superf́ıcie t = 0. 6 • Soluções iterativas de sistemas quase-lineares de primeira ordem gerais em duas variáveis Os métodos de resolução de sistemas semi-lineares de primeira ordem apresentados acima, conjugados a um procedi- mento iterativo, permitem a obtenção de soluções aproximativas de sistemas quase-lineares de primeira ordem gerais em duas variáveis, como (13.112): B1(u, x) ∂ u ∂x1 + ∂ u ∂x2 + b(u, x) = 0 . (13.130) A idéia consiste de partir-se de uma aproximação inicial adequada u(0) à solução do sistema (13.130) e considerar-se a partir dáı os sistemas iterados B1 ( u(n)(x), x )∂ u(n+1) ∂x1 + ∂ u(n+1) ∂x2 + b ( u(n)(x), x ) = 0 , n = 0, 1, 2, 3, . . . . (13.131) Como cada função u(n)(x) é determinada no passo anterior, cada sistema (13.131) é um sistema semi-linear, ao qual aplicam-se os métodos de resolução acima apresentados. Sob hipóteses adequadas (vide, e.g., [70]) é possivel provar que a seqüência de soluções assim obtida u(n)(x), n = 0, 1, 2, 3, . . ., converge a uma solução de (13.130). Essa técnica permite não apenas a demonstração de existência de soluções de (13.130), como também oferece um método eficaz de determinação numérica das mesmas. 13.5.3.3 Soluções Ditas Simples de Sistemas Quase-Lineares, Homogêneos, de Primeira Ordem em Duas Variáveis Para algum m ∈ N, seja O um conjunto aberto conexo de Rm contendo a origem e seja E1 uma função O ∋ z ≡ (z1, . . . , zm) 7→ E1(z) ≡ E1(z1, . . . , zm) ∈ Mat (R, m). Para simplificar as coisas, suporemos (como acima) que os elementos de matriz da matriz real m×m definida por E1(z) sejam funções infinitamente diferenciáveis das componentes de z. Para certos propósitos é também suficiente considerar E1(z) definida, não apenas em um aberto O, mas em todo Rm. Trataremos aqui de encontrar soluções certas soluções especiais para o sistema quase-linear e homogêneo de equações a derivadas parciais de primeira ordem em duas variáveis do tipo E1 ( u ) ∂ u ∂x1 + ∂ u ∂x2 = 0 , (13.132) onde o vetor-coluna u(x) = ( u1(x) ... um(x) ) (com x ≡ (x1, x2)) representa as funções incógnitas. Note-se que E1 ( u ) em (13.132) é uma matriz real m ×m que depende apenas do vetor u, mas não de x. De acordo com a Proposição 13.1, página 649, todo problema de valor inicial (em x2 = 0) envolvendo um sistema quase-linear de equações a derivadas parciais de primeira ordem em duas variáveis pode ser transformado em um problema envolvendo uma equação do tipo 35Jean Le Rond D’Alembert (1717–1783). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 653/1730 (13.132) para algum m. Como veremos, podemos encontrar soluções para (13.132) por uma variante do método das caracteŕısticas. Sejam βj(z) ∈ Rm, j = 1, . . . , N , autovetores linearmente independentes de E1(z) com autovalores reais λj(z): E1(z)βj(z) = λj(z)βj(z) . (13.133) Pelas hipóteses βj e λj são funções infinitamente diferenciáveis em O. Comentários. Acima 1 ≤ N ≤ m. No caso hiperbólico temos N = m, mas não iremos necessariamente supor isso. Se E1 possuir autovalores complexos os mesmos não são considerados. Supomos no que segue que E1(z) possua ao menos um autovalor real. Também não é preciso supor que E1(z) seja diagonalizável. ♣ Para um j espećıfico, considere-se a equação diferencial ordinária d ds U (j)(s) = βj ( U (j)(s) ) , (13.134) com I ∋ s 7→ U (j)(s) ∈ Rm, sendo I um intervalo aberto de R contendo o ponto s = 0. Pela continuidade e diferencia- bilidade de βj , pode-se garantir a existência e unicidade da solução de (13.134) em algum intervalo I conveniente para uma condição inicial U (j)(0) ∈ O. A questão que agora colocamos é a seguinte: que condição uma função ηj : R 2 → R deve satisfazer para que a função u(j)(x1, x2) = U (j) ( ηj(x1, x2) ) (13.135) seja solução de (13.132)? Tal solução, se existir, é denominada solução simples36 ou, mais especificamente, solução j-simples37 de (13.132). É elementar constatar-se que (abaixo, U (j) ′ (s) ≡ ddsU (j)(s)) E1 ( u(j) )∂ u(j) ∂x1 + ∂ u(j) ∂x2 = E1 ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) ∂ ∂x1 U (j) ( ηj(x1, x2) ) + ∂ ∂x2 U (j) ( ηj(x1, x2) ) = E1 ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) U (j) ′( ηj(x1, x2) ) ∂ηj ∂x1 + U (j) ′( ηj(x1, x2) ) ∂ηj ∂x2 (13.134) = E1 ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) βj ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) ∂ηj ∂x1 + βj ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) ∂ηj ∂x2 (13.133) = [ λj ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) ∂ηj ∂x1 + ∂ηj ∂x2 ] βj ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) . Logo, uma condição suficiente para que u(j) seja solução de (13.132) é que ηj seja solução da equação a derivadas parciais λj ( U (j) ( ηj(x1, x2) )) ∂ηj ∂x1 + ∂ηj ∂x2 = 0 . (13.136) Observe-se que se trata de uma equação a derivadas parciais quase-linear (não um sistema de EDP’s!) que pode, ao menos em prinćıpio, ser resolvida, por exemplo, pelo método das caracteŕısticas. Vide adiante. Uma função ηj satisfazendo (13.136) é dita ser uma fase da solução j-simples (13.135). * * *** * * É importante fazer algumas observações sobre as limitações das soluções exibidas acima. Em primeiro lugar, o autovalor considerado pode deixar de ser real em certos pontos ou regiões de Rm. Em segundo lugar, o caráter não-linear de (13.134) pode restringir o intervalo de valores de s para o qual soluções finitas existem. Adicionalmente, o fenômeno do cruzamento de caracteŕısticas em (13.136) pode adicionar limitações à solução a intervalos finitos de valores de x2. A existência de tais limitações é ligada a diversos fenômenos, inclusive de natureza f́ısica, e uma extensa literatura foi desenvolvida em torno desse tema (inclusive com estimativas precisas da região de validade das soluções), ao qual 36 Essa nomenclatura provém de F. John, “Formation of Singularities in the One-Dimensional Nonlinear Wave Propagation”, Comm. Pure and App. Math., 27, 377–405 (1974). 37Essa nomenclatura provém de [96]. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 656/1730 satisfeita por todas as componentes por uma única função lj , exceto para algum u0 especialmente escolhido. Assim, retomando a afirmação da Proposição 13.1, página 649, caso o sistema considerado seja do tipo do sistema (13.114)– (13.115), suas correspondentes soluções simples não necessariamente fornecerão soluções do sistema (13.112) por não satisfazerem as condições iniciais (13.116). Uma excessão é, conforme já discutido, o caso de sistemas homogêneos de coeficientes constantes, onde podemos evocar o prinćıpio de sobreposição. A importância das soluções reside em outro aspecto. Conforme discutido no trabalho listado na nota-de-rodapé 36, página 653, no caso estritamente hiperbólico toda solução com dados de Cauchy de suporte compacto e “pequenos” em relação a uma norma adequada converge após um certo tempo relativamente curto a alguma solução j-simples. 13.6 Alguns Teoremas de Unicidade de Soluções de Equações a Derivadas Parciais Como já comentamos, teoremas de unicidade de soluções de equações a derivadas parciais submetidas a condições iniciais e de contorno são de importância crucial para justificar certos métodos de resolução, como por exemplo o método de separação de variáveis e de expansão em modos (como os modos de vibração de cordas ou membranas vibrantes, por exemplo), tal como discutido em diversos dos problemas tratados no Caṕıtulo 17, página 744. No que segue, apresentaremos alguns desses teoremas, concentrando-nos em casos de maior interesse em problemas f́ısicos. Alguns desses teoremas são evocados na discussão do Caṕıtulo 17, página 744. 13.6.1 Casos Simples. Discussão Preliminar Primeiramente, exporemos o leitor aos teoremas de unicidade de solução mais simples e seus métodos de demonstração. A intenção é pedagógica e por isso escolhemos dois tipos de equações de interesse f́ısico, as equações de difusão e de ondas com coeficientes constantes em uma dimensão espacial. Generalizações serão apresentadas adiante na Seção 13.6.3, página 662. O caso das equações de Laplace e Poisson é discutido na Seção 13.6.2, página 660. • Unicidade de soluções para a equação de difusão em um intervalo finito A proposição que segue apresenta condições que garantem unicidade para as soluções da equação de difusão a coefi- cientes constantes definida em um intervalo finito da reta sob certas condições iniciais e de contorno. Proposição 13.2 Considere a equação diferencial ∂u ∂t −K ∂ 2u ∂x2 = F (x, t) , (13.144) com K > 0 constante, e F é uma função dada (em prinćıpio arbitrária). Acima, x ∈ [0, L] para algum L > 0 e t ≥ 0. As condições iniciais são u(x, 0) = u0(x), (13.145) onde u0 : [0, L] → R é uma função arbitrária. Considere os seguintes tipos de condições de contorno. I. Condições de Dirichlet: u(0, t) = f1(t), u(L, t) = f2(t) . II. Condições de Neumann: ∂u ∂x (0, t) = f3(t), ∂u ∂x (L, t) = f4(t) . Acima, fi são funções arbitrárias. Então, caso exista, a solução de (13.144) sob as condições iniciais (13.145) é única tanto sob condições de contorno do tipo de Dirichlet quanto sob condições de contorno do tipo de Neumann. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 657/1730 A proposição acima garante unicidade da solução para qualquer função F (x, t) e quaisquer funções fi, mas não garante a existência de soluções. Para garantir existência e exibir uma solução (por exemplo em termos de séries de Fourier) é preciso ser mais restritivo quanto à função F e às funções fi. A demonstração da Proposição 13.2 é apresentada na forma do exerćıcio dirigido que segue. Generalizações encontram-se na Proposição 13.7, página 663, e a Proposição 13.8, página 665. E. 13.24 Exerćıcio. Prova da Proposição 13.2. Para demonstrar a unicidade de solução da equação diferencial (13.144) sob as condições acima procede-se da seguinte forma. Suponha que haja duas soluções u e v da equação acima, ambas satisfazendo as mesmas condições de contorno e as mesmas condições iniciais. Defina w(x, t) := u(x, t)−v(x, t). Desejamos mostrar que w = 0, implicando que as duas soluções u e v são em verdade iguais. a. Mostre que w satisfaz a equação diferencial homogênea ∂w ∂t −K ∂ 2w ∂x2 = 0 . (13.146) b. Mostre que w satisfaz a condição inicial w(x, 0) = 0. c. Mostre que w satisfaz as condições de contorno w(0, t) = 0, w(L, t) = 0 , (13.147) no caso de condições de Dirichlet ou ∂w ∂x (0, t) = 0, ∂w ∂x (L, t) = 0 , (13.148) no caso de condições de Neumann. d. Defina E(t) = ∫ L 0 (w(x, t)) 2 dx . Mostre que E(t) ≥ 0 para todo t. (Trivial). e. Mostre que E(0) = 0. (Use as condições iniciais de w). f. Mostre, diferenciando dentro da integral, usando integração por partes e usando a equação diferencial (13.146), que E′(t) = −2K ∫ L 0 ( ∂w ∂x )2 dx+ 2K ( w(L, t) ∂w ∂x (L, t) − w(0, t)∂w ∂x (0, t) ) . g. Conclua que E′(t) = −2K ∫ L 0 ( ∂w ∂x )2 dx supondo as condições de contorno (13.147) ou (13.148) para w. Conclua que, sob essas condições, E′(t) ≤ 0 para todo t. h. Conclua de g, d e e que E(t) = 0 para todo t. i. Conclua dáı que w(x, t) é identicamente nula. 6 Uma das razões de expormos os passos acima de forma tão detalhada é pedagógica: esses passos são seguidos, nem sempre com a mesma trivialidade, em outras demonstrações de teoremas de unicidade de soluções de equações a derivadas parciais. Para teoremas de unicidade válidos em generalizações da equação de difusão vide, por exemplo, a Proposição 13.7, página 663, e a Proposição 13.8, página 665. Podemos generalizar um pouco a proposição acima, mas apenas para condições de Dirichlet. Isso é o conteúdo da proposição que segue. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 658/1730 Proposição 13.3 Considere a equação diferencial ∂u ∂t −K ∂ 2u ∂x2 − α∂u ∂x = F (x, t) , (13.149) com K > 0, α ∈ R, constantes, e F é uma função dada (em prinćıpio arbitrária). Acima, x ∈ [0, L] para algum L > 0 e t ≥ 0. As condições iniciais são u(x, 0) = u0(x), (13.150) onde u0 : [0, L] → R é uma função arbitrária. Então, para condições de Dirichlet: u(0, t) = f1(t), u(L, t) = f2(t) , onde fi são funções arbitrárias, a solução de (13.149) é única, caso exista. 2 Prova. A prova segue os mesmos passos descritos no Exerćıcio E. 13.24, mas agora E′(t) = −2K ∫ L 0 ( ∂w ∂x )2 dx+ 2K ( w(L, t) ∂w ∂x (L, t) − w(0, t)∂w ∂x (0, t) ) + α ( w(L, t)2 − w(0, t)2 ) . Porém, os dois últimos termos são nulos, em função das condições de Dirichlet, e obtemos a mesma expressão para E′(t) que no caso do Exerćıcio E. 13.24. • Unicidade de soluções para a equação de ondas em um intervalo finito Vamos agora considerar outra equação importante em F́ısica, a equação de ondas. A proposição que segue apresenta condições que garantem unicidade para as soluções da equação de ondas a coeficientes constantes definida em um intervalo finito da reta sob certas condições iniciais e de contorno. Proposição 13.4 Considere a equação diferencial ∂2u ∂t2 − c2 ∂ 2u ∂x2 + γ ∂u ∂t = F (x, t) (13.151) com c > 0, γ ≥ 0, constantes, sendo F uma função dada (em prinćıpio arbitrária). Acima, x ∈ [0, L] para algum L > 0 e t ≥ 0. As condições iniciais são u(x, 0) = u0(x), ∂u ∂t (x, 0) = v0(x) , (13.152) onde u0, v0 : [0, L] → R são igualmente funções arbitrárias. Para as condições de contorno, consideramos I. Condições de Dirichlet: u(0, t) = f1(t), u(L, t) = f2(t) . II. Condições de Neumann: ∂u ∂x (0, t) = f3(t), ∂u ∂x (L, t) = f4(t) . Acima, fi são funções arbitrárias. Então, caso exista, a solução de (13.151) com as condições iniciais (13.152) é única tanto no caso de condições de contorno do tipo de Dirichlet quando do tipo de Neumann. 2 A proposição acima garante unicidade da solução para qualquer função F (x, t) e quaisquer funções fi, mas não garante a existência de soluções. Para garantir existência e exibir uma solução (por exemplo em termos de séries de Fourier) é preciso ser mais restritivo quanto à função F e às funções fi. A proposição acima pode ser bastante generalizada. Isso é apresentado na Proposição 13.9, página 666. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 661/1730 Considere-se a quantidade U := ∫ R ( ~∇w(~x) )2 d3~x . É evidente pela definição que U ≥ 0. Como ∇· ( w~∇w ) = ( ~∇w )2 +w∆w = ( ~∇w )2 (pois ∆w = 0), temos, pelo Teorema de Gauss, Teorema 4.1, página 187, U = ∫ R ∇ · ( w~∇w ) (~x) d3~x Gauss = { ∂R w(~x) ∂w ∂n (~x) dσ(~x) , (13.156) dσ(~x) sendo a medida de integração de superf́ıcie em ∂R. No caso de uma condição de Neumann ou de Dirichlet o lado direito de (13.156) anula-se, pois ou w(~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (Dirichlet) ou ∂w∂n (~x) = 0 para todo ~x ∈ ∂R (Neumann). No caso de uma condição mista o lado direito de (13.156) fica − { ∂R a(~x) ( ∂w ∂n (~x) )2 dσ(~x) ≤ 0, pois a foi suposta não-negativa. Como, de acordo com a definição, U ≥ 0, conclúımos novamente que U é nulo. Assim, para cada uma das três condições conclúımos que U = 0, o que implica que ~∇w = 0 em todo R. Logo, u(~x) = v(~x) + c, onde c é uma constante. No caso de uma condição de Dirichlet essa constante deve anular-se, pois u e v satisfazem as mesmas condições em ∂R. O mesmo se dá para uma condição mista. No caso de uma condição de Neumann essa constante pode ser arbitrária. Ainda no caso de Neumann, vê-se que a condição (13.155) é necessária aplicando a φ a terceira identidade de Green, relação (4.29) do Teorema 4.3, página 187. Mutatis mutantis, a demonstração das afirmações de acima não se altera em duas ou mais dimensões. • Unicidade de solução para as equações de Laplace e Poisson em R3 A Proposição 13.5, página 660, estabelece condições que garantem a unicidade de solução das equações de Poisson e Laplace em regiões finitas. Uma generalização para equações de Poisson e Laplace definidas em todo R3 pode ser obtida, mas certos cuidados com as hipóteses são necessários. Contemplando a demonstração da Proposição 13.5, vemos que a mesma pode ser estendida para equações definidas em todo R3 desde que se possa garantir que a expressão { ∂R w(~x) ∂w ∂n (~x) dσ(~x) , (13.157) do lado direito de (13.156), convirja a zero no limite quando R → R3, pois isso garantirá que U := ∫ R3 ( ~∇w(~x) )2 d3~x é nula e, portanto, que w é constante em todo R3. Agora, a condição que lim ‖~x‖→∞ ‖~x‖2w(~x) ∥∥∥~∇w(~x) ∥∥∥ = 0 é suficiente para garantir que a expressão de (13.157) anule-se quando R → R3 e, portanto, é suficiente para garantir a unicidade de solução das equações de Laplace e Poisson em R3. Como veremos abaixo, porém, essa condição pode ser modificada. Ainda assim, podemos provisoriamente apresentar a seguinte extensão da Proposição 13.5: Proposição 13.6 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça lim ‖~x‖→∞ ‖~x‖2 |u(~x)| ∥∥∥~∇u(~x) ∥∥∥ = 0 . Então, se existir, a solução é única a menos de uma constante aditiva. 2 Para certas aplicações esse resultado é um tanto restritivo. Para irmos além dele, necessitamos um estudo mais detalhado de propriedades de soluções da equação de Laplace. De fundamental importância é o chamado Teorema do Valor Médio para funções harmônicas, que apresentamos na Seção 16.3, página 740. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 662/1730 Teorema 13.1 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça lim ‖~x‖→∞ |u(~x)| = 0. Então, se existir, a solução é única. 2 Prova. Se houver duas soluções u e v do problema, a diferença w = u − v satisfaz lim‖~x‖→∞ |w(~x)| = 0 e é uma função harmônica, ou seja, satisfaz a equação de Laplace ∆w = 0. Para todo ~x ∈ R3 vale, portanto, o Teorema do Valor Médio, Teorema 16.4, página 741, que afirma que, para qualquer R > 0, w(~x) = 1 4πR2 { ∂BR w(~y) dσ(~y) . (13.158) onde BR é uma esfera de raio R centrada em ~x. Definindo K(R) = max{|w(~y)|, ~y ∈ ∂BR}, extráımos facilmente de (13.158) que |w(~x)| ≤ K(R). Tomando R → ∞ e lembrando que lim‖~x‖→∞ |w(~x)| = 0 (o que implica limR→∞K(R) = 0), segue que |w(~x)| = 0. Como isso vale para todo ~x ∈ R3, segue que u = v em toda parte, provando a unicidade. O Teorema a seguir generaliza o Teorema 13.1 e sua demonstração é idêntica. Teorema 13.2 Considere-se o problema de determinar a solução da equação de Poisson ∆u(~x) = ρ(~x) (a equação de Laplace é o caso particular em que ρ(~x) ≡ 0) em R3 de forma que u satisfaça, para cada versor x̂, lim R→∞ |u(Rx̂)| = Φ(x̂) , onde Φ é uma função dada definida na esfera unitária. Então, se existir, a solução é única. 2 Prova. Se houver duas soluções u e v do problema, a diferença w = u − v satisfaz lim‖~x‖→∞ |w(~x)| = 0 e é uma função harmônica, ou seja, satisfaz a equação de Laplace ∆w = 0. Os demais passos são idênticos aos da demonstração do Teorema 13.1. O Teorema 13.1 tem também o seguinte corolário evidente, o qual será evocado adiante: Corolário 13.1 A única função harmônica em R3 que satisfaz lim ‖~x‖→∞ |u(~x)| = 0 é a função identicamente nula. 2 Prova. A função identicamente nula é harmônica e trivialmente satisfaz lim ‖~x‖→∞ |u(~x)| = 0. Portanto, pelo Teorema 13.1 é a única função com essas propriedades. 13.6.3 Unicidade de Soluções. Generalizações Nesta seção continuaremos a discussão sobre teoremas de unicidade de soluções de equações a derivadas parciais de interesse, particularmente para versões mais gerais das equações de ondas e de difusão, em uma ou mais dimensões espaciais. O problema de determinar soluções de equações diferenciais submetidas a condições iniciais é freqüentemente deno- minado problema de Cauchy. • Unicidade de solução para a equação de difusão em regiões finitas A proposição que segue estabelece unicidade de solução para uma forma bastante geral da equação de difusão definida em um conjunto limitado e conexo D de Rn, para todo n ≥ 1, sob certas condições iniciais e certas condições de contorno, que podem ser do tipo de Dirichlet42, de Neumann43 ou mistas (vide abaixo), generalizando assim a Proposição 13.2, da página 656. 42Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805–1859). 43Carl Neumann (1832–1925). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 663/1730 Proposição 13.7 Consideremos para uma função real u a equação diferencial linear, denominada equação de difusão, dada por γ(~x) ∂u ∂t (~x, t) − ~∇ · ( κ(~x, t)~∇u(~x, t) ) + η(~x)u(~x, t) = ϕ(~x, t) , (13.159) definida para ~x em um conjunto não-vazio, aberto, conexo e limitado D ⊂ Rn, n ≥ 1. Suporemos que γ e η são cont́ınuas por partes com γ(~x) ≥ 0 e η(~x) ≥ 0, ambas podendo se anular apenas em um conjunto de medida nula. Suporemos também que κ é cont́ınua e diferenciável e que κ(~x, t) ≥ 0. Denotaremos por D o fecho de D (que é compacto, pois D é limitado) e denotaremos por ∂D = D \D a fronteira de D. Acima, ϕ(~x, t) é uma função real dada de ~x e t que, se não-nula, faz de (13.159) uma equação não-homogênea. Sobre a região D, suporemos ainda que ∂D seja diferenciável e orientável, de modo que em qualquer ponto ~x de ∂D possamos definir o versor (vetor de comprimento 1) ~n(~x) normal à ∂D no ponto ~x e apontando para fora de D. Iremos supor que a função u esteja submetida a condições iniciais que fixam seu valor em t = 0: u(~x, 0) = u0(~x) , ∀~x ∈ D , (13.160) onde a função real u0 é um dado do problema (denominado dado de Cauchy). Além disso, iremos supor que u(~x, t) esteja submetida a condições na fronteira ∂D, as chamadas condições de contorno. Trataremos dos seguintes tipos de condições de contorno: I. Condições de Dirichlet: u(~x, t) = φ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, φ(~x, t) sendo uma função real dada. II. Condições de Neumann: ∂u ∂n (~x, t) = −ψ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, ψ(~x, t) sendo uma função real dada. Acima, ∂u∂n representa a derivada normal de u à superf́ıcie ∂D, ou seja, ∂u∂n (~x, t) = ~n(~x) · ~∇u(~x, t), ~x ∈ ∂D. III. Condições mistas: para uma função cont́ınua α(~x, t) ≥ 0, definida em ∂D para todo t ≥ 0, tem-se u(~x, t) + α(~x, t) ∂u ∂n (~x, t) = χ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, χ(~x, t) sendo uma função real dada. Então, para cada uma das condições de contorno descritas acima, a solução do problema de Cauchy de determinar a solução (13.159) para as condições iniciais (13.160) é única, caso exista. 2 Vide também a Proposição 13.8 para uma generalização. Antes de passarmos à demonstração da Proposição 13.7, façamos alguns comentários. O leitor deve ter notado que no enunciado da Proposição 13.7 não são feitas restrições às funções ϕ, φ, ψ e χ, acima, pois, de fato, restrições não são necessárias para garantir-se unicidade. Para uma prova de existência de solução, porém, certamente são necessárias restrições a essas funções, tais como continuidade por partes etc. Não trataremos de condições gerais de existência aqui. Na Proposição 13.7, acima, a região D é limitada e conexa. O estudante pode perguntar-se o que ocorre com a questão da unicidade se considerarmos a equação de difusão, equação (13.159), em regiões abertas, conexas, mas não-limitadas, como Rn, por exemplo. Nesse caso, tem-se que considerar outras condições de contorno no infinito e os métodos de demonstração abaixo não funcionam. Sob condições convenientes, é posśıvel demonstrar unicidade de solução, mas algumas surpresas interessant́ıssimas ocorrem. Vide para tal a fascinante discussão de [112], especialmente seus caṕıtulos 67 e 68. A equação (13.159) pode ser interpretada como a equação de difusão de calor sem convecção em um meio homogêneo de constante de difusão κ(~x, t), a função u(~x, t) representando a temperatura do meio no ponto ~x no instante t. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 666/1730 ∀~x ∈ D, onde a função real u0 é um dado do problema (denominado dado de Cauchy) e a condições de contorno do tipo de Dirichlet na fronteira ∂D: u(~x, t) = φ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, φ(~x, t) sendo uma função real dada. Então, a solução do problema de Cauchy de determinar a solução (13.165) para as condições iniciais (13.166) é única, caso exista. 2 O leitor deve notar que a equação diferencial (13.165) difere de (13.159) pela introdução do termo contendo o campo ~θ, sendo que supomos que o divergente desse campo seja maior ou igual a zero em D. É de se notar também o fato de a proposição limitar-se a condições de contorno do tipo de Dirichlet. Prova. A prova segue os mesmos passos do caso da Proposição 13.7, mas obtem-se agora dA dt (t) = −2 ∫ D κ(~x, t) ( ~∇w )2 dn~x− ∫ D ( ~∇ · ~θ ) w2 dn~x+ ∫ ∂D w2 ( ~θ · ~n(~x) ) ds(~x) , (13.167) em lugar de (13.163). A integral sobre ∂D é nula sob condições de Dirichlet, pois para elas w anula-se na fronteira. Assim, se ~∇ · ~θ ≥ 0, obtem-se novamente dAdt (t) ≤ 0 sob condições de Dirichlet45, conduzindo às mesmas conclusões que no caso da Proposição 13.7. • Unicidade de solução para a equação de vibrações elásticas em regiões finitas A proposição que segue estende os resultados de unicidade que obtivemos para a equação de difusão na Proposição 13.7, acima, para uma forma bastante geral da equação que descreve vibrações em meios elásticos, definida em um conjunto limitado e conexo D de Rn, para todo n ≥ 1, sob certas condições iniciais e certas condições de contorno, que podem ser do tipo de Dirichlet, de Neumann ou mistas. Um caso particular importante é a equação de ondas, de grande relevância em F́ısica, tratado na Proposição 13.4 da página 658 no caso unidimensional. Proposição 13.9 Consideremos para uma função real u a equação diferencial linear, dada por ρ(~x) ∂2u ∂t2 (~x, t) + γ(~x, t) ∂u ∂t (~x, t) − ~∇ · ( τ(~x)~∇u(~x, t) ) + η(~x)u(~x, t) = ϕ(~x, t) , (13.168) definida para ~x em um conjunto não-vazio, aberto, conexo e limitado D ⊂ Rn, n ≥ 1. D é, assim, limitado e conexo. Assumiremos que τ é cont́ınua e diferenciável e que ρ, γ e η sejam cont́ınuas por partes. Suporemos também que ρ(~x) > 0 e τ(~x) > 0, exceto em conjuntos de medida nula, onde podem anular-se. Assumiremos também que η(~x) ≥ 0 e que γ(~x, t) ≥ 0 para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0. Denotaremos por D o fecho de D (que é compacto, pois D é limitado) e denotaremos por ∂D = D \D a fronteira de D. Sobre a região D, suporemos ainda que ∂D seja diferenciável e orientável, de modo que em qualquer ponto ~x de ∂D possamos definir o versor (vetor de comprimento 1) ~n(~x) normal à ∂D no ponto ~x e apontando para fora de D. Iremos supor que a função u esteja submetida a condições iniciais que fixam seu valor em t = 0 assim como o de sua derivada temporal: u(~x, 0) = u0(~x) , ∂u ∂t (~x, 0) = v0(~x) . (13.169) ∀~x ∈ D, onde as funções reais u0 e v0 são dados do problema (denominados dados de Cauchy). Além disso, iremos supor que u(~x, t) esteja submetida a condições na fronteira ∂D, as chamadas condições de contorno. Trataremos dos seguintes tipos de condições de contorno: I. Condições de Dirichlet: u(~x, t) = φ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, φ(~x, t) sendo uma função real dada. 45O leitor poderia pensar que podeŕıamos incluir condições mistas de contorno e ainda obter dA dt (t) ≤ 0 em (13.167) se adicionalmente supuséssemos que ~θ · ~n(~x) ≤ 0 em todo ∂D, mas isso é incompat́ıvel com ~∇ · ~θ ≥ 0, pelo Teorema de Gauss, Teorema 4.1, página 187. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 667/1730 II. Condições de Neumann: ∂u ∂n (~x, t) = −ψ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, ψ(~x, t) sendo uma função real dada. Acima, ∂u∂n representa a derivada normal de u à superf́ıcie ∂D, ou seja, ∂u∂n (~x, t) = ~n(~x) · ~∇u(~x, t), ~x ∈ ∂D. III. Condições mistas: para uma função cont́ınua ζ(~x, t) ≥ 0, definida em ∂D para todo t ≥ 0, tem-se ∂u ∂t (~x, t) + ζ(~x, t) ∂u ∂n (~x, t) = χ(~x, t) para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0, χ(~x, t) sendo uma função real dada. IV. A expressão τ(~x)∂u∂t ∂u ∂n anula-se identicamente na fronteira ∂D. Então, para cada uma das condições de contorno descritas acima, a solução do problema de Cauchy de determinar a solução (13.168) para as condições iniciais (13.169) é única, caso exista. 2 A equação (13.168) descreve vibrações elásticas em um meio material de densidade ρ(~x) localizado em D. O termo γ(~x, t)∂u∂t (~x, t) descreve uma dissipação (por exemplo, por atrito viscoso com um meio externo) e τ(~x) deve ser inter- pretado como a tensão do meio no ponto ~x. O termo η(~x)u(~x, t) provém de uma força harmônica restauradora (caso η positivo) agindo sobre cada ponto do meio. Por fim, ϕ(~x, t) representa uma força externa (por unidade de volume) agindo sobre o sistema no ponto ~x no instante t. Para uma dedução parcial dessa expressão no caso unidimensional vide, por exemplo, [54]. Um caso particular importante é aquele em que γ, η e ϕ são nulas e ρ e τ são constantes positivas, caso esse em que (13.168) assume a forma da equação de ondas livres ∂2u ∂t2 (~x, t) − c2∆u(~x, t) = 0 , c = √ τ ρ . A constante c tem a interpretação de velocidade de propagação das ondas. Prova da Proposição 13.9. Afirmamos que sob as condições descritas na proposição, a solução de (13.168) é única, caso exista. Para tal, vamos supor que u e v sejam duas soluções reais de (13.168), ambas satisfazendo as mesmas condições iniciais e as mesmas condições de contorno, quer sejam de Dirichlet, de Neumann ou mistas, descritas acima. Consideremos a função w definida por w(~x, t) := u(~x, t) − v(~x, t). Como (13.168) é linear, é fácil constatar que w satisfaz a equação homogênea ρ(~x) ∂2w ∂t2 (~x, t) + γ(~x, t) ∂w ∂t (~x, t) − ~∇ · ( τ(~x)~∇w(~x, t) ) + η(~x)w(~x, t) = 0 , (13.170) para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0, assim como as condições iniciais w(~x, 0) = 0, e ∂w∂t (~x, 0) = 0, ∀~x ∈ D. Quanto às condições de contorno teremos, para o caso de condições de Dirichlet, w(~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Para o caso de condições de Neumann, ∂w∂n (~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Para o caso de condições mistas, ∂w ∂t (~x, t) + ζ(~x, t) ∂w ∂n (~x, t) = 0 para todo ~x ∈ ∂D e todo t ≥ 0. Desejamos mostrar que w é identicamente nula, o que prova que u e v são idênticas, estabelecendo unicidade de solução sob as condições mencionadas. Para tal, consideramos a expressão E(t) = ∫ D [ ρ(~x) 2 ( ∂w ∂t (~x, t) )2 + τ(~x) 2 ( ~∇w(~x, t) )2 + η(~x) 2 ( w(~x, t) )2 ] dn~x . (13.171) É evidente pelas hipóteses de positividade sobre ρ, τ e η que E(t) ≥ 0 para todo t ≥ 0. Tem-se, porém, E(0) = 0, pois em t = 0 a função w anula-se, assim como sua derivada temporal (pela condição inicial para w). Como w é diferenciável JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 13 668/1730 em relação a t, podemos calcular a derivada ddtE(t) por dE dt (t) = ∫ D [ ∂w ∂t ρ(~x) ∂2w ∂t2 + τ(~x) ( ~∇w · ~∇∂w ∂t ) + η(~x)w ∂w ∂t ] dn~x (13.170) = ∫ D [ ∂w ∂t ( −γ(~x, t)∂w ∂t + ~∇ · ( τ(~x)~∇w ) − η(~x)w ) + τ(~x) ( ~∇w · ~∇∂w ∂t )] dn~x + ∫ D η(~x)w ∂w ∂t dn~x = − ∫ D γ(~x, t) ( ∂w ∂t )2 dn~x + ∫ D [ ∂w ∂t ~∇ · ( τ(~x)~∇w ) + τ(~x) ( ~∇w · ~∇∂w ∂t )] dn~x = − ∫ D γ(~x, t) ( ∂w ∂t )2 dn~x + ∫ D ~∇ · ( τ(~x) ∂w ∂t ~∇w ) dn~x Gauss = − ∫ D γ(~x, t) ( ∂w ∂t )2 dn~x + ∫ ∂D τ(~x) ∂w ∂t ∂w ∂n ds(~x) , (13.172) onde ∂w∂n é a derivada normal introduzida à página 667. No caso de condições de Dirichlet, w anula-se na fronteira ∂D para todo t e, portanto, também sua derivada temporal se anula. Com isso, a segunda integral em (13.172) vale zero, o que também ocorre para condições de Neumann pois, áı, ∂w ∂n é nula, assim como para as condições de contorno do tipo IV, descritas na página 667. Nesses casos tem-se, assim, dE dt (t) = − ∫ D γ(~x, t) ( ∂w ∂t )2 dn~x , que é menor ou igual a zero, pois supomos γ(~x, t) ≥ 0. Para condições de contorno mistas, tem-se dE dt (t) = − ∫ D γ(~x, t) ( ∂w ∂t )2 dn~x− ∫ ∂D τ(~x)ζ(~x, t) ( ∂w ∂n )2 ds(~x) , que é igualmente menor ou igual a zero, pois supusemos que τ(~x) > 0, γ(~x, t) ≥ 0 e ζ(~x, t) ≥ 0. Para os vários tipos de condições de contorno tratados, chegamos ao mesmo tipo de situação encontrada na prova da Proposição 13.7: temos que E(t) ≥ 0 e que dEdt (t) ≤ 0 para todo t ≥ 0, mas E(0) = 0. Isso só é posśıvel se E(t) = 0 para todo t ≥ 0. Lembrando a definição de E(t) em (13.171) e da hipótese que ρ e τ são positivos (exceto, talvez, em conjuntos de medida nula), conclúımos que para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0 tem-se ∂w∂t (~x, t) = 0 e ~∇w(~x, t) = 0, o que implica que w(~x, t) é uma constante para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0. Lembrando que w(~x, 0) = 0 pela condição inicial, conclúımos que w(~x, t) é nula para todo ~x ∈ D e todo t ≥ 0. Isso implica que as soluções u e v são idênticas, que é o que queŕıamos provar. E. 13.27 Exerćıcio. Se u é uma solução da equação (13.168), que descreve vibrações elásticas em um meio material, então a expressão que define E(t) em (13.171), ou seja, E(t) = ∫ D [ ρ(~x) 2 ( ∂u ∂t (~x, t) )2 + τ(~x) 2 ( ~∇u(~x, t) )2 + η(~x) 2 ( u(~x, t) )2 ] dn~x , representa a energia mecânica dessas vibrações. Justifique essa afirmação. Determine, como fizemos acima, mas para ϕ não-nula e para condições de contorno não-homogêneas, a expressão de dEdt (t). Discuta sob quais circunstâncias a energia é conservada. 6
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