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Guias e Dicas
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Deus ou seja a natureza, Manuais, Projetos, Pesquisas de Física

Livro onde explica a parte filosofica da criação da teoria da relatividade de Einstein, baseado em Spinoza.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 26/10/2010

eduardo-almeida-36
eduardo-almeida-36 🇧🇷

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Baixe Deus ou seja a natureza e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Física, somente na Docsity! Deus ou seja a Natureza Spinoza e os novos paradigmas da Física Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:001 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitor Naomar Monteiro de Almeida Filho Vice-Reitor Francisco José Gomes Mesquita EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Diretora Flávia Goullart Mota Garcia Rosa Conselho Editorial Titulares Ângelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninõ El-Hani Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti José Teixeira Cavalcante Filho Maria do Carmo Soares Freitas Suplentes Alberto Brum Novaes Antônio Fernando Guerreiro de Freitas Armindo Jorge de Carvalho Bião Evelina de Carvalho Sá Hoisel Cleise Furtado Mendes Maria Vidal de Negreiros Camargo Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:002 A Meus pais, Wanda e Tadeu Ponczek (in memoriam), que me proporcionaram muitas coisas boas e, dentre elas, a possibilidade de conhecer o pensamento de Baruch Spinoza. À Milena, minha filha, e Helena, neta, por me proporcionarem a virtude da alegria. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:005 ] | Ponczek Deus ou seja a naturezapmd 6 24/8/2009, 16:00 AGRADECIMENTOS Este livro foi o resultado de muitos anos de diálogos e interações com várias pessoas, às quais gostaria de agradecer: Aos meus pais (in memoriam), não só por darem origem à minha existência, mas por me proporcionarem uma educação que alicerçou meus valores éticos, estéticos e filosóficos, que me fizeram aproximar de Spinoza. À Milena e Vladimir, filhos, pelas permanentes presenças incentivadoras, e por muitos dos gráficos, desenhos e ilustrações cuidadosas deste texto. À Eliana, companheira e motivadora. Aos amigos e companheiros de todas as horas, por saberem conviver comigo, incentivando-me até nos momentos em que todo autor de livro se torna um chato. Ao Prof. Dante Galeffi, por conhecer a suprema arte do diálogo que alterna, em justas proporções, o dizer com o silêncio da escuta. Aos colegas Profs. Miguel A. Bordas, Benedito Pepe, Iuri Pepe, Maria Luísa Ferreira, Cesar Castañeda, por valiosas sugestões. A todos que me suportaram anos a fio, ouvindo os tediosos discursos acadêmicos de alguém que escreve um interminável livro. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:007 ] | Ponczek Deus ou seja a naturezapmd 10 24/8/2009, 16:00 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS | 7 NOTA AUTOBIOGRÁFICA | 15 PREFÁCIO | 21 INTRODUÇÃO | 29 Parte I A FILOSOFIA DE SPINOZA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A FÍSICA CAPÍTULO I PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA | 45 CAPÍTULO II A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS | 65 A substância, modos e atributos: uma filosofia com rigor geométrico | 66 Uma definição geométrica e uma interpretação física alternativa da substância, atributos e modos | 71 Os modos finitos | 76 A isonomia entre corpo e mente | 79 O conatus, as paixões humanas e primeiras lições para um mestre de Física | 84 Reflexões sobre a vontade. A vontade de ensinar e aprender Física | 91 A pequena física de Spinoza e a grande mecânica de Newton | 96 O martelo e o aprendizado | 103 Pan-animismo em Spinoza | 104 O Pensamento do todo e da parte | 106 Matéria Pensante? | 110 A ideia da ideia rompe a isonomia? | 111 Mudança, permanência e a pedagogia da felicidade | 115 CAPÍTULO III AS LEIS DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA | 121 As leis de conservação na natureza encontradas nos pré-socráticos e na Física aristotélica | 123 A busca da verdadeira grandeza matemática. A quantidade de movimento de Descartes | 124 O pensamento de Leibniz: vis viva e as mônadas | 126 A força imanente em Leibniz e a força transitória em Newton | 129 Huygens e a evolução do conceito de energia | 130 Quem afinal tinha razão: Descartes ou Leibniz? | 131 Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0011 CAPÍTULO IV CAUSALIDADE: HÁBITO, CATEGORIA OU PRINCÍPIO? | 135 A causalidade nos pré-socráticos e na Física aristotélica | 136 A causalidade e o Racionalismo | 138 A causa imanente e causa transitória | 141 Kant e a causalidade como categoria a priori do entendimento. Juízos sintéticos e analíticos na Física | 142 Empirismo: causalidade como experiência repetida | 144 Quem afinal está certo: empiristas ou racionalistas? | 146 Causalidade e racionalidade numérica | 147 Causalidade e sincronia em um oscilador forçado | 150 O empirismo e ensino de Física | 156 Hume, Spinoza ou Kant? Pequena reflexão pedagógica | 158 Parte II SPINOZA E EINSTEIN E SUAS AFINIDADES POSITIVAS: A TEORIA DA RELATIVIDADE CAPÍTULO V REFLEXÕES HISTÓRICAS SOBRE A TEORIA DA RELATIVIDADE. SUGESTÕES PEDAGÓGICAS | 163 O éter luminífero e a experiência de Michelson-Morley | 166 As Transformações de Lorentz | 170 A invariância das leis do eletromagnetismo e o falso relativismo | 174 Einstein conhecia a experiência de Michelson-Morley? | 176 Da Relatividade Especial à Geral | 177 A aceitação da Teoria da Relatividade Geral | 182 CAPÍTULO VI ENCONTROS METAFÍSICOS DE EINSTEIN COM SPINOZA: UMA DIDÁTICA SPINOZISTA DA TEORIA DA RELATIVIDADE | 185 O “Spinoza de Einstein”: um paralelismo biográfico e filosófico | 188 O homem que se mira no espelho | 194 Realismo e monismo | 198 A Duração em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 199 A simultaneidade em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 207 Consequências teológicas da Teoria da Relatividade | 213 Tempo como o número da causalidade | 215 Em busca da unidade | 217 “O maior erro de minha vida” | 220 Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0012 | 15 | NOTA AUTOBIOGRÁFICA Desde a adolescência, manifestei forte vocação para as Ciências Exatas, particularmente para a Física e a Matemática. Aos 15 anos, já tinha lido algumas biografias de grandes físicos, como Einstein, Newton e Galileo, que foram meus primeiros heróis, e já havia estudado também alguns livros de divulgação sobre a Teoria da Relatividade de Einstein, cientista cuja vida e obra sempre me exerceram profundo fascínio. Desde a mais tenra infância, ouvia também com encantamento meu pai falar sobre um certo filósofo judeu de origem portuguesa, de nome Baruch Spinoza, ou Espinosa (como preferem escrever os portugueses e espanhóis), que achava que Deus e a natureza eram a mesma coisa. E se Deus é a própria natureza em ato por que não estudá-la a fundo? Assim, não me foi difícil optar por fazer o vestibular para Física. Em 1967, já estava matriculado no Bacharelado de Física da PUC do Rio de Janeiro. Concluí o curso em 1970 e em ato contínuo inscrevi-me no Mestrado de Física Nuclear da mesma Instituição, tendo concluído a tese de mestrado, em 1974. Em 1975, prestei concurso público para professor Assistente na UFRJ, para a cadeira de Eletricidade e Magnetismo. Por volta desta época, participava de inúmeros congressos de Física importantes. Publiquei também alguns artigos em periódicos considerados do gênero “ciência dura”. Eu era até então um exemplo de um “físico bem comportado”, e nada me demoveria de tornar-me um físico no sentido clássico do termo: propor modelos matemáticos que reproduzissem, com boa precisão, os resultados experimentais, publicados em vastas tabelas. Em 1977, fui convidado, pelo Prof. Sérgio Guerreiro, antigo colega da PUC, para dar um curso de Teoria da Relatividade no Instituto de Física da UFBA, tendo como alunos várias pessoas que hoje se destacam no meio acadêmico da UFBA. Em 1978, fui contratado pelo antigo Centec, hoje Cefet, para ajudar a implantar a estrutura departamental e, em 1980, de volta à UFRJ, iniciei meu doutorado em Física molecular, concluindo os créditos e boa parte da tese cujo título provisório era: “O efeito esteira nos potenciais iônicos bi-atômicos”. O “físico sério e bem comportado” estava em franca atividade. No entanto, depois que voltei da Bahia, percebi que a minha vida jamais seria a mesma, pois meus interesses haviam mudado drasticamente. Comecei a Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0015 | 16 | interessar-me por Filosofia e Música, além de que me casei com uma baiana que me convenceu a mudar definitivamente para Salvador, e assim, de “físico sério e bem comportado”, passei a ser considerado pelos meus colegas como uma “alma inquieta” ou até mesmo como “sujeito irrequieto”. Em 1982, transferi-me definitivamente para o Instituto de Física da UFBA lecionando a partir de então várias disciplinas do currículo de graduação de Física, mas a minha mente já estava sinalizada para outras motivações. A busca das certezas da Física não me satisfazia mais, preferindo a minha alma inquietar-se com as lacunas e carências da especulação filosófica, bem como com as subjetividades da Música. Como primeiro sinal de minha mudança, em 1984, para espanto de meus amigos mais próximos, e de meus velhos pais, abandonei no meio a referida tese de doutorado em Física molecular, matriculando-me, em 1984, no curso de Composição e Regência da Escola de Música UFBA, tendo sido aluno de grandes compositores como Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso, chegando a compor algumas peças eruditas como trios e quartetos. Por volta de 1986, dediquei-me à critica musical iniciando um período de 12 anos como crítico de música erudita no Caderno Cultural do jornal A Tarde, onde permaneci até 1998, tendo publicado centenas de artigos de crítica de espetáculos e análise musical. Em um segundo momento de minha nova vida, a partir de 1988, reiniciei meus estudos de Filosofia e História da Ciência, começados na adolescência. Em 1990, numa época em que no Brasil poucos físicos se interessavam por História ou Filosofia, criei, no Instituto de Física da UFBA, juntamente com o Prof. Benedito Pepe, os Seminários de Ensino, História e Filosofia da Física, que evoluíram para o que hoje é denominado de Programa de Mestrado em Ensino, História e Filosofia da Ciência. A partir de 1998, resolvi revisitar meus ídolos da adolescência, tendo- me dedicado ao estudo exaustivo da filosofia de Baruch Spinoza e à suposta influência que o filósofo judeu exerceu sobre a Física moderna, em particular sobre o maior físico do séc. XX: Albert Einstein. Lembro-me bem que desde a infância no Rio, eu já sentia, em relação a Spinoza, uma espécie de veneração somente dedicada aos grandes sábios, e que foi certamente, como já mencionei, herdada de meu pai que sempre me repetia: Deus sive natura (Deus, ou seja, a natureza). Ao invés de átomos, elétrons ou forças nucleares, questões centrais da Filosofia como a vontade, o livre-arbítrio, a necessidade e contingência na natureza passaram a ser objetos de minha investigação, procurando sempre Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0016 | 17 | articulá-los com as idéias da Física, principalmente às de realismo, determi- nismo e indeterminismo que habitam a Teoria da Relatividade e a Física Quântica. É nesta mais recente área de interesse que acredito poder contribuir melhor para o alargamento dos horizontes da Física, inicialmente desnudando- a de suas linearidades artificiais para depois vesti-la com suas inúmeras articulações com a Filosofia, a História, a Música e a Educação, revisitando o esquecido quadrivium renascentista. Como exemplo dessa proposta filosófico-pedagógica, focalizarei meu olhar sobre aquilo que considero um dos mais pungentes exemplos de transmissão, afinidade, e até certo ponto, analogia de idéias existentes entre dois sistemas de pensamento separados, não só por contextos muito distintos, como por séculos. Relatarei, com certa dose de intuição, que a influência que Spinoza exerceu sobre Einstein atravessou séculos de história, perpassando por contextos políticos e religiosos muito distintos, resistindo até a mudanças radicais de paradigmas científicos. Enquanto Spinoza viveu em pleno século do determinismo racionalista, sendo um precursor do Iluminismo, Einstein teve que enfrentar um vendaval indeterminista, provocado pela recém-criada Teoria Quântica, mantendo, até o final de sua vida, contra quase todos os homens de ciência de sua época, uma renitente postura causal-determinista que pareceu, a muitos, anacrônica. No entanto, tais afinidades serão muito mais abduzidas do que deduzidas ou induzidas factualmente. Trabalharei muito mais como uma espécie de Sherlock Holmes e, munido de uma lente de aumento, ao invés de inexistentes provas cabais, buscarei cuidadosamente indícios, pistas, pegadas, coletando impressões digitais metafísicas que se escondem por detrás, e nas entrelinhas dos dois sistemas de pensamento. Como acontece nas tramas policiais, serão nos vestígios, deixados nas cinzas dos cachimbos que Spinoza e Einstein costumavam fumar, que buscarei as conexões, confirmando as suspeitas de cumplicidade entre nossos dois protagonistas. Como professor de Física há mais de 30 anos, acredito também que a identificação de elementos metafísicos, comuns em Spinoza e Einstein, será útil para um melhor entendimento da Física como um todo, e em particular das teorias da Relatividade e Quântica, geralmente ensinadas nas salas de aula como construções internas da Física, que se bastam e esgotam em si mesmas. No final, desta feita entregue à especulação fenomenológica, questionarei o fato de que muitos sistemas filosóficos contemporâneos não conseguiram Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0017 ] | Ponczek Deus ou seja a naturezapmd 20 24/8/2009, 16:00 | 21 | PREFÁCIO No âmbito da literatura espinosana o presente livro é um contributo singular, abrindo caminhos até agora inexplorados, que certamente agradariam ao autor da Ética. Outra coisa não se esperaria de Roberto Ponczek, um homem de interesses variados e de múltiplas paixões. Físico por formação é também filósofo, músico e pedagogo, estabelecendo habilmente pontes nestes diversos domínios. O olhar com que contempla o real constrói sínteses e concilia divergências. É o olhar de um mestre, de alguém que entende o ensino/aprendizagem como caminho para descobertas deslumbrantes e não como atividade mecânica de quem recebe informação e é obrigado a devolvê- la. Há um enfoque pedagógico que constitui o fio de Ariadne orientador do percurso desta obra, perspectiva explicitamente assumida e anunciada no próprio título: Deus ou seja a Natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Física. A tónica dominante é diálógica, estabelecendo-se um inter-câmbio entre a Filosofia e a Ciência, nomeadamente entre a Filosofia e a Física. Logo na introdução, Ponczek lamenta o equívoco que leva ao divórcio entre físicos e filósofos, geralmente de costas voltadas uns para os outros, dizendo os primeiros que a Filosofia é pura perda de tempo e queixando-se os segundos da linguagem hermética da Física. Na seqüência de Kuhn, que já se insurgira com o modo an-histórico (ou mesmo anti-histórico) como habitualmente se ensinam as diferentes ciências, o autor propõe uma pedagogia e uma dialéctica das mesmas que não as considera como “algo fechado, neutro, prático, linear, objectivo e desprovido de historicidade” (ver Introdução). É seu objectivo mostrar como o pensamento científico se desenvolve em espiral, inserido num contexto histórico, metafísico, ideológico e mesmo religioso e artístico, do qual seria artificial descolá-lo. Numa clara oposição ao positivismo comteano, Ponczek defende a proximidade da Ciência e da Filosofia, provando que certas questões científicas só serão compreendidas pelo recurso à metafísica. Em diálogo com esta tese primeira é possível destacar outras subteses que Roberto Ponczek aborda com igual entusiasmo e que constituem as traves mestras do seu trabalho. São elas: demonstrar que é possível ensinar/compreender a Física, tendo como pano de fundo a filosofia de Espinosa; tornar visível a influência deste filósofo Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0021 | 22 | seiscentista na Teoria da Relatividade de Einstein; reflectir sobre a separação da Filosofia e da Ciência depois da implantação e aceitação de um sujeito humano transcendental; propor uma pedagogia geral e especial (no caso da Física) orientada por trilhos espinosanos. O itinerário que o autor nos propõe procura estabelecer passadiços entre duas épocas (o séc. XVII e o séc. XX) e entre dois filósofos (Espinosa e Einstein). Um projecto tanto mais difícil quanto sabemos tratar-se de dois pensadores inseridos em contextos marcados por ideologias científicas fortemente contrastantes – o racionalismo determinista do qual Espinosa é representativo e o indeterminismo provocado pela Teoria Quântica, contestado por Einstein. Sendo Einstein uma das estrelas deste livro, é preocupação de Ponczek mostrar como nas suas teorias há uma constante presença do filósofo luso-judeu, alguém que o autor da Teoria da Relatividade profundamente admirou. Distanciando-se das linhas dominantes da Filosofia contemporânea, marcada por querelas lógico-lingüísticas, Ponczek retoma a trama metafísica que tão grata foi a Espinosa, aproximando a descentração antropológica que este pensador defendeu e as teses einsteinianas nas quais o homem é pensado juntamente com a Natureza. Assim a Teoria da Relatividade deixa de ser uma construção interna da Física e passa a entender-se de um modo articulado com a imanência espinosana. Há que re-ensinar a ensinar para que se possa re-aprender a aprender. Ora o novo modelo pedagógico que nos é proposto para uma didáctica da Física passa pela recuperação de Espinosa, um pensador que os alunos de ciências praticamente desconhecem, desconhecimento tanto mais grave quanto este filósofo representa uma excepção à “altivez do sujeito” (capítulo IX), atitude que Ponczek contesta, mas que reconhece ser dominante na História da Física. A crítica ao modo como habitualmente se ensinam as diferentes disciplinas científicas é o primeiro degrau para uma proposta ambiciosa – motivar os alunos para a leitura e o estudo das obras originais dos grandes clássicos da Física, levando-os a interessar-se por teses filosóficas sobre a Natureza. Se durante muitos séculos a Ciência e a Filosofia foram irmãs siamesas, pois a grande maioria dos filósofos deu contributos relevantes ao campo científico, há que retomar a prática salutar de um cruzamento de olhares, trazendo-a para o domínio pedagógico, de molde a que o ensino das ciências deixe de ser asséptico, repetitivo e desinteressante como infelizmente tem sido hábito. É essa a proposta de Ponczek que, não se contentando em Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0022 | 25 | num contexto interdisciplinar amplo. As discordâncias de Einstein perante as teorias de Mach e de Heisenberg são-nos apresentadas como reforço da posição defendida pelo autor da Teoria da Relatividade, cujo objectivo é compreender a Natureza “tal como ela é e não como se nos apresenta aos sentidos” (capítulo V). Nota-se um desejo marcado de contextualização das teorias físicas – neste caso as Teorias da Relatividade Geral e Especial – ligando-as, bem como as suas antecessoras, “às especulações filosóficas dos seus autores” (capítulo V). De igual modo é nítida a vertente pedagógica, uma perspectiva que Ponczek nunca abandona e que resulta da sua longa experiência de ensino. Devido a ela aconselha os professores a nunca abandonarem o humor, por muito formais e científicas que sejam as teses que ensinam. É também interessante e esclarecedor o relato feito das críticas ideológicas a que foram sujeitas as teses de Einstein, sobretudo por parte de físicos alemães anti-semitas. Mais uma vez fica patente que o conhecimento científico não se desenvolve numa redoma e que há factores extrínsecos que são parte importante da sua génese. Se o capítulo V é de cariz predominantemente histórico e científico, o capítulo VI – “Encontros metafísicos de Einstein com Spinoza” – tem uma vertente filosófica, embora não abandone a incidência pedagógica. O objectivo é sublinhar a convergência entre o programa de pesquisa científica de Einstein e a metafísica de Espinosa. Trata-se, pois de mostrar a professores e alunos de Física, as vantagens que terão se perceberem as Teorias da Relatividade (especial e geral) a partir do pensamento de Espinosa e não como uma “construção interna da física” (capítulo VI). A perspectiva filosófica e a presença de Espinosa continuam a fazer-se sentir no capítulo VII que se debruça sobre a essência, a existência e o princípio de incerteza. Inicia-se com ele um processo diferente – a exploração das afinidades negativas entre Einstein e Espinosa, ficando patentes as discordâncias do primeiro relativamente a Bohr, Born e Heisenberg. Tal como o filósofo judeu se opôs aos sistemas metafísicos coevos, também Einstein se insurgiu contra o indeterminismo e a contingência defendidas pela Escola de Copenhaga. A presença do autor da Ética continua a fazer-se sentir nas interpretações contemporâneas da Teoria Quântica e da Teoria da Relatividade, como é o caso das teses de Bohm. Estas são hipóteses que “devolvem ao mundo microscópico o determinismo tido como perdido” (capítulo VII), dizendo-nos Ponczek que a teoria das variáveis ocultas representa a consumação dos sonhos Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0025 | 26 | de Espinosa e de Einstein no que respeita a um mundo ordenado, livre de contingências e de arbitrariedades. Os capítulos IX e X integram a última parte da obra, nitidamente orientada para a pedagogia, propondo-se Ponczek corrigir as actuais deficiências do ensino/aprendizagem da Física, mediante o recurso a Espinosa. Trata-se de uma pedagogia filosofante, descentralizada e descentralizadora, “uma pedagogia sem sujeitos nem objetos” (capítulo IX). Retomando a metáfora do martelo que o filósofo judeu usara no Tratado da Reforma do Entendimento, Ponczek propõe-nos uma pedagogia que contrarie a especialização estreita e acarinhe a visão interdisciplinar. Para ele, há que “pensar como a Natureza pensa” (capítulo X). Ora o pensar faz-se ser através de nós mesmos, pois somos modos do Ser e, como tal, o conhecimento implica uma vibração comum do Ser com os seres bem como dos seres entre si. Pensa-se, como Espinosa nos propôs, “junto com e não sobre o Universo” (capítulo X), estabelecendo-se uma cosmodinâmica no acto de pensar. A preocupação pedagógica está patente no cuidado com que se expõem, de um modo claro e acessível aos leigos em Física, teorias tão complexas como a Relatividade Geral e Especial ou o princípio da incerteza. A mesma atenção é concedida aos leitores não filósofos, para os quais certas noções básicas como essência, existência, duração, substância, tempo, são apresentadas de um modo simples embora não simplista. A abstracção dos conceitos quer da Física quer da Filosofia é minorada pela apresentação da génese dos mesmos e pela sua inserção no contexto histórico e cultural em que surgiram, o que os torna mais acessíveis permitindo a sua integração nas referências significativas e conceptuais dos leitores. O uso constante de histórias e de metáforas é outro auxiliar determinante, conseguindo que um discurso em si mesmo difícil se torne familiar para a mente de quem estuda. Note-se que todas estas ajudas não prescindem de dois requisitos prévios, indispensáveis segundo Ponczek para todo o aprendiz de Física: que saiba cálculo e que domine o raciocínio matemático. O capítulo X é o culminar das intenções do autor. Nele nos é proposta “uma pedagogia spinozista filosofante e pensante”, porque a Natureza em Espinosa não é pensada mas sim pensante. Ao formular as leis o homem é a Natureza em acto. Ele não cria as leis, antes as descobre, agindo e pensando em conformidade com a substância. Inspirado em Espinosa, Ponczek fala-nos da verdade como “um campo ressonante de forças”, um resultado da comparticipação do homem com a Natureza. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0026 | 27 | A pedagogia clássica encara o mestre como transmissor de conhecimentos a um aluno que os absorve. Mais perto de nós, começam-se a considerar factores psicológicos, atendendo-se às motivações e aos interesses do aprendiz. Ponczek vai mais longe, entendendo o termo conhecimento no seu sentido francês de “connaissance”, à letra “nascer com”. Por isso valoriza o renascimento que toda a aprendizagem verdadeira implica, renascimento que decorre da relação dialógica. Mestres e alunos compartilham de um mesmo saber que é trabalhado na sala de aula. Inspirado em Espinosa e Einstein o autor propõe aos professores que estabeleçam nas suas aulas uma relação descentralizada, dialógica, fruto da relação entre partes e todo. Mestres e aprendizes deverão compartilhar um mesmo saber. É um processo solidário que não prescinde de um percurso solitário, uma aprendizagem individual e exigente que se reforça com aquilo que experimentamos todos os dias. A inserção no quotidiano, no que este tem de aparentemente banal e comezinho, permite- nos perceber que somos partes, malhas ou elos de uma cadeia contínua. Ora é na resolução desses aparentemente pequenos e triviais problemas que aprendemos a compreender o mundo. Diferentemente das questões que a Física tradicional impõe aos seus alunos, as propostas de Ponczek processam-se de dentro para fora, partem de vivências, não são artificialmente impostas. Para ele, o mestre espinosista é descentralizador, substituindo as certezas por dúvidas e obrigando a um pensamento solidário. O aluno aprenderá a estar atento aos fenómenos circundantes e a sua iniciação científica far-se-á através deles, dispensando o recurso a bibliografias extensas pois o excesso de livros pode ter efeitos nocivos. Ponczek contesta as bibliotecas de dimensões babilónicas, considerando-as como verdadeiros obstáculos para um conhecimento conseguido. O autor termina com uma recolha de trechos de pessoas célebres que escreveram sobre Espinosa, mostrando como este as influenciou, motivou ou simplesmente encantou. É um convite a ulteriores leituras para as quais o presente livro nos foi preparando, um livro que lemos com muito agrado, que nos interpelou, motivou e levantou questões. Houve interpretações que nos intrigaram e/ou surpreenderam; outras houve das quais discordamos. No entanto, todas elas nos fizeram pensar ou mesmo rever posicionamentos. A abertura para novos rumos do pensamento espinosano é a melhor homenagem que podemos fazer a quem simultaneamente nos fez tomar Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0027 | 30 | dos fenômenos ocorrida a partir de Kepler e Galileo. O que pretendo é servir de harmonia e contraponto filosófico às construções matemáticas operacionais da Física que tanto assustam os não-iniciados, vislumbrando nesta ciência uma aproximação essencial com a Filosofia, a Educação e a cultura. No linguajar médico significaria propor, para a cura da pedagogia da Física, um tratamento alternativo sem remoção da medicação principal. O que me move a propor esse novo ângulo de visada sobre a Ciência, e sobre a Física, em particular, é, repito, a forma estanque e pontual com que ela é geralmente ensinada nas salas de aula de nossos estabelecimentos de ensino médio e superior. A Física apresentada nas academias parece bastar-se a si própria tal qual um castelo feudal isolado por profundos fossos que ocultam os vínculos com a história do pensamento filosófico ou da práxis cotidiana, repelindo filósofos e outros pensadores da cultura. De fato, os textos, ementas, planos de cursos das disciplinas de Física, adotados e praticados nas salas de aulas das universidades brasileiras, desde o pós-guerra, são, em sua grande maioria, traduções e adaptações de textos de autores norte-americanos, apresentando a Física em complexas construções matemáticas fundadas em exaustivos programas experimentais. Segundo esses textos, foi inventada por Newton, reinventada por Einstein, tendo em Galileo uma espécie de coadjuvante esforçado, porém pouco eficiente. Kepler e Copérnico são agraciados com uns poucos parágrafos. Descartes, Kant ou Hume quase nunca são mencionados; e nosso filósofo homenageado, Spinoza, um ilustre desconhecido. Esses textos e programas, tecnicamente corretos, porém, sob os pontos de vista histórico e filosófico, extremamente pobres, já formaram várias gerações de físicos, químicos, engenheiros, matemáticos e professores com inegável eficiência e pragmatismo. No entanto, pelo menos três reflexões muito preciosas se perderam neste processo de aprendizagem: a possibilidade da Física abrir-se às questões metafísicas, aparentemente tão distantes, mas que no passado lhe deram origem; buscar na Física, particularmente em algumas de suas teorias, elementos relevantes para alguns dos problemas mais básicos da teoria do conhecimento, como sua origem, a essência ou possibilidade; e finalmente restituir o sentido originário de tempo na história da criação científica, buscando sua imbricação com outras atividades do espírito. De fato, a Ciência surge, dos livros, cursos e do discurso da maioria dos professores universitários, como flashes instantâneos que, em passes de mágica, Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0030 | 31 | nos induzem a crer que Newton, Einstein, Heisenberg ou Bohr, dentre outros, sem nenhum vínculo com os contextos históricos e filosóficos de suas épocas, tiraram de suas cartolas o conjunto de axiomas e leis com as quais sintetizaram a ciência de milênios. Este abracadabra faz surgir diante dos alunos, prontas e reluzentes, as relações F = ma, E = mc2 ou E = hν, antes mesmo que o raio de luz, que Einstein havia imaginado, toque o espelho! O objetivo é ensinar, assim, a Ciência como algo fechado, neutro, prático, linear, objetivo, desprovido de historicidade e conduzindo ora a um positivismo ingênuo ora a um empirismo radical. Não é prioritário saber como nascem e evoluem as ideias científicas, nem estabelecer vínculos e articulações entre elas, mas sim, como aplicá-las de sorte a produzirem efeitos práticos e imediatos. A corrida tecnológica e as frias leis de mercado nutrem esta pedagogia até os presentes dias. Portanto, não nos é revelado como são penosos, lentos e sinuosos os processos de evolução e aprendizado das ideias científicas, e muito menos como estas se relacionam com a totalidade das manifestações do espírito humano. Procurarei assim mostrar como o pensamento científico pode caminhar em espirais de forma que ideias novas e revolucionárias podem conter, mesmo que inconscientemente, ideias religiosas, artísticas ou metafísicas. De fato, a história do pensamento registra muitos exemplos de entrelaçamento de atividades que hoje nos podem parecer como pertencentes a domínios completamente distintos, como a Ciência, a Filosofia, as Religiões, as Artes e a Cultura de uma forma geral. Será a recriação de antigas ideias, ou a articulação, entre si, das diversas atividades culturais, uma mera coincidência? Ou será a estrutura do pensamento, muito mais complexa do que parece? Terá o homem a estranha capacidade de memorizar a origem de sua espécie repetindo ideias seculares? Certamente, o pensamento científico, e sua transmissão, evoluem de forma bem mais complexa de como é divulgado pela grande parte dos textos e currículos de Física, nos quais esta ciência aparece ensimesmada numa objetividade pontual produzida por lampejos isolados de gênios descomprometidos com a sociedade e a História, que se movem apenas pelas motivações internas de uma ciência pretensamente neutra. Segundo T. Kuhn1, a tendência dos livros-textos, a que ele denomina de manuais, a tornar linear o desenvolvimento da Ciência, acaba escondendo o processo que está na raiz dos episódios mais significativos de desenvolvimento científico. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0031 | 32 | O ensino de Física, engenharias e das ciências em geral, na maioria das universidades brasileiras (e por indução não tenho receio de generalizar esta observação para universidades de outros países), limita-se assim à leitura, por parte dos estudantes, de livros-textos especialmente preparados para adestrá- los em problemas normais e corriqueiros das teorias aceitas, até aquele momento, como corretas representações da natureza. Em seguida, os estudantes são submetidos a uma série de longas e estafantes listas de exercícios que reduzem o aprendizado a uma operação de condicionamento de reflexos do tipo “tal problema tal fórmula”. Certa vez, quando estudavam juntas, ouvi minha filha Milena e suas colegas repetirem coisas tais como “povotó igual pivití” ou “perua velha não rejeita tarado”. Perguntei-lhes o que significavam essas palavras bizarras, sendo informado, para meu espanto, que se tratava de fórmulas de Física... Como depois me confidenciaram, a primeira das expressões era uma forma de memorizarem a expressão Po Vo/To = Pi Vi/Ti, a chamada lei dos gases perfeitos, enquanto a segunda era um acróstico para PV= nRT, a lei de Clayperon! Muito mais relevante que memorizá-las é entender que as expressões matemáticas “falam” com o cientista ou tecnólogo a linguagem da natureza, assim como uma partitura ressoava, em silêncio, nos ouvidos de um músico surdo como Beethoven... Até a pós-graduação, e em muitos casos até a sua conclusão, é muito raro que os estudantes dos cursos científicos sejam incentivados por seus professores e orientadores a ler textos originais dos grandes pensadores (as chamadas fontes primárias) ou livros de História ou Filosofia da Ciência. O procedimento pedagógico comumente adotado, levado aos últimos estágios da formação de um cientista, faz com que este adquira um conhecimento parcial da ciência e passe a acreditar erroneamente que no passado a evolução do pensamento ocorreu de forma linear até chegar, sem traumas, às ideias e práticas científicas em vigor; e que no presente estas mesmas práticas sejam as únicas possíveis e imagináveis. Por outro lado, é muito comum também, as academias de ciência incutirem nos alunos um empirismo banal no qual as grandes descobertas científicas aparecem sempre precedidas por exaustivos programas de experimentação, como se a mente não fosse capaz de dar saltos que sintetizam vários saberes e a intuição não pudesse estabelecer relações entre os fatos passados ou futuros. Por exemplo, é comumente ensinado nas salas de aula que Einstein só pôde desenvolver a Teoria da Relatividade Restrita depois de tomar conhecimento da experiência de Michelson-Morley, o que ele jamais reconheceu. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0032 | 35 | elemento inextricável da physis, ou segundo o jargão spinoziano, um modo finito da infinita substância, ou seja, uma manifestação finita de Deus infinito. Será visto, com o necessário cuidado, que Spinoza postula um cosmocentrismo em que uma realidade-substância única, ilimitada, manifesta- se ora na forma dos corpos físicos extensos, e ora na forma de ideias ou pensamentos, os chamados modos ou acidentes da substância da qual o homem é apenas uma manifestação possível, um modo de ser. Refletir-se-á com cuidado que Einstein, em 1905, elimina o último cenário imóvel e privilegiado do universo, sepultando a ideia de um éter em relação ao qual as leis da Física poderiam ser escritas de maneira única e singular, propondo, ao invés, uma democratização de todos os sistemas de referência nos quais as leis da natureza, estas sim universais, teriam a mesma forma. Spinoza cerca de três séculos antes já havia entendido que, se a natureza é uma única substância, suas leis devem ser escritas e entendidas da mesma forma em qualquer parte. Acredito ser essa ontologia da Unidade um importante traço comum entre os dois sistemas de pensamento, e sobre ele focalizarei o meu olhar. A partir de então, a questão central deste texto direcionar-se-á no sentido de caracterizar os limites desta poderosa articulação para, desta forma, ampliar os horizontes perceptivos do processo de criação e transmissão do saber científico, e, com isso, educar cientificamente. Como desdobramento dessa proposta, apresentarei uma nova forma de entendimento da Teoria da Relatividade, não como uma construção interna da Física, mas fortemente articulada à imanência da metafísica spinoziana que, ao contrário de outras filosofias trascendentalistas, lhe é coerente. O que proponho não é ensinar a Ciência com vistas a objetivos estritamente tecnológicos, a ela externos, mas, reensiná-la como ressonância do homem frente ao cosmos, ao universo e à natureza do qual é uma manifestação. Tomarei como ponto central da investigação, a obra de Spinoza, um pensador praticamente ignorado nos textos científicos de cunho didático, e tido geralmente como construtor de uma ontologia aparentemente distante da prática científica. Ainda que a influência que Baruch Spinoza (1632,1677) exerceu sobre Albert Einstein (1879,1955) seja discutida e aceita por uns poucos biógrafos e epistemólogos, jamais é levada ao conhecimento de alunos ou mesmo de pessoas leigas interessadas nas áreas científicas. Entre esses poucos especialistas, o que varia, sendo objeto de polêmica, é o grau atribuído, de intensidade, extensão e natureza, dessa influência. D’Espagnat2 percebe no Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0035 | 36 | espaço-tempo curvo da Teoria Geral da Relatividade uma forte analogia com o atributo extensão da substância, definido na Ética de Spinoza, e Kouznetzov3, indo além, percebe na busca de Einstein de um campo unificado, uma motivação filosófica para encontrar neste conceito a própria substância spinoziana. M. Paty, com quem mantive um proveitoso diálogo por ocasião de sua permanência na Bahia em 2001, critica ambos, vendo nessas comparações um livre exercício imaginativo, desprovido de uma contextualização histórica mais rigorosa. Questiona Paty que programas filosóficos construídos em épocas distantes, em contextos diferentes, não podem ser comparados de forma simplista. No entanto, no aeroporto, já sendo chamado para o embarque no vôo que o levaria de volta a Paris, ele abriu-me a possibilidade de se vislumbrarem as “afinidades” e os “encontros”, como prefere chamar, existentes entre a natura spinoziana e a visão do universo de Einstein. Seguindo a metodologia de Paty, embora transgredindo, com bem menos cautela, os limites sugeridos pelo epistemólogo francês, procurarei caracterizar os principais vetores de convergência entre os dois pensadores, a saber, a questão religiosa, a descentralização de modos (entes) e observadores privilegiados, a causalidade determinista, o realismo, o panteísmo naturalista e a espacialidade do tempo; pois creio que, sem correr os riscos apontados por Paty, dificilmente poder-se-á estabelecer uma unidade e coerência, ao longo da história do pensamento científico e filosófico. Julgo assim que na busca das afinidades entre as ideias centrais de sistemas filosóficos aparentemente distintos, é possível encontrar-se a estrutura comum essencial do pensamento, como estado ressonante do homem com o mundo. Utilizando como fontes primárias obras e citações de ambos os pensadores sobre essas grandes questões, tentarei estabelecer até que ponto o programa científico do grande físico foi explicitamente influenciado pela Filosofia spinoziana. Assim, quaisquer que sejam a ordem e a intensidade dessas influências e afinidades, cristaliza-se uma nova dimensão do entendimento em que as Ciências e a Filosofia são construídas em um contexto histórico comum que se caracteriza por múltiplas articulações e complexas imbricações. Essas questões, a meu ver, não devem ficar restritas ao âmbito de uns poucos estudiosos, mas devem ser levadas às salas de aula, aos seminários de nossas universidades e até ao conhecimento de um público não- profissionalizado, mas sensível às grandes questões culturais da contemporaneidade. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0036 | 37 | No capítulo I, por motivos que exporei, apresentar-se-á uma pequena biografia de Spinoza, contextualizada, religiosa e historicamente, com o objetivo de enfatizar as afinidades biográficas existente entre o filósofo e Einstein. Serão expostos os motivos pelos quais a filosofia de Spinoza entrou em rota de colisão com as principais religiões monoteístas e, em particular, com o judaísmo conservador dos marranos portugueses da Amsterdã do séc. XVII. Mostrarei como o pensamento de Spinoza abriu, a facadas, o caminho para o Iluminismo francês, para o Aufklärung germânico e para a secularização do judaísmo. O capítulo II é uma introdução aos aspectos da filosofia de Spinoza mais diretamente ligados à Física, explicitando-se as posições deste autor, francamente contrárias ao acaso, ao livre-arbítrio ou à existência de um “eu pensante” central, e favoráveis às leis da natureza, não como gêneros de conhecimento humano, na interpretação de alguns, mas como modos infinitos que podem ser entendidos enquanto manifestações universais de uma substância infinita (campo unificado?). Este capítulo, por sua extensão, e por sua aparente distância da didática da Física, é o que provavelmente mais esforço demandará do leitor não-iniciado na filosofia spinoziana, mas, por outro lado, a sua leitura paciente possibilitar-lhe-á uma melhor compreensão dos capítulos finais deste trabalho. Mostrarei a seguir, no capítulo III, que dois dos mais importantes princípios de conservação da natureza, o da energia e o do momemtum linear, tiveram provavelmente a sua origem nos mitos de criação do universo e estavam também presentes no arché dos filósofos pré-socráticos. A partir de Galileo, Descartes e Leibniz, estes princípios evoluem ao se expressarem na forma de leis matemáticas que representam a invariância e os aspectos de eternidade da natureza, implícitos nos axiomas da metafísica spinozista. Em seguida, no capítulo IV, extrai-se um conceito físico de causalidade, caracterizando a sua evolução ao longo da História. Enfatizarei a transformação desse conceito na mecânica newtoniana, em que a força é uma causa externa cujo efeito não é o movimento, mas, sim, a sua mudança. Apresentarei a polêmica entre racionalistas e empiristas acerca da prioridade ou posteridade do conceito de causalidade, questionando a possibilidade de as leis da mecânica newtoniana poderem ser imediatamente estabelecidas pelos sentidos. Confrontar-se-á a tese kantiana de que a causalidade é uma categoria a priori do entendimento humano, em oposição à de Spinoza, que está associada a Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0037 | 40 | a liberdade da vontade humana, o chamado livre-arbítrio. É nesse sentido que se afirmará que Spinoza e Einstein tinham em comum a negação da contingência ontológica, tanto na natureza como um todo, como na natureza humana tomada em separado. Por fim, proporei nos dois capítulos finais, sempre inspirado em Spinoza, um entendimento filosofante consistindo na descentralização da sala de aula e do mestre e seus aprendizes, nela enclausurados, como sujeitos transcendentais; e que os prosaicos acontecimentos que compõem o cotidiano das pessoas, pedagogicamente podem ser tão ou mais relevantes que as lições que ocorrem com hora marcada, em um locus centralizado como é a sala de aula. O acender da chama de um fogão caseiro; o líquido engarrafado que se congela a um toque de nossa mão; o cozimento de um ovo em água fervente, evaporando-se rapidamente em fogo alto; as cores sequenciais do arco-íris, e a existência necessária de dois arcos; as fases da lua relacionadas às marés; a dança ressonante de uma árvore ao sabor da música do vento; o gotejar inclinado da chuva nas janelas de um carro em movimento; os sons ora agudos ora graves das ruidosas buzinas do trânsito; o repicar dos sinos da igreja mais próxima, revelando a riqueza sonora dos harmônicos; a atenta observação dos raios luminosos; são fenômenos que se revestem de uma importância cósmica e com os quais o aprendiz convive, co-pertencendo a uma infinita malha de acontecimentos que determinam a sua, e as demais existências no mundo. Sabe-se que Einstein não chegou à sua Teoria da Relatividade especial através de um aprendizado sistemático em sala de aula, e sim através de uma intuição que lhe ocorrera aos 16 anos, ao observar com atento cuidado um raio luminoso, imaginando como este apareceria a um viajante que se deslocasse com a mesma velocidade. Desta forma, esse modo de ser cognoscente que é o homem encontrar-se-á diuturnamente com uma quantidade imensa de outros modos-objetos com os quais interagirá forjando fortemente a sua realidade, e neste processo contínuo de conhecimento, envolve-se ele num mundo rico de relações e significados, consumando-se então o ato pedagógico, apenas sugerido em sala de aula. À guisa de orientação aos leitores que se depararão, ao longo deste livro, com uma gama razoavelmente ampla de temas que possivelmente poderão fazê-los se perder num labirinto multidisciplinar, devo esclarecer que toda essas questões encontram, na filosofia de Spinoza, o seu fio de Ariadne. Este livro não é mais do que a tentativa de unificar quatro grandes questões que Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0040 | 41 | me desafiam há muitas décadas: entender e ensinar a Física com uma visão spinozista de mundo; em que extensão Einstein a empregou quando criou a Teoria da Relatividade — e criticou a Teoria Quântica —; refletir sobre os rumos opostos que a Filosofia e a Ciência tomaram após a consolidação da grande construção epistemológica, erguida em torno de um sujeito humano transcendental; e, finalmente, propor caminhos spinozistas para a educação e o entendimento científicos. Na metafísica de Spinoza, que ressoará fortemente na Filosofia da Ciência de Einstein, buscarei uma inspiração comum. Afinal Heidegger já havia dito: A representação da ciência, nunca poderá decidir se, com a objetidade, a riqueza recôndita na essência da ciência não se retira e retrai ao invés de dar- se e se deixar aparecer. A ciência nunca poderá fazer esta pergunta e, muito menos, questionar esta questão. [...] Nenhuma física tem condições de falar da física. Em si mesma, nenhuma física pode vir a ser objeto de uma pesquisa física4. Ao longo deste texto, jamais deixarei de falar de Física — e de seu aprendizado — porém colocando-me, em alguns momentos, fora dela para assim a sua essência “dar-se e se deixar aparecer”. Convido o leitor a trilhar pacientemente este longo, e tortuoso, percurso, através da História e da Filosofia da Física, para que no final ela nos ressurja revigorada em sua essência. Esta última forma de pensar pergunta por um universo que, posto sob a indagação humana, parece se precipitar guiado pelas rodas da fortuna, como uma das faces do grande dado de Deus. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0041 ] | Ponczek Deus ou seja a naturezapmd “2 24/8/2009, 16:00 | 45 | CAPÍTULO I PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA A biografia de Spinoza é bastante conhecida, e abordada por um sem-número de autores muito competentes. Seria assim aparentementedesnecessário começar este livro com um resumo biográfico que pode parecer precário e incompleto, se comparado às melhores biografias do filósofo. No entanto, para que o leitor conheça melhor, não só o apreço de Einstein por este pensador, mas entenda também as motivações do autor deste texto: buscar o “Spinoza que existe na Física”, será necessário repetir resumidamente alguns episódios da vida do filósofo, pois esta se constitui em si mesma num dos mais importantes elos que o ligam a Einstein, e, portanto, à Física. Para entendermos melhor a vida, a Filosofia e as diversas influências que Spinoza sofreu, devemos conhecer a fundo não só a questão judaica envolvendo a vida do filósofo, mas também a história da formação da grande comunidade judaica sefaradita de Amsterdã. Tentarei, ainda que superficialmente, acompanhar o longo périplo do povo judeu até chegar à Holanda, no séc. XVII, e que pode ser desmembrado em quatro grandes acontecimentos: a diáspora de Israel na época de Cristo, a chegada e a longa permanência na Espanha, a fuga para Portugal, no final do séc. XV devido à Inquisição, e o novo êxodo para a Holanda no séc.XVII, onde finalmente nasceu o filósofo. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0045 | 46 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Inicialmente vou me reportar a cerca de dezesseis séculos antes de seu nascimento, mais precisamente ao ano 70 d.C., quando as legiões romanas comandadas por Tito invadem Jerusalém, destroem o Templo de Salomão (do qual hoje só resta o grande muro ocidental, o chamado Muro das Lamentações), e tentam transformar a cidade fundada pelo Rei David, cerca de 1000 anos antes, numa espécie de Roma oriental à qual denominaram de Aelia Capitolina. Aos judeus, só restaram duas alternativas: resistir a Roma ou simplesmente emigrar. A despeito dos vários bolsões de resistência à invasão romana, a maior parte dos judeus, logo após a destruição do Templo, resolveu emigrar, fenômeno histórico denominado de a grande Diáspora Romana. Hoje, praticamente todos os judeus espalhados pelo mundo são descendentes desses primeiros emigrantes de Israel, que seguiram basicamente duas linhas migratórias. Uma delas, ao longo dos cursos dos rios Reno e Danúbio, tinha como destino a Europa Central, região chamada em hebraico de Askenasia onde hoje se situam Alemanha, Áustria, Polônia, Hungria, Rússia, República Checa, Ucrânia, Letônia, Lituânia etc. A outra leva de emigrantes preferiu a Península Ibérica, região denominada de Sefaradia e onde hoje se situam Portugal e Espanha. Após alguns séculos depois da diáspora, formaram-se duas grandes etnias judaicas: os asquenasitas da Europa Central, que, ao longo de séculos, adquiriram algumas características dos povos hospedeiros do centro-leste, como, por exemplo, a pele mais clara e cabelos alourados, e os sefaraditas da Península Ibérica, que mantiveram a pele morena e os cabelos castanhos mais escuros de seus ancestrais de Israel1. Sete séculos depois da Diáspora Romana, nos situaremos mais precisamente em 711 d.C., quando os árabes invadem a Península Ibérica, conquistando a região, e estabelecendo, com os judeus ali radicados desde a divisão entre os impérios Romano e Bizantino, uma coexistência pacífica baseada na cooperação cultural e comercial. A comunidade judaica prosperava com o comércio de pedras preciosas, tecidos e iguarias do Oriente, e durante muitos séculos, ainda na Idade Média, judeus e árabes passaram a estudar a Ciência e a Filosofia gregas, tentando conciliá-las ao monoteísmo bíblico e muçulmano. Filósofos árabes, notadamente Averroes (Ibn Ruchd, em árabe), Alpetragius (Al Bitruji), Geber (Jabir Ibn Aflah), e judeus, como Maimônides (Moshé ben Maimon), Gersônides (Gershon ben Levi), Nachmânides (Moisés ben Nachman) que viveram na Península Ibérica por volta dos sécs. X, XI e Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0046 | 47 | PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA XII (motivo pelo qual os nomes dos principais filósofos árabes e judeus foram latinizados para facilitar a pronúncia e a referência nos meios cristãos ocidentais) incorporaram o saber grego, principalmente a filosofia de Aristóteles, a medicina de Hipócrates e Galeno, a geometria de Euclides e a astronomia de Ptolomeu, ao Corão e à Torá. Tentaram assim, antes de Tomás de Aquino, conciliar o saber grego com os Livros Sagrados. A vida cultural e comercial na Península Ibérica, notadamente na cidade de Córdoba, região da Andaluzia, em torno dos sécs. X a XIII, era tão intensa, e contrastava tão grandemente do restante de uma Europa em parte ainda semibárbara ou então dominada pelo dogmatismo cristão medieval, que não teria receio de dizer que o primeiro Renascimento europeu ocorreu justamente nessa região e nessa época. Judeus e árabes viveriam pacificamente na Península Ibérica até meados do séc. XV, quando assume o poder o casal Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os chamados Reis Católicos, que declaram uma guerra santa tanto a muçulmanos como a judeus. Os que não cultuassem o catolicismo seriam expulsos, forçosamente convertidos ou posteriormente submetidos à Inquisição, quando eram julgados sumariamente como hereges ou infiéis, sendo punidos com severos castigos, inclusive a fogueira, em rituais públicos denominados de autos de fé. Depois da expulsão dos árabes, os judeus seriam o principal alvo dos Reis Católicos. A lista de torturados e condenados à morte pela Inquisição é imensa e bem documentada2. O objetivo principal de tais perseguições era menos a “purificação religiosa dos infiéis” do que, na verdade, o saque e a pilhagem dos bens dessas famílias, fossem convertidas ou não, para assim levantar fundos para as campanhas de guerra e expansão do império espanhol. A perseguição culmina com o édito de expulsão dos judeus que não quiseram se converter ao Cristianismo, ocorrida na Espanha em 1492, e em Portugal em 1496. Nesse fatídico ano de 1492 cerca de 120 mil judeus foram expulsos da Espanha pelos Reis Católicos, e cerca de 100 mil buscaram refúgio em Portugal, atraídos pela forma benigna como Portugal havia tratado os judeus até então. Os judeus portugueses criaram a “Nação Judaica Portuguesa” ou os “Homens da Nação”, como se autodesignavam. Mas tampouco em solo português estavam seguros. Segundo Bethencourt3, pressionado pelos Reis Católicos para expulsar os judeus de toda a Península Ibérica, D. Manoel I, que desejava desposar a filha herdeira do trono espanhol, acabou por ceder às pressões espanholas, encontrando uma ideia de erradicar o judaísmo sem, no entanto, Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0047 | 50 | DEUS OU SEJA A NATUREZA parte dos conversos tinha perdido o vínculo com suas reprimidas raízes judaicas, nutrindo uma ferrenha vontade de resgatá-las com certa pressa e com forte dose de ortodoxia e conservadorismo. Há relatos sobre a chegada de várias famílias em 1593. Instalaram-se principalmente em Vlooeienburg, delta do rio Amstel, que ficaria a partir de então conhecido como o bairro judeu. Documentos comerciais da época mostram que, apesar de haver muitos espanhóis, a maioria dos membros das duas recém-formadas congregações Bet Yacoov e Neve Shalom era constituída de portugueses. Curiosamente, até hoje os avisos das casas judaicas de oração da Holanda são escritos em português. Na Amsterdã dessa época, dizer-se que alguém era “português” era praticamente equivalente a dizer que era judeu. Em 1618 uma dissidência na comunidade Bet Yaacov cria a terceira comunidade judaica de Amsterdã, a Bet Israel. Vinte anos mais tarde, em 1639, as três congregações sefaraditas se unem criando a Talmud Torá. A grande sinagoga na rua Houtgracht foi escolhida como o lugar de culto da congregação unificada. Neste local, Spinoza se iniciará em seus estudos talmúdicos, e também será este o cenário dos tristes incidentes que culminariam com sua punição. De uma participação relativamente modesta, no início do séc. XVII, a Nação Portuguesa de Amsterdã logo adquiriu importância no comércio internacional. Destacara-se na importação de tabaco, seda e pedras preciosas. Dispunha também de suficiente estrutura comercial para abrir o mercado a um produto novo: o açúcar de cana. Após a invasão de Pernambuco pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais em 1630, uma leva de judeus deixou Amsterdã fixando-se em Recife, onde fundaram a primeira sinagoga das Américas. Esta sinagoga situada na cidade velha de Recife foi recentemente restaurada, permitindo interessantes estudos sobre a religião e a forma de vida dos marranos portugueses de Amsterdã. Conhecê-la é também conhecer um pouco de Spinoza, pois um ramo de sua família emigrou ou esteve em nosso país. Resumidamente, a Holanda converte-se assim na primeira metade do séc. XVII no principal destino da maioria de judeus fugidos da Península Ibérica, tornando-se pouco tempo depois um dos mais importantes entrepostos comerciais, sede da Companhia das Índias Ocidentais e Orientais, além de um grande centro cultural da Europa. Muitos ilustres pensadores e artistas que viveram na Holanda do séc. XVII exemplificam bem sua importância cultural. Descartes, o grande mentor filosófico de Spinoza, aí se Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0050 | 51 | PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA estabeleceria como combatente voluntário do exército holandês, e, segundo alguns, para fugir da estreiteza do pensamento na França submetida ao férreo controle religioso do Cardeal Richelieu. O mais célebre jurista e historiador da época, Hugo de Grotius, considerado o pai do Direito Internacional, ficou encarregado de redigir um instrumento jurídico que definisse o status legal dos judeus recém-chegados. Os pintores da escola flamenga Rembrandt e Johannes Vermeer e o físico Christian Huygens, que estabeleceu a teoria ondulatória da luz, também podem exemplificar a efervescência cultural da Holanda do séc. XVII. Rembrandt van Rijn (1606-1669), considerado unanimemente o maior pintor flamengo, em 1639 passou a residir no bairro judeu numa ampla casa, situada no número 4 da rua Breestraat, na ilhota de Vlooeienburg, na mesma época em que Spinoza com 7 anos ensaiava seus primeiros passos em direção à sinagoga vizinha. Portanto não seria absurdo supor que, em determinado momento, os dois gênios tivessem se encontrado ou pelo menos se cruzado nas estreitas vielas que margeiam os canais de Amsterdã. Embora Rembrandt tivesse retratado diversas personalidades judaicas da época, nenhum portrait de Spinoza foi encontrado até hoje. A cultura e os centros de estudos judaicos renasciam depois de um longo período de trevas em território ibérico, e muitos conversos e marranos reassumiriam a sua religião original, e a família portuguesa Espinosa, recém instalada na Holanda, também. Depois de mais de um século de perseguições, renascia em Amsterdã, forte e vibrante, a Nação Judaica Portuguesa. Apesar de sua relativa integração econômica e social à vida holandesa, os Homens da Nação estabeleceram uma comunidade extremamente ortodoxa e comprometida com a exegese das leis e ensinamentos judaicos interpretados à risca e sem grandes aberturas a especulações filosóficas ou hermenêuticas. Amsterdã se tornara o local onde os conversos tinham a oportunidade de retornar à religião de seus ancestrais da Espanha e Israel, mas a retomada da prática religiosa foi um processo difícil para alguns judeus livres-pensadores como Spinoza, Uriel da Costa, Juan de Prado ou Daniel de Ribera, que se defrontaram com uma sociedade extremamente tradicional na qual a Bíblia era lida com uma ortodoxia que impedia a interpretação de suas metáforas. Este seria o cenário histórico onde nasceria o nosso filósofo. De forma resumida, pode-se dizer que Baruch Spinoza (1632–1677) que, em português, se traduz por Benedito ou Bento de Espinosa, segundo Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0051 | 52 | DEUS OU SEJA A NATUREZA grafia preferencialmente adotada por biógrafos de língua portuguesa7, foi um filósofo nascido na Holanda de pais judeus portugueses, obrigados a abandonar Portugal pelo longo período de perseguições que se sucedeu ao mencionado édito de expulsão de D. Manoel I, ocorrido em 30 de novembro de 1496. Os Espinosa eram tipicamente uma família de sefaraditas portugueses, ou seja, legítimos membros da “Nação Judaica Portuguesa”. Baruch descende, por parte de pai, das famílias Álvares e Rodrigues de Espinosa. Seu pai chamava-se Gabriel Álvares de Espinosa. Por parte de mãe, ele descende das famílias Nunes, Garcez e Gomes originárias da cidade do Porto. Sua mãe chamava-se, de solteira, Ana Débora Gomes Garcez. A genealogia de Spinoza é assim tipicamente portuguesa8. Foi descrito fisicamente como esbelto, moreno, com longos cabelos castanhos cacheados e grandes olhos escuros, descrição que está próxima à aparência da maioria dos judeus sefaraditas. O pai de Spinoza, Gabriel ou Miguel, era um desses marranos, fazendo o jovem Baruch começar, aos seis anos de idade, seus estudos frequentando a yeshivá9 da grande sinagoga Talmud Torá de Amsterdã, sendo discípulo dos rabinos Saul Levi Morteira, com quem se desentenderia posteriormente, e o já mencionado Menasseh ben Israel, de nome português Manoel Dias, cujos ensinamentos tornaram-no profundo conhecedor do misticismo (Cabala) e do racionalismo (Talmud) judaicos, o que poderia credenciá-lo ao rabinato. Segundo Ernest Renan: Essa potente tradição de idealismo e de esperança contra toda a esperança, essa religião que obtém de seus adeptos os mais heróicos sacrifícios, sem que pertença a sua essência, nada promete para além da vida. Esse foi o meio são e fortalecedor no qual se desenvolveu Spinoza. Sua educação foi, inicialmente, hebraica por completo: essa grande literatura de Israel foi sua primeira e, melhor dizendo, sua perpétua mestra, a meditação de toda a sua vida10. Spinoza falava espanhol, português como língua materna, holandês, francês e o ladino (português espanholado falado pelos judeus ibéricos, ou seja, uma espécie de “portunhol” da Idade Média). Além disso, conhecia bem o latim e o hebraico ao qual dedicaria uma Gramática da Língua Hebraica. Sua biografia é realmente uma das mais fascinantes da História da Filosofia. Embora tivesse sido iniciado por seu pai no mundo dos negócios, tendo na infância as facilidades somente disponíveis às famílias mais abastadas, a pureza de sua alma levou-o posteriormente a recusar cargos e honrarias e a levar uma Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0052 | 55 | PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA morreu deixando no testamento a tal renda, Spinoza procurou o irmão do falecido para em comum acordo reduzir a quantia para 300 florins. Ao que tudo indica, a aveia, as passas, as poucas roupas surradas, a pequena biblioteca e o aluguel de seu cômodo somados não custavam mais do que 300 florins ao ano... Ele não precisava de mais nada e viveu exatamente como havia escrito: o dinheiro é importante apenas na medida das necessidades. Spinoza foi um filósofo do mundo, mas também judeu, e, por sua vontade, jamais deixaria de sê-lo; se foi considerado um “mau judeu”, por alguns dirigentes da Talmud Torá, que acabaram por expulsá-lo da comunidade, isto se deveu à estreiteza de visão do judaísmo da época, e, particularmente, à clausura religiosa que estavam submetidos os sefaraditas portugueses, radicalmente reconvertidos ao judaísmo, avessos a qualquer secularização da cultura tradicional. Segundo E. Renan, a comunidade da Sinagoga de Amsterdã (como vimos, composta, em sua maioria, de sefaraditas portugueses), depois de séculos de perseguições medievais e inquisitoriais teve, no séc. XVII, o seu espírito enfraquecido e amedrontado, tendo-se apegado a estreitos parâmetros, morais e legais, que conduziam a uma exegese bíblica tímida e eivada por um convencionalismo religioso: A literatura hebraica, assumindo o caráter de um livro sagrado, tornou-se objeto de uma exegese convencional, na qual se tratava menos de explicar os velhos textos, no sentido de seus autores, do que nela encontrar um alimento para as necessidades morais e religiosas dos tempos. O espírito penetrante do jovem Spinoza viu logo todos os defeitos da exegese da Sinagoga. A Bíblia que era professada estava desfigurada por mais de dois mil anos de contra- sensos. Ele quis ir além. No fundo ele estava com os verdadeiros pais do judaísmo, como, em particular, o grande Maimônides, que havia encontrado meio de introduzir, no judaísmo, as mais fortes ousadias da Filosofia. Ele entrevia, com sagacidade maravilhosa, os grandes resultados da exegese crítica que devia cento e vinte cinco anos mais tarde dar a inteligência verdadeira das mais belas obras do gênio hebreu16. De fato, a concepção filosófica de Spinoza era demasiadamente moderna para uma época de grandes e rápidas transformações científicas e políticas, levando-o a conclusões que o distanciaram da estreiteza do judaísmo oficial professado em sua época, o que acabou lhe custando a expulsão do seio da comunidade sefaradita de Amsterdã. Ele tinha de fato grandes adversários dentro e fora dessa ortodoxa comunidade. Seu mais famoso e preparado oponente foi um certo José Oróbio de Castro, ex-marrano português, famoso erudito do Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0055 | 56 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Talmud, nomeado como uma espécie de inquisidor, que tentou refutar as teses de Spinoza empregando os mesmos métodos geométricos de nosso filósofo. Kaplan17 sustenta que certos marranos, como José Oróbio, para preservar suas vidas, tiveram de se afastar do meio judaico, e quando a ele retornaram o fizeram com uma ferrenha ortodoxia, para assim aliviarem-se de seus sentimentos de culpa e frustração. Já outros, como Uriel da Costa18 e Juan de Prado, dois sefaraditas dissidentes que defendiam, dentre outras coisas, o princípio da não imortalidade da alma; quando em contato com as filosofias seculares e com a ciência contemporânea, acabaram como Spinoza, por refutar essa mesma ortodoxia, tornando-se depois ovelhas desgarradas do judaísmo oficial. Ovelhas desgarradas deixarão, no entanto, de ser ovelhas? Algumas tentativas foram feitas, de parte a parte, para se chegar a uma reconciliação, porém, de um lado, a óbvia recusa do filósofo de mudar uma vírgula sequer de suas ideias19, e de outro, a intransigência de uma comunidade conservadora, acuada e insegura, levou ao rompimento definitivo. Em 1656, Spinoza recebeu o cherem, espécie de sentença de expulsão da comunidade. Apesar da violência verbal do texto, lido in absentia, e mesmo tendo Spinoza sido expulso da comunidade, o seu cherem foi uma pálida versão do equivalente católico, o auto de fé. Mesmo em alguns casos extremos, como o de Uriel da Costa, quando lhe foram aplicadas 39 chibatadas, a punição não é comparável à fogueira nem à câmara de torturas, a que foram condenados os hereges da Inquisição. Além disso, o cherem tem validade apenas local, e, portanto, também não deve ser comparado à excomunhão papal, de validade global. Ainda assim, o cherem de Spinoza foi um dos mais tristes episódios da história do judaísmo culto, pois foi uma das raras vezes em que a comunidade judaica pôde ser considerada como algoz e não a vítima da situação. Para o azar de todos e da História, a única pessoa que seria capaz de apaziguamento dos espíritos, o erudito rabino cabalista Ben Israel, retratado num célebre portrait por Rembrandt, encontrava-se na Inglaterra, em missão diplomática, tentando convencer o ministro Cromwell a abrir as portas inglesas aos judeus fugidos da Europa Central. Johnson20 sustenta que a razão da expulsão de Spinoza deveu-se menos a um conflito direto com o judaísmo do que ao medo que a recém-estabelecida comunidade judaica de Amsterdã tinha de que suas ideias desagradassem a setores mais radicais do protestantismo. Uma dissensão interna poderia evidenciar uma falta de controle da comunidade judaica sobre seus membros, Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0056 | 57 | PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA provocando uma nova onda de perseguições, levando a comunidade recém- expulsa da Península Ibérica a uma nova diáspora ou pelo menos à perda de sua relativa liberdade. De fato, apesar da prosperidade econômica da Nação Judaica Portuguesa em Amsterdã, esta vivia constantemente atormentada pelo medo de que qualquer desvio ideológico ou religioso de um de seus membros pudesse ser mal recebido pelas autoridades calvinistas da Holanda, provocando represálias contra toda a comunidade. De forma semelhante, Kaplan21 sustenta que a expulsão de Spinoza foi uma satisfação da comunidade judaica dada aos governantes holandeses para assim se eximir de qualquer responsabilidade sobre o que dizia o nosso filósofo. No entanto, esses motivos não absolvem seus dirigentes de uma intransigente ortodoxia, e, no mínimo, acomodação e conformismo. Afinal, ideias bem mais tolerantes circulavam entre algumas seitas liberais protestantes holandesas. Por outro lado, um juízo a posteriori, dado há mais de três séculos depois do fato, leva à necessidade de um referencial ético e a outras comparações contemporâneas. Novamente as punições inquisitoriais podem servir como padrão de tolerância da época. É assim inevitável supor que o cherem imposto a Spinoza, com seus termos virulentos22, foi relativamente mais brando do que a condenação e prisão impostas, em 1633, pelos Cardeais do Vaticano, a um inofensivo Galileo, já em idade avançada, ou à cruel imolação nas fogueiras dos autos de fé a que foi submetido Giordano Bruno, em 1600. A comunidade judaico-portuguesa de Amsterdã tinha ainda a seu favor o argumento de que, com respeito aos questionamentos religiosos, Spinoza foi bem mais contundente que seus colegas italianos. Desta forma, se comparado às ideias liberais de algumas seitas protestantes, o castigo imposto a Spinoza parece demasiadamente duro, mas se comparado às punições coevas da Igreja Católica, ele foi brando. Segundo Chauí23, se as teses de Spinoza contrariam em princípio alguns aspectos da Torá, notadamente a transcendência e a incorporeidade de Deus, por outro lado, não estão em desacordo com a concepção imanentista da cabala, de um universo que se confunde com Deus e suas emanações. É certo que havia uma disputa antiga no interior do judaísmo, envolvendo talmudistas e cabalistas, mas isso nunca foi motivo para rupturas ou dissensões tão graves. A cabalá, considerada como aceitável para muito judeus, era de tendência panteísta; o Zohar24 tem muitas passagens que sugerem que Deus é tudo e tudo é Deus. Vinte anos depois da morte de Spinoza, o rabino sefaradita de Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0057 | 60 | DEUS OU SEJA A NATUREZA de Deus e a verdade revelada pelos profetas, para a ortodoxia cristã, era demasiadamente judaica, senão francamente ateia28. Como já fiz antes, não deixa de ser tentador comparar Spinoza a Galileo Galilei e Giordano Bruno, pela tenaz luta dos sábios italianos contra a ortodoxia dos cardeais do Vaticano. Enquanto Bruno defendia a ideia de um universo infinito, e, portanto sem centro, Galileo opôs-se a outorgar a quaisquer livros o poder de negar a evidência dos sentidos. A exemplo destes, Spinoza também sofreu acusações de heresia por parte dos exegetas ortodoxos da época. Além disso, o filósofo sefaradita superou o judaísmo aristotélico de Maimônides com um racionalismo inspirado inicialmente por Descartes e pela nova ciência pós-renascentista de Bruno, Copérnico e Kepler, criando um panteísmo racional e secular, facilmente assimilável a uma grande parte das gerações científicas e filosóficas futuras. No entanto, depois de sua morte, em 1677, seu nome foi praticamente deletado dos anais de filosofia, e publicar ou vender seus livros era considerado crime. Defender Spinoza era como cometer suicídio acadêmico, e assim poucos filósofos ousaram sequer citá-lo de forma positiva. Até o grande Kant recusou-se a lê-lo. O “espinosismo” tornara-se sinônimo de uma seita pestilenta, diabólica, ímpia ou herética. O tabu e a mística negativa em torno de Spinoza levaram mais de um século para serem superados. Em pleno século das luzes, depois da publicação do Espírito das Leis, Montesquieu, quando censurado pelo Vaticano, teve que negar que a sua concepção de estado, leis, ética e política eram de inspiração spinozista. Voltaire, com o escárnio habitual, a ele se refere como o “judeu de nariz grande e pele clara de espírito sutil, mas vazio”. Alguns outros pensadores do Iluminismo, como os enciclopedistas Diderot e D’Alembert, usaram de subterfúgios para escrever sobre Spinoza. Dedicavam-lhe espaços consideráveis, mas eivados de críticas. Alguns pesquisadores dessa época sustentam que esta foi uma estratégia velada para ressuscitar sua filosofia nos meios acadêmicos. Como exemplo da virulência com que era atacado, é interessante reproduzir o diálogo que Spinoza teve com um de seus ex-alunos, Albert Burgh, respondendo-lhe nas cartas LXVII e LXXVI, com elegante astúcia, às mais torpes acusações. Burgh: “O senhor admite que encontrou a verdadeira filosofia. Como sabe que a sua filosofia é a melhor de todas que se ensinaram, ensinam ou ensinarão? Já examinou todas as filosofias antigas e modernas que são ensinadas aqui na Índia e no mundo? E mesmo supondo que as tenha examinado, como sabe Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0060 | 61 | PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA que escolheu a melhor? Como ousa colocar-se acima de todos os patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, médicos e confessores da Igreja? Ainda Burgh: sendo um homem miserável e um verme sobre a Terra como pode enfrentar a sabedoria eterna com sua blasfêmia? Que orgulho demoníaco o infla a ponto de fazê-lo julgar mistérios que os próprios católicos declaram ser incompreensíveis? Spinoza: Vós que admitis ter encontrado finalmente a melhor religião, ou antes, os melhores mestres, como sabeis que eles são os melhores entre aqueles que ensinaram, ensinam ou ensinarão? Já examinaste todas as religiões, antigas ou modernas que são ensinadas aqui na Índia e no mundo inteiro? E mesmo supondo que as tenha examinado como sabeis que escolheste a melhor?29 Somente depois do Iluminismo, na virada do séc. XVIII ao XIX, a influência de Spinoza tornou-se não só confessável como louvável. O poeta Goethe, os filósofos Friedrich Heinrich Jacobi, Friedrich von Hardenberg Novalis e Gotthold Lessing manifestam de público a sua admiração pelo outrora execrado marrano de Amsterdã. Também nos meios judaicos, com o surgimento da Haskalá, a contrapartida judaica do Iluminismo francês ou do aufklärung alemão, que teve em Moses Mendelssohn (avô do compositor romântico Felix Mendelssohn) um de seus maiores expoentes, Spinoza não só foi reabilitado, como tido o mais importante precursor dos movimentos de secularização, esclarecimento e modernização de uma cultura judaica até então fechada em seus estreitos limites religiosos. Em meados do séc. XIX, Spinoza foi considerado pela própria inteligentzia judaica, notadamente germânica, o mais importante pensador judeu desde Maimônides. Havia no início do séc. XIX uma determinada tentativa dos judeus esclarecidos de se opor a uma apresentação do judaísmo como continuação do obscurantismo medieval, e influenciados por Spinoza e Voltaire, de substituir a imagem de um judeu praticante, pela de um judeu intelectualmente atraente. O primeiro requisito era de estabelecer uma ponte entre o judaísmo rabínico e o conhecimento secular. Mendelssohn e alguns de seus seguidores como Napthali Herz Honberg e Hartwig Wessely queriam renunciar à educação tradicional religiosa e abraçar a forma da religião natural30. Einstein, juntamente com Marx, Engels e Freud, considerado a mais importante personalidade desse movimento de emancipação da cultura judaica, iniciado no séc. XIX, percebe na identidade judaica de Spinoza um forte fator de empatia e aproximação: Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0061 | 62 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Para aqueles judeus que romperam com a tradição, ateístas no sentido de um Deus antropomórfico, como Spinoza e Einstein, o judaísmo é, entretanto um importante elemento de suas personalidades (...) Einstein nota que a concepção de Spinoza do mundo estava impregnada pelo pensamento e pela sensibilidade característicos da inteligência judaica na plenitude de sua vida, “eu sinto”, escreveu ele, “que não poderia estar tão próximo de Spinoza se eu próprio não fosse judeu”31. Ainda segundo Einstein, em carta a Hoffman, Spinoza foi a mais profunda e pura alma que o nosso povo judaico produziu (Spinoza was the deepest and purest souls our Jewish people has produced)32. Como veremos adiante, com mais cuidado, Einstein, encontrou motivação em alguns conceitos spinozianos, como o de um Deus imanente à natureza, a isonomia ontológica entre corpo e mente e uma rígida causalidade que produzirão, a meu ver, uma grande ressonância em Einstein (ver capítulo VI). Freud embora reconhecendo que o conatus spinozista, como potência irracional de preservação da existência (ver capítulo II), é relevante para a sua concepção do inconsciente, prefere, no entanto, se omitir de fazer referências mais explícitas. Depois da era das luzes, ou seja, do Iluminismo francês, da Haskalá judaica e do Aufklärung alemão, o pensamento de Spinoza não poderia mais se constituir numa ameaça a quaisquer religiões esclarecidas, muito menos ao judaísmo secularizado pela Haskalá, representando uma necessária renovação e adaptação a uma visão de mundo que se harmonizaria com a Ciência e a Filosofia pós-renascentista. Se possível fosse apagar das páginas da História o triste cherem de Amsterdã, os judeus do séc. XIX o teriam feito. Spinoza deixou uma obra relativamente pequena em volume, mas grandiosa em seu conteúdo. Destaca-se, a sua obra prima, a Ética, demonstrada à maneira dos geômetras, de 1677, verdadeiro tratado de geometria filosófica (ou filosofia geométrica), dividido em cinco partes: De Deo; De natura et origine mentis; De natura et origine affectuum; De servitute humana, seu de affectuum viribus e De potentia intellectus, seu de libertate humana33, escritas na forma dos Elementos de Euclides, com inúmeros axiomas, definições, lemas e proposições demonstrados através de exaustivas deduções lógicas, além de suas consequências particulares, denominadas de corolários, e comentários denominados de escólios. Trata-se de uma das mais importantes obras filosóficas de todos os tempos e ao longo da qual os leitores não poderão omitir sequer uma de suas deduções, mesmo aquelas que lhes parecerem Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0062 | 65 | CAPÍTULO II A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS Apossibilidade de relacionar a metafísica de Spinoza à Física contemporânea será a essência desta investigação. Discutiremos se os pilares da Ética, notadamente suas duas primeiras partes, são coerentes com a filosofia da Teoria da Relatividade e contraditórias com a interpretação indeterminista da Teoria Quântica. Esta metafísica será também o leit motiv de uma pedagogia filosofante e multidisciplinar, que nos fará avançar nas questões de entendimento e aprendizado da Física. Refletirei até que ponto o pensamento filosófico de Albert Einstein foi influenciado pelo núcleo essencial da metafísica das primeiras partes da Ética, qual seja: a Santíssima Trindade constituída por substância, atributos e modos; a isonomia e o paralelismo entre as duas ordens de acontecimentos corpóreos e da mente; e as cadeias de necessidade com que se engendram os entes (modos) finitos. Além disso, refletirei também sobre a universalidade e a atemporalidade das leis da natureza, bem como sobre um princípio de causalidade, ontológico e universal, que permeia a Ética, para estabelecer até que ponto tais questões aguçaram as intuições filosóficas de Einstein. No capítulo VI, investigarei também se a ontologia de Spinoza é coerente com a espacialidade do tempo da TRE e a materialização do espaço-tempo da TRG. Nos capítulos VII e Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0065 | 66 | DEUS OU SEJA A NATUREZA VIII, buscarei o que há de comum, na crítica dos dois pensadores, à contingência e à indeterminação na natureza. Finalizando, nos capítulos IX e X, procurarei desdobrar essa ontologia comum, visando às possibilidades de uma pedagogia científica filosofante per se, bem como de uma práxis pedagógica da Física, de inspiração spinozista, que poderão estimular o aprendiz a reflexões filosóficas que vão além da mera operacionalidade científica. A exemplo do que fez Spinoza na Ética, peço aos leitores certa dose de paciência para com os temas que serão abordados logo em seguida (substância, atributos, conatus, paixões, vontade, isonomia corpo-mente e pan-animismo, dentre outros). Embora pareçam distantes da prática científica e pedagógica, ao longo e no final desse texto, como prêmio, lhes aparecerão estreitamente relacionados a algumas das mais importantes questões da Física contemporânea. Conduzidos pelo fio de Ariadne da ontologia spinozista, guiar-nos-emos por um aparente labirinto multidisciplinar, que nos credenciará, já nesta parte, a valiosas ilações de importantes consequências pedagógicas. A substância, modos e atributos: uma filosofia com rigor geométrico A Ethica ordine geometrico demonstrata (Ética demonstrada em ordem geométrica), a mais importante obra de Spinoza, é construída a partir de definições, axiomas e lemas fundamentais dos quais são deduzidas as proposições (teoremas). Destas, por sua vez, seguem-se os corolários e os escólios explicativos, formando um sistema de partes inextricavelmente interligadas pela lógica dedutiva. Cada proposição demonstrada converte-se em um novo pilar axiomático sobre o qual repousará a estrutura lógica do sistema. A leitura desse impressionante livro torna-se assim, lenta e difícil, um verdadeiro tour de force, pois a cada momento Spinoza obriga-nos a virar as suas páginas para trás, em busca de definições, axiomas e proposições já apresentadas anteriormente. São poucas as proposições isoladas, ou seja, que não nos remetem a outras precedentes, obrigando o leitor a redobrada atenção. As duas edições da Ética que possuo estão esgarçadas de tanto virar suas páginas, de frente para trás e de trás para frente, pois o filósofo sefaradita, a exemplo de Euclides, comumente faz com que certas proposições mais avançadas recaiam em outras mais simples, já demonstradas anteriormente e que necessitamos rever. Algumas proposições têm demonstrações que recaem em múltiplas proposições ou corolários Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0066 | 67 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS anteriores; já outras são sucedidas por longos escólios, ou seja, explicações, e ainda podem desdobrar-se em vários corolários que são consequências ou variantes da proposição em questão. Em certo ponto do texto, reconhecendo a dificuldade que impôs aos leitores, o próprio Spinoza pede-lhes calma, pois que no final tudo há de se esclarecer. A obra resulta assim em um complexo e denso tecido de ideias, cuidadosamente deduzidas umas das outras, que fazem a mente percorrer um emaranhado de noções e silogismos entrelaçados. Segundo o matemático Jacobi, quem não entender uma sequer de suas proposições poderá perder-se a ponto de não poder prosseguir. Esse método, no entanto, não é uma mera forma de apresentação, mas constitui a essência do pensamento spinozista. Quando o filósofo trata o universo, o homem e suas paixões, como Euclides trata de pontos, retas e planos, é porque, em princípio, da mesma forma como os teoremas da geometria deduzem-se de seus axiomas, os objetos da Filosofia, como a moral ou as paixões humanas, decorrem necessariamente da natureza das coisas, sendo expressos por axiomas ou definições mais básicas. Assim, o filósofo não se perguntará mais sobre as consequências de suas deduções, tal como o geômetra, que não se pergunta sobre a finalidade para a qual os triângulos têm a soma de seus ângulos igual a dois retos. Não é o método geométrico dedutivo que leva Spinoza a um determinismo lógico-causal, mas, sim, pelo contrário, o filósofo o emprega porque percebe o universo de uma forma racional e geometricamente entrelaçada. Segundo Chauí1, Spinoza deixou-se arrebatar pela geometria, não só porque a concebe com o mesmo encadeamento lógico do universo, mas também pela descoberta de Kepler de que o olho humano (ao invés de emitir raios perpendiculares à retina, em direção às coisas, como pensava a maioria dos gregos) é um instrumento óptico que, tal qual uma lente, capta os raios luminosos emitidos pelas coisas. Segundo Kepler, os olhos obedecem às leis de refração e reflexão da óptica geométrica, e estas, por sua vez, obedecem à geometria. A filosofia de Spinoza reflete o fato de o homem estar olhando o universo desde o seu interior, e daí mesmo vendo Deus, ao contrário dos escolásticos, que o contemplavam de dentro para fora, como uma criatura ao seu criador transcendente. Como as leis do olhar são as mesmas da geometria, Spinoza, que era, como já vimos, um refinado construtor de instrumentos ópticos, as conhecia muito bem... Chauí ressalta também que na pintura holandesa dos grandes mestres contemporâneos de Spinoza, como Rembrandt Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0067 | 70 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Outra assertiva comumente evocada ao longo da Ética, à qual algumas proposições recaem por silogismo, é que a essência de Deus envolve a sua existência, e, por outro lado, da essência de qualquer ente ou modo finito não resulta necessariamente a sua existência. Spinoza introduz, esta última, na forma de um axioma básico: A essência do que pode ser concebido como inexistente não envolve a existência10. Assim, a essência (definição, atributos etc.) de qualquer modo finito não implica em sua existência e somente a essência de Deus implicará necessariamente em sua existência. Entendamos por quê. Podemos expressar este princípio de outra forma: “somente Deus existe porque é”, o que lembra o “Sou o que Sou” bíblico. Desta forma, no sistema de Spinoza, a necessidade da existência de Deus resulta apenas de sua essência, resultando assim de um axioma fictício: “Deus é o único ser necessariamente existente”, e assim a existência de Deus decorria de sua definição. No entanto, não poderia o mesmo ser dito de qualquer um dos modos? Quando defino um centauro como um ente que possui cabeça de homem e corpo de cavalo, nada me garante que tal ente exista de fato na natureza. Por outro lado, não poderia da essência singular de um humano chamado Pedro decorrer a sua existência? Não, pelo fato de que a existência de qualquer ente é finita na extensão e perecível no tempo. De uma essência imutável só pode resultar uma existência igualmente infinita (ilimitada) e eterna. Portanto, para que a essência da infinita substância divina seja concebida, serão necessários infinitos atributos ou predicados eternos, pois que, se assim não fosse, estaríamos negando a sua infinitude (não limitação) através de um limitado número de atributos. Segundo o filósofo, “Omnis determinatio, negatio” tendo aqui determinatio o sentido de definir, restringir ou limitar por propriedades. A substância, em seus infinitos atributos infinitos, não pode ser definida nem como conjunto limitado de propriedades nem como sustentáculo de atributos. Para o intelecto humano finito, apenas dois destes atributos seriam perceptíveis, a extensão (forma, volume, densidade, posição, repouso, movimento dos corpos etc.) e o pensamento (paixões, volições, intuições, ideias, vontade etc.). Se, pelo contrário, a mente humana fosse capaz de perceber a substância, em toda a sua infinita plenitude, a estaria determinando, e assim negando-a. Portanto, o pensamento e a matéria extensa são as únicas Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0070 | 71 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS coisas que percebemos da substância, pelo fato de que uma inteligência finita não pode definir algo que é infinito. É importante entender que na definição de atributo: “Por atributo entendo o que o intelecto percebe da substância...”, o “intelecto” a que se refere Spinoza não poderia ser tão-somente o intelecto humano, pois se assim fosse apenas dois deles existiriam, justamente aqueles que percebemos, extensão e pensamento, e desta forma a mente humana estaria limitando a substância a esses dois atributos, o que levaria todo o sistema lógico à contradição. Mas então qual é o intelecto que percebe a substância constituindo a sua essência? Na próxima seção me ocuparei exclusivamente desta complexa questão. Uma definição geométrica e uma interpretação física alternativa da substância, atributos e modos A Santíssima Trindade na qual se apóia a metafísica de Spinoza constitui- se de substância, atributos e modos. Enquanto a substância nos vem logo à mente como algo absoluto, eterno e insondável, imediatamente associada a Deus, e os modos são tudo aquilo com que nos deparamos no dia-a dia; os atributos são bem menos intuitivos e os que oferecem maior dificuldade ao nosso entendimento. Sobre este ponto, assim se expressa Farias de Brito: Eis um ponto que nunca foi pelo philosopho esclarecido. É o que ainda em vida de Spinoza não passou desappercebido mesmo a seus discípulos e amigos, um dos quaes, em carta que se tornou célebre, lhe pediu esclarecimentos, entre outras, sobre as seguintes questões: 1º. Se conhecemos ou podemos conhecer outros attributos divinos, além da extensão e do pensamento; 2º. No caso negativo, se há outras creaturas constituídas por outros atributos que não a extensão e o pensamento e se para estas a extensão e os pensamentos são attributos desconhecidos, como para nós os attributos que lhe dizem respeito; 3º. Se há nestas condições tantos mundos quanto attributos11. Segundo ainda Farias de Brito, a resposta de Spinoza a seu amigo não é clara, limitando-se o filósofo a reafirmar que o homem não pode conhecer outros atributos além da extensão e do pensamento12. Tamanha controvérsia fez com que surgissem várias interpretações, e até teorias, acerca desse conceito. A primeira que é descrita por Farias de Brito, é a chamada interpretação de Erdmann: Os attributos divinos não são propriedades reaes da substância, mas simples fórmas intellectuais do conhecimento13 Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0071 | 72 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Trata-se, como bem evidencia Farias de Brito, de uma interpretação kantiana da metafísica de Spinoza. Para tal, basta atentar que na definição quod intellectus de substantia percipit tanquam ejusdem essentiam constituens, Erdmann entende que o particípio constituens concorda não com quod (o que), mas com intellectus. Traduzindo: “o que (aquilo que) constituindo a essência da substância, o intelecto percebe”, é sutilmente distinto de: “o que o intelecto percebe da substância, como constituindo a essência dela...” Na primeira forma, o intelecto apenas percebe a essência da substância enquanto, na segunda, o intelecto a constitui. Erdmann entende desta última maneira, sendo assim o atributo, para ele, a forma com que o intelecto humano percebe a essência da substância. Para Farias de Brito isto “nada mais é que uma tentativa para adaptar a philosophia de Spinoza ao criticismo (de Kant)”. Conclui Farias de Brito que a interpretação de Erdmann, ao reduzir o atributo de Deus a uma forma de intelecto humano, confunde o primeiro com um simples modo de pensar, ou seja, a um modo sob o atributo pensamento. Veremos mais tarde que é o mesmo vício de que muitos outros comentadores são acometidos, quando também reduzem as leis da natureza a categorias a priori do entendimento humano. Em oposição à interpretação kantiana, darei às leis da natureza a interpretação de modos infinitos imediatos sob o atributo extensão (ver capítulo VI). Discutirei também, nos capítulos finais, a descentralidade humana em relação ao universo que decorre dessas primeiras definições da Ética. Segue-se em ordem, no artigo de Farias de Brito, a interpretação de K. Thomas. Segundo este comentador, não haveria diferenças entre os atributos e a própria substância, pois se esta é “o que existe por si e é compreendido por si” e, por outro lado, se “cada atributo exprime uma essência eterna e infinita, logo não teve começo nem fim; logo existe em si mesmo e não depende de outra coisa, e, por conseguinte é igual a substância”. Assim, Thomas questiona em que se distingue o atributo da própria substância, concluindo que, se os atributos são as coisas como elas são em si, é evidente que os atributos são substâncias. Segundo Farias de Brito, a interpretação de Thomas implica numa infinitude de substâncias, levando a metafísica de Spinoza em direção à monadologia de Leibniz14. A seguir Farias de Brito descreve a interpretação de K. Fischer dos atributos como forças, não escondendo a sua preferência por esta: ERDMANN, citado por FARIAS DE BRITO, 2001, p.41. . Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0072 | 75 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS criada sem a existência de um objeto real; o atributo não pode ser uma criação da mente, mas uma projeção da substância sobre espaços a ela perceptíveis. Afastamo-nos assim da interpretação formal de Erdmann e, por outro lado, como uma projeção não é igual ao que é projetado, afastamo-nos também da interpretação monadológica de Thomas. Portanto, a projeção da substância em um desses planos a desvela para a percepção apenas nesse atributo. A cada plano-atributo corresponde uma projeção distinta da mesma substância. Os dois atributos percebidos pela mente humana seriam projeções da substância sobre o plano-atributo extensão, que seria o espaço contendo a matéria e posições de todos os corpos do universo; e a projeção da substância no plano-atributo pensamento que conteria todas as ideias possíveis. Assim como seres bidimensionais só podem perceber coisas bidimensionais que estão em seu plano, também a nós humanos só nos seria possível entender esses dois atributos: enquanto nosso corpo é uma manifestação singular situada no plano do atributo extensão, a nossa mente é uma singularidade situada no plano-atributo pensamento, sendo- nos assim inacessíveis as projeções da substância em outros planos-atributos. À substância corresponderiam assim múltiplas projeções em todos os seus atributos, de forma que estariam ocorrendo, concomitantemente, modificações (movimentos e transformações) projetadas no plano-atributo extensão e no plano-atributo pensamento. Porém, essas modificações da substância só nos seriam perceptíveis enquanto projeções na extensão (movimentos dos corpos tridimensionais) e outras no pensamento (transformação ou sucessão de ideias). À guisa de exemplo, é como se projetássemos luz de um objeto em dois espelhos em ângulo reto. Haveriam imagens desse objeto projetadas em cada um deles movendo-se conjuntamente, ambas expressando a realidade dimensionalmente maior que é a luz do objeto que sobre os espelhos incide. Assim, os movimentos no plano-extensão e no plano-pensamento não se causariam, mas se relacionariam. Dirão alguns leitores atentos que a representação aqui sugerida lembra o mito da caverna de Platão. É verdade, só que em Spinoza a caverna, ao invés de ter uma única superfície refletora sobre a qual se projetam as sombras do Mundo das Ideias, tem uma infinidade de espelhos que formam um inextricável labirinto que, em infinitas imagens projetadas, representa a Realidade. Cada plano, no entanto, a projeta de forma distinta, segundo o seu próprio atributo. Como entes finitos, percebemos apenas em um plano a Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0075 | 76 | DEUS OU SEJA A NATUREZA matéria transformando-se por conexões causais, e, em outro, as ideias inferindo-se uma das outras por relações lógicas. Esses são os atributos extensão e pensamento que são acessíveis ao nosso entendimento. Os modos finitos Qualquer ente singular do universo, na vizinhança de nosso corpo, seria por nós percebido em um duplo modo, isto é, uma dupla modificação local e limitada nos atributos da substância. Uma região limitada pertencente ao “plano-atributo extensão” seria o corpo físico desse ente afetado causalmente pelos demais corpos de sua vizinhança, assim como um conjunto limitado de ideias no “plano pensamento” seria a mente associada a esse corpo, da mesma maneira, limitada pelas demais mentes existentes. Como todos os demais entes, os seres humanos também são duplos modos finitos. Decorre daí que o corpo e a mente humanos são porções limitadas de projeções de uma única realidade, dimensionalmente maior, modificando-se conjunta e independentemente em seus respectivos planos-atributos. Em cada momento, a uma dada configuração do corpo humano afetado está associada uma ideia, ao que Spinoza denomina de ideia da afecção17 do corpo. Como percebemos nosso corpo afetado e a ideia correspondente modificarem-se sempre juntos, imaginamos que se produzem causalmente. Na tradição filosófica ocidental, a ideia comanda o corpo enquanto, na metafísica de Spinoza, corpo e mente modificam-se juntos, porém sem causalidade. Sobre o atributo extensão, nosso corpo, em relação causal com outros corpos, segue as leis da natureza, e sobre o plano-atributo pensamento as ideias geram-se pela lógica que exclui a coexistência de uma ideia com a sua negação (princípio do terceiro excluído). Uma ideia também pode ser entendida como um modo sem extensão (uma vez que resulta da projeção da modificação da substância sobre um plano desprovido de extensão), ao passo que um corpo material é um modo sem pensamento (uma vez que resulta de uma modificação finita da substância sobre um plano desprovido de pensamento). Um ente da natureza, no entanto, é concomitantemente uma configuração extensa e sua correspondente configuração de ideias. Poderíamos simbolicamente representar sucintamente tudo o que foi dito na seguinte forma matemática: φ humano = φ extensão x φ ideia, Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0076 | 77 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS onde φ humano é uma configuração finita da substância em dois subespaços- atributos que são suas projeções. Enquanto que φ extensão é o seu corpo finito quando afetado pelo universo extenso; φ ideia é uma conjunto finito de ideias dessas afecções. Pela primeira vez na História da Filosofia, corpo e mente, bem como, matéria e pensamento, são projeções de uma mesma realidade, não tendo nenhuma delas precedência ontológica sobre a outra. Reflitamos agora sobre uma das mais conhecidas proposições da Ética (EII, prop. VII)18: Ordo et conexio idearum idem est ac ordo et conexio rerum (A ordem e a conexão das idéias é a mesma que a ordem e conexão das coisas). No escólio dessa proposição Spinoza mostra com clareza a identidade essencial entre corpo e mente: (...) a substância pensante e a substância extensa são uma e a mesma substância compreendida ora sob um atributo ora sobre outro. Da mesma maneira, também um modo da extensão e a idéia desse modo são uma e a mesma coisa, mas expressa de duas maneiras diferentes. É o que certos hebreus parecem ter visto como que através de um nevoeiro, os quais afirmam que Deus, a inteligência de Deus, e as coisas por ele compreendidas são uma e a mesma coisa19. Logo a seguir, nesse mesmo escólio, o próprio Spinoza nos oferece um precioso exemplo: Por exemplo: um círculo existente na natureza e a idéia deste círculo existente, a qual existe também em Deus, são uma e mesma coisa, expressa por atributos diferentes. E assim, quer concebamos a Natureza sob atributo da extensão, quer sob atributo do pensamento, quer sob outro atributo qualquer, encontramos sempre uma só e mesma ordem, por outras palavras, uma só e mesma conexão de causas, isto é, encontraremos sempre a mesmas coisas seguindo-se uma das outras. E se eu disse que Deus é a causa de uma idéia, da do círculo, por exemplo, somente enquanto ele é coisa pensante, como do círculo somente enquanto ele é coisa extensa (...)20. A proposição VII, EII, é a expressão mais clara daquilo que se designou como paralelismo entre corpo e mente e a ela retornarei com muito cuidado e atenção, pois, como veremos no capítulo VI, não só Einstein se pronunciará favoravelmente à identidade entre corpo e mente, como esses elementos metafísicos poderão ser encontrados na Teoria da Relatividade e na concepção de ordem explícita e implícita de D. Bohm (ver capítulo IX). Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0077 | 80 | DEUS OU SEJA A NATUREZA existem dois processos ou duas entidades, mas apenas uma entidade unitária e inseparável que é vista, ora internamente, como mente, ora externamente, como matéria. Mente e corpo não atuam um sobre o outro porque são um só. Veremos adiante que Einstein, de uma forma velada, incorporou essas ideias à Física (ver capítulo VI). Vimos que o homem, como qualquer coisa existente no mundo, seria uma dupla singularidade de Deus ou como definiu Spinoza, um duplo modo (acidente) finito da substância. O corpo humano, como qualquer outro, seria um modo sob o atributo da extensão, enquanto a mente seria uma projeção finita no plano-atributo pensamento. A substância (Deus) teria infinitos atributos, modos infinitos que seriam todo o universo e suas leis e modos finitos (todos os corpos que constituem o universo). Na metafísica de Spinoza, Deus é causa de si mesmo, projetando-se em seus infinitos atributos, que causam os modos infinitos imediatos (as leis da natureza)21, os quais, por sua vez, causam os modos infinitos mediatos (as relações de movimento e repouso de todo o universo) que, por sua vez, causam os modos finitos (os corpos finitos que compõem o universo). De forma análoga, o modo infinito imediato sob o atributo pensamento é o Intelecto Divino que é a essência da inteligibilidade. Deste decorre o modo infinito mediato, que é o conjunto de todas as ideias existentes, e deste, o modo finito como sendo os encadeamentos e nexos de ideias que existem na mente22. As causas, das quais as coisas decorrem umas das outras, são entendidas não apenas como causas eficientes e transitivas, mas também formais e imanentes, como a maçã é a causa de sua doçura e de sua cor vermelha, ou uma escultura é a causa de seu significado artístico. Desta forma, na metafísica de Spinoza não existe, como no aristotelismo, uma separabilidade das causas eficientes, formais, materiais e finais (ver capítulo IV), pois que todas elas decorrem de uma necessidade substancial. A substância tem assim com seus modos uma relação lógico-causal de imanência. Assim, mente e corpo são um único e mesmo indivíduo, ora concebido como atributo pensamento ora como atributo extensão. Se a mente triste está, o corpo chora vertendo lágrimas, se o rosto sorri, a mente se alegra. Corpo e mente expressam, cada qual em sua linguagem, a mesma afecção. Decorre também da E III, proposição II e de seu escólio23, que nem o corpo pode decidir que a mente pense nem a mente determinar que o corpo fique em movimento ou repouso, pela simples razão de que a decisão da mente e a determinação do corpo são uma única coisa. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0080 | 81 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS Dessa forma, Spinoza, contrariamente aos materialistas, não considera a mente como sede material onde se processam as ideias (processos cerebrais), mas as próprias ideias em relação e conexão. Estas tampouco têm primazia sobre a matéria, constituindo um mundo imutável, situado à parte do mundo material, como reza a tradição idealista. As coisas e as ideias constituem, pois, relações entre si que operam de forma análoga. O corpo segue as suas leis (da física, química, biologia, anatomia, medicina etc.) enquanto na mente surgem ideias, e entre estas e aquelas há uma correspondência, embora não haja nenhum vínculo causal. Spinoza critica abertamente o conceito escolástico — e difundido até os tempos atuais — de que é a mente que impele o corpo através da vontade ou de outro pensamento arbitrariamente escolhido. Spinoza deixa isso claro de uma forma tão contundente que até nos tempos de hoje provocaria polêmica: A mente humana não conhece o próprio corpo humano nem sabe que este existe, senão pelas idéias de que o corpo é afetado24. O filósofo luso-judeu cria, segundo Chauí25, possivelmente com algumas influências do imanentismo cabalista, um sistema monista, no qual corpo e mente ou matéria e pensamento são projeções de uma única realidade. De todas as ideias de Descartes, a que parecia ao nosso filósofo, a menos satisfatória, era a da separação clara e distinta dos atributos extensão e pensamento, bem como do corpo e da mente. Além disso, era inaceitável, para Spinoza, o deísmo imaginado pelo filósofo francês. Neste, o movimento e as mudanças ocorridas no universo material seriam produzidos de fora, por um empurrão ou um sopro de Deus, sendo só a partir de então governados mecanicamente por forças de contato entre os corpos, e estas, por sua vez, seguiriam leis que poderiam ser escritas matematicamente (ver capítulo III). Para Descartes, o universo teria assim a precisão de um grande relógio material gerado por um ser transcendente e eterno, situado fora do espaço-tempo. Por outro lado, ainda menos satisfatória, para Spinoza, era a ideia cartesiana de que o corpo humano abrigava dentro de si uma mente imaterial cujo contato com o corpo se dava na glândula pineal26, a sede das paixões (emoções) e sentimentos humanos. O universo cartesiano era assim hierarquizado por camadas de realidade, sendo a mente transcendente de Deus, a sua camada mais externa e, a mente humana, a mais interna. Spinoza subverte essa ordem hierárquica: Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0081 | 82 | DEUS OU SEJA A NATUREZA - mente de Deus - - mente do homem- - corpo - defendendo o princípio de que as ideias e as coisas, embora pertencentes a distintos atributos, estão imbricadas na substância infinita, e dela não podem ser separadas, obedecendo a um dos mais importantes princípios da metafísica spinoziana, que ainda será exaustivamente discutido ao longo deste texto, o já citado “Ordo et conexio”. Isto significa que, a um fato material do qual o corpo participa, corresponderia sempre uma ideia, de tal forma que entre a causa e o efeito corresponderiam duas ideias logicamente implicadas. Se A é a causa e B seu efeito, então a ideia de A implicaria necessariamente na ideia de B. Tudo que se passa no domínio da extensão tem uma representação lógica, análoga, no domínio do pensamento. C → E IC→ IE (O paralelismo de Spinoza) Se uma causa C produz um efeito E, então, IC, a ideia da causa C, deve implicar logicamente em IE, a ideia do efeito E. À causalidade no mundo das coisas corresponde a necessidade no mundo das ideias. Os matemáticos denominam de biunívoca a uma correspondência entre elementos de dois conjuntos, de tal sorte que a um elemento de um dos conjuntos corresponde um, e somente um, elemento do outro. Os dois conjuntos são denominados de isomórficos. Para Spinoza, o mundo dos objetos físicos e o mundo das ideias seriam isomórficos. Enquanto um corpo externo que nos afeta deve a sua existência a uma causa extensa — que poderá ser um outro corpo — cada ideia tem como causa uma outra ideia. Há assim duas cadeias causais que se modificam independentemente pari passu, porém na mesma ordem e conexão. Segundo André Scala: A evidência partilhada é a de que há coisas e que essas coisas possuem uma causa, talvez não única e mesma causa, mas cada coisa possui uma causa, tudo que existe possui uma causa. Entre as coisas que possuem uma causa há as idéias, e as idéias só podem ter por causa idéias27. Os dois domínios da substância, extensão e pensamento, assim como o corpo e a mente, estão em íntima conexão isomórfica e isonômica, embora Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0082 | 85 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS obscuros, ou talvez os mais complexos de toda a obra do filósofo sefaradita. Segue-se um pequeno ensaio sobre esses conceitos, o qual pode ser considerado uma continuação, ou talvez um adendo, às seções anteriores. Esses conceitos serão importantes quando inseridos numa proposta mais ampla de educação científica, que será apresentada logo mais adiante. A partir da definição metafísica de conatus, Spinoza introduzirá em seu sistema filosófico duas noções de surpreendente contemporaneidade: no corpo, o conatus manifesta-se como apetite, enquanto na mente como desejo. Dizer-se assim que somos apetite corporal e desejo psíquico significa que às afecções do corpo (emoções) correspondem os afetos (sentimentos) da mente. Afecções e afetos exprimindo o conatus obedecem à lei natural de sobrevivência (permanência na existência), determinando a intensidade do conatus. Veremos logo adiante que, quando os afetos são produzidos por fatores desconhecidos e externos à própria mente, nos tornamos causa inadequada de nossas ações, enquanto que, quando os afetos são causados pelo conhecimento que a mente adquire a partir de seu corpo, somos causas adequadas de nosso agir. Isto significa que na medida em que o pensamento é associado a afecções, relativas a corpos sobre os quais não podemos atuar com autonomia (como remover uma montanha, p.e.), ou dos quais desconhecemos a causa, a mente terá do mundo que a rodeia um esquema ilusório ou imaginativo (como duendes ou bruxas). Daí surgirem os ódios, superstições, crendices, simpatias, os diversos medos e fobias, além dos preconceitos que geram rancores e ódios que podem levar desde as guerras quanto a um mau aprendizado. Darei mais adiante alguns exemplos pedagógicos, mas para tal necessitamos de definições mais precisas de paixão, ação, causa adequada e inadequada: Chamo causa adequada aquela cujo efeito pode ser clara e distintamente compreendido por ela; chamo de causa inadequada ou parcial aquela cujo efeito não pode ser conhecido por ela32. Digo que somos ativos quando se produz em nós, ou fora de nós, qualquer coisa que (da qual) somos a causa adequada (...), mas ao contrário, digo que somos passivos (sofremos) quando em nós se produz qualquer coisa de que (da qual) não somos senão a causa parcial. Por afecções entendo afecções do corpo pelas quais a potência do corpo é aumentada ou diminuída (...) Quando, por conseguinte, podemos ser a causa adequada de uma dessas afecções, por afecção entendo uma ação; nos outros casos uma paixão33. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0085 | 86 | DEUS OU SEJA A NATUREZA A alma (mente) está sujeita a um número de paixões tanto maior quanto maior é o número de idéias inadequadas que tem (...)34. As ações da alma nascem apenas das idéias adequadas, as paixões dependem apenas das idéias inadequadas35. Digo expressamente que a alma não possui de si, nem de seu próprio corpo, um conhecimento adequado, mas sim confuso, todas as vezes que pelo encontro fortuito das coisas ela é determinada do exterior a considerar isto ou aquilo e não quando esta determinação lhe vem de dentro36. O corpo humano, devido à sua finitude, não pode atuar nem ser afetado onipresentemente por todos os corpos do mundo. Assim, nem sempre a mente humana poderá ter uma percepção clara dos fenômenos que cercam seu corpo, já outras vezes a mente alça vôos mais altos do que o corpo pode alcançar. Ora, segundo o paralelismo entre corpo e mente da metafísica spinoziana, sob o atributo do pensamento geram-se ideias que serão sempre paralelas e isomórficas às afecções do corpo. Desta forma, se faltar um elo na cadeia de causas corpóreas (materiais) romper-se-á necessariamente a cadeia de ideias lógicas. Isto implicará, ora em desconhecimento das causas do fenômeno, ora em vontades muito além das condições materiais que o corpo pode alcançar, instalando-se em seu lugar uma paixão da mente. As paixões surgem para preencher o vazio da mente quando um dos elos da cadeia paralela for rompido. Dito de outra forma: toda vez que, por carência de afecções do corpo finito, a mente (que só pode conhecer o mundo através do corpo) não tiver um conhecimento das causas de um fenômeno, seja ele natural ou humano, produzir-se-ão nela as paixões. Em outras oportunidades, é a mente que se sobrepuja ao corpo demandando-lhe vontades que este não poderá satisfazer. A metafísica spinoziana é particularmente feliz para o entendimento do medo, seguramente a mais renitente e permanente das paixões humanas. Quando não soubermos a gênese de certo fenômeno, este nos atemorizará. Do momento em que o fenômeno for conhecido por suas causas, o medo desaparecerá, ou pelo menos será bastante mitigado. A escuridão física é uma das fontes do medo, pois o corpo não pode ver o que o cerca, o que leva necessariamente à escuridão da mente. A luz subitamente restitui a visão, e com ela ilumina-se a mente com a claridade do conhecimento. Certamente as bruxas, duendes e os bichos-papões, que atemorizavam a nossa infância, e os demônios de muitos adultos, são as ideias inadequadas a que se refere Spinoza. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0086 | 87 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS Outras paixões igualmente permanentes e intensas na história da humanidade, como o ódio, a ira ou a raiva, das quais resultam as várias formas de racismo, como o antissemitismo, a homofobia ou o ódio aos negros, também podem ser muito bem entendidas a partir da concepção spinoziana das paixões. São certamente produtos da ignorância acerca daqueles que são odiados. O ignorante odeia o diferente porque desconhece a diferença, imerso que está em sua escuridão mental. Essa me parece ser a essência da concepção spinoziana das paixões como oriundas de ideias inadequadas, isto é aquelas das quais não resultam efeitos conhecidos, e que são vulgarmente chamadas de ignorância. Há uma outra ocasião em que se instalam as paixões humanas, partindo- se dessa vez de uma vontade excessiva da mente que demanda que o corpo humano finito produza fatos inatingíveis. Recorrendo-se novamente ao paralelismo entre corpo e mente, a finitude do corpo humano frente à infinitude do universo faz com que o corpo não possa ser a causa eficiente de todos os acontecimentos, nem a causa adequada de todas as ações. O único estado dinâmico da matéria, que não depende de nenhum outro corpo, é a inércia. Portanto, qualquer movimento de mudança do corpo humano (até os atos mais prosaicos do cotidiano, como caminhar, levantar-se, ir à rua) depende de uma miríade de outros corpos cujos efeitos quase nunca podem ser determinados com precisão. Assim, o corpo não é a única causa de suas ações. Na Física clássica newtoniana, é certo que se conhecermos todas as causas que afetam um corpo, poderemos calcular o efeito de nossa ação isolada das demais (isto é possível graças à linearidade das leis de movimento) (ver A pequena física de Spinoza e a grade mecânica de Newton, deste capítulo). Desta forma, classicamente, é possível (pelo menos teoricamente) que o corpo humano seja a causa adequada de algum acontecimento do qual participe, porque pode determiná-lo a priori. No entanto, mesmo no mundo cotidiano, regido pela física determinista, é impossível conhecer todas as causas que afetam um ente físico. Que sentido tem, portanto, a continuação da definição 3 da EIII? Quando, por conseguinte, podemos ser a causa adequada de uma dessas afecções, por afecção entendo uma ação; nos outros casos uma paixão37. Poder-se-ia então concluir que as paixões decorrem inevitavelmente do desconhecimento dos efeitos das ações de nosso corpo que, por sua finitude, não poderá ser sempre uma causa adequada? Estariam as paixões sempre presentes Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0087 | 90 | DEUS OU SEJA A NATUREZA Como diz o filósofo Carlos Portillo: Sub espécie aeternitatis, todas as cadeias causais são vividas ativamente e se entendem a partir de nossa própria natureza. (...) Spinoza diria que sub specie aeternitatis podemos perceber-nos como causa adequada de muitas mais coisas e, portanto, não sofrer afecções tristes ao perceber a diminuição de nosso conato, senão alegres, já que ao nos perceber como causa adequada de mais coisas percebemos um aumento do conato38. As paixões são assim produzidas em mão e contramão: da mente ao corpo e do corpo à mente. Elas surgem como carência de conhecimento ou excesso de vontade. São assim consequência da ignorância das causas de um fenômeno, e, por outro lado, de uma vontade onipotente instalada na mente que a finitude do corpo, e o alcance limitado de suas ações, não permitem. Dos exemplos dados acima, acredito que a lição mais relevante a extrair da filosofia das paixões é que elas resultam, ora da ignorância mútua entre indivíduos, ora de uma expectativa superdimensionada de mudança que uns querem impor a outros. Ambas têm em comum um momentâneo rompimento da cadeia de causas e ideias adequadas, instalando-se ideias inadequadas em seu lugar. Com relação a mestres e aprendizes, vimos, nos exemplos acima, que os primeiros imaginam que, com sua ação em sala de aula, podem conseguir o conhecimento dos segundos, e estes, por sua vez, imaginam também poder ser modificados em seus estados iniciais de desconhecimento rumo ao conhecimento, por uma simples ação dos primeiros. Desta forma, de parte a parte, resultam vontades (pretensões) que serão associadas a causas francamente inadequadas, no sentido spinoziano, isto é aquelas que não se associam às motivações internas da mente nem de ações que o corpo pode executar. Assim, se a motivação do mestre volta-se exclusivamente para o resultado pedagógico de seus discípulos, ele fatalmente se frustrará (padecerá de paixões e sofrerá), pois jamais poderá ser causa exclusiva ou até mesmo preponderante sobre os efeitos. Reciprocamente, os aprendizes que imaginam poderem ser modificados pela ação do mestre, já estarão a priori imersos num campo de causas inadequadas, isto é, aquelas que dependem fortemente de fatores alheios, com efeitos imprevisíveis, os quais, segundo Spinoza, são as causas de paixões e sofrimento. Assim, mestre e seus aprendizes não estarão voltados sobre si, buscando internamente os motivos de suas ações, e se mirarão em espelhos que refletem imagens externas e ilusórias... É necessário, pois, que tenham, todos, consciência (conhecimento) da finitude de suas Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0090 | 91 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS existências, de seus corpos, bem como de suas ações, entendendo que a realidade nunca é tão atraente quanto a desejamos, mas tampouco é tão atemorizante quanto imaginamos. Reflexões sobre a vontade. A vontade de ensinar e aprender Física É importante continuar refletindo sobre a vontade, pois nos conduzirá a importantes ilações pedagógicas. Carl Friedrich von Weizsäcker, físico do círculo de amizades de Werner Heisenberg, e epistemólogo dos mais conceituados da Teoria Quântica, a introduziu como elemento relevante da realidade quântica, tema que abordarei nos capítulos finais deste livro. Aqui, neste momento, duas importantes metafísicas da vontade, a de Arthur Schopenhauer (1788, 1860) e a de Spinoza, serão postas frente a frente. Ao contrário de Schopenhauer, que faz da vontade o pilar numênico de seu sistema filosófico, vendo-a como a coisa-em-si, Spinoza a considera tão- somente como uma ideia persistente que “ocupa o espaço mental”. Assim como dois corpos não podem ocupar a mesma extensão do espaço, as ideias, obedecendo à mesma ordem e conexão das coisas materiais, também se excluem momentaneamente podendo, a que prevalecer, associar-se à ação, devido a sua persistência. Spinoza tampouco considera a vontade como a causa da ação, pois que esta pertence ao atributo extensão, enquanto que aquela, ao atributo pensamento, e, na sua filosofia, modos projetados em dois atributos distintos, embora relacionados, não se podem causar, resultando daí uma de suas mais discutidas proposições: Nec corpus mentem ad cogitandum nec mens corpus ad motum, neque quitem nec aliquo (si quid est) aliud determinare potest (nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar o corpo a se mover ou repousar – ou qualquer outra coisa, se acaso houver outra coisa)39. A vontade é, pois, tão-somente uma ideia que persiste, sobrepondo-se às demais, e sendo assim correspondente à ação desencadeada pelo corpo: A vontade e a inteligência são uma só e mesma coisa, ou seja, idéias singulares40. Assim, enquanto a vontade é causada por outras ideias, a ação é, por sua vez, causada por outras ações. Ambas, segundo Spinoza, são elos de uma Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0091 | 92 | DEUS OU SEJA A NATUREZA rede universal de ideias e eventos regidos por um determinismo universal. No entanto, a vontade, tanto para Spinoza como para Schopenhauer, está associada a corpos externos aos quais visamos modificar: o educador quer educar seus aprendizes, o pintor quer mudar as cores de suas telas, o escultor quer dar formas à pedra bruta e o trabalhador quer deslocar seus objetos de trabalho. Enquanto para Schopenhauer a vontade é numênica e, portanto, uma espécie de substância irremovível; para Spinoza, a vontade que se volta ao exterior poderá suscitar mais ou menos paixões, a depender das causas serem mais ou menos próprias ao ser voluntarioso. Segundo o filósofo alemão, em seu opúsculo Livre arbítrio41, com respaldo do próprio Spinoza, a vontade não é contingente ou absolutamente livre, pois, se dentro de certos limites físicos e sociais posso fazer o que quero, será que posso querer o que quero? Não será neste exato sentido que Einstein parece fazer coro às concepções convergentes de Spinoza e Schopenhauer, não reconhecendo nenhuma sorte de livre- arbítrio à vontade de acender seu cachimbo? Sinceramente não consigo entender o que as pessoas querem dizer quando falam sobre a liberdade do arbítrio humano. Sinto, por exemplo, que desejo isto ou aquilo, mas que relação tem isso com a liberdade, eu simplesmente não compreendo. Sinto que desejo acender o meu cachimbo e o faço, mas como posso associar isso à idéia de liberdade? O que está por trás do ato de acender o cachimbo? Um outro ato de arbítrio?42 Queremos livremente as coisas ou o mundo determina de alguma maneira a nossa vontade? Seria esta apenas a ponta visível de um grande iceberg que é o desejo que seria livre o suficiente para desejar coisas opostas? Segundo esses pensadores, a vontade é determinada e, para Spinoza, associa-se às ações que o corpo humano realiza sobre os demais corpos que o cercam, ocorrendo paralelamente a um conjunto de ideias que a mente tem de seu próprio corpo atuante. Assim, para Spinoza, e por tabela para Einstein, nada existiria no universo de contingente, casual ou arbitrário, incluindo-se o próprio livre arbítrio, definido como a liberdade da vontade para escolher entre várias opções. Esta concepção leva os religiosos a acreditarem que, sem a graça divina, o indivíduo fatalmente incorrerá no pecado e no vício, enquanto os racionalistas pretendem que o livre arbítrio deva ser guiado pela razão. Os homens enganam-se quando se julgam livres, e esta opinião consiste apenas em que eles têm consciência de suas ações, e são ignorantes das causas pelas quais são determinados. O que constitui, portanto, a idéia de sua Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0092 | 95 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS matéria em movimento. A cada fato corporal corresponderia um fato anímico e vice-versa. A mente pensa sobre a matéria corporal, não podendo existir sem esta, sendo assim o corpo pensante. A um corpo ativo corresponde uma mente pensante e ativa, enquanto a um corpo inativo corresponde uma mente igualmente inativa. Se triste estou, triste está meu corpo, prostrado na cama, desesperado ou desesperançado. Se irado estou, irado está meu corpo, com o dedo em riste fazendo ameaças ou blasfemando contra o mundo. Se ignoro as causas de existência de um corpo próximo que afeta o meu, temo-o. Se o conheço em sua plenitude, respeito-o. Se feliz está a mente, todo meu corpo vibra ativo: estou em estado virtuoso. Paixões, ideias e a matéria corpórea, embora habitando em moradas distintas, operam cada uma em seu domínio, de forma similar. Só a alegria pode suplantar a tristeza, como só o amor pode suplantar o ódio. Pela primeira vez na História da Filosofia, corpo (domínio da matéria) e mente (domínio da razão e das paixões) são tratados em pé de igualdade, sendo esta a ideia daquele e, os afetos residentes na mente, isonômicos às afecções do corpo. Spinoza torna a mente, e suas paixões (anima pathema), algo tão natural como o corpo e seus movimentos; estando ela sujeita às leis da natureza que são modificações infinitas (ver capítulo VI) de um Deus sive natura imanente ao universo. Spinoza retira a mente (alma) do reino transcendental em que foi posta pela tradição da Filosofia pós-socrática, e de praticamente todas as religiões. Ao refrear as paixões (medo, tristeza, ira, indignação e várias outras paixões que Spinoza cuidadosamente define em seu livro III) que diminuem o conatus, além de diminuir os efeitos das ideias inadequadas (imaginações, crendices, pensamentos megalomaníacos) que delas decorrem, como fontes dos preconceitos, ignorância, superstições, preocupações desnecessárias, temores injustificados, angústias catastróficas etc.; ao substituí-las pelo amor, afeto e alegria, que aumentam o conatus, estaremos dando um passo rumo à sabedoria e à felicidade. Claro que se trata de tarefa para gigantes, como Spinoza, cuja biografia mostra que chegou quase a atingir os níveis da santidade. Várias ilações com consequências pedagógicas podem ser feitas. A dualidade entre um mestre-sujeito e seu aprendiz-objeto resultará da vontade de modificação daquele sobre este. Como vimos, enquanto para Schopenhauer, a vontade como coisa em si é causa irremovível do sofrimento, para Spinoza, a vontade (enquanto ideia inadequada) será causa de paixões, tais como medos, angústias, indignações, ódios, ressentimentos, invejas etc., Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0095 | 96 | DEUS OU SEJA A NATUREZA com grande prejuízo para o aprendizado, sempre que estiver associada a ações que dependam fortemente do exterior, ou seja, de outros. Assim, quando o mestre (rever o exemplo c da seção anterior) visa mudar o estado de desconhecimento de seu aprendiz sofrerá e o fará sofrer (ambos padecerão de afecções tristes) quando deslocar sobre este a expectativa de sua vontade. Neste caso, o mestre será uma causa inadequada da modificação de seu aprendiz, pois que projetará em outro, e não em si, o resultado de sua ação, já que: Nós padecemos na medida em que somos uma parte da natureza que não pode conceber-se por si mesma e sem as outras. Diz-se que nós padecemos quando algo se produz em nós de que não somos senão a causa parcial, algo que não pode deduzir-se só das leis de nossa natureza51. Se, pelo contrário, o mestre caminhar à sala, e transmitir o que sabe, com a alegria de saber-se causa de seu próprio conhecimento, de sua caminhada e de sua fala, convidando seus aprendizes a participarem de sua alegria, sem nada querer que não resulte de sua ação (rever exemplo a), estará dando um passo rumo à sabedoria e à felicidade, ou seja, estará se aproximando da verdadeira Educação. Reciprocamente, o aprendiz que se dirigir ao seu mestre com a vontade de que este o transforme, padecerá das angústias e frustrações decorrentes de estar a sua vontade dirigida a outrem. Mas se, pelo contrário, perceber-se alegremente como causa e matéria-prima de seu próprio aprendizado, convidando o mestre a conhecer seus progressos, saberá evitar as afecções de tristeza, dando também um outro passo convergente rumo à sabedoria. A pequena física de Spinoza e a grande mecânica de Newton Spinoza confere ao corpo humano um estatuto filosófico tão elevado quanto à mente. Na sua ontologia não existe primazia desta sobre aquele, mas, pelo contrário, como corpo e mente são modos sob atributos distintos, existe entre eles uma perfeita isomorfia e equivalência. Como a mente não conhece o mundo exterior e não se conhece internamente, a não ser através de seu corpo, conhecer a mente humana requer um conhecimento da dinâmica do corpo humano e suas leis. Na época de Spinoza pouco se sabia acerca da bioquímica neural, e a própria Física estava praticamente restrita às leis planetárias de Kepler, à estática, que estuda os corpos em equilíbrio e à cinemática da queda dos corpos de Galileo. No entanto, a grande ciência da Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0096 | 97 | A FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIÇÕES PEDAGÓGICAS mecânica seria criada por Isaac Newton, apenas um ano depois da morte de Spinoza. Este concluiu a Ética em 1675 falecendo em 1677, enquanto Newton publicou os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (ou resumidamente os Principia) somente em 1678. Portanto, é impossível que Spinoza conhecesse a obra de Newton. Embora a Ética seja um livro de filosofia pura, contém, no início da segunda parte, algumas definições, lemas e axiomas relativos ao corpo humano que podem ser considerados como pertencentes ao domínio da Física, e, de fato, essa parte da obra é chamada por alguns comentadores de “a pequena física”. Devido à importância que o corpo humano adquire ao longo de todo o texto da Ética, seria interessante contextualizar a “pequena física” no âmbito mais geral das leis da mecânica de Newton. O núcleo central dos Principia são as três leis fundamentais do movimento, que Newton assim formulou: Lei I: “Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impressas nele”. Lei II: “A mudança do movimento é proporcional à força motriz impressa, e se faz segundo a linha reta pela qual se imprime esta força”. Lei III: “A uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um sobre o outro, são iguais e se dirigem a partes contrárias”52. A lei de inércia enuncia que um corpo permanecerá indefinidamente em seu estado inercial, a não ser que uma força o tire deste estado. A segunda lei afirma que um corpo pode agir sobre outro, modificando seu movimento, através de uma força motriz que se origina no primeiro e atua no segundo; e quanto maior for a mudança de movimento, mais intensa terá de ser a ação. Portanto, na mecânica de Newton, uma força não produz movimento, como na Física aristotélica, mas mudança de movimento, que pode ser medida pela aceleração do segundo corpo. A mudança, na mecânica newtoniana, é a medida não mais do movimento ou velocidade do corpo, mas sim de sua aceleração, ou seja, a variação de sua velocidade. A terceira lei ou lei de ação ou reação nos adverte que o primeiro corpo, de onde se origina a força, não poderá realizar nenhuma mudança impunemente, pois que o corpo que teve seu movimento modificado responderá com uma reação igual e contrária sobre ele. De posse de um conhecimento preliminar das leis de Newton, passo agora à pequena física de Spinoza. Vale a pena repeti-la em parte: Axioma I: Todos os corpos estão em movimento ou em repouso. Ponczek_Deus ou seja a natureza.pmd 24/8/2009, 16:0097
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