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o tratado da terra do Brasil, Notas de estudo de Agronomia

o_tratado_da_terra_do_Brasil

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 23/01/2011

bruno-agro-10
bruno-agro-10 🇧🇷

4.6

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Baixe o tratado da terra do Brasil e outras Notas de estudo em PDF para Agronomia, somente na Docsity! MINISTÉRIO DA CULTURA Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro TRATADO DE TERRA DO BRASIL Pero de Magalhães Gândavo Tratado da terra do Brasil, no qual se contém a informação das coisas que há nestas partes, feito por Pero de Magalhães Ao muito Alto e Sereníssimo Príncipe Dom Henrique, Cardeal, Infante de Portugal Posto que os dias passados apresentei outro sumário da terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigação de Vassalo que todos devemos a nosso Rei: e por esta razão me pareceu coisa muito necessária (muito Alto e Sereníssimo Senhor) oferecer também este a V. A. a quem se devem referir os louvores e acrescentamento das terras que nestes Reinos florescem: pois sempre desejou tanto aumentá-las, e conservar seus Súditos e Vassalos em perpétua paz. Como eu isto entenda, e conheça quão aceitos são os bons serviços a V. A. que ao Reino se fazem, imaginei comigo que podia trazer destas partes com o que desse testemunho de minha pura tenção: e achei que não se podia de um fraco homem esperar maior serviço (ainda que tal não pareça) que lançar mão desta informação da terra do Brasil (coisa que até agora não empreendeu pessoa alguma) para que nestes Reinos se divulgue sua fertilidade e provoque a muitas pessoas pobres que se vão viver nesta província, que nisso consiste a felicidade e aumento dela. E porque V. A. sabe quanto serviço de Deus e del-Rei nosso Senhor seja esta denunciação, determinei coligi-la com deliberação de a oferecer a V. A. a quem humildemente peço a receba, e com tamanha mercê ficarei satisfeito, rogando a nosso Senhor lhe dê prósperos e larguíssimos anos de vida, e deixe permanecer seu Real estado em perpétua felicidade. Amém. Pero de Magalhães. Humilde Vassalo de S. A. Prólogo ao leitor Minha tenção não foi outra neste sumário (discreto e curioso leitor) senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abundância da terra do Brasil, para que esta fama venha a notícia de muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhê-la para seu remédio; porque a mesma terra é tão natural e favorável aos estranhos, que a todos agasalha e convida com remédio por pobres e desamparados que sejam. E assim cada vez se vai fazendo mais próspera, e depois que as terras viçosas se forem povoando (que agora estão desertas por falta de gente), hão se de fazer nelas grossas fazendas como já estão feitas nas que possuem os moradores da terra, e também se espera desta província que por tempo floresça tanto na riqueza como as Antilhas de Castela, por que é certo ser em si a terra muito rica e haver nela muitos metais, os quais até agora se não descobrem ou por não haver gente na terra para cometer esta empresa, ou também por negligência dos moradores que se não querem dispor a esse trabalho: qual seja a causa por que o deixam de fazer não sei. Mas permitirá nosso Senhor que ainda em nossos dias se descubram nela grandes tesouros, assim para serviço e aumento de S. A., como para proveito de seus Vassalos que o desejam servir. Declaração da Costa Esta costa do Brasil está para a parte do ocidente, corre-se de Norte e Sul. Da primeira povoação até a derradeira há trezentas e cinqüenta léguas. São oito Capitanias, todas têm portos muito seguros, onde podem entrar quaisquer naus por grandes que sejam. Não há pela terra dentro povoações de portugueses por causa dos índios que não o consentem, e também pelo socorro e tratos do Reino lhes é necessário estarem junto ao mar para terem comunicação de mercadorias. E por este respeito vivem todos junto da Costa. Capítulo Primeiro Da Capitania de Tamaracá A povoação da primeira Capitania e mais antiga está numa ilha que se chama Tamaracá, pegada com a terra firme; tem três léguas de comprido e duas de largo. Tem trinta e cinco léguas de terra pela Costa para o Norte É de dona Jerônima de Albuquerque, mulher que foi de Pero Lopes de Souza, na qual tem posto Capitão de sua mão. Há nela um engenho de açúcar e agora se fazem dois novamente e muito pau do Brasil e algodão. Pode ter até cem vizinhos. Há nesta Capitania muitas e boas terras para se povoarem e fazerem nelas fazendas. Capítulo Segundo Da Capitania de Pernambuco A Capitania de Pernambuco está a cinco léguas de Tamaracá para o Sul em altura de oito graus, da qual é Capitão e governador Duarte Coelho de Albuquerque. Tem duas povoações. A principal se chama Olinda, a outra Guarassu, que está quatro léguas pela terra dentro. Haverá nesta Capitania mil vizinhos. Tem vinte e três engenhos de açúcar, posto que destes três ou quatro não são ainda acabados. Alguns moem com bois, a estes chamam trapiche, fazem menos açúcar que os outros: mas a maior parte dos engenhos do Brasil moem com água. Cada engenho destes um por outro, faz três mil arrobas cada ano, nesta Capitania se faz mais açúcar que nas outras, porque houve ano que passaram de cinqüenta mil arrobas, ainda que o rendimento deles não é certo, são segundo as novidades e os tempos que se oferecem. Esta se acha uma das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos índios que é a principal fazenda da terra. Daqui os levam e compram para todas as outras Capitanias, porque há nesta muitos, e mais baratos que em toda a Costa: há muito pau do Brasil e algodão de que enriquecem os moradores desta Capitania. O porto onde os navios entram está uma légua da povoação Olinda; servem-se pela praia e também por um rio pequeno que vai dar junto da mesma povoação. A esta Capitania vão cada ano mais navios do Reino que a nenhuma das outras. Há nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. Aymorés, a língua deles é diferente dos outros índios, ninguém os entende, são eles tão altos e tão largos de corpo que quase parecem gigantes; são muito alvos, não têm parecer dos outros índios na terra nem têm casas nem povoações onde morem, vivem entre os matos como brutos animais; são muito forçosos em extremo, trazem uns arcos muito compridos e grossos conforme a sua força e as frechas da mesma maneira. Estes índios têm feito muito dano aos moradores depois que vieram a esta Costa e mortos alguns portugueses e escravos, porque são imigos de toda gente. Não pelejam em campo nem têm ânimo para isso, põem-se entre o mato junto de algum caminho e tanto que passa alguém atiram-lhe ao coração ou a parte onde o matem e não despedem frecha que não na empreguem. Finalmente, que não têm rosto direito a ninguém, senão a traição fazem a sua. As mulheres trazem uns paus tostados com que pelejam. Estes índios não vivem senão pela frecha, seu mantimento é caça, bichos e carne humana, fazem fogo debaixo do chão por não serem sentidos nem saberem onde andam. Muitas terras viçosas estão perdidas junto desta Capitania, as quais não são possuídas dos portugueses por causa destes índios. Não se pode achar remédio para os destruírem porque não têm morada certa, nem saem nunca dentre o mato. E assim quando cuidamos que vão fugindo ante quem os persegue, então ficam atrás escondidos e atiram aos que passam descuidados. Desta maneira matam alguma gente. Todos quantos índios há no Brasil são seus imigos e temem-nos muito, por que é gente atraiçoada. E assim onde os há nenhum morador vai a sua fazenda por terra que não leve quinze, vinte escravos consigo de arcos e frechas. Estes Aymorés são muito feros e cruéis, não se pode com palavras encarecer a dureza desta gente. Não andam todos juntos, derramam-se por muitas partes, e quando se querem ajuntar assobiam como pássaros ou como bogios, de maneira que uns aos outros se entendem e se conhecem. Também os portugueses matam alguns deles, e têm muitos destruídos, principalmente nesta Capitania dos Ilhéus, e guardam-se muito deles, porque já sabem suas manhas e conhecem muito bem sua malícia. Capítulo Sexto Da Capitania de Porto Seguro A Capitania de Porto Seguro está trinta léguas dos Ilhéus em dezesseis graus e meio. É do duque de Aveiro, na qual tem posto Capitão de sua mão. Tem três povoações, a principal é Porto Seguro, que está junto do porto onde os navios entram. Outra está daí uma légua que se chama Santo Amaro; outra Santa Cruz, que está daí quatro léguas para o Norte. Pode haver nesta Capitania duzentos e vinte vizinhos. Tem cinco engenhos de açúcar. Há nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. Também chegam a esta Capitania os Aymorés e fazem nela dano aos moradores como nos Ilhéus. É terra muito abastada de caça, e de peixes que matam no rio que está junto da povoação. Capítulo Sétimo Da Capitania do Espírito Santo A Capitania do Espírito Santo está cinqüenta léguas de Porto Seguro em vinte graus, da qual é Capitão e governador Vasco Fernandes Coutinho. Tem um engenho somente, tira-se dele o melhor açúcar que há em todo o Brasil. Pode ter até cento e oitenta vizinhos. Há dentro da povoação um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. Tem um rio muito grande onde os navios entram, no qual se acham mais peixes-bois que noutro nenhum rio desta Costa. No mar junto desta Capitania matam grande cópia de peixes grandes e de toda maneira, e também no mesmo rio há muita abundância deles. Nesta Capitania há muitas terras e muito largas, onde os moradores vivem muito abastados assim de mantimentos da terra como de fazendas. E quando se tomou a fortaleza do Rio de Janeiro desta mesma Capitania do Espírito Santo sustentaram toda a gente e proveram sempre de mantimentos necessários enquanto estiveram na terra os que defendiam. Rios Avante desta Capitania em altura de vinte e um graus está o rio de Paraíba, este é muito grande e fermoso e tem infinito peixe. Junto do Cabo Frio em altura de vinte e dois graus está a baía Formosa, na qual se pode fazer uma Capitania de muitos vizinhos, onde também se perdem muitas terras por falta de gente. Outros muitos rios há nestas partes que deixo de escrever por serem pequenos e não se fazer tanto caso deles, nem minha tenção foi outra senão tratar destes mais notáveis, onde se podem fazer algumas povoações e conseguir proveito das terras viçosas que por esta Costa estão desertas. Capítulo Oitavo Da Capitania do Rio de Janeiro A Capitania do Rio de Janeiro, Cidade de São Sebastião, está sessenta léguas do Espírito Santo em vinte e três graus e um terço, terra del-Rei nosso Senhor. Pode ter pouco mais ou menos cento e quarenta vizinhos, agora se começa de povoar novamente. Esta é a mais fértil e viçosa terra que há no Brasil. Tem terras muito singulares e muitas águas para engenhos de açúcar. Há nela muito infinito pau do Brasil, de que os moradores da terra fazem muito proveito. Esta Capitania tem um rio muito largo e fermoso; divide-se dentro em muitas partes, e quantas terras estão ao longo dele se podem aproveitar, assim para roças de mantimentos como para cana- de-açúcar e algodão, porque são muito viçosas e melhores de quantas há por toda esta Costa. Há nesta cidade um mosteiro de padres da Companhia de Jesus, os quais também aumentaram muito esta terra e desejam muito vê-la povoada de muitos moradores, porque são como digo as terras desta Capitania muito largas, e sabem quão proveitosas são para toda gente pobre que as for possuir. E por tempo hão se de fazer nelas grandes fazendas: e os que lá forem viver com esta esperança não se acharão enganados. Capítulo Nono Da Capitania de São Vicente A Capitania de São Vicente está sessenta léguas do Rio de Janeiro em vinte e quatro graus, é de Pero Lopes de Souza, na qual tem posto Capitão de sua mão: esta e o Rio de Janeiro são as mais frias terras que há no Brasil, geia nelas em tempo de inverno quase como neste Reino. Nesta Capitania se deu já trigo, mas não o querem semear por haver na terra outros mantimentos de menos custo. Tem três povoações, e uma fortaleza que está numa ilha junto da terra firme quatro léguas para o Norte que se chama Britioga; daqui defendem esta Capitania dos índios e franceses com artilharia que há na mesma fortaleza. A principal povoação se chama Santos, onde está um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A outra mais avante ao longo do Rio uma légua é São Vicente; também há nela outro mosteiro de padres da Companhia. Pela terra dentro dez léguas edificaram os mesmos padres uma povoação entre os índios que se chama — o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte deles são mamelucos filhos de portugueses e de índias da terra. Aqui e nas mais Capitanias têm feito estes padres da Companhia grande fruito e fazem com que a terra vá em muito crescimento, trabalham por fazer cristãos a muitos índios e metem muitas pazes entre os homens; também fazem restituir as liberdades de muitos índios que alguns moradores da terra têm mal resgatados: assim que sempre acodem aos que se desviam do serviço de Deus e de S. A. Haverá nesta Capitania quinhentos vizinhos, tem quatro engenhos de açúcar, e muitas terras viçosas de que os moradores tiram muitos mantimentos e fazenda e vivem muito abastados. Esta é a última Capitania que há nestas partes do Brasil... Tratado Segundo Das coisas que são gerais por toda Costa do Brasil chover-lhe muitas vezes e não haver frio que ofenda ao que produz a terra. Há por baixo destes arvoredos grande mato e muito basto e de tal maneira está escuro e serrado em partes que nunca participa o chão da quentura nem da claridade do Sol, e assim está sempre úmido e minando água de si. As águas que na terra se bebem são muito sadias e sabrosas, por muita que se beba não prejudica a saúde da pessoa, a mais dela se torna logo a suar e fica o corpo desalivado e são. Finalmente que esta terra tão deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura sobeja. Capítulo Quarto Dos mantimentos da terra Nestas partes do Brasil não semeiam trigo nem se dá outro mantimento algum deste Reino, o que lá se come em lugar de pão é farinha de pau. Esta se faz da raiz de uma planta que se chama mandioca , a qual é como inhame. E tanto que se tira debaixo da terra, está curtindo-se em água três, quatro dias, e depois de curtida pisam-na ou ralam-na muito bem e espremem-na daquele sumo de tal maneira que fique bem escorrida, porque é aquela água que sai dela tão peçonhenta, que qualquer pessoa ou animal que a beber logo naquele instante morre: assim que depois de a terem deste modo curada, põem um alguidar grande sobre o fogo e como se aquenta, botam aquela mandioca nele e por espaço de meia hora está naquela quentura cozendo-se, dali a tiram, e fica temperada para se comer. Há todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra, e outra fresca, a de guerra é muito seca, fazem-na desta maneira para durar muito e não se danar: a fresca é mais branda e tem mais sustância; finalmente que não é tão áspera como a outra, mas não dura mais que dois, três dias: como passa daqui logo se dana. Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos, que se chamam beijus, são muito alvos e mais grossos que obréias, destes usam muito os moradores da terra porque são mais sabrosos e de melhor digestão que a farinha. Outra raiz de uma planta que se chama aipim, da qual fazem uns bolos que parecem pão fresco deste Reino e também se como assada come batata, de toda maneira se acha nela muito gosto. Também há na terra muito milho zaburro, este se dá em todas as Capitanias, e faz um pão muito alvo. Há nesta terra muita cópia de leite de vacas, muito arroz, fava, feijões, muitos inhames e batatas, e outros legumes que fartam muito a terra. Há muita abundância de marisco e de peixe por toda esta Costa; com estes mantimentos se sustentam os moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminuírem nada em suas fazendas. Capítulo Quinto Da caça da terra Uma das coisas que sustenta e abasta muito os moradores desta terra do Brasil é a muita caça que há nestes matos de muitos gêneros e de diversas maneiras, a qual os mesmos índios da terra matam assim com frechas como por indústria de seus laços e fojos, onde costumam tomar a maior parte dela. Há muitos veados e muita soma de porcos monteses de muitas castas. Uns pequenos há na terra que têm as cerdas muito grossas, ásperas e crespas; estes têm o umbigo nas costas, matam-se muitos deles, e de outros grandes que não são desta qualidade. Há muitas antas que quase são tamanhas como vacas e pastam ervas como outro gado qualquer; sua carne tem o sabor como da vaca: a pele deste animal é muito grossa e rija. Há também coelhos, mas têm as orelhas de outra maneira mais pequenas e redondas. Há outros animais maiores que lebres que se chamam pacas, também têm carne muito sabrosa. Uns bichos há nesta terra que também se comem e se têm pela melhor caça que há no mato. Chamam-lhes tatus, são tamanhos como coelhos e têm um casco à maneira de lagosta como de cágado, mas é repartido em muitas juntas como lâminas; parecem totalmente um cavalo armado, têm um rabo do mesmo casco comprido, o focinho é como de leitão, e não botam mais fora do casco que a cabeça, têm as pernas baixas e criam-se em covas, a carne deles tem o sabor quase como de galinha. Esta caça é muito estimada na terra. Há também muitas galinhas de mato que os índios matam com frechas, e outras muitas aves muito gordas e sabrosas melhores que perdizes. Desta e de outra muita caça há no Brasil muita abundância. Capítulo Sexto Das fruitas da terra Uma fruita se dá nesta terra do Brasil muito sabrosa, e mais prezada de quantas há. Cria-se numa planta humilde junto do chão, a qual tem umas pencas como cardo, a fruita dela nasce como alcachofras e parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho, chamam-lhe ananases, e depois de maduros têm um cheiro muito excelente, colhem-nos como são de vez, e com uma faca tiram-lhes aquela casca grossa e fazem-nos em talhadas e desta maneira se comem, excedem no gosto a quantas fruitas há neste Reino, e fazem todos tanto por esta fruita, que mandam plantar roças dela, como de cardais: a este nosso Reino trazem muitos destes ananases em conserva. Outra fruita se cria numas árvores grandes, estas se não plantam, nascem pelo mato muitas; esta fruita depois de madura é muito amarela: são como pêros repinaldos compridos, chamam-lhes cajuis, têm muito sumo, e cria-se na ponta desta fruita de fora um caroço como castanha, e nasce diante da mesma fruita, o qual tem casca mais amargosa que fel, e se tocarem com ela nos beiços dura muito aquele amargor e faz empolar toda a boca; pelo contrário este caroço assado é muito mais gostoso que amêndoa; são de sua natureza muito quentes em extremo. Há na terra tantos destes caroços que os medem aos alqueires. Também há uma fruita que lhe chamam bananas, e pela língua dos índios Pacovas: há na terra muita abundância delas: parecem-se na feição com pepinos, nascem numas árvores muito tenras e não são muito altas, nem têm ramos senão folhas muito compridas e largas. Estas bananas criam-se em cachos, algum se acha que tem de cento e cinqüenta para cima, e muitas vezes é tão grande o peso delas que faz quebrar a árvore pelo meio; como são de vez colhem estes cachos, e depois de colhidos amadurecem, e tanto que estas árvores dão uma fruita, logo as cortam porque não frutificam mais que a primeira vez, e tornam a rebentar pelos pés outras novas. Esta é uma fruita muito sabrosa e das boas que há na terra, tem uma pele como de figo, a qual lhes lançam fora quando as querem comer e se come muitas delas fazem dano à saúde e causam febre a quem se desmanda nelas. E assadas maduras são muito sadias e mandam-se dar aos enfermos. Com esta fruita se mantém a maior parte dos escravos desta terra, porque assadas verdes passam por mantimento e quase têm sustância de pão. Há duas qualidades desta fruita, umas são pequenas como figos berjaçotes, as outras são maiores e compridas. Estas pequenas têm dentro de si uma coisa estranha, a qual é que quando as cortam pelo meio com uma faca ou por qualquer parte que seja acha-se nelas um sinal à maneira de crucifixo, e assim totalmente o parecem. Também há uma fruita que se chama bracases, são como nêsperas, posto que comam muito não fazem mal à saúde. Há muita pimenta da terra, come-se verde, queima muito em grande maneira. Outras muitas fruitas há pelo mato dentro de diversas qualidades, e são tantas que já se acharam pela terra dentro algumas pessoas e sustentaram- se com elas muitos dias sem outro mantimento algum. Estas que aqui escrevo são as que os portugueses têm entre si em mais estima e as melhores da terra. Algumas fruitas deste Reino se dão nestas partes, scilicet, muitos melões, pepinos e figos de muitas castas, romãs, muitas parreiras que dão uvas duas, três vezes no ano, e tanto que umas se acabam, começam logo outras novamente. E desta maneira nunca está o Brasil sem fruitas. De limões e laranjas há muita infinidade: dão-se muito na terra estas árvores de espinho e multiplicam mais que as outras. Capítulo Sétimo Da condição e costumes dos índios da terra Não se pode numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não ache povoações de índios armados contra todas as nações humanas, e assim como são muitos permitiu Deus que fossem contrários uns dos outros, e que houvesse entre eles grandes ódios e discórdias, porque se assim não fosse os portugueses não poderiam viver na terra nem seria possível conquistar tamanho poder de gente. Havia muitos destes índios pela Costa junto das Capitanias, tudo enfim estava cheio deles quando começaram os portugueses a povoar a terra; mas porque os mesmos índios se alevantaram contra eles e faziam-lhes muitas traições, os governadores e capitães da terra destruíram-nos pouco a pouco e mataram muitos deles, outros fugiram para o sertão, e assim ficou a Costa despovoada de gentio ao longo das Capitanias. Junto delas ficaram alguns índios destes nas aldeias que são de paz, e amigos dos portugueses. A língua deste gentio toda pela Costa é, uma carece de três letras –scilicet, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente. Estes índios andam nus sem cobertura alguma, assim machos como fêmeas; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu. Vivem todos em aldeias, pode haver em cada uma sete, oito casas, as quais são compridas feitas à maneira de cordoarias; e cada uma delas está cheia de gente de uma parte e de outra, e cada um por si tem sua estância e sua rede armada em que dorme, e assim estão todos juntos uns dos outros por ordem, e pelo meio da casa fica um caminho aberto para se servirem. Não há como digo entre eles nenhum Rei, nem emagrecem muito; e como se agastam de qualquer coisa, comem terra e desta maneira morrem muitos deles bestialmente. Todos seguem muito o conselho das velhas, tudo o que elas lhes dizem fazem e têm-no por muito certo: daqui vem a muitos moradores não comprarem nenhumas por lhes não fazerem fugir seus escravos. Quando estas índias parem, a primeira coisa que fazem depois do parto lavam-se todas num ribeiro e ficam tão bem-dispostas como se não pariram; em lugar delas se deitam seus maridos nas redes, e assim os visitam e curam como se eles fossem os paridos. Quando algum destes índios morre costumam enterrá-lo numa cova assentado sobre os pés, com sua rede às costas em que ele dormia, e logo pelos primeiros dias põem-lhe de comer em cima da cova. Outras muitas bestialidades usam estes índios que aqui não escrevo, porque minha tenção foi não ser comprido, e passar tudo isto com brevidade. Dos resgates Estes índios não possuem nenhuma fazenda, nem procuram adquiri-la como os outros homens, somente cobiçam muito algumas coisas que são deste Reino – scilicet, camisas, pelotes, ferramentas e outras coisas que eles têm em muita estima e desejam muito alcançar dos portugueses. A troco disto se vendiam uns aos outros, e os portugueses resgatavam muitos deles e salteavam quantos queriam sem ninguém lhes ir à mão, mas já agora não há isto na terra nem resgates como soía, porque depois que os padres da Companhia vieram a estas partes proveram neste negócio e vedaram muitos saltos que faziam os portugueses por esta Costa, os quais encarregavam muito suas consciências com cativarem muitos índios contra direito e moverem-lhes guerras injustas. E por isso ordenaram os padres e fizeram com os Capitães da terra que não houvesse mais resgates nem consentissem que fosse nenhum português a suas aldeias sem licença do mesmo Capitão. E quantos escravos agora vêm novamente do sertão ou das outras Capitanias, todos levam primeiro à Alfândega e alí os examinam e lhes fazem perguntas quem os vendeu, ou como foram resgatados, porque ninguém os pode vender senão seus pais ou aqueles que em justa guerra os cativam, e os que acham mal adquiridos põem-nos em sua liberdade, e desta maneira quantos índios se compram são bem resgatados, e os moradores da terra não deixam por isso de ir muito avante com suas fazendas. Capítulo Oitavo Dos bichos da terra Não me pareceu coisa fora de propósito tratar também neste sumário de alguns bichos que nestas partes se criam, pois tudo há na mesma terra, dado que daqui se não compreenda mais que a diferença e a variedade das criaturas que há de umas terras para outras. Há nestas partes muitos bichos muito feros e peçonhentos, principalmente cobras de muitas castas e de nomes diversos. Umas há tão grandes e tão disformes que engolem um veado todo inteiro, e afirmam que tem esta cobra tal qualidade que depois de o ter comido arrebenta pela barriga e apodrece com a cabeça e a ponta do rabo sãs; e tanto que desta maneira fica, torna pouco a pouco a criar carne nova até que se cobre outra vez da mesma carne tão perfeitamente como dantes: isto viram e experimentaram muitos índios e moradores da terra, a estas chamam pela língua dos índios jiboiaçu. Outras há muito maiores e mais peçonhentas, de outra casta diferente, são tão grandes em tanto extremo que apenas dezesseis índios podiam levar uma que mataram junto da Costa entre os portugueses; a esta cobra chamam surucucu. Outra geração há delas que lhe chamam boiteninga, tem na ponta do rabo uma coisa que soa propriamente como cascavel; e por onde esta cobra vai sempre anda rugindo, é uma das feras bichas que há na terra. Outras há na terra que lhe chamam hebijaras, têm duas bocas, uma na cabeça outra no rabo, mordem com ambas: esta cobra é branca e muito curta, o mais do tempo está debaixo da terra, é peçonhetíssima sobre todas; quem desta for mordido não terá vida muitas horas, e assim qualquer destas outras que morder alguma pessoa o mais que dura são vinte e quatro horas. Há outra qualidade delas que não tem dentes nem mordem. Estas não são peçonhentas nem tampouco muito grandes, chamam-lhes japaranas. Também afirmam alguns homens que viram serpentes nesta terra com asas muito grandes e espantosas, mas acham-se raramente. Há muitos lagartos e grandes pelos rios de água doce e pelos matos, cujos testículos cheiram melhor que almiscre. E a qualquer roupa que os chegam fica o cheiro pegado por muitos dias. Os bichos mais feros e mais danosos que há na terra são tigres, e estes animais são deles tamanhos como bezerros, vão-se aos currais do gado dos moradores e matam muito dele e são tão feros e forçosos que uma mão que lançam a uma vitela ou novilho lhe fazem botar os miolos fora e levam- no arrastado para o mato. Também pela terra dentro matam e comem alguns índios quando se acham famintos. Sobem pelas árvores como gatos, e dali espreitam a caça que por baixo passa e remetem de salto a ela, e desta maneira não lhes escapa nada: alguns destes animais matam em fojos os moradores da terra. Toda esta terra do Brasil é coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano às parreiras dos moradores, e às laranjeiras que têm nos quintais; e se não foram estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que lá são pouco necessárias, porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele está provida. Também há muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas árvores que se chamam mangues, não pode nenhuma pessoa esperá-los; e pelo mato quando não há viração são muito sobejos e perseguem muito a gente. Também há uma geração de ratos que trazem os filhinhos pendurados na barriga, e ali se criam e andam assim pegados até serem grandes. Bogios há muitos e de muitas castas, como já se sabe. Tanto que as fêmeas parem, pegam-se os filhos nas suas costas e sempre andam cavalgados nas mães até serem bem-criados. E posto que as persigam e as matem não se querem desapegar delas. Há também muitos lobos-marinhos e porcos-marinhos que se criam no mar e na terra. Outros muitos bichos há nestas partes pela terra dentro que será impossível poderem se conhecer nem escrever tanta multidão, porque assim como a terra é grandíssima, assim são muitas as qualidades e feições das criaturas que Deus nela criou. Capítulo Nono Da terra que certos homens da Capitania de Porto Seguro foram a descobrir, e do que acharam nela Posto que minha tenção não era tratar neste sumário senão das coisas que são gerais por toda a Costa do Brasil, de que os moradores da terra participam, pareceu-me também necessário e conveniente aos louvores da terra denunciar neste capítulo a riqueza dos metais que afirmam haver por ela dentro, provado tudo isto com pessoas que o acharam, viram, e experimentaram: e a maneira como se descobriu foi esta que se segue. A esta Capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas de umas pedras verdes que havia numa serra muitas léguas pela terra dentro, e traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço. E os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito fermosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta Capitania disto foram certificados, fizeram-se prestes cinqüenta ou sessenta portugueses com alguns índios da terra e partiram pelo sertão dentro com determinação de chegar a esta serra onde estas pedras estavam. Ia por Capitão desta gente um Martim Carvalho, que agora é morador da Bahia de Todos os Santos; entraram pela terra algumas duzentas e vinte léguas, onde as mais das serras que acharam e viram eram de muito fino cristal e toda a terra em si muito fragosa, e outras muitas serras de uma terra azulada, nas quais afirmam haver muito ouro, porque indo eles por entre duas serras, desta maneira foram dar num ribeiro que pelo pé de uma delas descia, no qual acharam entre a areia uns grãos miúdos amarelos, os quais alguns homens apalparam com os dentes e acharam-nos brandos, mas não se desfaziam. Finalmente que todos assentaram ser aquilo ouro, nem podia ser outro metal, pois o mesmo ouro desta maneira nasce nas partes onde o há. Apanharam destes grãos entre a areia do ribeiro quantidade de um punhado, os quais acharam muito pesados, que também era prova de ser ouro: disto não fizeram mais experiência, por ser aquilo no deserto e haver muitos dias que padeciam grande fome nem comiam outra coisa senão semente de ervas, e alguma cobra que matavam: passaram adiante determinando a vinda tornar por ali apercebidos de mantimentos para buscarem a serra mais devagar, donde aquele ouro descia ao ribeiro. Acharam pelos matos muita canafístula, e por este caminho acharam outros muitos metais que não conheceram, nem podiam esperar pelas guerras dos índios que se alevantaram contra eles. Alguns índios lhes deram notícia segundo a menção que faziam que podiam estar cem léguas da serra das pedras verdes que iam buscar, e que não havia muito dali ao Peru, finalmente que com os imigos que recresciam e pela gente que adoecia tornaram-se outra vez em almadias por um rio que se chama Cricaré, onde se perdeu numa cachoeira a canoa em que vinham os grãos do ouro que traziam para mostra. Nesta viagem gastaram oito meses, e assim desbaratados chegaram a esta Capitania de Porto Seguro. Os que deste perigo escaparam afirmam haver naquelas partes muito ouro, segundo as mostras e os sinais que acharam. E se lá tornar gente apercebida como convém, com toda a provisão necessária, e levarem pessoas que disto conheçam, dizem que se descobriram nesta terra grandes minas. Quisera escrever mais amiudamente das particularidades desta província do Brasil, mas porque satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se compreendessem por extenso as excelências e diversidades das coisas que há nela para remédio e proveito dos homens que lá forem viver. E porque a felicidade e aumento desta província consiste em ser povoada de muita gente, não havia de haver pessoa pobre nestes Reinos que não fosse viver a estas partes com favor de S. A., onde os homens vivem todos abastados, e fora das necessidades que cá padecem. E desta maneira permitirá Deus que floresça tanto a terra desta nova Lusitânia, que com ela se aumente muito a Coroa destes Reinos, e seja dos outros invejada para que não desejemos terras estranhas; prometendo esta nossa tanta riqueza, e prosperidade aos que a forem buscar para seu remédio.
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