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Guias e Dicas
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Vidas Opostas: A Transformação da Vida Terrena em Vida Espiritual, Notas de estudo de Cultura

Este texto discute as diferentes formas de vida, explicando a necessidade de superar a vida terrena para atingir a vida espiritual. O autor propõe uma visão racional-científica da evolução biológica e a relação entre ela e a vida espiritual. Além disso, ele aborda a importância de conceber formas de vida superiores e a luta para alcançá-las.

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 13/02/2011

aldo-inacio-nogueira-6
aldo-inacio-nogueira-6 🇧🇷

4.9

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Baixe Vidas Opostas: A Transformação da Vida Terrena em Vida Espiritual e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 1 UM DESTINO SEGUINDO CRISTO AUTOR: PIETRO UBALDI Tradução: Manuel Emygdio da Silva ÍNDICE CONTEÚDO DOS CAPITULOS PREÂMBULO O idealismo da primeira Obra e o realismo da segunda. Completam-se um ao outro. O controle das teorias em contato com a realidade. Os ritmos musicais da Obra. Na luta, ela resistiu, defendida pelo Alto. O problema da pobreza e da riqueza. Comparação deste volume com História de um Homem. O Evangelho vivido. A moral do livro. O significado da Obra. I - O VOTO A história. Considerações. Confirmação na Sicília. Plano mais tarde realizado II - O SIGNIFICADO Em vez de inútil miséria, voto de trabalho, de honestidade (justiça social). O Comunismo tenta corrigir as culpas sociais do Cristianismo - A virtude da Idade Média diferente das de hoje. Assim se evita apodrecer no bem-estar gratuito, O objetivo é uma vida mais alta do que a atual. Aspectos positivos da renúncia A riqueza é perigo quando nasce corrompida pelo furto. Luta pelo espírito, não pela matéria. Emersão evolutiva em direção a novas posições biológicas III - POBREZA E EVANGELHO A pobreza segundo o Evangelho. Como o Evangelho apresenta o problema econômico. O nosso personagem o possuía no seu instinto e destino. Personalidade já assim elaborada. A sua loucura estava do lado de Cristo - O modelo. Então, não se pode ser rico. Ter as mãos limpas para não sofrer as conseqüências. Permanecer na ordem do Sistema (S). A essência do Cristo. Dualismo unitário do todo reproduzido na Obra despedaçada e una, fundida com a vida do autor. IV - INCOMPREENSÃO E CONDENAÇÃO Um imbecil a derrotar. Opostos programas de vida. A economia dos bens espirituais e a sua oferta repudiada. Para que serve a pobreza franciscana. A superioridade espiritual e inferioridade material, mas cada um recebe segundo o mérito. O ciclo pobreza-riqueza-pobreza. Como funciona a máquina política. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 2 V - A VIDA É UMA ESCOLA Em que mundo se encontra o evoluído. As teorias da Obra na sua aplicação. A escola da dor e a técnica das provas. Por que os maus têm sorte e os bons não? VI - O PROBLEMA DA JUSTIÇA E OS EQUILIBRIOS DA LEI Compensações entre os dois pólos: alegria-dor. O ciclo riqueza-pobreza. A queda das aristocracias. A razão da escravidão das massas. A sabedoria está no equilíbrio. VII - SINAIS DOS TEMPOS Fusão entre Democracia e Comunismo. Os pecados do século XIX. Transformações atuais. O trabalho dos jovens. Um novo estilo de vida e de métodos educativos. O Concílio Ecumênico e o respeito à consciência. A Obra antecipa os tempos. A Encíclica "Populorum Progressio", de Paulo VI VIII - INVESTIMENTOS NO BANCO DE DEUS A estrutura dupla de nosso mundo: Anti-Sistema (AS) passado e Sistema (S) futuro. Duplo tipo de economia: separatista ou unitário. O banco do mundo e o banco de Deus. Aplicações. A economia de nosso homem e a Divina Providência. IX - A UNIVERSAL BIPOLARIDADE DO SEXO NAS RELIGIÕES O dualismo biológico básico: macho-fêmea, levado até ao conceito de Deus. Moisés e Cristo. As duas éticas. A cópia dos dois opostos. A bipolaridade Cristianismo-Comunismo (fêmea-macho) e os dois Evangelhos da Justiça Social. As suas funções complementares. A visão completa, unindo as duas meta- des: potência e amor X - O IDEAL E O MUNDO Depois da bipolaridade e complementaridade horizontal macho-fêmea, a vertical involuído-evoluído. O evoluído não ingênuo, mas esperto. O santo, lutador do ideal, e a resistência do mundo. A sua posição na Terra. A indústria do santo. Padre Pio de Pietralcina. O isolamento. A santidade é um fato individual e interior. Em que se transforma o ideal no mundo XI - A CRISE DA VELHA MORAL A moral religiosa e a moral biológica. Vamos abrir os olhos aos bons nesta parte critica da Obra. Contradições. O atual desmoronamento da fé. O ideal do homem comum: o bem-estar. A crise do Catolicismo. As vocações diminuídas. Reencontrar Cristo. A confissão, o pecado, as imposições, a moral da convivência, as evasões, o sentido de responsabilidade. O pecado masculino, econômico, de caráter social. O pecado de tipo feminino, o sexo. A hipocrisia. O sexo-pecado e a castidade-virtude. O processo de socialização e o critério social da nova moral baseado em não prejudicar ninguém. Moral no nível Moisés: força para domar; Cristo, bondade para civilizar; ciência: inteligência para autodirigir-se. A velha moral impositiva e obrigatória, mas irresponsável, e a nova, livre, porém responsável. As conseqüências. A nova forma mental. Os novos pecados. O significado de nossa crítica XII - O PROBLEMA RELIGIOSO. A OBRA PERANTE A IGREJA, 1) Autoridade e Liberdade - O nosso personagem perante a Igreja. Apelar diretamente para Deus significa fugir à autoridade. Verdade coativa por autoridade e verdade livre por convicção. A autoridade, posição de domínio de um lado e de sujeição por outro. A obediência (S) unifica; a revolta (AS) divide, Autoridade, centro vital em favor dos dependentes, e autoridade, centro de desfrutamento próprio. Dai inimizade e revolta. A evolução da autoridade. A evolução está em harmonizar-se. A liberdade do evoluído (S), espontânea coordenação na ordem; a liberdade do involuído (AS), revoltar-se contra a opressão. Enquanto houver injustiça em prejuízo de qualquer pessoa, haverá revolta. Autoridade-comando em favor dos súditos, a sua obediência no seu interesse próprio. Um novo estilo de vida no campo religioso e social. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 5 teve de se exercitar em coisas bem diferentes das do céu e integrar o seu conhecimento nos fatos de nosso mundo, que é bem distinto. Mas, mesmo nesta contraposição de opostos, que equilíbrio de aspectos complementares se combinam mutuamente! Destarte, cada desordem termina enquadrando-se dentro de uma ordem maior, e o mal é posto a serviço do bem, incluído dentro daquela ordem. O próprio AS fica prisioneiro na lei do S. (S = Sistema), (AS = Anti-Sistema) — os dois pólos do ser. (Cfr. O Sistema). Disto podemos falar somente agora, no fim de todo o trabalho, porque nesta hora se torna visível. E tudo se realizou automaticamente. Antes, não era possível prevê-lo e preordená-lo. Temos uma vida de oitenta anos dividida em duas partes iguais de quarenta cada uma: a primeira de preparação e amadurecimento, a segunda de execução. Esta última também dividida por sua vez em duas, e isso para realizar a Obra em dois dos seus diferentes aspectos, localizados em dois hemisférios opostos, em dois períodos de vinte anos: 1931-1951, o da primeira Obra, e 1951-1971, o da segunda. Isto foi o que escrevi na Introdução da segunda obra, no início do seu primeiro volume — Profecias — e que estou confirmando neste livro. Esta segunda parte da Obra entrou na vida pública para penetrar na realidade representada pelo mundo Desenvolveu-se, assim, um diálogo traduzido em ações e reações, diálogo que descrevemos nos volumes precedentes: de um lado, as forças do Alto; do outro, as da Terra, ambas em duelo. Protegida pelas primeiras, a Obra resistiu, percorrendo regularmente o seu caminho em direção às suas novas fases de desenvolvimento A estrada palmilhada ficou assinalada por mortos e feridos que caíram à sua mar- gem, desaparecendo sem poder fazer nada, e que antes se fizeram donos de tudo. Esse período de luta não foi inútil, pois levou a uma tomada de posição racionalmente mais sólida e definida, a uma espiritualidade cientificamente mais positiva, já não apenas misticismo e poesia, porém também trabalho de controle com base na lógica e na experimentação. Deste seu segundo período a Obra saiu vencedora de uma batalha que a reforçou e a completou. O espírito saiu triunfante, não só como fé e ascensão para Deus, mas ainda bem temperado na luta, tendo ficado mais rico em conhecimentos. Assim, o ideal pôde dar prova de não ser apenas um belo sonho, mas uma força viva e potente, de maneira a saber impor-se à feroz realidade biológica Na segunda Obra a fé se encouraçou contra todos os ataques, e o ideal, armado de provas, tornou-se raciocínio e ciência, podendo desafiar o mundo e cumprir o seu trabalho de civilização. Cristo demonstra saber vencer, não apenas nos céus, senão também em nossa Terra infernal. Pode, assim, verificar-se que as forças inferiores não têm o poder de prevalecer contra as superiores. O ideal resistiu. A luta o confirmou, fortificou e consolidou. Eis que esta segunda fase da Obra teve a sua função, seguindo a técnica da descida dos ideais. A maior comprovação da Obra é esta sua sobrevivência através das ameaçadoras tempestades que pareciam poder destruí-la; é ter sabido resistir ao assalto que o mundo desencadeia quando um ideal desce à Terra, enfrentando-o. Esta é ainda uma vitória do S sobre o AS, que o S quer fazer avançar e evoluir. Não podia acontecer de outro modo. Não podia deixar de funcionar a lei fundamental da vida: a evolução, salvando a Obra que lhe está estreitamente conexa. Assim esta sua segunda parte não expressa mais um homem ingênuo que se deixa enganar pelo mundo que o procura para explorar. Aquele que sofre pelo ideal tem paciência enquanto os outros se aproveitam do seu sacrifício, que exprime o indivíduo espiritual batalhador. O idealista vê o jogo do mundo, explica-o aos bons para não caírem nele e acusa aqueles que o praticam. Mesmo que o mundo queira o cúmplice e ame o amigo aliado ao seu jogo, a verdade tem de ser dita para que os simples seja esclarecidos. Desta vez o ideal não se deixou torcer a serviço de outros interesses. Ele não se dobrou, ainda que condenado como erro e combatido em nome da verdade. Pelo contrário, tornou-se ação. E, então, o céu se moveu, defendeu as posições, salvou. Se o mundo tem as suas forças, também o ideal tem as dele, cada um as que são próprias do seu plano. Neste segundo período, de ambos os lados elas se desafiaram e se mediram em forma de luta. Depois desta prova a segunda Obra conclui-se com uma afirmação cada vez mais consciente. No fim. do presente volume, o leitor assistirá à oferta simbólica da Obra àqueles que depois Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 6 quiserem vivê-la e realizá-la. Dado que estamos na Terra, é natural haver alguém que se aproxime julgando encontrar alguma coisa para apoderar-se a seu interesse material. Mas isso para quem o fizer representa um perigo, porque, se a presa parece fácil e por isso atrai os incautos, a Obra é uma arma espiritual potente que pode trazer grandes benefícios, se for bem usada, mas que pode explodir nas mãos de quem fizer mau uso dela. É perigosíssimo maltratar as coisas espirituais. E neste erro caem facilmente aqueles que crêem ser astutos e delas se acercam com a mesma forma mental do explorador. Isto pode parecer uma traição, mas é justo que seja assim. É providencial, porque representa uma legítima defesa da vida, uma vez que elas são fundamentais para a evolução deles. Por isso as coisas espirituais são protegidas por forças poderosas, mesmo invisíveis garantem o seu triunfo, deixando os assaltantes na ruína a que os conduz a sua própria negatividade. O presente volume é apresentado quase em forma autobiográfica, porque se trata de experiências realmente vividas, ainda que sejam utilizadas como tema para generalizações que ampliam o assunto até versar sobre problemas de caráter social. Isto porque os casos da vida do protagonista aqui examinados não se consideram isolados, mas são orientados em função dos princípios gerais da Obra, dos quais aquela vida pretende ser uma aplicação. E assim que os fatos são explicados através da respectiva teoria, que deles nos mostra o significado e justifica a sua presença na forma em que se desenvolvem. Deste modo, o livro é teórico e prático ao mesmo tempo, porque, se de um lado constitui o emprego de teorias já abordadas, como desenvolvimento de novas, de outro é solução de muitos problemas de vida vivida. Assim, esta história se enxerta no mundo de todos, porque o sujeito, com a sua conduta, mostra como, seguindo os seus princípios, entendeu a vida, resolvendo vários problemas, consciente dos seus fins e da sua própria posição no seio das leis do universo. Depois de tantos volumes de teorias gerais, este é um livro de realizações práticas. Neste escrito falaremos bastante de pobreza, mas apresentando-a não como uma virtude, como freqüentemente se costuma fazer na Terra para suscitar admiração. Aqui a pobreza não é um exibicionismo para se fazer venerar os santos. Os motivos são diferentes e expostos a favor e contra. Seria pueril antepor como juízo de valor absoluto o do mundo, sendo possíveis diversas apreciações em função de outros pontos de referência sem interesse imediato. Todavia, não se pode impedir que cada um veja a pobreza a seu modo e que se encontre alguém para julgar aquele personagem um louco. Neste caso, temos o fato de que ele tem Cristo ao seu lado. Depois debate abertamente a sua loucura e nos mostra a sua lógica. Discutindo-se a si próprio, ele contesta a forma mental do mundo e a conduta deste. Agora, no final do seu caminho terrestre, ele pode somar as suas operações e concluir para ver se teve razão ou não. E certo que sofreu, mas isto não o prejudicou, antes o melhorou, e quem lhe fez mal somente o fez a si próprio. Entretanto, o fruto de ter sabido lutar e sofrer e, com isso, evoluir e purificar-se, o nosso personagem o leva consigo. Assim, o livro é construtivo porque ensina a viver com retidão, mesmo que agora faça isso de forma dura, mais do que de poética ternura. E por esta razão que ele é bom para persuadir não somente os crentes que gostam de sonhar, mas também os descrentes que querem raciocinar. Isto porque, em vez de limitar-se aos conselhos teóricos de costume, o livro explica os motivos pelos quais as coisas vão mal e como se paga caro por isso. Esperamos que este escrito possa, pelo menos, induzir alguém a enfrentar alguns de seus problemas com sabedoria, para seu próprio bem e para o de outros. Este volume pode ser útil aos pobres, que acreditam na riqueza, como se ela pudesse ser a solução para todos os males; e aos ricos, que a ela estão grudados sem poder resolvê-los, para mostrar quanto ela pode conter de veneno e a que perigos se expõe quem não sabe fazer dela bom uso; quantos deveres ela implica e que dívida contrai para com a divina justiça, à qual deverá pagar quem não cumpre com aqueles deveres. A riqueza é uma arma de dois gumes que pode golpear mesmo quem é seu dono. Este livro mostra que é danoso não só ter mais do que o necessário, como também possuir muito pouco. Assim, tanto é desgraçado aquele que é excessivamente rico, como o muito pobre. Os bens são um meio e não um fim, um instrumento e não um objetivo de trabalho. Portanto, é por este motivo que se tem o Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 7 direito de possuí-los, isto é, para trabalhar, produzir na matéria e no espírito, evoluir em ambos os campos, e não para entesourar com avareza ou para desperdiçar no prazer. A riqueza que for usada para trair os fins da vida acaba por atraiçoar o incauto que acredita ser possível com a sua astúcia violar as leis. Infelizmente, com esta forma mental, ansiosos de possuir e desfrutar a qualquer custo, ricos e pobres freqüentemente se equivalem. Muitos pobres, no fundo, são apenas ricos frustrados, desejosos, em nome da justiça, de fazer pior do que aqueles, ou seja, ao se tornarem ricos, praticarem uma injustiça maior ainda contra os desgraçados que ficaram pobres. As posições do satisfeito e do insatisfeito são diferentes, mas a avidez de possuir e de gozar é característica humana. Para o pobre, mesmo as raras renúncias do rico são consideradas loucura; se chegam a verificar-se, de modo algum lhe interessam, e só as toma a sério, se tiver alguma coisa a ganhar com elas. O pobre pode ver também naquela renúncia, que segundo ele é loucura, apenas o insulto que para ele representa o fato de o outro ter nascido rico e, com esta finalidade, poder permitir-se ignorar as dificuldades da vida, dando-se ao luxo, por esporte, de fazer- se pobre, somente porque ele não experimentou sê-lo de verdade. São heroísmos com os quais o pobre se ofende, porque não o ajudam de forma alguma a salvá-lo da sua pobreza. Fizemos estas considerações para mostrar as diversas perspectivas com que pode este livro e os diferentes critérios com que pode ser julgado o que ele defende. Um livro semelhante a este, também em estilo autobiográfico, faz parte da primeira Obra. Intitula-se: História de um Homem. Mas existe uma diferença entre os dois. No primeiro, o protagonista observa a vida colocada no seu futuro, como uma antecipação e um pressentimento. No segundo, ele a olha, situada no seu passado, como uma experiência vivida. No primeiro caso, trata-se de um jovem olhando de frente o início do seu viver; no segundo, tem-se um velho que olha para trás e a está terminando. E assim que os pontos de vista, nos dois volumes, não são os mesmos. No presente escrito, o sujeito encontra-se no fim, em posição oposta à precedente. Pode, portanto, dizer, por experiência própria, aquilo que no outro livro era apenas uma perspectiva futura, um plano de existência e não uma vida completa. Não predominava o atual sentido de abandono dado pela iminência da morte, enquanto agora este outro tipo de vida não é mais uma espera longínqua, mas está batendo à porta. Esta posição diversa leva a situar os problemas sob outros aspectos e mostrar-lhes outras facetas ainda não examinadas anteriormente. Por isso, o presente volume completa o precedente. Confrontando os dois, o leitor poderá ver o caminho percorrido, desde então até hoje, de uma à outra das duas diferentes épocas. Neste escrito o leitor poderá ver o sistema filosófico de toda a obra, como também a sua concepção evangélica levados ao campo prático da realidade em nosso ambiente terrestre, para dar-se conta do que sucede, realmente, em tais casos. Aqui se vê como funciona em verdade o jogo das ações e reações na luta entre o ideal e o mundo. Aqui as teorias dos outros volumes tornam-se vida, realização, experimentação. Temos uma posição de fato contra a corrente do mundo e uma resistência a ela durante uma existência inteira, até ao fim. Mas, naquele instante, quando se chega à prestação das contas, surge o emborcamento das posições, e, perante os novos valores de uma vida mais alta para além da morte, o falido deste mundo transforma-se em triunfador. No fim, a experiência dá-lhe razão, mesmo que na Terra essa razão lhe tivesse faltado. Assistimos, neste volume, à história, da experiência coroada de sucesso, da substituição dos valores do mundo pelos do espírito. Depois de tantas teorias devíamos mostrar alguma coisa de real, de concreto, de vivido, um Evangelho tomado a sério, enxertado em nossa vida de cada dia com as suas lutas e problemas; devíamos fazer sentir, de forma tangível, o choque provocado entre os métodos do Sistema e os do Anti-Sistema no campo de batalha que é o nosso mundo; devíamos apresentar tudo isso em ação, para constatar o que sucede quando o ideal quer verdadeiramente realizar-se na Terra. Agora, já não é mais o momento para expor teorias de orientação geral. Este trabalho já foi feito e dele se presume que o leitor tenha conhecimento. Estamos no terreno das aplicações, e, para tornar-se concreto, o campo se restringe. Aqui temos um indivíduo que enfrenta o seu caso e o resolve por si próprio. Ele se coloca em frente de Deus e fala com Ele; situa-se perante as leis positivas da vida e raciocina com elas. Para isso ele tem de sair das fileiras, pôr-se fora da corrente na qual caminham em Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 10 esta estranha história para compreender o seu íntimo significado, como dizíamos anteriormente. * * * Numa tranqüila paisagem campestre da Umbria franciscana, nas proximidades de Perugia, que está a um passo de Assis, na Itália, no suave calor matutino do sol de setembro, um homem de 45 anos de idade subia sozinho a doce inclinação de uma colina. Estava perto de 14 de setembro, dia em que São Francisco, em 1224, recebera os estigmas na montanha do Verna (a cena é descrita no volume: A Nova Civilização do Terceiro Milênio) Naquela manhã radiosa, aquele homem emergia de duas noites de profunda luta espiritual. A grande decisão tinha sido tomada sumariamente, amadurecida no silêncio da noite. Agora esperava a sua solene confirmação perante Deus, à luz do dia. Aquele homem resolveu despojar-se das suas grandes riquezas, das quais podia livremente dispor e com as quais poderia ter gozado a vida. Tomara esta decisão, a fim de se adaptar a uma simples e dura existência de trabalho material para viver. Mas o seu objetivo era sobretudo viver uma vida espiritual não só para si, mas para o bem dos seus semelhantes. Despojar-se em favor de quem? Esta é a primeira pergunta que em tais casos faz o mundo, ao qual não interessa de modo algum conhecer os problemas espirituais do próximo, mas antes saber aonde foi parar o tesouro, que é a coisa mais importante na Terra. Aqui delineai-se, subitamente, o desentendimento entre dois modos opostos de conceber a vida. Se ele era louco, pior para ele. Isto não interessava. O maior problema para o mundo são os bens terrenos, não os espirituais, tanto assim que estes se põem a serviço daqueles. Neste caso, então, não precisava esperar consentimentos. Por isso ele só falou com Deus, seguindo outra moral que não lhe permitia uma vida fácil à custa do trabalho alheio; e sim, exclusivamente com o fruto do seu trabalho, devia, conscientemente, sustentar-se e a sua família. A perspectiva era dura, e a luta para vencer não foi fácil. Mas o espírito venceu, o Evangelho tinha triunfado, apesar de saber que aquele ato significava o início de outro tipo de vida: em lugar da existência do rico ocioso num bem-estar que não foi ganho, a de quem deve ganhar, com o seu próprio trabalho, o pão cotidiano. Era outro modo de vida, a que permaneceu fiel até o fim. Aquele homem subia a colina com o coração leve, envolvido na euforia de um grande triunfo espiritual. Uma espécie de potente vibração em alta tensão se estava concentrando e acumulando dentro dele. Ao mesmo tempo ele sentia, confusamente, que alguma coisa, ainda não perceptível, se estava condensando à sua volta, sem forma ainda definida. A tensão ia-se tornando sempre mais intensa. Que estaria acontecendo? Algo de irresistível se estava apossando dele. No entanto, continuava bem desperto, em plena consciência. Caminhava lentamente, via, observava, apercebia-se de tudo. Não estava sonhando. Uma realidade nova o golpeava, diversa daquela sensória que bem conhecia. E andava, observando e confrontando, com atenção e plena lucidez da mente, as duas realidades. Uma capacidade perceptiva diferente da normal o advertia da presença de outros seres perto dele, vivos, entidades pensantes como ele. Mas ainda não conseguia individualizá-las, perceber-lhes a forma e o pensamento. Continuou a subir até que desembocou numa larga vereda, no cume da colina que agora era um plano com algumas oliveiras espalhadas pela amplitude. Solidão silenciosa. Aqui diminuiu o passo. Era quase 11 horas da manhã. A natureza entoava uma das suas imensas sinfonias, na qual, em sublime orquestração, se harmonizavam as multiformes vibrações do ser, que iam de uma forma de vida a outra, das pedras às plantas, dos insetos aos passarinhos, das luzes e cores da Terra e do céu ao respiro da atmosfera; todos os seres harmonizados com tudo o que existia, cantavam o próprio hino à vida. A hora e a estação eram propicias, proporcionando a base necessária sobre a qual tais fenômenos espirituais pudessem surgir, até tomarem forma numa manifestação sensível. Talvez o ambiente da natureza fosse igual ao que tantos séculos atrás tornou possível para São Francisco, no Verna, o milagre dos estigmas. Certas condições naturais devem ser necessárias para construir a trama fundamental do fenômeno sobre a Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 11 qual depois o espírito traça a sua figura. Parece que este fenômeno, por vezes, não pode verificar-se e ter lugar a sua manifestação, a não ser no meio destas grandes orquestrações da natureza e com elas sintonizado, por elas erguido e sobre elas elevando-se como motivo supremo que domina toda a sinfonia. Ele caminhava, lentamente, sem meta, como levado por uma grande música que cantava no seu coração De vez em quando parava para melhor ouvi-la. Solidão e, tudo ao redor, silêncio. Nenhuma presença humana profanava o cântico imenso da Terra e do céu, nos quais se expressavam e fundiam a beleza do criado, a sensibilidade do poeta, a paixão do místico, a suprema aspiração do espírito. Sentia como se sua alma saísse da prisão do corpo, quebrasse a barreira do limite que divide as duas formas de vida: material e espiritual, e, superado o plano físico e rebentadas as portas, entrasse em outro mundo, mais alto e longínquo, feito de outra realidade, em que ele agora se movimentava e vivia. Percebia, então, que para ele passava para segundo plano a comum percepção sensorial, prevalecendo em seu lugar diferente tipo de percepção, realizada com outros sentidos, agora interiores, mas capazes de sentir com a mesma potência e segurança, se bem que em forma diversa. Experiência imensa, arrebatadora, que não se pode descrevei, porque só quem a viveu pode conhecê-la verdadeiramente. Foi assim que, com outra visão, interior, diferente para os olhos físicos, e com outra audição, interna também, diversa para o ouvido físico, ele começou a perceber que se definiam duas formas a seu lado. Tornava-se-lhe difícil situá-las na dimensão espaço. Todavia. sob este aspecto, elas lhe davam a sensação de u'a massa da altura e configuração de um ser humano em que se podia individualizar a cabeça e embaixo um corpo, mas o todo evanescente, como se fora feito de neblina e sempre menos definido quanto mais embaixo, e assim até se dissipar no indefinido da parte inferior. O que lhe parecia estranho era o fato de que, mesmo sem extremidades visíveis, sem nenhum movimento físico, estas duas formas que estavam junto de si, uma de cada lado, caminhavam com ele. Podia observar com exatidão tudo isso, porque estava perfeitamente lúcido, em plena consciência, nos dois planos de existência: o material e o espiritual. Distinguia e registrava aquilo que podia perceber, com os dois diferentes tipos de sentidos. Continuou o caminho, com ele avançando as duas formas paralelas. Isto durou cerca de vinte minutos, pelo que teve tempo de controlar tudo e de fixá-lo em sua memória, para depois analisar o fenômeno com a psicologia racional, positiva, independente de estados emotivos. Melhor não o poderia fazer: desliga-se do fenômeno ao desdobrar-se nas duas posições de sujeito e observador, fundidas ambas, agora, no mesmo funcionamento. Continuou a observar. As duas formas não constituíam só uma indefinida manifestação de presença Cada uma delas transmitia à sua percepção interior uma típica e individual vibração que a definia como pessoa. Foi assim que ele pôde logo sentir com clareza inequívoca que à sua esquerda estava a figura de São Francisco e à sua direita a de Cristo. Eles se deslocavam com ele, caminhando, mas não havia colóquio, nem transmissão de pensamentos particulares. A presença deles se concentrava, acima de tudo, numa solene afirmação da própria identidade individual. Não houve testemunhas humanas. Será que, se tivesse havido, elas teriam percebido? Ou fora bom que não tivesse existido, pois, assim poderiam ter paralisado o fenômeno? No entanto, a observação foi exata até ao ponto de se notar: houve uma pequena testemunha e ela demonstrou ter sentido que alguma coisa estava acontecendo. Aquele homem estava acompanhado do seu cachorrinho, acostumado a andar a sua volta. Pois bem, naqueles poucos minutos, ele se comportou diversamente do habitual. Ele se manteve a sua volta, ladrando para alguém ou alguma coisa que devia estar percebendo perto do dono. Sem este fato não se explica tal comportamento excepcional, que não tinha outra causa aparente naquela solidão. Aquele cachorro não podia falar e dizer o que havia percebido. Mas era certo que demonstrava haver sentido qualquer coisa Percorrido aquele trecho do caminho e aquele breve período de tempo, a alta tensão não pôde ser mais suportada, e a visão se desfez lentamente. Não ficou senão o ambiente externo, aquele que os sentidos físicos normalmente percebem, somente as coisas que todos vêem e às quais, porque se vêem sempre, pouca importância se dá. O céu se fechou, e tudo voltou como antes, como se nada tivesse acontecido. A visão, no entanto, ficou indelével, gravada a fogo naquela alma, como uma queimadura de Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 12 luz, uma ferida de amor que jamais o tempo poderá cancelar, feita de saudade, de uma contínua e angustiante espera para se reencontrar. A visão passou como uma arrebatadora paixão que queima, mas fecunda, deixando uma semente n'alma. Ela ficou escondida, depois germinou durante sua existência terrena; cresceu, frutificou, produziu novas sementes, para depois brotar, crescer, frutificar novamente noutro lugar, noutras almas, operando o milagre da multiplicação da vida em mais alto nível, no plano espiritual. Desde o momento em que aconteceu aquele fato interior, que não foi visto, talvez, por mais ninguém a não ser ele, aquele homem não mais parou. Aquele instante foi o ponto de partida da revelação de um destino, lançado naquela direção. De fato, ele depois se desenvolveu como se seguisse uma fatal concatenação de eventos que têm confirmado a verdade das inspirações interiores, que, derivando daquela primeira visão, continuaram a dirigir sua vida até o fim. Não se trata, portanto, somente de um momentâneo fenômeno de parapsicologia, mas do completar-se de um destino firmado sobre esse fenômeno que, em seqüência, vem desenrolando-se através de uma série de fatos a ele ligados, como seu lógico desenvolvimento. Aqui já se estão delineando alguns dos muitos aspectos de tal acontecimento. Mesmo que a ciência não nos saiba dar uma explicação completa sobre ele, resta o fato de que ele ocorreu e as suas conseqüências se realizaram. Poderá ser julgado um sonho, uma fantasia, a alucinação de um histérico, ou caso patológico, mas não há dúvida de que ele constituiu a pedra fundamental da construção de uma vida, desenvolvida com estreita coerência para finalidades preestabelecidas, fixadas no momento em que o fenômeno ocorreu. Ora, o acaso, a alucinação, o patológico não podem produzir uma inteligente coordenação de eventos e a constante execução de um programa, como sucedeu durante 32 anos, até hoje. Além do fato parapsicológico aqui se estuda o problema do destino, sem o qual não se pode compreender porque, num determinado momento da vida de um homem, aquele fenômeno se verificou com a exata função de colocar, confirmando aquela visão, como ponto de partida decisivo para conseqüências de tal importância. O voto de pobreza não foi fantasia, porque foi mantido durante toda a vida. Duas semanas depois da visão, aquele homem, abandonando confortos e riquezas, estava já ganhando, como pobre, o seu pão em terra longínqua, vivendo num quartinho alugado, como professor, no interior da Sicília. Foi neste ambiente de pobreza que a visão continuou, mas de outra forma, como comunicação de espírito ou colóquio, que nunca mais parou, mantendo um contato incessante. Na primavera de 1932, quando nada se podia prever, a inspiração traçou um plano de trabalho anunciando a composição de uma Obra, já no seu 20º volume, com cerca de 8.000 páginas difundidas no mundo. Tudo isso que se previu à tanta distância de tempo, realizou-se. E óbvio que as doenças mentais não podem produzir tais resultados. Se se quiser admitir que este empenho na pobreza tenha sido uma loucura inútil, é também necessário reconhecer que sem isso aquela Obra não teria podido nascer, nem depois realizar-se. Isto porque ela tem uma base, um significado moral e, portanto, exigia, por coerência, que o exemplo fosse dado por quem a escrevia, isto é, que fosse vivido realmente o Evangelho, não apenas pregado e transformado em retórica e hipocrisia. Esta é uma verdade que não se baseia em erudição teológica, mas é temperada pela luta e pelo sofrimento da própria experiência, para se ter o direito de expô-la aos outros. Quem, com os fatos, não demonstra estar convencido, não pode persuadir ninguém; quem não vive um princípio não pode pedir aos outros que o vivam; quem não demonstra saber primeiro transformar-se a si mesmo não pode ensinar os outros a se transformarem. Se não fizer tudo isso, será melhor calar-se, porque as pessoas compreendem o jogo, e o engano convida ao engano do qual se está dando exemplo. Então, em nome do Evangelho, está-se ensinando a mentir. Essa Obra não é, pois, simples trabalho de literatura ou exibição de erudito, mas significa o cumprimento de uma missão espiritual da qual aqueles livros são apenas um meio. E a execução de uma missão investe a existência inteira de um indivíduo, exige o seu trabalho contínuo, o seu sacrifício, até ao seu completo holocausto. Neste ponto se fecha a cena e termina a história. Alguma coisa aconteceu, mas ninguém sabe dizer exatamente o que foi. Os juízos são diversos, conforme o ponto de referência em função do qual são formulados. Neste voto há os que nele podem ver o sublime, outros a loucura, outros ainda a estupidez de Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 15 para uma nova mudança permanece. Não se vence um mal combatendo-o com outro mal, um erro com outro erro. Se ao abuso não se contrapõe a honestidade, todos se situam do lado do primeiro. Não basta, para ter razão, possuir e usar a força da autoridade. A única reação válida não podia ser outra senão a de se opor à justiça social que o Comunismo defendia e já tinha colocada em prática, não lhe oferecendo assim o flanco aos ataques. A verdadeira resistência faz-se com afirmação de si mesmo, com valor próprio, e nunca negando os outros para condená-los. Quando existe um ponto débil, é inevitável que sobrevenha um ataque contra ele. Mas o ataque depende do ponto fraco, que o atrai. Então, o remédio e um só: eliminá-lo. E isso se faz localizando-o em si próprio e não procurando o dos outros para agredi- los. O mundo usa este processo, mas disso nasce somente luta e destruição, nada se corrigindo, nem melhorando. Todavia, este é também um método para progredir nos níveis mais baixos, apesar de primitivo, e a vida o utiliza. Assim, o micróbio ataca no ponto de menor resistência, para obrigar o indivíduo a fortalecer-se na luta, aprendendo a vencê-la. Deste modo a natureza obriga os fracos a se fortalecerem, eliminando os que não sabem vencer. Também, no plano da justiça social, com o assalto das camadas prejudicadas, a vida tende a eliminar as injustiças, coagindo neste terreno os imorais a se moralizarem. E os nossos pontos defeituosos, sejam físicos, sejam espirituais, vão sendo corrigidos. Assim, o Comunismo pode ser entendido como um processo de forçada purificação do Cristianismo para levá-lo, novamente, à sua exata posição evangélica. Ora, o Anticomunismo pode realizar-se melhor, mostrando, sobretudo com fatos, ao mundo a sua própria posição moral e com isso a invulnerabilidade às acusações, como a validade de função social da religião. É somente quando possuímos apenas valores falsos que a vida procura eliminá-los. Mas, quando os temos verdadeiros, ela tende a conservá-los, a fim de utilizá-los para o seu próprio objetivo: a evolução. O ideal e a espiritualidade são valores biológicos, que a vida leva em conta. Se o Cristianismo tivesse realizado o programa evangélico, teria havido um comunismo baseado no amor e não no ódio de classes, um comunismo de paz e não de guerra. Contra ele, ou seja, um comunismo verdadeiramente cristão e aplicado, o atual não teria nada a fazer. Mas terminemos esta digressão, à qual nos conduziu o caso em exame, e continuemos a observar-lhe sob outros aspectos. Neste caso a medida da renúncia é reduzida à posse do mínimo indispensável para poder realizar o seu próprio trabalho útil ao indivíduo como à sociedade. A moral da vida é utilitária, num sentido sadio, construtivo. Para ela não é virtude o que se lhe vai contra, agindo em direção negativa, destrutiva. Ela consiste sobretudo em evoluir, e massacrar em seu nome é loucura. Estão, pois, excluídos os excessos antivitais realizados no passado em nome da santidade e que consistiam no tormento físico. Construir-se no espírito é tarefa positiva que não se realiza apenas em se destruir como matéria, o que constitui labor negativo. Mesmo que tudo isso se explique como reação corretiva de abusos de outros tempos atrasados, não tem mais razão de ser numa sociedade mais evoluída. Por inércia continuam ainda hoje a exaltar nos santos virtudes proporcionadas às condições de vida que o mundo então oferecia, adaptadas às funções de equilibrar vícios correspondentes. Neste sentido a renúncia fazia parte do sadio e indispensável utilitarismo da vida, sempre pronta a produzir o bem, e rebelando-se a qualquer qualidade improdutivo e destruidora. No passado, com a pobreza absoluta, reagia-se contra uma riqueza que então era fruto do roubo e assassinatos. Revoltar-se contra ela significava ir de encontro a esses delitos. O poder e a glória eram concedidos ao cavaleiro vencedor, não com o trabalho mas com a violência da espada, isto é, não por ter produzido, mas porque roubava e matava, enquanto o trabalho era considerado vergonha, deixado aos servos e olhado com desprezo. Assim acontecia não só com a prática do jejum, como com a da castidade, porque se consideravam como máxima a alegria animalesca da gula e do sexo, realizando-se neste campo todos os excessos. Foi por isso que no passado as virtudes eram desse tipo, exatamente com o objetivo de estabelecer uma compensação. Elas presumiam de modo subentendido a existência de vícios opostos a corrigir para levar o homem ao caminho da justa medida. Ora, é evidente que tal tipo de virtude se torna inútil e absurdo, porque é biologicamente contraproducente em outros tempos e ambientes, onde, encontrando-se em outras posições evolutivos, o homem devia alcançar objetivos diferentes. Isto acontece, com precisão, atualmente, quando a ferocidade humana se torna mais sutil, nervosa, psíquica, menos material e grosseira, ou seja, manifesta-se como agressão mental e não com os métodos de cruéis açougueiros à base de esquartejamentos, como se usava na Idade Média. Eis, então, que as qualidades corretivas dos abusos do ambiente moderno devem ser de outro tipo, se quiserem cumprir a função corretiva que delas se espera, justificando a sua presença. As Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 16 virtudes modernas não podem ser repressivas na forma e nos pontos em que elas o foram antigamente. E devem tornar-se positivas e ativas em zonas outrora desconhecidas A grande virtude da contemplação transformada em ócio e da pobreza convertida em parasitismo social hoje se substituem pelo hábito do trabalho, útil à coletividade; as virtudes da ignorância e da inércia mental são substituídas pelas da cultura e da atividade intelectual; a virtude repressiva de prazeres animalescos é trocada por outra controladora de alegrias de natureza nervosa e cerebral; a virtude da pobreza-miséria que impede de trabalhar é permutada, como no caso aqui examinado, por outra que não destrua tempo e energias, tornando o indivíduo um peso para o próximo. A sociedade moderna, organizada, está disposta cada vez menos a admitir no seu seio vagabundos incomodativos, hoje fora do organismo coletivo, no qual o indivíduo deve enquadrar-se para seu bem e de todos. Tudo isso nos mostra como a idéia de virtude tem um significado e conteúdo proporcionados aos diversos tempos, às condições de vida que se oferecem e à posição evolutiva que representam. Não se pode compreender o indivíduo senão em função de seu ambiente. O tipo de virtude que ele é chamado a praticar e que justifica e valoriza o seu trabalho depende da forma mental e das condições de vida do seu tempo, do qual é impossível isolar-se. O grande pecado do passado era a injustiça e a violência no plano físico, o do presente é a mentira e a violência no nível econômico e mental. A qualidade compensadora não deve ser uma amputação da animalidade, mas uma inteligente afirmação de honestidade, sinceridade e justiça. No passado, em muitas ordens religiosas, voto de pobreza significava na realidade voto de ociosidade. Hoje, em nosso caso, voto de pobreza quer dizer voto de trabalho, oposto como reação corretiva ao abuso de quem vive na abundância sem trabalhar, servido pelo labor dos outros. Foi isso que significou para o nosso personagem o voto de pobreza. Esse voto teve o sentido de trabalho e, como nos referimos anteriormente, de honestidade, para cumprir um dever de justiça social, colocando-se no nível dos que nenhuma renúncia podem fazer, porque nada possuem para poder renunciar. Voto de honestidade num mundo de desonestidade, de justiça num mundo de injustiças Tudo isso feito em obediência a um princípio: renunciando às suas próprias comodidades, resistindo ao método egoísta dominante da própria vantagem. Este o significado do voto. Não se trata, portanto, de virtude heróica, mas simplesmente do cumprimento de um dever. A maioria que se esforça na sua existência de pobre não é santa por esse motivo. O fato de seguir essa outra moral, diversa à do mundo, é espontâneo e irresistível para quem vive em um plano evolutivo superior, onde domina a lei da justiça e do amor, em lugar da lei do egoísmo e da luta que impera nos níveis mais baixos, nomeadamente no humano. Tudo, portanto, se explica logicamente, tudo é natural conforme as leis da vida. No fundo, trata-se de simples qualidades biológicas baseadas em princípios utilitários, não no sentido comum egoísta de dano ao próximo, mas de um utilitarismo inteligente que traz vantagem sem prejudicar ninguém. E porque trazem vantagens ao mundo, elas são consideradas virtudes. isto para o nosso personagem consistia em satisfazer seu interesse pessoal. Viver no ócio e no prazer pode representar um triunfo de momento, e, por esse motivo, os ingênuos que não enxergam longe caem facilmente. Mas essa maneira de viver dá origem a ineptos, cria um hábito difícil de manter e faz desaparecer a arte de saber lutar para sobreviver. É evidente que por este caminho o indivíduo acaba por encontrar-se em condições desastrosas, nas quais deverá pagar duramente as alegrias não ganhas de que desfrutou injustamente. Tais leis são, fatalmente, para todos. Eis a diferença entre o nosso personagem e o mundo: o primeiro conhecia essas leis. Seguia, portanto, o caminho de sua maior vantagem e menor dano, fazendo bom negócio onde os outros faziam péssimo. * * * Observemos agora o significado do voto em sentido mais vasto. Em substância o problema aqui tomado em exame é o de toda a nossa Obra: a luta entre espírito e matéria, entre Cristo e o mundo, entre o ideal que antecipa a evolução e a realidade de planos de vida mais atrasados. No caso observado e vivido revela-se o choque entre a moral de dois níveis biológicos diversos: o do evoluído e o do involuído. Logo nestas primeiras páginas, este caso nos foi apresentado em vários dos seus aspectos: como fenômeno parapsicológico, como desenvolvimento de um destino, como moral superior, ou como um ato de adesão a princípios elevados, necessários ao cumprimento da missão. À medida que avançarmos, desenvolveremos estes primeiros pontos já referidos, observando o caso também sob outros aspectos, tais como: experiência místico-religiosa, realização evangélica, problema econômico e ético social, afirmação de personalidade e reação individualista ao coletivismo moderno, experiência de formas superiores de Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 17 vida contra a atual concepção hedonista da existência baseada no bem-estar material etc. Como se vê, este caso pode ter vários e profundos significados, que procuraremos analisá-los. Isso colocar-nos-á perante muitos problemas de importância individual e social a serem resolvidos. A vida pode ser conduzida de dois modos diferentes, segundo o ponto de vista em função do qual se vive. Eles dependem de duas maneiras diversas de concebê-la: a de uma existência que constitui um fim em si mesma, desejando, portanto, alcançar vantagens de realização imediata (os bens e os gozos terrenos), e a de uma vida que é apenas um meio para atingir fins mais altos e longínquos, vantagens para realização no futuro (os bens e os gozos espirituais). No primeiro caso, a sua finalidade é estar bem no presente; no segundo, é o de construir para um futuro melhor. Ora, esta segunda concepção vem em geral proposta de forma ascético-religiosa. Nós aqui a propomos de modo racional-científico, biológico- evolutivo, como se verifica pela superação da atual fase de existência no plano animal-humano em direção a níveis de vida mais adiantados, o que não constitui transposição de realizações em hipotéticos mundos ultraterrenos, mas fenômeno positivamente comprovado. Se tal superação é o motivo fundamental das religiões, nós aqui, ao contrário, apresentamo-la não como o sonho de um místico, ou a exigência de um moralista mas como fenômeno racionalmente aceito pela ciência, ou seja, como superação da posição biológica de cada um ao longo da escala da evolução, com todas as suas conseqüências, e como uma realidade implícita nas leis da vida, que colocam como finalidade da existência o seu transformar-se em sentido evolutivo. Daí a posição de nosso personagem, que escolheu uma vida de renúncia em lugar de uma existência de fácil prazer; se porventura pode parecer loucura, conforme o primeiro modo de conceber aquela vida, fim em si mesma, dirigida a realizações imediatas; surge, no entanto, constituindo sabedoria previdente, o outro modo de considerá-la, isto é, um meio para alcançar outros fins, dirigida a realizações superiores. No primeiro caso, enxerga-se de perto somente a perda imediata que a renúncia traz. No segundo, vê-se longe, ou seja, a utilidade que a longo prazo aquela renúncia produz e portanto, aceita como vantagem. Isto corresponde à psicologia do trabalhador econômico e previdente que, em vez de gozar a vida esbanjando-a, acumula poupando. Assim se explica o nosso caso. Para quem conhece as leis da vida e a técnica de seu funcionamento, trata-se apenas de um cálculo utilitário, logicamente preparado, dirigido à conquista individual para uma existência melhor. Não significa que o ideal seja colocado fora de sua realidade. Ele apenas abraça uma realidade mais vasta do que aquela oferecida pelo nosso mundo, fechada, na qual se esgota a existência da maioria dos homens. Trata-se de duas visões: uma míope; a outra abarcando longínquos horizontes. O involuído é levado a seguir o primeiro método, ele vive na ignorância, enquanto o segundo presume no indivíduo uma consciência da sua própria posição no seio do funcionamento universal. O primeiro é levado acima de tudo a satisfazer o seu instinto fundamental que o faz procurar de qualquer modo a alegria, por tentativas, sem saber encontrá-la, ficando no fim desiludido e insatisfeito. O segundo, conhecendo as leis da vida, sabe orientar-se com inteligência dentro da sua lógica, e assim, guiando-se conscientemente, dirigindo-se para fins exatos, em seguida os alcança. Este, em vez de gozar, decide evoluir, navegando em direção ao Alto, não se abandonando, inconsciente, na corrente, mas, em plena consciência, segurando com a mão o leme do seu próprio destino. Sob o ponto de vista biológico, a renúncia daquele homem assume valor positivo. Daí a seguinte pergunta: no fim da vida, quando se faz a soma do trabalho realizado, levando em conta o resultado final, quem fica em melhor posição o indivíduo que gozou no ócio, aprendendo, assim, apenas a ser um inepto, ou quem se submeteu a uma disciplina de trabalho, que o temperou para a luta, fortalecendo-lhe a resistência e enriquecendo-o de qualidades que melhor lhe garantem a sobrevivência? Concebendo as coisas somente em termos utilitaristas, este trabalho de construir com o próprio esforço uma personalidade sempre mais forte e evoluída significa conquistar um poder defensivo na luta, protetor da vida e garantia da vitória. Um bem-estar não compensado por um correspondente trabalho produtivo conduz à putrefação. Vemo-lo na decadência das aristocracias. Entretanto, o mundo considera bobo quem não segue este caminho fácil e não se lança em tais aventuras. Por quê? Isso é fruto de inexperiência, por não se ter ainda atravessado a difícil prova da riqueza, com todos os perigos que ela representa. Mas quem a conhece sabe que ela não existe somente para gozar, mas implica muitos deveres, e traz graves prejuízos golpeando quem, na sua inconsciência, não os cumpre. Então, o caminho melhor para quem não quer uma coisa ou outra é a justa medida, ou seja, nem pobreza que priva do necessário, nem riqueza trazendo consigo a escravidão do supérfluo, mas o bastante para viver e executar em paz o próprio trabalho. Aquilo que cada um tem direito, como será reconhecido na mais adiantada humanidade do futuro. Esta avidez de excessos em todas as coisas deriva de não se ter feito a experiência desse abuso e de, portanto, não ter ainda aprendido a relacioná-lo com a idéia de sofrimento a que ele conduz. O homem Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 20 outras terras submersas, constituindo o cimo de uma das suas mais altas montanhas. Para compreender o caso aqui narrado, não devemos esquecer esta sua parte escondida, esta sua estrutura interna que prova a sua conexão com as leis da vida, em função das quais esse caso se desenvolveu. E certo que se trata de posições de antecipação fora dos limites, dentro dos quais deve ficar a maioria que não está pronta para tais deslocações, que considera loucura. O seu amadurecimento biológico e respectiva capacidade intelectiva não lhe permitem resolver problemas maiores do que os da sobrevivência no seu ambiente. De momento este é o trabalho que a espera, o tipo de experiência proporcionada à sua posição evolutiva. A humanidade encontra-se fechada ainda no âmbito da lei do seu plano no nível animal da luta pela vida. Existem, no entanto, indivíduos que, por conta própria, antecipam fases mais avançadas de evolução. São poucos; a vida os produz. não como regra, mas como exceção, à guisa de tentáculos lançados para a frente, a fim de cumprirem a função especial de explorar o futuro. Naturalmente as massas os julgam segundo a sua forma mental não podendo compreendê-los. Isto, no entanto não pode impedir que eles surjam, distanciando-se do nível da média. Fatalmente, está acima da sua própria vontade. A maturação evolutiva faz parte das leis da vida. Assim, é natural que tais tipos escapem da órbita dentro da qual se move a maioria, porque aquela maturação os lança fora daquela trajetória, ao longo de outra mais ampla. O fenômeno que estamos observando poderá parecer injustificado para quem está fechado numa esfera mais restrita, mas resulta lógico e justificado para quem dispõe de uma visão mais extensa que contempla outros universos, isto é, não apenas um plano de existência, porém os diversos níveis conforme estão dispostos os seres ao longo da escala evolutiva. Como impedir a um indivíduo que alcançou mais alto grau de desenvolvimento, encontrando-se em outra posição biológica na qual a vida funciona com outras íeis, não deva conceber tudo diversamente e comportar-se como tal? Dado que a sua personalidade é de outro tipo, é lógico que ele, na Terra, não se encontre no seu ambiente, mas viva completamente deslocado, mesmo que fisicamente tenha o aspecto daqueles que se chamam seus semelhantes. Assim se explica como aparecem os santos e alguns seres de exceção que vivem de maneira tão diferente dos outros. Tudo isso se compreende que seja fatal, porque é conseqüência da estrutura das leis regendo a nossa vida. Como a criança é feita para vir a ser homem, assim o involuído deve tornar-se evoluído, atravessando ele também o fenômeno aqui observado. Entretanto, permanece inevitável o fato de que uma criança, ficando homem antecipadamente num mundo de seres que continuam infantes, não possa ser compreendida por eles. As coisas são as mesmas, mas a criança as vê de baixo, enquanto o homem as observa do alto. É natural as duas visões com juízos e comportamentos opostos. Mas por que o evoluído se agita tanto? Quem o obriga a fazer todo o seu trabalho, assim tão isolado e incompreendido. Seria para ele mais cômodo satisfazer-se no nível da animalidade? Por que esta não o satisfaz, enquanto os outros ficam satisfeitos? Atingido certo grau de maturação, nasce uma fome de coisas diferentes, que os outros não concebem, nem desejam. Existe o fato de que o evoluído não é somente negativo relativamente ao mundo, mas positivo com respeito ao ideal, em relação ao qual o inconcebível para os outros constitui para ele a mais viva realidade. A sua posição não é apenas de repulsa perante o baixo, e sim de atração pelo alto. Trata-se, portanto, da mais potente afirmação da vida, feita não tanto de renúncia com que se abandona o pior, quanto de conquista com que se ganha o melhor. Deixar a Terra é dor para o involuído que, neste mundo, encontra a sua satisfação, mas pode conter alegrias para o evoluído na medida em que aquela renúncia possa representar um meio para encontrá-las mais no alto. Para ele o fato de negar a animalidade não é suicídio, mas superação, não é morte mas ressurreição. O evoluído poderá parecer negativo ao involuído, porque nega o mundo deste, porém em si mesmo é extremamente positivo, já que não vai contra a vida, mas caminha em direção à outra mais alta. III POBREZA E EVANGELHO Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 21 Observemos agora o caso que estamos examinando sob outro ponto de vista, isto é, em relação ao Evangelho. O primeiro fato salta aos olhos: o nosso personagem o tomou a sério. Por que tão escandalosa revolta contra os hábitos do mundo? A verdade é que a primeira origem de muitos dos nossos atos é axiomática, antecede ao controle racional, é um impulso filho do instinto; depende, portanto, da estrutura da própria personalidade. O motivo emerge da profundidade do subconsciente, sendo um retorno do que foi escrito nas vidas passadas; tende, assim, a impor-se automaticamente como um sinal do destino. Tais problemas de psicanálise foram já tratados por nós no volume: Princípios de Uma Nova Ética, e não podemos aqui voltar a eles. Em nosso caso, temos uma personalidade já feita, com as suas características bem definidas, resultado das experiências vividas com que ela se construiu. Encontramo-nos aqui perante o fato consumado: um indivíduo constituído de uma determinada forma mental, que estabelece para ele a sua particular visão da vida. E com ela dirige as suas ações, para enfim, satisfazer-se, realizando-se. Isto é devido à técnica construtiva da personalidade, à estrutura e desenvolvimento do próprio destino, para o qual a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória estando as causas em nosso poder, mas não os efeitos. Um impulso. urna vez lançado, deve fatalmente alcançar o seu objetivo, fase final da sua realização. Ora, o que as experiências do passado tinham escrito com caracteres indeléveis no subconsciente de nosso personagem, agora, em forma de qualidades definitivamente adquiridas e exigindo satisfação, era uma fundamental norma de retidão baseada em princípios do Evangelho, u'a moral segundo Cristo, nos antípodas à do mundo. A assimilação destes princípios tinha chegado à sua fase mais profunda de instinto; o indivíduo encontrava-se perante o que doravante se tornaria inevitável, porque, para poder seguir uma conduta diversa, ele deveria ter destruído ou, pelo menos, invertido o próprio tipo de personalidade. Ninguém pode deixar de ser o que é, e agir conforme a sua personalidade. As nossas obras nos perseguem, e somos feitos de nosso passado. Para outros, por terem percorrido passado diferente e se encontrarem noutras fases e condições de vida, adaptados, portanto, a superar inúmeras provas e a aprender várias lições seguindo outros destinos, esta história pode não ter importância. Todavia, para eles podem ser fundamentais, experiências totalmente diversas. Há existências conduzidas em função de outros pontos de referência e com um modo de concebê-las de forma diferente. Mas o nosso personagem encontrava-se em sua posição e na fase dos efeitos, ou zona determinística do seu destino, e assim era fatal que seguisse o seu impulso evangélico. Esta premissa era necessária para explicar psicanaliticamente tão estranha psicologia, contrária aos gostos da maioria, sendo, deste modo, contraproducente à sua sobrevivência e absurda perante a lei fundamental do plano humano — a luta pela vida. Já sabemos qual foi a primeira causa determinante de um modo de pensar e de viver tão estranhos. Vemo-lo logicamente colocado no seio do desenvolvimento de um destino como um momento e elemento constitutivo deste, justificado não só pelos precedentes de que deriva, como pelas conclusões que de fato atinge no final. No fundo daquela alma está escrito o Evangelho, agora já em forma de instinto, de maneira que ele não podia fazer outra coisa senão segui-lo, como todos são levados a fazer com os próprios instintos. No seu destino, como premissa axiomática, existia uma predisposição congênita para seguir Cristo e o Evangelho, como havia uma instintiva repugnância por todas as adaptações e contorções às quais o mundo os submete para conciliá-los às suas próprias comodidades e interesses. Assim, a posição dele era clara, sem hipocrisia, sem cortes e subentendidos, como aplicação íntegra, não reduzida a limitadas percentagens. Portanto, nenhum sentido de forçada imposição, mas adesão convicta e espontânea a um processo salutar de superação. Eis o que diz o Evangelho: "Vai, vende quanto possuis, oferece-o aos pobres e terás um tesouro no céu; vem e segue-me Depois acrescenta subitamente: "É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus". Estas palavras são repetidas por São Mateus (XIX - 21 e 24): por São Marcos (X - 21 e 25); por São Lucas (XVIII 22 e 25). Depois de tais confirmações, não pode haver dúvida sobre o seu significado. Em seguida, o próprio São Lucas confirma com as palavras de Cristo: "Assim, quem dentre vós não renunciar a tudo isso que possui não pode ser meu discípulo (São Lucas XIV - 33). São Mateus (VI - 19, 21, 24 e 33) confirma: "Não. acumuleis tesouros na Terra (. . . .) . "Onde estiver o vosso tesouro ai estará também o vosso coração". "Ninguém poderá servir a dois senhores; ou Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 22 amará a um e odiará o outro, ou se afeiçoará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e a Mamom". "Aproximai-vos acima de tudo do reino de Deus e da Sua justiça, todo o resto vos será dado por acréscimo A linguagem é bem clara, e é difícil invertê-la. Procura-se então, silenciá-la ou fugir-lhe com qualquer escapatória lateral. A função de interpretar, muitas vezes, é a de torcer o pensamento original, fazendo-o dizer aquilo que se quer. Procurou-se, assim, entender a pobreza no sentido de desprendimento dos bens, pelo que ela se reduz à pura atitude mental e à renúncia, a uma posição puramente teórica, que oferece a imensa vantagem prática de conservar a própria riqueza sem nada perder. Desse modo. se alcança a seguinte finalidade: permanece-se dono, continuando a dispor e a gozar de tudo, enquanto, simultaneamente, qualificando-se de desprendido, observa-se santamente o Evangelho. Estes são os produtos da sapiência do mundo. O espírito é colocado a serviço do corpo e vale como meio para vencer na luta pela vida. Temos sempre o habitual emborcamento. Mas para o homem comum isto é normal, justo e moral. E ele está convencido disto, porque é a ética do seu plano, necessária à sua sobrevivência. Todavia as afirmações assim tão diversas do Evangelho, perante a riqueza, justificam-se na medida em que elas são entendidas não em relação à vida terrena mas em função do desenvolvimento espiritual, isto é, da evolução dirigida para planos superiores de existência. Podemos, então, perguntar- nos: que significado aquelas afirmações evangélicas podem assumir se, ao contrário. forem observadas em relação ao nosso ambiente terreno? Pode parecer que Cristo, ao opor-se à riqueza, tenha sido inimigo da produção dos meios de subsistência, tão necessários à vida, e portanto tenha sido inimigo da própria vida, pelo menos no plano terreno. Como se justificam em nosso mundo as condenações de Cristo quando Ele fala de posse, de riqueza, de tesouro, de apego às coisas materiais, de supérfluo, quando tudo isso representa afirmação neste mundo? Pareceria então que no Evangelho a colocação do problema econômico, tão importante entre os vivos, seja feita em forma negativa, não a favor mas em oposição à vida, contra a qual aquele Evangelho tomaria uma atitude agressiva. É verdade que isso se faz em vista de uma superação para atingir um tipo de vida mais alta. Será que se tem o direito de impulsionar o próprio esforço evolutivo até ao ponto de liquidar a vida de tipo inferior, para a qual o ser se encontra apenas maduro? Em que sentido Cristo podia ter razão no seu tempo, perante aquele mundo, e como a poderá ter perante o mundo de hoje? Em primeiro lugar Cristo não era contra o uso de bens. mas contra o abuso que deles se costuma fazer. Também nós, quando vemos alguém fazer mau uso de uma coisa, para remediar somos levados a destruí-la e até a eliminar quem de tal modo a usa. É por essa razão que com o comunismo parte da humanidade queria abolir o instituto da propriedade em todo o mundo e, onde pôde, eliminou os ricos. Acontecia, pois, que nos tempos de Cristo com respeito ao problema econômico eram inconcebíveis as soluções modernas, no sentido da justiça social. Naqueles tempos estes conceitos não existiam e uma justiça neste sentido não se podia, de modo algum, encontrá-la. Eis que não se podia propor aquela justiça a não ser projetada como uma esperança noutros ambientes extraterrenos, porque era impossível no mundo feroz de então, quando necessariamente condicionada a sua própria fuga. Assim, tendo em vista um outro maior tipo de vida, o Evangelho procura evadir-se do problema econômico tal como hoje é entendida e enfrentado. Trata-o apenas sumariamente, em proporção à fase atrasada daquele mundo, em que tudo se encontrava no estado rudimentar. A justiça social do Evangelho fica limitada aos seus elementos de base, ignorando qualquer técnica distributiva, desenvolvendo-se, pois, em condições diversas. O fato de haver colocado o problema no seu aspecto espiritual em vez de o colocar no aspecto material, em função de um ponto de referência situado fora da realidade terrena e de suas leis, o deslocou para posição longínqua, em vez de uma realização próxima, imediata, concreta. Nos tempos de Cristo o trabalho era em forma de escravidão, mais do que um meio de produção. Naquele tempo o possuir significava uma riqueza em mãos do dono, que com a força tinha conseguido submeter outros à posição de seus servos. Estava-se ainda em plena fase de banditismo, ignorando-se todo e qualquer cálculo de direitos e deveres, tendente à colaboração produtiva no interesse comum. Nestas condições o problema da justiça social somente podia ser enfrentado, sumariamente, condenando os ricos, os escravagistas opressores, e fazendo-os liquidar a sua riqueza, e do lado oposto consolando os servos, como tais sem remédio, prometendo-lhes no além uma compensação à injustiça presente, mal inevitável, porque se sabia muito bem que os ricos não obedeceriam de fato ao Evangelho. Dessa forma se continuou ao longo dos séculos. O pagamento da injustiça presente era lançado para o Além, no qual os ricos, que entretanto gozavam, deveriam ser castigados, e os pobres, que entretanto sofriam, deveriam ser premiados. Para estes paciência e resignação, e por consolação a esperança de uma futura vida melhor quem sabe onde, nos céus. Mas que outra coisa se podia dizer então? Estava-se ainda Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 25 conseqüência das premissas colocadas no passado; não podia, portanto, fugir ao natural amadurecimento do fenômeno. Por isso, era prisioneiro do seu próprio destino. Sem dúvida, era condição indispensável para que pudesse cumprir o seu trabalho: ter as mãos limpas, ser livre das coisas do mundo e, em primeiro lugar, das riquezas. Os bens em si mesmos não são maus, porém o mau uso deles é o pecado clássico do homem. A sua posse, desde a sua primeira origem, está manchada por egoísmo, avidez, prepotência e injustiça. Estas características impregnaram a riqueza e ela as transporta consigo, infectando quem a possui; ademais, são continuamente usadas para conquistá-la e freqüentemente necessárias para conservá-la. Assim, riqueza e honestidade nem sempre se encontram unidas. À volta da riqueza se soltam as maiores cobiças humanas. Por isso, em relação a este assunto tão fundamental, o nosso personagem eliminou-o de sua vida, seguindo o Evangelho. Existia também o fato de que ele não podia desperdiçar as suas qualidades mentais, usando-as para fins materiais, porque deviam servir para outro tino de trabalho. Como o homem comum procura libertar-se do ideal, porque o incomoda na luta terrena, assim o nosso personagem se libertava das coisas mundanas que o incomodavam na luta pelo espírito. Não há margem para lutar ao mesmo tempo em dois níveis diversos, fazendo a guerra em duas frentes. Cada um se livra daquilo que está fora do seu plano de trabalho e restringe a luta a uma só frente. Desse modo, o nosso personagem limitou-se ao nível espiritual, por ele escolhido, abandonando o restante. Tudo isso para ele não era somente questão de moral, mas problema de higiene espiritual com finalidade protetora. Dissemos há pouco que a riqueza, pelas qualidades de que está impregnada, pode infectar quem a retém. Se ela não foi adquirida com justiça, mais cedo ou mais tarde termina escapando das mãos de quem a possui, corrigindo, assim, o mal para adquiri-la. Pode suceder ainda: se uma riqueza está impregnada de forças maléficas, acaba envenenando quem a possui e quem está em contato com ela. Todas as coisas são vivas e trazem consigo, restituindo a quem delas se aproxima, a carga recebida no passado. Possuir significa identificar-se, como um parentesco de sangue, com aquilo que se tem, assimilando-lhe as qualidades e forças de que foi carregado e que depois imantam quem o possuir. O nosso personagem não podia entrar nesse vórtice de ondas barônticas1. Por isso, ele resolve à sua maneira o grande e atual problema do mundo: a justiça econômica. Praticou-a em sentido evangélico, em forma de dever, em vez de direito, isto é, do rico que dá e não do pobre que assalta para tomar; em forma de amor evangélico e não de luta de classes. Se a aristocracia da Idade Média tivesse feito isso, não teria ocorrido a Revolução Francesa. Se a burguesia capitalista que a substituiu tivesse feito o mesmo, não teria nascido o atual Comunismo. Aquelas riquezas estavam envenenadas na sua origem e corromperam quem as possuía. A riqueza não poderá ser pacífica e segura enquanto não for sã, fruto de trabalho honesto. As leis de Deus e a sua justiça dominam tudo, inclusive o campo econômico. Somos livres, mas devemos sofrer as conseqüências de nossos atos. Julgamos que podemos escapar-lhes. mas depois a Lei de Deus nos restitui toda a carga de nossos malefícios. O nosso personagem colocou-se fora desse terreno, não estimulando tais reações. Se ele tivesse aceito o compromisso e pactuado com ele, teria de pagar mais tarde. Conhecia as leis da vida e as vias da sabedoria, traçadas pelo modelo. Para libertar-se das conseqüências, não havia senão a ausência de culpa para com as causas. Sabia que tudo é dirigido por uma ordem na qual Deus se coloca em primeiro lugar. Foi o primeiro a dar o exemplo de que a liberdade não é capricho ou arbítrio, mas liberdade na ordem, e quando feita de desordem leva ao caos e pertence ao AS, nunca ao S. Assim, Deus não sai da Sua Lei, criada por Ele mesmo que é a Sua própria expressão. Fugir-Lhe seria contradizer-se, ir contra si mesmo. Sabemos que Deus deve ser algo justo, bom, lógico, perfeito, e que não pode ser o contrário. A desordem, no entanto. existe em nosso universo, mas a vemos circunscrita, isolada no seio da ordem, que a domina, fechando-a dentro de confins bem definidos. Num mar de ordem, existem ilhas de desordem. O próprio AS não é senão uma zona doente no corpo do S, isto é, da ordem de Deus, responsável por tudo. Assim, o nosso personagem procurou não entrar na faixa da desordem e ficou na da ordem. Não obstante devesse viver materialmente transplantado na Terra, procurou no grande organismo permanecer aderente à ordem de Deus, porque sabia que só Nele é possível encontrar a salvação. A Obra era feita desta ordem. Ela mostrava o funcionamento orgânico fisico-dinâmico-espiritual do universo, dirigido por Deus. Depois de ter, primeiramente, compreendido tudo isso e explicado aos outros, enxertara-se de fato nesta ordem para viver dentro dela, em harmonia com o todo, como acontece no S, e não em posição separatista de rebelde, como sucede no AS. Assim, ele se propôs a viver orientado em direção ao S e não 1 Vibrações inferiores. (N. da E.) Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 26 ao AS, como elemento de ordem que faz parte dele, e não como um componente de desordem fora do S isto é, dispôs-se a viver em união com Deus e em sintonia com a Sua Lei. Para poder caminhar em direção ao grande centro, ele se apoiava em Cristo como guia e ajuda, em Cristo que também é Deus. Em que sentido Cristo é Deus, vimos no Capítulo XIV: "A Essência de Cristo", do volume: Deus e Universo. Ele é uma criatura do S, não rebelde e não caída, que ficou na ordem e pureza da criação originária. Portanto, é uma criatura não inquinada de culpa, tendo permanecido íntegra na sua natureza divina, como foi criada. Assim, Cristo é verdadeiramente um filho de Deus, mas não decaído como nós. Somos também filhos de Deus, mas derrocados no AS. Cristo é um dos elementos da multidão que constitui a terceira pessoa da trindade. A primeira é Deus no estado de pensamento, isto e, o Espírito. A segunda é Deus no estado de vontade em ação, isto é, o Pai. A terceira é Deus no estado de obra realizada, isto é, a criação. Ela foi primeiramente pensada, depois desejada e, finalmente, realizada. Tal obra é o Sistema perfeito da primeira criação, um organismo de criaturas, ainda não despedaçado pela queda no AS, que constitui o nosso universo de matéria, em antítese ao S, universo do espírito. O S é o estado orgânico em que Deus se transformou com a primeira criação, totalmente espiritual. Nela não existia ainda o nosso universo físico, resultado da queda. Cristo é um dos muitos elementos do estado orgânico originário, na sua forma ainda íntegra, como foi criada por Deus. O fato de apoiar-se em Cristo tinha para o nosso personagem uma importância fundamental. Com isso ele vinha gravitando em direção ao S, desvinculando-se do campo gravitacional do AS; orientando-se em direção ao primeiro, afastando-se do segundo. Assim biologicamente bem orientado, ele dirigia-se para o pólo positivo do ser, que o colocava numa posição de vantagem, porque, dessa maneira, estava seguindo a Lei de Deus, preso na grande corrente da evolução que tudo conduz para Ele. Isto o levava para o alto, em direção ao bem e à alegria. Apesar de constrangido a viver no mundo, ele se destacava deste cada vez mais, tornando-se independente, cidadão da ordem e não da desordem. Não se tratava de abstrações. Aquela ordem existia dentro dele e como tal funcionava. Em vez de ser ignorância, egoísmo e guerra, era conhecimento, amor e paz. Mesmo que o mundo exterior permanecesse como tal, o nosso personagem mudava completamente o seu mundo interior, porque várias forças o atraiam, outras leis funcionavam em sua nova posição evolutiva, reações eram provocadas pelos diferentes tipos de movimentos. Ainda que lá fora reinasse a desordem do AS, neste deserto ele tinha construído para si um oásis de paz interior, uma ilha emergindo do mar desse caos, na qual tudo era harmonia com Deus. Assim, podia viver a sua verdadeira vida ao lado de Cristo, diversa daquela aparente que vivia o mundo. Podia viver à sua vontade no seu mundo interior, no qual não era mais um exilado como o era na Terra. A segunda metade de sua vida, empregada para escrever a Obra, ele a tinha vivido neste outro mundo do espírito; tinha estabelecido o contato e fixado um liame definitivo com a fonte da sua inspiração, que representava mais uma experiência, como a outra, que os milênios não tiveram a força necessária para fazer esquecê-la. Se este era o resultado para o indivíduo, a Obra representava o mesmo para a sociedade. Era uma semente que ficava no mundo, para o mundo, depois que ele partisse. Mas, no período da sua formação, a Obra constituía, com a vida do autor, a mesma coisa. Tinha vivido para realizá-la. Era, por sua vez o fruto que valorizava a sua vida. Foi um todo único e compacto: ter sentido a Obra como pensamento e, ao mesmo tempo, tê-la vivido como norma de conduta. Agora que estamos chegando ao seu fim. É possível ver que também nela existe um princípio de unidade, dado pela fusão de dois elementos de um dualismo. De fato, por causa de vicissitudes terrenas, a Obra (S), ao entrar no mundo (AS), partiu-se em duas, escrita em dois hemisférios, nos antípodas, como S e AS, para depois se recompor em uma unidade, duas obras em uma, como o dualismo S e AS é destinado a ser reabsorvido no S. Eis que a Obra reproduz o motivo central do fenômeno cósmico que descreve e que nela, deste modo, se reflete. Nos seus volumes conclusivos, a segunda Obra representa uma descida ao mundo, em zona do AS. Assim, depois de ter exposto as verdades do S, ela nos mostra o que é a Terra perante o Céu, o mundo perante Cristo, enquanto nos faz sentir o choque entre os dois pólos do dualismo. Dividindo-se em duas partes, a Obra percorreu tudo, de um extremo a outro, permanecendo, contudo, una, completando-se com a oposição de dois termos contrários e complementares. Olhando agora para o caminho percorrido, podemos compreender o significado do trabalho realizado. Mesmo aqui vemos um dualismo que se resolve em unidade. Temos duas coisas que se fundiram numa só: a construção de uma Obra e o cumprimento de um destino; um trabalho que justificou e preencheu uma existência. e uma vida que serviu para realizar esse trabalho. Dois termos que colaboram: um homem que construiu uma Obra e uma Obra que edificou um homem. Tudo no fim se Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 27 recompõe em unidade. O mesmo homem que vive para pensar uma Obra, pensa-a para vivê-la e assim realizar-se. Paralelamente, uma vida constituída de duas partes: a primeira metade ligada às coisas do mundo, a segunda dedicada à realização da obra espiritual. Esta foi iniciada na metade dessa vida, exatamente no fim do primeiro período e início do segundo. Duas partes opostas, que, não obstante, se completam reciprocamente, formando uma só existência. Esta por sua vez complementa-se nos seus dois aspectos, de vida material, exterior, e de vida espiritual,. interior, formando somente uma. Eis o que nos diz a história que estamos narrando. Nos fatos vividos vemos repetidos e confirmados os princípios gerais. expostos na Obra. Assim, temos princípios e fatos, teoria e prática, abstração e realização, duas posições que parecem opostas e que, entretanto, são a mesma verdade. Vemos sempre repetir-se o tema da unidade que se despedaça no dualismo e deste que se reconstitui na unidade. Ecoa, assim, o princípio fundamental em todas as alturas. Podemos, desse modo, ver de que forma o motivo central do fenômeno resulta projetado na Obra. Num primeiro momento ele nos aparece no ápice do ser. É o dualismo monista: S e AS. Num segundo instante, ele se reflete na Obra, que o fotografa e o mostra até ao ponto em que ela mesma se despedaça em duas para depois reconstituir-se em unidade. No fim, a existência de um homem se divide em dois períodos que fazem uma só vida, na qual se realiza um destino de redenção que completa o caminho percorrido no passado, agora amadurecido até à catarse biológica dirigida para um plano mais alto de vivência. Eis que imenso conteúdo se pode dar a uma existência vivida com consciência e conhecimento, em harmonia com o grande plano do existir, em contato com as verdades supremas, conforme a Lei de Deus. Eis em que pode tornar-se uma vida, quando a abrimos para tão vastos horizontes e a vivemos nas superiores dimensões do espírito, projetada para o centro do S, Deus, unidade suprema na qual se resolvem todas as cisões do dualismo. Reunificar o que foi despedaçado sanar o cisma da revolta, para passar do infernal caos do AS à ordem feliz do S, este é o objetivo da evolução, a último meta da existência. Dirigir-se com Cristo para Deus, para subir até Ele, e não descer com o mundo para o anti- Deus; viver unificado conforme o estilo do S, do lado de Deus, e não Dele separado segundo a maneira do AS, do lado oposto; eis o fato que pode transformar uma vida de miséria em uma existência de riqueza. A solução do problema da Salvação está na volta do estado de separação (AS) à união com Deus S. Com esse retorno, se resolve, por si próprio, o drama cósmico da queda, porque, dirigindo-se para o ponto de chegada, o ser, com o fechar-se do ciclo involutivo-evolutivo e a reunificação a Deus, volta ao ponto de partida, onde encontra a sua originária perfeição e felicidade. I V INCOMPREENSÃO E CONDENAÇÃO Vejamos, agora, a posição em que o nosso personagem se encontrou perante o mundo. Este o estigmatizou com três palavras: é um imbecil. Desse modo, ele foi subitamente utilizado pela sua mais alta virtude, de acordo com o mundo: possuir riquezas. E foi assim colocado no lugar em que a nossa sociedade o esperava: o de derrotado. Parece que na Terra os bons não podem ser utilizados senão para serem explorados, aproveitando-se da sua bondade Ele era um imbecil que, socialmente, apenas podia ser útil para ser vencido. Mas como se pode afirmar que o atual biótipo humano deve constituir a única unidade de medida dos valores da vida? Na verdade, ela se pode preencher com coisas maravilhosas, não as do homem que só se interessa por sexo, pela riqueza, pelo orgulho, pelo poder etc. Estas são satisfações elementares, para primitivos. Existem outras paixões, outros prazeres, lutas e conquistas. Quem assegura que à vida não se possa dar outro conteúdo senão das coisas terrenas? Quem afirma que ela se exaure toda no plano físico e que não se pode concebê-la de forma muito mais vasta em relação a outros pontos de referência? É lógico que a evolução abra as portas para mundos e formas de vida que o atual homem comum nem sequer concebe. Então, pode-se viver em função de realidades situadas além do período Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 30 Mas, no caso contrário, é o que o consumidor que se impõe ao produtor, exigindo que sejam satisfeitos os seus desejos. Isto significa que em matéria espiritual os caminhos são dois: ou quem oferece tais bens os rebaixa ao nível terreno, prostituindo-os ao adaptá-los à satisfação dos seus gostos, da sua ignorância, superstições e interesses, ou o mundo o deixa só com os seus interesses e lhe volta as costas, para contentar-se com outros que lhe agradam mais. Passam pela Terra profetas, santos e gênios, mas ela toma deles só o que lhe serve, adaptando-o às suas preferências e necessidades, e não vê, ou abandona o restante. Quem na Terra se encontra em sua casa, em seu ambiente e, pela força do número, estabelece as suas verdades, não são os seres de exceção, super-homens descidos de outros planos exilados e solitários neste mundo, mas é este que os julga com a sua forma mental e se limita a utilizá-los para os próprios fins evolutivos. Ora, a função de adaptar as altas coisas do espírito, rebaixando-as ao nível do involuído, vem sendo realizada pelas religiões. Este é o trabalho dos ministros de Deus, o qual é realizado aceitando uma interpretação materialista do que é espiritual, encenando espetáculos com as representações do rito, adaptando-se às massas onde estas não cedem. Poder-se-ia observar em que medida Cristo transformou o mundo, ou até que ponto o mundo transformou Cristo. É preciso, no entanto, reconhecer que não havia outro meio para chegar a essa simbiose, necessária para os fins da evolução Reduzido a essas condições, o produto espiritual é aceito no plano humano, evolutivamente degradado, mas utilizável para os fins da vida. Não se pode pretender que o homem mude de natureza, quando, como ministro, ou como fiel, se ocupa de coisas religiosas A substância de relação entre os dois é uma troca, na qual cada um dá e recebe alguma coisa. No fundo, também aqui vigora a psicologia humana do "do ut des". O bem, objeto do contrato, é a outra vida. O clero se apropriou dela e a usa em regime de monopólio. Trata-se de uma mercadoria-esperança, baseada na fé, de modo que os descrentes a deixam sobre a mesa. Mas, para quem nela crê e, portanto, a deseja, nasce a luta entre a procura e a oferta, como sucede com qualquer troca Diz o fiel ao ministro: "eu te presto obediência, se tu me deres o paraíso". Diz o ministro ao fiel: "se tu não me prestares obediência, eu te mandarei para o inferno". Deve-se pagar com a obediência o paraíso que se adquire Mas aqui há qualquer coisa mais. Nas outras trocas o adquirente não é castigado, se não as efetua. Neste caso, se ele não as realiza, é sujeito a uma pena, de maneira que não está livre para recusar. Temos, assim, um mercado forçado em economia de monopólio. A realidade é que o ministro quer a obediência a qualquer custo e, por isso, utiliza os meios de que dispõe. No entanto, o jogo é totalmente psicológico e é descoberto, na falta de crentes ou ausência de fé. Tudo isso é inevitável num mundo em que a troca não é um balanço de justiça, mas é dirigida por uma forma mental egoísta, pela qual cada um luta para extrair do próximo a maior vantagem possível. Esse é o mundo ao qual o homem espiritual oferece os seus produtos. Tais bens superiores ele os oferta gratuitamente, nada pedindo em troca. Estamos bem longe da psicologia econômica da Terra, que o mundo compreende e sabe praticar. Ele quer bens adaptados ao seu gosto, não importando se para isso são adulterados. Se não são manipulados, mesmo que sejam preciosíssimos, não lhe agradam e não os aceita. Não os compreende e volta as costas a quem lhos oferece. A moral é que a produção de bens espirituais genuínos é restrita ao uso individual. O mercado público é invadido por artigos adulterados, apresentados com infinitos objetivos por falsos profetas, em nome das coisas mais elevadas. Sendo assim, ao homem verdadeiramente espiritual não resta outra coisa senão isolar-se e viver a sua vida interior por si próprio, perante Deus. É certo que devem parecer estranhos esses raciocínios para quem está satisfeito em nosso mundo e a ele proporcionado. Poderão até soar a escândalo, sobretudo para as almas piedosas, peritas na arte milenária de conciliar, com boas maneiras, as coisas terrenas, com as do céu de modo que possam ir para o paraíso sem se incomodarem demasiadamente. Poder-se-ia continuar ainda por séculos o belo jogo, mas a verdade é que a História está preparando golpes tremendos para quem usa tal método não mais vigorante, constituindo, assim, dever de honestidade falar claro, sem os tradicionais floreados, que, em certas horas difíceis, podem significar um engano perigoso. Neste mundo parecerá estranha esta nossa febre de evolução, esta mania de superação, esquisita a muitos outros e para quem se encontra tão bem acomodado no seu atual modo de viver. Para quem não se inflama na alta-tensão da criação espiritual certas renúncias e revoltas contra o mundo parecem loucura, pois o enriquecer é a causa da maior ambição e do maior trabalho. Na Terra certos valores considerados máximos são minimizados, enquanto agigantados outros, bem menores. No fundo, o problema de nosso planeta é digno de piedade, porque a fadiga que ele suporta é improba e traiçoeira. Mas, se o tipo corrente é de tal natureza, como pode a vida destiná-lo a trabalhos mais altos? É certo que Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 31 seria mais belo usar a inteligência noutro nível, em lugar da guerrilha quotidiana; mas nenhum trabalho se pode fazer sem amadurecimento adequado. Se não fosse o constrangimento das necessidades materiais. a maioria não trabalhava. Tudo, portanto, está proporcionado. A avidez é útil, como o é a miragem que a excita e a ilusão em que se resolve. O tipo de trabalho-engano, ao qual o homem vive submetido, é adaptado à sua capacidade e necessidade evolutiva. E é natural também que tudo mude para os indivíduos que se deslocam em direção a outros níveis de existência. Explicamos, assim, o voto franciscano. Mas o mundo está convencido de que tal pobreza é loucura, mesmo se, com palavras, a exalta. Faz-se boa figura, o que não custa nada. O homem normal sabe muito bem que isso são belas coisas a serem ditas. mas não para fazer. No entanto, elas podem ser utilizadas para outros objetivos. Se elas ainda são professadas, significa que servem para alguma coisa, sem o que teriam desaparecido. Ora, encontra-se sempre alguém de boa-fé. Estes, tomando para si a renúncia, aos outros oferecem generosamente o que é seu. E o idealista cai nisso. Também este é um modo de utilizar o ideal na Terra: recomendá-lo, elogiosamente a quem possui, mas colocar-se da parte de quem recebe . Considerando o comportamento humano, por que razão se poderiam fazer na Terra tantas glorificações, que em si mesmas não interessam a ninguém? Conforme as leis biológicas do nível evoluti- vo do homem, tudo deve ser útil à vida na Terra. Por isso. em tal ambiente, até os ideais podem ser importantes. Isto sucede em todos os campos. Apenas se forma um grupo, este glorifica o seu fundador sobre as virtudes baseadas em sua grandeza; exalta os seus mártires, porque com o seu sacrifício testemunharam a verdade sobre a qual esse grupo fundamenta a sua posição. E, se não há mártires, criam- nos, utilizando qualquer desgraçado que se tenha feito matar pelo ideal do grupo que o sustém. Isto é mais evidente em política, que está sujeita a rápidas mudanças. O partido dominante se apressa a fabricar os seus mártires, que duram enquanto aquela agremiação continua existindo. Depois eles desaparecem e surgem os do novo partido, e assim sucessivamente. Vamos refletir um pouco mais sobre as razões pelas quais o mundo julgava o nosso personagem um idiota. O que tornava fatigante a sua posição era o fato de ter de enfrentar simultaneamente duas lutas: uma, em alto nível, no plano espiritual, apropriada para evoluir; e a outra, a luta da Terra, no baixo nível material para sobreviver, que não o poupava, porque estava engajado em outro tipo de trabalho. O que agravava a sua fadiga era a sua forma mental de bondade e amor; mas estava imerso no ambiente huma- no, que, diversamente, queria aproveitar-se de tudo. Estava empenhado numa tarefa complexa, num mundo em estado de guerra, com as mãos atadas pela honestidade, desarmado pelo Evangelho, enquanto muitos outros, sem escrúpulos e preocupações espirituais, livres de tal peso, podiam pensar somente em lutar e vencer Ele era altruísta e praticava justiça, os outros, com métodos opostos, facilmente o venciam em seu próprio plano. A sua superioridade espiritual o colocava numa posição de inferioridade material. Na prática aquela superioridade se resolvia numa inaptidão para viver e sobreviver neste planeta, onde devia permanecer. O mundo fazia-lhe pagar aquela sua superioridade. Não era porventura honesto e pacífico? Mas para que na Terra podem servir tais qualidades senão para serem exploradas? Enquanto ele sonhava com as superações, o que atraía o involuído, perito em outra sapiência, era cuidar de espoliá-lo e esmagá-lo. Havia a religião, a fé, os ideais, mas tudo isso na forma em que exista no mundo; em vez de ser uma ajuda no seu trabalho de elevação, representava uma resistência a vencer, muitas vezes um inimigo da espiritualidade, uma armadilha para pescar os ingênuos. Assim, ele devia defender-se sobretudo dos crentes das pessoas de bem que fazem a mesma luta dos outros mas de forma mais sutil com a astúcia coberta de virtudes com vestes evangélicas. À posição dos dois termos é clara. Se o evoluído pode ser logicamente superior, isso não interessa ao mundo, que evita roubar tesouros espirituais, porque não sabe o que fazer com eles. O involuído pode ser inferior, mas isso não lhe importa, porque possui aquilo que mais ama: as riquezas da Terra. Sabe procurá-las, defendê-las, gozá-las. Se os anjos para estarem bem têm necessidade do paraíso, os diabos sabem estar à vontade mesmo no inferno. Cada um está bem na sua casa, no ambiente que lhe é proporcionado, onde encontra satisfação das próprias necessidades Se os diabos não podem ir para o paraíso é porque também ali eles se encontrariam muito pouco satisfeitos, não podendo exercitar-se na sua ocupação preferida, atormentando o próximo. Tudo isso é justo, porquanto cada um, finalmente, recebe o que merece. O evoluído hoje sofre na Terra, onde se encontra exilado, mas com a morte vai-se embora e, amanhã, estará melhor. em ambiente de maior progresso, ao qual doravante pertence por evolução. O involuído hoje está bem na Terra, mas, a manhã, aqui retorna e é condenado a ficar até percorrer toda a sua “via crucis”, necessária para tornar-se um evoluído. Constata-se essa grande diferença na hora da morte: enquanto para o evoluído se abrem os céus, para o involuído ocorre que, desesperadamente, se volta para trás, prendendo- Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 32 se àquilo que mais ama — a vida terrena que lhe foge. Para o primeiro a morte abre a porta à luz, para o segundo é um pavoroso mistério cheio de trevas. Mas a diferença se vê mesmo em vida. Na Terra tudo é instável, dependente das vicissitudes da luta, inseguro, condenado automaticamente a consumir-se. Vive- se de um presente que, na sua contínua fuga, não se consegue apanhar; o amanhã é incerto e a realidade está sempre pronta a dissolver-se numa ilusão. O que é sólido não é o concreto, como se crê, mas o abstrato. O espiritual, porque se encontra em cima, subtrai-se ao vórtice do transformismo que tudo arrasta. Insistimos nesse tema das diferenças de posição evolutiva porque nelas está o significado da história que narramos e porque explicam o maior fenômeno biológico no qual a humanidade, sobretudo no momento atual, está empenhada, isto é, a passagem da fase evolutiva animal-humana á do homem evoluído e consciente. No fundo, durante a sua vida terrena, o evoluído é um desgraçado, porque não se encontra no seu ambiente, mas em posição de retrocesso involutivo, o que para ele pode significar a condenação. Mas é esta inconciliabilidade a sua salvação, porquanto, se ele pudesse adaptar-se, seria um involuído, o que seria a maior infelicidade. É natural, pois, que no mundo se sinta no inferno, provando não ser dele cidadão. E isto o salva, porque o constringe a realizar a sua redenção, que aos outros pouco interessa, mas de que sente urgente necessidade. Ele faz esforços desesperados para chegar à superação, fuga do pior para.. conquistar o melhor. O seu drama está no fato de que ele quer o céu, embora deva permanecer encadeado na Terra a uma lei feroz e não sua. Entretanto, sabe conceber formas de vida superiores que os outros nem sequer suspeitam; conhece a estrada para ascender àquele nível e luta para alcançá-lo, dando um valor imenso ao seu esforço, enquanto os outros se fatigam do mesmo modo, mas só para se esmagarem, fechados dentro da mesma prisão. É interessante observar o que está atrás do cenário, onde se vê o real funcionamento das leis da vida no plano humano. A riqueza no sentido de excesso, de supérfluo não ganho, não correspondente ao próprio valor é nas leis da vida um desequilíbrio que traz consigo a reação corretiva. Tal riqueza excita o ataque de quem não a possui e enche de saciedade e preocupações quem a obteve. E uma atraente miragem, e ao ser atingida revela o engano. Pode ser desejável para o pobre, inexperiente, e pode satisfazê-lo no primeiro momento da sua aquisição, para compensar as precedentes privações. Comer é agradável para quem tem fome, não para quem já está satisfeito. Eis que para obter prazer pela posse das coisas não basta possuí-las, mas são necessários outros elementos não econômicos, como a necessidade e o merecimento. Quem nasceu rico, não conhecendo a pobreza, com a qual pode fazer o confronto, não sabe apreciar a riqueza. Este é um desgraçado, porque já satisfeito, não habituado a lutar por ela, inepto para defendê-la, portanto destinado a perdê-la. Assim, a posse dos bens rola como as ondas do mar, num vaivém contínuo: os que nascem ricos acabam perdendo tudo, os que nascem pobres, e por isso esfomeados, acabam levando-lhes tudo, para condenarem depois os seus filhos ao destino dos ricos. A sabedoria da vida parece consistir no fato de induzir os ricos a criar um ambiente feito de propósito para levar automaticamente à perda da riqueza. Eis uma forma de justiça social já realizada e funcionando há tempos imemoráveis, antes da chegada do Comunismo. Por isso, as posições de rico e pobre são cíclicas, e todos as percorrem por turnos, obrigados a fazer esforços e a aprender lições, num trabalho útil para evoluir, o que representa o precioso resultado final desse belo jogo. Também na Terra, independentemente do "Discurso da Montanha", os pobres são destinados a enriquecer e os ricos a empobrecer. Sábios e justos equilíbrios da vida, para os quais todo o excessivo esbanjamento de um lado tende automaticamente a inverter-se para reequilibrar-se, reentrando no seu contrário. O mesmo fenômeno se verifica no caso dos detentores do poder. Parece que cada fenômeno, quando alcança uma fase de. excessivo desenvolvimento, se esgota e regressa, por força das leis da vida, à sua posição de justo equilíbrio. Parece que os fenômenos se cansam por excesso e por carência, e quando se saturam num sentido ou noutro, a vida lhes freia o movimento desordenado, para reconduzi-lo à ordem dos seus equilíbrios. Assim, também a política flui na História como as ondas do mar, num ir e vir continuo. Coerente com a baixeza do seu nível evolutivo sempre fora da ordem, o homem é continuamente corrigido pelas leis da vida. Regimes e governos se cansam e se sobrepõem sem pausa. Este é o fator constante, o denominador comum de todos os partidos, de qualquer tipo de Governo. Também este fenômeno se satura. Quando se move só num dado sentido, o poder se cansa e se esgota no seu funcionamento. Então, enfraquece-se e sucumbe ao assalto dos recém-chegados, repletos de forças e de desejos. No momento em que, caindo o velho Governo, todos lhe notam os defeitos eles se apresentam com um novo programa, por reação corretiva geralmente em antítese ao precedente, na ilusão de que basta lazer ,o contrario para ser per eito. Na realidade continuam a fazer as mesmas coisas, embora de forma e com nomes diferentes. O poder vai como um rio serpenteando pelo vale, procedendo por golpes e Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 35 O nosso mundo é feito de tentativas, de instabilidade, de luta. Por quê? O que é injusto, por esse mesmo motivo, não tem a força de governar-se. Trata-se de uma lei universal a que ninguém pode fugir. Em tal caso tem-se uma construção a que faltam fundamentos sólidos para que possa sustentar-se, então ela se desmorona; o edifício não está equilibrado e, por isso, cai. Isto se verifica em qualquer construção social. Quando as forças que a constituem não estão em equilíbrio, quando o impulso de cada necessidade não encontra satisfação, ele faz pressão num dado sentido, deslocando o centro de gravidade do edifício até fazê-lo ruir. Isto sucede sempre quando se verifica o desequilíbrio provocado por uma excessiva abundância de um lado e uma correspondente carência do outro, uma desproporção para mais e outra para menos, as quais por este motivo tendem a compensar-se reciprocamente. Acontece que o impulso da Lei, ordenadamente, quer reconduzir tudo à estabilidade, em uma posição equilibrada, deixando cair o velho edifício para que em seu lugar surja outro, são e forte, constituído por forças em equilíbrio. Também aqui assistimos à luta entre S e AS. O individualismo separatista do AS desejaria fazer prevalecer interesses parciais e faz força para que cada um possa impor o próprio egoísmo, o seu ímpeto separatista. Mas não está em jogo apenas o impulso do homem, também existe o da Lei. Eis que esta intervém para agir segundo os princípios imparciais do S, levando assim ao equilíbrio aqueles impulsos, satisfazendo-os com uma distribuição equitativa. As forças da parte negativa da carência lançam-se, então, contra as do lado positivo da abundância, o vazio contra a plenitude, em forma de assalto, para dela se apossarem, enquanto a porção que está cheia não pode fazer outra coisa senão transbordar para a parte que está vazia. Assim, a vida, cada dia que passa, se torna mais coletiva Em substância, a propriedade é uma passagem contínua de mão em mão, resolvendo-se num usufruto temporário. Em nosso mundo, as construções sociais não duram, porque elas não se mantêm juntas por uma íntima coesão determinada pelo impulso unitário que existe dentro de cada elemento. Pelo contrário, este tende à revolta, conservado unido pela imposição de uma força estranha que o constrange à obediência. Mas, logo que o ímpeto dessa imposição se enfraquece, prevalece o impulso separatista próprio daqueles elementos. E eles se separam, levando à queda o edifício. Por instinto, eles se repelem em lugar de se atraírem. Isto, como é lógico, tanto mais se verifica quanto mais o homem é involuído, próximo do AS, onde mais aplica aquela força, estranha e imposta. Encontrando-se as coisas desse modo, tais derrocadas são inevitáveis. Este é o resultado de todos os regimes coativos. Mas também é verdade que, sem regime coercivo, no nível humano, é difícil construir seja o que for. Portanto, não há como remediar. O defeito está na natureza humana, que somente poderá ser mudada através de lenta e fatigante evolução. Para construir com estabilidade é necessário um novo tipo de homem, que hoje existe em tão ínfima minoria não chegando a ter importância social. Continuarão a erguer em sentido descendente, em vez de ascendente, edifícios sociais elevados com métodos anti-Lei, de tipo AS, em lugar de seguirem o modelo S. Mas ninguém poderá impedir que a evolução avance conforme o princípio das unidades coletivas. Ademais, o modo comum de conceber a vida revela que estamos num mundo onde ela funciona ao contrário do que devia. Como podemos, pois, exigir que os resultados não sejam invertidos? E depois se grita que a vida é ilusão e engano! Mas, como pode acontecer de outro modo, se é errado o princípio sobre o qual se baseia! Imagina-se que se veio ao mundo para gozar e pensa-se apenas no bem-estar. A vida, ao contrário, é uma escola aonde se vem para aprender, trabalhar, experimentar e, muitas vezes, sofrer. Durante milênios se insistiu neste erro, continuamente, produzindo uma acumulação de efeitos tais que instituem agora um enorme peso a suportar, uma lacuna que fará sofrer enquanto não for preenchida, um débito em constante aumento e que deverá ser pago. É uma grande massa a arrastar que a humanidade tem sobre as costas. No passado, em outras posições biológicas, era possível permanecer estagnado em condições mais ou menos estacionárias, nas quais o peso dos velhos erros se descarregava sobre as novas gerações, deixando-lhes depois a consolação de fazer o mesmo sobre as sucessivas, e assim por diante. Se o débito perante a Lei aumentava no decorrer do caminho, era um encargo para os outros, seus sucessores, enquanto a geração que o praticava recebia as utilidades imediatas. Foi assim que o débito sempre aumentou. Ora, com o tempo, aquele peso se tornou esmagador, até ao ponto em que as gerações de hoje não o aceitam, como ocorreu no passado, herança que lhes foi transmitida pelas precedentes. Acrescenta aí o fato de que a cultura, os meios de comunicação e o progresso despertaram os adormecidos de modo que os jovens estão se revoltando contra as coisas velhas e as repelem para delas se libertarem e sobreviverem. Atingimos, assim, o ponto crítico de uma explosão, porque a saturação do equilíbrio chegou ao máximo, e os velhos edifícios não se mantêm mais; não existe mais hipocrisia que tenha o poder de esconder o peso do mal, nem há mais paciência que tenha força para suportá-lo. Os expedientes Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 36 usados até agora para encobri-lo não servem mais. Vem à superfície a verdade nua e crua. que é bem diferente da oficialmente proclamada para se fazer uma boa imagem. Não se vem ao mundo para gozar, mas para aprender. Mas aprender o quê? Que existe uma ordem codificada numa Lei, pela qual a vida é regida por normas, equilíbrios, princípios, um todo não só abstrato teórico, mas também real, vivo, funcionando, que rege com fatos, infligindo dor a cada violação. Ora, todas essas coisas a vida não explica, mas elas estão aí para agir e golpear-nos quando provocamos a sua reação. E deste modo que elas falam se fazem compreender, não com raciocínios, mas com fatos. Quem tem olhos para ver percebe tudo isso; para quem não os tem continua da mesma forma, sem entender coisa alguma, até que, à força de repetição, a coisa se torna evidente e, assim, se aprende a ver e a compreender. Os olhos são os da mente desperta através do esforço e da dor. O trabalho da evolução consiste neste despertar. Com a queda o homem ficou ignorante. Agora, à sua custa, deve fazer o esforço de tornar-se inteligente. E, enquanto não o for, deverá pagar, com os seus sofrimentos, os erros, fruto da sua ignorância. Ele deve com o seu suor reconquistar toda a sabedoria perdida. Há muitas regras a respeitar, se não quiser sofrer. A cada erro chega uma chicotada da Lei, que reage. O mundo vive na escola dessas contínuas chicotadas. É interessante ver como funciona esta escola. É fácil imaginar o que deve suceder a um ser humano, que está ansioso de possuir toda a felicidade do S, do qual é filho e se recorda: ficou livre, mas ignorante das conseqüências. Aquele seu desejo de felicidade o leva a todos os excessos, mas, ao mesmo tempo, ele está enjaulado dentro de uma Lei onde cada erro — desvio da justa posição de equilíbrio — conduz ao sofrimento. Esta é a sua posição, como é lógico, em virtude da queda. Ocorre que o homem se lança loucamente em direção aos prazeres para os quais pensa que foi criado, mas se choca contra a Lei, que lhos nega até que seja cercado pelos caminhos do S, e não pelos do AS, isto é, de obediência, na ordem, conforme a Lei, e não de revolta, na desordem, contra a Lei como desejaria. O homem não gosta de permanecer preso a uma disciplina, que limita a sua liberdade. O seu sonho é destruir a Lei para substitui-la por ele próprio, pelo seu egoísmo, pela sua lei. Mas isto é impossível, e ele não sabe. Na sua ignorância crê isto ser possível e insiste em rebelar-se, julgando poder vencer mesmo contra a Lei, impondo-se, dando uma demonstração de força, como costuma fazer no seu baixo mundo. Então, a Lei continua a lhe infligir sofrimento, até que à força de tanto padecer acabará compreendendo que a revolta é absurda, ela não conduz à alegria desejada, mas semente dor. Eis a escola em que consiste a vida. O homem é como uma borboleta atraída pelo esplendor da chama, e termina queimando as asas. Não vê, não entende, não lhe interessa perceber, mesmo com explicações suficientes. Então ele se queima na chama e depois grita e chora; aí começa a compreender. A lição não é de palavras, porém de sofrimento, aplicada na própria pele. E não poderia ser na dos outros, pois, deste modo não compreenderia. Para poder gozar da felicidade do S, é necessário saber viver conforme a Lei. Mas o homem não sabe, nem quer fazer o esforço para tanto. É levado a viver em posição antagônica de AS. Então, é lógico que, em vez de alegria (S), não possa obter senão o seu contrário, isto é, dor (AS). Outra coisa não pode acontecer a quem, sendo livre, mas não sabendo agir, quer fazer tudo a seu modo; a quem. sendo disciplinado por natureza, deve viver num universo feito de ordem e no qual esta é obrigatória. A escola consiste no constrangimento a essa disciplina até aprendê-la toda. Ser astuto, saber encontrar escapatórias para fugir poderão ter valor em nosso baixo mundo, mas não serve a ninguém perante a Lei. O homem pode lutar com o seu semelhante e vencê-lo, porque este se encontra no seu nível, mas não pode competir com a Lei de Deus, que está acima dele e de todos. Temos : liberdade, erros, chicotadas. Esta é a história humana. Assim, uma a uma, vão se aprendendo todas as regras do reto comportamento. A cada lição aprendida sobe-se um degrau. Por se ter adquirido um conhecimento evita-se novo erro e, portanto, outro sofrimento. Trata-se de um ser ansioso de reencontrar a sua originária felicidade do S, para a qual foi criado e que ele sente como coisa sua. No entanto, por causa da revolta, não sabe procurá-la senão em sentido e em ambientes contrários, o que faz com que esta busca corra em direção a uma miragem, que depois, na realidade, se resolve em dor. Este é o drama humano. Alucinado pelo sonho de felicidade, o homem vai desesperadamente ao encontro dela para achar apenas o oposto daquilo que procura. Julga que nasceu para gozar e, ao contrário, existe para trabalhar duramente dentro da escola da evolução. A cada passo um engano, a cada engano uma dor, a cada dor uma lição. O mundo o atrai, e, na sua inconsciência, vai atraído pelas miragens, enquanto o alçapão o espera na passagem Lá se encontra a mesa posta: sexo, riqueza, glória, poder etc. O incauto se precipita para gozar. Mas, dado o que ele é, abusa e se envenena. No fim da experiência, não lhe resta nem a posse da coisa cobiçada, nem o gozo, mas a desilusão e o sofrimento do veneno em ação. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 37 Observemos agora, mais em particular, a técnica do processo de depuração. Ele se realiza através de três fases ou momentos: O primeiro é o do prazer, no qual livremente se atinge pelas vias travessas da astúcia e da força, como se usa na Terra, a satisfação não ganha, violando os justos equilíbrios da Lei, endividando-se deste modo, perante ela e, portanto, preparando a sua reação. Num segundo momento, que pode ser uma vida sucedendo a anterior, o indivíduo, viciado pela satisfação alcançada no passado, convenceu-se de haver encontrado o caminho certo, o método seguro para gozá-la e, então, experiente da vivência precedente, usa o mesmo sistema, contando chegar aos mesmos resultados. No entanto, a vitória obtida no primeiro momento foi uma derrota, porque confirmou este indivíduo na direção errada, aquela mesma que agora o obriga a repetir o jogo; mas, ele se encontra noutras condições para não deixá-lo mais obter o que deseja, dado que estão faltando as circunstâncias favoráveis, difíceis de repetirem todas juntas. A moral, como é lógico e justo que aconteça num mundo pelo avesso, tipo AS, é esta: quando se afigura que as coisas estão andando bem, de fato vão mal e, quando parece que elas vão mal, aí vão bem. Isto porque, no momento em que se goza de modo errado, aprende-se somente a errar, o que significa atrair a dor; e, quando se sofre conforme a justiça, aprende-se a corrigir-se, o que quer dizer salvar-se do sofrimento. Pretende-se chegar à felicidade, mas não se compreendeu que pelo caminho da desordem, contra a Lei, não se pode alcançá-la. E assim que, neste segundo instante, aprende-se a não cometer mais o erro, porque se experimentou que ele conduz ao sofrimento e sabe-se que a coisa deve ser evitada. Esta é a lição vivida na segunda fase. Numa terceira fase, que pode ser simplesmente outra vida, o indivíduo se encontra perante as mesmas tentações do segundo momento. Na Terra elas existem de todo gênero, em abundância, e cada um é atraído pelas correspondentes ao seu tipo Delas se encontra, sempre, quantidade bastante para o seu caso. Por haver experimentado as conseqüências da violação à Lei, ele já não comete o erro como anteriormente e, desta vez, pode evitar o sofrimento. Eis que se libertou um pouco da ignorância e conquistou outro tanto de sapiência, o que significa um passo à frente na ordem e portanto, uma posição de menor sofrimento e maior felicidade. Este procedimento se repete a cada imperfeição que nos induz a comportar-nos fora da perfeita disciplina que a Lei exige, se não quisermos sofrer-lhe aquelas conseqüências dolorosas por tê-la violado. A libertação da dor e a conquista da felicidade são fenômenos que se realizam por graus, à medida que se sobe ao longo do caminho da evolução. Para chegar à felicidade completa do S, é necessário haver percorrido todo esse caminho de purificação e redenção, experimentando tantos sofrimentos quantas são as imperfeições de que é feita a nossa natureza de cidadãos do AS. A dor não poderá cessar enquanto não houvermos aprendido a não cometer mais erros e a viver em total disciplina dentro da Lei. A conquista da felicidade consiste no reordenamento do caos do AS até a reconstrução da ordem do S. Vemos que, geológica e biologicamente, social e espiritualmente, a evolução é um processo de reordenamento contínuo, que caminha na desordem para uma ordem sempre mais completa. A moral aqui exposta se eleva sobre bases positivas de amplitude cósmica, enquadrando-se perfeitamente no plano do funcionamento orgânico do todo. É através deste processo que cada indivíduo, que se tornou de tipo AS por causa da queda, deve apagar de si, uma a uma, todas as qualidades desse tipo, transformando-as em outras consoante o modelo S. Este é o único caminho pelo qual se pode alcançar a libertação da dor. Tudo isso é claro, lógico e justo. Mas não agrada ao homem, porque o declara culpável e dele exige trabalho e disciplina, enquanto ele deseja ser aquele que faz a lei, patrão, livre de tudo. Mas é precisamente este seu instinto luciferiano que o revela filho caído da revolta, com vontade de comandar egoisticamente, substituindo-se à Lei de Deus, fazendo isso em estado de ignorância e de incompetência para dirigir, não conseguindo desse modo nada mais do que cometer erros e atrair dores. O inferno que ele construiu para si na Terra, com as próprias mãos, prova a verdade dessas afirmações. E, quando ele procura uma via de escape, fá-lo para baixo, em direção ao AS, e não para cima, rumo ao S. Com este tremendo erro, julga ser inteligente, porque a sapiência para ele consiste em saber defraudar a Lei. Tal psicologia poderá justificar-se perante as leis da Terra, tão imperfeitas e, também, freqüentemente injustas, mas é loucura ir contra a Lei de Deus, que existe só para o nosso bem. Quem se aproxima Dela com intenção de engana-la é justo que seja traído. Arriscar a vencer as leis humanas que possam merecer isso ainda se compreende, mas não é admissível que o mesmo aconteça com a Lei de Deus. É triste ver com que inconsciente leveza o homem procura enganar-se ao procurar burlar a Lei. Depois desencadeiam-se as tempestades pavorosas que vemos na História, e ninguém lhes entende as causas. Continua-se a semear como se nada houvesse ocorrido. Assim, este pobre ser que no AS queria voltar ao S, permaneceu ainda dentro da Lei do S, onde é Deus que domina. Por isso, a revolta foi o maior fracasso, Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 40 Em nenhuma época se andou tanto em busca de justiça como hoje, especialmente no campo social. Assim, o mundo procura disciplinar de modo mais equânime, à base de mais justas formas de convivência, os direitos e os deveres de todos. Mas é interessante observar como, no âmago de tantas injustiças humanas que se procura corrigir, tenha existido a justiça de Deus, na qual aquelas injustiças terminam automaticamente por resolver-se. Ela é devida à presença no AS do Deus imanente, impulsionando o ser para que ele se dirija à salvação por meio da escola que vimos no capítulo precedente. As atuais injustiças, no fundo, não são mais que efeito de sua causa. Esta pode ser a incapacidade, a preguiça, a ignorância. a ausência de esforço e de merecimento etc. Aquelas injustiças, as vezes, são necessárias para que determinada vantagem seja obtida Entretanto, não são virtudes, porque, na realidade, faltam qualidades de esforço e mérito. Se observarmos bem todo o mecanismo da vida, compreenderemos que, não obstante ser ele tão cheio de ilusões e de sofrimentos, é precisamente por isso que está certo, porque, se assim não fosse, a vida não serviria para ascender, mas para descer. Neste caso ela seria o inverso de uma escola, isto é, feita para confirmar os defeitos do AS, em lugar de os corrigir com as virtudes do S. Mas ao homem isto não agrada, porque a sua vontade é vencer como AS e não como S. A sua desilusão está, exatamente, em não poder se impor com a revolta. Ele não compreende que a vitória do S ao negativo seria uma derrota a menos que ele sofreria. Então, na realidade, tudo caminha da melhor maneira possível. Isto parece uma traição. No entanto, é uma boa obra, pois impede um louco de dar um passo à sua própria ruína. Julga do primeiro modo quem pensa com a forma mental AS, mas quem raciocina com a psicologia de tipo S compreende que nisso está a sua salvação. Porventura, não será um bem que aquele que procura enganar fique enganado, para que assim não engane a si próprio? Não será justo que a falsidade recaia em quem é falso para que aprenda a ser sincero? Eis o drama dos caídos no AS: querer reencontrar a alegria do S onde, em posição emborcada, não se pode encontrar senão a dor. E quanto mais aumenta o esforço para achar a felicidade, movendo-se no sentido da revolta, mais se encontra o sofrimento. O drama está em procurar obter com a força e depois ficar esmagado; o drama está em, movido pela astúcia, julgar que se é capaz de obter tudo com engano e terminar por ser enganado O conhecimento e a sabedoria da vida estão em compreender esses íntimos mecanismos da Lei, esta sua misteriosa técnica interior que arrasta às mais duras provas, enquanto estão à procura de prazeres, aqueles que, obcecados pelo orgulho, se julgam os mais hábeis. A grande armadilha foi desejada, portanto, merecida. Consiste no fato de que, levado pela própria miopia, o homem caiu, usando métodos para obter vantagens imediatas que o iludem; e, a longo prazo, elas acabam sendo-lhe danosas. Ora, enquanto procura ardentemente a felicidade, ele continua pagando e sofrendo. Realmente, de outro modo não pode ocorrer para quem vive em posição emborcada. É assim que ele, porque se movimenta em sentido inverso, não pode obter senão o oposto do que deseja. Não se poderia explicar de outra forma como, em um mundo criado por um Deus bom, que nos ama, andasse o homem em busca de felicidade por toda parte e não recolhesse como fruto senão o sofrimento. Proponho a quantos neguem a teoria da queda que expliquem como na lógica da criação possa existir tão gritante contradição. É evidente que uma obra de Deus deve basear-se na lógica, na justiça e na bondade; sem isto, seria necessário admitir um Deus ilógico, injusto e mau, ou então Ele não existe, e tudo se tornaria um caos, sem nenhuma lei reguladora, não correspondente à realidade. A nossa capacidade sensória oscila entre os dois pólos do dualismo: alegria-dor. A primeira é qualidade própria do S, a segunda, do AS. O ser criado por Deus para a alegria, com a revolta caiu na dor. Com a evolução ele se redime do sofrimento e, reabsorvendo-o, regressa à alegria. Isto constitui a penitência que corrige a culpa; Perante a Lei, é o pagamento que extingue o débito contraído para com a sua justiça. A dor é o chicote que o conduz à força para a salvação, é o remédio amargo que cura a doença. Trata-se de uma escola, de uma lição a aprender, de um tratamento para curar, não de uma vingança ou punição. O objetivo não é atormentar, mas ensinar. A prova não pretende matar, mas tende a não ultrapassar dado limite. Se a dor fosse somente destrutiva e, perante os valores da vida, não tivesse uma função criadora e salvadora, ela não subsistiria na sábia economia do universo, apesar de sua posição emborcada de AS. Qualquer sofrimento encontra sempre na morte a válvula de segurança extrema que o faz cessar. É assim que a maior parte das dores é superada. E, para que se continue a viver e deste modo aprender, a alegria para sobreviver chega, em geral, no último instante, à guisa de oxigênio reanimador. Isto para os gozadores pode parecer uma traição, um a crueldade para prolongar a agonia, mas é um meio salutar para adiar a. prova que redime. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 41 No fundo, alegria e dor são apenas duas posições opostas do mesmo fenômeno. Elas estão situadas ao longo da mesma linha comunicantes entre si, pelo o que mais (+) pode tornar-se o menos (-) e este pode transformar-se naquele. A sensibilidade do ser oscila de um ao outro extremo, até um limite máximo, dificilmente alcançado, além do qual se morre. Há uma fase intermediária, neutra, de indiferença, na qual, num estado de quietude, não predomina nem um, nem outro. Nestas deslocações há uma disciplina que tende a equilibrar os dois extremos para que eles não prejudiquem por excesso, tanto num sentido, como no outro. A correção é automática. Acontece que, quanto mais se sofre, tanto mais diminui, com o hábito, a sensibilidade à dor e mais se adquire a capacidade de gozar. Desta maneira, o ser imuniza-se um pouco contra o sofrimento e se sensibiliza para o prazer, e será necessária uma quantidade cada vez maior de dor para sofrer na mesma proporção. Inversamente sucede que, quanto mais se goza, tanto mais diminui, com o hábito, a sensibilidade ao prazer e mais se adquire a capacidade de sofrer. Deste modo, o ser se insensibiliza ao prazer e se sensibiliza para o sofrimento, pelo que é necessário uma quantidade de prazer cada vez maior para gozar, sempre na mesma proporção. Em resumo, a abundância de qualquer coisa satura e tende a eliminar a capacidade de assimilação, aguçando ao contrário, a sen- sibilidade em sentido contrário. Assim, no primeiro caso, a dor torna-se mais suportável e passa a existir maior sensibilização à alegria. No segundo, a alegria produz maior indiferença ao prazer e maior vulnerabilidade à dor. Como se vê, essas posições e a sua movimentação são canalizadas pela Lei ao longo de um binário, em virtude do qual elas não se movem ao acaso. De fato, a primeira dose de determinado bem produz, por exemplo, uma satisfação. A segunda dose, igual à primeira, não gera o mesmo contentamento, mas, por exemplo, meia satisfação. A terceira dá um terço, a quarta produz a quarta parte, a quinta não ocasiona nenhuma, a sexta faz mal e provoca a dor, a sétima causa ainda maior dor, e assim sucessivamente. A razão desta descrente capacidade de gozar é dada pelo fato de que ela está enquadrada no AS, onde a alegria, em vez de aumentar, tende a diminuir, invertendo-se na dor. Cada tentativa neste sentido, isto é, em direção ao AS, conduz automaticamente a uma progressiva diminuição da qualidade do S, a alegria; e a um gradual aumento da qualidade do AS, a dor; até desaparecer a primeira e ficar somente a segunda. Com a revolta ocorreu que o ser, em vez de conquistar uma alegria maior, emborcou- se na dor, que constitui a lição salutar forçando-o a fugir do AS através da evolução. Isto tem como conseqüência o seguinte: por este caminho ele deve acabar por regressar ao S para reencontrar o paraíso perdido, sua meta constante, que em vão procura alcançar no AS. Segue-se também que, quanto mais o ser aceita o merecido sofrimento do AS como expiação e pagamento do seu débito, tanto mais endireita em direção ao S o seu emborcamento no AS, redimindo-se da dor e caminhando para a alegria. Em cada caso, portanto, tudo tende para melhor. Assim, Deus pode dizer à criatura rebelde: "Distanciai-vos de mim; se quiserdes, pois, a mim devereis voltar, porque fora de mim não encontrareis senão dor e morte. Portanto, o movimento que vai da alegria à dor, e ao contrário, é uma oscilação contínua, como entre dois vasos comunicantes. As duas existem, uma em função da outra. A mesma percepção verifica-se entre os contrastes com posições opostas, dependendo destas muito mais do que das suas próprias intensidades. O prazer verifica-se, então, na medida em que elimina o sofrimento de uma precedente necessidade insatisfeita e diminui com a sua satisfação. Assim, pode haver prazer apenas pelo bem-estar que se segue ao desaparecimento de uma dor, contentamento que, quando é contínuo, pode deixar-nos indiferentes, sem a sensação de alegria. E, quando esta fica fora dos equilíbrios da Lei, pode transformar- se em veneno. Para esses equilíbrios, quanto mais ela se encontra em excesso. tanto mais atrai o sofrimento que a compensa; quanto maior a dor, tanto mais a diminuta alegria tem o poder de compensá- la. Po exemplo, para sentir prazer com a comida, é necessário ter fome: para se contentar com a bebida, é preciso ter sede; para se satisfazer com o repouso, necessita-se de trabalho; para usufruir a riqueza, faz-se mister ter conhecido a pobreza; para ter satisfação com as honras, convém tenha sido humilhado; para valorizar a saúde, é preciso ter estado doente; para se apreciar a liberdade, é conveniente ter sido escravo. A grande justiça da Lei consiste no fato de que quem teve tudo está cansado e não sabe mais aproveitar coisa alguma, e quem não teve nada sente prazer com qualquer coisa. Daí podem nascer posições diversas, como a do rico que fica nauseado pela abundância; como a do pobre que, faminto de mil desejos insatisfeitos, assalta-o para espoliá-lo de tudo. Assim acontece com todo aquele que, além deste plano, encontrou alegrias superiores no nível do espírito e luta para conquistá-las; não regride, não guerreia, antes avança, como no caso de nosso personagem. E por este processo de saturação que se verifica o fenômeno já mencionado no Cap. IV: a perda automática da riqueza não ganha honestamente. Aqui observamos mais particularmente o caso muito comum, segundo o qual o ciclo da riqueza, em geral, dura três gerações. A primeira é a dos pobres, que, Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 42 estimulados pelo desejo e tornados ativos e inteligentes por causa da necessidade, acumulam com qualquer meio um capital. Eles o apreciam pela satisfação que lhes dá a riqueza como compensação da pobreza precedente. A segunda geração, ainda com a memória fresca da pobreza, é a dos gozadores que se sentam à mesa para banquetear-se. A terceira, crescida na fartura, não recorda mais fome alguma; não aprecia, portanto, aquilo que tem; não o defende, caindo, assim, vítima de assaltos de outras pessoas tão ávidas, como as da primeira geração, que lhe roubam tudo. Em geral trata-se de gente ociosa, inepta e cansada, que a vida se apressa em liquidar. Isto sucede às famílias, como às nações. Foi o que aconteceu na frança com Luís XIV (1ª fase), Luís XV (2ª fase), Luís XVI (3ª fase), caindo com a Revolução. Isto ocorreu na Rússia, com a aristocracia do Czar. É assim que a justiça social resulta automaticamente aplicada pelos equilíbrios da Lei, independentemente das intervenções humanas. O que pode parecer uma traição esse doce convite a uma vida fácil, levando ao enfraquecimento e, consequentemente, à ruína é, na verdade, um ato de justiça, porque quem gozar do que não merece é justo que disso seja privado. Assim, automaticamente, a Lei tende a eliminar os abusos. O hábito de viver sem fadiga fabrica ineptos para a luta, destrói sua capacidade de resistência, enfraquece-os e torna-os vulneráveis ao mínimo ataque. Ao contrário, viver afadigado sem recursos, torna o homem apto à vida difícil, faz adquirir capacidade de luta e resistência, reforça-o contra os ataques. A vida é um jogo contínuo, e a fácil vitória cria a inconsciência que impele a enriquecer, tornando-nos imprudentes e levando-nos à derrota. Os obstáculos, entretanto, criam a consciência das dificuldades, tornam-nos prudentes e mais preparados para a vitória. Aquilo que se apresenta como uma cômoda ajuda para a vida faz perder as qualidades preciosas para a sobrevivência, enquanto o que parece entravá-la leva a adquirir aqueles atributos. Logo, é desvantajoso, o que parece vantagem, e lucro o que parece prejuízo. No fundo, o que domina é uma justiça superior, contra a qual o homem nada pode. Aquele que goza o que não mereceu, desvaloriza-se e se destrói. Quem se esforça por merecer valoriza-se e se constrói. Por isso, ninguém é tão desgraçado e votado à pobreza como os que nasceram ricos, parecendo os mais afortunados e, portanto, invejados. Considerando o fenômeno em escala social, vemos que a tendência da classe dominante é fixar para sempre a sua posição em forma hereditária, apoiada pela adesão da classe eclesiástica e protegida pelas leis do Estado. Esta foi a história da aristocracia francesa, russa e chinesa até às respectivas revoluções. Mas, justamente por causa dessas leis, exatamente quando se julga ter levado o sistema ao máximo de perfeição, ele se desfaz pela reação que surge do lado oposto. Precisamente, quando tudo parece definitivamente ajustado, é, então, que tudo desmorona, porque as aristocracias perderam as suas virtudes de luta e assim caíram como fácil presa de quem as conquistou por se ter encontrado em opostas condições de vida. Até a queda das aristocracias e o triunfo das revoluções são devidos aos equilíbrios da Lei. Assim se explica como as aristocracias tardam a desmoronar-se, dado que certo lapso de tempo é necessário para que elas, corrompendo-se no ócio, percam as qualidades de defesa, e, do lado contrário, as classes pobres, no estado de opressão, carregando-se de revolta e desenvolvendo a mente, adquiram o poder de decisão e a capacidade necessária para realizar o esforço da reação. Eis que o período de tempo dos sistemas de opressão depende da duração da inépcia dos submetidos que se vão rebelar. Isto porque na vida, cada posição deve corresponder, rigorosamente, aos efeitos e valores que a justifiquem, e quando estes faltam ela se perde e cai na situação oposta, obrigando a desenvolvê-los. Se os do1ninadores gozam vantagens, porque estão vivenciando o que conquistaram como um esforço precedente, eles perdem quando aquele esforço não continua, ou foi consumado o seu resultado. E justo, portanto, que eles aproveitem, enquanto tem o poder nas mãos; por outro lado, é também justo que os fazedores das revoluções, quando se tornam poderosos, gozem por sua vez; assim como é legítimo que os servos permaneçam tais, enquanto não adquirirem a capacidade e a força necessárias para se tornarem patrões. Estes, com o seu exemplo, ensinam àqueles, que estão atentos a observá-los, ansiosos por aprender com eles e imitá-los. Ora, os mestres da injustiça, julgando ser astuciosos ao pretender realizar o seu próprio interesse, na realidade funcionam como mestres de justiça, oferecendo vantagens aos que eles julgam estar desfrutando. E através da luta e compensação entre as várias injustiças que a Lei atinge a justiça. Desse modo, permitindo que, reciprocamente, se corrijam os egocentrismos rivais, alcança-se entre inimigos um funcionamento coletivo cm colaboração. Com este processo eles realizam todos juntos o trabalho mais importante: evoluir. As aristocracias caminham à frente gozando o fruto do esforço realizado e, por fim, se cansam no bem-estar e descem. Entretanto, descobriram e, sem querer, ensinaram um tipo de vida mais adiantado aos atrasados. Estes assaltam, enriquecem e depois, imitando, avançam um trecho, mesmo que depois parem e decaiam. Assim, às ondas, a humanidade toda progride, fazendo cada um a sua parte. As aristocracias, no entanto, Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 45 VII SINAIS DOS TEMPOS Por mais que o homem procure fazer da sua vontade a lei das coisas, ele não pode deixar de chocar-se com a lei delas próprias Esta impõe as normas constrangendo-o a obedecer Não obstante proclamar-se livre, fica prisioneiro nas malhas de uma disciplina que não pode violar sem cair num estado de desagregação que o golpeia, infligindo-lhe dano. Este fenômeno é tanto mais evidente quanto mais se intensifica a vida social, porque se torna cada vez mais função coletiva em posição de organicidade. Vemo-lo acentuar-se nas grandes cidades, onde só o fato de existir uma aglomeração urbana faz surgir problemas antigamente desconhecidos. Esse estado de convivência bastante compacto vai implicar certamente em limitarão de liberdade individual, bem como a necessidade de ordem e de disciplina. Vejamos isso de modo mais evidente no caso simples da circulação nas estradas. A contínua produção mundial de automóveis, à qual não corresponde uma proporcionada ampliação de estradas para recebê-la, tende a gerar sempre maior congestionamento de tráfego, porque absorve e restringe sempre mais o espaço disponível para cada indivíduo, que hoje não ocupa mais o lugar de urna pessoa a pé, mas de um veículo veloz. Assim, no fim, torna-se inútil possuir rápidos meios de locomoção, quando os imobiliza a dificuldade de circular. Da mesma forma empilham-se, uns sobre os outros, novos tipos de casas, não mais sobre terreno próprio, nem sequer residências geminadas, mas comprimidas, não apenas lateralmente, mas também, verticalmente, nos arranha-céus, com muitos serviços em comum. Em virtude deste imprevisto impulso em direção à organicidade, produzido pela técnica e pelos novos tempos, o homem é constrangido a adotar novo tipo de vida, a descobrir e observar leis que lhe eram desconhecidas, aprendendo a comportar-se de acordo com suas exigências. Isto é verdade também no campo moral, ainda que o homem não saiba ver até esse ponto. Saber distribuir os meios econômicos, como os direitos e os deveres de cada um nas relações sociais, é uma arte tão necessária quanto saber repartir o espaço na circulação das estradas, ou as normas de convivência entre os apartamentos de um arranha-céu, sem que um elemento se choque com o outro. Independentemente de qualquer programa político, a tendência ao coletivismo é hoje fenômeno universal. Esta nova posição da humanidade em forma de sociedade orgânica não é problema de democracia ou comunismo, mas biológico, e corresponde a uma fase de amadurecimento evolutivo a qual toda a sociedade humana está atravessando, em todos os pontos do globo. A cisão entre o que parece ser dois opostos, democracia e comunismo, é devida só ao fato de que eles representam os dois extremos do mesmo problema; são como os dois pólos do mesmo planeta. A futura organicidade nascerá no seu equador, ponto intermediário que os une, onde os dois opostos se reencontrara-o depois de haver abandonado cada um os próprios defeitos como excessos, para se equilibrarem na justa medida, compensando-os e corrigindo-os com as virtudes assimiladas. O equilíbrio da justiça social hoje não existe nem num pólo, nem no outro, inclusive onde o indivíduo, em nome da liberdade, pode legalmente apropriar-se daquilo que não é fruto do seu trabalho, formando grandes riquezas, ainda que possa acumular e gastar, de qualquer modo. A justiça social não existe tampouco onde, em nome do bem coletivo, se tolhe ao indivíduo toda livre iniciativa, nem onde se lhe retira o prêmio da posse que o estimula ao trabalho, de modo a transformá-lo num robô sujeito à grande máquina do Estado. Nesses dois pólos cada um mostra as próprias virtudes, gabando-se dos dois e com eles escondendo os próprios defeitos. Se se colocar como ética absoluta a liberdade, não se alcançará o bem comum. Se se puser no absoluto este último, não se atingirá a primeira. O erro está no exclusivismo que em ambos os casos sacrifica tanto a liberdade quanto a justiça social que deveriam se completar, e não separar-se. É inútil, portanto, aplicar sistemas diversos, utilizando o mesmo princípio da unilateralidade, dado que o biótipo humano é o mesmo em ambos os lados, substancialmente, com métodos idênticos, no exclusivismo está a raiz de todos os males. A propriedade é ainda um fato sadio e necessário ao homem no seu nível atual, embora esteja pronto a fazer mau uso dela. E, então, aí surge o Comunismo, que, para Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 46 o corrigir, a destrói. Disciplina e justiça econômica são outro fato salutar também necessário numa sociedade civil, ainda que o homem esteja sempre pronto a fazer delas mau uso com o escravagismo policial dos Estados totalitários. Por isso, aí estão as democracias, que para corrigi-lo querem a liberdade. De um lado, goza-se da liberdade, mas com o perigo de desordem, conduzindo ao abuso. Do outro, usufrui-se da ordem, mas com o perigo de que o peso da disciplina paralise no homem, que deseja ser livre, o impulso ao trabalho e produção. Em ambos os casos, falta, do mesmo modo, o indivíduo equilibrado e consciente. No primeiro caso, para fazer bom uso da propriedade e liberdade, sem excesso de egoísmo. No segundo, para possuir um sentido unitário coletivo que o faça renunciar ao seu individualismo separatista. E, quando falta equilíbrio e autodisciplina, quando está em falta o homem maduro adaptado, não existe sistema político que tenha o poder mágico de somente com a aplicação de um método, transformá-lo em novo tipo biológico que saiba comportar-se com inteligência. A evolução é lenta. Vivemos, no entanto, em fase de transição de um nível evolutivo para outro. Os dois pólos se chocarão, para se destruírem reciprocamente e, assim, cada um deles não dominar sozinho o planeta. Mas isto será útil à fusão de ambos, necessária à vida que deseja criar novo tipo de sociedade, isto é, uma humanidade no estado orgânico unitário. Não queremos aqui observar o que divide o mundo, mas, o que há de comum nas partes opostas, porque nessa aproximação consiste o seu futuro Existe um mesmo processo de transformação no Oriente como no Ocidente, u'a mudança em dado sentido que abrange tudo e todos, incluindo as coisas que parecem muito distantes umas das outras. Por toda parte a técnica tende a fazer do indivíduo um átomo econômico automatizado, que desaparece como unidade nos grandes planejamentos de trabalho e produção. A vida reduz-se a um método racional para satisfazer todas as necessidades, sem outra meta. A hipertrofia do progresso técnico produziu o enfraquecer do desenvolvimento espiritual. Tanto no Capitalismo, como no Comunismo, o homem está se tornando, como trabalhador, em simples instrumento de produção e, como consumidor, em máquina de consumo. Ele é considerado uma mercadoria racionalmente calculada, seja como produtor, seja como consumidor, em ambos os casos estudado e manipulado pelo psicólogo.- Integrado nesta máquina como engrenagem sua, o homem fica seu prisioneiro, com todos os seus desejos satisfeitos, mas constrangido não só a trabalhar para produzir, mas também a receber e consumir toda esta produção, se não quiser ficar sepultado debaixo dela. Assim, a vida gira em torno de si mesma; é vivida apenas no presente, sem nenhuma razão que a justifique e valorize perante metas mais altas, em função das quais nos deveríamos preparar para alcançá-las num futuro mais longínquo. Perante tal utilitarismo imediatista, até as religiões, como qualquer espiritualidade, tornam-se inúteis. Sem um ideal e uma fé que iluminem o caminho da vida, abrindo-a em direção a mais vastos horizontes, ela reduz- se a um simples instante sem significado que aparece encerrado entre o nascimento e a morte, isto é, entre dois abismos de tempo desconhecidos. Corremos para ganhar tempo e depois para desperdiçá-lo, para trabalhar e depois para nos distrairmos, para produzir e depois para consumir, para ganhar dinheiro e depois para gastá-lo. Com isso privamos o espírito, que constitui o íntimo de nossa personalidade, do alimento que lhe é mais vital. Colocados assim neste vazio, procuramos atordoar-nos com a corrida, julgando que velocidade e barulho constituam vida, enquanto não são mais do que agitação de superfícieA evolução conduz à conquista de novas qualidades, um setor de cada vez. É natural, portanto, que o progresso numa determinada direção anule o que foi realizada em outra. A vida não pode proceder à criação de demasiadas coisas e avançar por diversas estradas ao mesmo tempo. Assim, quando tudo se torna ciência, técnica, trabalho produção, industrialização e mercado, as qualidades espirituais tendem a atrofiar-se. Hoje o homem especializou-se na conquista daquele tipo de valores, mas, obedecendo à mesma lei, assistirá à reação representada por uma espiritualização em um plano racional e científico mais positivo e aceitável do que o fideístico atual. Mas a presente fase significa já um passo à frente e corrige os defeitos e pecados do século XIX. Eram eles os seguintes: 1) — O autoritarismo com o abuso do egocêntrico, pelo qual quem chegava ao comando se reservava o direito de dominar os seus semelhantes. Daí a autoridade do homem sobre a mulher dos pais sobre os filhos, do clero sobre as consciências, dos patrões sobre os empregados, dos estados sobre suas colônias etc. 2) O egoísmo da posse de minha propriedade, exclusivamente reservada para mim. 3) A desigualdade para com os outros. Nascia-se e vivia-se, contra os preceitos cristãos, em posições diversas, de favorecidos ou desfavorecidos, de soberba ou miséria, tudo isso fixado por leis civis e religiosas e transmitido por herança, com a pretensão de durar eternamente. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 47 4) A exploração do trabalho alheio para prover as próprias necessidades. Essas culpas estão, hoje, diminuindo, quando controladas e limitadas em cada um dos quatro pontos examinados. Assim, advém u'a mudança radical do modo de viver e do tipo de relações sociais. Afasta-se aquela estrutura baseada no individualismo, assente sobre a injustiça do domínio do mais forte, vencedor do mais fraco na luta pela vida, com o direito de abusar, para substituir tudo isso pelo sistema da justiça social. Ao método do separatismo baseado egoísmo, que leva ao triunfo de poucos, sucede outro unitário, que leva à coletivização. Deste modo, indo ao encontro dos vencidos, a evolução se apressa a superar a lei animal da luta que recompensa o forte e esmaga o fraco. Ela alarga o círculo da sua zona de atividade, apossando-se agora dos que primeiramente se encontravam mais em baixo, inertes, esperando o despertar. Acontece que, suprimidos aqueles vícios do século XIX e evitados os respectivos males, aparecem os do século XX. O perigo do primeiro era tornarmo-nos escravos, o atual é convertermo-nos em robôs. Assim a evolução ascende: corrigindo um defeito e subitamente oferecendo outro, mais avançado, para corrigi-lo depois. Vemos que, na atual fase de transição, antes que se fixe o novo, ainda resistem os instintos velhos, porque a ciência está transformando o mundo pelo lado exterior, sem que o homem tenha tido tempo de, paralelamente, mudar interiormente. Explicam-se, assim, algumas posições contraditórias, próprias de todas as fases de transição. Até há pouco tempo, o tipo mais adaptado à sobrevivência era o primitivo forte, corajoso, astuto, conquistador. Isto porque era necessário vencer isoladamente em um ambiente inimigo. Este era o tipo admirado e premiado. Hoje o ambiente não é mais um terreno a ser conquistado, cheio de inimigos, a matar, mas é o vizinho igual a nós, e mesmo que não se ame, como aconselha o Evangelho, com ele se deve entrar em acordo, a fim de não se viver em regime de guerra e destruição recíproca. A vida moderna leva-nos cada ver. mais a viver comprimidos na cidade. E, quanto mais se vive juntos uns dos outros, tanto mais se reconhece a necessidade de deixar viver o próximo, para que também ele nos deixe viver. Desse modo, nasce à força um estado de disciplina tanto mais rígido, quanto mais a vida se torna coletiva e complexa, como é a tendência moderna. Ainda que nos queiramos proclamar livres, caminhamos todos necessariamente para uma ordem social cada vez mais compacta. Então, surgem leis de convivência, às quais somos constrangidos a obedecer, e que são próprias do mais alto nível evolutivo, no qual o homem se prepara para entrar As guerras não se fazem somente com a coragem física, mas com inteligência e organização econômica e técnica. O herói de antigamente hoje não seria mais o tipo adaptado para vencer numa luta, porque esta se faz de forma totalmente diversa. Matar individualmente não serve mais para coisa alguma. Isso constitui apenas um delito, doravante inútil resíduo de instintos atávicos que nasceram quando era necessário matar para sobreviver. Hoje se procura desafogar tais impulsos agressivos, por falta de outros mais evoluídos, através de competições desportivas, de aventuras arriscadas dos romances policiais, das crônicas de delitos e outros equivalentes materiais e mentais com os quais se possam satisfazer os instintos bélicos e sanguinários elaborados no passado. Procura-se, assim, limitar o desabafo ao plano emocional, até que consigamos desabituar-nos desta forma mental. Este fenômeno faz parte de um processo de coordenação dos elementos que se chocavam entre si no caos do AS, a fim de levá-los, progressivamente, para um estado de ordem dentro da Lei, próprio do S. Caminha-se, assim, de um regime de rivalidade, guerra e injustiça para outro de colaboração, paz e justiça. Hoje a força bruta já aparece limitada, e, mais tarde, será a vez de circunscrever também a astúcia.. Trata-se de uma disciplina, como a do trânsito, também necessária para uma mais rápida e segura circulação mental no seio de uma sociedade civilizada. Será do interesse de todos que isso aconteça, porque invadir o recinto da liberdade dos outros em um mundo organizado será furto de espaço vital em prejuízo de cada um. Dessa forma, está-se formando, progressivamente, uma consciência coletiva contra tais atentados. Assim está se sucedendo em nossos tempos. Um salto para a frente quer dizer evoluir para novos estados de unificação coletiva e orgânica, na qual vai aparecendo mais evidente a ordem da Lei. Tal organicidade significa um tipo de vida mais complexo e completo. Para isso a humanidade está laboriosamente se preparando. O movimento neste sentido se está iniciando hoje na forma de um nivelamento igualitário destrutivo das diferenças individuais das diversas personalidades, para fundi-las na uniformidade cinzenta do produto feito em série. Ora, se para o indivíduo pode ser mais cômodo e protetor assemelhar-se aos outros misturando-se na corrente, tal homogeneização, que reduz todos ao mesmo tipo monotonamente repetido, não é ainda o estado orgânico ao qual tende a evolução. Este, ao contrário, não consiste em sufocar e fazer desaparecer a personalidade, mas em desenvolvê-la e acentuá- Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 50 cada um ao seu vizinho, até que chegasse àquele que deveria absorvê-lo e pagá-lo. Seria natural que existisse uma classe de prejudicados, adaptados à função de vítima: jovens, porque desarmados; dependentes, porque sem meios; crentes, porque simples; os quais, pela sua posição de inferioridade, de- viam aceitar essa situação. Ora, o dano todos o sentem, porque queima. Mesmo que não cheguem a descobrir de onde lhes é imposta a queimadura para poder reagir contra a sua origem, forma-se nas vítimas um ódio tal que procura todas as ocasiões para desabafar, fazendo sofrer qualquer um. Até hoje a sociedade viveu arrastando este enorme peso de forças negativas que a agridem a cada passo. O grande escândalo dos novos tempos é querer ser leal e honesto, é pretender descobrir e denunciar tal jogo, é querer finalmente destruí-lo para não ser mais vítima e, assim, truncá-lo definitivamente, para que não se transmita às gerações futuras. É natural que tais pretensões levantem o partido fortemente consolidado dos bens pensantes, acomodados nas suas posições, nas quais não querem ser perturbados. O problema deles é assegurar o respeito, que é a garantia da sua defesa e sobrevivência. Acontece que, descobrindo-se hoje o velho jogo, ele não serve mais, e quem o praticava com habilidade encontra-se por terra, desarmado. Por isso grita que é um escândalo. Assim, um dos elementos se deslocou, e os que deviam submeter-se àquele jogo não o aceitam mais. A cadeia ficou assim rompida. O passado, todavia, resiste a uma sociedade que já tem os pés no amanhã, mas, algumas vezes, ainda pensa com forma mental remanescente da Idade Média. É necessário, contudo, libertar-se de tais erros, se se desejar viver menos carregado com tantas lutas e dores. A moral permanecerá, mas as culpas serão diferentes, não as de índole privada, que não dizem respeito senão ao indivíduo, mas as que prejudicam a coletividade, como, por exemplo, viver sem trabalhar, possuir em excesso, o parasitismo econômico, o abuso de autoridade, o furto que sabe fugir à lei, tudo o que é contra a ordem e o bem dos outros. Será u'a moral que respeita mais a liberdade privada e mais preocupada em satisfazer os interesses coletivos, o que significa, numa justa distribuição, satisfazer os de cada um. Ora, não se pode impedir que o mundo se vá transformando nesta direção, na qual se move o fenômeno evolução. Já aqui e acolá se nota este trabalho, tanto no plano político, como no social, econômico, moral e religioso, com tentativas de adaptação a novos tipos de vida. Procura-se desmantelar a hipocrisia para se chegar a uma forma de coerência entre o que se prega e o que se pratica, mesmo que, para chegar a isso, seja necessário dizer de outro modo, para que tudo corresponda à realidade da vida. Perante o homem novo, que será mais inteligente, o ardil da hipocrisia se tornará uma ridícula puerilidade. Vemos aparecer sinais de tal transformação no fato de que, em alguns povos mais avançados, a mente — especialmente no ensino — não é mais usada nas suas qualidades inferiores e, sobretudo, como registrador mnemônico, mas nas suas funções diretivas de compreensão e orientação. Assim, não se carrega mais a inteligência com o peso de um árido amontoado de noções, para o que bastaria a técnica de pesquisa de biblioteca. O ensino não é mais imposição de idéias, porém desenvolvimento de personalidade, de capacidade de raciocínio e de juízo. É um exercício que, com o livre intercâmbio e o estímulo ao pensamento, tende à formação de uma mente autônoma e madura. Então, o professor não é mais um repetidor que transmite noções recebidas, ou que impõe idéias por autoridade, em vez de fazer demonstrações e expor suas convicções; não é mais o sapiente absoluto que não discute, mas apenas sentencia. O aluno, por sua vez, não é mais um recipiente para encher com dados e informações, mas um ser que pensa também com a sua cabeça, faz perguntas, critica. podendo, inclusive, não aceitar os pontos de vista do mestre, quando saiba apresentar justificativa. São essas as qualidades que mais valem e que são desenvolvidas. É certo que para o professor é menos fatigante o método de repetidor de sabedoria, mas isso não basta para formar homens. A escola do futuro deverá servir para preparar os jovens a resolver os problemas da vida e não para fazer eruditismo e colecionadores de noções que os tornarão cultos, mas fora da realidade. Concluindo : a nova posição é oposta à precedente, isto é, a geração dos adultos não se ocupará apenas de manter, com base na autoridade, as suas posições, nem os jovens pensarão em conquistá-las tolhendo os meios aos detentores. Acontecerá, ao contrário, que a primeira se ocupará de educar a segunda, estimulando-lhe o que tiver de melhor, e esta aceitará tal ajuda para colaborar depois com os adultos no interesse comum. E não pensará em libertar-se deles como se fossem um obstáculo à sua própria expansão vital. O que nos conforta é ver que, nos países mais civilizados, várias idéias sustentadas na Obra em seu início, então olhadas com desconfiança, começam agora a ser sentidas e postas em prática. Um sinal evidente de tais mudanças o vemos nas novas atitudes do Concílio Ecumênico Vaticano II. Na parte final no volume Constituição, Decretos, Declarações (Editora Ave, Roma, l966~. no Capítulo "Liberdade Religiosa", aparecem textualmente estas palavras: Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 51 Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem o direito à liberdade religiosa (. . . .) os seres humanos devem ser imunes à coerção por parte de qualquer poder humano, de maneire que em matéria religiosa ninguém seja forçado a agir contra a sua consciência (. . . .). Cada um tem o dever e, portanto, o direito de procurar a verdade em matéria religiosa (. . . .). Os imperativos de lei divina, o homem os colhe e os reconhece através da sua consciência, a qual deve seguir firmemente para alcançar o seu fim, que é Deus. Não se deve, portanto, constrangê-lo a agir contra a sua consciência (. . . .). O exercício da religião consiste antes de tudo em atos internos, voluntários e livres, com os quais o ser humano se dirige imediatamente para Deus, atos que não podem ser nem impostos, nem proibidos por uma autoridade meramente humana. Mesmo que tais disposições possam ter sido provocada. pelo desejo de obter liberdade religiosa no seio de regimes que a negam, representam, entretanto, um grande passo à frente no terreno da liberdade de consciência, tendo sido esta até ontem oprimida a seu modo, como o Comunismo faz agora também de outra maneira particular. Isto demonstra não só que a Igreja com a sua divina inspiração não dirige os tempos, mas, no evoluir de tudo, é dirigida por eles, como também que a verdade, mesmo a inspirada por Deus, é relativa e progressiva. Por isso, se as teorias de nossa Obra até ontem eram condenadas, hoje é lícito ser convencido por elas e professá-las, em vez de Ler que se retratar, como antes havia sido ordenado pela condenação do Santo Oficio (ver mais à frente o Cap. "O Problema Religioso. A Obra Perante a Igreja"). Assim, arrastada pelo amadurecer da vida, a Igreja teve de atualizar-se à força, reconhecendo aquilo que, finalmente, era um fato inegável e incoercível, isto é, que com Deus se fala sozinho, que o verdadeiro diálogo é feito somente com Ele, sem ministros intermediários, livre de qualquer opressão de consciência. Vê-se outro sinal dos tempos: o novo ajuizamento a respeito de Teilhard de Chardin, no mesmo ambiente eclesiástico. Em certas conferências e revistas, depois de se ter cuidado dos sofrimentos morais vividos por ele no longo exílio, admite-se que tenha sido um "gênio religioso e um dos maiores cristãos deste século". Tal mudança é intitulada: "Um Ato de Justiça". O sistema é sempre o mesmo: primeiramente se martiriza e depois se santifica; a autoridade, mais forte, salva-se, e o indivíduo, isolado e fraco, é submetido. Depois ela se atualiza, e tudo fica em ordem. Acontece como se um indivíduo depois de ter praticado o mal, sem ao menos reconhecê-lo, fosse considerado inocente por ter sido mudada a lei, de modo que, segundo esta nova lei, aquilo que ele fizera não mais teria sido mal; e dessa forma inocente. Admite-se: ele já que não fora punido, agora reabilitado, não chegou a sofrer, sendo a sua dor anulada. Quantas coisas pode fazer a autoridade, porque tem a força do poder, as quais, para o indivíduo, que não a possui, são condenadas como culpa! Estes não são senão alguns aspectos do movimento evolutivo do mundo que está deslocando as posições tradicionais, às quais ele se havia adaptado durante séculos. Fala-se de diálogo, de encontros de cúpula, de aberturas, tanto no campo religioso, como no político. A novidade é que se procura um entendimento através de contatos. Lançando pontes entre as partes contrárias, procura-se resolver os problemas da vida, o que é interesse de todos, em vez de se lutar sempre para prejuízo recíproco. Começa-se a compreender como tal sistema é contraproducente e, assim, procura-se outro mais inteligente e rendoso. Não há dúvida de que se trata de um método mais civilizado do que o de discutir, matando-se uns aos outros e provando ter razão com o suprimir do adversário. Estamos nas primeiras tentativas, e já tomando esta direção, fato novo na História; como prova, sem dúvida, de inteligência. Encontramo-nos perante um processo de aceleração da História. Estes sinais dos tempos nos mostram que vivemos num período onde as mudanças se sucedem com uma velocidade que, no passado, não se concebia. Parece que hoje o fenômeno do transformismo evolutivo se encontra em fase de precipitações, movendo-se a passo acelerado. Assim, o velho conservadorismo se extingue, apesar de em outros tempos ter existido no caos das idéias uma grande função estabilizadora, protetora dos valores conquistados e das posições em que eles se entrincheiravam. Mas, no momento necessário dos deslocamentos do equilíbrio em que a vida é tomada da febre de renovação criadora, aquele conservadorismo não serve mais, porque está freando, opondo obstáculos e, por isso, é posto de lado. Em matéria religiosa, o Concilio não enfrentou, nem resolveu nenhum problema de base. Disse apenas: começamos a raciocinar. Ao fiel foi reconhecido o direito de pensar; agora, ele mais do que acreditar, se pôs a pensar. De agora em diante, vê-se que a inspiração divina, guia infalível, na prática depende sobretudo da aprovação e aceitação da opinião pública. O grande progresso atual está no fato de que doravante se aderirá a uma fé não por obedecer cegamente a uma autoridade, mas porque esta dá prova de estar com a verdade. E, portanto, seguida por convicção e não por constrangimento. Hoje se começa a compreender que o ato de fé das religiões foi, pelo referido espírito de conservadorismo, cristalizado na Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 52 forma de um tradicionalismo consagrado, e que dessa maneira se matava a fé na sua essência, que é crescimento e criatividade, vida e movimento, e não mumificação de antigüidades num museu. Os refratários são constrangidos por esta onda evolutiva a se atualizarem, a fim de não ficarem ultrapassados. Assim, a vida confrangeu a Igreja, que, para se conservar, queria deter, em nome de Deus, a sua ação criadora no mundo. Verificou-se, então, uma inversão de posições: os que haviam sido condenados encontraram-se subitamente na vanguarda, e a autoridade pôs-se a correr para não ficar superada. Este é o caso do personagem de quem aqui contamos a história. Amadurecido por si só, em antecipação ao grande movimento coletivo da onda histórica, havia-o anunciado e explicado nos seus escritos, mas, não podendo nem determiná-lo, nem impô-lo, resolveu construir-se por sua conta, vivendo rapidamente, incompreendido, sozinho, aquela tempestade evolutiva que investirá a humanidade no terceiro milênio. E agora, na velhice, no fim do seu trabalho, ele se consola ao ver que também o mundo se move na mesma direção, iniciando o mesmo processo de transformação que ele terminava. Isto é natural, dado que os vastos movimentos de massa, que são os mais resistentes às mudanças, são também os mais lentos a se determinarem. No fundo, trata-se sempre da mesma onda histórica, que, antes e depois, arrasta todos. O fenômeno evolutivo, nas suas fases de preparação para amadurecer, é o mesmo para todos. Tais afirmações não se baseiam numa filosofia pessoal, mas na demonstração da existência de uma Lei que tudo regula e na exposição do seu conteúdo, com o objetivo de chegarmos a nos comportar mais inteligentemente, evitando erros e, portanto, sofrimentos. O nosso personagem tinha controlado experimentalmente tudo isso durante toda a sua vida, colocando, no mais arrebatado vôo em direção a realizações futuras, o mais positivo sentido da realidade. Ele tinha nascido do lado dos dominadores, e a sua salvação foi não ter cedido á tentação de aceitar esta posição de privilégio. Ao colocar-se contra o inundo, mas do lado da Lei, ele tinha usado a sabedoria do evoluído, aquela que será adotada pelo homem mais inteligente do futuro. Pondo-se a funcionar de acordo com a Lei, ele se viu imerso na correnteza da vida, que o levou para a frente, porque secundava os movimentos em direção aos seus fins. Assim, em vez de desperdiçar as suas energias em obras de destruição e correr atrás de miragens, como se usa no mundo, pôs-se a construir a sua nova casa num plano mais alto, onde a vida é menos dura. Ao trabalho negativo tinha preferido o positivo, realizado em função do amadurecer do momento histórico que ele tinha querido viver plenamente, antecipando-o. Nascido no coração do velho sistema, desafiando-o, recusou o banquete hereditário que o passado lhe oferecia. Em vez de deixar-se seduzir, quis seguir um método diverso de vida: aquele que temos ilustrado nestas páginas e que será o do homem evoluído de amanhã. Quis, em suma, viver com conhecimento e consciência, sem enganar, nem ser enganado. Sentia à volta de si as leis da vida funcionando efetivamente, constituídas por muitas forças vivas e pensantes, com as quais era possível raciocinar, estruturadas ao mesmo tempo por uma inteligência, como por uma vontade própria e potência de ação. Conhecendo-as, ele se entrosou com o funcionamento dessas leis e movendo-se de acordo com elas, era pelas mesmas sustentado. Deste novo método de vida, num plano em que se é consciente da atividade orgânica do universo, ele tinha feito a sua arma de defesa na luta pela sobrevivência. Via que essas forças teciam a trama interior da História, da qual podia sentir o futuro desenvolvimento. Nesta urdidura ele se integrava e vivia com antecipação tais acontecimentos. Assim, a vida tornava-se uma coisa imensa, transportada a outras dimensões, lançada para planos de existência mais altos. Aquilo que poderia parecer loucura incompreensível era, ao contrário, a mais audaciosa aventura da vida: tentar o grande salto para a frente, em direção a mais avançado nível de evolução. * * * Um novo sinal dos tempos aparece enquanto estou escrevendo na primavera de 1967, com a Encíclica Populorum Progressio de Paulo VI. Ela enfrenta os mais escaldantes problemas atuais e foi definida como o documento mais corajoso de nosso século, tanto que nos ambientes imobilizados pareceu imediatamente como revolucionário. E no entanto ele constitui uma série de tentativa ao diálogo para um bom entendimento, colaborando, de comum interesse, conforme princípios de justiça, para resolver mais inteligentemente os problemas, em vez de usar o tradicional sistema de lutas, acabando com o matar-se uns aos outros. A Encíclica é um apelo à responsabilidade implícita na nova liberdade concedida, porque deveria corresponder a uma presumida maturidade de consciência que o homem, atualmente, teria alcançado. A imprensa viu na Encíclica unia concessão econômica notavelmente avançada, "quase marxista", um favorecimento em direção à parte oposta, fato que escandalizou os velhos conservadores Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 55 própria, seguindo assim o mesmo instinto egoísta, condenado nos outros, mas legítimo quando se trata do próprio interesse. É assim que o homem da rua entende a justiça social, e no entanto ela é outra coisa: não significa seguir o atávico impulso à conquista, mas caminhar em direção a uma fase mais evoluída de convivência numa posição social de organicidade, o que traz consigo um estado de vida disciplinada, na medida em que é dever trabalhar com responsabilidade, fazer planejamento familiar, controle de nascimentos. Coisa bem diferente do que a fácil liberdade dos sonhadores do paraíso na Terra! Os fenômenos são conexos: o econômico é ligado ao demográfico. Disso se ressentem sobretudo os pobres cuja primeira riqueza consiste na multiplicação da carne, o que significa das bocas a saciar a fome. O uso que os países subdesenvolvidos são mais prontos a fazer das ajudas recebidas, não é de utilizá-las para trabalhar e produzir, mas para multiplicar ainda mais a sua miséria. O resultado da excessiva proliferação é sempre um abaixamento do nível de vida. Ora, o novo modo de viver deverá ser regulado para todos por um princípio de responsabilidade. Os povos ricos terão o dever de ajudar os povos pobres e estes terão o direito de ser ajudados; mas estes terão o dever de fazer frutificar com o seu trabalho as ajudas recebidas para não se tornarem sempre pesados, e aqueles terão o direito de intervir, para que, na sua inconsciência, os povos pobres não multipliquem ao infinito as bocas para matar a fome. Em um regime de responsabilidade, de direitos e deveres, pelo qual só se pode ter direito quando admitido que se cumpram os próprios deveres, então os irresponsáveis devem ser constrangidos a reentrar na ordem. Assim, quem atenta contra o bem da coletividade será considerado, socialmente, um perigoso. Quando a sociedade não assumia obrigação para com os deserdados, podia ficar livre da sua procriação porque eles estavam abandonados e não recaíam no balanço coletivo. Eis que ao direito do pobre de ser protegido, corresponde o dever do trabalho produtivo e da procriação proporcional aos meios de que dispõe. A justiça social não pode ser feita somente com os próprios direitos e os deveres dos outros. Fala-se tanto de exploração; todavia, para ser imparcial, pode-se afirmar: é explorador o demasiadamente rico desonesto que tudo monopoliza para si, como o pobre desonesto que aproveita da justiça social para ser sustentado por quem trabalha. Até a beneficência, como tudo, hoje tende a tomar uma forma organizada, que enquadra não só o benfeitor, mas também o beneficiado. Ela não é mais um desordenado ato de piedade à mercê de impulsos emotivos, mas uma coordenação de providências calculadas, que presume em todos uma consciência dos próprios direitos e deveres. É exatamente este novo aspecto orgânico da beneficência que impõe sejam preventivamente eliminadas as causas do mal estar econômico com uma sábia conduta, para que ele não aconteça.. Julgou-se resolver o problema econômico com a abolição da propriedade. Mas esta faz parte da natureza humana e da estrutura do ambiente terrestre onde deve atuar. Assim onde se aboliu a propriedade privada, ela ressurgiu como propriedade de estado. Aconteceu a mesma coisa com as ordens religiosas pobres, que resolveram o problema de igual maneira, isto é, conservando a propriedade, é fazendo-a passar do indivíduo à coletividade - Explica-se este impulso abolicionista como reação aos abusos que da propriedade se fizeram no passado. Ela, de fato, era um direito absoluto, até de escravidão sobre as pessoas. Para corrigi-lo, hoje se desejaria fazer o oposto. Mas o homem encontra-se a mil milhas de distância para ser conduzido a um evangélico desprendimento dos bens. Quando na Idade Média se quis praticá-lo nas ordens religiosas, ele se transformou num meio para fazer-se sustentar com as esmolas do trabalho de outrem. Assim a espiritualidade se tornou parasitismo e obstáculo ao trabalho produtivo. Tais renúncias podem interessar ao evoluído, exceção na Terra; e não ao tipo médio normal, adaptado ao mundo e feito para nele permanecer. O desprendimento evangélico perante o trabalho e a produção, base do bem estar, se tornou negativo, como foi nos países comunistas a abolição da propriedade. Nos dois extremos opostos, a mesma tentativa de anti-propriedade produziu os mesmos resultados. A solução não está em nenhum dos dois extremos, isto é, nem na propriedade absoluta, nem na sua abolição. O problema se resolve conservando o direito a ela (dado que para fazer mover o homem é necessário deixar-lhe o fruto do seu trabalho que por instinto sente seu, e sem isso não produz), mas ao mesmo tempo limitando aquele direito, de modo que não possa tornar-se exploração e injustiça social. Em resumo: propriedade corrigida, disciplinada, entendida não só pelo interesse individual mas também pelo coletivo. A solução está no ponto intermediário, no melhor de cada um, em que se possam encontrar, compensando méritos e defeitos, os dois extremos opostos: Capitalismo e Comunismo. Isto é o que, de fato, está acontecendo no mundo; e confirma as observações com as quais iniciamos este tema. Hoje a luta entre ricos e pobres não é mais uma circunscrita luta de classes, mas é luta entre povos. O problema não é mais de ordem interna, mas mundial. Ele não respeita mais à justiça social, mas dele depende a manutenção da paz. Isto porque os povos pobres assaltam os povos ricos. O argumento é persuasivo. Depois de dois mil anos de pregação evangélica se passa da palavra aos fatos. A ajuda aos Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 56 necessitados não é mais uma generosidade do benfeitor, mas está se tornando cada vez mais um direito do beneficiado. Hoje a norma evangélica se tornou executiva, como não o tinha sido até agora, porque encontrou o modo de fazer-se valer, imposto por uma autoridade competente. Desprovido de uma sanção, aquele direito tinha permanecido somente em teoria. Assim, de simples exortação o Evangelho pode tornar-se realização prática, porque os povos pobres estão se organizando contra os ricos, levando o mundo a uma guerra atômica. Dessa forma eles sentiram o coração pleno de amor pelos subdesenvolvidos. Até o problema demográfico examinado acima toma hoje dimensões mundiais, e como tal representa uma outra ameaça. Não se trata mais do indivíduo pobre que pede esmola, mas de massas enormes de povos esfaimados, tendentes a proliferar e que, com a anulação das distâncias, estão vizinhos. O seu aumento quotidiano constitui um perigo crescente. A população mundial hoje é de cerca de três bilhões e meio. Calcula-se que em 1981 superemos os 4 bilhões, os 5 em 1999, os 6 em 2013, os 7 em 2025 e os 8 em 2033. Se hoje se cresce de uns 45 milhões por ano, em 2.033 este aumento será de 100 milhões. Continuando, em 2.050 seremos 10 bilhões de pessoas, assim por diante. Com tão vertiginoso aumento de bocas para matar a fome, a luta entre povos ricos e pobres sempre mais armados de bombas atômicas, torna-se uma ameaça alarmante. É sobre o fundo vertiginoso de tais previsões. que se desenvolve a Encíclica Populorum Progressio. O problema mais escaldante de nosso tempo, no qual se conjugam e culminam os outros, é o problema da manutenção da paz. A tendência e a esperança é chegar à supressão da violência entre as nações. Entre os indivíduos já se chegou a isto por meio da autoridade estatal que pode impor-se porque armada de força, constrangendo os indivíduos a permanecer na ordem. Pelo que observamos a vivência da não violência não foi praticada como uma boa exortação evangélica, mas com a presença de uma sanção penal. O uso da força não se pode disciplinar senão com o uso de uma força maior. Eis então que à paz entre as nações não se poderá chegar senão com o mesmo sistema, isto é, com a formação de um poder central superior a elas, o qual lhes imponha a não violência. Hoje esta nova posição política mundial está em formação em fase de tentativa, pela qual as maiores nações procuram sobrepor-se às menores, o que acabará por construir uma nova ordem mundial. Se isso conseguir formar- se e estabilizar-se, como aconteceu com os indivíduos de algumas nações, teremos uma ordem pública internacional que tornará possível uma estável paz mundial. Serão punidas como criminosas as nações rebeldes à lei comum, livremente aceita e concordada por elas, ou, pelo menos, por uma sua maioria. Hoje estes grandes indivíduos coletivos vivem ainda sem lei, no estado anárquico do selvagem. Antes entre eles, em guerra, o uso da força era considerado um ato de valor. O desabafo dos mais baixos torna-se um gesto heróico. Mas quanto mais o homem se civiliza, tanto mais ele vê que aquela glória, assim conquistada, se baseia em instintos que, durante a paz, são julgados de delinqüência. Temos assim esta contradição pela qual o mesmo ato, como o matar, é delito no interior de unia nação, enquanto é dever e heroísmo, premiado se cumprido contra o povo de uma outra nação. No segundo caso quem não o cumpre é um vil, no primeiro caso quem o executa é um assassino. Esta é a realidade da Terra. Aquela que nos mostra o Evangelho é uma outra realidade bem diversa, feita a ir para o Céu e adaptada a quem está maduro para atingi-lo, mas não para viver na Terra, pelo menos no mundo atual que nada tem de civilizado. Aqui aplicar o Evangelho a sério significa imitar o Cristo: gloriosa ressurreição no Céu, mas crucificação na Terra. E desta Terra que aqui falamos. As religiões fazem aquilo que podem para minorá-la, mas com escassos resultados. Os sistemas políticos e sociais, assim como as religiões devem fazer as contas com o mesmo tipo de homem. As leis do seu nível evolutivo dizem para ele não fazer nada se não lhe trouxer qualquer coisa de útil. São colocadas as miragens da vida para fazê-lo mover. Assim ele pensa sobretudo resolver cada dia o seu problema fundamental, que é o de fazer avançar a sua vida e para isso utiliza tudo, Deus e o diabo, religiões e anti- religiões, cristianismo, democracia, comunismo, os ideais de qualquer tipo para a mesma finalidade. Assim a religião se torna hipocrisia, a liberdade injustiça, a igualdade e a justiça social tornam-se regimes policiados, trabalhos forçados, opressão política, ditadura. Assim em forma de força ou de astúcia, reaparece por toda a parte a lei fundamental da luta pela vida. O poder em qualquer regime é sempre o resultado de uma conquista. A igualdade, perante a insuprimível realidade da vida, fica sempre teórica. O operário em vez de ser explorado por uma patrão o é pelo Estado. Muda a forma, permanece a substância. De novo não existe nada a não ser aquilo que pode conduzir a evolução. Mas esta hoje é apenas progresso tecnológico, não moral, portanto somente exterior, o que deixa o homem como o era anteriormente. Ele é o último e o mais difícil a modificar-se. Hoje, se pedem e se obtêm novas liberdades. Mas deve-se ainda atingir a maturidade necessária Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 57 para saber fazer bom uso delas, sem o que se arrisca que elas se resolvam no abuso e no dano que se lhe segue. O homem quer a liberdade para libertar-se da disciplina. Pelo contrário a liberdade presume e exige uma disciplina maior, livre, mas responsável, autodisciplina interior, mais difícil de possuir do que aquela estabelecida pela obediência, a uma autoridade, em função desta, somente exterior e irresponsável. Pediu-se e se obteve uma liberdade de consciência. Esta cessão de poderes de autodecisão por parte da autoridade do indivíduo, encontrará nele a capacidade de saber assumir o comando de si próprio? A sua posição agora não é tão fácil como ele pode imaginar, porque evadir-se de uma disciplina terrena não significa de fato impunidade quando se cai na desordem. As conseqüências das próprias ações se pagam da mesma forma, mesmo que se suprima qualquer autoridade em pleno regime de liberdade. Antes se paga mais do que quando se estava sob aquela autoridade, não se pode descarregar a própria responsabilidade porque conhecendo-se mais, tem-se o dever de se tornar mais consciente e responsável. A disciplina necessária para manter-se dentro da ordem estabelecida permanece sempre porque esta ordem é inviolável, fixada por leis invisíveis e interiores às coisas, que não admitem escapatórias como as humanas, e automaticamente reagem respondendo à nossa conduta restituindo-nos em bem ou mal o que livremente desejamos. Mesmo que se destruíssem todas as autoridades terrenas, as leis da vida permanecem. A existência é regida por uma ordem, codificada numa lei escrita no íntimo das coisas, funcionando sempre automaticamente, que rege e guia os seus movimentos. A ilusão do homem está no crer que a disciplina esteja nas leis humanas e que, afastadas estas, se possa gozar de uma liberdade ilimitada. E ele não compreende que a disciplina permanece e sabe fazer-se valer. Eis o que significa liberdade: significa dever formar-se uma consciência para saber-se dirigir por si próprio, assumindo-se as próprias responsabilidades em proporção à independência conquistada, tanto mais quanto mais a autoridade retira para trás deixando-nos livres. Assim a vida não se torna mais fácil, mas se torna mais séria, com mais problemas a resolver cada um por si, com o risco de se dever pagar pessoalmente as conseqüências em caso de erro. Ninguém mais fará ao indivíduo o serviço de dirigi-lo e ele não pode descarregar-se senão sobre si próprio. Hoje o homem se encontra só com a sua consciência, no momento crítico da escolha. A liberdade lhe permite mais fácil o caminho da descida, da desordem, mas este caminho leva à ruína e ao sofrimento. Ele deve saber resistir à tentação e escolher o caminho difícil da subida, da ordem, que no entanto é o que conduz à salvação e à alegria. Hoje para o homem começa a vida do adulto, deve portanto começar a fazer à sua custa, as experiências do adulto. Verá então que a liberdade é um poço de perigos e uma jaula de responsabilidades, que a vida do homem livre é mais difícil do que a do menino que deve obedecer. Mas tudo isto é necessário para aprender, e está escrito nas leis da vida que cada um deve evoluir à sua própria custa. VIII INVESTIMENTOS NO BANCO DE DEUS A história que estamos narrando foi vivida em função dos mais diversos problemas individuais e sociais, o que faz com que ela transcenda os limites do fato pessoal, de interesse muito relativo Para compreendê-la é necessário aqui enfrentar e resolver tais problemas Trata-se de um homem que viveu a seu modo, contra a corrente e, por isso, condenado, mas que agora apresenta a justificação racional da sua conduta, explicando quais são os erros na lógica do mundo. Assim, o tema que estamos aqui desenvolvendo, a renúncia aos bens materiais, nos leva a observar, com psico1ogia positiva, um estranho tipo de economia e de leis que lhe regulam o funcionamento, porque este se verifica, não obstante o mundo julgá-lo absurdo, já que representa um emborcamento do seu tipo de economia vigente. Observemos o fato. O fenômeno econômico, segundo o qual se pesam e manejam os valores necessários à vida, reflete a dupla estrutura de nosso mundo em que encontramos presentes duas leis opostas: a do AS radicada no passado e ainda sobrevivente, e a do S em formação, como antecipação do futuro. Esta Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 60 confiaria os capitais. É verdade que isso, dentro dos seus limites, significa ordem, embora relativa, em relação ao que possa vir a ser rompido (por exemplo, o banco pode fechar as portas e não restituir o capital). Sucede ainda que se trata de ordem imposta de fora, de um a outro dos dois termos, forçada, mantida pelos impulsos da parte oposta, não inserida na natureza deste tipo de economia, que, ao contrário, é de rivalidade e luta, ao nível de AS. Além da linha do interesse próprio a cada um dos dois termos, não importa nada do outro, isto é, não interessa ao cliente se o banco vai a falência, e a este se aquele morre de fome. O acordo de ambas as partes existe somente em função do próprio egoísmo e se rompe, logo que este não seja satisfeito. Vemos aqui realizada a economia de tipo AS. No banco de Deus vigora uma economia de modelo S, não separatista. Nela os dois elementos, indivíduo e banco, não fica cada um fechado no seu próprio egoísmo, não se comunicam apenas pela estreita ponte do interesse pessoal. Os dois castelos não são fechados e armados, mas abertos e comunicantes, de modo que entre eles não passa somente a pequena corrente que a abertura apertada e calculada permite, mas todo o fluxo da vida, em qualquer das suas formas, para uma troca contínua e universal de valores. Estes não são somente os econômicos, que permitem a aquisição de bens materiais, mas também valores morais e espirituais, igualmente úteis e necessários para a sobrevivência. Trata-se de uma economia mais vasta e completa, que abarca, além dos valores do banco do mundo, aqueles mais altos que este ignora e que se encontra somente no banco de Deus. Neste a confiança não é limitada e armada, pronta para a luta, como naquele. O cliente se oferece com ilimitada segurança; sem pedir controles e garantias defensivas da honestidade do órgão bancário, e isto de modo absoluto, sabendo que ele está automaticamente certo de que não será defraudado em coisa alguma. Tudo funciona dentro de um regime comum e unitário, em perfeita fusão de vantagens conforme a justiça, em vez de cálculo e luta entre interesses opostos. Os dois termos não são honestos de modo forçado, mas espontâneo, porque eles mesmos são constituídos de uma ordem interior, inserida na sua natureza, e que, portanto, não se pode destruir. Com os métodos do S a justiça não pode ser violada. Não existem antagonismos, mas acordo completo, convergência de finalidades, funcionamento em uníssono, ajuda recíproca e constante. O banco de Deus atua com princípios diversos dos do mundo; ele é amigo do cliente e o ajuda em tudo aquilo de que este tem necessidade. Com previdência total, sustém-no em cada precisão, seja qual for; acompanha-o no desenvolvimento de seu destino, no cumprimento dos seus deveres; conforta-o e ilumina-o moralmente; procura o bem para ele e lhe dá forças para que o busque para si, inclusive aquilo de que precisa para viver. O cliente, por sua vez, é amigo do banco e o segue, enquadrando-se disciplinadamente na sua ordem, confiando-lhe todos os seus valores, cumprindo todo o seu dever, obedecendo ao mesmo regulamento de absoluta honestidade que o estabelecimento observa, tudo num regime de mútua confiança e de inviolável justiça. Cada valor depositado no banco de Deus recebe os seus juros equitativos, e, se ele concede empréstimos, não há possibilidade de usura. O valor de cada boa ação dá o seu fruto, que fica propriedade integral de quem a praticou. Não há rivalidades, nem possibilidade de evasão da justiça; não existe perigo de perda por furto, inflação, desvalorização monetária, crises econômicas, erros de contabilidade, desastres, guerras; não há necessidade de controle administrativo, de coações disciplinares, de desconfianças e defesas. O banco de Deus não engana, não comete erros, nunca entra em falência. O interessado é garantido de modo absoluto. Se os valores que se depositam ali não são feitos de dinheiro, nem por isso eles deixam de ser tais e, portanto, sujeitos às leis econômicas. Eles representam um trabalho, logo um custo de produção. São suscetíveis de propriedade a favor de quem se esforçou para a conquistar; significam uma utilidade para vantagem de quem a possui; podem ser depositados no seio da Justiça da Lei de Deus, na qual se escreve o dar e o haver, a cargo e a favor de quem os depositou. A contabilidade fica toda registrada com exatidão nos equilíbrios da Lei, que tudo regula e dirige. Neste grande livro está assinalada a conta de cada um conforme as suas obras, segundo os reais valores que ele produziu, seja ao positivo S, seja ao negativo AS, calculados de acordo com a justiça divina. Não se trata de fantasia. Um dia a ciência chegará a medir esses valores e a descobrir essas leis. No volume Queda e Salvação, calculamos a reação da Lei para tais valores, em bem ou em mal. Eles são investimentos que o cliente faz no banco de Deus. Esta reação representa o pagamento que ele recebe no guichê do banco, conforme o valor de bens ou ativo depositado a seu crédito, capital; ou de mal, acumulado como passivo, a restituir à justiça divina, como débito próprio. Trata-se de leis positivas como as da Física e da Química, de forças que podem produzir efeitos terríveis: trata-se de moral racional e religião científica que permanecem verdadeiras e funcionam tanto para os ateus, quanto para quem não as conheça ou não acredite nelas. Ignorar ou negar as leis da vida não pode impedir que elas se apliquem aos Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 61 fatos. E evidente que nos encontramos perante dois diferentes tipos de economia, e cada um deles toma forma e funciona no seu próprio banco. Qualquer deles faz parte de um mundo de diferente nível biológico. Eles correspondem a dois diversos planos de evolução. São, portanto, o expoente de dois métodos diversos de vida: o do céu, praticado pelo homem justo; e o do mundo, baseado no egoísmo, na rivalidade, na avidez e no engano. O primeiro é um sistema em equilíbrio, para o qual basta ser honesto, e tudo funciona, automaticamente, em perfeita justiça. O segundo é um sistema de lutas, isto é, de equilíbrios instáveis, mantidos pela força, a qual não pode garantir certeza alguma. No primeiro caso a ordem é alcançada de forma estável, bastando integrar-se nela pelo cumprimento do próprio dever, para que tudo funcione bem por si mesmo. Foi assim que o Evangelho pôde dizer: "Procura acima de tudo o reino de Deus e a sua justiça, e todo o resto te será dado por acréscimo" (Mateus VI, 53). No segundo caso, a ordem está ainda por alcançar, porque, no caos, não existe outra garantia senão a própria força com a qual cada indivíduo se pode impor a todos. No primeiro caso, ele vive num mundo de elementos amigos, e, reciprocamente, cooperam todos, pelo que basta unificarem-se para ter garantida a sobrevivência, que é sempre o problema fundamental. No segundo, o indivíduo está num mundo de elementos inimigos com quem deve fazer as contas a cada passo, se quiser sobreviver. No primeiro exemplo, é função da Lei dar o que esperamos, pelo que não é necessário pedir e exigir. No segundo, ficamos abandonados às nossas forças e nada podemos obter senão nos impondo, fazendo valer os nossos próprias direitos. Usar um ou outro método, servir-nos de um ou de outro banco depende do nível evolutivo em que vive e labuta o indivíduo Em nosso mundo cada um pratica o sistema que mais se adapta à sua natureza e recebe o correspondente tratamento. O fato é individual. Cada um põe em movimento o mecanismo que deseja e recolhe por sua conta aquilo que semeia. Assim, o banco de Deus pode funcionar também, na Terra, para vantagem do indivíduo, se este se achar em grau de saber comportar-se conforme aquele tipo de economia. Se ele trabalhar segundo o tipo oposto, também o banco funcionará ao contrário, com todas as conseqüências desfavoráveis. No fundo, esta idéia de banco significa a presença da Lei, a sua contabilidade quer dizer a técnica das suas reações, como acima dizíamos, e constitui fenômeno amplamente ilustrado por nós, noutros lugares. Quem tem consciência e conhecimento sabe como funciona o banco de Deus e nele faz honestamente as suas operações para sua vantagem. Muitos, ao contrário, ignorando tudo isso, aplicam o método terrestre, próprio do involuído, segundo o qual o valor consiste em sobrepujar o próximo, e não prejudicar somente os seus semelhantes, porque, ao cometerem injustiças, estão defraudando a própria Lei, sem compreenderem que com isso não alcançam vitória alguma, mas se endividam para depois terem de pagar a Deus. Isso porque Ele é a própria Lei, a Quem ninguém se pode impor. Destarte, eles apenas se carregam de dívidas perante a divina justiça que depois exigirá que lhe seja restituído o que lhe é devido, porque dos seus equilíbrios lhe foi usurpado. Em suma, o emprego dos métodos do AS é totalmente vão no terreno do S, alcança até mesmo o efeito oposto ao desejado, isto é, em vez de se obter uma vantagem, recebe-se apenas um dano, o que não leva à vitória, mas à ruína. A astúcia se revela ignorância, a força, fraqueza, roubar significa endividar-se, enriquecer e empobrecer, a vitória não é mais do que uma derrota, a utilidade não ganha significa uma perda, porque, perante a justiça, é um vazio que depois se faz necessário preencher. É perigoso procurar lesar a justiça de Deus, gozando aquilo que não é merecido. No princípio ou no fim, tudo se paga, como deseja o banco de Deus. A sua inviolável contabilidade funciona para todos, a favor dos justos e em prejuízo dos desonestos. Quanto mais uma ação é pura, dirigida para o S, tanto mais acaba por trazer vantagem no sentido do bem; e, quanto mais é corrompida, rumo ao AS, tanto mais acarretará prejuízo no sentido do mal. Esta é a técnica com que se manifesta a Divina Providência. Ela funciona não só ao positivo, em favor de quem opera o bem e, portanto, deve receber ajuda, mas também ao negativo, contra quem pratica o mal e, pois, merece castigo. Isto não é devido a um Deus pessoal que esteja a ocupar-se de cada um, mas a uma lei onipresente, inserida na vida, que provê automaticamente que tudo aconteça de modo que, antes de mais nada, sempre se faça justiça. Um exemplo terreno de depósito de valores calculados, não em dinheiro, mas como mérito e demérito, encontramo-lo no caso do aluno e do mestre. Se o primeiro estuda e aprende, o segundo é obrigado a premiá-lo com boas classificações e a promovê-lo. Neste caso o aluno deposita os seus valores intelectuais nas mãos do seu juiz, que é o banco que contém a sua contabilidade, onde eles estão depositados com segurança e podem ser retirados no fim do ano, como o homem justo pode depositar e encontrar os seus valores morais no banco de Deus. Mas o banco do céu não é apenas contabilmente exato e justo. Ele também pode antecipar Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 62 empréstimos, como pode esperar, dilatando o pagamento, conforme as forças do indivíduo Possui uma misericordiosa elasticidade na cobrança, como uma inteligente bondade no emprestar. A sua finalidade é sempre benéfica e construtiva, sempre a favor da vida e da sua ascensão. A base de todos os direitos perante o banco de Deus é ser honesto trabalhador. O fundamento de todos os direitos diante do banco do mundo é ser economicamente forte, comercialmente hábil, astuto na pratica. Eis que o problema da vitória sobre a qual se baseia a sobrevivência se pode resolver de duas maneiras diversas: ou com a retidão, ou com uma guerra de competição contra todos. É fácil averiguar quais são os produtos do segundo método, porque em nosso mundo ele é normalmente praticado e podemos constatar a que resultados conduz. Agora podemos compreender em que consistia a força do método usado pelo nosso personagem, de quem narramos as vicissitudes. Se ele sobreviveu, isto foi devido à Divina Providência, que funcionou em seu favor por ele haver investido os seus valores no banco de Deus. Foi assim que ele venceu a batalha da sobrevivência, na qual todos estão empenhados a fundo, que representou o maior objetivo a ser alcançado na vida. A Providência funcionou, porque, como se vê nesta história, ele havia colocado as necessárias causas para a fazer funcionar. Sabemos que elas são a retidão, o espírito de sacrifício, o contínuo trabalho para o bem e por um ideal superior. Bastou esta força imponderável para salvar um indivíduo, humanamente desarmado pelo Evangelho, no meio de uma batalha de avidez desenfreada e de egoísmos ferozes. E pode-se considerar a sobrevivência como uma grande vitória da vida, à qual muitas vezes nem os mais fortes lutadores conseguem chegar. Eis, portanto, um fato experimentalmente controlado que vai contra os hábitos da natureza no plano biológico humano, onde, por enquanto, ele se encontrava vivendo, e que consistem em liquidar rapidamente quem não aceita a luta e não sabe vencer. Como poderia ele triunfar com a renúncia e a não-resistência, isto é, sem as armas necessárias e com meios tão antivitais? Então, o método do Evangelho possui uma potência que, mesmo que o mundo não o veja, conduz à vitória, e isto até no plano humano, onde tal método é abertamente repudiado pela vida como um absurdo que leva à morte. Como é que, neste caso, se salvou? Existe, certamente, outra potência mais no alto, mais sutil, porém nem por isso menos forte, capaz de vencer também onde vigora a brutal força do mundo. Aqui nos encontramos perante o fato consumado de uma inversão dos métodos terrenos e do êxito feliz deste emborcamento. Vemos, em suma, o ideal triunfar na Terra, isto é, o S em pleno campo do AS. Além disso, esse homem teve uma esplêndida oportunidade para gozar a vida, e não a aproveitou; assim, derrotado perante o mundo, não deixou de vencer a batalha da sobrevivência. Isto prova que, lá do fundo do Anti-Sistema, o Sistema faz pressão para subir. Do baixo nível evolutivo da luta, da força e da injustiça, querem emergir a honestidade, a bondade e a justiça, com o propósito de se afirmarem, porque este é o conteúdo da Lei de Deus, que quer triunfar sobre todas as potências contrárias. Eis o segredo da força do cordeiro, contra os lobos devoradores. E assim que o fraco, porque é forte num plano mais alto, consegue vencer os poderosos da Terra. A arma que o defende é a sua superioridade moral, o fato de pertencer a um nível biológico mais elevado, próximo do S. Pode-se, então, verificar que o bem, a retidão, os valores espirituais também são forças que constituem um potencial biológico, porquanto são de tipo positivo e porque a vida está ao lado do S, enquanto da parte do AS está a morte. É deste modo que os métodos do Evangelho podem vencer os da Terra e que Cristo pôde afirmar ter vencido o mundo. Porque a Lei de Deus é senhora de tudo, pode-se garantir que no fim o bem triunfa sobre o mal, o S sobre o AS. Quem a segue acaba por personificá-la. Então, os princípios e as forças da Lei tendem a funcionar e a agir sobre ele, tomando corpo na Terra para se realizarem. Não obstante todos os assaltos das forças do mal, a vitória final da vida está na superação e no êxito do espírito. Este tipo de filosofia evangélica exposta neste volume poderá ser considerado próprio só para os débeis e para os vencidos. como consolação às suas renúncias e fatigantes virtudes, podendo ser olhado com desprezo pelos astutos e pelos fortes, vencedores no mundo. Esta filosofia de bondade poderá ser qualificada, juntamente com as religiões, como o ópio dos povos para os adormecer na tranqüila aceitação da sua escravatura perante os ricos e os poderosos. Das superiores vitórias aqui explicadas o involuído não sabe o que fazer. Então, que permaneça feliz à sua maneira, no seu próprio plano. Mas não pense que desse modo ele sai sempre vencedor. Neste caso, esta é a única filosofia que lhe pode abrigar as ruínas, procurando curá-lo novamente. A vida não é feita só de vencedores., como sonhava Nietzche, com o seu super-homem. A maioria é feita de débeis e de vencidos, não de gozadores, mas de sofredores, necessitados de uma filosofia saneadora de ruínas que alivie dores e salve doentes. A vida tem necessidade não só de vencer no presente, mas também de preparar o futuro, não só de afirmar-se em baixo, porem ainda de subir mais alto. Se luta para se conservar, isto não é para outra coisa senão avançar e, na subida, encontrar a salvação. Esta história que estamos contando poderá ser de péssimo exemplo na Terra, onde se buscam coisas bem diferentes. Mas esta é a narrativa de um homem que sofreu de olhos Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 65 racionalmente as particularidades de que é feita a realidade. A mulher pensa intuitivamente, por síntese, da qual conhece os totais, mas não os termos componentes. O macho é positivo e aderente aos fatos. A fêmea é idealista e sonha fora da realidade. Temos, assim, dois tipos de pensamento: para o macho, retilíneo; para a fêmea, curvilíneo; correspondendo aos dois centros do ser humano: mente e coração. O macho comanda e faz a lei que expressa a sua vontade. Ele faz a justiça com as suas mãos, tudo em função do seu eu. A fêmea coloca-se em posição subordinada e vive na dependência de outro eu; obedece, suporta, recebe a lei e a justiça das mãos de Deus. O macho conquista com a força, faz-se valer com a guerra, afirma-se destruindo ele próprio o inimigo. A fêmea conquista com o amor, faz-se valer com a paciência, afirma-se ao negativo, esperando, adiando a sua reação que confia nas mãos de Deus, para que Ele castigue o inimigo com a sua potência e justiça. O macho usa as suas armas para vencer; a fêmea, não sabendo lutar por si própria, utiliza a religião para refugiar-se nos braços de Deus. As concepções humanas são todas influenciadas por este princípio da luta pela sobrevivência. O grande problema a resolver é sempre o da defesa, mesmo que o macho o resolva com as suas próprias forças e a fêmea procure as dos outros. O macho ataca e é atacado. A fêmea protege e procura proteção. Ela espera da potência de Deus o milagre que, fora das leis da vida, a salve; quanto maior a violação da ordem natural, mais forte é aquela proteção; porque isso lhe prova que Deus, em quem ela se apoia, é potente e está habilitado a defendê-la. O macho, com a virtude da sua força, procura ele próprio a sua defesa. Toda a ética do macho difere da fêmea, diferente o conceito de justo e injusto. Assim, compete ao tipo feminino introduzir no cálculo econômico o estranho sentimento de bondade, presente na esmola, como na idéia de uma providência, fatores de per si improdutivos. Para o tipo feminino viver de esmola é honesto, porque esta é fruto da caridade de outrem, isto é, de um ato de amor e de bondade. Para o tipo macho a mesma coisa significa ser mantido pela própria inaptidão e preguiça, o que merece desprezo. Pois, na mente do macho, não há lugar para tal economia, tão imprevidente, elástica, funcionando à mercê de gestos de bons corações, enquanto a vida é feita de necessidades intransponíveis, de exigências precisas e concretas que não admitem esperas e incertezas que perturbam a exatidão do cálculo econômico. Entrelaça-se o trabalho produtivo com elementos contraproducentes, o que para o macho é danosa dispersão de forças e não virtude. Mas o é para a fêmea, que com isso procura afirmar-se mesmo no campo do macho. As virtudes dela são defeitos para ele, e ao contrário. O macho deve produzir mais do que amar, enquanto a fêmea quer mais amar do que produzir. O próprio trabalho, ela o entende mais como um ato de amor, dedicação e oferta do que como um ato de avidez, de posse e domínio. O mesmo mundo pode ser diferente, dependendo dos olhos com que é visto. A máquina da produção é o macho. Portanto, é absurdo para ele introduzir-lhe motivos de tipo fêmea. Não se concebe uma indústria baseada na Divina Providência. Não estamos afirmando aqui que ela não exista, nem funcione. Dizemos somente a que tipo biológico corresponde e como ela atua ou não, segundo a forma mental desse tipo. Nesse sentido devemos entender o capítulo precedente: "Investimentos no Banco de Deus". O macho faz as contas do que o seu trabalho rende; a fêmea, pelo contrário, confia em Deus para que as contas sejam feitas por Ele e as providencie. Cristo, com o seu conselho de confiar em Deus, rejeitando o dinheiro, deixado a Judas em forma de culpa, repudiando aquilo que é o tesouro do macho, com a sua condenação contra os ricos, demonstra que segue o aspecto feminino da vida, no qual prevalece o sentimento do coração sobre o previdente cálculo de quem conhece as reais dificuldades do mundo. Cristo condena Marta, que acudia à sua casa e fazia o trabalho, e louva Maria, que, ao contrário, estava seduzida a ouvi-Lo. Mas a realidade dá razão a Marta, porque era ela que provia o necessário para Maria e para Cristo, que, embora fossem sublimes em pensamentos, abstraíam-se em belos sonhos, aproveitando-se das fadigas dos outros para as suas alegrias espirituais. Que fosse, pois, necessário o cérebro calculador do macho para completar a correção da fêmea, prova-o o fato seguinte: para que o ideal de Cristo sobrevivesse na Terra, foi preciso confiar-se nas mãos da Igreja, que, sendo feita de machos, aplicou-lhe injeções de qualidades do termo oposto, seja intelectualmente como raciocínio, seja materialmente como organização hierárquica disciplinada, fazendo leis, possuindo bens, sendo até mesma guerreira, servindo-se da política, autoritária etc. Mesmo que isso fosse emborcamento do espírito do Evangelho, foi inevitável que ocorresse. Só assim a idéia de Cristo poderia chegar até nós. A mesma questão pode assumir aspectos diferentes, segundo a visão com os olhos de tipo macho, ou com os de modelo fêmea. Nesta última parte da Obra, procuramos colocar em evidência, além da visão tipo Cristo, sustentada até agora, aquela concepção oposta, própria do mundo, procurando superar o antagonismo segundo o qual ele a concebeu, para reduzi-la antes à unidade, de modo que não sejam inimigos que se excluem e se combatem, mas dois aspectos que, apesar de contrá- rios, não são contraditórios, já que se contrapõem apenas por serem complementares, isto é, destinados a Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 66 se completarem reciprocamente como duas metades de um mesmo circuito. Um campeão humano do modelo macho podemos vê-lo no super-homem de Nietzsche, ideal vivido por Hitler. Agora podemos ver as conseqüências de tais atitudes. Ele matou tanto que acabou por suicidar-se. Um campeão de tipo oposto não podemos encontrá-lo senão importado do céu, ou de planos evolutivos mais avançados. Assim, ao Cristo se pode opor Hitler como Anticristo. Aconteceu também que Cristo, confiando no Pai, que o deixou morrer, fez-se matar inocente, criando, então, uma multidão de pecadores responsáveis por isso, ou, mais diretamente, um povo de deicidas. Nos dois casos, temos igualmente uma reação, mas de tipo contrário. No primeiro, uma reação imediata na Terra. No segundo, ela é remetida para o Além. O primeiro tipo morre depois de ter feito um morticínio neste mundo. O segundo também morre, mas enche o inferno de pecadores. Em ambos os casos, tudo se paga, mas muda o tempo e a forma. No exemplo inicial, temos o morticínio de inocentes, depois a punição do culpado. Os dois termos opostos tendem igualmente a completar-se, conjugando-se no mesmo circuito. Isto é o que sucede num primeiro tempo. Observemos agora o que ocorre depois. Ao macho vencido não resta outra coisa senão meditar na vingança e preparar nova guerra. Mas, para compreender o comportamento das religiões, é mais útil observar o sutil processo de tipo feminino. Quando o princípio masculino se esgota e, com isso, se cansa, dessa situação se aproveita o modelo feminino para tomar o predomínio e, por sua vez, esgotar-se realizando a sua desforra, já que aproveitou o enfraquecimento do outro. Isto porque o circuito não é só compensação e complementarão entre contrários, mas também luta para se esmagarem reciprocamente O tipo feminino tenta a sua vingança, compensando-se com a compressão sofrida por parte do princípio oposto. Para aqueles que, pela sua natureza, posição e interesse, se encontram da parte do inocente morto e, por isso, à volta dele se reagrupam, fazendo causa comum, este se torna um mártir. Os antigos romanos, como machos, simplesmente matavam os cristãos. Destes, o grupo que formava a Igreja fez mártires e santos, com eles enchendo o paraíso, e dos romanos pagãos fez assassinos, com eles povoando o inferno. Tudo é deslocado para o Além, não em função da própria forca, mas de Deus. O macho é realizador, não renuncia, resolve rápido, não adia. No caso dos mártires o que funciona é o método feminino. Quem o segue primeiramente ama e perdoa e se faz matar como Cristo. Depois, como a Igreja que o acompanha, manda para o inferno os pecadores; das vítimas faz mártires e envia-os para o paraíso. Quem adota o princípio masculino. ao contrário, não ama, nem perdoa, não se deixa matar como vítima, não vai para o paraíso, nem manda ninguém para o inferno, porque se arrisca a matar o inimigo, tendo em vista que as contas são imediatamente saldadas sem deixar nada para o futuro ou apelos à divina justiça. Isto que se encontra por detrás da cena é o que nos mostra a psicanálise das religiões. Nestas opostas manifestações cada um dos dois tipos revela a si próprio e depois se glorifica, exaltando as suas qualidades: o macho a sua virtude, que é a força; a fêmea, o sacrifício. Mas, em ambos os casos, ninguém renuncia à reação defensiva, base da proteção para a sobrevivência. Apenas cada um a realiza, em forma diversa, a única que sabe usar segundo a sua natureza. Cada um dos dois sabe vencer com o seu próprio método, com o qual se sente forte e hábil, enquanto se acha débil e inepto em face do processo oposto. Isto sucede porque o ser humano é filho da sua história, durante a qual se construiu com as qualidades agora instintivas que lhe foram necessárias para sobreviver. Quem não as adquiriu foi liquidado. O macho, para a caça ao alimento, como para a defesa contra os inimigos, tinha necessidade da força e viu-se obrigado a desenvolvê-la. A fêmea, para a reprodução e para a criação dos filhos, precisava do amor sexual e materno, de dedicação, de sacrifício e, por isso, teve de desenvolver essas qualidades. Cada uni tem a sua tarefa, com divisão de trabalho para o fim comum: a sobrevivência do indivíduo e da raça. Foi em função da necessidade dessa sobrevivência que o homem teve de se plasmar. Foi assim que tivemos até hoje dois tipos de atividade: o macho na guerra, ou no trabalho, e a mulher em casa a criar a família. Com a civilização, o guerreiro ou o caçador se transformaram em executores de atividade de interesse social, pelo que receberam a sua compensação econômica em um sistema organizado de divisão de trabalho. Assim, à conquista guerreira se substituiu esse seu equivalente mais adiantado O fato de que com o civilizar-se o valor vem a consistir não mais na força física, mas na inteligência e atividade mental, transforma as condições de vida e as qualidades necessárias para a sobrevivência Mesmo que isso tivesse permitido a mulher invadir o terreno do homem, masculinizando-se e acrescentando novas qualidades às antigas, permanecem, todavia, os dois tipos fundamentais. De um lado, o amor; do outro, o dinheiro. O primeiro, virtude da fêmea. O segundo, qualidade do macho. Destarte, a humanidade se divide em duas partes complementares. Cada uma, independentemente do seu sexo, pertence a um ou a outro tipo de personalidade, possuindo as respectivas qualidades. Por amor se entende espírito de sacrifício, bondade, Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 67 sentimento, paciência, religiosidade, altruísmo, desinteresse, intuição etc. A fêmea faz a sua guerra com esses valores e a vence. Por dinheiro se compreende espírito de iniciativa, realização, atividade, produtividade, apego aos bens, instinto de posse e de domínio, agressividade, egoísmo, irreligiosidade, raciocínio etc. O macho enfrenta a vida com esses atributos e triunfa. Ele calcula e exige de direito o pagamento do seu trabalho A fêmea em recompensa da sua tarefa se faz manter por amor; com este ela se paga, e nisto consistem a sua lógica e o seu direito. Assim, ela aprecia a esmola gratuita, baseada não sobre o cálculo, mas sobre o sentimento. A mulher transforma o dinheiro em amor, enquanto o homem converte este naquele. Cada um dos dois termos paga ao outro correspondente ao que tem para receber, isto é, o homem dá à mulher os meios para viver que ela não tem, enquanto esta oferece àquele o sentimento que ele não possui. Este jogo de opostos investe todas as formas de vida. De um lado, o macho trabalha à sua maneira, do outro, a fêmea. O primeiro, com a sua razão prática, domina a Terra; a fêmea, com a sua intuição, abre-lhe as portas do Céu. O macho, forte no mundo, castiga. A fêmea, débil, perdoa evangelicamente. Mas, idealmente mais forte, esta castiga no Além, onde o macho, positivo, se perde no mistério. Ele pensa através da ação. O seu pensamento é concreto, materializado em fatos. Assim, ele avança. Se está em erro, conquista a justiça matando o adversário; se tem razão, é porque sabe destruir o obstáculo. Compreende que errou quando perde a batalha. Se vence, isto lhe prova que pensou certo. Ele não tem recompensas ou desforras além desta realidade, nem as espera. As contas se fazem imediata e realisticamente: ou se torna um vencedor, o que significa vida; ou se torna um derrotado, o que significa morte. A fêmea, porque é débil, não pode arriscar-se na ação; deve, portanto, prever com antecedência, porque se errar não tem defesa. O seu pensamento é astuto, prudente, intuitivo. E prudente porque sabe que não pode impor a sua justiça, mas deverá esperá-la do beneplácito do macho. Este tem a força. Ela não tem senão a astúcia. Se o macho erra, fracassa tudo, até ele próprio A fêmea sempre se conserva e, se erra, com paciência procura juntar os fracassos e reconstruir tudo novamente. O macho põe o terreno em desordem, a fêmea o cultiva. Nas guerras o macho, vencedor, invade conquistando e destruindo. A fêmea, os vencidos, recebe o vencedor, acolhendo-o entre os seus braços e reproduzindo a sua raça forte. Realmente, o mundo é dividido entre estes dois tipos opostos, cada um com a sua forma mental e diversa função biológica. Temos Aristóteles e Platão, Santo Tomás e Santo Agostinho, Santo Inácio e São Francisco, ciência e fé, técnica e arte, obras destrutivas de guerra e obras construtivas de paz, como também Comunismo e Cristianismo. Chega-se assim, as grandes dimensões, que, segundo esses princípios, abraçam povos e civilizações, também com funções masculinas e femininas e divisões de trabalho construtivo ou defensivo da vida. Trata-se sempre de aspectos unilaterais necessitando de se unirem com a parte oposta, com a outra metade, sem a qual não se pode formar uma unidade. Nós mesmos, na presente Obra, da qual este volume faz parte, para que ela fosse completa, tivemos que utilizar ambas as formas mentais: a intuitiva, fideística, idealista, a princípio; e a racional, crítica, realista, agora. no fim. Estas qualidades correspondem a dois tipos de personalidade, com atitudes próprias que os tornam aptos a atividades diversas para cumprirem funções sociais, seja de tipo masculino, seja feminino, ambas necessárias numa coletividade organizada onde vigora o princípio da divisão do trabalho por complementaridade de especializados. Independentemente do sexo físico, há personalidade de tipo masculino ou feminino, a cada uma das quais se destina o seu respectivo tipo de trabalho. Ora, o segredo do rendimento deste está em saber pôr o indivíduo no lugar que mais corresponde à sua natureza. Eis que o problema psicológico se torna questão econômica de suma importância. Colocar um indivíduo fora da sua justa posição conduz a um rendimento mínimo, a uma dispersão de energias, o que significa uma perda para a coletividade. É necessário compreender quem é o sujeito que trabalha e secundar-lhe as tendências, evitando situá-lo em condições de desajuste, em posição irracional, lutando consigo mesmo e em atrito com o ambiente. Se a luta é necessária à evolução, é, no entanto, verdadeiro que ela representa um consumo de forças que é interesse coletivo não desperdiçá-las. Assim, a cada profissão e atividade social deveria corresponder o tipo a ela adaptado. Verificou-se, por exemplo, que grande parte das vocações eclesiásticas desaparece, se analisada à luz da psicanálise. Existem os simples, sem vocações destacadas, a princípio capazes de fazer qualquer coisa, mas há os que se distinguem por qualidades especiais e são os mais preciosos. A sapiência das novas gerações consistirá em saber utilizar ao máximo, em cada campo, a virtude produtiva do indivíduo. Quem se ocupava, porventura, antigamente dos problemas da personalidade? Havia um sem- número de deslocados e de aventureiros do trabalho. sendo que preciosos recursos permaneciam estáveis em um ambiente hostil. Quanto dano com o método da luta, que é sufocar em vez de desenvolver, e Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 70 torna mais justo, reconhecendo não só para os ricos, mas para todos o direito à vida. A atual dificuldade da compreensão recíproca reside no fato de que as duas idéias estão incorporadas nos grupos de interesses opostos, que prevalecem sobre aqueles princípios Em geral, em nosso mundo, não é o grupo que serve à idéia, mas esta ao grupo; em função do qual, os princípios são utilizados, como meio de luta pela vida. Em teoria, o Comunismo é justiça social, mas, na prática, é violência e sem esta, no atual grau de evolução, não se faz nada. Teoricamente, o Cristianismo é justiça social, mas, na prática, é hipocrisia e sem esta, no presente estágio evolutivo, o Evangelho não poderia existir. No plano humano, sem uma arma para lutar não se sobrevive. Assim, o Comunismo e Cristianismo têm cada um a sua, o primeiro a do macho, a força; o segundo a da fêmea, a dissimulação. Isto porque, em uma humanidade ainda de tipo involuído como é a nossa, o ideal (S) não pode aparecer senão em forma emborcada no AS. A solução só pode ser dada pela evolução. As suas ideologias são afins no plano teórico; deveriam, portanto, facilmente entender-se; mas, no campo prático, elas são inimigas, porque este não é terreno de princípios, mas, como foi dito, de interesses, e os princípios são ostentados somente em função destes. Trata-se de vantagens concretas, imediatas, as que o involuído melhor compreende, enquanto os ideais lhe passam quase completamente despercebidos. Dada a natureza humana, na Terra não pode acontecer outra coisa. Somente por evolução é possível transformar a forma mental e as coisas poderão mudar. Vê-se claramente o que sucede quando um ideal desce à Terra em forma de religião. O evoluído o aceita para ascender, mas a maioria involuída se sente agredida por sua intervenção para impor-se com sua presença e atuação, modificando a seu modo e fazendo-a evoluir. Isto a levaria para melhor. Contudo, interessa-lhe mais a vantagem imediata que, na sua miopia, melhor percebe. Então, dada a sua natureza, filha de um ambiente de luta, entende a ação salvadora do ideal como um assalto para subordiná-la a uma vontade inimiga, porque assim se costuma fazer no mundo. Seguindo os seus naturais impulsos de autodefesa, rebela-se contra o ideal. Nisto cada um se expressa conforme o seu tipo. O método do macho é aberta revolta, sendo que ele se faz audazmente ateu — Comunismo. O método da fêmea, pelo contrário, é o engano. um consentimento obediente de hipocrisia — Cristianismo. Recusa frontal no primeiro caso, adaptação torcida no segundo. Cada um, conforme a sua natureza, trava a luta a seu modo, com os meios que possui, um com a força, o outro com a astúcia. Estes são os dois tipos de resist6encia que o ideal pode encontrar no ambiente humano, dadas as qualidades que aqui se verificam. Compreensão para o ideal não poderá existir senão da parte do evoluído, capaz de entendê-lo e, por causa do seu amadurecimento, apto a realizá-lo. O involuído não pode responder com compreensão, porque eles só tem resistência para oferecer. A evolução leva do sistema divisionista, feito de luta em regime de caos, ao sistema unitário colaboracionista, composto de ordem. É como avizinhar-se dessa fase mais avançada que pode realizar-se a compensação e a coordenação entre qualidades diversas para chegar ao estado orgânico. Assim, o Comunismo poderá ensinar ao Cristianismo a aplicação da justiça social, e este ensinar àquele que a vida não tem somente metas próximas a alcançar de bem-estar econômico, mas também objetivos longínquos de caráter espiritual. Mas, para que estas trocas de recíprocos ensinamentos possam verificar-se, para que as partes contrárias possam avizinhar-se, é necessário um sentido humanitário de compreensão, certo espírito de amor, que hoje falta ao inundo, sem o que não se cimenta a união, base do estado orgânico. Ora, a esse nível de entendimento e amor não se pode deixar de chegar, porque são produtos da evolução, que tende à unificação. Ir-se-á, então, do antagonismo, ao colaboracionismo, dando cada um a sua contribuição. O comunismo, no terreno econômico, contribui com o trabalho e a justiça social; o Cristianismo, no campo espiritual, com a boa ética para tornar o homem um ser trabalhador e honesto, ao mesmo tempo. Estamos, hoje, ainda na fase caótica e primitiva de formação, na qual as forças elementares explodem desordenadamente à procura do caminho que as canalizará em direção a uma sistematização orgânica. Existe luta, porque nos encontramos em estado de involução. Mas, justamente porque a lei é evoluir, essa luta deve ser superada, a fim de desembocar numa situação de ordem. Hoje o Comunismo é ateu, mas isto acontece no atual nível biológico. Ele é inimigo da religião, enquanto esta e Deus estão incorporados numa casta. Com o pretexto bem terreno de dominar, esta se faz, fora do seu setor espiritual, rival do Comunismo no seu campo material. Ocorre que o Cristianismo somente é seu inimigo enquanto formar um grupo contra ele, defendendo os seus interesses terrenos. O conflito nada tem de ideal. O Comunismo não luta contra Deus, mas contra o clero, que, a pretexto de ser Seu ministro, quer dominar com as coisas do mundo. Ora quando, por evolução, os problemas religiosos passarem das mãos do clero às da ciência, quando a religião for problema enfrentado e resolvido positivamente e de Deus se tiver um conceito que poderá ser aceito por todo aquele que saiba raciocinar, então o Comunismo não poderá Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 71 recusar-se a admitir o que está na lógica dos fatos. Será necessário um Deus e uma religião de formas diversas. Não haverá razão para que o Comunismo, como qualquer outro regime, não aceite quem, em conseqüência de tais convicções, for honesto, e portanto mais facilmente enquadrável na ordem social. Voltemos ao presente. Do que ficou exposto podemos deduzir várias conclusões. O Comunismo hoje nos mostra que o Cristianismo pode ser encarado também no seu aspecto masculino, em forma de realização, em vez da maneira feminina de expectativa. Isto prova que o Evangelho faz parte da vida e tem uma função a cumprir, mesmo para os ateus Colocados de parte os abusos dos seus representantes, ele significa um valor biológico universal. S, portanto, de importância vital para todos. Purificado através do Comunismo, o Cristianismo poderá sobreviver como elevada norma de conduta no seio da futura civilização do terceiro milênio. Em resumo, a fêmea como tal, dada a sua natureza e função protetora, terá conservado em forma de Igreja a idéia de Cristo por dois mil anos, porque, chegada a hora de amadurecimento dos tempos com a humanidade às portas de uma nova era, o macho se apossa daquela idéia para traduzi-la finalmente em atos e fazê-la produzir o seu fruto. Assim se compreende a função biológica da Igreja e da religião. Podemos atingir ainda a uma outra conseqüência. A verdadeira posição da Igreja, na sua luta contra o Comunismo, não é resistir ao macho com golpes de autoridade, com ameaças e condenações, prova de uma força que ela não possui, porque a imposição forçada é adaptada à matéria e não ao espírito, enquanto a utilizada no campo espiritual foi desacreditada pelo longo abuso, perdendo, portanto, o seu poder persuasivo. A correta situação é, pelo contrário, a de quem abre os braços ao macho para compreender e colaborar; é a de cumprir a sua própria função que é de fêmea, pacificadora, e que consiste em meter-se entre os machos guerreiros para que não se matem e, assim, salvar a humanidade de uma guerra de extermínio. Para a Igreja este é o momento próprio de fazer valer as qualidades que possui como religião, isto é, as suas virtudes moderadoras, complementares das do macho. É certo que a expressão deste é a violência e o comando. Mas, se esta e a sua natureza e com isso ela representa uma força de vida e uma função a cumprir, não se pode remediar este seu defeito, comprimindo-a para eliminá-la, mas corrigindo-a com a função que lhe seja complementar. Isto, verdadeiramente, é aquilo que hoje, por instinto, se procura fazer, substituindo, com uma nova atitude de bondade, o método precedente autoritário e repulsor, feito de excomunhões e vinganças espirituais Explica-se, pois, o novo estilo do diálogo, com o qual se abrem as portas e se tenta a aproximação. No terreno da força, a Igreja não pode lutar, porque esse campo não é o seu. E se, por ser composta de machos cair na fácil tentação de ali penetrar, ela utilizará meios e métodos de outros, o que a fará entrar em contradição consigo própria. O mesmo sucede no terreno do pensamento. A fé tem a função de penetrar por intuição no mistério, mas não pode opor-se ao controle racional da ciência, da qual tem necessidade para adquirir a solidez positiva que lhe falta. Por seu lado, a ciência tem necessidade da fé e da intuição para alcançar as altas zonas misteriosas que escapam ao raciocínio frio e aos métodos experimentais. Assim, fé e ciência são feitas para colaborar. São matérias complementares. Malgrado cumprirem funções diversas, são constituídas para se integrarem reciprocamente, dado que são insuficientes cada uma de per si. Para as necessidades da inteligência, para a técnica produtora de utilidades práticas, existe o raciocínio da mente, mas para as do sentimento, para a formação de uma consciência moral, necessária para o comportamento social, existe o calor do coração. A dureza e rigidez masculina se amolece na ternura e maleabilidade feminina, e esta se fortifica na positividade masculina, completando-se cada uma das duas nas suas carências com o pólo oposto. A virtude está no equilíbrio dado pela compensação dos dois contrários. Na Idade Média a religião fazia da vida uma fuga em abstrações místicas, em busca de alegrias espirituais. Nos tempos atuais tudo é atividade prática, utilitária, dirigida a realizações imediatas, à procura de bem- estar material No primeiro caso, só se via no além; agora, olha-se apenas para o que está próximo, ignorando o espírito. Mesmo aqui temos duas metades, cada uma incompleta por si, mas feitas para trabalharem unidas em conjunto. cada uma cumprindo a sua função. Isolar-se unilateralmente seria, para ambas as partes, um erro. O fato de que um período de nossa existência decorre no além, não implica que não se deva cuidar da fase que se vive na Terra, porque as duas vidas são complementares e nenhuma delas vale por si só. A cada uma o que lhe pertence. Nenhuma das duas vidas deve ser sacrificada pela outra: nem a do paraíso, durante o período na Terra; nem a do Além, atormentando-se com o nascimento neste mundo. Só quando se consegue ver ao mesmo tempo os dois aspectos contrários do problema, é que se pode compreendê-lo inteiramente. Perceber apenas um deles separadamente seria ter da questão uma visão unilateral. Esta é que faz aparecer o lado oposto como contraditório e inimigo, enquanto, na verdade, é complementar e colaborador. Agora, com o panorama completo, se compreende como o tipo Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 72 masculino no Cristianismo foi levado pela sua natureza à construção de uma Igreja material em vez de espiritual, criando uma instituição mais terrena que divina e utilizando a segunda ao serviço da primeira. Mas o macho só sabia fazer uma Igreja a seu modo, conforme o seu próprio tipo biológico; não podia administrar senão se substituindo ao patrão; não podia representá-lo senão no seu lugar, afirmando-se a si próprio. Mas, desta maneira, ele completava o princípio oposto, representado pela doutrina de Cristo. A religião do macho, muito embora com a finalidade do bem, consiste em tomar o poder. Tal biótipo é construído para o comando e não pode agir de outro modo. Se ele tiver que seguir princípios de outrem, não pode deixar de lhes introduzir iniciativas próprias. Isto pode parecer traição, mas é indispensável para que o ideal possa descer e resistir ao nível evolutivo humano. Pode impressionar ao tipo espiritual evangélico a resposta que, para explicar tal materialismo religioso, me foi dada pelo bispo de uma diocese vizinha de Roma: "O Evangelho mata. E que morte! Então, para o fiel lhe resta escolher a autoridade da Igreja". Quem concebe a religião somente do ponto de vista de Cristo fica perplexo. Como? O Evangelho por quem o representa é posto de parte por ser impraticável e a Cristo se substitui a autoridade dos seus ministros? Isto pode parecer usurpação de poder e traição aos princípios. Mas, se impedirmos de se aceitar o Evangelho a sério, isto significa que o Cristianismo é falsificado nas suas raízes! Se pensarmos melhor depois das precedentes observações, compreenderemos que esta psicologia representa o modo masculino de ver as coisas. Tal tipo não sabe pensar e proceder diversamente. Portanto, mesmo quando deseja servir a Deus, não pode e não sabe entender isto senão como um meio de domínio. De outro modo, não seria macho. Ele, mesmo quando governa como ministro em nome de outros, só sabe fazê-lo afirmando como autoridade o seu eu (sinal positivo). Mesmo porque, para atingir o seu objetivo, vai encontrar o Evangelho pregando exatamente aquilo que ele mais deseja que "os outros" façam, isto é, acreditar e obedecer (sinal negativo). Assim, entre opostos, se forma o acordo. Depois de havermos sustentado nos volumes precedentes a primeira interpretação, chegamos a esta, que é mais completa, porque explica a contradição que existe entre Cristo e a Igreja. Explica-a e justifica-a, até porque, quando o macho se apossa da fêmea, por tê-la feito sua, protege-a como sua propriedade, o que constitui condição indispensável para que ela, na luta pela vida, se possa salvar. E por esta razão que a hierarquia eclesiástica defendeu a doutrina de Cristo das heresias e a levou avante com o seu esforço durante dois milênios, cumprindo, com guerras, fogueiras e inquisições. exatamente a função do macho: proteger o que, precisamente, lhe pertence. Então, aquilo que podia parecer um emborcamento de princípios é apenas um trabalho necessário de recíproca complementação. Se isto representa hipocrisia perante Cristo, porque se faz o inverso daquilo que Ele ensinou, isto é, continua aceitando o mundo e usando os seus métodos. Essa impostura humana é necessária ao princípio oposto da vida cristã, colocada em ação, para sobrevivência do modelo evangélico, que não sendo protegido pelo seu contrário é liquidado, subitamente, na Terra, no meio da luta geral. Dessa forma tudo se explica. Mesmo que se possa compreender como realmente se encontram as coisas, também é certo que muitos absolutismos serão destruídos, se se admitir que Deus não chega junto de nós senão segundo as nossas capacidades de concebê-lo e, portanto, em função de nosso nível evolutivo e tipo de personalidade. Não é preciso fazer acusações, porque ninguém pode ser diferente de si mesmo, nem agir contra a sua própria natureza. Então é lógico e não surpreende mais — que o Evangelho seja vivido somente em parte, que a religião seja hipocrisia e triunfe o método das acomodações. Em outros livros constatamos e lamentamos esses fatos. Aqui, reduzindo o fenômeno à sua substância biológica, quisemos dar-lhe uma explicação e, finalmente, uma justificação perante as leis da vida. Se até ontem se vivia na beata aquiescência da ignorância que não considerava tais problemas, contentando-se com dirigir-se através de fórmulas feitas, como normas consuetudinárias transmitidas sem discutir nem compreender, hoje essas questões são enfrentadas, porque se pretende resolvê-las, procurando evidência de fatos e clareza de idéias. Inicia-se, assim, novo estilo de vida. Antigamente, resolviam-se as dificuldades através de subterrâneas evasões às normas postas em evidência; agora elas são solucionadas com a compreensão. Quantas distorções, mentiras e contradições se poderão evitar comportando-nos com mais inteligência! Mas quantas verdades vieram à luz, embora estivessem escondidas atrás dos paramentos da religião e da moral oficialmente proclamada! Para o bem estar que a humanidade está procurando alcançar dê resultados, é necessário que ele seja utilizado com compreensão e amor. Os meios materiais são completados com os espirituais, que lhe são complementares, para formar o conjunto corpo-espírito, vida na Terra e no Além. Cada tipo de bem estar, unilateralmente, por si só, é metade. É preciso equilíbrio e fusão entre os dois opostos. A solução Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 75 animal. Esta tarefa deve, então, ser empresa do evoluído. É necessário definir o que entendemos por evoluído, para evitar um mal-entendido. O homem, que ingenuamente vive o Evangelho, obedecendo às suas normas, pode julgar-se tal, embora não o seja; imaginando sê-lo, enquanto é apenas um simples indivíduo honesto, de boa fé. Assim é grande parte dos seguidores de Cristo: suaves ovelhas, ótimas para serem devoradas pelos lobos. É assim que o tipo de pseudo-evoluído serve, sobretudo, como pasto para os ferozes involuídos de que é constituído o mundo, aqueles que o ideal pretenderia civilizar. Essas ovelhas não são adequadas para este trabalho. Seu destino é ser derrotadas na luta pela vida. Eis que o ideal para afirmar-se na Terra tem necessidade de outro tipo de evoluído. Quando perante o homem do mundo, que sabe, por sua dura experiência, qual é a realidade da vida, aparece um exemplar de idealista que crê no Evangelho como num sonho de fácil realização, ele o observa e, julgando-o de seu ponto de vista, pensa: "Este vive fora da realidade, não conhece a vida. E simplesmente um ingênuo, um ignorante. Não pode servir senão para ser' explorado. Demos-lhe, portanto, razão, alimentemos o seu sonho, cultivemos a sua ingênua ignorância, façamo-lo crer que o ajudamos a realizar o seu ideal, seguindo-o a seu lado. Poderemos, assim, melhor explorar a sua estupidez, transformando-a em nossa utilidade concreta". Ou, então, o homem do mundo pode pensar: "Este é um astuto que colocou a máscara de idealista para melhor enganar o próximo. É necessário, pois, secundá-lo aprovando tudo, mas tomando cuidado de não acreditar nele, nem lhe cair na rede". Em ambos os casos a verdade consiste em enganar para explorar. Esta é a verdade do involuído, aquela com que ele se expressa, dado que a sua natureza o leva a conceber tudo em função de sua vantagem egoísta, tanto que o universo não serve a ninguém senão a ele. Eis em que terreno traiçoeiro cai o ideal. O mundo o espera para destruí-lo. O resultado desta descida é guerra, lei da Terra, conduzida falsamente pelas vias subterrâneas da hipocrisia e, assim, tornada mais dura e pérfida. Se o indivíduo por temperamento ou por educação recebida, acreditou no ideal fácil, tanto pior. Ele é um primitivo do espírito e deverá aprender a não ser, mesmo no bem, um ingênuo. O ambiente terrestre lhe ensinará que não se chega ao céu só por ternura sentimental, que a descida dos ideais significa dever imergir no pântano, que a cruz de Cristo não é só um belo ato de amor mas significa abraçar a fera humana para ser por ela dilacerado. O idealista deve aprender em que mundo vive, a desconfiar e lutar antes de acreditar e amar. O próximo se incumbe de ensiná-lo à força de golpes massacrantes. Quem se faz instrumento da descida dos ideais deve saber e ser não somente anjo da paz, mas também forte lutador; e mais do que todos os outros, porque o é em forma pacífica, sem armas; deve fazer guerra em duas frentes, a da Terra para sobreviver, e a do céu, que confia nele para a descida do ideal. Chega-se, destarte, a outro conceito de evoluído, isto é, ao tipo inteligente, por ter atravessado e experimentado a zona involuída da besta, conseguindo superá-la. Não mais o evoluído ingênuo e inocente, acabado de chegar ao plano do espírito, mole e frágil, sonhador e enamorado, convencido de que se pode alcançar o céu com vôos de fantasias, sonhos de poeta, evangelicamente terno para com o próximo, porque ainda não lhe conhece a verdadeira natureza. Pelo contrário, temos um evoluído que subiu todos os Calvários e foi crucificado em todas as cruzes das muitas velhacarias humanas. Portanto, conhece-as e não cai mais nelas, dado que lhe deixaram o sinal na pele, para sua permanente lembrança; um evoluído verdadeiro, tornado tal por ter amadurecido através de todas as provas. É assim aquele que leva consigo a experiência do mal superado, ou porque lhe foi feito pelos outros, ou porque, tendo sido feito por ele, experimentou as duras conseqüências a que conduz. Como vítima sacrificada, ou mesmo como carrasco convertido, deve conhecer todo o mal de que transborda a Terra. Os ingênuos não vão para o céu, mas ficam neste mundo para aprender. O paraíso não pode ficar cheio de meninos que brincam de ideal. Deus os manda ao nosso mundo para que vejam o de que verdadeiramente se trata e voltarem depois mais maduros, terminada a escola. Trata-se de compreender que o bem e o mal não são somente o próprio bem-estar ou o mal-estar individual e presente, como crê o primitivo, mas que o verdadeiro bem pode ser dor, e o mal prazer. Quanta coisa é necessário experimentar e entender para ser realmente evoluído, soldado do ideal! O santo, que não conhece o mundo e não está encouraçado contra os seus assaltos, é eliminado pela vida como um inepto que não ajuda a descer na Terra nenhum ideal. O verdadeiro pobre, aquele que sabe o que é a pobreza e luta contra ela com qualquer meio, pensa que fazer-se pobre por amor ao Evangelho seja um esporte de luxo para os muitos saciados; julga-o um capricho dos ricos, uma aventura de gente que não conhece a realidade. Prepara-se, portanto, para derrotá-lo. Quem experimentou a luta pela vida sabe que não há margem para brincar com os ideais e que com eles se pode arriscar à morte. Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 76 Cuidado com os ingênuos, fáceis em acreditar, que se deixam seduzir pela glória do guerreiro e do santo, sem terem estofo para tal! A vida baseia-se num jogo de força ou astúcia, não sobre a justiça. Na Terra, quando alguém consegue devorar o seu inimigo, diz que Deus o ajudou. Enquanto o idealista contempla o seu sonho, o mundo prepara o assalto. A sua voz de sereia encantadora fala em nome das coisas mais elevadas, mas ninguém a escuta. E, se alguém a ouve, entende-a a seu modo, ou seja, que ela vale somente enquanto pode ser utilizada para explorar o cantor, dado que este é o único meio com o qual aqui ele pode servir para alguma coisa. Ele é uma flor frágil do campo, adaptado ao céu, enquanto a Terra é feita de tempestades e de vida dura que não admite bondade. Entretanto, julga poder encontrar em tal ambiente enamorados do ideal que celebrem com ele o seu canto sobre-humano! Neste mundo o homem não pode ser um honesto ingênuo, mas deve ser um honesto astuto, para não ser enganado por todos os astutos; um honesto lutador, para não ser destruído pelas agressões de todos os lutadores. Conforme as leis do plano animal-humano, a vida coloca o problema em sentido completamente diverso. Para ela o trabalho a realizar é a conquista do conhecimento terreno. É atividade que procura o novo e explora o desconhecido, porque a sua finalidade maior é evoluir. Para isso experimenta todos os caminhos. E, se a tentativa foi mal dirigida e resultou em erro, em todo caso vale mais do que a inércia, que não constitui experiência alguma. Se esta acabar mal, poder-se-á corrigir. Porém ela é já uma esperança, enquanto a inocência do ignorante não representa coisa alguma, não contém qualquer atividade, nem experiência, nem conhecimento. Para a vida o inerte vale menos que o rebelde. Este ao menos se move, arrisca, luta, à sua custa faz alguma coisa. Por este caminho ele pratica o mal, mas se prepara também para aprender que aquele mal lhe cairá em cima e que, portanto, será mais conveniente não repetir a experiência. Quem não faz nada não se dispõe a aprender coisa alguma. Ele se afasta da vida, porque nem sequer inicia a senda da experimentação. O outro, ao contrário, mete-se na estrada e vai em busca de qualquer coisa. De algum modo ele tomou uma iniciativa, por isso caminha, e quem assim procede, porque já se encontra em posição de marcha, tem mais probabilidade de chegar do que quem está parado. Quantos santos na juventude foram tristes indivíduos! A santidade não pode ser ignorância e ingenuidade, mas sim, conhecimento por experiência adquirida. Para chegar aos altos níveis da vida e empreender a 1uta do santo, é necessário ter primeiro atravessado os planos mais baixos e não ignorar a luta que neles se trava. O santo não é um débil, sem potentes impulsos, sem músculos e garras, mas um forte com ímpetos dirigidos para o alto, com a sua força colocada ao serviço do bem. Só assim se pode representar o ideal na Terra e ser instrumento da sua realização. Para que isto suceda, o ideal não pode ser confiado a ovelhas, que, não sabendo fazer outra coisa senão deixar-se matar, servem apenas para fornecer alimento destinado a engordar lobos, que continuarão a devorá-las enquanto elas os convidarem com a sua bondade. A vida quer a evolução e o esforço para executá-la; não protege, portanto, essas fugas. Ela quer que os bons lutem e construam uma barreira que sirva de obstáculo ao avanço dos malvados. Por obra desta resistência, o número destes e dos seus golpes bem sucedidos deve diminuir cada vez mais. E esta transformação a vida confia à ação das próprias vítimas, que devem tornar-se sempre mais espertas e inteligentes, de modo que não se deixem mais enganar. A evolução é uma arrancada da injustiça para a justiça. O ideal desce tanto para os justos como para os injustos, com o escopo de levar todos em direção ao S. Para encontrar vítimas, os astutos desonestos devem inventar sempre novos enganos, a fim de que, sofrendo-as, também elas aprendam. E inevitável a chegada do momento em que, havendo elas experimentado e aprendido todos os ardis, esgote-se o repertório, e nenhuma astúcia poderá mais servir, por falta de ingênuos que neles creiam. Então, o mal, tornando-se cada vez menos produtivo, acaba por ser cada vez mais posto de lado, já que sempre traz consigo mais risco e falência. Chegados a este ponto, os bons terão vencidos os malvados, que deverão admitir que doravante a velhacaria não lhes pode trazer senão dano. No final os exploradores da bondade do próximo devem reconhecer o seu erro e chegar a um acordo com os explorados, se quiserem viver. Quando não se encontrar mais quem faça o papel do enganado, não é mais possível viver enganando. O jogo deve cessar por falta de elementos com quem praticá-lo. É assim que o desonesto tem de se tornar honesto, porque a resistência dos atingidos por ele faz com que para si seja danoso ser desonesto. Com esta técnica nos seus níveis mais baixos, a vida, por meio da luta, impulsiona a subir, indo ao encontro do ideal que desce do Alto. É por isso que a vida expõe a inocência do primitivo a todos os assaltos, a fim de que ele faça alguma coisa e aprenda. Ela o deixa indefeso com esse objetivo. Num plano superior o super-homem pode dizer: "Eu sou honesto, vivo o Evangelho, isto basta, Deus, então, me recompensa. Se sou paciente e resignado, com a minha virtude caminho em direção à felicidade". No nível humano, pelo contrário, a vida diz: "Se não te sabes defender, serás morto. Se fores paciente e resignado, os outros aproveitarão Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 77 disso a te explorar para vantagem deles". O ideal diz: "Segue Cristo até ao martírio. Este é o triunfo do espírito". A vida diz: "Acabar como Cristo é morte horrível. Isto não é triunfo, como te querem fazer crer, mas a pior das derrotas. O homem é feito para viver e não para seguir tal mortífero exemplo. Cristo é filho do céu e se apressou a voltar para lá; o homem é filho da Terra e aqui deve ficar. Deixemos que os ingênuos caiam no engano. Por isso são eliminados. Mesmo encorajando-os a se sacrificarem, aproveita e engorda com a sua virtude e renúncia" Como se vê, trata-se de duas leis diferentes, cada uma própria de determinado ambiente. O fenômeno da descida dos ideais verifica-se desde o plano do evoluído ao do involuído, agora descritos, para transformar o segundo no primeiro e fazê-lo, portanto, passar a um nível e lei de vida mais altos. Este é o trabalho que espera ao evoluído. E ele que deve trazer o céu à Terra, resistindo ao assalto de quem quiser destruí-lo. Com o seu grande sonho no coração, ele deve descer até à luta. Ao seu amor o mundo responde com a agressão; à sua generosidade, com a carência das necessidades materiais. A luz do céu se torna sangue: o ideal, dor. O AS procura aniquilar o S, que pretende entrar no seu reino. A tentativa de endireitamento é seguida de contínua e oposta vontade de emborcamento. Antes de poder concluir com a ressurreição, o ideal deve ser crucificado. Ele é luz, mas deve mergulhar nas trevas para transformá-las naquela. É uma subida que implica uma descida para fazer ascender quem está em baixo. Para poder existir na Terra, a idéia deve ser fechada numa camisa-de-força que a defenda e a torne sensível aos outros, sem o que não sobrevive e sequer é percebida. Descer no mundo significa ficar aprisionado dentro dele. Para chegar a realizar-se, a intuição do evoluído deve sujeitar-se a retrocesso involutivo, a uma queda de dimensões, adaptando-se a contorções e mutilações. O ideal deve penetrar num mundo antagônico, onde as virtudes se tornam fraqueza e defeito; a lógica do bem, um absurdo no meio do mal; a verdade, uma forma de mentira para enganar os ingênuos; a ordem, a paz, a felicidade, miragem para esconder a realidade, que é caos, luta, dor. O mundo entende a seu modo o impulso do ideal em direção ao Alto, isto é, como um assalto à sua integridade, ao qual resiste por legítima defesa e que repele com as suas armas, porque deseja permanecer como tal. O mundo é dividido entre fortes e fracos. O evoluído que não entra em guerra e não vence é colocado entre os fracos e liquidado. Enquanto ele oferece escola ao involuído para civilizá-lo, este mostra a experiência ao primeiro para fazer-lhe compreender a realidade da vida. Se o ideal representa o futuro, o presente é bem diverso; se aquele é uma esperança, uma expectativa, este é uma realidade dura e atual; se o primeiro é a coisa mais bela que possa existir, o segundo é o bruto que de fato existe. Ai de quem não conhece esta realidade e se mete dentro dela desarmado! Isso lhe pode custar a vida. Fazer na Terra o papel de evoluído é perder-se nos sonhos do céu, deixando-se seduzir pelo encantamento do ideal; é ignorância que a vida, no nível do involuído, castiga sem piedade. Procuremos aqui compreender o significado biológico deste contraste entre o ideal e o mundo. Na Terra existe luta não apenas em sentido horizontal entre indivíduos do mesmo plano, mas também, verticalmente, entre representantes de níveis diferentes. É natural que, sendo transformismo o existir, dado que tudo é evolução, quê, deve sê-lo também a luta que é necessária para realizá-lo. A conclusão a que nos leva a constatação desse contraste entre os dois termos opostos, mundo e ideal, é que o primeiro é feito de involuídos, ao qual o grau de civilização do Evangelho não é ainda aplicável, ou então, este é uma utopia que a vida não pode aceitar, porque vai contra as suas leis. Se, de fato, esses dois constituintes são inconciliáveis, o defeito que disto é causa deve estar em uma das duas partes. Ou em ambas, isto é, no sentido de que o mundo tem razão, mas só no seu nível animal-humano e não no do ideal; e o Evangelho também está certo, porém apenas no seu plano super-humano e não no do mundo. Assim, é natural que cada um dos dois, transportado para fora do seu ambiente, não seja realizável. Não há dúvida de que o ideal na Terra representa um transplante em campo que não é seu. Assim se explica por que ele existe mais como aparência do que como realidade. mais pregado do que vivido. Compreende-se também o fato de ser ele uma adaptação e um artifício; apenas uma bela "toilette" com a qual o orgulho humano procura esconder a sua animalidade; um artifício com o qual aparenta uma espiritualidade que não possui. . É natural que o ideal neste planeta apareça sobretudo em forma de mentira, aparentando aquilo que na realidade não é. No entanto, se tudo é transformismo, esta posição não pode ser definitiva. Ora, o que significa isso? Se é verdade que na Terra o ideal ainda não pôde penetrar plenamente, contudo ele começa a fazê-lo cada vez mais. Trata-se, pois, de progressiva percentagem de realização por lei de evolução. Na verdade, o ideal está só tentando entrar no mundo, mas se encontra no início desta sua operação. Nosso ambiente terrestre ainda pertence ao nível evolutivo animal, e o Evangelho, a um plano Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 80 formas humanas, como fama, glória, meios econômicos, poder psicológico, domínio de massas, e assim por diante. Então, daquele pedacinho de céu que o santo trouxe à Terra se apossam os homens de ação. Tiram-lhe toda a utilidade possível, mas o usam para as suas finalidades de grupo, como sua própria bandeira, exemplo para os outros e justificação de posições adquiridas. O santo está morto, mudo, podendo-se fazer dele aquilo que se quiser. Ele arrastava as massas atraídas pela sua luz antecipadora de evolução e, por seu intermédio, pode-se continuar a atraí-las para vantagem própria e à maneira de cada um. Isto significa adaptação. Pode ser até desvio. mas trata-se também de um momento do fenômeno da descida do ideal, dado que o seu rebaixamento é necessário, se quisermos que ele possa alcançar a Terra. Aqui um ideal de absoluta pureza não consegue existir. E, para que possa resistir, é necessário um certo grau de acomodação, o que significa a sua corrupção. Para sanear o pântano é preciso que a pureza nele penetre e fique manchada. Ocorre que o santo é incorporado ao grupo dos seus seguidores, que o acompanham levando cada um a sua vantagem. Em geral o santo atrai meios econômicos, como as esmolas, os quais constituem a suprema atração no mundo. Vemos isto, atualmente, no caso do Padre Pio de Pietralcina na Itália. Eis o resultado: milhões de liras, construções, enriquecimento do lugar, fanatismo, aglomeração do povo. Para os outros: a indústria do santo. Para ele: tribulações Transformando-o numa preciosa e rendosa propriedade de um grupo. Depois de morto, ele se torna santuário, peregrinações, esmolas etc. Eis em que o inundo transforma a santidade. O dinheiro por sua natureza atrai os piores, e à volta dele começam: luta, rivalidade, irregularidade administrativa, acusações, escândalos e a algazarra humana. A autoridade eclesiástica, ora aprova, ora condena. Defenderá só depois da morte do santo, se, apoiada por um consenso universal, puder incorporá-lo sem risco de se enganar. Então, intervém oficialmente e santifica. Com isso a utilização do santo é legalizada e definitiva. Durante a sua vida, não lhe resta senão penitência, amargura, isolamento, incompreensão, exploração e freqüentemente condenação. Com mentalidade materialista, a espiritualidade é relegada ao último plano e, no caso acima, reduzida ao fenômeno físico dos estigmas, levada ao nível que o mundo compreende. Isto reduz tudo àquilo que a sua forma mental exige para seu uso. Ele oferece ao santo glória e dinheiro, as coisas que mais lhe dão fastio, mas que melhor servem aos seus seguidores, que se preparam para substitui-lo, tornando seus herdeiros e administradores, fazendo da santidade uma coisa que lhes é útil e não ao santo. A este se deixa o sacrifício de todas as virtudes, extraindo deles a glória com seu rendimento. Esta substituição é o primeiro passo de desenvolvimento do fenômeno da descida de um ideal. O instinto dos seguidores é utilizar o santo para si, é tomar posse dele e submetê-lo às suas próprias finalidades. Tentaram, assim, envenenar São Benedito de Norcia e fizeram desaparecer as regras da Ordem de São Francisco, para ficarem discípulos fiéis em arrecadar esmolas, mas não na vida de penitência. Pode-se ver como na descida dos ideais seja inevitável aquilo que sucede também com as religiões e espiritualidade na Terra, isto é, a luta entre dois planos evolutivos diferentes: o do espírito e o do mundo. Cada um deles exige satisfação às suas necessidades. O santo diz: o homem é involuído e o solicita a subir; o mundo grita: o ideal é utopia que mata e o adapta às suas próprias comodidades, freando o impulso do santo. Este debate-se entre os liames da matéria para dela se libertar; o mundo luta para não morrer na atmosfera rarefeita do espírito. O santo quer amar, com um amor diferente, e se o fizer, será destruído. O mundo cuida de banquetear-se com a carne da doce ovelha que gostaria de amá-lo. Grande parte da paixão de Cristo serviu para divertir as feras humanas do seu tempo. Com a mente cheia de idéias e o coração repleto de paixão, o santo deve salvar-se dos mercadores do espírito e da involução das massas, que, com a força do número, como clientes compradores dos produtos espirituais, impõe os seus gostos. O mundo quer o ideal rebaixado ao seu nível, porque de outro modo não o entende e não o utiliza. Assim, também o santo deve acabar por tomar a cor da Terra, em que vive. Ambos não podem deixar de se manifestar segundo o seu ponto de vista: o santo, com inteligência e bondade; o mundo, com astúcia e egoísmo. Cada um dos dois enfrenta o outro com os meios que possui! E para lutar se abraçam. Deste modo se realiza o trabalho da transformação evolutiva. Tal é a técnica da evolução na qual o evoluído é plenamente envolvido como instrumento realizador. O contraste é evidente e depende da absoluta diversidade dos princípios colocados como base da vida. Às vezes temos vontade de perguntar se não é uma pretensão absurda inverter as leis biológicas do planeta para substitui-las. Como se pode pedir que se ame o próximo, quando cada concessão feita em favor da vida deste, que é um inimigo, significa uma limitação da sua? Não resta senão adaptar o ideal, restringindo-o às formas externas, à superfície, impedindo-o de intervir na substância, que, dessa maneira. ele não perturba. Este, de fato, é o ideal que existe no mundo: falsificado, reduzido à hipocrisia. Que pode fazer o evoluído, levado a tomá-lo a sério? O homem pode escolher entre estes quatro cami- Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 81 nhos: 1) concordar com o mundo, isto é, viver conforme a lei terrena, embora dissimulada com práticas religiosas, usando a inteligência para camuflar-se de pessoa de bem, formalmente no seu lugar; 2) rebelar- se contra o mundo; isto leva a um estado de guerra pouco evangélico e requer um instinto de agressividade que o evoluído não possui. Só ao involuído podem agradar tais métodos de difusão de um ideal, os quais implicam: absolutismo, intransigência, proselitismo e afins; 3) rebelar-se contra o mundo em forma pacífica, mas sofrendo4he a reação e acabando como mártir, para vantagem dos sucessores; 4) isolar-se do mundo para seguir o seu próprio caminho. Este é o único modo que evita a mentira, a guerra, a exploração. Isolar-se não significa consumir-se a favor dos outros mas, sim, estiolar-se como solitário, isto é, não correspondido pela compreensão, bondade, comunhão de vida. É um extinguir-se que nos deixa ainda mais sozinhos. Mas outra coisa não se pode esperar de um mundo que se rege por outros princípios. No fundo, permanece o fato indestrutível da distância evolutiva e da dificuldade de preenchê-la. Ninguém pode deixar de ser aquilo que é, nem pode pertencer a um plano evolutivo diverso do seu. A verdadeira superioridade é um fato interior que o mundo não vê, e quem a possui não deseja mostrá-la. Ele baseia a sua avaliação sobre aquilo que ele é, não sobre o que aparenta. De fato, não procura louvores e glória, porque a exaltação da sua pessoa não pode acrescentar nada àquilo que é. O santo baseia-se no consenso de Deus, não no dos homens. No entanto, é fácil cair na lisonja da glória e ficar por ela seduzido, estando ela ligada à fama de santidade. Portanto, é sábio não mostrar virtudes para não ser exaltado, visto que o cheiro da bondade atrai imediatamente os astutos, que procuram explorá-la. Para trabalhar em paz é melhor confundir-se com a multidão e colocar as vestes de um normal pecador, mesmo que não o seja. A pessoa boa é presa fácil, gratuita e atrai os caçadores. Aparecer como santo também aos de fora, dado o mundo em que se vive, pode excitar nos outros qualquer instinto inferior e impedir que se seja santificado verdadeiramente. Em vez de estar numa atmosfera de espiritualidade, o santo encontra-se imerso na baixa luta humana que, para os seus próprios fins, procura desviá-lo dos objetivos que ele pretende alcançar. Então, o mundo pretenderá julgar o seu caso, intrometer-se nas suas relações com Deus, e ele será levado perante o tribunal da opinião pública, curiosa, vá e egoísta. Oferece-se, assim, a tantas nulidades ocasião de divertir-se, de desabafar os próprios instintos, de penetrar nos sagrados recessos de uma alma para sujar e estragar. O mundo não merece tais sacrifícios, para ele uma verdadeira exploração. Mesmo os valores do espírito são preciosos e não podem ser desperdiçados. A santidade é um fato individual e interior, que vale por si mesma e não é reconhecida, glorificada e medida pela autoridade religiosa para as suas finalidades. O santo é Deus quem faz, não os homens. Quem sabe quantos santos não são conhecidos do mundo! E, se o foram, até que ponto chegaram a ser reconhecidos como tais! Poderá o homem julgar esses casos? Servirão os pontos de referência de que ele dispõe? O consenso popular tem um valor relativo: corresponder a um desejo da massa que o santo satisfaz. Mas o subconsciente coletivo não possui a unidade de medida para julgar tais fenômenos, que superam o plano de evolução em que estão situadas as massas. O alto pode julgar o que está em baixo, mas o contrário não é possível. De tudo isso a mediocridade não pode compreender senão a satisfação dos seus instintos. Assim, os concílios podem revelar aquilo que a maioria pensa e quer. Mas a verdade está por cima desses acordos, nem se constrói por consensos coletivos. Estes oferecem uma verdade relativa para os usos da vida em dado momento, sujeita à contínua evolução, como de fato acontece, servindo à autoridade para aliviar a própria responsabilidade e justificar assim as suas decisões. Neste exame da técnica evolutiva, observamos a posição do mundo perante a do santo como instrumento realizador da descida dos ideais, isto é, diante da função do santo, que é o elemento mais alto do fenômeno, o ativo e positivo; examinamos a função do mundo, o elemento mais baixo desse fato, o passivo e negativo, que se expressa com movimentos de resistência. O processo evolutivo realiza-se com o contato e conjunção, em forma de luta, entre esses dois extremos de sinal oposto. Desta maneira, o quadro completo resulta não apenas de como aparece o ideal visto pelo mundo, mas também como este se mostra observado pelo ideal. Analisemos agora melhor, colocados juntos do lado alto do fenômeno que desce do céu, a sua parte mais baixa que está na Terra O ideal, quando desce no mundo, concretiza-se na forma de um edifício constituído de elementos humanos que, à guisa de células, se dispõem automaticamente, consoante a sua forma mental, valor e função, no seio do processo evolutivo que estamos vivendo. A base da pirâmide é a mais extensa, mas recolhe os tipos mais elementares. Esta é a parte que menos entende, a mais passiva, que apenas aceita. Ela é a massa ignorante, que segue por fé, por sugestão, sem pensar, sem compreender. Ela crê e vai atrás dos pastores; tem necessidade de ser guiada e se deixa conduzir; é o povo que forma o grande corpo das religiões O interesse dos dirigentes é tê-lo quieto e submisso para dominá-lo mais Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 82 tranqüilamente. Para este objetivo a fé é um ótimo calmante, alivia as dores presentes com a esperança de um bem futuro acessível a todos, para que se pratiquem as virtudes da paciência e resignação. A seleção produziu, contudo, uma classe mais desenvolvida em inteligência Trata-se naturalmente do grau mais elementar da intelectualidade: a astúcia para vencer na luta pela vida. É uma das primeiras emersões evolutivas. Ela serve apenas para melhor viver na Terra e ignora ainda o valor do ideal, que se limita a explorar. Trata-se, portanto, de astúcia destinada somente a ser utilizada para finalidades terrenas. Aparece, então, a classe sacerdotal, que, em todos os povos e tempos, procura dominar em nome de Deus. Ela se instala na sociedade colocando a religião como base do seu poder material. É proselitista para aumentar com o número a própria potência e condena as outras religiões e respectivos sacerdotes, porque rivais no domínio das massas. Uma vez entrada a religião plenamente no jogo dos interesses terrenos, a ela se aliam os ricos e os poderosos para utilizá-la naquilo que para eles também é premente: o domínio sobre as massas. Forma- se espontaneamente, segundo as leis utilitárias da vida, o acordo e a simbiose. Temos, assim, a classe dos bem pensantes, das chamadas pessoas de bem, religiosas praticantes, exibindo grandes demonstrações de fé, as quais, uma vez compreendido o jogo, o aprovam e apoiam, juntando-se à classe sacerdotal, a fim de que isso sirva para manter quieto o povo e não perturbar o banquete deles. Do nível dessas classes feitas de indivíduos, para sua conveniência coligados em grupos, podem emergir outros tipos isolados, que se preparam para um trabalho pessoal. Pode aparecer, então, o tipo de idealista que se diz investido de u'a missão. Podem ser de vários modelos e alturas. Há o tipo ligeiro e inexperiente que se faz de idealista para se vangloriar. Coloca-se uma auréola fingida de santo para a fazer crer verdadeira e receber a veneração. Nisso caem os ingênuos, embora depois os admiradores, a seu serviço, exijam daquele as mais pesadas virtudes, como pagamento da homenagem tributada. Pode também haver o malandro que se faz de idealista para enganar o próximo, para explorar a sua boa fé, enquanto tem em vista finalidades materiais bem mais concretas. Ele se apresenta envernizado de santa virtude, de nobre espiritualidade, porém, na realidade, entretém-se apenas com os seus interesses. Dada esta premissa, pode-se imaginar o que ele poderá recolher. Pretendendo entrar no lado dos ideais, a fim de invertê-los para objetivos terrenos, ele se expõe às reações da Lei, contra a qual se choca, porque ignora o funcionamento desta. Nesta altura a hipocrisia não serve, antes provoca o contragolpe e, da mesma forma, destrói o engano. Uma posição perante o ideal menos perigosa, porque possui ao menos a virtude da sinceridade, é a do ateu convicto, que reconhece com franqueza as leis do plano animal-humano e repele o ideal, julgando-o utopia, como estranho à realidade da vida. Além destas formas híbridas de primeira aproximação, existe o verdadeiro evoluído, o genuíno homem do ideal, aquele que em nome deste luta no mundo para superá-lo. O seu jogo não é o comum de vencer no plano humano, mas realizar um tipo de vida superior, mesmo que esteja em contraste com a vigente. Ele é suficientemente inteligente para compreender tanto o jogo do mundo, como a sua baixeza e seus perigos, sendo bastante honesto e forte para os repelir. O mundo oferece-lhe o seu método e diz-lhe: "Deves ser astuto como eu. Mostra-te cheio de virtudes, mostra-te pessoa de bem, digna de toda a confiança; poderás, deste modo, melhor realizar o teu interesse enganando os ingênuos; utiliza esta sapiência que o mundo te oferece já verificada pela sua longuíssima experiência, portanto com resultados garantidos". Assim lhe fala o mundo. Mas ele sabe que se trata de uma ilusão traiçoeira e não cai na armadilha. Ele está nos antípodas do mundo. Este vê as coisas em sentido oposto, isto é, no ideal uma miragem pela qual é perigoso deixar-se enganar. Uma vez que quem nele crê é julgado um ingênuo, e não se pode utilizar de outro modo senão o explorando. Assim o ideal é sustentado, enquanto é utilíssimo para realizar esta exploração. É erro, é culpa isto? Mas é a própria vida que o exige. Estas são as leis do plano humano; estes são os métodos que ele pratica para alcançar os seus fins. Não será utopia pretender inverter tudo isso? Não será próprio de um tolo ignorar este estado de fato? E não será justo que se paguem as conseqüências desta ignorância? Na Terra o ideal não pode existir senão enquanto serve para viver; neste caso, é um meio cômodo e sutil para adormecer o próximo e assim enganá-lo melhor. Lança- se o anzol com o ideal como isca e se pescam os crentes que a mordem. Eis para que serve a fé. Na Terra, somente existem duas posições: a do pescador e a do peixe, de quem pesca e de quem é pescado. Os seres, mesmo no nível humano, vivem comendo-se uns aos outros. Paga por todos o peixe de boa-fé que se deixa pescar. Quem se sacrifica pelo ideal é liquidado, o caso fica resolvido. Cristo mostrou-nos com o seu exemplo que o ideal mata. Não é que ele se mate, mas o mundo destrói quem Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 85 econômicos e por uma posição social, a vida torna-se outra. Quando se possuem os meios para pagar, tem-se sempre razão, mesmo que se erre; todos se inclinam e louvam, mesmo que se seja um idiota. Ora, isto não é verdade, quando não se têm os meios para pagar; então, se descobre o verdadeiro rosto do homem. Por exemplo, Teilhard de Chardin tinha margem para sonhar, porque era protegido pela sua Ordem. Sem isso a vida o teria liquidado. O ideal, então, é um desporto reservado aos ricos. No caso oposto ele deve fazer-se de ferro para travar no mundo a sua dura batalha. Assim, aos sublimes amores do espírito sucede o terror da realidade, às visões celestes, a crucificação. Isto tudo se compreende quando, depois do sonho inebriante, trespassa a própria pele a queimadura em contato com o que é de fato a vida. Nestes últimos livros devemos mostrar também este outro lado da verdade que o mundo esconde, porque para os astutos é contraproducente iluminar os bons. Ora, que há de estranho nisso? A lei da vida não é porventura a que manda devorarem-se reciprocamente? Esta é a realidade que constatamos. Primeiro eliminam-se os mais débeis. Depois se faz a guerra entre os fortes e, por último, também estes se matam entre si. Quantos delitos e quanta dor! Esta é a vida em nosso nível de evolução. Mas não ser ingênuo não quer dizer que a bondade deva desaparecer. Ver e compreender não significam que acabe a fé, porque se continua a crer, embora com os olhos abertos, isto é, não engolindo cegamente mistérios, mas controlando-se aquilo que se julga corresponder à verdade. O idealista não deve ser um ingênuo. Todo o trabalho feito nesta Obra foi para se chegar a crer, mas através da razão, com uma fé positiva, aderente à realidade. Tudo é verificado, levando-o em contato com esta. Ao contrário, a comum tendência humana é declarar-se infalível, resolvendo dúvidas e problemas com afirmações próprias de caráter absolutista, impostas à fé dos outros, assegurando-se, assim, a sua verdade e justificando a autoridade que deles emana. Um idealista completo deve ver também o lado oposto à verdade, o lado anti-ideal, feito de trevas e negação. É assim que esta última parte não contradiz nem renega a primeira, mas a confirma, quando procura estigmatizar a imoralidade que o mundo esconde debaixo da sua moral. Esta é uma renovação de estilo e de conteúdo expositivo, em virtude do modo diferente de vida do autor, nesta sua fase final, no país denominado "Coração do Mundo e Pátria do Evangelho", atendendo ao desejo de outros leitores que vão se beneficiar com isso. Mostra, finalmente, também o lado da sombra do fenômeno e não somente o da luz, completando-o. Dizia um astrônomo que no cosmo a luz é exceção, as trevas são a regra. Este nosso trabalho não é agressivo, nem de critica com o objetivo de demolir, mas movido pela boa intenção de acompanhar, com a finalidade de fazer o bem, a mensagem esclarecedora dos nossos tempos. Observemos, por exemplo, o que é na realidade a virtude da beneficência. Para poder fazê-la é necessário ter os meios isto é, ser rico. Mas, honestamente, apenas à força de trabalho, é difícil tornar-se rico. Então, não se pode fazer beneficência se não se foi primeiramente desonesto para poder enriquecer. O próprio Evangelho diz que se dê aos pobres o supérfluo. Entretanto, para dar aos pobres é necessário antes chegar a possuir. E evidente que não se pode ser generoso se, inicialmente, não se acumulou fortuna. O pobre tem mais em que pensar do que fazer beneficência. Ele está suficientemente oprimido pela sua própria luta, para poder encarregar-se à dos outros e ajudá-los. Assim, a virtude da beneficência permanece um luxo dos ricos, um embelezamento reservado para lhes servir de adorno, é qualidade vedada aos pobres, juntamente com a sua recompensa no paraíso, o que, ao contrário, os ricos esperam como benefício adquirido por direito. Para aqueles que souberam enriquecer, com a vida abastada, que a beneficência não altera, há o paraíso merecido e a gratidão que lhes é devida pelos pobres que não souberam ficar ricos. Por isso, dando pouco em comparação com aquilo que tem para gozar, o rico resgata-se do seu pecado de origem. Embora este seja necessário, deve ser perdoado, porque, sem ele e sua riqueza, não se pode fazer beneficência. Hoje este elástico jogo de compromissos foi substituído por direitos calculados do trabalhador. O pobre não confia mais no beneplácito de quem possui e já não se adapta a servir de instrumento para outros, para que eles possam ir para o paraíso. O pobre, nos países civilizados, simplesmente conquistou com as suas forças o direito de ser ajudado. A beneficência foi no passado um modo de ir vivendo com pouco incômodo. Amar o próximo é outra coisa, é superar as distâncias para se avizinharem, enquanto a beneficência é o ato de quem está no alto e, lá permanecendo, se digna olhar para baixo; é humilhação para quem está em baixo e aí continua. O pobre não sabe o que fazer com o rico que empobrece para se irmanar com ele, porque tem necessidade de bens e não de amor E, quando não existe coisa alguma para se apossar, esses heroísmos não lhe servem para nada. Observamos em outros casos as contradições da velha moral. Na vida dos santos, são exaltados, ou, pelo menos, não são condenados atos que para um mortal comum são considerados culpa. Por exemplo, São Francisco abandona o pai e a mãe, esta última inocente da perseguição paterna, para Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 86 aventurar-se pelo mundo a fora. A Igreja exaltou o santo enquanto lhe servia para sustentar o Latrão em decadência, como se compreende da visão do papa Inocêncio III no afresco de Giotto em Assis. Mas à Igreja não interessou de modo algum o caso da mãe, que ficou solitária na velhice, sem o direito de ser assistida pelo filho. Cristo, também, para discutir com os doutores aos doze anos, não se importou de maneira nenhuma com o pai, nem com a mãe que ansiosamente o procuravam. Serão estes, porventura, exemplos a seguir? Outros poderiam ser citados. Por outro lado, na Terra, ideais, princípios, moral são utilizados para finalidades humanas. Observamos que isso se verifica em todos os campos, tanto em relação ao Cristianismo, como ao Comunismo, tanto para os conservadores, como para os revolucionários. Por exemplo, que objetivos diferentes da santidade se prestaram as Cruzadas! Tudo é utilizado para servir ao que mais convém: guerra, negócios, carreiras, conquistar posições, dominar, desabafar instintos etc. Esta é a realidade basilar, que depois é coberta de santas finalidades. O grande iniciador de cada movimento, com os seus métodos e princípios, em pouco tempo é posto de lado. Isto correu com Cristo, como com Karl Marx. Depois, por necessidade adaptação à realidade, surge o revisionismo, conhecido pela Igreja. Assim, católicos e protestantes se dividiram, para um destes dois grupos construir um Cristo de acordo com as suas próprias necessidades, que eram diferentes. Com Karl Marx e Lenine, russos e chineses fizeram o mesmo. No âmbito do Cristianismo, para poder falar da ajuda de Deus, primeiro, na realidade, é necessário vencer Só depois, sobre este fato positivo, como interpretação da vitória, pode-se construir o milagre. Uma guerra vitoriosa pode constituir a prova de que Deus se colocou do lado do vencedor. Deste modo, uma guerra feita em nome de Deus estava destinada a vencer. Naturalmente isso é verdadeiro, quando se verifica de fato e quando existe quem nisto acredite, deixando-se sugestionar por quem lança tal idéia para sua vantagem, ou a aceita por interesse próprio. Se se vence, então, indubitavelmente, o resultado foi desejado por Deus. Se se perde, foi porque não foi desejado por Ele, e com isso se justifica a derrota. Com tal forma mental, na Idade Média, papas e antipapas se excomungavam reciprocamente, inclusive os imperadores. Assim aconteceu com Henrique IV, que humilhado em Canossa, foi obrigado penitenciar-se. Também a Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, tinha apregoado o "slogan": "Deus está conosco". Se ela tivesse vencido, isto seria tido como verdadeiro. Estes poucos exemplos, escolhidos ao acaso, podem parecer uma crítica malévola. Desejamos, pelo contrário, assegurar-nos de que tudo fique bem sólido para que resista a esses ataques. Estamos no fim da Obra e procuramos sacudi-la, para que aquilo que não seja forte e seguro caia e fique o que resiste e que, portanto, é feito para durar. Este é um controle, uma verificação, um exame de consciência, uma auto-análise, para demonstrar que a Obra não é um ingênuo idílio espiritual fora da vida. Até agora, entretanto, vistas num lampejo de fé, as teorias saíram consolidadas deste processo demolidor. As eternas verdades tomaram nomes científicos e, sob esta nova veste, permaneceram as mesmas. Destruir a hipocrisia não é contra, mas a favor da religião. Mesmo que isto possa soar a escândalo, surge uma religião mais pura e resistente, para maior glória de Deus. Para poder compreender bem um fato é necessário observá-lo sob todos os ângulos. não somente daquele positivo do bem, mas também do lado negativo do mal, não só da parte elevada espiritual, como também daquela material e utilitária. A grande preocupação do passado era matarem-se uns aos outros e fazer filhos. É necessário agora que a do futuro consista em pensar e compreender. * * * Antes de observarmos mais de perto o problema da crise da velha moral, vejamos de que revolução mental e social esta transformação deriva, de que fenômenos substanciais emerge até se concretizar em nova ética. Qual é hoje a posição do homem da rua, do tipo mais comum, que forma a maioria? Vivemos num período que, no seu conjunto, do ponto de vista da espiritualidade, se pode chamar colapso. Os ideais eram antigamente uma forma de hipocrisia útil para cobrir a realidade com um belo manto. Parecia que salvar as aparências era o suficiente para se ficar satisfeito. Salvava-se a coisa mais importante, que era poder, honrosamente, realizar as suas próprias conveniências Hoje, em um mundo de mentalidade mais positiva, não se perde mais tempo com esses jogos complicados e que não chegam a nenhum resultado, porque escondem, mas não eliminam o mal, dando-se primazia ao caminho mais rápido e produtivo de enfrentar os problemas e resolvê-los. Então, dado o uso que se fazia dos ideais, prefere-se hoje colocá-los de lado, para olhar a realidade como ela é, abertamente, com plena sinceridade, para compreendê-la e procurar remédio para os males com uma conduta diversa, mais Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 87 iluminada, evitando erros e os respectivos danos. Libertamo-nos das superestruturas que não servem à vida e que lhe impedem o caminho. Paralelamente à decadência da fé religiosa, corresponde a da fé política. Não é esta ou aquela fé que decai, mas a atitude para conceber qualquer uma. Perante tal onda de realizações práticas, tudo é dominado pela indiferença e pelo agnosticismo. Hoje, ao sonho para alcançar ideais de metas longínquas se substitui a chã realidade de uma civilização de consumo. Temos, assim, de um lado, a pesquisa de um resultado real e mediato, como levantar o nível econômico. Do outro, um cansaço crônico de todo o idealismo, agora gasto por um longo e mau uso. O homem fez-se mais prático, quer melhorar de fato e subitamente as suas condições de vida. Com auxílio da ciência e da técnica, ele possui os meios para chegar lá. E para esta finalidade concreta, e não por um ideal de honestidade, é por um princípio utilitário de maior rendimento que, hoje, não se gosta mais de perder tempo escondendo-se atrás da hipocrisia. Trata-se apenas de libertar-se de um estorvo. Este processo de renovação penetra em tudo, inclusive nas religiões. E hoje um fenômeno universal que penetra todas as formas de vida, individual e social. Aumentou o sentido de crítica, de autocontrole, de responsabilidade. A ciência, com as suas conquistas, criou uma forma mental realizadora sobre a qual as vagas promessas incontroláveis e dirigidas ao futuro não são mais tomadas em consideração. O nosso tempo fez-se racional e quer coisas positivas. Por isso, os ideais não são tomados em consideração. A técnica oferece metas diferentes utilitárias, de atuação imediata, sem sonhos e demoras. Dessa forma estão se realizando o que é mais convincente. O novo ideal é o do bem-estar material, da elevação do nível de vida, tornado mais fácil e seguro. Progresso bem diferente do espiritual, programa pequeno, burguês, mas concreto, terreno, acessível. Restringem-se, assim, os grandes horizontes do espírito, e a estes se preferem outros mais limitados, porém com mais vantagens reais. Tudo isto é conveniente e se aceita. As pessoas se cansam menos, faz-se uma vida mais cômoda e segura, mesmo que para isso o homem sacrifique a sua personalidade e se reduza a elemento anônimo de uma multidão imensa, economicamente enquadrada e valorizada sobretudo como consumidora de produtos. Mas para o indivíduo, ainda que esteja espiritualmente destruído, não falta nada, e o tremendo problema da vida para ele está resolvido, embora ao nível mais baixo de animal satisfeito e protegido. Até ele pode, com certeza, poupar-se da fadiga de formar a sua própria personalidade, porque a sociedade já lhe fornece confeccionada e pronta com as instruções; para uso, pré-fabricada conforme determinados modelos, de maneira que nada há mais a fazer do que endossá-la e servir-se dela. Isto é comodismo, simplifica e facilita, ao mesmo tempo que enquadra todos numa ordem, resolvendo, assim, o problema da convivência. Destarte, entra-se no rebanho, e alma e corpo tornam-se massa. Se isso oferece vantagens, não há razão para que a vida, que é utilitária, não se lhe adapte. Mas tudo possivelmente responde aos mesmos fins e não constitui senão uma fase de transição, um primeiro passo necessário para poder depois, socialmente, evoluir até ao estado orgânico. Provavelmente a vida executa de propósito — e faz parte dos seus planos — esta absorção do indivíduo na coletividade, porque tende a realizar para a humanidade um tipo de existência social unitária, à qual pode permitir conquistas que, no estado atual de separatismo e luta, não são possíveis. Não podemos admitir, dada a lógica da vida, que o prejuízo de tal anulação da personalidade por penetração num tipo de vida em série, mecânica, possa ficar definitivo e improdutivo, exaurindo-se em si próprio. Por esta mesma lógica devemos, ao contrário, acreditar que se trata apenas de um momento transitório, que depois deverá abrir-se em direção a outro modelo de existência no qual o homem voltará a afirmar a sua individualidade. Isto sucederá atrás de uma revalorização do sujeito, cujo rendimento pessoal será maior do que aquele que se pode alcançar com o sistema separatista vigente, isto porque ele terá ao seu lado, em harmoniosa colaboração, o apoio de uma coletividade orgânica, enquanto hoje ele se encontra em luta contra todos. Em um mundo de rivalidades falta a contribuição das forças amigas: a coordenação, a confiança, a segurança, qualidades necessárias para poder dar o rendimento máximo ao trabalho humano. Hoje o ideal do homem comum, quanto a programas de salvação eterna, se reduziu ao mínimo. Está limitado à distribuição de bens de consumo: ter casa, comida, ordenado, pensão, satisfazer os seus interesses privados. Ao homem comum não interessa, de fato, as grandes coisas que estão fora do seu alcance. Seguir o caminho de menor resistência, com o método da imitação, adquirir segurança evitando fadigosas iniciativas, resolver o problema da vida com o menor risco e maior comodidade possível, procurar a vantagem própria, indiferente a todo o resto: este é o programa normal. O homem médio já se preocupa bastante com seus afazeres, observando com total indiferença como os grandes, que estão por cima, resolvem os seus; goza com as suas dificuldades, diverte-se com o espetáculo que lhe oferecem religião e política. O espírito, tomado a sério, exige e incomoda. Então, para não mentir, prefere-se Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 90 enquanto a população aumentou de 12 para 53 milhões. Se isto aconteceu depois de ter perdido o poder temporal, o que sucederia se a Igreja perdesse o poder econômico? Quantas vocações restariam? O homem tornou-se mais prático e prefere as vantagens terrenas às do além. É natural que se imaginem e se escolham carreiras mais rendosas e que custem menos renúncias. Pensa-se que violar a castidade é considerado um sacrilégio. Pertencer a algumas ordens religiosas significa não poder possuir, comprar, vender, creditar. O sacrifício é real, o ganho é duvidoso. Assim, o fator utilitário não pode deixar de influir nas vocações. Em nosso tempo crítico e positivo, perante resultados tangíveis, o problema da alma salvar-se e santificar-se, tornou-se muito menos importante. Existe, pois, o fato de que o público hoje se tornou menos ingênuo. Por isso, percebe se o sacerdote com a sua conduta entra em contradição com os princípios que professa, pretende que este os aplique e que ao menos prove com fatos que neles acredita verdadeiramente, o que é coisa diversa de ser um bom empregado na administração eclesiástica. O fiel faz-se mais critico e exige dos pastores que pelo menos pratiquem o que pregam. E isto porque o que pregam lhes serve Para o fiel significa que eles se colocam ao seu serviço para lhe fazer gratuitamente o trabalho espiritual. Ora, quem, para chegar a uma situação eclesiástica, deve ter desenvolvido o esforço de superar muitas dificuldades, tendo depois de ser sobrecarregado de renúncias e de disciplina — e tudo isso nem sempre é bem retribuído — não pode arder de santo zelo para salvar almas, muitas vezes indolentes e que gostariam de ser servidas em nome de santos princípios. É humano, portanto, que o sacerdote se limite ao exercício das suas funções, como faz qualquer bom operário na sua profissão, tendo feito bem quando cumpriu o próprio dever. Surge, assim, uma ruptura entre rebanho e pastor, cada um dos dois tentando resolver os seus próprios problemas. Hoje se procuram outras técnicas de apostolado, nova estratégia de proselitismo religioso, contanto que não se perca a clientela necessária para viver, feita de almas para salvar. Assim, vão procurá-las nas fábricas, nas profissões, nas praças etc. É um ótimo serviço de massa para salvar a instituição para a qual o indivíduo não pesa. Entretanto, se este quiser salvar-se, terá de fazê-lo por si próprio. Até há pouco tempo, as vocações não eram submetidas ao controle da moderna investigação psicológica. O próprio sujeito de boa-fé podia enganar-se sobre a verdadeira natureza dos seus sentimentos ocultos no subconsciente. Este, através da memória de experiências passadas, conhece bem a luta desesperada pela sobrevivência; esconde, portanto, a sua verdadeira razão de agir para que, a qualquer custo, a vida seja garantida. Hoje se constatou, através da Psicanálise, que fracassa grande parte das vocações. Estas no passado tinham preeminência e cumpriam o prejudicial trabalho de corrupção interna da religião. Eram elementos que depois se dedicavam a um trabalho bem diferente dirigido a outra finalidade — e, por seu mérito, hoje tão avançada — do castelo das acomodações, da hipocrisia, de uma doutrina escondida, aninhada dentro da verdadeira, para invertê-la segundo as próprias conveniências. Nos dias atuais, uma nova penetração psicológica entrevê muitas coisas que a ignorância do passado deixava encobertas. Os rígidos conservadores se puseram a caminhar depressa para se atualizar, dado que hoje o mundo corre veloz. Este vai adiante, e a Igreja, inspirada por Deus, chega depois. As mudanças são estabelecidas e impostas pelo mundo. Eis que muitas afirmações absolutistas, lançadas, antigamente, em momento de euforia, hoje insustentáveis, são cobertas com o silêncio, esperando que. a poeira do tempo as oculte sob o véu do esquecimento. Atualmente, se deve usar a prudência ao assumir uma obrigação, porque se observa que tudo pode mudar de um instante para outro, e depois será difícil manter o compromisso. Em matéria de verdade, sopra um vento de relatividade. Exige-se, portanto, menos por princípios de autoridade e se concede mais como respeito às consciências. Não se sabe se as verdades de hoje serão válidas amanhã e se se imporão novas atualizações. Presentemente, se todos quiserem encontrar um lugar em nosso mundo, devem ser úteis e cumprir uma função na coletividade. Se a Igreja não encontrar ou reencontrar motivos que a tornem socialmente útil, ela poderá ser colocada, silenciosa e cortesmente, de lado, como se faz com os velhos para os deixar morrer. A Igreja pôs-se a investigar estas causas, através do apostolado, na classe operária, mostrando-se como pode ser simples, sincera, pobre, mais espiritual e menos formal. Isto com o beneplácito divino. Por outro lado, a Igreja tem de prestar contas às massas, porque estas, com a força do número, comandam tudo. É necessário, portanto, prover as suas exigências, porque provoca descrédito cometer erros, quando será necessário um expediente para remediá-los, mesmo que tenha sido guiado por Deus. Toda obrigação equivocada pode levar à necessidade de que seja refeita desde o principio, com uma fatigante atualização, como sucede presentemente. É difícil não cair em contradições, ficando-se imóvel, onde tudo se transforma, porque na realidade, a tática humana explora o desconhecido. Somente Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 91 não se pode errar quando se trabalha numa atmosfera de infalibilidade, e cada decisão fica estabelecida para séculos. A fé dos primeiros tempos hoje desapareceu, passando a haver nos pastores e no rebanho uma linguagem que não se entende mais. O mundo conhece muito pouco Cristo, sepultado debaixo de dois milênios de Igreja e Catolicismo. Desenterrá-Lo é difícil. As superestruturas se substituíram ao original, e somente Cristo pode resolver os problemas em que hoje a Igreja se debate. A verdadeira dificuldade da Igreja não é só atualizar-se, mas reencontrar Cristo, depois de dois mil anos de História. O mundo se adaptou ao Catolicismo, afeiçoando-se ao próprio comodismo, que, por intermédio de longa elaboração, conseguiu conciliar-se com a salvação, tendo o subconsciente coletivo absorvido e fixado tudo isso, de tal modo que hoje resiste a tão grandes revoluções. Precisamente porque os valores espirituais estão em crise, se faz necessário salvá-los. Sem eles morremos. Não se trata de atualizações. A doença é mortal e exige o cirurgião. Aproveitando o silêncio de Cristo, o homem fez aquilo que lhe veio à cabeça. Realmente, para atribuir-se poder e tornar eternas as suas posições terrenas, ele assumiu, em termos de absolutismo, sérias obrigações no passado. E agora como renovar-se, para atender às exigências da evolução? Eis que mistura o divino com o humano, aquele colocado ao serviço deste, quando as posições terrenas se tornam insustentáveis, compromete também os princípios absolutos usados para defendê-lo. Se ali estivesse Cristo, não seriam necessárias atualizações, porque a Igreja, em vez de por último, teria chegado em primeiro lugar, mesmo nestes tempos de busca da renovação. Para o indivíduo que quiser tomar a religião a sério, no caso de haver hesitação entre Cristo e a Igreja, a preferência deve ser por aquele, a fim de salvar-se com Ele, embora respeitando esta última. * * * Outro ponto nevrálgico do Catolicismo com tendência à atualização é a confissão. Procura-se adaptá-la aos nossos tempos, de maneira que possa incluir a nova forma mental que se está constituindo, seja como responsabilidade moral, seja como conceito de culpa. Se existe uma pátria de confissão na sua forma atual, isto ocorre porque ela satisfaz uma necessidade humana, que é procurar apoio, receber conselho, tranqüilizar a consciência, encontrar proteção e segurança, particularmente perante o mistério do além. Nem todos têm a capacidade de autodirigir-se, assumindo a responsabilidade das próprias ações. Existe, então, o desejo de se recorrer a alguém, em quem se possa descarregar suas aflições, realizando consigo este labor. A Psicanálise, hoje, está em voga, porque busca a mesma finalidade e realiza o mesmo trabalho. Existe afinidade entre Psicanálise e confissão, tanto que esta foi chamada a "Psicanálise dos pobres". Hoje, para atualizar-se, tende-se a uma confissão menos formal e mais inteligente, com menos estereotipada aplicação de fórmulas e mais iluminada penetração psicológica, com menos preceitos e mais psicanálise. E, contudo, necessário reconhecer que o sistema preceptivo foi no passado, e pode ser ainda, o mais adaptado para o povo ignorante, desprovido de uma consciência com a qual possa orientar-se e de sentido de responsabilidade. A tal tipo de homem não se pode conceder liberdade e autonomia, sendo mais conveniente enquadrá-lo na mecânica de regras formais. Tais indivíduos são irresponsáveis, porque, inconscientes do dano que as suas ações podem produzir nos outros, são capazes de compreender somente em função do seu próprio prazer e sofrimento. Eles são orientados apenas pelo medo do seu sofrimento e pela esperança dos seus gozos. Mas, desta maneira, também se domesticam os animais, mas não se resolve casos de consciência, nem se elimina o pecado. Permanece intacto o instinto em busca de desabafo, conquanto torcido pelas adaptações, escondido atrás da hipocrisia. O pecado fica, mas tolerado como um mal inevitável, que serve enquanto útil para provar a misericórdia de Deus, tão bom que perdoa; ou para justificar a existência do clero; ou para satisfazer o próprio pecado. Mas, se o problema foi assim solucionado no passado, não é mais deste modo resolvido no presente, nem o será no futuro, porque a moral mecânica se torna cada vez menos aceitável quanto mais o homem evolui. Diminui sempre mais o número dos tipos a que o atual sistema das confissões se adapta, restringindo-se às classes menos evoluídas. Como hoje se posiciona a confissão relacionada ao passado, já que os novos tempos a puseram em crise? Atualmente, existe o fato de que nasceu outra psicologia, mais positiva, feita de duas qualidades básicas: mais sinceridade e maior sentido de responsabilidade. Somos mais retilíneos. Mesmo que isso possa parecer abuso, há mais pureza, mais honestidade, o que não constitui afastamento de Deus. Ora, a confissão para a moral é importante, porque implica o problema da consciência, culpa, escolha entre o bem e o mal e respectiva responsabilidade, conduta e suas conseqüências individuais e sociais. Hoje se está realmente formando uma nova ética, que não tem nada a ver com as religiões, pronta para resolver o Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 92 problema da convivência moral, reguladora das relações no seio da coletividade. Até agora esses problemas do Catolicismo foram resolvidos formalmente, método usado no século XVI. Saído do Concílio de Trento, aquele século absolutista acreditava sistematizar tudo, concretizando formalmente a moral, codificando-a em normas exatas, reduzindo-a a elencos de pecados. Isto era simples, proporcionado ao escasso desenvolvimento mental dos tempos, acessível à primitiva necessidade mais de um domador de paixões que de um psicólogo da espiritualidade. Tinha-se, assim, u'a moral feita de regras exteriores, às quais bastava obedecer para libertar-se de qualquer esforço de análise e de qualquer responsabilidade. Uma ética de superfície incomoda menos do que outra penetrante em profundidade, que vincula mais, porque chega à substância e permite menos evasões. Mas, quando falta aquele sentido sutil, necessário para dirigir com inteligência a própria conduta, sabendo-se ajuizar o valor dos próprios atos, não se pode deixar de cair na superficialidade do preceptismo. Foi assim que este nasceu e funcionou como método mais acomodado à forma mental do fiel subdesenvolvido, a quem se pedia apenas uma obediência mecânica. À consciência incapaz se substituiu o formalismo, isto é, u'a moral cristalizada, reduzida a uma lista de preceitos e de culpas. A futura ética será completamente diversa. Sem preceptismo e juízos que assumem o peso da responsabilidade, cada indivíduo será ele próprio o seu juiz e tomará sobre si as suas responsabilidades5 sem pensar em fugir delas, porque ele já não é mais tão inconsciente que acredite se possa defraudar a lei de Deus fugindo às suas sanções, isto é, que, uma vez feito o mal, se possa evitar pagá-lo. Sobre este fato indiscutível os julgamentos dos homens, mesmo em nome de Deus, não têm nenhum poder; sobre tais fenômenos eles não podem trazer nenhuma modificação. É verdade que o velho método oferecia vantagens. Ele facilitava o trabalho de julgar. Até o penitente lhe encontrava a vantagem. Ele podia resolver os problemas de consciência facilmente, com regras sobre o fazer e o não fazer. Tudo era simplificado com a lista dos pecados, tendo ao lado de cada um as instruções para o uso e o não uso. Assim, o formalismo moral deixou raízes, porque era conveniente para ambas as partes, colocadas tacitamente de acordo, satisfeitas pela conveniência comum. Fixou-se o método do preceptismo, que concordava com o comodismo do clero e com o dos fiéis. Tudo isso triunfou, porque oferecia ainda outra vantagem ao pecador: o formalismo. Este permanece na superfície, sem penetrar em profundidade, deixando aberta a cômoda via das escapatórias e da hipocrisia, já que permite perfeita conciliação entre a observância das formas e a inobservância da substância. Pode- se, assim, enganar a lei e ao mesmo tempo mostrar-se virtuoso. Desta tão enganosa solução os fiéis não deixaram de aproveitar. De fato, para eles a grande preocupação, no terreno da moral, era encontrar a forma de fazer prosseguir a própria vantagem mostrando, ao mesmo tempo, perfeito cumprimento das leis. A sapiência consistia em ter encontrado a maneira de salvar as aparências, para fazer boa figura, apresentando-se como cumpridores da lei, enquanto em substância se fazia o contrário, satisfazendo os próprios instintos. Antigamente, não se atacavam os problemas de frente, para resolvê-los. Procurava-se, ao contrário, a evasão. As próprias leis não eram feitas para solucioná-los, mas em favor dos seus autores e para que os outros as observassem. Em suma, o que em realidade se fazia atrás das aparências era, em ambos os lados, a mesma luta pela sobrevivência. Legisladores e súditos eram simplesmente rivais. E, com o mesmo método, buscavam ambos a máxima vantagem em favor próprio. A imposição autoritária, a desobediência, a hipocrisia não eram senão diversos expedientes para alcançar o mesmo fim no mesmo plano. Deste modo, aplicavam a mesma lei da luta pela vida. Segundo esta, não havia razão para que tais métodos não fossem usados. Biologicamente, tudo se explica e se justifica. Hoje, no entanto, verifica-se um fato novo: exige-se por parte de quem deve aceitar a moral: sinceridade e honestidade. Isto não porque os indivíduos tenham ficado melhores, mas porque se tornaram menos ingênuos, menos dispostos a se deixarem cair no engano e a aceitarem o jogo dos oportunistas. Atualmente não se admite mais o sacrifício sem lhe controlar a utilidade, mesmo que ele seja apresentado como coisa sublime. Tais métodos são herança do passado e nos pertencem. Se a Igreja quiser atualizar- se, deve libertar-se desses inconvenientes, embora isso venha sendo sustentado há quatro séculos, o que não se aniquila tão facilmente. Ora, quando se enfrentar a moral com a consciência mais iluminada dos novos tempos, em lugar de se usar a velha preceptística, o pecado e a confissão tornar-se-ão outra coisa. O pecado tradicionalmente entendido e medido com a regra da antiga doutrina está em crise, ainda que não ocorra o mesmo com o problema da consciência. Outrora, a virtude consistia em resistir às tentações, em, simplesmente, não fazer. Hoje o problema moral se coloca de modo positivo com o respeito ao bem, em vez de se pôr em defensiva contra o mal, isto é, faz-se consistir no cumprimento do dever em relação aos outros elementos da coletividade. Surgem, assim, pecados diversos dos tradicionais, a confissão toma para exame diferentes valores e entra em outros terrenos, sobretudo no social A culpa não consiste tanto Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 95 ocasional, repetido com regularidade, mas não premeditado, não expressamente desejado, praticado por incidente. E com isso o penitente ficou satisfeito. Chegou-se, por seguidas adaptações, ao sistema conveniente para todos, dos pecados contínuos, de poderem ser salvos por ininterruptas lavagens purificadoras nos confessionários muito concorridos. E tudo vai bem, porque a Igreja mantém a sua autoridade sobre as consciências e o pecador tranqüiliza a sua alma com uma penitência que muito pouco lhe custa. Ao mesmo tempo ele goza da vantagem de poder descarregar, com um ato formal de obediência, a sua responsabilidade sobre a autoridade julgadora, o que é uma ilusão, ou de poder fugir à fatal necessidade de pagar as conseqüências das próprias ações. Em suma, veio-se a ter, certamente sem premeditação, por sucessivas acomodações, uma obra-prima de moral elástica que sabe conciliar os opostos: a salvação e a incessante repetição do pecado. E não é difícil encontrar uma solução que satisfaça todos ao mesmo tempo. O resultado de tudo isso é uma observância formal que salva as aparências e, em substância, uma hipocrisia na qual naufraga a sinceridade, o sentido de responsabilidade, a consciência do mal cometido na ilusão de fazê-lo francamente. Hoje, às avessas, estas são exatamente as qualidades que é necessário desenvolver, para se chegar a compreender que, independentemente de qualquer clero ou religião, existem leis positivas, como as da ciência, às quais ninguém pode escapar e pelas quais o mal feito automaticamente recai em forma de reação punitiva sobre quem o praticou. Esta será a moral científica de amanhã, sem hipocrisia, acomodações ou possibilidades de evasão. Infelizmente, construiu- se no passado um sistema de simulação tido como sabedoria, habilidade do saber viver, e hoje o herdamos bem radicado nos hábitos. É uma falsidade de linguagem e de costumes contra a qual as novas gerações lutam para varrer tudo, aparecendo escandalosamente atrevidas, porque não representam mais a tradicional farsa, escondendo o mal sob um manto de virtudes. Abrem-se as janelas e entra o ar puro, mesmo que este seja de tempestade que levanta turbilhões de poeira, rompe as delicadas teias de aranha, fazendo estremecer os velhos adormecidos. Esta ventania entrará também nos confessionários, que, se quiserem sobreviver, terão de atualizar-se. Mas não é um mal para as almas o escândalo de descobrir a realidade. Se esta se mantiver escondida, elas poderão muito mais facilmente se corromper. Chegara-se, assim, a dar um sentido de virtude à assexualidade e de culpa à fundamental função da vida confiada ao sexo. Se isto, espiritualmente pode representar uma tentativa de superação da animalidade perante a natureza, que exige a continuação da espécie, por outro lado é antivital e, portanto, biologicamente imoral. Esta identificação do sexo com culpa é contra a moral da vida, que, pelo menos no atual plano humano, é a moral de Deus. Sucede que, dada a estrutura do organismo em que não podemos deixar de viver, não nos podemos evadir do nível terreno, a não ser por longa evolução. Biologicamente, não é qualificável com característica de superioridade a frigidez, que na natureza representa um fato negativo, pertencendo mais ao patológico. Quando, pois, a castidade não é assexualidade, ou frigidez atribuída ao indivíduo, mas se verifica por pressão imposta, então ela é obrigada a manifestar-se em formas contorcidas contra a natureza. A castidade é útil para o interesse do grupo de quem protege a conservação, mas não o é para o tipo comum do indivíduo. Ela é inútil para os frígidos, que através dela nada podem sublimar, porque nada têm para isso; é perigosa para os eróticos, que são levados a contorções e aos sucedâneos, em vez de sublimação. Isto pelo fato de que tal solução é mais fácil de alcançar e porque a vida a prefere no nível humano, uma vez que ela costuma escolher a via de menor resistência, requer menor esforço. A castidade é adequada e dá resultado somente para os maduros à superação, podendo, então, ser coisa sublime. Mas é aplicável apenas a uma exígua minoria. Assim, usada em larga escala por pessoas não maduras, elas só serve para a sobrevivência do grupo, porque para o indivíduo ou é frigidez, ou hipocrisia, quando não se resolve em desvios, o que faz dela sempre uma qualidade negativa. Este conceito de sexo-pecado coloca nas próprias origens da vida um sentimento torcido, porque só pelo fato de se ter nascido se é pecador. O surgimento de tal psicologia se explica pelo desejo, mesmo que inconsciente, por parte do clero de se atribuir, com a sua castidade oficial, uma posição de superioridade, base de domínio sobre a massa dos pecadores não castos; compreende-se, também, com a devida necessidade que ele tinha de justificar, e assim tornar necessária a sua presença como salvadora de almas Todos deviam ser filhos da culpa para que fosse imprescindível o trabalho de quem depois viveria à custa de redimi-las. Deste modo, o sexo tornou-se um mal tolerado porque indispensável para se ter filhos Mas ele pode constituir uma necessidade também, independentemente disso, para quem não pode, ou não considera conveniente ter filhos. Chega-se à hipocrisia de dizer que se casa para cumprir o dever de procriar. Seria interessante observar quem teria tanto zelo de cumprir esse dever só por imposição de u'a moral, se não existisse a atração sexual. Se assim fosse, teriam o mais alto sentido ético tantos Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 96 inconscientes pobres que geram, sem medida, filhos destinados à fome. Por isso, os castos, porque frígidos foram vistos como virtuosos, e os hipereróticos como grandes pecadores, dignos de toda a condenação. Para tentar superações a cargo de imaturos, torceu-se e aviltou-se o amor; ao se forçar a evo- lução produziram-se estados sexuais patológicos aberrantes. Estes são os frutos da velha moral e da forma mental que a construiu. A nova moral resultará de um grau de consciência mais desenvolvido que traz à luz muitas contradições e danosas conseqüências. * * * Continuemos a observar as duas morais nos seus contrastes e implicações nesta hora de transição em que o mundo evolui da primeira para a segunda. O advento de uma nova moral não é fato isolado, mas conexo com a profunda renovação que se esta verificando em todos os campos, através da maturação psicológica produzida pela passagem de uma fase evolutiva a outra superior. É o tipo mental que muda, com todas as suas conseqüências. Devemos, então, adaptar estas considerações ao pano de fundo deste fenômeno maior. O pecado de caráter social não é senão um dos aspectos da atual transformação. O grande fato moderno é que a nossa vida se socializa Antigamente, a unidade máxima de organização coletiva era a família. Esta, hoje, parece desfazer-se, porque o seu grau de unificação se torna secundário, portanto menor, incluído noutro maior: a sociedade. É natural que a unidade maior, tornada agora principal. absorva no seu seio a menor e que esta lhe fique subordinada. Nesta nova unidade é maior a amplitude e o grau de organização coletiva dentro do qual se estabelece a convivência, porque o tipo unitário não é mais o pequeno núcleo familiar, mas a sociedade, que agora de estado de rebanho passa ao orgânico de núcleo social. Isto não significa que a família desapareça como unidade, mas é absorvida na mais vasta unidade coletiva. O fato encontrado na base de tudo isso é o desenvolvimento da consciência, hoje tornada capaz de abranger uma unidade social mais extensa em vez de apenas um grupo familiar. Com a compreensão de mais amplas relações, o ser humano começa a sentir-se ligado também a quem não é seu parente de sangue. Nasceram, assim, vínculos acima do nível da carne. Isto quer dizer progresso, não só como amplitude de campo, mas também como complexidade de estrutura. Aqui vemos como agora se aplica o princípio das unidades coletivas, demonstrado noutro lugar. Tudo isso implica outras transformações, envolvendo outros aspectos da vida. Um destes é a atual emancipação da mulher. O problema fundamental para todos, como vimos no que respeita às vocações do clero, é a situação econômica. Isto acontece também com relação à mulher. Antigamente, para uma jovem essa situação se resolvia com o matrimônio; hoje o mesmo problema se soluciona com o trabalho. Outrora, o sonho era o marido, hoje é a profissão. Eis que agora a vida para a mulher, que representa a metade do gênero humano, assenta em outras bases. Disto derivam grandes deslocações. A sua existência não fica fechada entre as paredes domésticas, reduzida a ser um apêndice do homem, seu único sustentáculo, mas se amplia na sociedade com uma função importante, como é a de quem trabalha, estando, portanto, conexa com a produção, fato que se encontra na base da vida. Então, a mulher se coloca ao nível do homem, economicamente independente, auto-suficiente, tornando-se um elemento socialmente válido, que se enxerta com o seu peso próprio na organização coletiva. Encarrega-se de novas atividades e responsabilidades, mas conquista também liberdade e, com o trabalho, a possibilidade de desenvolver-se como inteligência, o que não acontecia quando a sua função era somente a de serva ou de instrumento de prazer para o homem, ou de servir para criar os seus filhos. O grande fenômeno a que hoje assistimos é um processo universal de socialização, que se verifica para toda a humanidade, ainda que com programas políticos opostos, processo que influencia tudo: a moral, a religião, a família, o desenvolvimento mental, a atividade produtora etc. Trata-se de novo modo de conceber a vida sob princípios diversamente orientados, conduzindo a outra moral, tema aqui tratado com a devida precisão. A velha moral era empírica e instintiva; a nova é racional e controlada. No primeiro caso, o indivíduo era movido por impulsos do subconsciente, guiado por atrações e repulsões, simpatias e antipatias; no segundo, é conduzido pelo pensamento e pela lógica que enfrentam os problemas para resolvê-los. A segunda é a moral mais evoluída de quem conhece e raciocina; a primeira é a impulsiva do primitivo irracional e inconsciente, arrastado pelos instintos. A moral sexual era até ontem desse tipo, mas já está passando do tribunal do confessor e dos mexericos da opinião pública para o juízo competente do médico, do psicólogo, do sociólogo. A unidade de medida do pecado não será estabelecida de acordo com as reações do subconsciente instintivo, mas consoante um critério social baseado no dano que esse pecado acarreta ao próximo, isto observado com lógica positiva. É assim que nasce outro tipo de Um destino seguindo Cristo Pietro Ubaldi 97 pecado: o social, que vai da evasão fiscal à imprudência ao volante, baseado no respeito que se deve ao próximo, não o prejudicando, o que representa uma forma positiva de amá-lo conforme o Evangelho. Eis um Cristianismo racionalmente utilizado para chegar, como exige a hora histórica, a um estado social orgânico, feito de uma ordem sempre maior. Trata-se de um modo inteligente e calculado, mas também de ser bom. Temos uma ética cristã, civil, em vez de religiosa, que leva a uma disciplina que é perda de liberdade, conquanto também seja vantajosa, porque, se limita a minha liberdade, restringe igualmente a de outrem a quem é vedado causar-me dano. Sendo uma expressão de vida, a moral sobe com a evolução daquela. Assim, codificada pela religião, temos a moral do nível Moisés, que permanece ainda no plano animal do "não matarás", "não roubarás”, isto é, do delinqüente. Depois, com a religião de Cristo, temos a ética do tipo Evangelho, que sobe um degrau mais alto, o do amor, do "ama o próximo como a ti mesmo" Agora, com a ciência e o despertar intelectual moderno, passa-se a u'a moral cérebro e pensamento, situada num plano ainda mais alto, o do conhecimento, consciência e responsabilidade. Estas três fases da progressiva evolução da ética correspondem a três tipos de civilização. dos quais são o produto: 1) a da força bruta, do primitivo; 2) a do amor, que com a bondade procura domesticar aquela força; 3) a da inteligência, que com o conhecimento busca iluminar e dirigir racionalmente aquele amor. O valor de cada uma dessas posições não se pode julgar eqüitativamente senão em função do momento histórico em que aparece da fase evolutiva que representa e do trabalho que deve realizar. Não se pode, portanto, culpar o Cristianismo por alguma das suas atitudes agressivas para com a animalidade e para com a parte inferior do homem, maneiras de fazer penitência que nos parecem ferozes. Ele devia enxertar-se no primeiro tipo de civilização e fazer o trabalho de transformá-lo no segundo. Assim se explica a psicologia do inferno, hoje cada vez menos persuasiva, a exaltação das torturas físicas do mártir como meio de santificação, a repressão em vez da educação dos impulsos naturais, os métodos brutais de espiritualização. Tudo isso se justifica, se se pensar naquele tipo de homem que dirigia então a religião. E explica como tais sistemas estão perdendo calor, quanto mais o ser humano amadurece para entrar no terceiro tipo de civilização. Hoje, usar aqueles meios para desenvolver o espírito seria contraproducente. A religião deve descobrir outros, se quiser ser útil à sociedade. A velha moral pertence ao segundo tipo de civilização. Enquanto ela prega o amor, deve lutar contra a ferocidade. Disto derivam muitas contradições que com o tempo se vão eliminando. Hoje se começa a compreender que não convém desperdiçar energias positivas para o bem, para atormentar o sistema nervoso com contrariedades e renúncias, quando aquelas energias devem servir para trabalhar e produzir. A nova moral é racional, utilitária, vital, e não negativa, opressiva ou antivital. São eliminados os sacrifícios improdutivos. Em compensação pensa-se mais no próximo, para não o prejudicar, do que egoisticamente em si próprio para salvar-se. É um regime de maior ordem, liberdade e bem-estar, mas também de maior trabalho, responsabilidade e deveres. Mudam assim os pecados. Antigamente, conforme a religião, não era culpa encher o mundo de filhos doentes, esfomeados e delinqüentes. Hoje se pratica o controle da natalidade, mas se assume a responsabilidade da educação dos filhos; os pais adquirem o direito de defender o seu sistema nervoso de inúteis renúncias, mas assumem o dever de trabalhar ambos para o grupo familiar. Para a religião, era lícito outrora viver de rendimentos, do trabalho do próximo, sendo ociosos, parasitas da sociedade. Era justo fazer-se de patrão, em nome da autoridade marital e paterna, sobre mulher e filhos. Era permitido casar por interesse e não por amor, fazendo do matrimônio um mercado. Muitos outros pecados não eram como tais considerados, mas abençoados pelo clero e santificados com os sacramentos. No entanto, aquela moral era santa para o grau de evolução do segundo nível Ela tornou-se, porém, injusta e inaceitável, quando se alcançou o grau de evolução do terceiro nível. A grande diferença entre a velha e a nova ética é que a primeira é preceptística e, portanto, obrigatória, mas irresponsável, enquanto a segunda não é mandamental, porém livre e responsável. Para a primeira bastava a forma, para a segunda importa a substância. É assim que para a primeira não é necessário ter alcançado o grau de consciência exigido pela segunda. No passado a velha moral tratava só da observância formal da lei (farisaísmo), e cada um se sentia satisfeito em consciência quando tinha cumprido o que era necessário para obter a sua salvação pessoal. Além desta finalidade egoísta, o resto pouco interessava, mesmo que prejudicasse o próximo. O indivíduo não sabia sequer pensar que existisse um bem e um mal, além do seu, de que devesse ocupar-se. Vivia-se num regime de luta no qual a morte dos outros constituía a própria vida, ao contrário. Perante uma forma mental como esta, não pode funcionar senão u'a moral preceptística, armada de taxativas sanções punitivas, porque este é o único meio persuasivo que o primitivo entende, o qual, ferindo-o pessoalmente, pode induzi-lo a comportar-se bem A ele nada interessa do próximo. Se ele é bom, não o é por amor aos outros, mas a si mesmo, para
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