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Guias e Dicas
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Livro Plano Diretor, Manuais, Projetos, Pesquisas de Biologia

um planejamento adotado pelo ministério das cidades

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2011

Compartilhado em 13/02/2011

diego-medeiros-2
diego-medeiros-2 🇧🇷

8 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Livro Plano Diretor e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Biologia, somente na Docsity! PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos plano_diretor_040608.indd 1 6/8/04, 11:54:28 PM Ministério das Cidades Ministro de Estado Olívio de Oliveira Dutra Secretária Executiva Ermínia Terezinha Menon Maricato Secretária Nacional de Programas Urbanos Raquel Rolnik Secretário Nacional de Saneamento Ambiental Abelardo de Oliveira Filho Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana José Carlos Xavier Secretário Nacional de Habitação Jorge Hereda Diretor de Planejamento Urbano Benny Schasberg Diretora de Apoio à Gestão Municipal e Territorial Otilie Macedo Pinheiro Ficha Técnica Coordenação Geral e Revisão de Conteúdo Raquel Rolnik Secretária Nacional de Programas Urbanos Otilie Macedo Pinheiro Diretora de Apoio à Gestão Municipal e Territorial plano_diretor_040608.indd 2 6/8/04, 11:54:31 PM APRESENTAÇÃO 7 PARTE I PRINCÍPIOS E DIRETRIZES PARA ELABORAR E REVISAR OS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS 11 Apresentação 12 PARTE II TEMAS SELECIONADOS 35 Apresentação 36 Plano Diretor e Desenvolvimento Econômico 37 Instrumentos e Metodologia de Participação no Plano Diretor 43 Plano Diretor e Reabilitação de Áreas Centrais e Sítios Históricos 53 Plano Diretor e Zonas Rurais 59 Plano Diretor para Pequenos Municípios 68 Plano Diretor e Política Habitacional 73 Plano Diretor e Regularização Fundiária 79 Plano Diretor, Transporte e Mobilidade 86 Plano Diretor e Saneamento Ambiental 95 Plano Diretor e Estudo de Impacto de Vizinhança 112 Instrumentos Tributários e de Indução de Desenvolvimento 126 Plano Diretor e Desenvolvimento Regional 133 ANEXOS 141 Constituição Federal, cap. II – Política Urbana 142 Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) 143 Medida Provisória nº 2.220/2001 155 tema 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0 1 1 1 2 I II III SUMÁRIO plano_diretor_040608.indd 5 6/8/04, 11:54:32 PM | plano diretor 040608.indd 6 6/B/04, 11:54:32 PM APRESENTAÇÃO | plano diretor 040608.indd 7 o eles, 11:54:32 PM | | plano. diretor 040608.indd 10 6/84, 11:54:38 PM 11 PARTE I PRINCÍPIOS E DIRETRIZES PARA ELABORAR E REVISAR OS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS plano_diretor_040608.indd 11 6/8/04, 11:54:34 PM 12 APRESENTAÇÃO Esse guia oferece um conjunto de diretrizes e procedimentos para auxiliar prefeitos, prefeituras e cidadãos a construir democratica- mente o Plano Diretor de seu município. O Capítulo II – Da Política Urbana, da Constituição Federal, ar- tigos 182 e 183, estabelece os instrumentos para a garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, do cumprimento da função social da cidade e da propriedade. O Plano Diretor deve ser discutido e aprovado pela Câmara de Verea- dores e sancionado pelo prefeito de cada município. O resultado, for- malizado como Lei Municipal, é a expressão do pacto fi rmado entre a sociedade e os poderes Executivo e Legislativo. O Estatuto da Cidade, Lei Federal n° 10.257 de 10 de julho de 2001, regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil. Oferece instrumentos para que o município possa intervir nos processo de planejamento e gestão urbana e territorial, e garan- tir a realização do direito à cidade. Os princípios que norteiam o Plano Diretor estão contidos no Esta- tuto da Cidade. Nos termos do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor está defi nido como instrumento básico para orientar a política de desenvolvimen- to e de ordenamento da expansão urbana do município. plano_diretor_040608.indd 12 6/8/04, 11:54:34 PM 15 O Plano Diretor, portanto, deve interagir com as dinâmicas dos mer- cados econômicos. Nesse sentido é que se pode dizer que o Plano Diretor contribui para reduzir as desigualdades sociais – porque re- distribui os riscos e os benefícios da urbanização. Os artigos relativos à Concessão Especial para Fins de Moradia, foram vetados. O assunto foi regulamentado pela Medida Provi- sória nº 2.220/01. O objetivo fundamental do Plano Diretor é estabelecercomo a pro- priedade cumprirá sua função social, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e regularizada, reconhecer a todos os cidadãos o direito à moradia e aos serviços urbanos. Nesta perspectiva, o Plano Diretor, deixa de ser um mero instrumen- to de controle do uso do solo para se tornar um instrumento que introduz o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras. Para isso, por exemplo, é necessário que assegure espaços adequados para a provisão de novas moradias sociais que atendam a demanda da população de baixa renda; que preveja condições atraentes para micro e pequenas empresas – itens vitalmente importantes para que haja crescimento urbano equilibrado; para que se evite ocupa- ção irregular e informal do território do município; e outros. O primeiro passo, em todos os municípios, é conhecer a estrutura fundiária e suas tendências de desenvolvimento. A partir desse co- nhecimento, cada município deve escolher – dentre os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade – os que mais favoreçam a inclusão social, em cada município e em cada mercado local. O Estatuto da Ci- dade oferece vários desses instrumentos: de Regularização urbanís- tica e fundiária; a possibilidade de criar Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); utilização compulsória de terrenos e imóveis considera- dos subutilizados; fazer valer o Direito de Superfície; obter Concessão Especial para Fins de Moradia; destinar patrimônio público para pro- gramas de moradia, dentre outros. plano_diretor_040608.indd 15 6/8/04, 11:54:36 PM 16 Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas destinadas prioritariamente à produção e manutenção da habitação de interesse social. O Plano Diretor portanto (i) indica os objetivos a alcançar, (ii) ex- plicita as estratégias e instrumentos para atingir os objetivos e (iii) oferece todos os instrumentos necessários para que estes objetivos sejam cumpridos. Além disso, também orienta os investimentos estruturais a serem feitos pelos agentes públicos e privados. O Plano Diretor (i) tem de defi nir o papel e atuação de cada agente, de forma pactuada; (ii) tem de prever critérios e formas pelos quais serão aplicados os instru- mentos urbanísticos e tributários, dentre outros; e (iii) tem de prever também as ações estratégicas a serem implementadas. A Agenda 21 Brasileira propõe: construir a sustentabilidade com abordagem multissetorial da nossa realidade e integração dos instrumentos participativos de planejamento. A abordagem da questão ambiental vem evoluindo na visão e na forma de atuação dos diferentes atores sociais envolvidos. A po- lítica de fi scalização e controle vem sendo complementada com incentivo à gestão equilibrada dos recursos naturais, em todo o processo de produção e consumo; com isso, o Brasil tem conse- guido reduzir o desperdício de insumos e de matérias-primas. Para tanto, cada município pode estabelecer, em seu Plano Diretor, e escolhidos dentre os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, os instrumentos que mais ampliem as condições favoráveis para fi nanciar o desenvolvimento urbano. Esses instrumentos são, por exemplo: a Outorga Onerosa do Direito de Construir, a utilização mais adequada do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a Transferência do Direito de Construir, as Operações Consorciadas, plano_diretor_040608.indd 16 6/8/04, 11:54:37 PM 17 O Plano Diretor deve articular outros processos de planejamento já implementados no município e na região, como a Agenda 21, planos de bacia hidrográfi ca, zoneamento ecológico econômico, planos de preservação do patrimônio cultural, planos de desenvolvimento tu- rístico sustentável, dentre outros. Conforme o Estatuto da Cidade, nem todos os municípios brasileiros são obrigados a elaborar seu Plano Diretor. Apesar disso, o Ministério das Cidades recomenda que todos os municípios brasileiros o façam. O Plano Diretor é importante instrumento para o pleno desenvolvi- mento do município e para que a cidade e a propriedade cumpram mais satisfatoriamente suas funções sociais. Em todos os casos, obrigados pelo Estatuto da Cidade, ou não, é desejável que todos os municípios brasileiros conheçam a sua realidade, que se dediquem a reduzir as desigualdades, a prevenir a degradação ambiental, a me- lhorar a qualidade de vida e a buscar o pleno desenvolvimento sus- tentável de suas potencialidades. Elaborar e aprovar o Plano Diretor sempre será providência indispensável para implementar a maioria dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Construir o Plano Diretor: Atividade participativa O Plano Diretor deve ser elaborado e implementado com a participa- ção efetiva de todos os cidadãos. O processo deve ser conduzido pelo poder Executivo, articulado com os representantes no poder Legis- lativo e com a sociedade civil. É importante que todas as etapas do Plano Diretor sejam conduzidas, elaboradas e acompanhadas pelas equipes técnicas de cada Prefeitura Municipal e por moradores do município. A participação da sociedade não deve estar limitada ape- nas à solenidade de apresentação do Plano Diretor, em Audiência Pública. O Ministério das Cidades recomenda que os representantes do po- der Legislativo participem desde o início do processo de elaboração do Plano Diretor, evitando alterações substanciais, radicalmente distintas da proposta construída pelo processo participativo. Os vereadores podem colaborar muito também para dar boa redação plano_diretor_040608.indd 17 6/8/04, 11:54:37 PM 20 “Ler a cidade e o território”: Leitura participativa 1ª etapa: leituras técnicas e comunitárias “Ler a cidade” é a primeira etapa de elaboração de um Plano Diretor. Nessa etapa, trata-se de identifi car e entender a situação do muni- cípio – a área urbana e a área rural, seus problemas, seus confl itos e suas potencialidades. A leitura da cidade começará por leituras técnicas e leituras comunitárias, independentes, mas realizadas no mesmo período. Diferente do processo tradicional de construir diag- nósticos, a atividade de “Ler a cidade” não é leitura exclusiva de espe- cialistas, e pressupõe olhares diversos sobre uma mesma realidade. A leitura técnica ajuda a entender a cidade, pela comparação entre dados e informações socioeconômicas, culturais, ambientais e de infra-estrutura disponíveis. Esse trabalho deve ser feito pela equipe técnica da Prefeitura e, se necessário, pode ser complementado com estudos contratados ou que envolvam universidades regionais ou outras instituições de ensino e pesquisa. Mais do que reunir dados globais e médias locais do município, a leitura técnica deve revelar a diversidade, as desigualdades entre a zona urbana e rural, ou entre bairros de uma cidade; deve reunir análises de problemas e tendên- cias de desenvolvimento local e, sempre que possível, deve conside- rar o contexto regional de cada município; dentre outros. A leitura da cidade constitui um processo de identifi cação e discus- são dos principais problemas, confl itos e potencialidades, do ponto de vista dos diversos segmentos sociais. Deve contemplar as possí- veis alternativas para a solução dos problemas detectados, procuran- do enfocar todo o território do município. plano_diretor_040608.indd 20 6/8/04, 11:54:38 PM 21 Onde encontrar dados para consulta e pesquisa: SNIU – www.cidades.org.br IBGE – www.ibge.gov.br IPEA – www.ipea.gov.br IPHAN- www.iphan.gov.br PNUD – www.pnud.org EMBRAPA – www.embrapa.br Ministério do Exército – www.exercito.gov.br INPE – www.inpe.br Ministério do Meio Ambiente – www.mma.gov.br IBAMA – www.ibama.gov.br ANA – Agência Nacional das Águas – www.ana.gov.br CPRM/DNPM – www.cprm.gov.br e www.dnpm.gov.br PNUD – www.undp.org.br Nenhuma leitura é jamais exclusivamente técnica, ou é expressão, exclusivamente, das idéias de quem a elabore. Isso signifi ca que até os problemas, os confl itos e as avaliações de potencialidades podem variar conforme os grupos sociais que os elaborem. A leitura partici- pativa, portanto, é ocasião para que todos conheçam visões e modos de pensar diferentes dos seus. Desta forma, as leituras técnicas pro- duzidas pelos profi ssionais da Prefeitura ou por consultores devem ser enriquecidas com as leituras comunitárias, feitas pela população, sob os pontos de vista dos diferentes segmentos socioeconômicos: empresários, profi ssionais, trabalhadores, movimentos populares, entre outros. plano_diretor_040608.indd 21 6/8/04, 11:54:39 PM 22 Na Leitura Comunitária podem-se usar diferentes dinâmicas e materiais: • Construir mapas temáticos da cidade, com elementos oferecidos pelos participantes: • Usar fotos antigas e atuais, para visualizar mudanças e diferenças; • Oferecer equipamento fotográfi co, para que os interessa- dos façam registros pessoais dos pontos importantes e/ou problemáticos da cidade; • Fazer e apresentar entrevistas e pesquisas, resgatar a histó- ria, ou usar desenhos para documentar, discutir e refl etir sobre o município e região. A leitura da cidade reúne registros de memória das pessoas e grupos sociais, aponta elementos da cultura e da vivência e, assim, permite que se construam releituras coletivas dos confl itos, problemas e po- tencialidades. Para alimentar e consolidar a leitura comunitária é importante que o público encontre as informações sistematizadas na leitura técnica, construídas em linguagem acessível à maioria; essas informações são importantes para orientar as discussões, no sentido de estabe- lecer uma compreensão geral do município. Dentre os aspectos que todos devem conhecer destacam-se, por exemplo, a distribuição dos equipamentos públicos e de infra-estrutura existentes na cidade; a relação entre terras disponíveis para habitação e possibilidade de acesso a elas (para diferentes faixas de renda); localização e carac- terização das áreas mais importantes (ou mais ameaçadas) para preservação ambiental e cultural, dentre outros. plano_diretor_040608.indd 22 6/8/04, 11:54:39 PM 25 B – Mapas de caracterização e distribuição da população e seus movimentos • População por bairro e densidade; • População por faixa etária e escolaridade; • População por condições de emprego e de renda familiar; • Crescimento ou evasão de população. C – Mapas de uso do solo Mapa da ocupação atual do território – atividades e formas de uso e ocupação do solo já existentes, formais e informais, regulares ou não, vazios urbanos e zona rural, áreas habitacionais, indicando diferentes padrões existentes na cidade, áreas com edifi cações de maior altura, densidades habitacionais, morfologias. Mobilidade urbana é a capacidade para fazer as viagens neces- sárias para exercício dos direitos básicos de cidadão. Incorporar a Mobilidade Urbana no Plano Diretor é priorizar no conjunto de políticas de transporte e circulação, o acesso amplo e democráti- co ao espaço urbano e os modos não motorizados e coletivos de transporte, baseados nas pessoas e não nos veículos. D – Mapas da infra-estrutura urbana • Serviços e equipamentos e níveis de atendimento: • Redes de infra-estrutura (esgotamento sanitário, água, luz, telefone, drenagem, TV a cabo, infovias e outras); • Redes de equipamentos (educação, saúde, cultura, esporte e lazer, etc.); • População atendida por rede de água, esgotos e drenagem. plano_diretor_040608.indd 25 6/8/04, 11:54:41 PM 26 E – Mapas da atividade econômica do município • Atividades econômicas predominantes, inclusive as infor- mais e sua importância local e regional; • Atividades em expansão ou em retração, não só em termos de número de empregos e de empresas, mas de sua partici- pação na composição da receita do município. Dinâmica imobiliária Analisar o mercado imobiliário, tendências em curso (áreas em retra- ção, em expansão, entre outras) e novos produtos imobiliários. Legislação Levantar a legislação urbanística, leis de uso do solo, parcelamento, códigos de obras, posturas ambiental e patrimonial nos âmbitos municipal, estadual e federal, que incidem no município; analisar a atualidade dessa legislação (onde e se a legislação está ou não sendo aplicada; onde as formas de ocupação contrariam, tem contrariado ou podem vir facilmente a contrariar a legislação em vigor e por quê). Estudos existentes Levantar planos, estudos e projetos sobre o município, seus proble- mas, locais integrados, sociais, econômicos, demográfi cos, ambien- tais; potencialidades e vocação (por exemplo, estudos feitos em fóruns de desenvolvimento da Prefeitura ou outras instituições). Confrontar as leituras técnica e comunitária Sugerimos que essas leituras sejam sobrepostas; que se confron- tem os dois modos de ler a cidade, para identifi car informações e referências convergentes e divergentes. Essas leituras, depois de confrontadas, devem ser sintetizadas em textos e mapas, nos quais plano_diretor_040608.indd 26 6/8/04, 11:54:42 PM 27 se identifi quem as principais tendências, problemas, confl itos e po- tenciais do município. Os mapas devem ser acessíveis e estarem dis- poníveis para todos os participantes da elaboração do Plano Diretor e munícipes em geral. Nesse ponto do trabalho, afl oram alguns dos temas e confl itos mais importantes para a cidade; que podem ser, por exemplo, o direito a moradia versus a necessidade de conservação do meio ambiente, em área de proteção ambiental ocupada irregularmente; a tendência de verticalização, em núcleo histórico; a concentração de lotes vagos nas áreas centrais versus a expansão das periferias em áreas sem infra-estrutura ou ambientalmente frágeis; problemas de circulação versus problemas de congestionamento; ocupação de encostas ou de áreas inundáveis. 2ª etapa: formular e pactuar propostas Nem todas as questões são igualmente relevantes em todos os momentos da história de uma cidade. A partir da fase de leitura, serão defi nidos os temas prioritários para o futuro da cidade e para a reorganização territorial do município. De nada adianta um Plano Diretor tratar de dezenas de aspectos da cidade e não ter capacidade para intervir sobre eles. Portanto, é importante trabalhar com pers- pectiva estratégica, selecionando temas e questões cruciais para a cidade e que, se enfrentadas rapidamente e com efi cácia, podem redefi nir o destino da cidade. Para cada tema prioritário devem-se defi nir as estratégias e os ins- trumentos mais adequados, considerando-se as características e os objetivos da cidade, que estarão contidos no Plano Diretor. Essas es- tratégias e instrumentos são os caminhos e os meios para construir a cidade que se deseje, e devem ser discutidos e pactuados com to- dos os participantes do processo, para que se assegurar as condições necessárias para transformar a realidade de cada município. plano_diretor_040608.indd 27 6/8/04, 11:54:42 PM 30 mento urbano de natureza normativa, o Estatuto apresenta uma série de novos instrumentos para induzir o desenvolvimento e a in- clusão territorial da população marginalizada, e para fazer a gestão democrática do município. Os instrumentos para regular o desenvolvimento urbano podem, se bem aplicados, simultaneamente controlar o uso do solo, infl uenciar o mercado de terras, arrecadar e redistribuir oportunidades e recur- sos. A legislação urbanística, particularmente as leis de parcelamento do solo e de uso e ocupação do solo, devem ser revistas e incorporadas ao Plano Diretor. O Estatuto da Cidade (art. 40) estabelece ainda que os instrumentos de política econômica, tributária e fi nanceira dos municípios devem adequar-se aos objetivos do planejamento territorial. Isto signifi ca que deve haver coerência entre o modo de aplicar tributos (como IPTU, ISS e, inclusive, a Lei Orçamentária) e o Plano Diretor do muni- cípio. As propostas de investimentos, inseridas no Plano Diretor, devem orientar as prioridades de governo defi nidas no Programa Plurianual (PPA) do município, nas diretrizes orçamentárias e nos orçamentos anuais, que serão elaborados depois de o Plano Diretor estar apro- vado. É importante observar quais instrumentos são adequados à realida- de municipal; e se colaboram para que a cidade atinja os objetivos e encaminhe com sucesso as estratégias defi nidas no Plano Diretor. O cap. IV do Estatuto da Cidade, que trata da gestão democrática, oferece os instrumentos para que o município implante o processo de planejamento participativo; aí se propõe que se abram canais de participação direta e representativa, como as conferências e os con- selhos. As conferências são espaços coletivos de amadurecimento político, pela participação de diferentes segmentos e pela explicitação das plano_diretor_040608.indd 30 6/8/04, 11:54:44 PM 31 diversas idéias de construção de uma cidade. Realizadas sobre as- suntos de interesse do município, as conferências devem aglutinar idéias e propostas; e quando couber, devem ter representantes das esferas estadual e federal de governo, especialmente em conferên- cias em que se discutam matérias de competências concorrentes (por exemplo, relacionadas ao patrimônio cultural e ambiental). As conferências são importantes para enriquecer o debate e para que todos os segmentos envolvam-se e comprometam-se também na implementação, no controle e na fi scalização do Plano Diretor. Nas conferências, elegem-se os delegados que formarão os conselhos. Os conselhos municipais são órgãos colegiados, dos quais partici- pam representantes do poder público e da sociedade civil, que acom- panham, controlam e fi scalizam a implementação do planejamento territorial. Nos municípios onde não se construa o Plano Diretor, ou nos quais ele seja construído sem participação dos cidadãos, o Pre- feito pode ser julgado por improbidade administrativa (art. 52, Estatuto das Cidades). Além das conferências, as audiências públicas também são requisi- to obrigatório no processo de discussão para a aprovação do Plano Diretor na Câmara Municipal, sendo condição para validação da lei municipal que institui o Plano Diretor. Em alguns municípios, a Lei Orgânica Municipal determina a quantidade de audiências, que deve variar de acordo com a população e com a proposta de partici- pação popular de cada município Cabe à Prefeitura dar ampla divulgação e facilitar o acesso aos do- cumentos e informações produzidos durante todo o processo par- ticipativo de elaboração do Plano Diretor. Essa divulgação e a possi- bilidade de conhecer documentos e informações são indispensáveis para que parcela signifi cativa da população participe efetivamente nos debates, até a aprovação fi nal do Plano Diretor. plano_diretor_040608.indd 31 6/8/04, 11:54:44 PM 32 4ª etapa: o sistema de gestão e planejamento do município A lei do Plano Diretor deve estabelecer a estrutura e o processo par- ticipativo de planejamento para implementar e monitorar o Plano Diretor. O monitoramento compreende avaliações, atualizações e ajustes sistemáticos, que devem estar defi nidos na lei. O Plano Di- retor deve defi nir também as instâncias de discussão e decisão do monitoramento, como os conselhos, sua composição e suas atribui- ções. A forma como o sistema de gestão e de planejamento será imple- mentado e monitorado, para garantir o controle social, dependerá da montagem acordada no pacto de elaboração do Plano Diretor e deverá ser coerente com a capacidade de gestão do município. Por exemplo, através do Conselho da Cidade, no Sistema de Gestão e Pla- nejamento do Município, ou estruturas assemelhadas. A conclusão do Plano Diretor não encerra o processo de planejamen- to. Ajustes podem e devem ser feitos. É recomendável que o próprio Plano Diretor determine os meios e a sistemática para revisá-lo. Con- forme o Estatuto da Cidade, a lei que institui o Plano Diretor deverá ser revista pelo menos a cada 10 anos. A revisão e os ajustes deverão ser discutidos e acordados de forma integrada com os demais fóruns de discussão atuantes no município, consolidados em conferências municipais e articulados com as demais ações implementadas pelos diferentes níveis de governo. plano_diretor_040608.indd 32 6/8/04, 11:54:45 PM 35 TEMAS SELECIONADOS PARTE II plano_diretor_040608.indd 35 6/8/04, 11:54:45 PM 36 apresentação Nessa parte, apresentam-se 12 artigos em que se discutem temas novos, polêmicos ou complexos, selecionados por isso, e que já co- meçaram a ser discutidos na V Conferência das Cidades, realizada em dezembro de 2003, em uma parceria envolvendo o Ministério das Cidades e a Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior (CDUI) da Câmara de Deputados. Cada um dos temas que se lêem adiante foi discutido num grupo de trabalho da V Conferência, a partir de um documento-base, apresen- tado por um especialista. A discussão completa, com todos os documentos-base será editada como Anais da V Conferência das Cidades e está em processo de edição, pela CDUI. Dos 12 artigos aqui reunidos, 11 foram elaborados pela equipe téc- nica do Ministério das Cidades, a partir daqueles documentos-base e complementados pelas discussões do grupo e pelas diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). O artigo “Plano Diretor e Política Habitacional”, não discutido na V Conferência, foi elaborado pela equipe da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. plano_diretor_040608.indd 36 6/8/04, 11:54:45 PM 37 tema 1 plano diretor e desenvolvimento econômico Na atual conjuntura brasileira, o trabalho assalariado formal não é o que predomina; a produção industrial já não é capaz de gerar empregos como no passado; e o setor de serviços não tem a poten- cialidade que se acredita que tenha. Num país onde grande parcela da população está excluída do sistema de produção, um dos refl exos da organização econômica vigente são os espaços urbanos de ilega- lidade e clandestinidade, o trabalho informal e a concentração de pobreza. Os espaços de desigualdade são produzidos como refl exo de uma organização econômica que prioriza investimentos públicos em áreas prioritárias para a produção, em detrimento do conjunto da população. Enquanto o planejamento e as intervenções urbanísticas refl etirem apenas os interesses do mercado imobiliário, do capital e das elites fundiárias, não conseguiremos atingir o bem coletivo. É emergencial e visível, portanto, a necessidade de criarmos outros paradigmas de organização produtiva, que se estabeleçam para garantir que a propriedade cumpra sua função social. Como determina o Estatuto da Cidade (art. 39), a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências expressas no Plano Diretor. A função social da propriedade no Estatuto da Cidade O Estatuto da Cidade (art. 2º) estabelece que a política urbana tem o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes, entre as quais destacamos as que se lêem nos incisos IV, VII e VIII. A pergunta que nos deve motivar para a elaborar planos diretores que integrem o desenvolvimento econômico e a metodologia do Estatuto das Cidades é: que desenvolvimento queremos e como fazer para atingi-lo? plano_diretor_040608.indd 37 6/8/04, 11:54:46 PM 40 interesses que podem contribuir para a construção social pactuada. O local é propício ao planejamento, à gestão, ao monitoramento participativo e à apropriação do espaço urbano e do espaço político pela população. Nesse momento de uma nova proposição para o Plano Diretor, tra- zida pelo Estatuto da Cidade e diante da crise socioeconômica, é preciso que se desenvolva uma nova compreensão do desenvolvi- mento, na qual a dimensão econômica não achate as possibilidades de emergirem novos sujeitos sociais. Assim, levando em consideração o Plano Diretor – instrumento de planejamento municipal, articulado a planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e a orçamentos anuais –, que visa, entre ou- tros objetivos, a regular a função social da cidade e da propriedade urbana, busca-se construir um outro modo de organizar a produção e o território, no âmbito da integração das políticas públicas e da articulação com as políticas urbanas, compatível com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica. A metodologia para elaboração de Plano Diretor deve incorporar em suas etapas, os problemas, os potenciais, as lógicas e os atores ins- titucionais e populares voltados para o projeto de desenvolvimento econômico da cidade, para um tipo de desenvolvimento que incor- pore a economia solidária com a geração de emprego e renda. Diretrizes para elaborar Planos Diretores que integrem, na metodologia, o desenvolvimento econômico • Prover espaços adequados para toda a população do mu- nicípio, e garantir os instrumentos para que a propriedade urbana e rural cumpra sua função social; • Reverter a lógica excludente que se verifi ca nos espaços de distribuição dos produtos agrícolas nas cidades e na área rural, onde predomina a grande propriedade dos que con- centram bens, os melhores meios de armazenamento e de plano_diretor_040608.indd 40 6/8/04, 11:54:47 PM 41 circulação de mercadorias, as informações e a infl uência para determinar a ordem econômica; buscar uma distribui- ção mais justa da propriedade; • Reverter a lógica que orienta as políticas urbanas que rea- locam as classes populares em locais distantes, sem infra- estrutura, onde o preço da terra é mais baixo, e criam um padrão de segregação e desigual de distribuição de classes populares no território, atrelado à produção massifi cada de habitações populares, inadequadas ao bem-estar dessas populações; • Descentralizar atividades, melhorando seu acesso, criar es- paços econômicos nas áreas periféricas, redistribuir setores econômicos industriais e comerciais em todo o território; • Preservar a qualidade ambiental das áreas rurais, diversifi - cando as atividades; • Trabalhar para organizar um universo produtivo democráti- co, cooperativo e adequado ao meio ambiente e ao próprio ser humano; • Colaborar para criar espaços para a economia solidária, na distribuição da produção rural; • Integrar o espaço rural e urbano e identifi car o que e onde produzir, e para quais mercados; • Buscar um desenvolvimento integrado a um projeto de país, que articule os mercados regionais, mas que fortaleça o local e as redes de relação entre as pessoas, com apoio aos empreendimentos de economia solidária, articulando ações de acesso a crédito e apoio à incubagem de cooperativas populares; • Considerar no processo de planejamento e gestão, que os consórcios municipais são fundamentais para a gestão de serviços públicos e para coordenar políticas e elaborar pla- nos de desenvolvimento regional; • Considerar nas políticas setoriais,por exemplo, no manejo de resíduos sólidos, que as estratégias de desenvolvimento plano_diretor_040608.indd 41 6/8/04, 11:54:47 PM 42 econômico não se limite à destinação do lixo, mas também- planeje a geração dos resíduos com a inclusão dos catado- res como agentes centrais desse processo. O Plano Diretor é um campo de construção da ação política e de construção de novos vetores de desenvolvimento econômico e so- cial, no qual está em disputa a própria noção de desenvolvimento, a partir de diferentes modos de ver, dos cidadãos, sobre a cidade que desejam. plano_diretor_040608.indd 42 6/8/04, 11:54:47 PM 45 serão benefi ciados com essa integração e, principalmente, a cidade; os cidadãos poderão benefi ciar-se com a integração e sentir-se parte nos rumos traçados coletivamente. As conferências têm a fi nalidade de defi nir os grandes marcos da política urbana, por exemplo, ao propor princípios, diretrizes e prio- ridades para o Plano Diretor ou para a política urbana, e ao escolher os membros para o Conselho de Política Urbana ou da Cidade. A Con- ferência é um momento privilegiado para ampliar a participação na cidade, dirimir confl itos, integrar o debate sobre as políticas setoriais e sobre experiências de Orçamento Participativo, e pode tornar-se o grande evento político de concertação de idéias, na cidade. O Plano Diretor de Belo Horizonte, por exemplo, prevê que a Conferência da Cidade seja feita a cada quatro anos, e que seja precedida de con- ferências temáticas e regionais, nas quais se avalia e aperfeiçoa o Plano Diretor do município. Se já houver Conselho, ele tem a prerrogativa de coordenar todo o processo de elaboração do Plano Diretor; e cabe-lhe encaminhar a implementação dos instrumentos participativos, além de acompa- nhar a execução. Se ainda não houver Conselho, o processo pode ser iniciado com uma Audiência Pública, na qual será planejado o enca- minhamento dos instrumentos, além de serem defi nidas as etapas de elaboração do Plano Diretor. O Estatuto da Cidade prevê também a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Por exemplo, projetos que criem Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são possíveis e viáveis. Em todos esses casos, dada a comple- xidade da tarefa de elaborar o Plano Diretor, é indispensável que o Executivo municipal participe, para induzir o processo. Metodologia participativa, para elaborar o plano Os instrumentos contidos no Estatuto, não são sufi cientes, por si sós, para fazer falar muitos cidadãos que, ao longo dos anos, introjeta- ram atitudes de submissão, ou foram longa e duramente discrimi- nados socialmente. plano_diretor_040608.indd 45 6/8/04, 11:54:48 PM 46 Portanto, devem-se estabelecer outras formas de participação, em todas as etapas. Para isso, devem-se considerar três níveis de envol- vimento: o Núcleo Gestor; os multiplicadores; e a população como um todo, com especial atenção aos setores territorialmente margi- nalizados. A participação deve ser ajustada a cada etapa da elabora- ção do Plano Diretor, considerando as especifi cidades dos objetivos a serem alcançados. O processo é cíclico e contínuo; é possível, portan- to, sendo o caso, retomar etapas que já tenham sido ultrapassadas. Núcleo Gestor O processo de elaborar o Plano Diretor começa pela instalação do Núcleo Gestor, composto de representantes do poder público e da sociedade civil. Ele deve expressar a diversidade de todos os setores sociais atuantes no município. O Núcleo Gestor tem papel estratégi- co: cabe a ele preparar, conduzir e monitorar a elaboração do Plano Diretor. Cabe portanto ao Núcleo Gestor: • Formular os planos de trabalho de elaboração técnica e mo- bilização social; • Elaborar o cadastro das organizações sociais atuantes da sociedade civil; • Coordenar os núcleos de comunicação, de informação/ capacitação e de organização da participação; • Propor critérios para decidir prioridades; • Assegurar o cumprimento das regras estabelecidas coleti- vamente; • Compatibilizar o trabalho técnico com a leitura comunitária ao longo de todo processo. Preparação Antes de dar início ao processo de planejamento, é preciso conside- rar as condições locais em que se implantará o que for planejado: a realidade vivida pelos moradores. plano_diretor_040608.indd 46 6/8/04, 11:54:48 PM 47 Nessa etapa, identifi cam-se os atores sociais presentes no município, suas territorialidades e formas de organização, sempre observando que a construção de uma nova cidade menos confl ituosa e exclu- dente, mais harmônica e justa, depende da participação de todos. Além disso, é necessário identifi car os canais de participação mais efetivos para a realidade daquele município, assim como avaliar o modo como se desenrola o processo de tomada de decisão. Inauguração É o ponto de partida de mobilização da sociedade, quando se anun- ciam o início do processo e as regras para elaborar o Plano Diretor Municipal e para participar do trabalho: é o momento em que a sociedade deve ser convocada e atraída. Deve ser momento simulta- neamente lúdico e solene, e deve ser amplamente divulgado para a população, por todos os meios de comunicação pública disponíveis, com especial atenção à divulgação em espaços públicos abertos, mais tradicionalmente freqüentados pelos setores populares. Capacitação Nessa fase, dá-se início ao programa de esclarecimento da popula- ção sobre o que será feito. O Plano Diretor Municipal começa por a sociedade conhecer a realidade como resultado de um processo de desenvolvimento desigual. Nessa fase, divulgam-se as informações, para que os cidadãos as conheçam e a discussão possa começar ade- quadamente. É importante que a população entenda claramente o que é o Plano Diretor Municipal, a importância do Plano como instrumento para resolver problemas recorrentes na organização socioespacial da ci- dade e participe desde o início de sua construção. A população deve entender com clareza que o Plano prevê e inclui as contribuições tra- zidas pelo Estatuto da Cidade na gestão democrática e participativa, para promover a regularização fundiária, para induzir o desenvolvi- mento urbano e para combater a especulação imobiliária. plano_diretor_040608.indd 47 6/8/04, 11:54:49 PM 50 O Plano Diretor não pode ser um planejamento fi ctício, parcial ou fora da realidade e condições do município. Para elaborá-lo, é indis- pensável levar em conta as forças políticas, sociais e econômicas que atuam na cidade, e as possibilidades orçamentárias, ou condições novas e futuras de arrecadação, estabelecidas durante o processo. O momento de construir o pacto, para elaborar o Projeto de Lei “Pla- no Diretor Municipal” é decisivo, porque nesse momento afl oram as divergências e os confl itos. Essas divergências e confl itos, se bem tra- balhados e negociados em espaços transparentes de decisão, produ- zirão um novo patamar de relações e propostas viáveis e pactuadas que, portanto, terão maiores chances de serem concretizadas. Afi nal, se planejamos segundo a realidade, é de suma importância que to- dos reconheçamos nossas limitações, para que todo o trabalho feito até aqui não seja levado ao descrédito. As leituras sistematizadas – incluindo o resultado delas, as estraté- gias, os instrumentos, o que houver sido pactuado e o sistema de gestão –, transformam-se no Projeto de Lei do Plano Diretor Munici- pal. É nesse momento que as diretrizes transformam-se em instru- mentos concretos de caráter jurídico e urbanístico. Por exemplo: a diretriz que orienta para “ampliar espaços para mo- radia popular em áreas com infraestrutura” deve ser considerada quando se delimitarem as ZEIS, seja para urbanizar vilas e favelas, seja para ocupar vazios urbanos para produzir novas moradias. A diretriz que orienta para que se dê “apoio à economia popular e à pequena e média empresa” deve traduzir-se em normas para o uso misto e abertura de novos espaços descentralizados para instalar as atividades. Quem tenha trabalhado nas diretrizes deve estar presen- te no momento em que se defi nam as áreas do território onde as propostas serão concretizadas. Discussão na Câmara Municipal e aprovação O Projeto de Lei do Plano Diretor, apresentado à sociedade em Audi- ência Pública, será submetido à Câmara Municipal para ser discuti- do. Quanto mais o Legislativo tenha se envolvido no processo, maior plano_diretor_040608.indd 50 6/8/04, 11:54:50 PM 51 a probabilidade de que o Projeto seja aprovado e convertido em Lei, sem alterações que o descaracterizem ou o afastem do interesse da maioria dos cidadãos ativos no processo participativo. Implementar o Plano Diretor Nessa etapa, sabedores do que se pode efetivamente fazer, parte-se para implementar defi nitivamente o Plano Diretor. Para determinar o ponto de partida, é preciso trabalhar com critérios pré-estabeleci- dos, em diversas ordens. Como determinar a ordem cronológica de implementação, dentre o conjunto de projetos identifi cados e distri- buídos em categorias de prioridade? Monitoramento Implementado o sistema de gestão, devem-se avaliar os impactos das proposições formuladas e monitorar resultados obtidos. Dessa maneira, consegue-se analisar e compreender as mudanças e veri- fi car se os caminhos propostos estão, de fato, nos aproximando dos nossos objetivos e construindo uma cidade melhor para todos. etapas da construção participativa do plano diretor aspectos a destacar 1 Constituir o Núcleo Gestor Equipe de coordenação 2 Preparar o processo As condições locais 3 Lançar e divulgar Por que e como participar 4 Capacitar O que é um plano Diretor 5 Ler a Cidade (Leitura Técnica e Comunitária) A cidade que temos 6 Formular a estratégia A cidade que queremos ter 7 Construir o Pacto e o Projeto de Lei O caminho para a cidade viável 8 Discutir na Câmara Municipal, para aprovar A cidade que podemos ter 9 Implementar projetos A cidade em transformação 10 Monitorar Por e para uma cidade melhor plano_diretor_040608.indd 51 6/8/04, 11:54:50 PM 52 Historicamente, a inexistência de diálogo com os setores populares produziu planos e leis urbanísticas, com padrões e parâmetros exclu- dentes, refl etindo apenas os interesses da parcela da população com acesso à cidade legal. A democratização do processo de planejamento é fundamental para romper esse círculo vicioso e transformá-lo num processo comparti- lhado com os cidadãos e assumido por todos os atores. A participa- ção no processo de planejamento se coloca como um insumo funda- mental para formular políticas públicas e para que os instrumentos de planejamento e gestão do espaço urbano possam ser implanta- dos. O planejamento deixa de ser solução apenas técnica, e é conver- tido em resultado de articulação política entre os atores sociais. Para que esse processo se efetive, é necessário que passemos por um processo de aculturação e que complementemos o instrumental técnico com outras linguagens – simbólicas, lúdicas, corporais. plano_diretor_040608.indd 52 6/8/04, 11:54:51 PM 55 de desempenhar um papel negativo, de apenas impor restrições à descaracterização, e passaria a articular projetos de desenvolvimen- to para as áreas a serem preservadas/conservadas/revitalizadas. Em termos urbanísticos, isso se traduz na questão da integração entre o planejamento macro – o Plano Diretor– e o planejamento para as chamadas “áreas históricas”, o plano especial demandado por elas. Esse desafi o deve ser respondido mediante estratégias de “contaminação”: trata-se de impregnar o Plano Diretor com a idéia da conservação; e de impregnar o “plano especial para as áreas his- tóricas” com a idéia da dinâmica urbana. No que se refere ao Plano Diretor, isso signifi ca tratar a cidade como um todo, e não apenas as chamadas “áreas históricas”, sob a pers- pectiva da conservação/reabilitação. Há várias formas para fazê-lo. Em primeiro lugar, na própria construção do Plano Diretor, em suas diferentes etapas. No que se refere ao conhecimento a ser construí- do sobre a cidade, os levantamentos de dados e informações não se devem ater – como tantas vezes acontece – apenas às características físico-funcionais; devem abranger os parâmetros culturais no seu sentido amplo – ambiências, paisagens, maneiras de viver, dentre ou- tros. Aqui, é preciso recorrer a outro instrumental, que tem de incluir, necessariamente, as leituras tipológicas e morfológicas, cujo objetivo fi nal deve ser sempre garantir a diversidade da cidade existente, re- forçando os seus lugares e referências culturais.* Outro instrumento do campo do patrimônio que pode ser usado de maneira proveitosa para formular planos diretores com viés cultural são os inventários culturais, que se podem converter em poderosos instrumentos de análise urbana. Em termos de propostas, cabe observar que na fase de proposição não se deve ter medo do desenho urbano, e deve-se recorrer à pró- pria tradição de nosso urbanismo, que sempre se utilizou de meca- * Consideramos exemplares os trabalhos feitos em Recife, nos quais, a partir de uma análise desse tipo, identifi caram-se “unidades ambien- tais” a partir de seus diversos atributos; e em Porto Alegre, nos quais se propuseram 80 “áreas especiais de interesse cultural”, 36 classifi cadas como “área” e 44 como “lugar”, a partir de uma elaborada “matriz de valores”.. plano_diretor_040608.indd 55 6/8/04, 11:54:52 PM 56 nismos como o estabelecimento de tipologias, modelos e gabaritos, para, numa perspectiva da conservação, compatibilizar as novas in- serções e as preexistentes. Finalmente, do ponto de vista dos instrumentos, os planos direto- res realizados sob a perspectiva da conservação/reabilitação não se devem limitar a um enfoque meramente normativo; esses planos têm necessariamente de dar tratamento estratégico às diversas questões que sejam levantadas. As estratégias que visam à conser- vação devem somar-se necessariamente àquelas que aspiram à rea- bilitação dessas áreas. Não se trata mais aqui simplesmente de gerir passivamente – ou pelo poder de controle negativo – as inevitáveis mudanças que sofrem os conjuntos urbanos, mas de induzir estra- tegicamente o desenvolvimento desses conjuntos, considerando o seu patrimônio cultural como um bem e como importante base para que se construa um projeto de desenvolvimento local. Centros Históricos e Áreas Centrais No caso brasileiro, cabe observar que os centros históricos das cida- des correspondem, quase sempre, às áreas urbanas centrais. Trata- se geralmente de conjuntos em precárias condições de conservação, com edifi cações dispostas em tramas de valor patrimonial e que se integram a uma região central das cidades, compreendendo um bairro ou um conjunto de bairros consolidados, com signifi cativo acervo edifi cado e articulado, em torno do núcleo tradicional da cidade, dotado de infra-estrutura urbana, equipamentos e serviços públicos, comércio, prestação de serviços e oportunidades de traba- lho. Para essas áreas, a política de reabilitação proposta pelo governo federal consiste na gestão de ações integradas, pública e privada, de recuperação e reutilização de áreas já consolidadas da cidade, com- preendendo os espaços e edifi cações ociosas, vazias, abandonadas, subutilizadas, insalubres e deterioradas, a melhoria dos espaços e serviços públicos, da acessibilidade e dos equipamentos comunitá- rios. Essa política prioriza o repovoamento sustentável das áreas ur- banas centrais e busca reverter o quadro nacional de défi cit habita- plano_diretor_040608.indd 56 6/8/04, 11:54:52 PM 57 cional, de paulatino esvaziamento dessas áreas nos grandes centros urbanos, utilizando-se do Estatuto da Cidade como marco jurídico e institucional para promover as ações de reabilitação. Os Planos Diretores realizados sob a ótica da conservação/ reabilitação devem portanto propor os instrumentos e as ações estratégicas necessárias para que essas áreas cumpram sua função social, garantindo-se sempre, nas operações de reabilitação, a ma- nutenção da população existente e uso e ocupação heteregêneos, recuperando a diversidade – étnica, de classe e de gênero. Planos Diretores e Planos de Conservação Quanto aos planos especiais de preservação/reabilitação, eles não devem, em nenhuma hipótese, ser relegados a segundo plano, sob o risco de não se promover a necessária proteção dos valores culturais em jogo, que têm de ser tratados em plano detalhado e cuidadoso. Esse necessário trabalho aprofundado deve estabelecer os níveis e a intensidade de proteção de cada um dos elementos que integram o conjunto urbano, os usos admitidos e proibidos, bem como todo o restante da pauta da preservação/conservação. Para isso, esses planos devem conter, como demonstram as experiências internacio- nais, informação de natureza variada: cartografi a histórica, plantas topográfi cos, cadastrais, estudos de tipologias de edifi cações, de propriedades públicas, graus de proteção, entre outros. Esses planos também devem ter concepção estratégica, e conter instrumentos para contemplar a dinâmica urbana. Os planos de preservação/ reabilitação não se devem limitar ao mero controle formal, mas articular-se interna e externamente com as outras dimensões do planejamento macro. Internamente, eles devem apresentar-se sob forma integrada, articulando as dimensões físico-territorial, econô- mico-social e cultural, em sentido amplo. Externamente, os planos especiais devem articular-se intimamente com a legislação urbanís- tica mais geral, o Plano Diretor, com sua força de controle do uso do solo, e, também com os planos setoriais de trânsito, habitação, de desenvolvimento das atividades econômicas, entre outros. Em suma, plano_diretor_040608.indd 57 6/8/04, 11:54:52 PM 60 • A estrutura das propriedades imobiliárias rurais com ati- vidades agropecuárias, de extração vegetal e exploração mineral, caracterizadas quanto ao preço da terra, grau de concentração fundiária e perfi l de arrendamento; • As tendências de evolução e transformação na produção agropecuária, extração vegetal e exploração mineral, dependendo da situação; • As principais destinações e formas de transporte dos produtos agropecuários, da extração vegetal e exploração mineral; • As áreas com importantes recursos naturais preservados; • As áreas com importantes recursos naturais preservados e com capacidade de recuperação; • O passivo ambiental; • O perfi l do solo do ponto de vista geotécnico e da produção agrícola; • O perfi l socioeconômico e a organização territorial dos nú- cleos-sede dos distritos rurais; • Os loteamentos clandestinos classifi cados segundo sua es- trutura fundiária, condições urbanísticas e perfi l socioeco- nômico; • Os condomínios residenciais fechados, formais e clandestinos; • A presença ou não de indústrias poluidoras; • As compatibilidades e incompatibilidades entre as ativida- des agropecuárias, extrativistas, de exploração mineral e os núcleos de moradias, formais e clandestinos; • O perfi l dos bens e imóveis de interesse histórico, arquite- tônico e cultural como, por exemplo, fazendas antigas que guardam patrimônio de períodos econômicos anteriores. O cadastro georreferenciado dos imóveis rurais, mapeando as carac- terísticas das propriedades agrícolas, é uma das informações básicas para visualização da estrutura fundiária na zona rural. Entretanto, a plano_diretor_040608.indd 60 6/8/04, 11:54:53 PM 61 construção dessa informação enfrenta muitas difi culdades. No Bra- sil, ainda não existe um cadastro completo, atualizado e acessível desses imóveis. O INCRA não possui essa informação organizada e os registros nos Cartórios de Imóveis apresentam defi ciências. Nesse caso, é preciso mobilizar a informação existente e disponível, como cadastros de empresas públicas (EMATER ou Secretarias Estaduais ou Municipais de Agricultura). Com relação às atividades produtivas, é importante analisar as for- mas de organização da produção e dos produtores. Nessa análise, cabe investigar eventuais arranjos e cadeias produtivas e as respec- tivas condições dos seus trabalhadores. A elaboração da leitura socioterritorial das zonas rurais é também um processo de análise das relações políticas e econômicas entre os atores coletivos presentes nesse território. Vale observar a presença ou não de latifundiários e usineiros, junto com o grau de coesão en- tre os pequenos produtores, a existência ou não de cooperativas, a consolidação da agricultura familiar, dentre outros aspectos relacio- nados à conformação dos grupos de interesse. Em geral, as zonas rurais possuem áreas de interesse para preser- vação ambiental com importantes mananciais hídricos, nascentes, cursos d’água, maciços vegetais, solos agriculturáveis, dentre outros recursos naturais. É importante qualifi car a diversidade e as condi- ções de preservação desses recursos e, em caso de deterioração, a capacidade de recomposição, por exemplo, de maciços vegetais e matas ciliares. O desenvolvimento da agroindústria, a monocultura, a mecanização da produção agrícola, o uso de agrotóxicos, a prática de queimadas, dentre outras ações, têm gerado impactos ambientais que devem ser submetidos a análises precisas. Tais impactos geram passivos ambientais que precisam ser avaliados. É preciso investigar as con- dições das áreas de preservação permanente, as reservas legais, as ocorrências de erosão, o assoreamento dos cursos d’água, a ocorrên- cia ou não de contaminação do solo e dos recursos hídricos. plano_diretor_040608.indd 61 6/8/04, 11:54:54 PM 62 Quanto ao solo, é imprescindível identifi car as áreas agriculturáveis e não agriculturáveis. E, dentre essas últimas, analisar as possibili- dades de usar e ocupar para fi ns diversos. É importante ter o perfi l planialtimétrico da zona rural, porque as declividades condicionam as formas de mecanização da produção e do cultivo. Nesse sentido, nas áreas com maiores declividades, com solo favorável ao plantio, pode-se desenvolver produção intensiva baseada em pequenas pro- priedades, na escala familiar. Assim como na zona urbana podem ocorrer confl itos entre os usos residenciais e não residenciais, pela geração de incômodos como: ruídos, emissão de poluentes e geração de tráfego na zona rural. Tais confl itos podem aparecer entre formas de produção agrícola* e áreas de expansão urbana ou de urbanização específi ca. Por exem- plo, as grandes queimadas da cana-de-açúcar geram não somente situações de incômodos, provocados pela fumaça e fuligens, mas também de perigo de vida real trazido pelo fogo. O uso de agrotóxi- cos pode gerar confl itos da mesma ordem. A resolução de confl itos desse tipo exige, necessariamente, um encaminhamento político, que norteará a construção da proposta para um macrozoneamento rural. O macrozoneamento rural Como mencionado anteriormente, a sistematização da leitura so- cioterritorial das zonas rurais condiciona-se pelos objetivos do Plano Diretor expressos no macrozoneamento urbano e rural. Obviamente, as orientações do macrozoneamento urbano são distintas do rural. As variáveis consideradas em um ou outro são diferentes. Entretan- to, ambos são a base para o planejamento territorial e nada mais são do que a destinação socioeconômica e ambiental das diferentes partes do município. No macrozoneamento urbano identifi cam-se as áreas prioritárias, secundárias e restritas para o incremento da ocupação e do aden- * Há outras formas de produção agrícola que são obviamente compatí- veis com a moradia, como a produção de hortifrutigranjeiros e a agri- cultura familiar. plano_diretor_040608.indd 62 6/8/04, 11:54:54 PM 65 se para a realização de novos parcelamentos urbanos. Porém, essa solução nem sempre é viável; por exemplo, se houver grandes vazios urbanos em contextos locais. É importante ressaltar que essas demarcações devem ser coerentes com o macrozoneamento rural e vir acompanhadas por medidas de combate aos vazios urbanos, com instrumentos urbanísticos que ampliem democraticamente o acesso à terra na área urbana con- solidada. Adotar essas medidas e aplicar esses instrumentos devem ser ações prioritárias, tendo em vista o objetivo principal do Plano Diretor: promover o desenvolvimento e a expansão urbana de forma socialmente justa e ambientalmente equilibrada. A regularização das ocupações na zona rural Em alguns municípios, moradores de núcleos clandestinos e irre- gulares implantados na zona rural têm pressionado os governos locais, inclusive via Ministério Público, reivindicando a regularização fundiária e urbanística. São moradores com diversos níveis de ren- dimento, principalmente níveis médios. Trata-se aqui de residentes em condomínios fechados, loteamentos populares e loteamentos de padrão médio. A irregularidade das ocupações urbanas na zona rural é multiface- tada. Nem todas as situações são regularizáveis. Para cada situação exige-se uma estratégia específi ca. Apesar de as ações de regulari- zação fundiária e urbanística poderem ser implementadas indepen- dentes do Plano Diretor, é importante articular essas estratégias no sistema de planejamento e gestão territorial do município, evitando regularizações ad hoc mediante termos de ajustamento de conduta pontuais. A regularização das ocupações na zona rural deve ser bastante crite- riosa, especialmente nos locais com muitos vazios urbanos. Deve-se sempre ter o cuidado de não induzir o surgimento de outras ocupa- ções, principalmente em áreas distantes do perímetro urbano. É imprescindível defi nir claramente os critérios para identifi car os núcleos regularizáveis. Por exemplo, os núcleos implantados até plano_diretor_040608.indd 65 6/8/04, 11:54:55 PM 66 uma data limite, próximos às sedes dos distritos rurais, ocupados pela população de baixa renda, em estágio avançado de consoli- dação, localizados fora das áreas de risco e de interesse ambiental, dentre outros. E os núcleos ocupados por grupos de renda média e alta? Esses preci- sam ser analisados com mais cuidado. Podem ser regularizados, me- diante contrapartida fi nanceira, desde que preencham os critérios pré-estabelecidos. Se for possível, o Plano Diretor deve identifi car todas ou parte das áreas regularizáveis localizadas na zona rural; e deve incluir as es- tratégias e instrumentos para efetivar a regularização. Para isso, é imprescindível mapear e traçar o perfi l social, econômico e territorial de todos os núcleos na fase da leitura. Caso esse mapeamento e aná- lises não se viabilizem, pode-se detalhar um plano de regularização urbanística e fundiária em Lei Complementar. Contudo, é fundamen- tal estabelecer no Plano Diretor os critérios básicos para identifi car os núcleos regularizáveis, as estratégias para efetivar as ações de re- gularização, os parâmetros para a adequação urbanística, e defi nir as responsabilidades dos atores sociais envolvidos, como poder público, moradores e loteadores.* Como em qualquer ação de regularização fundiária e urbanística, é importante que se adotem medidas preventivas que evitem que se produzam novos núcleos clandestinos e irregulares. As partes deso- cupadas dos núcleos parcialmente construídos podem retornar à condição de gleba. É importante que o poder público use seu poder de polícia na fi scalização e controle dos loteamentos e condomínios clandestinos e irregulares localizados nas zonas rurais, interditando, embargando e até demolindo novos núcleos. Entretanto, o exercício do poder de polícia da administração não pode ser uma ação isolada; deve estar articulado com estratégias para democratizar e ampliar o acesso à terra urbana em áreas adequadas. O sentido do poder de * Pode ser estrategicamente útil envolver a Procuradoria do Município, o Ministério Público e a Corregedoria nas discussões para consolidar essas propostas e critérios. plano_diretor_040608.indd 66 6/8/04, 11:54:55 PM 67 polícia da administração na regulação territorial não é pura e sim- plesmente proteger a propriedade, e assim garantir o cumprimento de sua função social da propriedade. plano_diretor_040608.indd 67 6/8/04, 11:54:55 PM 70 Na maioria dos municípios, a mobilização social limita-se aos con- selhos obrigatórios nas áreas de saúde e educação. Conselhos de política urbana ou habitação são pouco expressivos. Mas em mui- tos se destaca o trabalho das comunidades de base feito pela Igreja Católica, ou a organização das comunidades rurais em função da produção. A abertura de espaços institucionais de participação terá muito mais chance de sucesso (tanto em pequenos municípios como em gran- des), se houver vontade política de romper com a prática tradicional: autoritária, clientelista e vertical. Não faz sentido reproduzir, para a estrutura social de uma pequena cidade, os complexos instrumentos de mobilização presentes nas grandes metrópoles, com a sua multi- plicidade de arenas representativas e mecanismos de participação. Outro grande diferencial na capacidade de planejamento dos municípios de mesmo porte resulta do seu grau de integração microrregional, nas suas diversas formas: consórcios, associações microrregionais, pactos, fóruns de desenvolvimento, comitês etc. A capacidade municipal para elaborar o Plano Diretor será tanto maior quanto mais o município estiver articulado com os demais municí- pios da microrregião e iniciar seu processo de planejamento a partir da identifi cação da sua vocação regional, da divisão de papéis, entre outros pontos. Essa articulação, não só potencializa a solução de problemas co- muns e qualifi ca os resultados, como permite otimizar recursos no processo de elaborar o Plano Diretor, ao possibilitar a contratação de serviços comuns como consultorias, elaboração de cadastros, estu- dos, mapeamento, dentre outros. Desafi os e perspectivas No Brasil, têm-se alimentado altas expectativas de consagrar con- quistas sociais mediante mudanças na lei e no instrumental norma- tivo. Com a mesma freqüência com que se criam, essas expectativas têm sido frustradas, após grandes investimentos institucionais na elaboração de um Plano Diretor que não resulte em mudanças efetivas ou numa reorientação das políticas urbanas locais. E tal plano_diretor_040608.indd 70 6/8/04, 11:54:56 PM 71 fenômeno poderá ser tanto mais provável quanto menor seja a real mobilização social em torno do processo de realização e implemen- tação de um Plano Diretor. Considerando as especifi cidades dos pequenos municípios, assim como experiências com êxito, como a de Pernambuco, em que, se a simplifi cação e a estratégia gradual de elaboração dos Planos Di- retores possibilitou grandes avanços, cabe concluir com algumas recomendações de caráter aplicativo. A primeira dessas recomendações é que, independente da aborda- gem metodológica que se adote, o processo de elaborar o Plano pode ser resumido em organizar a comunidade local para responder três perguntas-chave: Que município temos? Que município desejamos? Que acordo podemos fi rmar para alcançar essa situação desejada?” O Estatuto da Cidade prevê que as respostas a essas perguntas devem estar representadas num conjunto mínimo de diretrizes, comuns a todos os Planos Diretores, independente do porte do município. Os Planos Diretores devem contemplar, pelo menos, a delimitação da zona urbana e rural; estabelecer em que áreas o município pode crescer em termos construtivos e também populacionais (adensa- mento construído e populacional); a identifi cação de áreas de risco ou muito vulneráveis (como encostas íngremes, áreas inundadas ou áreas de mangue); a reserva de espaços de preservação ambiental e de desenvolvimento das potencialidades municipais; a valorização do patrimônio cultural, a reserva de terrenos para produzir moradia digna para população de baixa renda, instrumentos para regularizar as moradias e a economia informal e para a gestão compartilhada na implementação e monitoramento do Plano Diretor. Quatro aspectos, de caráter mais geral, devem também ser ressalta- dos no contexto específi co da elaboração de Planos Diretores para municípios de pequeno porte. O primeiro deles é a identifi cação clara dos problemas prioritários a se enfrentar, na escala do município, refl etindo as suas especifi ci- plano_diretor_040608.indd 71 6/8/04, 11:54:57 PM 72 dades, evitando-se repetir modelos e soluções supostamente arroja- das, espelhadas nos processos e instrumentos aplicados em grandes centros urbanos. O segundo aspecto diz respeito a uma imprescindível leitura e arti- culação na escala regional, reconhecendo-se que o foco necessário no município não pode ser fator limitante para que se compreenda o papel do município no contexto de uma rede urbana mais ampla abrangendo o cenário microrregional e as relações com as principais cidades no estado. O terceiro refere-se à necessidade de buscar integração e apoio ins- titucional da esfera estadual e, na medida do possível, federal. Com esse apoio, as administrações locais terão melhores condições para realizar o Plano Diretor, particularmente no que diz respeito a mobi- lizar pessoal qualifi cado e sistemas de informações estruturados. Qualquer que seja o porte do município, é importante ter um cadas- tro bem feito, que identifi que todos os lotes e construções, seus usos, a rede de infra-estrutura da cidade. Hoje, é possível ter um cadastro informatizado para um pequeno ou médio município a custo relati- vamente baixo e utilizando os dados do IBGE por setor censitário. É possível atender uma planta físico-territorial com informação socio- econômica sobre as famílias moradoras e as atividades instaladas. Para uma pequena cidade, o levantamento em campo apenas com equipe de topografi a para atualização de planta também não é mui- to custoso. Na falta de opção melhor, pode-se tomar como base as plantas dos serviços de abastecimento de água ou da rede elétrica. A contratação dos serviços de levantamento e cadastro, se feita por um conjunto de municípios, pode otimizar recursos e melhorar as condições de existência técnica. O último aspecto remete à dimensão política do planejamento, reco- nhecendo-se que há sujeitos e interesses distintos no contexto local e que somente a construção de um processo aberto e representativo será capaz de dar lugar a um Plano Diretor que represente os inte- resse da maioria e tenha possibilidade de transformar efetivamente a realidade local. plano_diretor_040608.indd 72 6/8/04, 11:54:57 PM 75 precários, como já foi dito acima, envolve aspectos da política redis- tributiva do Estado e da política de integração social, de orientações de coesão social e territorial. O Plano Diretor deve incidir diretamente nas diretrizes locais da po- lítica habitacional, induzindo o repovoamento das áreas centrais e vazios urbanos, destinando áreas infra-estrutradas na cidade para provisão de habitação de interesse social, democratizando o acesso ao solo urbano e à própria cidade, para a população de baixa renda, reconhecendo a necessidade de inserção social e espacial dos assen- tamentos informais na malha urbana e na própria vida da cidade, entre outros. Nesse sentido, acreditamos que a política habitacional deve obede- cer a lógica da descentralização. O município deve estabelecer em seu planejamento urbano as estratégias para enfrentar os proble- mas da demanda por moradia social, mediante, principalmente, instrumentos de gestão urbana estabelecidos nos seus respectivos planos diretores. A política habitacional na construção do Plano Diretor É importante que a política habitacional municipal esteja em sinto- nia com o Plano Diretor. A questão habitacional aparece nas diversas etapas de elaboração de um Plano Diretor e especialmente nas polí- ticas setoriais afetas ao desenvolvimento urbano, na proposta e no projeto de lei do Plano Diretor. Já na etapa de leitura técnica e comunitária alguns mapas deverão ser construídos para que possibilitem um enfoque específi co do tema habitacional, como por exemplo: mapa com habitações em áreas de risco (determinando o tipo de risco - inundação, erosão, contaminação de subsolo, deslizamento), mapa de renda familiar, de densidade habitacional e de densidade populacional nas áreas ocupadas. Nesse primeiro momento deve ser levantado também um cadas- tro atualizado mostrando o quadro habitacional do município, seu défi cit habitacional e as faixas de renda familiar atingidas, quais plano_diretor_040608.indd 75 6/8/04, 11:54:58 PM 76 as características das habitações de baixa renda (quantos metros quadrados/habitantes). Essas informações e a estimativa do núme- ro de habitantes que o município deve abrigar nos próximos anos de duração do Plano Diretor (estima-se geralmente 10 anos), permitem dimensionar quantas novas habitações o município terá que abriga e o crescimento do défi cit habitacional. Esses números são referên- cia para determinar o quanto de habitação deverá ser planejado. Muitas vezes nesse cálculo devem entrar variáveis relativas à região onde o município está inserido. Se está localizado em regiões metro- politanas, deve-se considerar os efeitos do crescimento territorial e planejamento dos vizinhos mais próximos, considerando que estes exercem infl uências uns sobre os outros. Ainda no caso de regiões metropolitanas é interessante que haja um diálogo intenso entre os municípios ou sistemas de cooperação visando estabelecer uma política regional que atenda aos diversos interesses e vetores de crescimento em jogo. O Plano Diretor deve considerar, para efeito de planejamento, a ca- pacidade do município de prover habitações para baixa renda e a necessidade de fomentar investimentos privados, criando mercado que estimule construções para essa faixa de renda. A capacidade do município de prover habitações deve ser pensada em consonâmcia com os programas federais e estaduais de fi nan- ciamento habitacional. Muitas vezes esses programas têm uma faixa de renda familiar determinada para a provisão, ou outros as- pectos que devem ser estudados na etapa propositiva. No sentido de estímulo ao investimento privado podem (e devem) ser utilizados instrumentos do Estatuto da Cidade, como os de indução à utilização ou ocupação em áreas já infra-estruturadas, combinados por exemplo com áreas de ZEIS, visando estimular não somente a ocupação ou utilização, mas também a construção de ha- bitação de interesse social. Ou mesmo, nos municípios com mercado imobiliário ativo e forte, pode-se liberar as áreas onde se quer cons- truir habitação de interesse social (geralmente marcadas como ZEIS) do pagamento da Outorga Onerosa, tornando essas áreas interes- santes ao mercado. Uma terceira possilibilidade, um pouco diferente plano_diretor_040608.indd 76 6/8/04, 11:54:58 PM 77 das demais pois trabalha no sentido de garantir moradia em áreas bem infra-estruturadas é marcar ZEIS em áreas onde o mercado está atuando fortemente, ao mesmo tempo que se dá destinação dos recursos obtidos com Outorga Onerosa para a construção de habi- tação de interesse social. Os instrumentos de preservação do patrimônio também devem ser combinados com instrumentos que visem o uso habitacional, visando a recuperação de centros históricos e manutenção da “vida urbana” desses locais. A delimitação de áreas para o crescimento urbano, bem como para a provisão habitacional, deve levar em consideração o planejamento do município como um todo. Deve levar em conta: • as áreas que não podem ser ocupadas, a serem preservadas, ambientalmente frágeis, áreas de mananciais, cuja ocupa- ção não é desejável; • a necessária existência de saneamento ou projetos de sane- amento cuja estrutura dê conta do adensamento popula- cional estimado, visando a manutenção do meio ambiente e também a otimização dos investimentos públicos, pro- movendo cidades mais com manchas mais concentradas e melhor infra-estruturadas. Isso sem falar em toda a rede de infra-estrutura que apóia os núcleos habitacionais, com equipamentos urbanos (creches, escolas, postos de saúde, postos de trabalho, etc), transporte público, com boa acessibilidade, dentre outras. • A determinação de áreas para o crescimento ou implanta- ção de habitação para baixa renda deve considerar a pro- ximidade de áreas de trabalho, ou áreas para promoção do desenvolvimento econômico, visando a proximidade casa- trabalho, evitando a construção de áreas periféricas desa- sistidas, longe das áreas de trabalho. O mapeamento da situação fundiária também será importante para estabelecer quais áreas demandam regularização fundiária. A veri- fi cação da faixa de renda afetada pode sugerir propostas diferentes plano_diretor_040608.indd 77 6/8/04, 11:54:58 PM 80 No Estatuto da Cidade estão previstos também instrumentos que induzem as formas de uso e ocupação do solo, com efeitos sobre a interação entre a regulação urbana e a lógica de formação de preços no mercado imobiliário. O IPTU Progressivo no Tempo, o Solo Criado e o Direito de Superfície são exemplos de dispositivos que, ao promo- verem a separação entre o direito de propriedade e o potencial cons- trutivo atribuído pela legislação aos terrenos, atuam sobre a dinâmi- ca imobiliária, inibindo processos especulativos. Esses instrumentos são fundamentais no campo das chamadas políticas preventivas. Os programas de regularização fundiária precisam ser combinados com investimentos públicos e políticas sociais e urbanísticas que gerem opções adequadas e acessíveis de moradia social para os grupos mais pobres. Assim, o Estatuto da Cidade representa um marco de referência legal que consagra a aplicação de vários instrumentos de regularização fundiária, além daqueles centrados na democratização da gestão urbana e na ampliação do acesso à moradia. É necessário, portanto, aplicar e aperfeiçoar os instrumentos conti- dos no Estatuto da Cidade. Nesse sentido, o Plano Diretor é o ins- trumento principal, pois as áreas importantes para a utilização do Usucapião Urbano, da Concessão de Uso Especial para Fins de Mo- radia, da Concessão do Direito Real de Uso e das Zonas Especiais de Interesse Social precisam estar defi nidas e contidas nas proposições do Plano Diretor. Estatuto da Cidade, Plano Diretor e instrumentos de Política Fundiária Usucapião Urbano é um instrumento de regularização fundiária que assegura o direito à moradia aos segmentos sociais que vivem em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais invadidos e loteamentos irregulares, podendo ser aplicado de forma individual ou coletiva. A Constituição Federal institui Usucapião em áreas urbanas (art. 183).* O Estatuto da Cidade prevê usucapião coletivo e Assistência Técnica e Jurídica Gratuita.** plano_diretor_040608.indd 80 6/8/04, 11:54:59 PM 81 Cabe ao Plano Diretor defi nir áreas onde está situada a população de baixa renda passível de ser usucapida coletivamente: favelas, loteamentos irregulares e cortiços, assim como as áreas especiais de interesse social, que deverão ser urbanizadas pelo poder público municipal. A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia, destina-se à re- gularização fundiária das terras públicas informalmente ocupadas pela população de baixa renda, sendo vetada a aquisição do domínio pleno sobre as referidas terras. A Constituição Federal defi ne, no art. 183, parágrafo 1º, que “o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independente do es- tado civil”. A regulamentação do art. 183 ocorreu mediante a Medida Provisória nº 2.220/01, que assegura “o direito à concessão de uso especial, de forma individual ou coletiva de áreas públicas federais, estaduais, municipais ou do Distrito Federal, de até 250m2, localiza- das em áreas urbanas.” A atuação do poder público em situações especiais: art. 4 – No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder garantirá ao possuidor o exercício do direito da concessão de uso especial em outro local; art. 5 – É facultado ao poder público as- segurar o exercício do direito da concessão de uso especial em outro local na hipótese de ocupação de imóvel: • De uso comum do povo; • Destinação a projetos de urbanização; *“Aquele que possuir, como sua, área urbana de até 250 m2, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. **As áreas urbanas com mais de 250 m2, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identifi car os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural” (art. 10). “O autor terá os benefícios da justiça e da as- sistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis” (art. 12, parágrafo 2º). plano_diretor_040608.indd 81 6/8/04, 11:55:00 PM 82 • De interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; • Reservado à construção de represas e obras congêneres; • Situado em via de comunicação. O Plano Diretor deve especifi car as áreas que serão destinadas às fa- mílias a serem relocadas, no caso das situações especiais, bem como defi nir critérios para o processo de relocação, devendo também constituir Plano Habitacional que articule recursos do orçamento municipal destinados à implementação do Plano Diretor. A Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) é instituto anterior à publicação do Estatuto da Cidade, tendo sido estabelecida pelo De- creto-Lei nº 271 de 28 de fevereiro de 1967, que dispôs também sobre loteamento urbano e concessão do espaço aéreo. A CDRU pode ser defi nida como um direito real resolúvel, aplicável a terrenos públicos ou particulares, de caráter gratuito ou oneroso, para fi ns de urbani- zação, industrialização, edifi cação, cultivo da terra ou outra utiliza- ção de interesse social. Pode ser concedida de forma individual ou coletiva. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são um dos importan- tes instrumentos que dão suporte aos processos de regularização fundiária. Algumas experiências no país demonstram a importância desse instrumento, no sentido de favorecer a fi xação de populações de mais baixa renda em determinadas áreas da cidade. Programas desenvolvidos a partir da década de 1980, em cidades como Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, demonstram a potencialidade das ZEIS. Em São Paulo, os Movimentos Sociais por Moradia consegui- ram fi xar as áreas das ZEIS no Plano Diretor e, em Santo André, foi instituída uma Comissão de Gestão das ZEIS. Por outro lado, ainda há uma série de limites técnicos e políticos que precisam ser enfren- tados para potencializar o instituto das ZEIS nos Programas de Regu- larização Fundiária. Em Goiânia, por exemplo, as ZEIS sequer foram defi nidas no Plano Diretor; e em Natal, apesar de as ZEIS terem sido demarcadas no Plano Diretor desde 1994, ainda não foram realiza- dos programas de regularização urbanística e fundiária nessas áreas, numa escala que apresentasse efeitos signifi cativos sobre o proble- ma da habitação social na cidade. plano_diretor_040608.indd 82 6/8/04, 11:55:00 PM 85 O grande desafi o é compatibilizar a escala das intervenções com os padrões técnicos urbanísticos e ambientais, dos assentamentos e com os direitos a serem reconhecidos. Esses fatores têm que ser pensados conjuntamente para a sustentabilidade dos programas, para que tenham impactos signifi cativos na realidade. É necessário que os programas e os instrumentos de regularização fundiária estejam relacionados ao Plano Diretor e ao projeto espe- cífi co da cidade que queremos. A combinação desses instrumentos poderá solucionar muitos dos problemas da ilegalidade urbana, como por exemplo, a implementação do solo criado ou das Opera- ções Urbanas Interligadas, pode gerar fundos para regularização e potencializar ações que podem ser desenvolvidas pelo urbanizador social com a contrapartida do setor privado. O Plano Diretor é uma forma de induzir os processos de regula- rização fundiária, num contexto de efetiva participação social. O Estatuto da Cidade incorpora os mecanismos de participação direta dos cidadãos no processo decisório, defi nindo audiências públicas, plebiscitos, referendos, conferências, além da obrigatoriedade de implementação de orçamentos participativos. Muito embora tenha-se agravado a criação artifi cial de formas de participação popular, essa é fundamental e deve ser garantida nos processos do Plano Diretor, seja por meio de uma política de capa- citação, seja pela criação de grupos gestores nos assentamentos informais. O resultado dos processos de regularização fundiária aponta para a oportunidade de construirmos cidades mais justas e saudáveis, e para o aprofundamento dos instrumentos e mecanismos de plane- jamento necessários para a efetivação dos direitos humanos no país, em particular, do direito à moradia. plano_diretor_040608.indd 85 6/8/04, 11:55:01 PM 86 tema 8 plano diretor, transporte e mobilidade O Estatuto da Cidade, em seus diversos artigos, reforça o serviço de transportes urbanos como serviço público e a competência da União no estabelecimento de diretrizes para seu desenvolvimento e torna obrigatória a existência de um plano de transporte urbano integrado para as cidades com mais de 500 mil habitantes ou situadas nas re- giões metropolitanas. Os instrumentos urbanísticos nele defendidos propiciam um maior controle sobre a expansão urbana pautada pelo mercado imobiliário e a regularização dos assentamentos urbanos, indicando um maior aproveitamento da infra-estrutura existente. Somados aos mecanismos de participação da sociedade, com os or- çamentos participativos e estudos de impacto de vizinhança, abrem possibilidades para as soluções necessárias de uso mais adequado do espaço urbano, com grande repercussão nos sistemas de trans- portes. É importante ressaltar que a necessidade de deslocamento é conseqüência da distribuição e densidade de ocupação das diversas atividades pela malha urbana e que, por outro lado, o sistema viário e de transporte é um forte indutor dessa distribuição, o que deve ser considerado na formulação dessa legislação. Por outro lado, os Planos Diretores, tradicionalmente estabelecem di- retrizes para a expansão/adequação do sistema viário e para o siste- ma de transporte público, considerando apenas o deslocamento dos veículos e não das pessoas. A idéia é trabalhar a mobilidade das pes- soas, em substituição ao enfoque de planejar apenas o transporte e o trânsito. Incorporar a mobilidade urbana no Plano Diretor é priorizar, no conjunto de políticas de transporte e circulação, a mobilidade das pessoas e não dos veículos, o acesso amplo e democrático ao espaço urbano e os meios não motorizados de transporte. plano_diretor_040608.indd 86 6/8/04, 11:55:01 PM 87 Destacam-se os seguintes princípios: • Universalizar o acesso à cidade; • Controlar a expansão urbana; • Melhorar a qualidade ambiental; • Democratizar os espaços públicos; • Trabalhar com Gestão Compartilhada; • Fazer prevalecer o interesse público; • Combater a degradação de áreas residenciais, ocasionada pelo trânsito intenso de veículos. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o transporte público é serviço público essencial e transferiu aos municípios a responsabi- lidade de gerir os serviços de transporte e trânsito. Desde então, na prática, o governo federal retirou-se do setor, ignorando que os pro- blemas existentes não poderiam ser resolvidos só no nível local. O Código de Trânsito Brasileiro de 1998 consolidou a competência de gestão do trânsito urbano nos aspectos referentes ao uso das vias públicas nos municípios, possibilitando que todo o ciclo de ges- tão da mobilidade fi casse sob a responsabilidade das prefeituras: planejamento, projeto, implantação e fi scalização. Porém, dos 556 municípios brasileiros, menos de 10% têm implantados seus órgãos de trânsito. A mobilidade urbana é ao mesmo tempo causa e conseqüência do desenvolvimento econômico-social, da expansão urbana e da distri- buição espacial das atividades. Além disso, deve-se considerar a ínti- ma relação entre infra-estrutura, transporte motorizado e a questão ambiental. O deslocamento de pessoas e mercadorias infl uencia fortemente os aspectos sociais e econômicos do desenvolvimento urbano, sendo a maior ou menor necessidade de deslocamentos de- fi nida pela localização das atividades na área urbana. A grande difi culdade para incorporar a idéia de mobilidade ao pla- nejamento urbano e regional contribuiu através dos anos para pro- duzir cidades cada vez mais excludentes e insustentáveis do ponto plano_diretor_040608.indd 87 6/8/04, 11:55:01 PM 90 dos universais. A ação do poder público para garantir a mobilidade urbana sustentável deve considerar todo o espaço público onde há circulação de pessoas, que envolve as áreas de pedestres e as vias, evitando intervenções parciais. Duas frentes de trabalho são neces- sárias para desenvolver e implementar esse conceito. A primeira frente é intervir no espaço já construído; a segunda é adotar dire- trizes e princípios da mobilidade urbana sustentável nas áreas de expansão urbana. Principais diretrizes Diminuir o número de viagens motorizadas: Uma cidade pode ser considerada organizada, efi ciente e preparada para atender aos cidadãos quando as pessoas conseguem morar perto de seu local de trabalho e acessar os serviços essenciais, sem deslocamentos motorizados, realizando pequenas viagens a pé ou de bicicleta; ou acessá-los pelos modos coletivos de transporte. Formar e consolidar subcentros urbanos, ou a multicentralidade, resulta em diminuir o número de viagens. Não se pode reconstruir uma cidade; mas quando se posicionam melhor os equipamentos sociais, informa- tizam-se e descentralizam-se os serviços públicos e ocupam-se os vazios urbanos, modifi cam-se objetivamente os fatores geradores de viagens. Trata-se, portanto de procurar não gerar necessidade de deslocamento motorizado, para a população. Repensar o desenho urbano: Esse princípio tem como conseqüên- cia um novo desenho urbano e uma outra forma de planejamento das vias, para dar suporte à mobilidade urbana sustentável. Nos novos loteamentos, onde normalmente o sistema viário é planejado em forma de tabuleiro, pode ser utilizado o desenho de vilas ou a ausência de cruzamentos, que preservam os moradores do tráfego de veículos, forma comum de pensar os condomínios fechados. A interligação de vias na expansão do sistema viário pode ser substi- tuída pela descontinuação das vias, com ruas sem saída, destinadas exclusivamente ao acesso local dos moradores. Outra possibilidade é adotar desenho sinuoso, para reduzir a velocidade dos veículos nas áreas residenciais, priorizando a segurança dos pedestres. plano_diretor_040608.indd 90 6/8/04, 11:55:02 PM 91 Repensar a circulação de veículos: Muitos profi ssionais de trânsito imaginam que, ao melhorar o fl uxo de veículos, estarão melhorando as condições de locomoção de todos; de fato, esse tipo de ação refor- ça o atual modelo de mobilidade. Essa situação, de tão calamitosa, já foi defi nida como “apartheid motorizado”: o pedestre é desconsi- derado pelos técnicos que tentam organizar o trânsito nas cidades, mas só consideram os veículos. Não se propõe que se eliminem as viagens em veículos ou os automóveis; o que se propõe é que a im- portância de haver automóveis não seja o único critério considerado nos planos e projetos para organizar-se a cidade, como se fosse ra- zoável imaginar que todos os cidadãos tenham meios para comprar carros. Ao pensar a cidade, é indispensável considerar que a maioria da população depende dos meios não motorizados, ou do transpor- te coletivo. O atual modelo de prioridade na circulação que faz com que os custos sociais gerados pelo transporte individual – poluição, congestionamentos e acidentes, sejam injustamente distribuídos, prejudicando a maioria da população que não possui automóvel. A restrição do uso do automóvel está relacionada à diminuição do trá- fego de passagem nas áreas estritamente residenciais, permitindo o acesso somente de moradores, e à adoção de ações que priorizem ou torne mais segura a circulação de pedestres, como a ampliação de calçadas e alteração do desenho das vias para a redução de velo- cidade dos veículos. Desenvolver os meios não motorizados de transporte: A in- clusão da bicicleta nos deslocamentos urbanos deve ser abordada como maneira de diminuir o custo da mobilidade das pessoas, supe- rando uma visão predominante de uso para o lazer. Sua integração aos modos coletivos de transporte é possível, principalmente nos sis- temas de grande capacidade, mas deve ser considerada como parte do novo desenho urbano para dar suporte à mobilidade urbana sus- tentável, incorporando-se a construção de ciclovias e ciclofaixas nas diretrizes de expansão urbana. Reconhecer a importância do deslocamento dos pedestres: O deslocamento a pé, para superar pequenas distâncias até os locais onde estão disponíveis os serviços públicos essenciais ou comércio deve ser valorizado. Este modo de transporte é favorecido através da melhoria da qualidade das calçadas, do paisagismo, da iluminação e plano_diretor_040608.indd 91 6/8/04, 11:55:03 PM 92 sinalização. Deve-se incorporar o espaço da calçada como via pública de fato, com tratamento específi co. Garantir a descentralização, a multiplicidade e a melhor distribuição das atividades econômicas no espaço urbano e desestimular o zoneamento de especialização, reduzindo as necessidades de deslocamentos, principalmente moto- rizados, para acessar a infra-estrutura urbana e seus serviços. Proporcionar mobilidade às pessoas com deficiência e restrição de mobilidade: O acesso de pessoas com defi ciência aos sistemas de transporte teve como imagem o acesso do usuário de cadeiras de rodas e foi entendida como uma adaptação através de elevadores, aos diversos tipos de veículos utilizados no Brasil. Essa visão impediu uma abordagem mais adequada do problema, porque, nessa solu- ção, são esquecidos todos os outros muitos tipos de defi ciência. Trata-se de discutir a mobilidade das pessoas com defi ciência, pela cidade, nos vários modos possíveis de transporte e as adequações necessárias nos vários espaços públicos, para garantir a circulação também dos idosos, gestantes e crianças. Priorizar o transporte coletivo: A priorização ao transporte coletivo, seu melhor planejamento e a racionalização do uso do automóvel estão intimamente ligados à diminuição dos efeitos no- civos do trânsito. Poucos são os investimentos públicos destinados à infra-estrutura dos serviços, ao contrário dos projetos de expansão do sistema viário, que é rapidamente apropriado pelos automóveis. A priorização de operação do transporte coletivo pode ser garantida mediante a construção de corredores exclusivos, faixas exclusivas com segregação espacial ou mediante controles eletrônicos de trá- fego, controles semafóricos, dentre outras medidas. Ao priorizar a circulação do transporte coletivo nas vias, o governo municipal faz com que mais pessoas possam utilizar a rua, que é um bem público. Considerar o transporte hidroviário: Em muitas cidades é possí- vel pensar em incorporar o modo hidroviário como componente da mobilidade integrado aos outros meios e modos de transporte. Estruturar a gestão local: Os governos municipais devem fi r- mar o transporte coletivo como serviço público essencial, além plano_diretor_040608.indd 92 6/8/04, 11:55:03 PM 95 tema 9 plano diretor e saneamento ambiental O saneamento ambiental é aqui conceituado como o conjunto de ações com o objetivo de alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental,* compreendendo, além dos serviços públicos de sanea- mento básico: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos urbanos e o manejo de águas pluviais urbanas; também o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças e a disciplina da ocupação e uso do solo, nas condições que maximizem a promoção e a melhoria das condições de vida tanto no meio urbano quanto no meio rural. Desempenhando duplo papel para que se estabeleçam condições de desenvolvimento sustentável em meio urbano, o saneamento ambiental objetiva assegurar condições de salubridade ao homem e reduzir os impactos ambientais das atividades humanas. Nesse contexto, questões relevantes sobre a interação entre o plane- jamento urbano e as ações de saneamento devem ser consideradas. Dentre essas questões: • Em que medida os serviços e a infra-estrutura existentes de saneamento atuam como limitadores do desenvolvimento urbano? • Em que medida e por quais meios o setor de saneamento pode fornecer subsídios e indicadores que orientem deci- sões de planejamento urbano com maior infl uência sobre a viabilidade, a qualidade, os custos e a efetividade de ações de saneamento? * Salubridade ambiental: qualidade das condições em que vivem popu- lações urbanas e rurais no que diz respeito à sua capacidade de inibir, prevenir ou impedir a ocorrência de doenças veiculadas pelo meio am- biente, bem como de favorecer o pleno gozo da saúde e o bem-estar. plano_diretor_040608.indd 95 6/8/04, 11:55:04 PM 96 Entre as ações que envolvem a elaboração do Plano Diretor muni- cipal incluem-se necessariamente diagnosticar os serviços de sa- neamento; cadastrar a infra-estrutura existente para tal; e avaliar a efetividade das ações de saneamento no que diz respeito a reduzir riscos à saúde, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida para os diferentes estratos socioeconômicos da população. O resultado desse trabalho vai também informar a preparação do Plano Municipal de Saneamento Ambiental, que deverá defi nir as soluções para a concretização de níveis crescentemente melhores de salubridade ambiental, inclusive a programação das ações e dos investimentos necessários para a prestação universal, integral e atu- alizada dos serviços públicos de saneamento ambiental. Quando se confronta o objetivo da universalização do saneamento com a situação de uso e ocupação do solo urbano nas cidades brasi- leiras, fi ca evidente a magnitude do desafi o de garantir o atendimen- to das populações pobres concentradas em favelas e demais áreas de urbanização precária, assim como das que vivem em pequenas localidades de características rurais ou dispersas no campo. No Brasil atual, a despeito dos progressos realizados em abasteci- mento de água e, em menor monta, em esgotamento sanitário, são notórias as carências de atendimento e cobertura dos serviços de sa- neamento. Ao se buscar qualifi car essas carências, notam-se nítidas distinções entre níveis de cobertura por tipos de serviço, entre as re- giões brasileiras, entre os espaços urbano e rural e entre as diversas camadas de renda das populações. Além dos aspectos relacionados à política, à organização institucio- nal e gerencial e ao atendimento dos serviços de saneamento, ou- tras variáveis de caráter predominantemente tecnológico e técnico podem ser fatores que facilitem ou restrinjam o desenvolvimento urbano. É importante conhecer previamente essas variáveis, para utilizar esse conhecimento nas etapas de prognóstico do Plano Dire- tor e para defi nir diretrizes e ações setoriais nessa área. Nas áreas de interface entre o Plano Diretor e as ações de sanea- mento, o Plano Diretor deve estabelecer diretrizes e propor ações de plano_diretor_040608.indd 96 6/8/04, 11:55:04 PM 97 caráter legal, institucional e técnico destinadas a orientar a solução de problemas atuais de saneamento, antecipar futuros problemas decorrentes da urbanização, nessa área, e fornecer subsídios e orien- tações para a execução de programas setoriais de longo termo, de forma a que se evitem ou se restrinjam os impactos de tais proble- mas sobre o desenvolvimento urbano, no futuro. A integração das questões de saneamento na elaboração do Plano Diretor deve fundamentar-se em um conjunto de estudos e projetos que visem a: • Caracterizar e diagnosticar problemas técnicos, institucio- nais e legais de saneamento no município; • Identifi car problemas futuros do setor, mediante estudo de cenários de crescimento demográfi co e de desenvolvimento urbano; • Conceber e defi nir programas e ações destinados a resolver os problemas identifi cados nas etapas acima; • Avaliar a viabilidade desses programas e ações, em termos políticos, institucionais, fi nanceiros e técnicos, incluindo critérios ambientais; • Defi nir estratégias para implantar ações e programas de saneamento, no Plano Diretor; e para controlar a efetivida- de dessas ações e programas, uma vez implantados, bem como para atualizá-los periodicamente, assim como para atualizar periodicamente o próprio Plano Diretor. Para atingir tais objetivos, é essencial que estejam disponíveis dados e informações, entre os quais: um inventário da infra-estrutura de saneamento existente; a adequada caracterização do uso do solo; séries temporais de dados hidrológicos e de qualidade de água; a ca- racterização da estrutura institucional dos serviços de saneamento, de seus recursos humanos e materiais e de suas práticas gerenciais; o inventário da base legal e regulamentar que trata do tema em es- cala municipal, regional, estadual e nacional. Parte dessas informações deve ser fornecida por operadores de siste- mas, nos casos em que há concessão de serviços. Dado, contudo, que, plano_diretor_040608.indd 97 6/8/04, 11:55:05 PM
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