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Jornal brasileiro de psiquiatria, Notas de estudo de Enfermagem

JORNAL BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 02/03/2011

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Baixe Jornal brasileiro de psiquiatria e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! 2 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 2 • M arço - A bril 2003 DIA GRA PHIC E D I T O R A ® volume 52 • mar/abr-2003 Publ icação bimestral J.B. Sem título, 19/5/1986 Guache sobre papel Brazilian Journal of Psychiatry Jornal Brasileiro de Psiquiatria CORPO EDITORIAL Naomar de Almeida Filho Márcio Amaral Thomas A. Ban Othon Bastos J. M. Bertolote Neury José Botega Marco Antônio Alves Brasil Max Luiz de Carvalho Roosevelt M.S. Cassorla Juarez Oliveira Castro Aristides Cordioli Jurandir Freire Costa Paulo Dalgalarrondo Carlos Edson Duarte Luiz Fernando Dias Duarte Wiiliam Dunningham Claudio Laks Eizerick Helio Elkis Eliasz Engelhardt Rodolfo Fahrer Marcos Pacheco de Toledo Ferraz Ivan Luis de Vasconcellos Figueira Josimar Mata de Farias França Ricardo Gattass Wagner F. Gattaz Valentim Gentil Filho Clarice Gorenstein Mauro Gus Luiz Alberto Hetem Miguel Roberto Jorge Flávio Kapczinski Julio Licinio Carlos Augusto de Mendonça Lima Maurício Silva de Lima Pedro A. Schimidt do Prado Lima Ana Carolina Lobianco Mário Rodrigues Louzã Neto Theodor S. Lowenkron Nelson Maculan Jair de Jesus Mari Paulo Mattos Celine Mercier Eurípedes Constantino Miguel Filho Talvane M. Morais Antônio Egídio Nardi Irismar Reis de Oliveira Marcos Palatinik Antônio Pacheco Palha Roberto Ayrton Piedade João Ismael Pinheiro Ana Maria Fernandes Pitta José Alberto Del Porto Branca Telles Ribeiro Fábio Lopes Rocha Jane de Araújo Russo Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. Benedetto Saraceno Itiro Shirakawa Jorge Alberto Costa e Silva João Ferreira da Silva Filho Fábio Gomes de Matos e Souza Ricardo de Oliveira Souza Yves Thoret Gilberto A. Velho Walter Zin Antonio W. Zuardi Pede-se permuta Se solicita el canje Exchange requested Man bittet um Austausch On prie l’échange Si prega lo scambio ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX volume 52 • mar/abr 2003 J.bras.psiquiatr. 52 (2): 87-160, 2003 Publicação bimestral UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: ipub@ipub.ufrj.br DIRETOR Márcio Versiani mversiani@ipub.ufrj.br JORNAL BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA jpb@ipub.ufrj.br EDITOR João Romildo Bueno romildo@ipub.ufrj.br EDITORA ASSISTENTE Gláucia Azambuja de Aguiar editora@ipub.ufrj.br EDITORES ASSOCIADOS E. Portella Nunes Filho portella@ipub.ufrj.br João Ferreira da Silva Filho jferreira@ccsdecania.ufrj.br EDITOR EXECUTIVO Newton Marins editora@diagraphic.com.br CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 071 Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. — V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed. Científica Nacional, 2000 v.50 Mensal Editado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000 Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998) ISSN 0047-2085 1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria 98-1981. CDD 616.89 CDU 616.89 Programação Visual e Produção Gráfica Diagraphic Editora Av. Paulo de Frontin 707 – Rio Comprido CEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2502.7405 e-mail: editora@diagraphic.com.br www.diagraphic.com.br DIA GRA PHIC E D I T O R A ® Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB 87 R e s u m o O desenvolvimento da linguagem tem se tornado um tema muito importante para pesquisas no campo da psicopatologia do desenvolvimento. Este artigo faz uma revisão extensa sobre os processos mais importantes que estão envolvidos nos mecanismos da aquisição da linguagem pela criança no seu primeiro ano de vida, seguida de uma discussão sobre a relação entre estes processos e a ocorrência de psicopatologia na infância. Alguns achados das pesquisas nesta área têm oferecido suporte à hipó- tese de uma continuidade, ao invés de uma descontinuidade, que parece existir entre os primeiros sinais comunicativos do lactente, tais como gestos, expressão facial e vocalizações pré-verbais, e os marcos mais conhecidos do desenvolvimento da linguagem na criança. Os aspectos particulares concernentes à origem de um código simbólico – a origem da linguagem – são apresentados ao leitor. Unitermos desenvolvimento; linguagem; cognição; psicopatologia; infância S u m m a r y The issue of language development became a very important topic of research in the field of developmental psychopathology. The present article makes a comprehensive review on the most important processes underlying the mechanisms of infant language acquisition in the first year of life followed by a discussion on their relation to child psychopathology. Some research findings in this area have brought support to the hypothesis of a continuity instead of a discontinuity, that seems to exist from the infant initial communicative signals, such as gesture, facial expression and preverbal vocalizations, to the best known milestones of the child language development. The particular aspects concerning the origin of a symbolic code – the origin of language – are introduced to the reader. Uniterms development; language; cognition; psychopathology; infant development Professor-doutor do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Recebido em: 25.09.02 Aprovado em: 11.12.02 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância: um modelo conceitual para a psicopatologia do desenvolvimento Infant development of cognition and language: a conceptual framework in developmental psychopathology Erikson Felipe Furtado J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 87-96, 2003 88 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado Introdução parte destas a produção de reações adequadas de acordo com as necessidades do bebê13, 63. O conceito competência comunicativa, tal como será usado neste texto, não exige uma es- trutura mental ou cognitiva que seja exclusiva e separada das demais funções mentais. A compe- tência comunicativa deve ser compreendida muito mais como o resultado de um sistema, para o qual contribuem processos sensoriais, motores e cognitivos, de tal forma que desta associação se desenvolve uma função que serve ao estabeleci- mento da comunicação. Comunicação supõe motivação, assim como intencionalidade, atenção e reatividade. Visto que o conceito comunicação significa um in- tercâmbio de representações e/ou intenções en- tre pelo menos dois interlocutores, levanta-se a questão de se os lactentes de fato participam da interação como interlocutores. O requisito para isto é que as crianças reconheçam os es- forços comunicativos de seu parceiro. A lingua- gem é uma ferramenta da comunicação. Entre- tanto, bem antes de obtermos o seu domínio, já existe comunicação53. Linguagem, portanto, é uma designação que não indica somente um canal vocal. Ela exige o conhecimento de um código para as representações de idéias sobre o mundo através de um sistema convencional de sinais atributivos57. Assim sendo, referimo- nos ao conceito de fala para designar as for- mas de comportamento motor relacionadas à comunicação verbal. A linguagem ocorre tam- bém na ausência da fala, como, por exemplo, na linguagem de sinais usada por deficientes auditivos, em que a mímica e os gestos, ou seja, o canal visual, incluem em si o caráter da lin- guagem, a propriedade de um código. Tem sido postulada uma continuidade entre a fase pré-lingüística, na primeira infância, e o pos- terior desenvolvimento da linguagem5. A fase pré- lingüística é caracterizada pela ausência de indi- cação objetiva de intencionalidade. Mais do que intencionalidade, esta fase é caracterizada por um apetite, uma ânsia de comunicar. Do ponto de vista da psiquiatria infanto-ju- venil, para uma melhor compreensão dos pro- cessos psicopatológicos na infância, o desenvolvi- mento do uso da linguagem, ou o que se convencionou chamar de pragmática, é o que A relação entre distúrbios da comunicação ou da l inguagem e a ocorrência de psicopatologia na infância tem sido menciona- da com freqüência na literatura especializada. Entretanto os aspectos particulares do desenvol- vimento psicolingüístico envolvidos neste pro- cesso são menos conhecidos5. O nosso objetivo com o presente texto é apresentar uma revisão extensa do conhecimento atual sobre o tema, com o intuito de discutir um modelo conceitual sobre o desenvolvimento precoce da competên- cia comunicativa humana e sobre os respectivos processos cognitivos relevantes associados ao surgimento de psicopatologia na infância. Nosso tema ocupa-se principalmente com o desenvolvimento da competência comunicativa no lactente, isto é, com o desenvolvimento pré- lingüístico nos primeiros doze meses de vida. Por- tanto os conceitos comunicação e competência que serão aqui utilizados devem ser primeiramen- te definidos de forma clara para o leitor: • comunicação significa um intercâmbio de in- formações35; • competência, por sua vez, representa uma ca- pacidade inata, a qual evolui diante de exigên- cias ambientais. A competência comunicativa é decisiva para os processos de socialização, pois já nos primei- ros estágios de vida o recém-nascido envia seus primeiros sinais comunicativos que possibilitam o desencadeamento da interação entre o bebê e a pessoa que lhe presta cuidados. Isto fica mais claro através da seguinte afir- mação feita por Brazelton: “Um bebê não é tão indefeso quanto parece, e existem sinais e men- sagens de um bebê que podem guiar uma mãe e um pai iniciantes”11. Brazelton afirma que bebês silenciosos e pas- sivos não têm sucesso em atrair a atenção dos adultos “cuidadores” e, portanto, apresentam um risco elevado para adoecimento11. Isto nos leva à consideração de que a competência comunicati- va possui um significado evolutivo, pois aumenta as chances de sobrevivência de um bebê. A com- petência comunicativa tem como sua incumbên- cia evolutiva obter, manter e assegurar a atenção das pessoas “cuidadoras”, além de permitir da 89J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Pesquisas em primatas reforçam a hipótese do desenvolvimento filogenético da competência co- municativa humana. Entretanto existe uma enorme diferença entre a linguagem humana e os sinais co- municativos do repertório de primatas, tanto natu- ral quanto aprendido em laboratório50. Em resumo, a filogenia é responsável pela base da competência comunicativa humana, no entanto é a socialização no interior de uma determinada comunidade que determina o desenvolvimento posterior da compe- tência comunicativa. A questão do papel dos pro- blemas da interação entre forças filogenéticas e aprendizado social para a produção de distúrbios da comunicação permanece como uma questão aberta para futuros esforços de pesquisa. Desenvolvimento da linguagem perceptiva A avaliação da capacidade de percepção da fala pelo bebê é feita através das suas característi- cas isoladas, sobretudo pela sensibilidade sonora (capacidade de captação de ondas sonoras), e da capacidade de diferenciação e de localização de fontes sonoras. Nos últimos meses da gestação o feto já ma- nifesta movimentos em resposta a estímulos so- noros suaves51. Vários estudos, apoiados nos re- sultados obtidos das modificações da freqüência cardíaca ou da presença de potenciais acústicos evocados, têm indicado que já algumas semanas antes do nascimento o feto possui um sentido au- ditivo funcionante2. Uma característica importante da percepção auditiva humana é demonstrada pelo bebê já nos primeiros meses através de sua marcada preferência pela voz humana. A discriminação entre ruídos do ambiente e vocalizações de uma pessoa conhecida inicia-se cedo no desenvolvimento61. Pode-se dizer então da existência de um apetite, de um desejo direcionado para as expressões vocais humanas, es- pecialmente das vocalizações maternas32. De fato, recém-nascidos demonstram um evidente interesse pela voz humana, como também por alguma melo- dia a que tenham sido expostos antes ainda do nas- cimento20, 45. Mais tarde, a atenção do lactente será alcançada e mantida através das características prosódicas ou melódicas da fala (tempo, duração e freqüência), quando sob a forma da fala de bebê pelo adulto19, 23, 27. Tem sido verificado que recém- mais nos interessa. Portanto, associaremos aqui o conceito de competência comunicativa com a pragmática da linguagem. Aquisição da linguagem no lactente Esquemas sensório-motores precoces A competência comunicativa pode ser postu- lada como uma capacidade primariamente inata em que esquemas sensório-motores interagem para propiciar o seu desenvolvimento diante das demandas ambientais. A capacidade de um lac- tente para comportamento conjunto (matching behavior), sobretudo para comportamento car- regado de significado comunicativo, sustenta-se em esquemas sensório-motores que pré- condicionam a comunicação. A capacidade para atenção seletiva e para reação discriminativa, es- pecialmente dos canais auditivo e visual, é a base para os esquemas que se desenvolverão a seguir48. Lactentes, já aos dois meses de idade, apresen- tam diferenças importantes quanto à sua reatividade para pessoas e objetos58. Isto indica uma atenção seletiva para sinais visuais e auditi- vos de origem humana. Em um estudo sobre comportamento imitativo em recém-nascidos, foram observados 40 recém-nascidos saudáveis com 72 horas de vida, que apresentaram comportamento imitativo para movimentos de cabeça e movimentos da lín- gua. Os autores concluíram que mesmo recém- nascidos são capazes de produzir coordenação motora e acoplamento de movimentos selecio- nados em situações de comportamento conjunto (joint behavior)41. Em situações reais, entretanto, são as mães que parecem mais ser imitadoras de seus bebês. A expressividade e a reatividade comunicativa da criança exigem uma alta complexidade da coor- denação sensório-motora correspondente. Assim, tem sido defendida a existência de padrões de comportamentos inatos pré-programados, neces- sários para o estabelecimento do comportamen- to comunicativo, os quais não se deixam esclare- cer somente pela l imitada capacidade de aprendizagem do recém-nascido59, 60. 92 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 hemisfério esquerdo pode ocorrer uma afasia para linguagem de sinais. Lactentes saudáveis, tendo aprendido uma linguagem de sinais no primeiro ano de vida, encontram-se em melhores condi- ções para a produção de mensagens com simbo- lismo1. Disto se infere, para alguns autores, que estes achados constituem-se em indicadores da precondição temporal dos símbolos gestuais no repertório comunicativo da criança1. Principalmente o pointing confirma-se como uma habilidade ou competência que, surgida precocemen- te, revela-se significativa para o posterior desenvolvi- mento da linguagem. Tem sido observado que a cri- ança começa, no segundo mês de vida, a produzir movimentos coordenados de mãos, braços e dedos em situações de interação social58, 60. Semelhantemente, têm sido relatadas observações dos movimentos de mãos e dedos, em interações sociais, de lactentes cegos desde o nascimento31. Aos dois e três meses de vida, o pointing ocorre freqüentemente antes e após vocalizações e movi- mentos bucais (mouthing), e aos seis meses, diante de comportamento de orientação frente a um obje- to29. No último trimestre do primeiro ano de vida, o pointing evolui como uma forma específica de no- meação e indicação gestual. A avaliação de algumas formas de comunicação não-verbal pode ser utiliza- da como meio diagnóstico auxiliar, com possível apli- cação prática57. Entre os gestos utilizados na comuni- cação é sobretudo o pointing o melhor preditor do desenvolvimento da linguagem a partir do início da fase de palavras isoladas, aos nove meses de idade57. Cognição e aquisição da linguagem no primeiro ano de vida A capacidade para discriminação de categorias e classes de fonemas é importante para o surgi- mento da competência lingüística. O desenvolvi- mento cognitivo encontra-se associado ao desen- volvimento da percepção seletiva visual e auditiva através do processo de construção de classes categoriais. Inicia-se cedo no desenvolvimento do bebê uma forma de ordenação e classificação de fenômenos acústicos e visuais, que revela a pre- sença e a importância dos processos cognitivos para o desenvolvimento posterior da linguagem22. Mesmo que não se possa falar propriamente da ocorrência de linguagem nos primeiros meses de vida, podem-se encontrar aí os seus primeiros traços. Conforme Bruner, para o estudo dos pre- cursores da linguagem, devemos dirigir nossa atenção para o problema da construção das rela- ções entre sinais e objetos (reference production)14, 15. O desenvolvimento de proces- sos para a apropriação e utilização de uma taxonomia delimitada seria, a seu ver, o proble- ma psicológico principal do período pré- lingüístico. Estes processos são por ele denomi- nados de indicating, deixis e naming. Indicating refere-se aos gestos e vocalizações que produzem o direcionamento da atenção do interlocutor para um objeto, uma ação ou um estado. Deixis refere- se à manipulação de contextos temporoespaciais, os quais contribuem para o surgimento de um sis- tema de referência conjunta (joint reference). Naming refere-se a um léxico padrão, o qual é uti- lizado no ambiente familiar da criança e de seu cuidador. Conforme achados de observações, pode-se identificar a presença do processo de indicating em lactentes já aos quatro meses de ida- de14. A fim de exemplificar melhor os conceitos aci- ma tomaremos a situação habitual de um bebê faminto, o qual procura informar sua mãe de que tem fome através de movimentos do olhar em direção à cozinha, alternando com curtas vocali- zações lamentosas (indicating). A mãe, ao acom- panhar o insistente olhar de sua criança, traz-lhe então algo para comer. Toda a situação em si ofe- rece um contexto global, no qual hora, local e objetos contribuem para a referência ao horário da comida e ao comer (deixis). Assim formam-se associações entre comportamento, contexto e pa- lavras (sinais acústicos), fechando o processo do naming. Resumindo, o papel do desenvolvimento cogni- tivo para o desenvolvimento da linguagem, no lactente, pode ser compreendido através do de- senvolvimento da capacidade de imitação ativa, da integração sensorial, da intencionalidade e da apreensão de causalidade, os quais conduzem a competência comunicativa na direção do desen- volvimento da linguagem verbal. Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado Desenvolvimento da linguagem e psicopatologia Tem sido discutida intensamente a questão da relação entre as formas de comportamento comu- 93J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 nicativo que se iniciam nos primeiros meses de vida e o desenvolvimento de psicopatologia29. A compe- tência comunicativa de um bebê aos três meses deve, no entanto, sobretudo influenciar o seu momento atual do desenvolvimento muito mais do que de- monstrar utilidade para qualquer outro momento no desenvolvimento futuro. As possíveis conseqü- ências futuras acontecerão através de um complexo mecanismo de interação entre fatores individuais e condicionantes ambientais49. O significado atual da interação social para lactentes aos três meses foi investigado através da observação experimental do desempenho de lactentes em um exercício de contingência não- social, logo após uma interação com suas mães. Através disto foi confirmada uma relação entre a duração de episódios de diálogo vocal mãe–filho e o desempenho do bebê21. Isto fala a favor de uma relação precoce entre operações comunica- tivas e favorecimento de competência cognitiva. Durante a fase pré-lingüística, são encontra- dos problemas do desenvolvimento da linguagem junto a determinados transtornos psicopatológicos precoces, sobretudo nos chama- dos transtornos globais do desenvolvimento52. Autismo é um exemplo extremo da relação entre prejuízo da competência comunicativa e surgimento de um complexo quadro de adoecimento psíquico. A produção de sílabas em crianças portadoras da síndrome autista apresen- ta-se prejudicada qualitativa e quantitativamente já no primeiro ano de vida53. Cerca de 15% dos irmãos de crianças autistas apresentam transtor- nos da linguagem, dificuldades de aprendizagem e/ou um retardo52. Distúrbios da comunicação são encontrados com maior freqüência em famílias que possuem um membro portador de autismo52. O papel da competência comunicativa e da lin- guagem para o desenvolvimento de transtornos psicopatológicos pode ser reconhecido através da alta prevalência de problemas psiquiátricos em cri- anças com distúrbios da linguagem7. A maioria dos estudos que se ocuparam desta questão foi realiza- da com crianças em idade escolar e pré-escolar26. Se incluirmos também o grupo das crianças com trans- tornos cognitivos parciais ou específicos, os quais são em boa parte caracterizados por apresentarem distúrbios da fala e da linguagem, reconheceremos que não somente a psicopatologia atual, mas tam- bém características de desempenho (as quais ser- vem corriqueiramente como preditores que prog- nosticam problemas psiquiátricos), incluem freqüentemente transtornos da linguagem25. Trans- tornos da leitura e da escrita podem ser compreen- didos, da mesma forma, como problemas das fun- ções responsáveis pela linguagem39. Em vista disto, tem-se um largo espectro em que os elementos da competência comunicati- va em evolução (a pragmática, a percepção, a expressão, etc.) relacionam-se de alguma forma com o desenvolvimento de psicopatologia. A presença de processos lingüísticos prejudicados ocorrendo em variados padrões de transtornos17 torna a nossa procura de uma relação direta en- tre ambos os fenômenos mais difícil. Entretanto é óbvio que com a progressão do desenvolvi- mento da criança as relações entre linguagem e cognição aumentam de forma crescente55. A lin- guagem incorpora-se como uma ferramenta pre- ciosa para o desenvolvimento cognitivo, influ- enciando o raciocínio, as concepções de tempo e espaço, a expressão de sentimentos e a forma- ção de conceitos. A linguagem participa ainda como uma ferramenta fundamental para a for- mação de categorias mentais, idéias e concei- tos17, 53, 55. Ao considerarmos os precursores da linguagem, através da avaliação da competência comunicativa no bebê, poderemos mapear os processos psicopatológicos ao longo do desenvolvimento. Os fatores que contribuem para desvios do desenvolvi- mento normal da competência comunicativa no pri- meiro ano de vida podem ser classificados em pri- mários ou secundários, ou, ainda, condicionados hereditariamente ou ambientalmente. No bebê, en- contramos variações normais do desenvolvimento cognitivo41, da reatividade diante de interação hu- mana, da sensibilidade social, da produção vocal, etc. Lactentes são parceiros ativos em uma interação e, portanto, suas características de desempenho po- dem influenciar a qualidade da interação mãe–filho. Bebês que produzem mais vocalizações positivas re- cebem mais freqüentemente uma resposta verbal e, através disto, são conseqüentemente mais estimula- dos. Portanto as vocalizações positivas do bebê têm conseqüências para o desenvolvimento de uma boa interação mãe–filho e, por conseguinte, para o seu próprio bom desenvolvimento da linguagem38. A Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância 94 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado interação desses fatores, em situações de déficits, pode contribuir para o desenvolvimento de psicopatologia. A constatação de uma continuidade dos elemen- tos pré-lingüísticos até a linguagem presente na ida- de escolar e pré-escolar5 e a sua relação com psicopatologia3, 10, 17, 24, 43 falam a favor de um maior investimento em pesquisas no campo da comuni- cação e da psicopatologia no primeiro ano de vida. Referências 1. Acredolo L, Goodwyn S. 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Zeitschrift für Kinder-und- Jugendpsychiatrie 1990; 18: 71-78. 8. Bloom K. Duration of early vocal sounds. Infant Behavior and Development 1989; 12: 245-50. 9. Bloom K. Quality of adult vocalizations affects the quality of infant vocalizations. Journal of Child Language 1988; 15: 469-80. 10. Bosch G. Störungen der Sprachentwicklung aus kinderpsychiatrischer Sicht. Zeitschrift für Kinder-und- Jugendpsychiatrie 1974; 2: 42-58. 11. Brazelton TB. Behavioral competence of the newborn infant. Seminars in Perinatology 1979; 3(1): 35-44. 12. Brennan M, Kirkland J. Classification of infant cries using descriptive scales. Infant Behavior and Development 1982; 5: 341-46. 13. Bruner J, Roy C, Ratner N. The beginnings of request. In: Nel- son KE, editor. Children’s language, v. 3. London: Lawrence Erlbaum Associates; 1982. 14. Bruner JS. Early social interaction and language acquisition. In: Schaffer HR, editor. Studies in mother–infant interactions. London: Academic Press; 1977. 15. Bruner JS. 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O investimento na investigação de processos patológicos do desenvolvimento, reconhecido hoje como uma disciplina acadêmica autônoma, a psicopatologia do desenvolvimento, poderá con- tribuir ainda mais para o desenvolvimento de meios e instrumentos mais efetivos para o diagnóstico e tratamento precoces de transtornos psiquiátricos da infância e da adolescência54, 56. 97 R e s u m o O tratamento de doenças psiquiátricas na gravidez é complexo, implicando decisões clínicas difíceis, sem contar-se com dados da literatura que embasem amplamente estas decisões. O transtorno afetivo bipolar é comum em mulheres em idade fértil, e há alto risco de ocorrência de manifestações clínicas na gravidez e no período pós-parto. Os autores revisam o conheci- mento atual sobre o uso de psicotrópicos para episódio maníaco na gravidez e o efeito no desenvolvimento fetal e da criança. Enfatizam que, hoje, o uso de psicotrópicos na gravidez é apropriado em muitas situações clínicas, mas nenhuma decisão é completamente isenta de risco. Também apresentam uma proposta de manejo da doença em relação ao uso de psicotrópicos na gravidez, para pacientes com transtorno bipolar, e para aquelas que desejam engravidar. Unitermos mania; transtorno bipolar; gravidez; psicofarmacologia; manejo; tratamento S u m m a r y The management of psychiatric disorders during pregnancy is complex, including clinical decisions which are difficult, and there is no sufficient data regarding this management in medical literature. Bipolar disorder occurs commonly in women during childbearing years, and there is high risk of recurrence during pregnancy and postpartum period. The authors review the existing data regarding the use of psychotropic agents in mania, and the impact on infant and childhood development. It is emphasized that nowadays the use of psychotropic medications during pregnancy is appropriate in many clinical situations, but no decision is risk-free. Moreover, a guideline is presented for psychotropic drug use during pregnancy and for bipolar women who wish to conceive. Uniterms mania; bipolar disorder; pregnancy; psychopharmacology; management; treatment 1Pediatra; residente de Psiquiatria do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 2Professor-assistente; doutor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. 3Professor livre-docente do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Recebido em: 06.11.02 Aprovado em: 09.12.02 Mania e gravidez: implicações para o tratamento farmacológico e proposta de manejo Mania and pregnancy: issues related to pharmacologic treatment and management proposal Gabriel Ferreira Pheula1; Cláudio Eduardo Müller Banzato2; Paulo Dalgalarrondo3 J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 97-107, 2003 Introdução tamental associado ao transtorno mental40. Estes efeitos incluem recusa a cuidados pré-natais, in- capacidade de seguir orientações médicas, des- nutrição, abuso e dependência de álcool e dro- gas, tabagismo, risco de suicídio e de auto-indução de parto, além de alteração da ca- Transtornos psiquiátricos graves causam uma série de riscos para a mulher gestante e para o feto, sendo estes proporcionais a fatores como in- tensidade dos sintomas e do descontrole compor- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 98 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 pacidade de julgamento, incluindo risco de rela- ção sexual sem proteção. Desta forma, são relati- vamente previsíveis os riscos de uma gestante com transtorno psiquiátrico grave sem tratamento1. Existem poucos estudos a respeito da evolu- ção e do tratamento do transtorno bipolar na gra- videz, assim como sobre os quadros maníacos e hipomaníacos que eclodem especificamente du- rante a gestação. Dados iniciais indicaram que a gravidez seria considerada fator de proteção para doenças afetivas em geral, além de diminuir o ris- co de suicídio22. No entanto, atualmente estes da- dos são questionados, e há evidências de alto ris- co da ocorrência de transtornos de humor em mulheres em idade férti l, com o pico de prevalência ocorrendo entre 25 e 44 anos35. A conduta médica padrão tradicionalmente in- cluía até há pouco tempo a suspensão da medica- ção3. Entretanto é sabido que pacientes psiquiátri- cos constituem população com alta prevalência de gravidez indesejada40 devido à freqüente falta de insight da doença, menor planejamento e controle comportamental, além da possível interação medicamentosa entre anticoncepcionais e psicotró- picos, reduzindo a efetividade daqueles35. Preocupados com a carência de dados sobre este tema, Viguera et al.40 estudaram a evolução da doença bipolar em 101 pacientes divididas en- tre gestantes e não-gestantes, todas mantidas sem medicação por 40 semanas. Verificaram que o ris- co de recorrência foi igual entre as duas popula- ções durante a gravidez, mas foi maior no perío- do pós-parto do que nas pacientes não-grávidas. Também constataram que o risco de recorrência foi maior em pacientes que fizeram retirada rápi- da da medicação (menos de duas semanas) e em pacientes que tiveram quatro ou mais episódios de doença afetiva anterior. Desta forma, a retira- da abrupta da medicação pode contribuir para um alto risco de recorrência. Kastrup et al.18 verificaram um aumento de oito vezes nas admissões hospitalares de pacien- tes bipolares no primeiro mês de gestação. As- sim, considera-se que, em média, com a retirada lenta da medicação, o risco de recaída é igual entre gestantes e controles nos primeiros seis meses, sendo de cerca de 50%39. Sharma et al. relataram os casos de três pacientes portadoras de transtor- no bipolar do tipo II que se mantiveram eutímicas e sem medicação durante a gestação, sugerindo que, possivelmente, pacientes com transtorno bipolar do tipo II talvez tenham uma melhor res- posta a esta conduta34. A exposição a drogas psicotrópicas envolve uma série de riscos ao feto, os quais incluem malformações orgânicas decorrentes da exposição no período da embriogênese (primeiras 12 sema- nas), síndromes perinatais pelo uso da droga no período próximo ao parto, além de alterações neurocomportamentais de aparecimento tardio, geralmente no período escolar, surgindo na forma de retardo de amadurecimento comportamental e problemas de aprendizagem1, 3. O objetivo deste estudo é fazer uma revisão de literatura sobre o tema, apresentar alguns casos ilustrativos e formular uma proposta de manejo de mania na gestação, considerando o conjunto de evidências atuais à disposição na literatura. Uso de psicotrópicos em episódio maníaco na gestação As drogas utilizadas em episódios maníacos incluem os estabilizadores do humor, que com- preendem o lítio e os anticonvulsivantes, nota- damente a carbamazepina e o ácido valpróico, além de outros mais recentes: a lamotrigina, o topiramato e a gabapentina. Também são utiliza- dos os antipsicóticos para controle de sintomas psicóticos e agitações psicomotoras graves, além de benzodiazepínicos em quadros de inquietude e agitação importantes33. A Food and Drug Administration (FDA) não aprovou nenhuma das drogas psicotrópicas para uso na gestação, a despeito do uso freqüente35. Logo, constitui-se em um dilema, nestes casos, verificar a relação entre o risco de exposição aos efeitos teratogênicos de uma droga contra o im- pacto da doença não-tratada, em relação ao prog- nóstico materno e fetal. Baseada nesta premissa, a FDA elaborou um protocolo de estratificação de risco na gestação, a fim de auxiliar na decisão clínica (Quadro 1). Os estudos sobre as estimativas de risco ma- terno-fetal na gestação são, na sua maioria, dos tipos caso-controle ou coorte retrospectivo e, de- vido à limitação metodológica inerente, apresen- tam maior freqüência de bias e fatores de confu- são, com menores validades interna e externa35. Não há ensaios clínicos randomizados, do tipo duplo-cego, prospectivos e controlados sobre o as- Mania e gravidez Pheula et al. 99J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 sunto, devido ao imperativo ético. Considerando- se isto, tem-se discutido a real validade de uma estra- tificação de risco conforme a descrita acima, pois na época ainda não havia metanálises sobre o assunto, as quais aumentaram o poder estatístico destes es- tudos pelo aumento da amostra. Baseados nisto, Viguera et al.38 propuseram, em 2002, uma nova classificação das drogas psicotrópicas conforme o potencial teratogênico. O Quadro 2 apresenta as propostas de classificação das drogas utilizadas em quadros maníacos de transtorno bipolar, conside- rando as duas formas de estratificação citadas. A seguir, é feita uma breve revisão das evidên- cias disponíveis sobre risco de uso dos principais psicofármacos utilizados nos episódios maníacos de transtorno bipolar. Neste trabalho, o risco de uso de um psicofármaco será muitas vezes expos- to utilizando-se o conceito de risco relativo (RR). O risco relativo é a medida de associação comumente utilizada nos estudos de coorte, compreendendo a relação entre a incidência de malformação, ou ou- tro desfecho clínico, em fetos expostos ou não ao fármaco, e o fator em estudo. Desta forma, o valor expressa a força ou magnitude da associação en- tre o fator e a resultante clínica. Assim, valores menores que 1 indicam que o fator confere prote- ção para o desfecho (a ocorrência de malformações). Caso o valor seja igual a 1, não há relação entre os dois, e, se for maior do que 1, in- dica um risco maior para o evento clínico. Quadro 1 – Estratificação de risco na gravidez, segundo o FDA3 A – Estudos controlados não mostram risco. Estudos adequados e bem controlados em mulheres grávidas não demonstraram risco no feto. B – Não há evidência de risco em humanos. Os estudos em animais ou não mostram riscos, ou mostram, mas não em humanos. C – Risco não pode ser descartado. Não existem estudos em humanos, e os estudos em animais ou mostram riscos no feto ou não existem. Entretanto os benefícios podem superar os riscos. D – Evidência positiva de risco. Dados de investigação ou pós-comercialização mostram risco para o feto. Entretanto os benefícios podem superar os riscos. X – Contra-indicada na gravidez. Estudos em animais ou humanos, ou dados de investigação ou pós-comercialização, mostram risco fetal que claramente supera qualquer benefício ao paciente. Quadro 2 – Classificação das drogas utilizadas em episódios maníacos, segundo as formas de estratificação9, 38 Droga Classificação do FDA (2000) Classificação de Viguera et al. (2002) Lítio D Risco moderado Carbamazepina C Alto risco Ácido valpróico D Alto risco Anticonvulsivantes novos Gabapentina C Risco desconhecido Lamotrigina C Benzodiazepínicos Clonazepam C Não-avaliado Alprazolam D Clordiazepóxido D Diazepam D Lorazepam D Antipsicóticos típicos Haloperidol C Baixo risco (preferir os de alta potência) Clorpromazina C Levomepromazina C Tioridazina C Trifluoperazina C Antipsicóticos atípicos Risperidona C Risco desconhecido Olanzapina C Quetiapina C Clozapina B Pheula et al. Mania e gravidez 102 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 lactentes que desenvolveram dependência intra-úte- ro da droga. Além disso, podem ser observados, no neonato, sintomas de abstinência, que geralmente ocorrem por até três semanas após o parto. A fim de diminuir a prevalência dos efeitos neonatais, suge- re-se retirada lenta da medicação nas duas semanas anteriores ao parto, sendo esta retirada mais lenta quanto mais grave for o transtorno de ansiedade da paciente, de tal forma que, a pacientes graves ou com dependência importante da medicação, é re- comendada a manutenção da medicação, pelo alto risco de síndrome de abstinência ou retorno dos sin- tomas na gestante3. Não há consenso sobre a ocorrência de alte- rações neurocomportamentais induzidas por benzodiazepínicos3. Desta forma, os benzodia- zepínicos mais indicados na gestação são os de meia-vida curta e com ausência de metabólitos ativos. Preenchem estes critérios o alprazolam e o lorazepam. Como o primeiro tem maior associ- ação com fenda palatina, além de, pela maior po- tência, estar associado à síndrome de abstinência mais intensa, o lorazepam é preferido3. Em paci- entes portadores de transtornos de ansiedade, tem se dado preferência ao uso de antidepressivos tricíclicos ou inibidores de recaptação de sero- tonina, os quais não têm demonstrado relação com a ocorrência de malformações20. ECT e gravidez Em virtude do exposto acima, que evidencia a existência de poucos estudos a respeito do efei- to de medicações psicotrópicas em fetos expos- tos, tem ocorrido uma discussão referente ao uso de ECT em gestantes em episódio maníaco. Con- siderando-se a teratogênese, o uso de anestési- cos de ação curta para o ECT pode trazer menor risco ao feto do que o uso de estabilizadores do humor, podendo ser considerado uma alternati- va para o caso de episódios graves de transtorno do humor na gravidez5. Em relação às respostas hormonais na gravi- dez, um relato revelou aumento do nível sérico de vários hormônios durante ECT, incluindo ocitocina15. Teoricamente, então, poderia haver indução de contrações miometriais durante a cri- se convulsiva. No entanto, em uma revisão de 300 casos de ECT na gestação, houve dois casos de contrações uterinas iniciadas logo após o ECT, sem desencadeamento de parto prematuro, além de cinco casos de arritmias fetais transitórias29. Os casos com precipitação de parto ocorreram no terceiro trimestre: em um, houve hipertensão tran- sitória após o ECT (180 x 90mmHg), com des- colamento prematuro de placenta em uma mãe de 35 anos; no outro, houve contrações uterinas e sangramento vaginal após o ECT, com parto sen- do desencadeado após realização de um enema. Este último relato data de 1948, quando as técni- cas de realização eram diferentes10, 29. Não existem estudos controlados realizados so- bre o assunto, sendo todos relatos de caso, os quais também não encontraram malformações que pos- sam ter sido relacionadas ao procedimento, consi- derando a época e o tipo de anomalia. Desta forma, os relatos são favoráveis ao uso de ECT. Consideran- do-se os riscos do uso de psicotrópicos e a ausência de tratamentos que sejam, simultaneamente, segu- ros e com alta eficácia na gravidez, pode ser um tra- tamento factível. Assim, a gestação é um fator rele- vante para a indicação de uso de ECT em episódios maníacos graves29. Atualmente, considera-se que, pelo fato de proporcionar uma resposta em curto prazo, o ECT deve ser considerado em casos de ins- tabilidade importante da doença psiquiátrica, com risco fetal imediato13. Em 1990, a Academia Americana de Psiquia- tria elaborou uma série de recomendações sobre o uso de ECT na gestação6, que inclui avaliação obstétrica prévia para verificação de fatores de ris- co materno e fetais, inclusão de obstetra na equi- pe do procedimento, decúbito lateral esquerdo e elevação do quadril em gestantes acima de 20 se- manas (diminui a compressão aortocava, com menor hipoperfusão uterina), fazer tocodina- mometria antes do ECT (para verificar a ocorrên- cia de contrações, em casos de difícil anamnese e exame físico), monitoração contínua da freqüên- cia cardíaca fetal durante o procedimento, hidra- tação prévia por via parenteral, realização em sala de parto (com equipe preparada para desenca- deamento de trabalho de parto), administração de betametasona para maturação pulmonar fetal. Ressalta, também, que o consentimento informa- do é essencial, com participação ativa da família na decisão terapêutica. Relato de casos ilustrativos A seguir será relatado um caso da literatura que evidencia decisão clínica de tratamento de trans- torno afetivo na gravidez. Após, dois casos acom- panhados em nosso serviço são apresentados. Mania e gravidez Pheula et al. 103J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Finnerty et al.14, em 1996, relataram um caso de uma paciente de 33 anos com diagnóstico de trans- torno bipolar do tipo I. A paciente usava, como ma- nutenção, valproato e lorazepam, sendo suspensos no quarto mês de gestação, quando esta foi desco- berta. Tinha história de sete hospitalizações por qua- dros de mania, dois dos quais se resolveram apenas com ECT. Logo após a retirada da medicação, come- çou com insônia e humor exaltado, sendo indicada hospitalização para manejo. Iniciou com uso de haloperidol 10mg/dia, sendo aumentado para 20mg/dia após três dias, juntamente com clonazepam 2mg/dia. Paciente evoluiu com piora do quadro, com episódios freqüentes de agitação psicomotora. Tentou-se a troca do antipsicótico para clorpromazina 400mg/dia, por boa resposta em epi- sódios anteriores, mas a paciente desenvolveu hipotensão grave. A dose do haloperidol foi, então, aumentada até 28mg/dia e trocado o benzodia- zepínico para lorazepam 14mg/dia, sem melhora. Além disso, a paciente era portadora de diabetes melito e, devido ao padrão irregular de dieta, houve piora do controle glicêmico. Após dez dias de evolu- ção, foi indicado iniciar ECT, por piora clínica. Deci- diu-se que o ECT seria administrado em sala de par- to, com equipe obstétrica e neonatal presente, e administração prévia de betametasona. No entanto a paciente, antes da primeira sessão, teve ruptura prematura de membranas e oligoidrâmnio grave, sen- do realizada cesariana com 29 semanas de gestação. No pós-parto imediato, foi iniciado haloperidol 28mg/ dia, valproato 500mg/dia e lorazepam 4mg/dia. Hou- ve piora abrupta do quadro maníaco a partir do se- gundo dia do puerpério, sendo que na semana se- guinte foi aumentado o valproato até 1.000mg/dia, e trocado o antipsicótico para clorpromazina 2.600mg/dia, em virtude de resposta em episódio anterior. Como se manteve a piora do quadro, foi ini- ciado ECT no 12º dia pós-parto. Foi submetida a 17 sessões de ECT, com melhora do quadro. A paciente reiniciou o uso de valproato após, sendo necessário aumento da dose até 2.000mg/dia para controle total do quadro. No seguimento, quatro meses após, a pa- ciente mantinha quadro estável, recebendo tratamen- to de manutenção com valproato 1.250mg/dia e lorazepam 2mg/dia. Casos do serviço da Unicamp Caso 1 Paciente com 26 anos, casada, do lar, primei- ro grau completo, com diagnóstico de transtor- no afetivo bipolar do tipo I. O diagnóstico foi fei- to quando a paciente teve um episódio maníaco com sintomas psicóticos há dois anos e meio, ten- do melhora com lítio 600mg/dia, haloperidol 10mg/dia e clonazepam 4mg/dia. Manteve a mesma dosagem de lítio como tratamento de ma- nutenção. Há um ano e meio, teve um episódio depressivo moderado, com uso de fluoxetina 20mg/dia por 30 dias. Há seis meses, a paciente referiu atraso menstrual, sendo feita a retirada ime- diata do lítio e solicitado teste de gravidez, cujo resultado foi positivo. A paciente manteve-se eutímica até 18 semanas de gestação, quando ini- ciou com quadro de insônia, distratibilidade, mais comunicativa que o usual, aumento da auto-esti- ma e elação (dizia que falava sete línguas, que podia curar as pessoas). Foi iniciado haloperidol 3mg/dia e, em 14 dias, aumentado para 5mg/dia por ausência de resposta. Em nova avaliação após duas semanas, a paciente mantinha o mesmo qua- dro, sendo indicada internação. Nesta, a dose de haloperidol foi aumentada até 10mg/dia, sendo que após cinco dias a paciente começou a ter melhora do padrão de sono e melhora da capaci- dade de concentração. Evoluiu com remissão completa do quadro, estando, atualmente, com 34 semanas de gestação, com plano de manter a dose de antipsicótico até o terceiro trimestre de gravidez (atualmente, usando 2,5mg/dia, com plano de suspensão em sete dias). Caso 2 Paciente com 32 anos, casada, nível educaci- onal universitário, secretária executiva, com di- agnóstico de transtorno bipolar do tipo I. Apre- senta desde a adolescência períodos de apatia, inapetência e descuido consigo mesma, alterna- dos com períodos de loquacidade, gasto excessi- vo de dinheiro e redução do sono. Ambos os pe- ríodos duravam duas a quatro semanas, com remissões espontâneas. Desde os 18 anos de ida- de foi diagnosticado hipotireoidismo, fazendo ela uso de Puran T4 com controle adequado dos sin- tomas. Há cinco anos, com 27 anos de idade, apre- sentou um episódio com diminuição progressiva e marcante da necessidade de sono, agitação psicomotora intensa, logorréia, ideação deliróide (afirmava estar grávida, sem atraso menstrual e os testes sendo negativos) e ouvia a voz da mãe morta há um ano. O episódio durou cerca de três meses e remitiu com o uso de risperidona e clonazepam. Após o episódio, passou a fazer Pheula et al. Mania e gravidez 104 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 psicoterapia de orientação analítica duas vezes por semana. Foi introduzido o carbonato de lítio, mas ela não tolerou os efeitos colaterais, nem tolerou antidepressivos tricíclicos prescritos. Desde há cer- ca de quatro anos passou então a fazer uso de carbamazepina (CBZ) 1.200mg/dia, tolerando bem esta medicação. Há três anos teve um quadro depressivo leve após a morte de um irmão. Inten- sificou-se a psicoterapia e o quadro remitiu sem medicação psiquiátrica. Há um ano e meio mani- festou desejo de engravidar e de suspender a me- dicação, pois afirmava ser extremamente preocu- pada com possíveis danos da medicação ao bebê. Foi então retirada gradativamente, em um mês, a medicação. Engravidou há cerca de um ano. Pas- sou a gestação completamente eutímica, sem o uso do estabilizador do humor. Cinco dias após o par- to passou a sentir-se progressivamente irritada, com redução do sono, agitação psicomotora, cada vez mais ansiosa e preocupada. Passou a apresentar idéias de morte e descuido com o bebê, além de desinibição social. Nos dias seguintes se intensifi- cou o quadro com ideação paranóide e confusa, labilidade afetiva e idéias agressivas em relação ao bebê. Foi suspensa a amamentação e introduziu-se CBZ 800mg/dia, olanzapina 10mg/dia e clonazepam 1mg/dia. Em um mês a paciente apresentou remissão completa de seus sin- tomas e voltou ao estado eutímico. A olanzapina e o clonazepam foram retirados em um mês e meio após a remissão. Manifesta nas consultas atuais forte desejo de voltar a amamentar o bebê. Em acordo com o pediatra, tentou-se, sem sucesso, reintroduzir a amamentação com a manutenção de CBZ. Proposta de manejo Resumindo o que foi exposto acima, os auto- res elaboraram uma proposta de manejo de pa- cientes portadoras de transtorno bipolar que de- sejam engravidar, além de diretrizes em relação ao uso de psicofármacos em episódio maníaco na gravidez, conforme já feito por outros auto- res1-4, 8, 19, 23, 31, 37. Desta forma, os autores elaboraram quadros, cujo objetivo é servir como guia prático e de con- sulta rápida, a fim de facilitar o manejo do trans- torno bipolar na gravidez (Quadros 3 a 9). Quadro 4 – Recomendações gerais para pacientes bipolares grávidas 1 – Suplemento nutricional adequado. 2 – Orientação sobre risco de álcool, tabagismo e cuidados pré-natais irregulares. 3 – Intensificação de manejo psicoterápico, a fim de abordagem precoce de estressores. 4 – Acompanhamento psiquiátrico com maior proximidade, com retornos ambulatoriais mais freqüentes. 5 – Atenção para a recomendação universal de que, na gravidez, são preferíveis medicações mais antigas, com maior experiência no uso e conhecimento dos possíveis efeitos no feto. 6 – Também é importante considerar o bom senso de minimizar a exposição, com o uso de menores doses, no menor tempo possível. Quadro 3 – Recomendações para pacientes bipolares que desejam engravidar 1 – Fornecer aconselhamento genético, incluindo esclarecimento sobre a hereditariedade da doença. 2 – Verificar a gravidade da doença e a capacidade de tolerância a sintomas leves com manejo psicoterápico, a fim de indicar ou não a possibilidade de gravidez. 3 – Reavaliar padrão sazonal da doença, para planejamento da época da concepção. 4 – Iniciar uso de 0,4mg/dia de ácido fólico. Se em uso de carbamazepina ou ácido valpróico ou história de feto anterior com defeito de tubo neural, aumentar a dose para 4mg/dia. 5 – Discutir, com o paciente e a família, os riscos e benefícios do uso de medicação para gravidez. Enquanto os benefícios incluem a prevenção de recaída de quadros depressivos e maníacos, os riscos compreendem a maior probabilidade de intoxicação materno-fetal pelo lítio, além do potencial teratogênico dos estabilizadores de humor. Desta forma, prefere-se a ausência de medicação ou o uso de medidas alternativas, incluindo o emprego de antipsicóticos ou ECT. 6 – Em pacientes com transtorno bipolar do tipo II, preferir a suspensão da medicação, pelo baixo risco de recaída da doença. Mania e gravidez Pheula et al. 107J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 18. Kastrup M, Lier L, Rafaelsen OJ. Psychiatric illness in relation to pregnancy and childbirth, I: methodologic considerations. Nordisk Psykiatrisk Tidsskrift 1989; 43: 531-34. 19. Knoppert-van der Klein EAM, Kolling P, van Gent EM, van Kamp IL. Consequences of a bipolar disorder and of use of mood stabilizers for pregnancy management. Ned Tijdschr Geneeskd 1997; 141: 1960-65. 20. Kuller JA, Katz VL, McMahon MJ, Wells SR, Bashford RA. Pharmacologic treatment of psychiatric disease in pregnancy and lactation: fetal and neonatal effects. Obstet Gynecol 1996; 87: 789-94. 21. MacKay FJ, Pearce WGL, Freemantle SN, Mann RD. 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Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Paulo Dalgalarrondo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas Caixa Postal 6111 CEP 13081-970 – Campinas-SP Tel.: (19) 3788-7206 Fax: (19) 3289-4819 e-mail: pdalga@aol.com Pheula et al. Mania e gravidez 109 R e s u m o A presente pesquisa teve como objetivo a adaptação brasileira do Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers), que indica a potencialidade do futuro consumo (tendência ao consumo) de bebidas alcoólicas e de outras drogas entre a população adolescente. Especificamente, pretendeu-se comprovar a validade de construto desta medida. Participaram 1.531 jovens, estudantes do ensino médio de escolas públicas e particulares da cidade de João Pessoa, sendo a maioria do sexo feminino (59,8%), com uma média de idade de 17 anos. Como era teoricamente esperado, foram encontrados sete fatores de primeira ordem, os quais explicaram conjuntamente 27,7% da variância total. Seus índices de consistência interna (Alfas de Cronbach) variaram de 0,65 a 0,8. A extração de um único fator geral permitiu explicar 12,1% da variância total, apresentando um Alfa de Cronbach de 0,85. Concluiu-se que o Posit pode ser útil na população adolescente brasileira como um instrumento de triagem, identificando potenciais consumidores de drogas. Recomendam-se, porém, estudos futuros que comprovem outros parâmetros métricos (por exemplo, validade preditiva) e estabeleçam suas normas diagnósticas. Unitermos drogas; álcool; maconha; consumo; adolescência; Posit S u m m a r y This present research aimed the adaptation of Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers) to the Brazilian reality. This instrument indicates the future potential (tendency to the consumption) use of alcohol and other drugs among adolescent population. The specific intention of this study is to confirm the construct validation of this measure. The sample accounted the participation of 1,531 young students of private and public high schools located in the city of João Pessoa; most of them were women (59.8%) with average age of 17 years old. As it was theoretically expected, seven high order factors which together explained 27.7% of total variance were found. Their internal consistence index (Cronbach’s Alpha) ranged from .65 to .80. The extraction of a sole factor permitted to explain 12.1% of total variance, presenting a Cronbach’s Alpha of .85. The conclusion was that the Posit as an assigning instrument may be useful for the Brazilian adolescent population once it can identify potential drug users. Nonetheless, further studies are recommended to confirm other measures parameters (e.g.: predictive validation) and to establish its diagnostic norms. Uniterms drugs; alcohol; grass; consume; adolescence; Posit 1Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); professor do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). 2Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 3Coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal da Paraíba (UFPB); pesquisador do CNPq, 2B. O presente artigo corresponde a parte da dissertação do primeiro autor, sob a orientação dos outros dois autores. Contou com apoio da Capes, através de bolsa de mestrado concedida ao primeiro autor. Os autores agradecem a esta instituição. Recebido em: 24.01.03 Aprovado em: 27.01.03 Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes (Posit): adaptação brasileira Questionnaire to detect potential use of drugs among adolescents (Posit): an adaptation to the Brazilian reality Leconte de Lisle Coelho Júnior1; Bernard Gontiès2; Valdiney V. Gouveia3 J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 109-116, 2003 110 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Considerações gerais acerca do consumo de drogas entre adolescentes drogas (principalmente as ilícitas) possam tentar vis- lumbrar uma melhor perspectiva para si, tendo em vista que a sociedade não lhes dá oportunidades. Embora possa esta ser uma explicação para o consu- mo de drogas entre os adolescentes, certamente a crise de identidade vivenciada nesta fase do desen- volvimento e a orientação ao hedonismo que a ca- racteriza5 contribuem para fazer este um aspecto crí- tico. Os adolescentes, embora possa isto parecer absurdo, apresentariam uma tendência natural ao consumo de drogas, sendo impedidos ou tolhidos em função da adesão a valores humanos mais tradicio- nais (por exemplo, conformidade, tradição)3, 5, 8, 15. A partir destas considerações gerais sobre o consumo de substâncias psicoativas na juventu- de, percebe-se um problema social iminente, cuja dimensão é especulada, mas raramente delimita- da. Um aspecto preponderante para tanto é a es- cassez de indicadores objetivos de consumo de drogas entre tais jovens, o que motivou o presen- te estudo. Seu objetivo principal foi adaptar para o contexto brasileiro uma medida de potenciais adolescentes com problemas de consumo de dro- gas, lembrando-se de que o termo potencial tem o mesmo significado que tendência a, seguindo uma perspectiva que entende a importância do aspecto preventivo do consumo de drogas1-3. As drogas em geral podem ser divididas em dois grandes grupos: as chamadas lícitas, como o álcool e o tabaco, por exemplo, e as ilícitas, como a maconha e a cocaína. As drogas lícitas são mais aceitas pela sociedade e têm um consumo muito maior que as ilícitas, pois estas últimas não têm amparo legal para serem produzidas e seus con- sumidores geralmente são hostilizados pela soci- edade por sustentarem tal hábito2, 12. As substâncias químicas que são aceitas legal- mente na sociedade, diferente do que alguns po- dem pensar, têm um poder acentuado de provocar danos entre os adolescentes. Isto é especial- mente válido pela facilidade de acesso desses jovens, tor- nando social e/ou culturalmente aceito o seu con- sumo, principalmente em eventos festivos. Contra- riamente, quando se trata das drogas ilícitas, parece haver uma necessidade ímpar de mostrar seu cará- ter maléfico, sendo destacadas como prejudiciais à saúde em geral, provocando um estado de deca- dência psíquica, física e moral. Neste sentido, evi- dencia-se uma grande guerra pelo mercado de con- sumo entre os produtores de drogas lícitas e ilícitas, tendo os adolescentes como personagens principais no centro deste embate. Newcomb e Bentler (1989) entendem que a mídia é uma das principais culpadas pelo aumen- to do consumo de substâncias psicoativas entre os jovens, induzindo-os para que façam uso des- tas. Por exemplo, como assinalam estes autores, isto é evidente no homem da Marlboro e na mu- lher do Virgínia Slim, os quais são vistos como modelos, sendo as drogas lícitas o remédio para os males que podem sofrer, como o estresse, a depressão, o cansaço físico, entre outros. Ora, quando a mídia mostra personagens perfeitos que assim o são por causa do consumo de substânci- as lícitas, evidentemente ela está promovendo este consumo que tanto condena. Em outras palavras, os adolescentes ficam, com muita razão, confu- sos quando a mídia (representando a sociedade) promove a permissividade para o consumo de drogas lícitas ao mesmo tempo em que dá uma enfática negativa com relação às drogas ilícitas. Hurrelmann e Engel (1992) acentuam que as dro- gas servem de objeto para uma transcendência das normas e dos valores que regem a sociedade com a finalidade de que os adolescentes que consomem Medidas de potenciais usuários de drogas: a proposta do Posit Embora existam medidas adaptadas ao con- texto brasileiro sobre o uso de drogas4, 7, estas compreendem índices simples, com poucos itens, em geral abaixo de dez, onde se pergunta direta- mente sobre o seu consumo. Estes aspectos im- põem maior possibilidade de erro na estimação de potenciais usuários de drogas, fazendo com que o próprio pesquisador não se sinta seguro sobre os resultados obtidos. Neste sentido, a ava- liação do consumo de drogas tem se fundamen- tado algumas vezes em entrevistas, procurando perguntar diretamente se o respondente usa ou não uma série de drogas6, 10. Diante deste contexto, parece apropriado con- tar com uma medida como o Questionário de Tria- gem de Problema de Adolescentes (Posit). Este foi originalmente criado pelo National Institute of Drugs Abuse (Nida), órgão do governo dos Esta- dos Unidos. Nesse momento constava de 139 itens de forma interrogativa, aos quais os Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Coelho Júnior et al. 113J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 gas pelo respondente (por exemplo: Começou a consumir maior quantidade de álcool ou droga para obter o efeito que deseja? Seus familiares ou ami- gos lhe disseram alguma vez que deve diminuir o uso de bebidas alcoólicas ou drogas? As bebidas al- coólicas ou as drogas o induziram a fazer algo que normalmente não faria, como desobedecer a algu- ma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa ou mesmo a ter relações sexuais com alguém?). Seu eigenvalue foi 8,66, explicando 10,7% da variância total das pontuações no questionário; observou-se uma consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,8. Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha- da – Um total de dez itens apresentou satura- ções aceitáveis neste fator, isto é, igual ou mai- or que ± 0,3 (por exemplo: Tem amigos que intencionalmente causam danos ou destruição? Tem amigos que bateram ou ameaçaram al- guém sem justificativa? Tem amigos que rou- baram?). O eigenvalue deste fator foi de 3,93, correspondendo à explicação de 4,8% da variância total, sendo seu Alfa de Cronbach de 0,71. Fator III: Desequilíbrio emocional – Neste fa- tor apresentaram-se oito itens com saturações iguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo: Sente- se triste a maior parte do tempo? Sente desejo de chorar freqüentemente? Sente-se só na maior parte do tempo?). O eigenvalue deste fator foi de 2,29, explicando 2,8 % da variância total e apre- sentando um Alfa de Cronbach de 0,72. Fator IV: Conduta anti-social – Saturaram com carga igual ou superior ao preestabelecido 13 dos 81 itens do Posit (por exemplo: Tem mau gênio? Briga muitas vezes? Age impulsivamente com fre- qüência?). Seu eigenvalue foi de 2,2, represen- tando a explicação de 2,7% da variância total. O Alfa de Cronbach deste fator foi de 0,72. Fator V: Dificuldades no relacionamento com os pais/responsáveis – Este fator reuniu oito itens que possuem saturações aceitáveis (ai.t • ± 0,3) (por exemplo: Seus pais ou responsáveis pres- Tabela 1 – Estrutura fatorial da medida de potencial uso de drogas (Posit) Itens Fatores I II III IV V VI VII P57 Pedidos para diminuição 0,56* P62 Perda de controle 0,53* P33 Obtenção de efeitos desejados 0,52* P77 Amigos que roubaram 0,59* P67 Amigos que são violentos 0,53* P19 Amigos que causam danos 0,51* P55 Sente-se triste 0,59* P75 Desejo de chorar freqüente 0,56* P10 Sente-se só 0,54* P31 Tem mau gênio 0,52* P30 Briga muito 0,47* P40 Impulsivo com freqüência 0,47* P32 Atenção dos pais 0,6* P52 Pais conversam com os filhos 0,57* P71 Os pais concordam com a educação dos filhos 0,56* P79 A escola é difícil 0,52* P61 Dificuldade com trabalho escrito 0,46* P72 Dificuldade em se organizar 0,45* P36 Já teve trabalho 0,82* P16 Teve trabalho remunerado 0,78* P44 Trabalho remunerado por 1 mês 0,72* Número de itens: 18 10 8 13 8 11 4 Eigenvalue 8,66 3,93 2,29 2,2 2,07 1,71 1,63 % da variância 10,7 4,8 2,8 2,7 2,6 2,1 2 Alfa de Cronbach 0,8 0,71 0,72 0,72 0,66 0,66 0,65 *Saturação considerada satisfatória (ai.t > ± 0,3). Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes 114 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 tam atenção quando você fala? Seus pais ou res- ponsáveis gostam de conversar ou de estar com você? Seus pais ou responsáveis estão de acordo a respeito da forma que devem lidar com você?). As pontuações para estes itens são invertidas. O eigenvalue deste fator foi de 2,07, o que corresponde à explicação de 2,6% da variância total, sendo o seu alfa de Cronbach de 0,66. Fator VI: Dificuldades na aprendizagem – Tal fator reuniu onze itens possuindo saturações que atendem ao critério previamente estabelecido (por exemplo: A escola é difícil? Tem dificuldade com trabalhos escritos? Tem dificuldade de organizar planos ou atividades?). O eigenvalue deste fator foi de 1,71, sendo responsável pela explicação de 2,1% da variância total, com um índice de con- sistência interna de 0,66. Fator VII: Trabalho e desempenho – Este fator concentrou quatro itens que apresentam satura- ções iguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo: Teve alguma vez ou tem atualmente um trabalho? Teve algum trabalho eventual com salário? Teve alguma vez um trabalho remunerado que durou ao menos um mês?). O eigenvalue de tal fator foi de 1,63, correspondendo à explicação de 2% da variância total, sendo seu Alfa de Cronbach de 0,65. Conhecida a estrutura fatorial de primeira or- dem, decidiu-se comprovar em que medida os fa- tores resultantes estariam correlacionados entre si. Neste sentido, procedeu-se ao cálculo de cor- relações de Pearson para as pontuações totais de cada um dos fatores do Posit. Os resultados são apresentados na Tabela 2. Como é possível observar na tabela anterior, seis dos sete fatores estão significativamente correlacionados entre si (p < 0,01), com coeficien- tes de correlação variando de 0,12 (fator I – poten- cial consumo de álcool e maconha e desequilíbrio emocional) a 0,47 (fator II – delinqüência juvenil compartilhada e fator IV – conduta anti-social). A única exceção foi o fator VII (trabalho e desempe- nho), que apresentou correlação significativa uni- camente com os fatores I, II e V (dificuldades no re- lacionamento com os pais/responsáveis); tais correlações foram, no entanto, baixas, variando de - 0,09 a 0,15. Este último fator se correlacionou ne- gativamente com todos os demais fatores, reforçan- do a necessidade de se inverter sua pontuação. Analisados os resultados acima, parece emi- nente a presença de um grande fator subjacente ao Posit. Neste sentido, decidiu-se realizar uma nova análise de componentes principais, onde se fixou a extração de um único fator. Com ex- ceção dos itens que saturaram com exclusivida- de no fator VII, dos quais foram eliminados to- dos os pertencentes, os demais fatores foram considerados nesta análise. Este fator geral apresentou um eigenvalue de 7,88, explicando 12,1% da variância total das pon- tuações neste instrumento. Considerando o critério de carga fatorial igual ou superior a ± 0,3, foram reunidos neste fator 49 itens. Deste total, a maioria pertence ao fator I (12 itens), sendo que todos os demais fatores considerados apontaram pelo me- nos cinco itens. Tendo em conta as maiores satura- ções dos itens (referência ait • ± 0,4), tal fator pode ser denominado Índice de Potencial Uso de Drogas (por exemplo: o uso de álcool ou das drogas pro- duz em você mudanças repentinas de humor, como passar de estar contente a estar triste ou vice-versa? Começou a consumir a maior quantidade de álcool para obter o efeito que deseja? As bebidas alcoóli- cas ou as drogas o induziram a fazer algo que nor- malmente não faria, como desobedecer a alguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa ou mes- mo a ter relações sexuais com alguém?). Seu alfa de Cronbach, considerando a amostra de 12 itens, foi de 0,74; com todos os 49 itens, este índice de con- sistência interna ficou em 0,85. Tabela 2 – Correlação entre os fatores de primeira ordem do Posit Fatores I II III IV V VI II 0,45** III 0,12** 0,16** IV 0,27** 0,47** 0,43** V - 0,24** - 0,3** - 0,32** - 0,33** VI 0,24** 0,29** 0,41** 0,41** - 0,23** VII 0,15** 0,14** 0,02* 0,05* - 0,09** 0,03* *p < 0,01; **p < 0,001 (teste bicaudal, eliminação pairwise de missing). Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Coelho Júnior et al. 115J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Discussão (fator VII – trabalho e desempenho, α = 0,65) corresponde àquela área cuja confiabilidade foi a menor entre as sete áreas funcionais (interesse laboral, α = 0,64). O conjunto dos resultados apresentados su- gere que o Posit apresenta validade de construto no Brasil, tendo demonstrado estrutura fatorial e índices de consistência interna que corroboram os achados com amostras mexicanas11. Não obstante, é impossível deixar de assinalar duas das principais limitações desta medida: Amostra de itens utilizados – O Posit é com- posto por muitos itens, 81 no total, inviabilizando estudos de triagem que poderiam ser feitos tanto no âmbito ambulatorial como no clínico, ou mes- mo no educacional. Alguns dos itens que o com- põem são também extensos (por exemplo: O uso do álcool ou das drogas produz em você mudan- ças repentinas de humor, como passar de estar contente a estar triste, e vice-versa? As bebidas alcoólicas ou as drogas o induziram a fazer algo que normalmente não faria, como desobedecer a alguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa, ou mesmo a manter relações sexuais com al- guém?). Isto dificulta a compreensão dos jovens e torna praticamente inviável sua aplicação em populações com baixa escolaridade. Natureza do conteúdo abordado – Embora outros estudos nesta área considerem de modo indiferenciado as drogas lícitas e ilícitas, tendo em vista que estas podem igualmente causar um mal de saúde nos jovens adolescentes3, 14, em termos de uma medida de triagem de potencial consu- midores, pareceria fundamental não misturar os diferentes tipos de drogas. Certamente seria mais apropriada uma medida que tratasse separada- mente o álcool e a maconha e outros tipos de drogas. Não necessariamente o consumo de uma está atrelado ao consumo da outra, sendo que sua junção em um mesmo item pode produzir ambigüidade nas respostas dos jovens. Apesar do que antes se comentou, Mariño et al.11 apresentam suficientes provas de que o Posit permite eficazmente diferenciar não-usuários de usuários de drogas. No caso da população brasi- leira, será preciso comprovar este aspecto no fu- turo. A propósito de estudos que deveriam ser re- alizados, além do que já foi sugerido, seria interes- sante averiguar em que medida as pontuações no Posit estariam correlacionadas aos valores huma- nos adotados pelos jovens ou mesmo à sua iden- O objetivo principal do presente estudo, lem- brando, foi comprovar a validade de construto para a medida Posit, utilizada para estimar o po- tencial consumo de drogas pelos jovens. Este foi cumprido. Corroborando a classificação de Mariño et al. (1998), o instrumento em pauta demonstrou poder ser representado por diferen- tes áreas da vida dos adolescentes, as quais são importantes para o estudo dos comportamentos de risco referentes ao consumo de drogas, como o álcool e a maconha. Não obstante, comprovou- se também que é possível trabalhar com uma medida unidimensional, correspondendo a um fator geral de potencial consumo de drogas. Em termos da estrutura fatorial encontrada no Brasil e a classificação que Mariño et al.11. realiza- ram no México, os resultados denotam bastante correspondência. Uma análise do conteúdo dos sete fatores e das sete áreas releva o seguinte: o fator I (potencial consumo de álcool e maconha) corresponde à primeira área funcional (uso e abuso de substâncias) do Posit; o fator II (delinqüência ju- venil compartilhada) se relaciona com a área funci- onal relações com os amigos; o fator III (desequilí- brio emocional) é bastante equivalente à área funcional saúde mental; o fator IV (conduta anti- social) se assemelha à área funcional conduta agres- siva/delinqüência; o fator V (dificuldade de relacio- namento com os pais/responsáveis) corresponde à área funcional relacionamento com os familiares; o fator VI (dificuldade na aprendizagem) representa a maioria dos itens que figuram na área funcional ní- vel educativo; e, finalmente, o fator VII (trabalho e desempenho) traduz o significado da área funcio- nal denominada de interesse laboral. Percebe-se, portanto, bastante similaridade entre as duas classi- ficações, com a diferença de que a aqui apresentada foi comprovada empiricamente, através das respos- tas dos jovens. Quanto aos índices de consistência interna, alfas de Cronbach (α), os encontrados no presente estudo também são similares aos que relataram Mariño et al.11. No Brasil, o fator que demons- trou maior confiabilidade foi potencial consumo de álcool e maconha (fator I, α = 0, 8), correspondendo à primeira área funcional no México, denominada uso e abuso de substânci- as, que também apresentou o maior índice de consistência, α = 0,87. Do mesmo modo, o fator que apresentou a menor confiabilidade no Brasil Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes 118 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Introdução fecções virais, interrompem vias essenciais para a replicação viral15. O interferon é uma citocina que pode pertencer a três famílias de moléculas proteínicas: alfa, beta e gama. A maioria das célu- las no corpo pode ser estimulada para produzir estas proteínas. Estas moléculas unem-se aos re- ceptores de superfície nas células-alvo e induzem a síntese de proteínas intracelulares ou para mo- dificar vias de replicação viral ou para prolongar o ciclo de multiplicação de células neoplásicas por- que depletam a célula de metabólitos essenciais, como o triptofano, ou porque promovem a lise de células tumorais por meio da ativação de res- posta imune. Os tipos de interferons alfa avaliados em pacien- tes infectados com hepatite C incluem interferon alfa 2-b, alfa 2-a, alfa n-1 (interferon alphan 1 ou linfoblastóide), interferon consensual alfacon 1 (C-interferon) e o interferon pegilado (Peg IFN alfa 2-a) que, na realidade, é um interferon ao qual foi agregada uma molécula de polietilenoglicol, confe- rindo-lhe uma média de vida maior com adminis- tração permitida uma vez por semana11, 35. Mesmo com as diferenças de cada um dos an- teriores, todos foram incluídos com eficácia com- parável para o tratamento da hepatite C crônica pela conferência do National Institutes of Health1. Além do interferon alfa, existe o beta, usado para esclerose múltipla desde 1995 e, ainda, o gama, aprovado em 1990 para doença granulo- Este artigo revisa a relação entre a hepatite C, seu tratamento e a depressão. Uma prevalência maior de depressão tem sido encontrada em pacientes com hepatite C6, 18, 33. O porquê desta relação e a natureza da mesma estão sendo pesquisados. Quando as citocinas, como o interferon, começaram a ser usadas na hepatite, os relatos de caso na literatura sobre um aumen- to da incidência de transtorno do humor depressivo e de sintomas relacionados se fizeram mais freqüentes. A depressão é freqüentemente apontada como causa de exclusão para pacientes candidatos a usar interferon alfa ou de suspensão em relação àqueles que já o usavam. As terapias imunomoduladoras que usam citocinas como interleucinas ou interferon estão aumentando sua freqüência de uso. A toxicidade psiquiátrica destes agentes é ainda pouco com- preendida, e o diagnóstico correto do transtorno psíquico detectado e o seu tratamento se fazem cada vez mais necessários. As citocinas, mediado- ras solúveis secretadas pelo tecido imune, são pro- missoras para o tratamento de uma ampla varie- dade de neoplasias, doenças infecciosas e neurodegenerativas. São usadas com sucesso em câncer de células renais, melanoma maligno e leucemias, promovendo resposta imune contra as células neoplásicas via alteração de eventos bioquímicos no ciclo de replicação celular. Em in- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Results: Initial data from the eighties describe depressive symptons as part of the case histories of patients using interferon. After that, cases of suicide within this patient group were seen. This led to more systematic research to identify factors which might predict which patients could eventually develop depression or suicidal ideation. Consequently, patients with prior psychiatric histories were removed from the study. This considers a therapeutic response to interferon as barely 20% (defining an undetectable viral response as maintenance of fewer than 100 copies/ml of virus C, RNA). When ribavirin, an analog nucleoside, was added to the treatment, the rate of positive results from the treatment increased by approximately 50%; this improvement in the long-term response justified its use as a viable treatment option for these patients. More recent articles report that it is now possible to monitor these patients and include them in treatment protocols using antidepressant medication. To avoid ruling out interferon as a treatment option, patients should be evaluated by a psychiatry before initiating treatment. This allows for follow-up and treatment, when necessary. Conclusion: The incidence of depression in patients treated with interferon varies from 3% to 57%. We can attribute these variations to several factors, including the selection of the population, when drug-users were included in the studies, the disease being studied (the incidence of depression is greater in hepatitis C than in multiple sclerosis, even when untreated). The method of study, differing sensitivities of the instruments used and variations in interviewer training also help to explain the divergent numbers reported. Comparative studies between varying types of interferon show that variations in the incidence of depression among them do exist. Uniterms interferon; depression; hepatitis C Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al. 119J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 matosa crônica. A terapia com interferon ocasiona sintomas depressivos, mas o quadro depressivo maior com tentativa de suicídio ou suicídio com- pleto seria apenas de 4% do total dos relatos de reação adversa à medicação18. Em um estudo, onde se compararam dois diferentes tipos de interferon na mesma população de pacientes de hepatite C, detectou-se que os sintomas depressivos foram mais freqüentes no subtipo alfa em comparação ao beta18. O estudo de Malaguarnera et al.17 apon- tou que o interferon alfa, derivado dos leucócitos, seria o que menos produziria sintomas depressivos, comparado a outras citocinas de origem diferente, administradas na mesma dose por seis meses. Existem várias teorias a respeito de como po- deria ser produzida a depressão quando uma citocina está sendo usada. Uma delas é a desregulação do eixo hipotálamo-hipófise15 (au- mentando a secreção de hormônio liberador de corticotropina); a outra se refere ao interferon alfa, que pode alterar a regulação do sistema de dopamina fronto-subcortical através do mecanis- mo associado a opiáceos, quando se une a recep- tores opiáceos cerebrais18, 32,. Sua ação no siste- ma nervoso central pode ser revertida pelo antagonista opióide naltrexona. Existe alguma evidência pré-clínica de que o óxido nítrico po- deria mediar a toxicidade em nível central. A síndrome clínica observada na neuro- toxicidade do interferon alfa (lentidão psicomotora, disfunção cognitiva e disforia) é se- melhante à clínica de algumas doenças associa- das à depleção de dopamina6, 15, 18. O transtorno do humor permanece como uma das causas mais freqüentes para a suspensão do tratamento com interferon, e não é sempre resolvido com a sus- pensão do mesmo. Infelizmente, a maioria das depressões não é reconhecida nem tratada por médicos não-especializados em psiquiatria. As indicações mais freqüentes para o interferon são a esclerose múltipla cujas exacer- bações estejam sendo freqüentes, ou a esclerose, onde se faz necessário tornar o processo de progres- são da doença mais lento, nas diversas neoplasias e na hepatite C. Nos dois grupos, o interferon é apon- tado como causador da depressão. Por este motivo, os pacientes com algum histórico de depressão vêm sendo excluídos deste tipo de tratamento. Desde o início da década de 1990, diversas referências fo- ram feitas em forma de relato de caso pelas equipes de gastroenterologistas. Nesta época, a única op- ção de tratamento era suspender o interferon. Os estudos conjuntos com psiquiatras são mais freqüentes a partir de 1997, quando se iniciou a aplicação de instrumentos e entrevistas semi- estruturadas na avaliação da alteração do humor, pensando-se em esquematizar, a fim de buscar uma forma de tratamento. Introduzir a citocina junto à terapia com antidepressivos foi uma op- ção lógica. Foram usados diversos antidepressivos nesses grupos de pacientes10, 16, 34. Faremos uma revisão do material publicado recentemente a res- peito. Tabela 1 – Doses aprovadas pelo FDA para a terapia com interferon na hepatite C crônica Nome da substância Laboratório Dose aprovada IFN alfa 2-b (Intron A®) Schering Plough 3MU 3x/semana x 18-24 meses IFN alfa 2-a (Roferon A®) Roche 3MU 3x/semana x 12 meses IFN alfacon 1 (Infergen®) Amgem 9-15MU 3x/semana x 6 meses C IFN IFN alpha n-1 (Wellferon®) Glaxo-Wellcome Feito por subtipos múltiplos de IFN alfa Linfoblastóide IFN alfa 2-b + ribavirina (Rebetron®) Schering Plough IFN 3MU 3x/semana + ribavirina 1.000-1.200mg/dia x 12 meses Peg IFN alfa 2-a (Peg Intron) Schering Plough 180µg SC 1x/semana22 FDA: Food and Drug Administration; MU: million units; IFN: interferon. Ahmed A, Keeffe E. Clinics in Liver Disease, 1999. Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão Revisão histórica Levenson e Fallon16, em 1993, publicaram um relato de caso de um paciente de 40 anos tratado com fluoxetina 20mg/dia para depressão. Fizeram também uma breve revisão bibliográfica onde apon- taram que a incidência média para efeito colateral 120 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 psiquiátrico foi de 17% nos pacientes tratados com interferon alfa. Neste caso em particular, tratava-se de um paciente com longo histórico de abuso de álcool, cuja anamnese nega depressão ou tratamento psiquiátrico anterior, exceto por vários meses de aconselhamento matrimonial. Na sua família havia casos de transtorno do humor e alcoolismo. A dose de fluoxetina teve uma redução para 20mg três ve- zes por semana, porque apresentou leve discinesia oral e anorexia importante. Os pesquisadores agru- param os efeitos psiquiátricos produzidos pelo interferon em três: depressão, delirium e mudança orgânica da personalidade. Dusheiko8 publica uma revisão, em 1997, so- bre os efeitos colaterais do interferon alfa, na qual faz referência aos efeitos colaterais neuropsi- quiátricos como sendo imprevisíveis. Compara o interferon alfacon (um composto sintético que foi formado pela combinação das posições de aminoácidos mais comuns em vários subtipos não- alélicos do interferon alfa para originar uma seqüên- cia consensual, por isso é dado o nome de alfacon1) nas doses de 3µg e 9µg ao interferon alfa 2-b em dose de 15µg. Foi relatado maior número de casos de depressão, nervosismo, fadiga, ansiedade e labilidade emocional para as doses maiores do alfacon. O próprio Dusheiko recomenda adminis- trar a dose à noite para reduzir a freqüência destes efeitos. Ele considera grave a depressão, e, diante da ideação suicida, recomenda que o tratamento deva ser suspenso. O autor levanta a possibilidade de que a ideação suicida possa ser mais freqüente em pacientes com histórico positivo para depres- são; mostra também que foi reportada em pacien- tes sem história psiquiátrica anterior. Não existe re- ferência no artigo se foi feito um acompanhamento psiquiátrico destes pacientes durante ou depois do tratamento com interferon. Nesse mesmo ano, foi apresentada uma revi- são sobre o uso de interferon beta em pacientes com esclerose múltipla24, comparando-se os subtipos beta 1-a e beta 1-b. A própria doença tem sido freqüentemente vinculada à depressão, mas o grupo de pacientes que usou o interferon beta 1-b mostrou maior incidência de depressão em relação ao grupo do subtipo 1-a. Os autores associam ao tratamento da depressão uma satis- fação maior do paciente no seu tratamento com interferon. É mencionado dentro do artigo o uso do inventário de Beck para os dois grupos de pacientes, mas não determinam os métodos di- agnósticos usados. Numa carta publicada em dezembro de 1998, Monji e Yoshida22 relataram o caso de um homem de 40 anos sem história pessoal ou familiar psiquiátrica que desenvolveu sintomas diagnosti- cados como transtorno bipolar quando usou interferon alfa para hepatite C. O tratamento foi iniciado em maio de 1993, sendo suspenso em março de l994, pouco antes de ser internado na vigência de crise maníaca. Estabilizou-se em 1997 com lítio e amitriptilina. Não existem dados sufi- cientes dentro deste relato para determinar se não é uma co-morbidade na qual o paciente de qual- quer maneira iria desenvolver a oscilação do hu- mor compatível com o diagnóstico acima. É um caso onde se sugere uma relação de causalidade entre mania e interferon. Nas publicações do iní- cio da década de 1990, associavam-se delirium e encefalopatia15, 16, 18 com doses altas de interferon. Posteriormente começaram a aparecer os ar- tigos com relatos de transtorno orgânico do hu- mor em doses mais baixas do mesmo10, 33, 34. Yates e Gleason34, dois dos autores que mais publicam sobre o assunto, num artigo sobre cinco casos onde usaram diferentes antidepressivos junto ao tratamento da citocina, empregaram sertralina, imipramina e paroxetina com bom resultado em três dos pacientes que precisaram de medicação. Acompanharam 72 pacientes com hepatite C, dos quais 14 estavam recebendo interferon e 7 che- garam já deprimidos na primeira entrevista. Nes- te artigo, eles não fazem referência a materiais e a métodos empregados na avaliação do quadro depressivo, como também não excluem abuso de drogas recente e só um dos cinco não tinha his- tória pessoal para problemas psiquiátricos. Ao lon- go da discussão os autores fazem referência a uma incidência de depressão de 24% na população de pacientes com hepatite C. Apresentaram um pôster no congresso ame- ricano da Associação Americana em 2000 onde avaliaram a qualidade de vida, a depressão e a me- lhora após introdução do antidepressivo em 11 pa- cientes em um estudo aberto de quatro semanas10. Borras e Rio2, na unidade de neuroimunologia em Barcelona, avaliaram pacientes com esclerose múltipla e uso de interferon beta 1-b. Usaram a escala Hamilton e o inventário Beck junto a outro inventário para ansiedade e traço de ansiedade. Questionaram a exclusão de pacientes deprimidos da oportunidade de usar interferon e, por conside- rar que faria falta uma avaliação longitudinal, fize- ram dois anos e meio de seguimento. As entrevis- Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al. 123J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 pelos pacientes e na avaliação clínica dos investi- gadores. Perguntaram sobre o uso atual de dro- gas ou álcool, mas não o padrão de uso anterior. Mulder e Ang23 seguiram 63 pacientes em seis meses de tratamento, os quais, na primeira entrevis- ta, foram avaliados pela psiquiatria, usando SCID pelo DSM III-R. Posteriormente, foram vistos mensalmen- te pela enfermagem, receberam uma escala para pre- enchimento (SCL-90: Hopkins Symptom Checklist), que foi respondida por 49 pacientes. Relataram ain- da que 75% dos pacientes da amostra teriam feito uso de drogas endovenosas. Avaliaram depressão, ansiedade e raiva, não encontrando um aumento sig- nificativo até o final do estudo. Naqueles que tiveram pontuação alta nos sintomas depressivos no início do estudo, a pontuação continuou alta, mas não mudou significativamente. Os dez pacientes que apresenta- ram sintomas depressivos ou depressão não foram relacionados diretamente com o tratamento com interferon. Cinco dos pacientes foram tratados para depressão sem ser especificado com qual medicamen- to. Não existe referência a nenhum seguimento psi- quiátrico posterior. Miyaoka e Otsubo19 compararam dois tipos diferentes de interferon em 66 pacientes pelo es- paço de um ano. Fizeram avaliação psiquiátrica ao ingressar no estudo, antes de iniciar qualquer tratamento e depois, no final do primeiro mês, após um ano e dois anos. Usaram os critérios do DSM III-R e a escala Hamilton, encontrando que: 27,1% dos pacientes satisfaziam critérios para episódio depressivo; dois dos pacientes apresen- taram ideação suicida, mas nenhum tentou de fato o suicídio. Sobre o interferon pegilado, Zeuzem e Feinman35 publicaram um artigo recente onde 531 pacientes terminaram o acompanhamento demonstrando uma eficácia superior ao interferon alfa 2-a sozinho, com incidência de 16% de depressão. Deste grupo, os autores consideraram que seis tiveram efeito ad- verso psiquiátrico grave: quatro com depressão gra- ve, um com psicose e outro que morreu de overdose de heroína, porém, como já tinha histórico de uso EV de drogas, foi uma morte considerada não-rela- cionada à citocina. Taruschio30, 31 apresentou um trabalho no con- gresso de gastroenterologia, em 1996, onde ana- lisou 30 pacientes com hepatite C aplicando as seguintes escalas BDI, Madrs, Stai, Hama, BPRS, Staxi, CGI. Encontrou que 20% teriam diagnósti- co de ansiedade generalizada e 10%, de transtor- no do humor. Considerou que a astenia, a cefaléia, a dor muscular, as dificuldades de concentração e as alterações da libido poderiam ser sintomas da depressão não-diagnosticada. No resumo não determinaram o tempo do estudo nem se foi fei- to algum seguimento depois. Já Taruschio, Sica e Migliorini31, do departa- mento de psiquiatria de Bologna, publicaram uma referência aos efeitos psiquiátricos do interferon como sendo mais freqüentes em idosos com neo- plasias após uso endovenoso de doses altas. So- bre a terapia para o vírus da hepatite C fazem três relatos de caso onde foram feitos os diagnósticos de: psicose, pânico e depressão. Não relataram o uso de nenhuma entrevista semi-estruturada nem determinaram se essas manifestações teriam apa- recido antes da entrada da citocina. Em outro estudo, os italianos Fattovich e Giustina9 fizeram uma retrospectiva usando interferon alfa, dividindo sua toxicidade em he- pática e extra-hepática. Em uma amostra de 11.241 pacientes de 73 centros italianos, menci- onam dois casos onde detectaram depressão que levou a tentativa de suicídio. Dez pacientes de- senvolveram psicose, não especificando o trata- mento utilizado para a remissão do quadro. Con- cluem que os efeitos colaterais do interferon tiveram uma incidência considerada baixa (0,04% para efeitos fatais e 0,07% para efeitos colaterais de longo prazo). Heeringa e Honkoop12 relatam seis casos psi- quiátricos de depressão e de psicose ou delirium desenvolvidos após o começo do interferon alfa 2b. Dois dos pacientes teriam tido sintomas des- critos como psíquicos previamente. Depois de pa- rar a medicação, quatro se recuperaram. Um paciente cometeu suicídio e outro não foi possí- vel acompanhar. Em outro estudo com interferon alfa para 18 pacientes com uveíte auto-imune, Sanchez Roman e Pulido Aguilera27 colocaram depressão endógena entre os critérios de exclusão. Mesmo assim, encontraram depressão em três casos, a qual melhorou após a suspensão do tratamento com a citocina. O tempo de tratamento foi de um ano. Não mencionaram acompanhamento posterior nem se os pacientes foram avaliados antes pela psiquiatria. Dieperink, Willenbring e Ho6, em um artigo sobre sintomas neuropsiquiátricos, em pacientes Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão 124 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 com uso de interferon em hepatite C, fizeram uma revisão da doença, da história natural, do trata- mento, da qualidade de vida e dos efeitos colaterais. Focalizaram os mecanismos das mu- danças neuropsiquiátricas associadas ao interferon e propuseram tratamentos a partir de cuidadosa revisão bibliográfica. Apontaram que os sintomas neurológicos associados à citocina seriam: parestesias, confusão, afasias, cegueira cortical, delirium, síndromes extrapiramidais como ataxias e acatisias. Fizeram referência a dois artigos que documentam ondas lentas na atividade eletrofisiológica do EEG e estes sintomas seriam mais comuns na velhice e nos pacientes oncológicos. Documentam, numa tabela, os es- tudos, o instrumento usado e os achados quanto à depressão ou ansiedade (Tabela 2). Dentro do corpo do artigo fazem uma divisão dos sintomas produzidos pelo interferon como: cognitivos, afetivos e o componente comporta- mental. Rifflet26 reportou cinco casos de efeitos psiquiá- tricos em pacientes tratados com interferon alfa para Tabela 2 – Alterações psiquiátricas em pacientes com hepatite C, com ou sem interferon alfa Estudo Ano n Instrumentos Tratamento Resultados Renault et al. 1987 58 SCL-90-R IFN-α Efeito colateral neuropsiquiátrico em 17% Cons. psiquiátrica Davis et al. 1989 166 Relato subjetivo Placebo/IFN-α Sem diferenças entre os grupos quanto a depressão, fadiga e irritabilidade: depressão em 8%-14% Poynard et al. 1996 303 Relato subjetivo IFN-α Astenia em 50%, depressão em 9% Okanue et al. 1996 677 Relato subjetivo IFN-α Desordens psicológicas em 24 (3,5%), tentativa de suicídio em dois (0,3%) Fattovich et al. 1996 11.241 Entrevista retrospectiva IFN-α Psicose em dez pacientes, tentativa de suicídio em dois Lee et al. 1997 359 Medical Chart Review Dados iniciais Depressão em 24% dos pacientes não-tratados; dois terços precisaram de antidepressivos Otsubo et al. 1998 85 DSM-III-R, HDRS (1) Dados iniciais Depressão maior em dois; média da Hadrs: 3 IFN-α Pontuação da HADRS e 37,3% (31 dos 83) desenvolveram depressão Malaguarnera et al. 1998 114 Zung Self Rating Dep. Scale IFN-α Média de pontuação > 50 (depressão moderada) Aumentou a pontuação para todo o grupo tratado com IFN Maunder et al. 1998 3 Série de casos IFN-α Originou sintomas de PTSD (5) Davis et al. 1998 345 Relato subjetivo IFN-α Depressão em 11%, insônia em 23% IFN-α/ribavirina Depressão em 16%, insônia em 20% McHutchinson et al. 1998 912 Relato subjetivo IFN-α Ansiedade em 13%, piora da concentração em 14%, depressão em 37%, labilidade emocional em 8%, insônia em 27%, irritabilidade em 32% e fadiga em 70% IFN-α/ribavirina Ansiedade em 18%, piora na concentração em 14%, depressão em 36%, labilidade emocional em 11%, fadiga em 70%, insônia em 39% e irritabilidade em 32% Pariante et al. 1999 50 SCID for DSM-III-R (2) Dados iniciais Diagnóstico psiquiátrico atual em 16 (32%) IFN-α Dos pacientes com hepatite B e/ou C, 11 (22%) desenvolveram condições psiquiátricas: depressão (n = 5), depressão sem especificação (n = 3), severa disforia (n = 2), t. de ansiedade generalizada (1) Singh et al. 1997 82 Beck Dep. Sem tratamento Pacientes na fila do transplante com hepatite C Inventory (BDI) apresentaram níveis de depressão significativamente maiores do que aqueles sem o vírus C Hunt et al. 1997 38 BDI, HADS (3) Sem tratamento HADS: 7% (2 de 28) possivelmente deprimidos, 4% (1 de 28) deprimidos BDI: 30% (9 de 28) moderadamente deprimidos Johnson et al. 1998 309 CES-D Scale (4) Sem tratamento Sintomas depressivos em 57,2% dos usuários de drogas com hepatite C e em 48,2% daqueles sem hepatite C (1) Hamilton Depression Rating Scale; (2) Structural Clinical Interview for DSM-III-R non patient edition; (3) Hospital Anxiety and Depression Scale; (4) Center for Epidemiological Studies Depression Scale; (5) Posttraumatic Stress Disorder. Dieperink E, Willenbring M, Ho S. American Journal of Psychiatry, 2000. Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al. 125J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 hepatite viral C. No primeiro dos casos, em um paci- ente com ideação suicida, ainda sem tentativa, foi possível retornar ao tratamento com interferon. No segundo e no terceiro caso, a depressão aconteceu durante o tratamento com a citocina, mas não desa- pareceu depois da parada do interferon. No total, houve duas mortes em quatro tentativas de suicídio depois da retirada do interferon. A prevalência de ten- tativas de suicídio nos primeiros seis a 12 meses de tratamento com interferon foi zero comparada a 1,3% durante os seis meses após a terapia em 306 pacien- tes com hepatite C crônica. Concluiu-se que a de- pressão não desaparece após a retirada do interferon, justificando um seguimento clínico especializado até mais freqüente após a suspensão do tratamento. Durelli e Bongioanni7 apontaram a depressão como efeito colateral de interferon alfa 2-a (Roferon-A da Roche) num total de 46 pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla. Schwid28, em ou- tro estudo feito por neurologistas sobre o interferon beta 1-b em esclerose múltipla, enfatiza a aparição de hipertireoidismo sintomático em dois dos casos, os quais já faziam uso de imipramina, sem apontar no comentário porque foi indicado o tricíclico. Discussão Quando se relacionam sintomas depressivos com a hepatite C, devemos nos lembrar de que a principal via de contaminação é o uso de drogas endovenosas. Entre os usuários de drogas, incluin- do álcool, existe uma grande co-morbidade com transtornos do humor. A contaminação com ví- rus do HIV dar-nos-ia particularidades diferentes da população exposta ao risco, assim como das medicações necessárias para o seu tratamento, sem contar as infecções oportunistas às quais os portadores do vírus já estão expostos. Dependendo da população em estudo, esta- belece-se um viés de seleção quando focalizamos no interferon, já que a esclerose múltipla e a he- patite C foram relacionadas, mesmo sem medi- cação com a depressão, fazendo-se necessário es- tabelecer um grupo de controle, sem usar interferon, para determinar a incidência do trans- torno afetivo na doença de base. O paciente que recebe um diagnóstico de neoplasia pode fazer uma reação depressiva que só será diferenciada de um episódio depressivo maior por um especi- alista da área. Um outro médico pode nem notar a mudança de humor. A depressão induzida pelo interferon começou a ser mais intensamente pesquisada após os relatos de suicídio que apare- ceram na literatura. Todos os artigos são unâni- mes em afirmar a necessidade de um trabalho conjunto para melhor avaliação. Anteriormente, as recomendações para pacientes com histórico de transtorno psiquiátrico eram as de suspender o tratamento ou excluir pacientes com anamnese positiva para depressão da terapia com a citocina. Trata-se de um problema complexo, mas não é por isso que não poderá ser tentado um atendi- mento conjunto para o benefício de todos os pa- cientes. Na literatura mais recente, são comuns os relatos de tratamentos simultâneos da citocina com antidepressivo, obtendo-se bons resultados. É importante o subtipo do interferon a ser usa- do no estudo, e sua comparação com outro seria de valor, para ver se faz diferença na aparição de depressão ou não. Alguns dos estudos comparan- do as diversas classes de interferon mostram prevalência diferente para o transtorno afetivo, sendo que o tipo alfa é o mais vinculado à de- pressão. Finalmente, o desenho do estudo, caso seja prospectivo, poderá definir as ferramentas usadas para coletar a informação. Por exemplo, uma entrevista semi-estruturada para padronizar os dados, mesmo com entrevistador experiente, aumentará a confiabilidade no diagnóstico do sin- toma observado dentro do estudo. As escalas de- terminam só a intensidade da depressão. Se o es- tudo for retrospectivo, não se tem nenhum controle sobre as variáveis a serem analisadas. Só poderá ser um estudo descritivo, confiando que o quadro diagnosticado como depressivo venha a se confirmar caso seja feito um acompanhamen- to depois do estudo. Referências 1. Ahmed A, Keeffe E. Overview of IFN therapy for chronic hepatitis C. Clin. in Liver Dis. 1999; 3(4): 757-73. 2. Borras C, Rio J et al. Emotional state of patients with relapsing- remitting MS treated with interferon beta 1-b. Neurology 1999; 52(8): 1636-9. 3. Brasil M. Depressão decorrente de medicamentos. In: Fraguas JR, Figueiredo et al. Depressões secundárias – Depressões associadas a condições clínicas e medicamentos. São Pau- lo: Atheneu, 2000. 4. Capuron L, Ravaud A. Prediction of the depressive effects of Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão 128 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 periculosidade dos doentes mentais. Assim, pen- samos ser adequado tentar contribuir para o es- clarecimento da questão empreendendo uma re- visão da pesquisa relevante ao tema. Nos últimos anos, porém, qualquer que seja a definição empregada para comportamento violen- to*, sofreu uma radical modificação a visão, antes amplamente difundida e aceita, de que doença men- tal não está relacionada a qualquer aumento no ris- co de comportamento violento34. Os principais arau- tos desta opinião foram Monahan e Steadman30, considerados os decanos da epidemiologia criminal. Em seu clássico estudo, de 1983, estes autores, tranqüilizadoramente, asseguravam que, uma vez ajustados estatisticamente, com relação às caracte- rísticas demográficas, dados que já apontavam para uma maior prevalência de criminalidade em doen- tes mentais tenderiam, então, a nivelá-los à popula- ção geral. Eles concluíam “não haver evidência con- sistente de que a prevalência real de comportamento criminoso entre ex-pacientes psiquiátricos” excedes- se tal “prevalência na população geral, pareada para fatores demográficos e criminalidade prévia”. Po- rém esta opinião chocava-se com a de inúmeros psi- quiatras, que se baseavam em sua prática clínica. Posteriormente, Monahan28 retificou sua posição, considerando-a prematura e incorreta, ao concluir que estabelecer controles para classe social e institucionalização seria um equívoco, pois, sendo estes fatores altamente relacionados a doença men- tal, atenuar-se-ia, artificialmente, esta relação. Efetivamente, com o passar do tempo, em fe- nômeno raro na história da medicina, não só esta visão prévia foi perdendo apoio, como foi-se con- solidando outra, diametralmente oposta: a de que, de fato, existe uma ligação entre grandes psico- ses e comportamento violento. A respeito, Marzuk25 considerou cegueira** a dificuldade de muitos psiquiatras em aceitar a existência desta relação, lembrando que, para o público em ge- ral, este fato há muito já havia sido reconhecido. Para este novo consenso concorreram, basicamen- te, recentes pesquisas epidemiológicas, que vie- ram coroar uma série de estudos, analisados a seguir. Método *Definimos comportamento violento como o uso intencional de força ou ação física contra uma pessoa, seja como coação, seja como um fim em si, provocando dano físico ou moral na vítima, sendo que, necessariamente, este comportamento será criminoso. **“Ironically, it is only in recent years that we, mental health professionals and advocates for the mentally ill, have begun to appreciate the association between violence and mental illness, a link that has been recognized by the general public for centuries. What took us so long? Why were we so blind?” (Marzuk PM, op. cit., p. 481). Na presente revisão foram incluídos trabalhos representativos de diversas fases da pesquisa so- bre o tema, selecionados por sua relevância, de autores universalmente considerados referência sobre o tema, com artigos publicados em revistas importantes e de grande repercussão. Adicional- mente, foi consultada a base de dados eletrônica Medline, que forneceu 258 trabalhos, empregan- do as palavras-chave violence e mental disease. Detenção de pacientes psiquiátricos Uma das primeiras estratégias empregadas no estudo da questão foi a avaliação das taxas de de- tenção policial de ex-pacientes psiquiátricos. Na década de 1970, Steadman et al.37 apontaram, pela primeira vez, para um incremento nos nú- meros, apesar de equivocarem-se nas explicações para este achado. Segundo Asnis et al.4, a maioria dos estudos revela taxas (de detenção de ex-paci- entes) muito maiores do que as da população ge- ral, variando entre 1,2 e 29 vezes. Para Rabkin35, adicionalmente, esta diferença se acentuaria ao estudarmos especificamente as detenções polici- ais por crimes violentos. Um problema destes estudos, especialmente os iniciais, dizia respeito ao não-pareamento, quanto às características sociodemográficas, de pacientes psiquiátricos e população geral. Estu- dos posteriores23, 50 preocuparam-se em corrigir esta deficiência, confirmando a presença de taxas de detenção policial significativamente mais ele- vadas para ex-pacientes psiquiátricos. Exemplificando, Wessely et al.50 identificaram os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, parafrenia e outras psicoses não-orgânicas (n = 583), residentes na área de Camberwell, Lon- dres, atendidos pelo Maudsley Hospital, entre 1975 e 1984. Eles foram comparados a grupo- controle de pacientes não-esquizofrênicos (n = 583), pareado por idade, sexo e data da primeira consulta. Todos os diagnósticos foram revistos, Doença mental e comportamento violento Jozef & da Silva 129J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 empregando-se critérios do DSM-III-R. O período de tempo sob risco de detenção criminal foi cal- culado subtraindo-se os períodos sob internação psiquiátrica. Não houve diferenças entre os dois grupos no que diz respeito às taxas de detenção em geral. Porém, quanto a detenções por agres- são e outras formas de violência graves, homens com esquizofrenia obtiveram taxas três vezes maiores do que o grupo controle. Para mulheres com esquizofrenia, tanto as taxas de detenção em geral quanto as por violência foram maiores. Os índices do grupo-controle foram similares aos da população geral. Uma limitação, porém, que pode ser apontada neste estudo, é o fato de considerar apenas crimes que levaram a detenções. Porém ele tem a vantagem de, controlando gênero, ida- de e data da primeira consulta, afastar fatores generacionais, que influenciam sabidamente a conduta. Uma crítica que tem sido feita a tais estudos diz respeito à chamada criminalização dos doen- tes mentais, que consistiria em uma tendência do aparato jurídico-policial no sentido de deter mais doentes mentais29. Ocorre que, inúmeras vezes, tais pacientes seriam internados em hospitais psi- quiátricos, ao invés de detidos, ao cometer atos violentos. Na realidade, há indicações de que a polícia, na maior parte dos casos, estaria pouco inclinada a deter doentes mentais, especialmente sendo os delitos cometidos de pequena gravida- de8. Também, argumenta-se, ocorreria uma psiquiatrização do comportamento criminal27, ou seja, uma tendência a um maior influxo de indi- víduos com passado criminal para os hospitais psi- quiátricos. Assim, gradativamente, tornou-se claro que a melhor forma de a pesquisa escapar dos sofismas inerentes a tais críticas, bem como de vieses cau- sados por processos de seleção, seria a realização de estudos epidemiológicos mais amplos, especialmente os baseados na comunidade. firmado em nosso meio por Silva36, pesquisando delinqüentes juvenis. A visão de Guze e de seu grupo, de St. Louis, era a tradicional, ou seja, a de que não haveria entre os criminosos detidos qualquer excesso de doentes mentais. Novamente, porém, isto não é o que parece ser observado usualmente na prática. Importan- tes estudos foram empreendidos a partir da dé- cada de 1980 por Pamela Taylor, na Prisão de Brixton, Grã-Bretanha. Dos indivíduos para lá transferidos, 9% apresentavam algum quadro psicótico e 6%, esquizofrenia, que estava, por- tanto, super-representada nesta amostra. Entre os homicidas, particularmente, 8% apresenta- vam esquizofrenia43. Com viés algo diverso, na mesma época ou- tros autores avaliaram o aumento relatado nas detenções de doentes mentais. Para Teplin44, o alto índice de detenções de ex-pacientes psiquiátricos verificado em uma grande cidade norte-america- na envolveria, freqüentemente, situações de ris- co para os pacientes (como perambular por vias expressas, exposição, enfim, a situações perigo- sas). Porém estudo posterior da mesma autora, em 199045, avaliou, por meio do DIS, uma amos- tra de 627 detidos em fase de pré-julgamento, na Cook County Jail, comparada a dados da popula- ção geral, obtidos na pesquisa da ECA (Epidemiological Catchment Area Study), e de- monstrou prevalência duas a três vezes maior para depressão maior, mania e esquizofrenia entre os detidos. À medida que neste estudo foram con- troladas as diferenças demográficas entre os dois grupos, afastaram-se quaisquer dúvidas sobre a efetiva ocorrência do fenômeno. Andersen et al.2, estudando 228 presos na Dinamarca, com em- prego do PSE, PCL-R e DIS (Diagnostic Interview Schedule), encontraram as presenças elevadas de 8% de espectro esquizofrênico, 11% de transtor- nos afetivos, 18% de transtornos psiquiátricos menores e 53% de abuso de substâncias. Sessen- ta e seis indivíduos receberam mais de um diag- nóstico, abuso de substâncias era co-mórbido em 61 casos e personalidade anti-social foi encontra- da em 26. Investigações recentes de amostras re- presentativas de presos canadenses e norte-ame- ricanos6, 31 também revelaram taxas de prevalência de doença mental, particularmente esquizofrenia e transtornos afetivos maiores, mais elevadas que na população geral. Este último estudo, de Hodgins e Côté16, avaliou, por meio do DIS, amos- tra de 456 presos de uma penitenciária de Doença mental em prisões Outra abordagem da questão foi o estudo da proporção de doentes mentais nas chamadas po- pulações violentas, como, por exemplo, crimino- sos detidos por crimes violentos. Guze et al.13, em seu estudo pioneiro, de 1969, examinou crimi- nosos detidos, encontrando grande prevalência de sociopatia, alcoolismo e drogadicção, bem superior à população geral, achado que foi con- Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento 130 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Quebec. Destes, 107 receberam diagnóstico de doença mental grave (major mental disease – MMD) e 71 também foram diagnosticados como sofrendo de transtorno de personalidade anti-so- cial. A prevalência para transtornos squizofrênicos foi sete vezes maior do que a da população geral e, para depressão maior, duas vezes. Outro estu- do, realizado com mulheres detidas31, encontrou uma prevalência significativamente maior de esquizofrenia e depressão maior, diversamente de transtornos ansiosos. Em nosso meio, estudo com homicidas normais (em princípio, isentos de do- ença mental), detidos em delegacia policial no Rio de Janeiro, indicou a presença, em 79,3% dos in- divíduos, de diagnósticos psiquiátricos, sendo 55% de transtornos de personalidade e 53% de diagnósticos ligados a álcool/drogas (31% pos- suíam mais de um diagnóstico)21. Questiona-se, porém, o chamado viés de sele- ção, mecanismo pelo qual o aparelho jurídico-cri- minal promoveria a chamada criminalização dos doentes mentais. Pode-se ponderar ser pouco pro- vável que tanto as estruturas policiais quanto as pe- nais em diferentes países (lembrando-se que ambas são, geralmente, bastante independentes entre si) sofressem deste viés em comum. Para Hodgins et al.17, tal possibilidade seria “possível, embora alta- mente improvável”. Ademais, os números evidenci- ados em estudos mais recentes não dão margem a dúvidas. Para Wessely49, é incontestável o fato de que indivíduos psicóticos, na realidade, tendem a ser menos detidos, processados e aprisionados, ape- sar de serem os mesmos mais fáceis de apreender, no sentido literal da expressão. Ele considera tal fato desejável, evidentemente, do ponto de vista huma- nitário, mas problemático no que tange à realização de estudos epide- miológicos fidedignos. Outra forma de enfocar o problema foi o exa- me do seguimento de ex-pacientes psiquiátricos, ou, ainda, do passado criminal violento de pacientes internados. Hodgins et al.17 afirmam que, revendo 12 estudos norte-americanos e escandinavos de seguimento de pacientes psi- quiátricos após alta, comparados a pessoas da comunidade, todos apontavam para uma pro- porção maior de ex-pacientes sendo condena- dos por crimes violentos. Grossman et al.11 investigaram o passado cri- minal de 172 pacientes internados com doenças mentais graves. Destes, 27% haviam cometido cri- mes violentos. Comportamento violento associou- se, de forma decrescente, aos diagnósticos de transtorno esquizoafetivo (40%), esquizofrenia (28%), transtorno bipolar (24%), transtorno uni- polar (12,5%). Pacientes com psicose em ativida- de eram mais inclinados a possuir um histórico de crimes violentos do que os demais. Modestin et al.26 examinaram um universo de 282 esquizofrênicos hospitalizados em um perío- do de três anos, em Berna, comparados a grupo controle, pareado por idade, sexo, situação mari- tal e status social. Trinta e quatro por cento dos pacientes e 35% dos controles possuíam regis- tros criminais, comparados a 15% da população geral masculina. Os pacientes masculinos possuí- am uma maior proporção de detenções por cri- mes violentos que os controles. Separadamente, os resultados para esquizofrenia e transtornos afetivos não alcançaram significância estatística, mas, ao se somarem, o risco (odds ratio) para de- tenções por violência atingiu 4,53 comparativa- mente aos controles. *“...Several important findings emerge here. First, people who assaulted others were indeed significantly more likely to have psychiatric disorders, with odds ratio typically in the range of 2.5 to 4. This pattern held up irrespective of which index was used to identify violence or mental illness” (Swanson JW. op. cit., p. 109). Estudos na comunidade Empregando outra estratégia, epidemiológica, pesquisadores tentaram verificar, na comunidade, a ocorrência comum de violência e transtornos men- tais. De forma pioneira, Swanson40 utilizou dados da ECA nesta investigação. Por influência de Lee Robins, um dos coordenadores da ECA, haviam sido incluídas no mesmo questões relativas a comporta- mento violento. Das pessoas saudáveis entrevista- das, 2% admitiram ter se comportado violentamen- te no ano anterior, contra 12% dos esquizofrênicos. Surpreendentemente, também houve uma associa- ção importante entre mania/depressão e violência, mas a associação mais forte foi para abuso de álco- ol/drogas. Tais dados levaram Swanson à conclusão de que haveria uma associação entre doença men- tal e comportamento violento maior do que a espe- rada. Para Swanson, doença mental adquiria o valor de fator significativo para a ocorrência de violên- cia*. Segundo Volavka48, este estudo, particularmen- Doença mental e comportamento violento Jozef & da Silva 133J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Discussão homicídio (termômetro da violência universal- mente adotado), descrito na década de 1980, na Dinamarca10, é fato preocupante, por deixar transparecer as repercussões que uma sociedade globalmente violenta poderia produzir em seus doentes mentais desinstitucionalizados. Afinal, eles seriam submetidos aos mesmos fatores socioculturais que os seus concidadãos saudáveis. Analisando esta questão, Gudjonsson12 apontou diretamente a desinstitucionalização como res- ponsável por um incremento na violência por expor pacientes a um maior número de situações de risco. Sendo este um fenômeno recente e em curso, abre-se a possibilidade de evoluções des- favoráveis. Sociedades mais violentas tenderiam a expor os seus doentes mentais a mais situações de risco, e isto, em um país sabidamente violento como o nosso18, merece cuidadosa reflexão. Assim, número crescente de autores foi sendo le- vado a aceitar a existência de uma relação consisten- te entre comportamento violento e doença mental. Justapondo-se os achados de diferentes estudos, malgrado os diferentes procedimentos ou estratégias metodológicas, surge quadro similar com resultados surpreendentemente semelhantes. A hipótese nega- tiva foi contraditada, especialmente pelos estudos mais recentes, com menos falhas metodológicas e conceituais, referentes tanto à abrangência das amos- tras estudadas quanto aos grupos-controle e à operacionalização de variáveis-chave38. Alguns auto- res são taxativos, afirmando, por exemplo, que “há evidências convincentes de que comportamento vio- lento/homicida está associado, de forma significati- va, à doença mental”23 ou ainda que “a relação entre violência e doença mental existe”*. Podemos citar revisão empreendida por Arboleda-Flórez3, que integrou as três categorias de estudos (estudos de comportamento violento e criminoso entre pacientes psiquiátricos, estudos sobre a incidência de doença mental em crimino- sos e estudos epidemiológicos, baseados na co- munidade, correlacionando doença mental e vi- olência). Malgrado seu viés diverso, este autor também se viu forçado a admitir a existência de uma associação entre doença mental e violência, ressaltando, porém, as incertezas quanto à sua previsibilidade, devido às inúmeras co-variáveis que interfeririam na equação. No entanto coloca-se a questão da efetiva par- ticipação dos doentes mentais na violência glo- bal em uma dada sociedade. Para Link et al.23, esta contribuição seria trivial, quase irrelevante. Swanson40 estimou que somente 3% da violência na comunidade seria produzida por doentes men- tais. Afinal, mesmo sendo mais violentos, eles são relativamente poucos. Por outro lado, devido à incidência constante das principais psicoses atra- vés das diversas sociedades (o que contrasta com a forma como a violência se distribui), seria de se esperar uma maior participação relativa da vio- lência produzida por doentes mentais nas socie- dades menos violentas. Porém o aumento na par- ticipação de doentes mentais nos índices de *“... Since epidemiological methods have improved, more reliable and scientifically valid data on the possible association between violence and mental illness have been obtained, indicating that such a relationship exists” (Eronen M, Hakola P, Tihonen J. Mental disorders and homicidal behavior in Finland. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 497-501). Conclusão A valorização do fator doença mental, no que diz respeito à violência, é fato que deve ser en- frentado pela psiquiatria. Isto não significa que qualquer doente mental esteja inclinado a come- ter crimes violentos: a vasta maioria não o fará. Lem- bremos, também, que outros grupos exis- tem bem mais perigosos para a sociedade, como os psicopatas violentos20. E nunca é demais repe- tir que o grande problema de saúde pública da atualidade, envolvendo psiquiatria e violência, diz respeito ao abuso de álcool. Devemos também lembrar que a resposta para os riscos de comportamento violento no âmbito das doenças mentais não está no retorno a práti- cas antigas, ao isolamento ou estigmatização, mas na melhoria do cuidado, em apoio e tratamentos dispensados, sendo que a atenção prioritária deve se voltar para aqueles de alto risco, os pacientes psiquiátricos avaliados como potencialmente vi- olentos. Aí, abordagens clínicas, socioambientais, bem como técnicas atuariais de previsão, devem ser empregadas de uma forma integrada. Estes pacientes devem receber, prioritariamente, ma- nejo amplo e intensivo7, sob pena de vir a sofrer conseqüências indesejáveis como uma maior car- ga de violência a ser suportada pela sociedade. Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento 134 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Referências 1. Adler H, Lindberg H. Characteristics of repeat killers in Sweden. Crim Behav Ment Health 1995; 5: 5-13. 2. Andersen HS et al. Prevalence of ICD-10 psychiatric morbidity in random samples of prisoners on remand. Int J Law and Psych 1996; 19(1): 61-74. 3. Arboleda-Flórez J. Mental i l lness and violence: an epidemiological appraisal of the evidence. Can J Psychiatry 1998; 43: 10; 986-96. 4. Asnis GM, Kaplan ML, Hundorfean G, Saeed W. Violence and homicidal behaviors in psychiatric disorders. 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Endereço para correspondência Flávio Jozef Instituto de Psiquiatria da UFRJ Avenida Venceslau Brás 71 – Fundos CEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJ Tel.: (21) 2295-2549 Jornal Brasileiro de Psiquiatria Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento 139J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 doses usuais, nenhum efeito clinicamente signifi- cativo em outros receptores15. O fato de o clínico, no seu planejamento te- rapêutico, ainda não valorizar o suficiente as interações medicamentosas propicia com maior freqüência associações incompatíveis ou pouco adequadas de medicamentos, que terminam por conduzir ao aparecimento de efeitos indesejáveis que poderão causar danos ao paciente e, em al- guns casos, até conduzir ao óbito. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi o de identificar, descrever e estabelecer correlações com o quadro clínico das principais interações medi- camentosas desta nova classe de antidepressivos com outros medicamentos da clínica médica (Ta- bela). Para atender a este objetivo, foi realizada uma revisão da literatura fundamentada em rela- tos de casos e em estudos farmacológicos que fo- ram selecionados a partir das monografias destes produtos. Tal conhecimento torna-se um impor- tante instrumento de referência para que o clínico possa utilizar estes antidepressivos de forma mais segura e mais eficaz. Principais possibilidades de interações Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Sítio de absorção A venlafaxina e o milnaciprano, mais raramen- te, e a mirtazapina, de forma mais constante e in- tensa, produzem, através de um mecanismo ain- da não conhecido, ressecamento da cavidade oral9, 16. Muito embora não haja nenhum relato na literatura, o clínico deve estar atento, pois é possível que o ressecamento da cavidade oral di- minua a velocidade de absorção de medicamen- tos administrados por via sublingual, como é o caso dos nitratos, da nifedipina e do captopril. Tal fato poderá retardar o início do efeito farmacológico destes medicamentos em uma si- tuação clínica que exija um rápido início de ação, principalmente nas crises de angina pectoris. Sítio de ligação às proteínas Este é um sítio que praticamente não apresenta nenhuma possibilidade de interação medica- Tabela – Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mais específicos Medicamento A Medicamento B Desfecho da interação Milnaciprano (+) Nitratos A resseca a cavidade oral e retarda a absorção de B Mirtazapina (+++) Nifedipina Venlafaxina (+) Captopril Milnaciprano (++) Anti-hipertensivos A neurotransmissão noradrenérgica e antagoniza B Mirtazapina (++) Venlafaxina (+++) Milnaciprano (++) ISRSs acentuado de serotonina poderá Mirtazapina (++) Sibutramina ocorrer síndrome serotoninérgica Venlafaxina (+) Mirtazapina (+++) Clozapina Somação dos efeitos sedativos Venlafaxina Clozapina Potencialização dos efeitos antipsicóticos de B Mirtazapina Clonidina A bloqueia os receptores alfa-2 pré-sinápticos e Metildopa antagoniza os efeitos de B Milnaciprano (++) Simpatomiméticos A potencializa os efeitos pressores de B Mirtazapina (++) Venlafaxina (++) Mirtazapina Levodopa Aumento da probabilidade de surto psicótico Venlafaxina (+) Cimetidina recíproco de suas concentrações plasmáticas Mirtazapina Tabaco B o metabolismo de A e ¬ seu efeito terapêutico Milnaciprano (+++) Digitálicos hipotensão ortostática Milnaciprano Diuréticos B excreção de A e ¬ seu efeito terapêutico + Pequena intensidade; ++ média intensidade; +++ alta intensidade; aumenta; ¬ diminui. ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina. 140 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 mentosa, uma vez que a venlafaxina, o milnaciprano e a mirtazapina se ligam pouco às proteínas plasmáticas: a venlafaxina em torno de 30%, o milnaciprano, 13%, e a mirtazapina, um pouco mais, em torno de 85%. Não é esperado, em condições usuais, que estes medicamentos desloquem outros dos seus pontos de ligação às proteínas e, ao con- trário de serem deslocados por outros medicamen- tos, o aumento de suas concentrações livres nestas condições praticamente não teria importância clíni- ca, em função da margem de concentração/ligação permitir um suficiente equilíbrio, uma vez que ha- veria também um aumento do metabolismo, excreção e distribuição. Sítio de ação A venlafaxina, apesar de não apresentar pratica- mente nenhum risco de efeito cardiotóxico indesejá- vel, pelo menos nas doses usuais recomendadas, entre 75mg/dia e 150mg/dia, poderá elevar a tensão arterial e até antagonizar o efeito hipotensor dos medicamen- tos anti-hipertensivos. Sua ação farmacológica de ini- bir principalmente a recaptação de noradrenalina au- menta acentuadamente e de forma crescente, com a dose utilizada, a neurotransmissão noradrenérgica cen- tral, com anulação do principal mecanismo de sua regulação, que é a recaptação22, 29. Na literatura especializada, os relatos sobre as possibilidades de esta interação vir a ocorrer indicam a necessidade de doses elevadas de venlafaxina, em torno de 300mg/dia7, 13; entretanto documentamos no nosso serviço a antagonização do efeito hipotensor do captopril pela venlafaxina, com doses em torno de 100mg/dia29, 30. Deve-se evitar o uso da venlafaxina em associação com os antidepressivos inibidores se- letivos de recaptação da serotonina (ISRSs), outros medicamentos que também possam elevar os níveis de serotonina na fenda sináptica, e os IMAOs, pela possibilidade de ocorrer a síndrome serotoninérgica, convulsões e picos hipertensivos23, 24, 28. Numa situação clínica específica, e estando o paciente acometido por um transtorno depressivo grave, resistente aos tratamentos usuais, uma as- sociação com um ISRS poderá ser feita, de prefe- rência com o paciente internado em um hospital geral, iniciando-se com as menores doses possí- veis, principalmente de venlafaxina, já que os ISRSs poderão diminuir seu metabolismo. Fazer, quando necessário, aumentos gradativos das do- ses e manter rigoroso controle das funções vitais. Uma outra associação que poderia ser benéfica seria com a clozapina, pelo fato de se produzir um incremento na neurotransmissão noradrenérgica através de dois mecanismos diferentes: a clozapina pelo bloqueio do receptor alfa-2 pré-sináptico, e a venlafaxina pelo bloqueio de recaptação da noradrenalina, com possibilidade de acentuar a melhora dos sintomas negativos e a socialização do paciente. Entretanto os cuidados com as doses em- pregadas e a monitorização dos sinais vitais deverão ser rigorosos, pela possibilidade de elevação da TA, que poderia ser compensada pelo efeito alfa-1 adrenérgico da clozapina e pelo risco aumentado para ocorrer agranulocitose. A mirtazapina teoricamente poderá também antagonizar o efeito hipotensor dos anti-hiper- tensivos de um modo geral; entretanto haverá menor possibilidade de este fato ocorrer, uma vez que não interfere no mecanismo de recaptação da noradrenalina e tem algum efeito bloqueador alfa-1 adrenérgico9, 26. Por bloquear o receptor alfa-2 pré- sináptico, poderá antagonizar o efeito hipotensor da metildopa e da clonidina, que atuam estimulan- do estes receptores10, 16. De um modo geral, deverá ser evitada ou administrada sob rigorosa supervisão e monitoramento dos valores pressóricos. A mirtazapina, quando associada com a clozapina ou com outros medicamentos que te- nham ação depressora sobre o sistema nervoso central, poderá apresentar somação dos efeitos sedativos por conta do seu fortíssimo efeito bloqueador histaminérgico H1. Entretanto o seu efeito sedativo poderá ser suprimido pelo efeito estimulante de doses mais elevadas8, 16, 26, desde que o paciente possa tolerar. Além do mais, do ponto de vista farmacológico, o mais provável é que se mantenha ou se eleve ainda mais o efeito sedativo, em função do maior bloqueio H1. Assim como a venlafaxina e o milnaciprano, a mirtazapina não deve ser associada com a sibu- tramina, pela possibilidade de se elevarem acentua- damente as concentrações sinápticas de noradre- nalina e serotonina, com risco de ocorrer síndrome serotoninérgica, convulsão e psicoses, entre outros efeitos5, 6, 27, 31. Ainda em relação ao sítio de ação, é provável que a mirtazapina, a venlafaxina e o milnaciprano potencializem os efeitos pressores dos simpatomiméticos, com possibilidade de vasoconstrição acentuada no cérebro, diversos ór- gãos e taquicardia, podendo conduzir a conseqü- ências clínicas graves, com risco de vida. Abo-Zena et al.1 relataram um caso de urgência hipertensiva que ocorreu quando um paciente, com seu quadro clínico estabilizado com o uso da Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Sucar et al. 141J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 clonidina, começou a fazer uso da mirtazapina. Os autores concluíram que provavelmente o bloqueio dos receptores alfa-2 pré-sinápticos pela mirtazapina, com conseqüente aumento de liberação da noradrenalina na fenda sináptica, angonizou o efei- to hipotensor da clonidina, por impedir ou diminuir a sua ligação e estimulação destes receptores. Em outro relato de caso, Norman et al.19 des- crevem a ocorrência de um transtorno psicótico em um paciente logo após a mirtazapina ter sido adicionado ao seu tratamento, que constava an- teriormente do uso crônico de levodopa. Segun- do os autores, este parecia ter sido, até então, o primeiro caso publicado sobre a interação medica- mentosa da mirtazapina com a levodopa, e o se- gundo caso relatado de psicose induzida por um antidepressivo desta classe. Os autores concluí- ram que este fenômeno provavelmente ocorreu em decorrência da hipersensibilização dos recep- tores serotoninérgicos pós-sinápticos em pacien- tes com doença de Parkinson em tratamento. Entretanto Kunsman et al.14 relataram o caso de uma mulher de 52 anos com história prévia de ameaças e tentativas de suicídio por monóxido de carbono e corte dos pulsos, tendo sua última tentativa êxito letal, através da ingesta de uma overdose de verapamil e venlafaxina. A morte, se- gundo os autores, foi atribuída em última instân- cia aos efeitos tóxicos do verapamil sobre o apa- relho cardiovascular, levando a um infarto da parede posterior do ventrículo esquerdo. Ainda segundo os autores, a gravidade do verapamil foi provavelmente agravada pela associação com al- tas doses de venlafaxina, que nesta situação es- pecial seria capaz de inibir a isoenzima CP450 – 3A3/4, responsável pela metabolização do verapamil. Ainda em relação ao sítio de ação, há uma reco- mendação na monografia do produto no sentido de não se fazer uso do milnaciprano nos pacientes em tratamento com digitálicos, pela possibilidade de ocorrer acentuada hipotensão ortostática32. Sítio de metabolismo De um modo geral não parece haver possibili- dades, em condições usuais, de interações medi- camentosas de significado clínico no nível deste sí- tio. A venlafaxina, mais do que a mirtazapina, pode inibir o metabolismo mediado pela isoenzima 2D6; entretanto este efeito não parece ser significativo33. O mais provável é que o metabolismo da venlafaxina e o da mirtazapina possam ser diminuídos por quinidina, verapamil, diltiazem e ISRSs, com aumen- to de suas concentrações e possibilidades maiores para ocorrer efeitos indesejáveis35. Deve ser lembrado que o cigarro, por estimular a isoenzima 1A2, poderá au- mentar o metabolismo da mirtazapina e diminuir seu efeito terapêutico; entretanto o fato de ser metabolizada por várias isoenzimas, quase que na mesma intensidade, poderá fazer com que não se te- nha nenhuma repercussão clínica importante2, 11, 20. A utilização conjunta de venlafaxina e cime- tidina conduziu ao aumento recíproco de suas concentrações plasmáticas, pela inibição mútua dos seus metabolismos, com a potencialização dos seus efeitos terapêuticos e tóxicos12. Sítio de excreção Até o presente momento não é possível estabe- lecer possibilidades de interações medicamentosas, neste sítio, com a venlafaxina e a mirtazapina. Sen- do a via renal um importante meio de excreção, o clínico deverá estar atento, pois diminuições no vo- lume excretado poderão elevar as concentrações plasmáticas destes antidepressivos. O principal cui- dado deverá ser com o milnaciprano, que é total- mente excretado pela via renal, sendo 60% de for- ma inalterada. É provável que os diuréticos possam aumentar sua excreção e, por conseguinte, diminuir sua concentração plasmática e efeito terapêutico. Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Conclusão A venlafaxina, a mirtazapina e o milnaciprano apresentam um bom perfil em relação às interações medicamentosas, podendo ser associados com se- gurança a diversos outros medicamentos. Entretanto algumas associações devem ser evitadas, entre as quais se destacam: venlafaxina com anti- hipertensivos, IMAOs e cimetidina; a mirtazapina com antianginosos administrados por via sublingual, metildopa, clonidina, medicamentos depressores do sistema nervoso central e levodopa. E o milnaciprano, apesar de ainda carecer de mais estu- dos, deverá ser evitado com anti-hipertensivos, simpatomiméticos, digitálicos e diuréticos. Deve ser considerado ainda que os estudos so- bre as possibilidades de interações medicamentosas com estes antidepressivos ainda são bastante escas- sos, e a sua fundamentação ainda é, na sua maior parte, teórico-hipotética, carecendo ainda de um conteúdo prático fundamentado em um maior nú- mero de relatos bem documentados. 144 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Introdução biente, a diminuição do estresse, acrescidos do estímulo à aprendizagem das habilidades indivi- duais, podem contribuir para um melhor funci- onamento dos pacientes12. Um número considerável de instrumentos de medida foi desenvolvido para avaliar o funcio- namento dos pacientes, a maioria deles destina- da a pacientes agudos23. Dentre as escalas de- senvolvidas para avaliar pacientes crônicos, a Independent Living Skills Survey (ILSS)20, 21 foi criada para medir as habilidades de vida inde- pendente dos pacientes com doença mental gra- ve e persistente, em diversas áreas do seu funci- onamento na vida cotidiana. Há uma escassez de instrumentos de medida validados no Brasil para avaliar a autonomia dos pacientes. A adaptação de instrumentos internacionais à nossa cultura e à nossa realidade é de fundamental importância para subsidiar a saída dos pacientes do hospital para alternativas de atendimento na comunidade e para a compa- ração de estudos brasileiros com estudos feitos em outros países. A partir da década de 1960, com o movimen- to de desinstitucionalização psiquiátrica, vários países passaram por uma reforma no setor de saú- de mental, dando prioridade ao tratamento na comunidade. Apesar dos avanços obtidos com a reforma psiquiátrica, no que diz respeito à reinte- gração do paciente na comunidade, às melhorias na qualidade de vida e aos direitos de cidadania, o tratamento do paciente crônico ainda representa um dos maiores desafios da reforma, pois, devi- do às suas deficiências persistentes, estes pacien- tes necessitam de suporte social, assim como de assistência e acompanhamento intensivos e cons- tantes2, 3, 8, 10, 13. A saída dos pacientes graves do hospital demanda a existência de residências tera- pêuticas na comunidade, com diversos níveis de proteção. A qualidade e a intensidade da assis- tência fornecida aos pacientes nestas residências contribui para sua reinserção social e diminui suas reospitalizações1. Além disso, estes pacientes pre- cisam de programas de reabilitação psicossocial através do treinamento das habilidades da vida diária, principalmente nas áreas em que apresen- tem maior dificuldade11. Esta mudança no local de tratamento vem exigindo uma avaliação do impacto das inter- venções, ao mesmo tempo em que a avaliação da autonomia passa a ter um papel fundamen- tal, não só na escolha do nível de proteção que a moradia deverá oferecer ao paciente mas tam- bém nas decisões sobre o tipo de programa de reabilitação psicossocial em que ele deverá ser inserido. O aumento de oportunidades no am- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ care units of IMASJM. The Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental of Funrei/MG has conducted the analysis assessing the scale psychometric properties. The scale was submitted to a translation, a backtranslation and was evaluated by an expert committee. A pilot study was made in order to implement its adaptation to the Brazilian context. The results showed good psychometric properties of reliability and validity in terms of the internal consistency of the sub-scales, construct validity of the scale and its discriminant validity. The concomitant validity will only be assessed after the validation, in Brazil, of a scale with a similar construct. Future studies should investigate the temporal stability, the internal consistency of the global scale and the scale factorial structure, although this analysis has not been done in the original version. The ILSS-BR scale is an important instrument for planning and evaluating psychosocial rehabilitation programs for psychiatric patients. Uniterms ILSS; validity and reliability; independent living skills; evaluation of mental health services; psychiatric patients Método Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al. Local de estudo O Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM) é um hospital psiquiá- trico localizado em Jacarepaguá, RJ, fundado em 1924, e tem como clientela 905 pacientes institu- cionalizados por muitos anos e que perderam seus vínculos familiares e sociais devido aos longos anos de institucionalização. O IMASJM tem a ca- 145J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 racterística de um pequeno bairro, pois atualmen- te residem no seu perímetro cerca de 20 mil mo- radores, fruto de invasões das terras da antiga Colônia Juliano Moreira6. O instituto é composto por seis unidades assistenciais: 173 (19%) pacientes no Núcleo Fran- co da Rocha (NFR); 169 (19%) no Núcleo Ulisses Viana (NUV); 344 (38%) no Núcleo Teixeira Brandão; 102 (11%) no Núcleo Rodrigues Cal- das e 64 (7%) no Pavilhão Agrícola (PA) e 53 (6%) no Centro de Reabilitação e Integração Social (Cris). As diversas unidades do IMASJM oferecem atividades em oficinas, atendimento terapêutico, acompanhamento no Programa de Recursos In- dividuais, Residências Terapêuticas e Lares de Aco- lhimento e atividades de lazer. População Os pacientes participantes da presente pesqui- sa consistem na população total do IMASJM. Esta população é constituída de 530 (58,6%) mulheres e 375 homens (41,4%), com idades que variam de 24 a 98 anos, sendo a média de idade de 65,6 anos e o tempo médio de internação de 36,9 anos. O nível de escolaridade é baixo, com 342 (38,3%) pacientes analfabetos e 202 (22,6%) apenas alfa- betizados. A maior parte da clientela não recebe visitas e não possui vínculo empregatício, embora 391 (43,4%) tenham renda fixa proveniente de bolsa auxílio do IMASJM e previdência social. Quanto ao perfil diagnóstico, 568 (63%) têm diagnóstico de esquizofrenia, transtornos esqui- zotípicos ou transtornos delirantes; 173 (19%) têm retardo mental e 55 (6%) têm epilepsia; 109 (12%) têm outros diagnósticos. Instrumento de medida original A versão original da escala Independent Living Skills Survey (ILSS) foi elaborada por Wallace, Kochanowicz e Wallace (1985) e relatada por Wallace (1986). Esta escala foi feita para avaliar as habilidades de vida independente de pacientes psiquiátricos com distúrbios graves e persisten- tes. A escala possui duas versões: uma delas foi construída para ser aplicada diretamente aos pró- prios pacientes e a outra para ser aplicada a um informante, seja ele um membro da equipe de saúde mental envolvido no atendimento ao paci- ente ou um membro da família do paciente. A versão analisada no presente trabalho foi aquela a ser aplicada ao informante. A escala original contém 112 itens que ava- liam o funcionamento dos pacientes psiquiátri- cos em nove áreas da vida cotidiana, em termos da freqüência em que eles apresentam as habili- dades básicas para funcionar de forma indepen- dente na comunidade. As nove áreas avaliadas pelo ILSS se referem a atividades relacionadas a: alimentação, cuidados pessoais, atividades do- mésticas, preparo e armazenamento dos alimen- tos, saúde, lazer, transporte e emprego. Estas áre- as foram selecionadas pelos autores com base na avaliação de 15 escalas de medida do funcio- namento de pacientes psiquiátricos e na infor- mação obtida através de entrevistas realizadas por cinco assistentes sociais e cinco coordena- dores de residências comunitárias21. O ILSS avalia, em uma escala do tipo Likert de 5 pontos (nunca, algumas vezes, com freqüência, na maioria das vezes, sempre), a freqüência com que o paciente realizou, no último mês, as atividades coti- dianas necessárias ao seu funcionamento indepen- dente na comunidade. Quando o paciente não teve oportunidade de apresentar a habilidade em ques- tão, marca-se NO (nenhuma oportunidade). A escala original na língua inglesa apresenta pro- priedades psicométricas adequadas de consistência interna, uma vez que os coeficientes alfa de Cronbach variaram de 0,67 a 0,84. A avaliação da fidedignidade pelo método da correlação entre as duas metades das subescalas apresentou coeficien- tes de correlação entre 0,63 e 0,89. A escala original apresenta igualmente resultados positivos no que se refere à sua validade concomitante, tendo sido correlacionada positivamente com as subescalas de funcionamento social da escala Nosie9, a qual avalia o funcionamento e sintomatologia de pacientes psi- quiátricos21. Procedimento Esta pesquisa envolveu duas etapas visando à validação transcultural da escala ILSS-BR. A pri- meira etapa da pesquisa incluiu a tradução e a adaptação das questões da escala original para o contexto brasileiro, assim como um estudo pilo- to visando a ajustar a formulação das questões à popu- lação-alvo. A segunda etapa envolveu o es- tudo das propriedades psicométricas da versão Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos 146 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 adaptada para o contexto brasileiro e o reajuste final da escala em função das análises estatísticas. Etapa I: adaptação transcultural da escala Foi utilizada a versão original de língua ingle- sa da escala ILSS para se fazer a tradução para o português e a retrotradução (backtranslation), vi- sando a obter uma primeira versão brasileira da escala. No processo de adaptação das questões para o contexto brasileiro foi igualmente consul- tada a versão franco-canadense do ILSS1, 4. A adaptação transcultural da presente escala para o contexto cultural brasileiro foi realizada segundo os procedimentos recomendados pela OMS (1996) e por Vallerand (1989) para a adaptação transcultural de instrumentos de medidas. Este procedimento consta das seguintes etapas: 1) tradução; 2) revisão da tradução por um grupo bilíngüe; 3) retrotradução; 4) avaliação da retrotradução; 5) es- tudo piloto I; 6) revisão das questões a partir do es- tudo piloto; 7) teste de campo ou estudo piloto II. Tradução, retrotradução e adaptação para o contexto brasileiro O primeiro procedimento realizado foi a tradu- ção da escala, revisada por dois psiquiatras e um psicólogo bilíngües. A retrotradução da escala foi feita por um epidemiologista bilíngüe, tendo sido avaliada em seguida por um grupo de profissionais bilíngües com experiência na área: quatro psiquia- tras, três psicólogos e um antropólogo. Na discussão de avaliação da retrotradução da escala, quatro itens foram suprimidos: na subescala relacionada à saúde, foi eliminado o item que dizia respeito ao uso adequado de pla- nos ou seguros saúde pelo paciente; na subescala relacionada à administração do dinheiro, foi reti- rado o item que dizia respeito à requisição de tí- tulo de eleitor pelo paciente; na subescala relati- va a transporte, foi retirado o item relativo a contatos do paciente com companhias de ônibus para perguntar sobre itinerários; e na subescala relativa a lazer, foi retirado um item relativo a lei- tura de livros e revistas. Os itens foram suprimi- dos por não se ajustarem à nossa realidade sociocultural. Houve ainda uma modificação na subescala relativa a cuidados pessoais, no item que diz respeito ao banho: a freqüência foi modifica- da de duas vezes por semana para todos os dias. A primeira versão da escala adaptada brasileira ficou com 108 itens. Estudo piloto O estudo piloto visou a ajustar a formulação das questões da versão preliminar do ILSS-BR, em função da população-alvo para a qual a escala se- ria aplicada, a fim de se assegurar uma boa com- preensão e precisão do texto. Este estudo foi feito com uma amostra de 20 pacientes, sendo dez homens e dez mulheres de duas diferentes unidades do IMASJM. As entrevis- tas foram realizadas por uma psiquiatra e uma psi- cóloga que participaram dos grupos de revisão da tradução e avaliação da retrotradução da escala. Foram entrevistados técnicos das unidades que co- nheciam bem a rotina de vida diária dos pacientes. A partir do estudo piloto, realizou-se uma reunião com representantes dos técnicos das unidades e um representante da associação de familiares dos pacientes, onde foram discutidas modificações na redação e em alguns termos da escala que facilitassem sua compreensão. As modi- ficações feitas foram as seguintes: na subescala relativa a atividades domésticas, os três itens que diziam respeito a usar aspirador de pó, tirar poeira de superfícies e usar esfregão no chão foram trans- formados em um único item relativo à arrumação de sua moradia; na subescala relativa a atividades domésticas, nos itens que dizem respeito à colocação de roupas sujas na máquina de lavar foi acrescentado o tanque. Na subescala relativa a lazer, no item que diz respeito a jogos, o boliche foi substituído por futebol. A escala utilizada na segunda etapa da pesquisa continha 106 itens. Etapa II: estudo das propriedades psicométricas da escala A segunda etapa desta pesquisa envolveu a aplicação da versão adaptada da escala em toda a população do Instituto Municipal de Assistên- cia à Saúde Juliano Moreira (IMASJM), com o ob- jetivo de verificar suas propriedades psicométricas e de reajustar a escala em função dos resultados das análises estatísticas. O procedimento de aplicação da escala foi ini- ciado após o projeto ter sido aprovado pela co- missão de ética em pesquisa do IMASJM, garan- tindo-se o consentimento, o sigilo e o anonimato Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al. 149J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 pertinentes à realidade cotidiana dos pacientes, ao contexto brasileiro ou às condições de vida do meio institucional onde os pacientes viviam. Validade de construto A validade de construto da escala ILSS-BR pode ser avaliada constatando-se a presença de um construto comum subjacente às nove subescalas. A presença de um construto comum se observa quando a correlação obtida entre cada subescala e o escore total é mais elevada do que a correla- ção observada entre as subescalas. Para efetuar esta comparação foram calculadas as correlações de Pearson entre as nove subescalas, assim como suas correlações respectivas com o escore global. A Tabela 3 apresenta os coeficientes de correla- ção obtidos entre as subescalas e a escala global. Os resultados da Tabela 3 mostram primeira- mente que as nove subescalas apresentam corre- lações entre si altamente significativas (p = 0). Este resultado indica que, embora avaliem aspectos distintos das habilidades de vida cotidiana, as di- versas subescalas do ILSS-BR apresentam uma re- lação entre elas. Além disso, os resultados mos- tram também que houve, em geral, correlações significativas mais elevadas de cada subescala com a escala global, variando de r = 0,519 a r = 0,869, do que das subescalas entre si. A única exceção se refere à subescala referente ao trabalho. Estes resultados confirmam, portanto, a hi- pótese inicial, demonstrando que as subescalas do ILSS-BR, embora representem dimensões dis- tintas, compartilham um construto subjacente comum, presente na escala global de habilida- des de vida independente. Validade discriminante A validade discriminante da escala ILSS-BR foi verificada comparando-se os escores obtidos pe- los pacientes das seis diferentes unidades existen- tes no instituto psiquiátrico estudado. Uma vez que estas unidades abrigavam grupos de pacien- tes que diferem em termos de seu grau de auto- nomia, a presente escala deveria ser sensível para detectar diferenças entre eles, em termos de suas habilidades de vida independente, o que atesta- ria a validade discriminante do ILSS-BR. Esta com- paração foi feita através da análise de variância (Anova). A Tabela 4 apresenta as médias e desvi- os padrões obtidos pelos seis grupos em cada subescala do ILSS-BR e no escore total. Os resultados indicaram que os grupos de pa- cientes das seis unidades do instituto apresenta- ram diferenças estatisticamente significativas en- tre elas no escore total (F = 32,962; p = 0) e em todas as nove subescalas do ILSS-BR, sendo esta diferença maior em oito subescalas: administra- ção do dinheiro (F = 32,25; p = 0), atividades do- mésticas (F = 13,63; p = 0), preparo e manuten- ção dos alimentos (F = 10,09; p = 0), cuidados pessoais (F = 21,97; p = 0), emprego (F = 113,82; p = 0), lazer (F = 30,33; p = 0) e transporte (F = 41,45; p = 0). A menor diferença entre os grupos foi observada para as atividades referentes à subescala de alimentação (F = 3,058; p = 0,01). Tabela 3 – Coeficientes de correlação de Pearson entre as nove subescalas e a escala global do ILSS-BR Subescala A B C D E F G H I A 1 B 0,413* 1 C 0,362* 0,714* 1 D 0,341* 0,661* 0,826* 1 E 0,364* 0,622* 0,599* 0,567* 1 F 0,249* 0,484* 0,656* 0,633* 0,581* 1 G 0,237* 0,487* 0,54* 0,596* 0,522* 0,67* 1 H 0,122* 0,497* 0,498* 0,471* 0,495* 0,554* 0,602* 1 I 0,112* 0,359* 0,413* 0,422* 0,412* 0,53* 0,601* 0,385* 1 J 0,519* 0,808* 0,869* 0,845* 0,76* 0,808* 0,764* 0,656* 0,589* A: alimentação; B: cuidados pessoais; C: atividades domésticas; D: preparo de alimentos, E: saúde; F: administração do dinheiro, G: transporte; H: lazer; I: trabalho; J: global. *p = 0. Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos 150 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 A Tabela 4 mostra que o grupo de pacientes do Cris apresentou os resultados mais elevados na maioria das áreas da vida cotidiana, com exce- ção da subescala que se refere às atividades de alimentação. Ao contrário, os pacientes do NTB apresentaram os escores mais baixos em quatro áreas da vida cotidiana, relacionadas às subescalas de administração do dinheiro, atividades domés- ticas, lazer e transporte. Os pacientes do NRC apre- sentaram os escores mais baixos nas duas subescalas de cuidados pessoais e emprego. Para a subescala de preparo e manutenção dos alimen- tos o grupo do NUV apresentou os escores mais baixos. Na subescala alimentação os resultados foram menos divergentes entre os grupos, o es- core mais elevado sendo observado no NUV e o menos elevado, no Cris. O escore total mais ele- vado de habilidades da vida independente (2,44) foi o dos pacientes que habitavam no Cris, e o escore menos elevado (1,25) foi o do NTB. Foi feita, em seguida, uma análise discriminante das seis unidades de pacientes, a fim de se identifi- car as subescalas que mais discriminavam os gru- pos. Esta análise evidenciou uma função significati- va diferenciando os grupos (qui-quadrado = 385,713; p = 0; lambda = 0,235; eigenvalue = 1,35), o que explicava 66% da variância dos dados. As cor- relações mais elevadas encontradas entre as subescalas e a função discriminante canônica padro- nizada foram referentes às atividades de emprego, transporte, administração e lazer (respectivamente 855, 587, 544, 455). Este resultado indica que fo- ram estas quatro subescalas do ILSS-BR que mais diferenciaram os grupos de pacientes das várias uni- dades da amostra. Os resultados descritos acima são coerentes com as diferenças de nível de autonomia apresentadas pelos seis grupos de pacientes na sua vida cotidiana na instituição. Os resultados obtidos aqui indicam que a escala ILSS-BR apresenta validade discriminante adequada, uma vez que foi sensível para detectar diferenças significativas nos diversos grupos de pa- cientes da presente amostra. Avaliação do nível de habilidades da vida cotidiana independente Ao se utilizar o ILSS-BR para avaliar os pacien- tes de um dado serviço de saúde mental, deve-se seguir o procedimento de aplicação descrito nes- te artigo. Assim, a aplicação da escala deve ser feita em entrevista com a pessoa que mais conhe- ce as atividades cotidianas do paciente, e o entre- vistador deve ler as instruções e as questões da escala para esta pessoa e anotar as suas respostas no questionário, segundo as instruções que cons- tam no início do questionário. Na correção dos resultados, para se avaliar o nível de funcionamento dos pacientes em rela- ção às nove áreas de habilidades da vida cotidia- na independente, calcula-se o escore médio das respostas obtidas em cada uma das nove subescalas do ILSS-BR. Esta média, que pode vari- ar de 0 a 4, indicará um nível mais elevado de habilidades de vida independente quanto mais próxima ela estiver do valor máximo 4. O nível de funcionamento global dos pacien- tes nas habilidades da vida cotidiana pode ser es- timado calculando-se a média das respostas obti- das nos 84 itens que compõem a escala ILSS-BR. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al. Tabela 4 – Médias e desvios padrões dos escores de habilidades de vida independente apresentados pelos seis grupos de pacientes da amostra em cada subescala e no escore global do ILSS-BR Grupo Subescala NFR NUV NTB NRC CRIS PA p Administração do dinheiro 1,78 (1,2) 1,53 (1,15) 0,56 (1,02) 1,37 (1,44) 2,34 (0,93) 0,71(0,85) 0 Alimentação 3,02 (0,89) 3,33 (0,86) 3,05 (1,07) 2,98 (0,93) 2,92 (0,67) 3,12 (0,82) 0,01 Atividades domésticas 1,98 (1,65) 1,32 (1,39) 1,31 (1,45) 2,66 (1,25) 2,7 (1,07) 1,55 (1,41) 0 Preparo de alimentos 1,23 (1,36) 1,08 (1,23) 1,14 (1,49) 1,45 (1,37) 2,43 (1,03) 2,26 (1,33) 0 Cuidados pessoais 2,37 (1,2) 1,88 (1,36) 1,89 (1,32) 1,02 (1,47) 3,02 (0,76) 2,28 (1,44) 0 Emprego 0,21 (0,44) 0,45 (0,69) 0,004 (0,18) 0,008 (0,34) 1,91 (1,35) 0,87 (0,65) 0 Lazer 0,81 (0,68) 0,93 (0,66) 0,42 (0,56) 0,54 (0,69) 1,32 (0,55) 0,59 (0,54) 0 Transporte 1,03 (1,03) 1,5 (1,19) 0,81 (0,95) 0,84 (1,03) 2,89 (0,85) 0,89 (1,01) 0 Global 1,64 (0,66) 1,65 (0,8) 1,25 (0,64) 1,28 (0,77) 2,44 (0,64) 1,65 (0,68) 0 151J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Antes de se calcular a média dos escores de cada subescala e a média global, é necessário inverter os escores de alguns itens cujo sentido difere dos de- mais itens da escala, de modo que todos os escores da escala possam ser indicativos de maior indepen- dência dos sujeitos quanto maior o escore médio for próximo de 4. Os escores a serem invertidos se refe- rem aos seguintes itens: os itens 5 e 8 da subescala alimentação; o item 13 da subescala de cuidados pes- soais e o item 8 da escala de saúde. Nas demais subescalas não há itens a serem invertidos. escala no que se refere à sua estabilidade tempo- ral, assim como a consistência interna da escala global e a estrutura fatorial dos seus itens, embo- ra estas análises não tenham sido realizadas para a versão original. Estas duas últimas análises re- querem amostras que não forneçam excesso de respostas em branco ou não-aplicáveis, as quais inviabilizam as análises estatísticas, razão pela qual não foram realizadas no presente trabalho. A análise da estrutura dimensional da presen- te escala foi feita através da análise de consistên- cia interna dos itens das subescalas identificadas no estudo original, desta forma retendo apenas os itens que se mostraram consistentes em rela- ção às subescalas. Além disso, a análise compara- tiva das correlações das subescalas como o esco- re total e suas intercorrelações nos forneceu um bom indício da validade de construto desta esca- la. Quanto à validade concomitante da presente escala, ela só poderá ser verificada após a valida- ção, para o Brasil, de uma escala que avalie um construto semelhantes ao do ILSS. No caso da ver- são original do ILSS21, a validade concomitante foi analisada através de sua correlação com uma subescala da escala Nosie, que ainda não foi vali- dada para o Brasil. A escala ILSS-BR é um instrumento de medida que poderá ser importante para o planejamento e a avaliação de programas relacionados à rein- serção social de pacientes psiquiátricos. Uma ava- liação prévia dos pacientes com esta escala pode- rá fornecer informações básicas sobre seu nível de funcionamento cotidiano que são relevantes para o planejamento dos recursos necessários para sua reinserção na comunidade, tanto em termos de tipo de moradia e tipo de suporte social ne- cessário quanto das intervenções e atividades a serem implementadas para a sua integração soci- al. Além disso, avaliações posteriores dos pacien- tes com esta escala poderão servir para monitorar a sua evolução quanto ao nível de funcionamen- to cotidiano, evidenciando assim seu grau de adaptação aos programas de reinserção social implementados1. Do mesmo modo, esta escala poderá ser útil também em ensaios clínicos, visando a avaliar os efeitos de novos tratamentos medicamentosos, uma vez que ela poderá fornecer informações so- bre o impacto dos medicamentos no nível de fun- cionamento dos pacientes nas atividades cotidia- Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Discussão O Inventário de Habilidades de Vida Indepen- dente, adaptado para o contexto brasileiro (ILSS- BR), se mostrou uma escala com qualidades psico- métricas de validade e fidedignidade satisfatórias no que se refere à consistência interna das suas subescalas, assim como a sua validade discrimi- nante e validade de construto. Sua elevada con- sistência interna (a = 0,753 a 0,959), acima do critério requerido, indica um índice de fidedigni- dade ainda superior ao obtido para a versão ori- ginal do ILSS (a = 0, 67 a 0,84). Devido a estes índices adequados todas as nove subescalas da versão original foram retidas na versão brasileira, que poderá, portanto, avaliar as habilidades de vida independente dos pacientes nas mesmas áre- as de atividades cotidianas da versão original. Os resultados positivos obtidos para a valida- de discriminante desta escala indicam também que ela é sensível para discriminar grupos distin- tos de pacientes psiquiátricos. Como na versão original da escala este tipo de análise não foi efe- tuada21, não podemos fazer uma comparação dos presentes resultados com o estudo original para este aspecto em particular. A adaptação transcultural do ILSS-BR, tendo seguido as recomendações estabelecidas na lite- ratura para este tipo de procedimento, através da participação de um grupo de especialistas e da aplicação de um estudo piloto na população-alvo, favoreceu a obtenção de itens cuja formulação fosse mais clara e de fácil entendimento e cujo conteúdo garantisse uma equivalência com a ver- são original, assegurando entretanto sua pertinência para o contexto cultural brasileiro. Estudos futuros deverão aprofundar a investi- gação das qualidades psicométricas da presente 154 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Anexo – Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) Este questionário tem como finalidade obter seu ponto de vista sobre o ajustamento social de seu filho, parente ou residente em sua casa ou em serviços assistenciais. O ajustamento social pode ser avaliado pela maior ou menor capacidade de uma pessoa cuidar de si mesma e de seus interesses, como, por exemplo, alimentar-se, arrumar-se, realizar atividades domésticas e cuidados com a saúde, gerenciar suas finanças, utilizar transporte, realizar atividades de lazer e trabalhar. Este questionário abrange todas essas áreas de vida independente. Por favor, utilize a escala abaixo para marcar cada item. Observe com atenção enquanto você realiza sua classificação de cada um dos 84 itens listados neste questionário. Classifique cada um dos 84 itens de acordo com a freqüência de ocorrência deste comportamento, em particular durante o último mês. Cada item escolhido será marcado no questionário pelo entrevistador. Nome da pessoa que está sendo avaliada Nome da pessoa entrevistada Relação entre o entrevistado e a pessoa que está sendo avaliada Data Escala: Freqüência da ocorrência do comportamento Para cada item deste questionário, por favor, registre na coluna à direita do questionário a freqüência da ocorrência de cada compor- tamento durante o último mês, segundo a escala abaixo. Se não houve oportunidade para o indivíduo se comportar de determinada forma (por exemplo, utilizar o ônibus quando não houve disponibilidade desse serviço), registre NA (não se aplica). Se não houve necessidade de que o indivíduo se comportasse desta forma (isto é, o parente ou encarregado das instalações, por exemplo, realiza as tarefas domésticas), também registre NA. 0_____________________1_____________________2_____________________3_____________________4 nunca algumas vezes com freqüência na maioria das vezes sempre I. Alimentação Freqüência do comportamento no último mês 1. Alimenta-se asseadamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Usa utensílios adequados para se alimentar 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 3. Alimenta-se em ritmo normal, sem engolir às pressas nem 0 1 2 3 4 demorar demais (sem necessidade de orientação) 4. Mastiga com a boca fechada (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Tira comida dos pratos de outras pessoas sem permissão 0 1 2 3 4 6. Come a quantidade de alimento apropriada 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 7. Demonstra ter bons hábitos nutricionais (isto é, tem uma dieta 0 1 2 3 4 bem equilibrada – não vive de doces e refrigerantes) (sem necessidade de orientação) 8. Come comida que foi descartada (por exemplo, 0 1 2 3 4 do chão ou do lixo) Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al. 155J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos II. Cuidados pessoais 1. Toma banho usando sabonete todos os dias 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 2. Lava os cabelos pelo menos uma vez por semana 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 3. Usa desodorante diariamente (sem supervisão) 0 1 2 3 4 4. Escova ou penteia os cabelos diariamente 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 5. Homem: barbeia-se quando necessário ou mantém 0 1 2 3 4 sua barba aparada (sem supervisão) 6. Providencia o corte ou o penteado dos cabelos quando 0 1 2 3 4 necessário (sem necessidade de orientação) 7. Escova os dentes ou dentadura ou faz higiene bucal pelo menos 0 1 2 3 4 uma vez ao dia (sem necessidade de orientação) 8. Despe-se em horas e locais apropriados 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 9. Veste-se em horas e locais apropriados 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 10. Conserva-se limpo(a) e arrumado(a) o dia todo 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 11. Separa apropriadamente roupas sujas para serem lavadas por 0 1 2 3 4 ele (ela) ou por outras pessoas (sem necessidade de orientação) 12. Veste-se apropriadamente quanto ao clima ou eventos 0 1 2 3 4 sociais (sem necessidade de orientação) 13. Quebra a etiqueta social em geral (por exemplo, coça partes 0 1 2 3 4 inadequadas do corpo em público, arrota em público sem se desculpar) III. Atividades domésticas 1. Arruma sua cama diariamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Mantém o quarto ou espaço individual limpo 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 3. Troca a roupa de cama sempre que necessário 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 4. Recolhe objetos que caem no chão 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 5. Limpa líquidos derramados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Ocupa-se da arrumação de sua moradia quando necessário 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 7. Realiza tarefas domésticas que lhe foram atribuídas 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 8. Coloca a roupa suja no tanque ou na máquina de lavar 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 156 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al. 9. Usa a quantidade correta de sabão para lavar a roupa 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 10. Coloca as roupas para secar (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 11. Guarda as roupas limpas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 12. Dobra e/ou pendura as roupas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 IV. Preparo e armazenamento dos alimentos 1. Prepara refeições simples que não precisem ser misturadas 0 1 2 3 4 ou cozidas (por exemplo, sanduíches, saladas ou cereal com leite) 2. Prepara e cozinha refeições simples (por exemplo, ovos fritos, 0 1 2 3 4 macarrão, etc.) (sem necessidade de orientação) 3. Guarda os alimentos apropriadamente 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 4. Pode identificar e jogar fora alimentos estragados 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) 5. Limpa a mesa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Lava e enxuga a louça e os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) 0 1 2 3 4 ou usa máquina de lavar louça (sem necessidade de orientação) 7. Guarda os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) 0 1 2 3 4 (sem necessidade de orientação) V. Saúde 1. Relata apropriadamente seus problemas físicos 0 1 2 3 4 (sem exagerar ou omitir) 2. Cuida de seus próprios problemas físicos mais leves 0 1 2 3 4 de forma apropriada 3. Consegue ajuda de serviços públicos adequados (INSS, bombeiros, 0 1 2 3 4 polícia, vigilância ou outros recursos), assistente social, médico, dentista, família, quando necessário 4. Segue a orientação dos serviços acima citados 0 1 2 3 4 5. Fuma respeitando as regras de segurança 0 1 2 3 4 6. Aceita tomar a medicação que lhe é administrada 0 1 2 3 4 7. Toma seu medicamento sem supervisão (horários e dosagens) 0 1 2 3 4 8. Contata serviços públicos (por exemplo, polícia, bombeiros, 0 1 2 3 4 instituições para desabrigados) para fazer queixas ou pedidos impróprios (por exemplo, entra na delegacia para pedir uma carona para casa, telefona diariamente para instituições para desabrigados para relatar variados problemas sem importância) 159J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Instruções aos autores No Jornal Brasileiro de Psiquiatria são publicados artigos relevantes em português, inglês ou espanhol. Os requisitos para apresentação de manuscritos foram estabelecidos de acordo com Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals do International Committee of Medical Journals Editors – Grupo de Vancouver – publicado em Ann Intern Med 1997:126:36-47, disponível em versão digital em http://www.acponline.org. Manuscritos e correspondências devem ser enviados para: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: ipub@ipub.ufrj.br Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho pro- priedade permanente da Diagraphic Editora Ltda., que re- serva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior. Carta de autorização • Os manuscritos devem estar acompanhados de carta de autorização assinada por todos os autores. Modelo “Os autores abaixo assinados transferem à Diagraphic Editora Ltda., com exclusividade, todos os direitos de publicação, em qualquer forma ou meio, do arti- go..............., garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado por outro periódico e que o estu- do foi conduzido conforme os princípios da Declara- ção de Helsinki e de suas emendas, com o consenti- mento informado aprovado por comitê de ética devidamente credenciado.” (incluir nome completo, en- dereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de to- dos os autores). Avaliação por pareceristas (peer review) • Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados por dois pareceristas independentes. Estrutura do manuscrito • Os manuscritos devem ser enviados em formato eletrôni- co, acompanhados de quatro cópias impressas na última versão, e não serão devolvidos em nenhuma hipótese. • Todas as páginas devem estar numeradas, indicando na primeira o total de páginas. • A primeira página deve conter o título do trabalho, nome completo dos autores e filiação científica. • Os resumos devem ser apresentados no idioma do tex- to e em inglês, inclusive títulos, com, no máximo, 200 palavras. • Os unitermos, entre três e 10, devem ser apresentados nos dois idiomas. Recomenda-se o uso de termos da lista denominada Medical Subject Headings do Index Medicus ou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicada pela BIREME, para trabalhos em português. • Tabelas e ilustrações devem estar numeradas e prepara- das em folhas separadas, com as respectivas legendas em formato que permita sua reprodução e incluídas no disquete. Os locais sugeridos para inserção deverão ser indicados no texto, com destaque. • Ilustrações não serão aceitas em negativo e impressão de fotos em cores será cobrada do autor. • Agradecimentos deverão ser mencionados antes das Referências. Referências Devem ser numeradas e apresentadas em ordem alfabé- tica. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem: Artigos • Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from ‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch Gen Psychiatry 1995; 52:114-23. L ivro • Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Capítulo de livro • Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis assessment and treatment. New York: The Guilford Press; 1995, p. 261-309. 160 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Instructions for authors The Jornal Brasileiro de Psiquiatria will consider for publi- cation relevant articles in Portuguese, English or Spanish. The following guidelines for the submission of manuscripts are in accordance with the Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals of the International Committee of Medical Journal Editors – Vancouver Group – published in the Ann Intern Med 1997; 126:36-47, also available in http:/www.acponline.org. Send all manuscripts and correspondence to the following address: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: ipub@ipub.ufrj.br Once accepted for publication, the manuscript becomes permanent property of the Diagraphic Editora Ltda. which reserves all the rights in Brazil and in any other foreign country. Authorizing letter • Manuscripts should be accompanied by a letter authorizing the publications signed by all authors. Le t te r “The undersigned authors transfer to Diagraphic Edi- tora Ltda., with exclusiveness, the copyright of the publication by any means of the manuscript entitled...................., guarantee that this article is not being evaluated by another periodical and that the study has been conducted according to the Declaration of Helsinki and its amendments with informed consent duly approved by an independent review board (IRB).” (include the complete name, addresses, telephone, fax, e-mail and signature of all authors). Peer review • All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed by two independent reviewers. Structure of the manuscript • The articles should be sent in electronic format plus four printed copies of the latest version, which will not be returned to the authors in any instance. • All pages must be numbered, indicating in the first page the total numbers of pages. • The first page must have: title of the manuscript, comple- te name of the authors and scientific affiliation. • Abstracts should be presented in the languages of the text and in english with the maximum number of 200 words. • Key words should be presented in two languages, the one of the text and in english (between 3 and 10). For the choice of terms, the list entitled Medical Subject Headings of the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciên- cias da Saúde of BIREME, for portuguese scientific literature, are recommended. • Tables and illustrations should be numbered and placed in separate individual pages, with the legends, in a format that allows its reproduction, and its inclusion in a diskette. Places for insertion in the text should be highlighted. • Illustration in negative will not be accepted and the printing of coloured material will be charged to the author. • Acknowledgements should be placed prior to the References. References Should be numbered and listed in alphabetical order. The following styles for the references should be employed. Ar t i c l es Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from ‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch Gen Psychiatry 1995; 52:114-23. Book Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Book chapter Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis assessment and treatment. New York: The Guilford Press; 1995, p. 261-309.
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