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Apostila de Direito processual penal, Notas de estudo de Direito Processual Penal

Apostila de Direito processual penal

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 11/02/2012

murilo-nogueira-11
murilo-nogueira-11 🇧🇷

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Baixe Apostila de Direito processual penal e outras Notas de estudo em PDF para Direito Processual Penal, somente na Docsity! DIREITO PROCESSUAL PENAL Princípios Gerais 1. Princípios Gerais Informadores do Processo 1.1. Imparcialidade do juiz O juiz situa-se entre as partes e acima delas (caráter substitutivo). O juiz imparcial é pressuposto para uma relação processual válida. Para assegurar essa imparcialidade, a Constituição Federal estipula garantias (artigo 95), prescreve vedações (artigo 95, parágrafo único) e proíbe juízos e tribunais de exceção (artigo 5.º, inciso XXXVII). Observação: tribunal de exceção é um órgão constituído após a ocorrência do fato. 1.2. Igualdade Processual As partes devem ter, em juízo, as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões. No processo penal, esse princípio sofre alguma atenuação, devido ao princípio constitucional do favor rei, segundo o qual o acusado goza de alguma prevalência em contraste com a pretensão punitiva. Essa atenuação se verifica, por exemplo, nos artigos 386, inciso VI, 607, 609, parágrafo único, e artigo 621, todos do Código de Processo Penal. Observação: O defensor público tem prazo em dobro no processo penal. A jurisprudência tende a estender o benefício aos advogados dativos. 1.3. Contraditório Esse princípio decorre do brocardo romano audiatur et altera pars e é identificado na doutrina pelo binômio “ciência e participação”. O juiz coloca-se eqüidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra o direito de manifestar-se em seguida. Destarte, as partes têm o direito de serem cientificadas sobre qualquer fato processual ocorrido e a oportunidade de se manifestarem sobre ele antes de qualquer decisão jurisdicional. Pergunta: A concessão de medidas judiciais inaudita altera parte configura exceção ao princípio do contraditório? Resposta: Não, pois o juiz deverá abrir vista à outra parte para se manifestar sobre a medida antes de dar o provimento final. Nesse caso o contraditório é apenas diferido. Observação: O princípio não se aplica no inquérito policial, que se trata de um procedimento inquisitório. Como no inquérito policial não há acusação, também não há defesa. Os únicos inquéritos que admitem o contraditório são: o judicial, para apuração de crimes falimentares; e o instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça visando à expulsão de estrangeiro. 1.4. Ampla Defesa O Estado deve proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (defensor) (artigo 5.º, LV, da Constituição Federal), inclusive o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (artigo 5.º, LXXIV, da Constituição Federal). No processo penal, o juiz nomeia defensor ao réu, caso ele não tenha, mesmo sendo revel (artigos 261 e 263 do Código de Processo Penal) e caso seja feita uma defesa abaixo do padrão mínimo tolerável, o réu poderá ser considerado indefeso e o processo anulado. Se o acusado, citado por edital, não comparece, nem constitui advogado, suspende-se o processo e o prazo prescricional (artigo 366 do Código de Processo Penal). 1.5. Da Disponibilidade e da Indisponibilidade Disponibilidade é a liberdade que as pessoas têm de exercer ou não seus direitos. No processo penal, prevalece o princípio da indisponibilidade, pelo fato do crime ser considerado uma lesão irreparável ao interesse coletivo. O Estado não tem apenas o direito, mas sobretudo o dever de punir. Do Código de Processo Penal, podem ser extraídas algumas regras, a saber: • A autoridade policial é obrigada a proceder às investigações preliminares (artigo 5.º do Código de Processo Penal); • Impossibilidade de a autoridade policial arquivar o inquérito policial (artigo 17 do Código de Processo Penal); • O Ministério Público não pode desistir da ação penal (artigo 42 do Código de Processo Penal), nem do recurso interposto (artigo 576 do Código de Processo Penal). A Constituição Federal abranda essa regra, ao permitir a transação em infrações de menor potencial ofensivo e também nos casos de ação penal privada e ação penal condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça. A Lei n. 10.409/02, no artigo 37, inciso IV, criou hipótese em que o promotor pode deixar de oferecer a denúncia. Neste caso vigora o princípio da oportunidade controlada. O Ministério Público não pode desistir da ação penal, mas pode pedir a absolvição do réu. Pergunta: tal possibilidade não fere o princípio da indisponibilidade da ação penal pública? Resposta: não, pois esse pedido não passa de mero parecer que não vincula o juiz, o qual pode proferir sentença condenatória. 1.6. Da Verdade Formal ou Dispositivo Ressalvam-se os casos de ação penal privada (artigo 5.º, § 5.º, do Código de Processo Penal) e ação penal pública condicionada. Trata-se de um princípio geral relacionado a todas as autoridades que participam do procedimento criminal, e diferencia-se do princípio do impulso oficial, referente ao magistrado. 1.14. Do Impulso Oficial Uma vez instaurada a relação processual, compete ao juiz mover o procedimento de fase em fase até exaurir a função jurisdicional. 1.15. Da Persuasão Racional do Juiz Situa-se entre o sistema da prova legal, em que os elementos probatórios possuem valor prefixado, e o sistema do julgamento secundum conscientiam, em que o juiz pode decidir com base na prova dos autos, mas também sem provas e até mesmo contra a prova. No princípio da persuasão racional, o juiz decide com base nos elementos existentes nos autos, mas sua apreciação não depende de critérios legais preestabelecidos. A avaliação ocorre segundo parâmetros críticos e racionais. Esta liberdade não se confunde com arbitrariedade, pois o convencimento do juiz deve ser motivado. Exceção: os jurados, no Júri, não precisam fundamentar suas decisões, pois para eles vigora o princípio da íntima convicção. 1.16. Da Motivação das Decisões Judiciais As decisões judiciais precisam sempre ser motivadas. Esse princípio tem assento constitucional no artigo 93, inciso IX. Hoje, esse princípio é visto em seu aspecto político: garantia da sociedade que pode aferir a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das suas decisões. 1.17. Lealdade Processual Consiste no dever de verdade, reprovando a conduta da parte que se serve de artifícios fraudulentos. A fraude destinada a produzir efeitos no processo penal pode configurar o crime descrito no artigo 347 do Código Penal. 1.18. Da Economia Processual Preconiza o máximo resultado na aplicação do direito com o mínimo emprego de atos processuais. São exemplos da aplicação desse princípio os casos de conexão e continência (artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal). Corolário da economia processual é o princípio do aproveitamento dos atos processuais ou da instrumentalidade das formas, em que os atos imperfeitos só serão anulados se o objetivo não for atingido, pois o que interessa é o objetivo, e não o ato em si mesmo. Tal regra segue o brocardo pas de nullite´sans grief. No processo penal, não se anulam atos imperfeitos quando não prejudicarem a acusação ou a defesa e quando não influírem na decisão da causa (artigos 566 e 567 do Código de Processo Penal). 1.19. Do Promotor Natural Também decorre da norma contida no artigo 5.º, inciso LIII, da Constituição Federal, o qual dispõe que ninguém será processado senão pelo órgão do Ministério Público com atribuições previamente fixadas e conhecidas. O Supremo Tribunal Federal vedou a designação casuística de promotor pela Chefia da Instituição para promover a acusação em caso específico, pois tal procedimento chancelaria a figura do chamado “promotor de exceção” (HC n. 67.759/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 150/123). 2. Princípios Informadores do Processo Penal 2.1. Estado de Inocência Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (artigo 5.º, LVII, da Constituição Federal). Desdobra-se em três aspectos: • prova: deve ser valorada em favor do acusado quando houver dúvida; • instrução processual: inverte-se o ônus da prova, ou seja, o réu não precisa provar que é inocente, mas sim a acusação precisa fazer prova de que ele é culpado; • no curso do processo: trata-se de entendimento expresso na Súmula n. 9 do Superior Tribunal de Justiça: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. 2.2. “Favor rei” A dúvida sempre beneficia o acusado. • Se há duas interpretações, opta-se pela mais benéfica; • Na dúvida, em caso de insuficiência de provas, absolve-se o réu; • Alguns recursos são exclusivos da defesa (protesto por novo júri e embargos infringentes). • Só cabe ação rescisória penal em favor do réu (revisão criminal). 2.3. Da Verdade Real É princípio próprio do processo penal, indica que o juiz deve buscar descobrir a realidade, não se conformando com o que é apresentado nos autos (verdade formal). Como exemplo, pode ser citado o artigo 156 do Código de Processo Penal, que permite ao juiz determinar diligências de ofício para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Esse princípio comporta algumas exceções: artigos 406, 475, 206, 207 e 155, todos do Código de Processo Penal; a Constituição Federal, no artigo 5.º, inciso LVI, veda a utilização de provas obtidas por meios ilícitos. 2.4. Legalidade Impõe a observância da lei pelas autoridades encarregadas da persecução penal, que não possuem poderes discricionários para apreciar a conveniência e oportunidade da instauração do processo ou do inquérito. 2.5. Oficialidade A função penal é eminentemente pública, logo, a pretensão punitiva do Estado deve ser deduzida por agentes públicos. Admite-se, como exceção, a ação penal privada, a ação penal privada subsidiária da pública – quando da inércia do órgão do Ministério Público – e a ação penal popular – na hipótese de crime de responsabilidade praticado pelo Procurador- Geral da República e por Ministros do Supremo Tribunal Federal (artigos 41, 58, 65 e 66 da Lei n. 1.079/50). 2.6. Oficiosidade As autoridades públicas incumbidas da persecução penal devem agir de ofício, sem necessidade do assentimento de outrem. Ressalvam-se os casos de ação penal privada (artigo 5.º, § 5.º, do Código de Processo Penal) e ação penal pública condicionada. 2.7. Autoritariedade Os órgãos investigantes e processantes devem ser autoridades públicas. Exceção: ação penal privada. 2.8. Indisponibilidade A autoridade policial não pode determinar o arquivamento do inquérito policial (artigo 17 do Código de Processo Penal). O órgão do Ministério Público não pode desistir (dispor) da ação penal pública, nem do recurso interposto (artigos 42 e 576 do Código de Processo Penal). Exceções: ação penal privada e transação penal (artigo 76 da Lei n. 9.099/95). A lei processual penal aplica-se a todas as infrações penais cometidas em território brasileiro, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de Direito Internacional. No processo penal vigora o princípio da absoluta territorialidade (artigo 1.º do Código de Processo Penal). Ao contrário do que pode parecer, os incisos do artigo 1.º não cuidam de exceções à territorialidade da lei processual penal brasileira, mas sim de exceções à aplicação do Código de Processo Penal. O inciso I do artigo 1.º contempla verdadeiras hipóteses excludentes da jurisdição criminal brasileira. Considera-se praticado em território brasileiro o crime cuja ação ou omissão, ou cujo resultado, no todo ou em parte, ocorreu em território nacional (artigo 6.º do Código Penal). Considera-se, para efeitos penais, como extensão do território nacional: as embarcações e aeronaves públicas ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, e as embarcações e aeronaves particulares que se acharem em espaço aéreo ou marítimo brasileiro ou em alto-mar ou espaço aéreo correspondente. 2. EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO Toda norma jurídica limita-se no tempo e no espaço. Isso quer dizer que a norma se aplica em um determinado território durante um determinado lapso de tempo. A eficácia temporal das normas processuais é disciplinada pela Lei de Introdução ao Código Civil, nos artigos 1.º, 2.º e 6.º. As normas de direito processual têm aplicação imediata, sem efeito retroativo. Adotou- se, portanto, o princípio tempus regit actum. O artigo 2.º do Código de Processo Penal dispõe: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.” A aplicação do dispositivo gera dois efeitos: 1) os atos processuais praticados na vigência da lei anterior são considerados válidos; 2) as normas da lei nova aplicam-se imediatamente, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. No caso de normas mistas (de natureza processual e material), prevalece o caráter material, devendo ser aplicada a regra do artigo 2.º do Código Penal, ou seja, retroagirá para beneficiar o réu. A lei tem vigência até que outra expressa ou tacitamente a revogue. A revogação ainda pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). 3. IMUNIDADES 3.1. Imunidades Diplomáticas Os chefes de Estado e os representantes de governos estrangeiros estão excluídos da jurisdição criminal dos países em que exercem suas funções. A imunidade estende-se a todos os agentes diplomáticos, ao pessoal técnico e administrativo das representações, aos seus familiares e aos funcionários de organismos internacionais (ONU, OEA etc.). Admite-se a renúncia à garantia da imunidade. 3.2. Imunidades Parlamentares São de duas espécies: • material (absoluta): alcança os Deputados Federais, Deputados Estaduais e Senadores, garantindo-lhes a inviolabilidade por suas palavras, opiniões e votos. Para alguns, trata-se de causa de exclusão de ilicitude, para outros, causa funcional de isenção de pena. É irrenunciável. Estende-se também aos Vereadores se o crime foi praticado no exercício do mandato e na circunscrição do Município; • processual, formal ou relativa: consiste na garantia de não ser preso, salvo por flagrantes de crime inafiançável. Alcança os Deputados Estaduais, mas não alcança os Vereadores. 4. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL Artigo 3.º do Código de Processo Penal: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.” Interpretar uma norma significa buscar seu alcance e real significado. 4.1. Espécies 4.1.1. Quanto ao sujeito que elabora Autêntica ou legislativa: feita pelo próprio órgão encarregado da elaboração da lei. Pode ser: • contextual: feita pelo próprio texto interpretado; • posterior: feita após a entrada em vigor da lei. Doutrinária ou científica: feita pelos estudiosos e doutores do Direito. Observação: as exposições de motivos constituem forma de interpretação doutrinária, uma vez que não são leis. Judicial: feita pelos órgãos jurisdicionais. 4.1.2. Quanto aos meios empregados Gramatical, literal ou sintática: leva-se em conta o sentido literal das palavras. Lógica ou teleológica: busca-se a vontade da lei, atendendo-se aos seus fins e à sua posição dentro do ordenamento jurídico. 4.1.3. Quanto ao resultado Declarativa: há perfeita correspondência entre a palavra da lei e sua vontade. Restritiva: a interpretação vai restringir o seu significado, pois a lei disse mais do que queria. Extensiva: a interpretação vai ampliar o seu significado, pois a lei disse menos do que queria. 4.2. Interpretação da Norma Processual Penal A lei processual admite interpretação extensiva, pois não contém dispositivo versando sobre direito de punir. Exceções: tratando-se de dispositivos restritivos da liberdade pessoal (prisão em flagrante, por exemplo), o texto deverá ser rigorosamente interpretado. O mesmo quando se tratar de regras de natureza mista. 4.3. Formas de Procedimento Interpretativo Eqüidade: correspondência ética e jurídica da circunscrição – norma ao caso concreto; Doutrina: estudos, investigações e reflexões teóricas dos cultores do direito; Jurisprudência: repetição constante de decisões no mesmo sentido em casos semelhantes. 5. ANALOGIA Consiste em aplicar a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. 5.1. Fundamento Ubi eadem ratio, ibi eadem jus (onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo Direito). 5.2. Natureza Jurídica Forma de auto-integração da lei, ou seja, forma de supressão de lacunas. A polícia judiciária exerce suas funções conforme alguns critérios: • territorial: quanto ao lugar da atividade pode ser terrestre, marítima ou aérea; • em razão da matéria; • em razão da pessoa (exemplo: delegacia da mulher). A inobservância de qualquer um desses critérios não implica nulidade; é mera irregularidade que não contamina a ação penal. Artigo 22 do Código Processo Penal: “No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença noutra circunscrição.” 7.3.2. Polícia de Segurança (Administrativa ou Preventiva) É a polícia ostensiva, fardada, exercida em regra pela polícia militar. Normalmente, não investiga crime (exceto os militares), pois tem caráter preventivo. Inquérito Policial 1. CONCEITO É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (artigo 4.º do Código de Processo Penal). 2. NATUREZA JURÍDICA O inquérito policial é procedimento persecutório de caráter administrativo e natureza inquisitiva instaurado pela autoridade policial. É um procedimento, pois é uma seqüência de atos voltados a uma finalidade. Persecutório porque persegue a satisfação do jus puniendi. Persecução é a atividade estatal por meio da qual se busca a punição e se inicia, oficialmente, com a instauração do inquérito policial, também conhecido como informatio delicti. 3. FINALIDADE Conforme dispõe os artigos 4.º e 12 do Código de Processo Penal, o inquérito visa a apuração da existência de infração penal e a respectiva autoria, a fim de fornecer ao titular da ação penal elementos mínimos para que ele possa ingressar em juízo. A apuração da infração penal consiste em colher informações a respeito do fato criminoso. Apurar a autoria consiste naautoridade policial desenvolver a necessária atividade, visando descobrir o verdadeiro autor da infração penal. 4. POLÍCIA JUDICIÁRIA Quanto ao objeto, a polícia pode ser administrativa (preventiva) ou judiciária (repressiva). A polícia judiciária tem a função de auxiliar a justiça, apurando as infrações penais e suas respectivas autorias. O artigo 4.º, caput, do Código de Processo Penal usava inadequadamente o termo “jurisdição”. O termo jurisdição designa a atividade por meio da qual o Estado, em substituição às partes, declara a preexistente vontade da lei ao caso concreto. A Lei n. 9.043, de 9.5.1995, trocou o termo “jurisdição” por “circunscrição” (limites territoriais dentro dos quais a polícia realiza suas funções). O parágrafo único do citado artigo também contém uma impropriedade. Ao dispor que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”, o legislador foi infeliz, pois a autoridade policial não tem competência, mas sim atribuições. O termo competência aqui empregado deve ser entendido como poder conferido a alguém para conhecer determinados assuntos, não se confundindo com competência jurisdicional, que é a medida concreta do Poder Jurisdicional. Salvo algumas exceções, a atribuição para presidir o inquérito policial é conferida aos Delegados de Polícia (artigo 144, §§ 1.º e 4.º, da Constituição Federal de 1988), conforme as normas de organização policial dos Estados. A atribuição pode ser fixada, quer pelo lugar da consumação da infração (ratione loci), quer pela natureza da mesma (ratione materiae). A autoridade policial, em regra, não poderá praticar qualquer ato fora dos limites de sua circunscrição, sendo necessário: se for em outro país: carta rogatória; se for em outra comarca: carta precatória; Se for no Distrito Federal ou em circunscrição diferente dentro da mesma comarca, a autoridade poderá ordenar diligências independente de precatórias ou requisições (artigo 22 do Código de Processo Penal).O flagrante deve ser lavrado no local em que se efetivou a prisão, mas se neste não houver Delegado de Polícia, deverá o preso ser apresentado à circunscrição mais próxima (artigos 290 e 308, ambos do Código de Processo Penal). Concluído o flagrante, devem os atos subseqüentes ser praticados pela autoridade do local em que o crime se consumou. Observação: tem-se entendido que a falta de atribuição da autoridade policial não invalida os seus atos, ainda que se trate de prisão em flagrante, pois a Polícia, por não exercer atividade jurisdicional, não se submete à competência jurisdicional ratione loci. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, o inquérito policial é peça meramente informativa, cujos vícios não contaminam a ação penal. O inciso LIII do artigo 5.º da Constituição Federal não se aplica às autoridades policiais, pois estas não processam (promotor natural) nem sentenciam (juiz natural). Assim, não foi adotado pelo referido dispositivo constitucional o princípio do “Delegado Natural”. 5. INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS (artigo 4.º, parágrafo único, do Código de Processo Penal) Em regra, os inquéritos policiais são presididos por Delegado de Polícia de Carreira (artigo 144, § 4.º, da Constituição Federal), mas o parágrafo único do artigo 4.º do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito realizado pela polícia judiciária não é a única forma de investigação criminal. Excepcionalmente, portanto, há casos em que são presididos por outras autoridades e não pelo Delegado de Polícia, tais como: Inquérito judicial para apuração de infrações falimentares (presidido pelo juiz da vara onde tramita a falência). Comissões Parlamentares de Inquérito (artigo 58, § 3.º, da Constituição Federal). Crime cometido nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (Súmula n. 397 do Supremo Tribunal Federal – “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”). Inquérito civil (instaurado pelo Ministério Público, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; conforme dispõe o artigo 129, inciso III, da Carta Magna). Inquérito policial militar. Magistrado (o delegado deve remeter os autos ao tribunal ou a órgão especial competente para o julgamento). Membro do Ministério Público (os autos devem ser remetidos ao Procurador-Geral de Justiça). 6. VALOR PROBATÓRIO 10.1. Conceito É o conhecimento, espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente delituoso pela autoridade policial. 10.2. Espécies “Notitia Criminis” de cognição direta, imediata, espontânea ou inqualificada: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento direto da infração penal por meio de suas atividades rotineiras. Exemplo: policiamento, imprensa, pelo encontro do corpo de delito ou até pela delação anônima. A delação anônima (apócrifa) é chamada notitia criminis inqualificada. “Notitia Criminis” de cognição indireta, mediata, provocada ou qualificada: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do delito por meio de algum ato jurídico de comunicação formal, como por exemplo a delatio criminis (comunicação de um crime feito pela vítima ou por qualquer um do povo), a requisição do Ministério Público ou autoridade judiciária e a representação do ofendido. “Notitia Criminis” de cognição coercitiva: ocorre no caso de prisão em flagrante, em que a notícia se dá com a apresentação do autor do fato. Observação: se for crime de ação pública condicionada ou de iniciativa privada, o auto de prisão em flagrante somente poderá ser lavrado se forem observados os requisitos dos §§ 4.º e 5.º do artigo 5.º do Código de Processo Penal. 11. INÍCIO 11.1. Nos Crimes de Ação Pública Incondicionada De ofício: a autoridade tem a obrigação de instaurar o inquérito policial, independente de provocação, sempre que tomar conhecimento imediato e direto do fato, por meio de delação verbal ou por escrito, feito por qualquer pessoa do povo (delatio criminis simples), notícia anônima (notitia criminis inqualificada), por meio de sua atividade rotineira (cognição imediata), ou no caso de prisão em flagrante. O ato de instauração é a portaria. Por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público: não obstante a hipótese prevista no artigo 40 do Código de Processo Penal, se não estiverem presentes os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, a autoridade judiciária poderá requisitar a instauração de inquérito policial para a elucidação dos fatos. A autoridade policial não pode se recusar a instaurar o inquérito, pois a requisição tem natureza de determinação, de ordem, muito embora inexista subordinação hierárquica. Delatio criminis: é a comunicação de um crime feita pela vítima ou por qualquer um do povo. Caso a autoridade policial indefira a instauração de inquérito, caberá recurso ao Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública ou ao Delegado-Geral de Polícia (artigo 5.º, § 2.º, do Código de Processo Penal). A delatio criminis pode ser simples (mera comunicação) ou postulatória (comunica e pede a instauração da persecução penal). Trata-se de faculdade conferida ao cidadão de colaborar com a atividade repressiva do Estado. Contudo, há algumas pessoas que, em razão do seu cargo ou função, estão obrigadas a noticiar a ocorrência de crimes de que tenham tomado conhecimento no desempenho de suas atividades (artigo 66, incisos I e II, da Lei das Contravenções Penais; artigo 45 da Lei n. 6.538/78; artigo 269 do Código Penal; artigos 104 e 105 da Lei de Falências). 11.2. Nos Crimes de Ação Pública Condicionada Mediante representação do ofendido ou de seu representante legal: a representação é simples manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal, não havendo exigência formal para a sua elaboração. Mediante requisição do Ministro da Justiça: deve ser encaminhada ao chefe do Ministério Público o qual poderá, desde logo, oferecer a denúncia ou requisitar diligências à polícia. 11.3. Nos Crimes de Ação Privada Nesses casos a instauração do inquérito policial depende de requerimento do ofendido, de seu representante legal ou sucessores, conforme disposto no artigo 5.º, § 5.º, combinado com os artigos 30 e 31, todos do Código de Processo Penal. O artigo 35 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição Federal, por força do artigo 226, § 5.º, podendo a mulher casada requerer a instauração do inquérito policial independentemente de outorga marital. Nada obstante, a Lei n. 9.520, de 27.11.1997, revogou expressamente a norma contida no artigo 35 do Código de Processo Penal. 11.4. Observações O inquérito policial também pode começar mediante auto de prisão em flagrante nos três casos (ação penal pública incondicionada, condicionada e ação penal privada). Nos crimes de ação pública condicionada e de ação privada, o ofendido deverá ratificar o flagrante até a entrega da nota de culpa (24h). A autoridade policial não poderá instaurar o inquérito policial se não houver justa causa (se o fato for atípico ou se estiver extinta a punibilidade). Porém, o desconhecimento da autoria ou a possibilidade do sujeito ter agido sob a proteção de alguma excludente da ilicitude não impede a instauração do inquérito. Inquérito Policial 1. Providências da Autoridade Policial O inquérito policial não tem um procedimento rígido, ou seja, uma seqüência imutável de atos. O artigo 6.º do Código de Processo Penal indica algumas providências que, de regra, devem ser tomadas pela autoridade policial para a elucidação do crime e da sua autoria. 1.1. Dirigir-se ao Local do Crime A autoridade policial, se possível e conveniente, deve se dirigir ao local do crime e preservar o estado das coisas até a chegada da perícia. Qualquer alteração no estado de coisas pode comprometer as provas a serem produzidas (artigo 169 do Código de Processo Penal). Exceção: acidente automobilístico, em que os veículos devem ser deslocados com a finalidade de desobstruir a via pública (artigo 1.º da Lei n. 5.970/73). 1.2. Apreender os Objetos Relacionados com o Fato Deve também apreender os objetos e instrumentos do crime após liberação pela perícia (artigo 11 do Código de Processo Penal – instrumentos e objetos do crime apreendidos serão anexados ao inquérito policial). Para essa apreensão, é necessária uma diligência denominada busca e apreensão, que pode ser efetuada no local do crime, em domicílio ou na própria pessoa. A busca domiciliar pode ser realizada em qualquer dia, porém devem ser respeitadas as garantias de inviolabilidade domiciliar (artigo 5.º, inciso XI, da Constituição Federal). À noite, é lícito entrar no domicílio alheio em quatro situações: • a convite do morador; • em caso de flagrante delito; • para prestar socorro; • em caso de desastre. Durante o dia: • nas quatro situações acima citadas; • mediante prévia autorização judicial, corporificada em instrumento denominado mandado de busca e apreensão. Antes, a autoridade policial não precisava de autorização judicial, porém, mesmo com esta, não podia entrar à noite. Aplicava-se o artigo 172 do Código de Processo Civil por analogia, contudo, em dezembro de 1.994, esse artigo teve sua redação alterada, não sendo mais possível sua aplicação. Domicílio, nos termos do artigo 150, § 4.º, do Código Penal, é qualquer compartimento habitado; aposento ocupado por habitação coletiva; compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Exemplos: o escritório de advogado, na parte aberta ao público, não é domicílio, mas a sala do advogado sim (observação: a busca em escritório de advocacia deverá ser acompanhada por um representante da Ordem dos Advogados do Brasil); o mesmo entendimento se tem quanto a bar, pois considera-se domicílio a área interna do balcão, onde é exercida a atividade pelo proprietário ou seu funcionário, sendo que a parte externa, a freqüentada pelo público, não; quarto de hotel etc. Automóvel não é domicílio. • mal estado de conservação ou distância temporal da carteira de identidade, quando impossibilitar a leitura dos dados essenciais; • quando constar outros nomes ou apelidos dos registros policiais; • quando houver registro de extravio da carteira de identidade; • quando o acusado não comprovar em 48 horas a sua identificação civil. Observações: na primeira hipótese, a regra nos parece inconstitucional por ofensa ao princípio do estado de inocência, pois a simples razão de o agente estar sendo acusado pela prática deste ou daquele crime não pode, por si só, justificar o constrangimento, exceto no caso de envolvimento em quadrilhas organizadas, capazes de forjar documentos falsos. Por fim, há outra hipótese em que o portador da cédula de identidade civil está obrigado a submeter-se à identificação criminal: trata-se da identificação criminal de pessoa envolvida com ação praticada por organização criminosa (artigo 5.º da Lei n. 9.034/95). A identificação criminal compreende a datiloscópica (impressões digitais) e a fotográfica. 1.4.6. Incidente de insanidade mental Somente o juiz pode determinar a instauração. A autoridade policial não pode. 1.5. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações Poderão ser realizadas acareações (artigos 229 e 230 do Código de Processo Penal) e reconhecimento de pessoas e coisas (artigos 226 a 228 do Código de Processo Penal). Quanto ao reconhecimento, caso haja receio de intimidação, a autoridade policial providenciará para que o reconhecido não veja quem o está reconhecendo, mas, em juízo, o reconhecimento terá de ser feito frente a frente com o acusado. A acareação é o confrontamento de depoimentos divergentes prestados. 1.6. Exame de Corpo de Delito Deverá ser determinada a realização do exame de corpo de delito sempre que a infração tiver deixado vestígios, ou de quaisquer outras perícias que se mostrarem necessárias à elucidação do ocorrido (artigos 158 a 184 do Código de Processo Penal). Observação: os peritos deverão sempre atuar em número mínimo de dois. 1.7. Reprodução Simulada dos Fatos O artigo 7.º do Código de Processo Penal dispõe sobre a reprodução simulada dos fatos (reconstituição do crime), que não pode contrariar a moralidade e a ordem pública. O indiciado não pode ser obrigado a participar da reconstituição, o que violaria seu direito ao silêncio e seu corolário, o de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si, mas pode ser obrigado a comparecer (artigo 260 do Código de Processo Penal). 1.8. Relatório Concluídas as investigações, a autoridade policial deve fazer minucioso relatório do que tiver apurado no inquérito policial, sem, contudo, expender opiniões, julgamentos ou qualquer juízo de valor, devendo, ainda, indicar as testemunhas que não foram ouvidas, bem como as diligências não realizadas. O relatório é a narração objetiva das diligências feitas pela autoridade. A autoridade somente pode fornecer a classificação jurídica do fato, sem emitir qualquer juízo de mérito, e a classificação não vincula o Ministério Público. Encerrado o inquérito, os autos serão remetidos ao juiz competente. 2. Prazo para Encerramento do Inquérito Policial Deve ser encerrado no prazo de 30 dias, contados a partir da instauração (recebimento da notitia criminis), se o indiciado estiver solto. Se o fato for de difícil elucidação, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências a serem realizadas no prazo fixado pelo juiz. Não obstante a omissão do Código, entende-se que o juiz antes de conceder novo prazo deve ouvir o titular da ação penal. Se o indiciado estiver preso, o prazo para conclusão do inquérito será de 10 dias, contados da data da efetivação da prisão, e não se admitirá qualquer prorrogação. No caso de ser decretada a prisão temporária, o tempo de prisão será acrescido ao prazo de encerramento do inquérito (Lei n. 7.960/90). A contagem do prazo atende a regra do artigo 798, § 1.º, do Código de Processo Penal. Despreza-se o dia inicial, incluindo-se o dia final. O decurso não acarretará a perda do direito de punir, apenas o relaxamento da prisão. 2.1. Prazos Especiais 2.1.1. Justiça Federal Se o inquérito estiver tramitando perante a Justiça Federal, o prazo será de 15 dias, prorrogável por mais 15, se o indiciado estiver preso. Se o indiciado estiver solto, o prazo será de 30 dias, com a possibilidade de prorrogação por mais 30 dias (artigo 66 da Lei n. 5.010/66). No caso de tráfico internacional, aplica-se o prazo da Lei de Tóxicos (vide item seguinte), adotando-se o princípio da especialidade. 2.1.2. Tóxicos • Lei n. 6.368/76: se o indiciado estiver preso o prazo para remessa ao Poder Judiciário é de 5 dias (no caso de tráfico é de 10 dias for força do artigo 35, parágrafo único). Na hipótese de liberdade, o prazo é de 30 dias (artigo 21, § 1.°). • Lei n. 10.409/02: se o indiciado estiver preso o prazo para remessa ao Poder Judiciário é de 15 dias. Na hipótese de liberdade, o prazo é de 30 dias, podendo ser prorrogado se autorizado pelo juiz (parágrafo único do artigo 29). Remetemos o aluno ao estudo do módulo IV de Legislação Penal Especial, no que diz respeito à aplicabilidade da lei nova. 2.1.3. Crimes contra a economia popular No caso de crimes contra a economia popular, o prazo é de 10 dias, estando o indiciado preso ou solto (Lei n. 1.521/51, artigo 10, § 1.º). 3. Arquivamento Só pode ser determinado pelo juiz se houver requerimento do Ministério Público. Se o Juiz discordar do pedido de arquivamento, aplicará o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, ou seja, remeterá os autos ao Procurador-Geral, que poderá: • oferecer a denúncia; • designar outro órgão do Ministério Público para oferecer a denúncia: o promotor ou procurador designado está obrigado a oferecer a denúncia, sem que haja ofensa ao princípio da independência funcional, pois age em nome da autoridade que o designou (por delegação) e não em nome próprio; • insistir no arquivamento: neste caso, o Poder Judiciário não poderá discordar do arquivamento. O juiz, ao remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, exerce função anormal, qual seja, a de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal. O delegado não pode arquivar o inquérito policial (artigo 17 do Código de Processo Penal). Arquivado o inquérito policial, não poderá ser promovida a ação privada subsidiária, pois esta só é possível no caso de inércia do Ministério Público. • autorização do legislativo para a instauração de processo contra Presidente da República e Governadores, por crimes comuns; • trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento, no crime de induzimento a erro essencial ou ocultamento do impedimento. 1.5. Classificação da Ação Penal A par da tradicional classificação das ações em geral, levando-se em conta a natureza do provimento jurisdicional invocado (de conhecimento, cautelar e de execução), no processo penal é corrente a divisão subjetiva das ações, isto é, em função da qualidade do sujeito que detém a sua titularidade. Segundo o critério subjetivo a ação penal pode ser: • ação penal pública: exclusiva do Ministério Público (artigo 100 do Código Penal). Pode ser: • incondicionada: nos crimes que ofendem a estrutura social, o interesse geral, e por isso independe da vontade de quem quer que seja; • condicionada: depende de representação do ofendido ou de requisição do ministro da Justiça. • ação penal privada: nos crimes que afetam a esfera íntima do ofendido A ação penal privada pode ser exclusivamente privada, personalíssima ou subsidiária da pública. 1.6. Ação Penal Pública Incondicionada O Ministério Público independe de qualquer condição para agir. Quando o artigo de lei nada mencionar, trata-se de ação penal pública incondicionada. É regra no Direito Penal brasileiro. A ação penal pública tem como titular exclusivo (legitimidade ativa) o Ministério Público (artigo 129, inciso I, da Constituição Federal). Para identificação da matéria incluída no rol de legitimidade exclusiva do Ministério Público, deve-se observar a lei penal. Se o artigo ou as disposições finais do capítulo nada mencionar ou mencionar as expressões “somente se procede mediante representação” ou “somente se procede mediante requisição do ministro da Justiça”, apenas o Órgão Ministerial poderá propor a denúncia (peça inicial de toda a ação penal pública). Somente o Ministério Público pode oferecer a denúncia (artigo 129, inciso I, da Constituição Federal). Esse princípio extinguiu o chamado procedimento judicialiforme ou ação penal ex officio, também chamado de “jurisdição sem ação” (verificava-se nas contravenções penais - artigo 26 do Código de Processo Penal; nas lesões corporais culposas e no homicídio culposo). Nesses casos, o juiz ou a autoridade policial, por meio de portaria ou pelo auto de prisão em flagrante, iniciava a ação penal (não havia denúncia por parte do Ministério Público). Vale lembrar que apesar de a matéria constar no rol de legitimidade exclusiva do Ministério Público, se o parquet não oferecer a denúncia no prazo legal, pode o ofendido ou seu representante legal ingressar com ação penal privada subsidiária da pública (artigo 5.º, inciso LIX, da Constituição Federal). Os princípios que regem a ação penal pública incondicionada são os seguintes: 1.6.1. Princípio da oficialidade Os órgãos encarregados da persecução penal são públicos. O Estado é titular exclusivo do direito de punir e o faz por meio do devido processo legal. O Ministério Público é titular exclusivo da ação penal pública. No caso de inércia do Ministério Público, este princípio sofre relativização, pois a vítima pode ingressar com ação penal privada subsidiária. 1.6.2. Princípio da obrigatoriedade ou legalidade O Ministério Público tem o dever, e não a faculdade, de ingressar com a ação penal pública, quando concluir que houve um fato típico e ilícito e tiver indícios de sua autoria. O Ministério Público não tem liberdade para apreciar a oportunidade e a conveniência de propor a ação, como ocorre na ação penal privada. Como o Órgão Ministerial tem o dever de ingressar com a ação penal pública, o pedido de arquivamento deve ser motivado (artigo 28 do Código de Processo Penal). Devendo denunciar e deixando de fazê-lo, o promotor poderá estar cometendo crime de prevaricação. Esse princípio foi mitigado com a entrada em vigor da Lei n. 9.099/95 (artigos 74 e 76). No caso de infração de pequeno potencial ofensivo, antes de oferecer a denúncia, o Ministério Público pode oferecer a transação, um acordo com o autor do fato. Há, ainda, outra exceção ao princípio da obrigatoriedade. A Lei n. 10.409/02 (nova Lei de Tóxicos) introduziu o instituto da revelação eficaz, permitindo ao Ministério Público deixar de propor a ação penal ou requerer a diminuição da pena, ao agente que revelar a existência de organização criminosa, ensejando a prisão de um ou mais de seus membros; viabilizar a apreensão da droga ou que, de qualquer maneira, contribuir para os interesses da Justiça (§ 2.º do artigo 32). Para esses dois casos vigora o princípio da discricionariedade regrada. 1.6.3. Princípio da indisponibilidade Depois de proposta a ação, o Ministério Público não pode desistir (artigo 42 do Código de Processo Penal). O artigo 564, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal prevê que o Ministério Público deve manifestar-se sobre todos os termos da ação penal pública. Esse princípio também foi mitigado pela Lei n. 9.099/95 (referente a crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais - artigo 61); o Ministério Público pode propor ao acusado a suspensão condicional do processo, conforme artigo 89. 1.6.4. Princípio da intranscendência A ação penal não pode passar da pessoa do autor e do partícipe. Somente estes podem ser processados (não pode ser contra os pais ou representante legal do autor ou partícipe). 1.6.5. Princípio da indivisibilidade O Ministério Público não pode escolher, dentre os indiciados, qual vai processar. Decorre do princípio da obrigatoriedade. Esse princípio também é aplicável à ação penal privada (artigo 48 do Código de Processo Penal). Alguns doutrinadores, no entanto, entendem que à ação penal pública aplica-se o princípio da divisibilidade, pois o Ministério Público pode optar por processar apenas um dos ofensores, optando por coletar maiores evidências para processar posteriormente os demais. Esse também é o entendimento da jurisprudência. 1.6.6. Princípio da oficiosidade Os encarregados da persecução penal devem agir de ofício, independentemente de provocação, salvo nas hipóteses em que a ação penal pública for condicionada à representação ou à requisição do ministro da justiça. 1.7. Ação Penal Pública Condicionada Apesar de o Ministério Público ser o titular exclusivo da ação (somente ele pode oferecer a denúncia), depende de certas condições de procedibilidade para ingressar em juízo. Sem estas condições, o Ministério Público não pode oferecer a denúncia. A condição exigida por lei pode ser a representação do ofendido ou a requisição do ministro da Justiça. 1.7.1. Representação do ofendido Representação é a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal, autorizando o Ministério Público a ingressar com a ação penal respectiva. Sem essa autorização, nem sequer poderá ser instaurado inquérito policial. Se o artigo ou as disposições finais do capítulo mencionar a expressão “somente se procede mediante representação”, deve o ofendido ou seu representante legal representar ao Ministério Público para que este possa ingressar em juízo. A representação não exige formalidades, deve apenas expressar, de maneira inequívoca, a vontade da vítima de ver seu ofensor processado. Pode ser dirigida ao Ministério Público, ao juiz de Direito ou à autoridade policial (artigo 39 do Código de Processo Penal). Pode ser escrita (regra) ou oral, sendo que, neste caso, deve ser reduzida a termo. A representação tem natureza jurídica de condição objetiva de procedibilidade. É condição específica da ação penal pública. ele transfere ao particular a iniciativa da ação, mas não o direito de punir. O ofendido, portanto, em nome próprio, defende interesse alheio (legitimação extraordinária). Na ação penal pública, ocorre legitimação ordinária porque é o Estado soberano, por meio do Ministério Público, que movimenta a ação. 1.3. Titular Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou seus interesses colidirem com os deste último, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado para o ato (artigo 33 do Código de Processo Penal). Se maior de 18 e menor de 21 anos, o direito de queixa é titularizado por cada um deles, independentemente, conforme a Súmula 594 do Supremo Tribunal Federal. Se maior de 21 anos, a queixa será exercida apenas pelo ofendido, excluindo-se a figura do representante legal, salvo, é claro, se mentalmente incapaz. No caso de morte do ofendido, ou de declaração de ausência, o direito de queixa, ou de dar prosseguimento à acusação, passa a seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (artigo 31). Exercida a queixa pela primeira delas, as demais se acham impedidas de fazê-lo, só podendo assumir a ação no caso de abandono pelo querelante, desde que o façam no prazo de sessenta dias, observada a preferência do artigo 36 do Código de Processo Penal, sob pena de perempção (artigo 60, inciso II). A doutrina considera esse rol taxativo e preferencial. No caso de ação penal privada personalíssima, o direito de ação é intransferível. 1.4. Espécies de Ação Penal Privada • Ação penal exclusivamente privada: é aquela proposta pelo ofendido ou seu representante legal, que permite, no caso de morte do ofendido, a transferência do direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação ao cônjuge, ao ascendente, ao descendente ou ao irmão (artigo 31 do Código de Processo Penal). • Ação penal privada personalíssima: é aquela que só pode ser promovida única e exclusivamente pelo ofendido. Exemplo: adultério (artigo 240 do Código Penal), induzimento a erro essencial (artigo 236, parágrafo único, do Código Penal). Assim, falecendo o ofendido, nada há que se fazer a não ser aguardar a extinção da punibilidade do agente. • Ação penal privada subsidiária da pública: aquela proposta pelo ofendido ou por seu representante legal na hipótese de inércia do Ministério Público em oferecer a denúncia. Conforme entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, a ação subsidiária não tem lugar na hipótese de arquivamento de inquérito policial. 1.5. Prazo Em regra, o prazo para o oferecimento da queixa é de seis meses a contar do conhecimento da autoria. Tratando-se de ação penal privada subsidiária, o prazo será de seis meses a contar do encerramento do prazo para o Ministério Público oferecer a denúncia. É um prazo decadencial, pois seu decurso leva à extinção do direito de queixa. A decadência não extingue o direito de punir (o que leva tal direito à extinção é a prescrição). A decadência extingue o direito de ação (queixa) e o direito de representação (nas ações públicas condicionadas). Trata-se de prazo de direito material contado de acordo com o artigo 10 do Código Penal, computando-se o dia do começo e excluindo-se o do final; não se prorroga se terminar no domingo ou feriado. Interrompe-se com o oferecimento da queixa, e não com o seu recebimento. O recebimento interrompe a prescrição. A decadência do direito de queixa subsidiária não extingue a punibilidade, só extingue o direito de ação, portanto, o Ministério Público pode oferecer a denúncia a qualquer tempo, mesmo após os seis meses. 1.6. Princípios da Ação Penal Privada 1.6.1. Princípio da conveniência ou oportunidade O ofendido tem a faculdade, não o dever de propor a ação penal. 1.6.2. Princípio da disponibilidade O ofendido pode desistir ou abandonar a ação penal privada até o trânsito em julgado da sentença condenatória, por meio do perdão ou da perempção (artigos 51 e 60 do Código de Processo Penal, respectivamente). A desistência com a aceitação do ofendido equivale ao perdão. 1.6.3. Princípio da indivisibilidade O ofendido é obrigado a incluir na queixa todos os ofensores. Não é obrigado a apresentar a queixa, mas, se o fizer, é obrigado a interpor contra todos (artigo 48 do Código de Processo Penal). A exclusão voluntária na queixa-crime de algum ofensor acarreta a rejeição da peça inicial em face da ocorrência da renúncia tácita no tocante ao não incluído – esta causa extintiva da punibilidade comunica-se aos demais querelados (artigo 49 do Código de Processo Penal). O Ministério Público não pode aditar a queixa para nela incluir os outros ofensores, porque estaria invadindo a legitimação do ofendido. Para Tourinho Filho, entretanto, o aditamento é possível com base no artigo 46, § 2.º, do Código de Processo Penal. Mirabete entende que no caso de não-inclusão involuntária de ofensor na queixa-crime (por desconhecimento da identidade do co-autor, por exemplo), o Ministério Público deve fazer o aditamento, nos termos do artigo 45 do Código de Processo Penal. 1.6.4. Princípio da intranscendência Trata-se de princípio constitucional que impõe que a ação penal só pode ser ajuizada contra o autor do fato e nunca contra os seus sucessores. 2. DENÚNCIA E QUEIXA 2.1. Requisitos da Denúncia (artigo 41 do Código de Processo Penal) • Endereçamento: o endereçamento equivocado caracteriza mera irregularidade, sanável com a remessa dos autos ao juiz competente. • Descrição completa dos fatos em todas as circunstâncias: no processo penal, o réu defende-se dos fatos a ele imputados, sendo irrelevante a classificação jurídica destes. O que limita a sentença são os fatos; sua narração incompleta acarreta a nulidade da denúncia, se a deficiência inviabilizar o exercício do direito de defesa. A omissão de alguma circunstância acidental não invalida a queixa ou a denúncia, podendo ser suprida até a sentença (artigo 569 do Código de Processo Penal). Na hipótese de concurso de agentes (co-autoria e participação), sempre que possível, é necessária a descrição da conduta de cada um. A jurisprudência já abriu exceções para não inviabilizar a persecução penal, como nos seguintes casos: • crimes de autoria coletiva (praticados por multidão); • delitos societários (diretores se escondem atrás da pessoa jurídica). • Classificação jurídica dos fatos: a correta classificação do fato imputado não é requisito essencial da denúncia, pois não vincula o juiz que pode dar aos fatos definição jurídica diversa. O réu se defende dos fatos e não da acusação jurídica (juria novit curia – o juiz conhece o direito). O juiz não pode, ao receber a denúncia, dar uma classificação jurídica diversa da contida na exordial porque a fase correta para isso é a sentença (artigo 383 do Código de Processo Penal); o recebimento é uma decisão de mera prelibação, sem o exame aprofundado da prova; não há ainda prova produzida pelo crivo do contraditório. • Qualificação do denunciado: individualização do acusado. Não havendo dados para a qualificação do acusado, a denúncia deverá fornecer seus dados físicos (traços característicos), desde que possível. • Rol de testemunhas: a denúncia é o momento oportuno para o arrolamento das testemunhas, sob pena de preclusão. Perdida a oportunidade, o rol poderá ser apresentado aguardando-se que o juiz proceda à oitiva considerando as testemunhas como suas. • Pedido de condenação: não se exige fórmula sacramental (“peço a condenação”), basta que fique implícito o pedido. A falta acarreta mera irregularidade. • Nome, cargo e posição funcional do denunciante: só haverá nulidade quando essa falta inviabilizar por completo a identificação da autoria da denúncia. • Assinatura: a falta não invalida a peça se não houver dúvidas quanto a sua autenticidade. Denúncia alternativa é a descrição alternativa de fatos, de maneira que, não comprovado o primeiro fato, pede-se a condenação do segundo subsidiariamente (princípio da eventualidade). A denúncia alternativa é inepta, pois inviabiliza o direito de defesa. Segundo a É preciso um mínimo de lastro da existência do crime ou sua autoria (artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal). 2.8. Renúncia É a abdicação do direito de oferecer queixa ou representação. Só é possível renunciar a uma ação penal privada ou a uma ação penal pública condicionada, tendo em vista que o Ministério Público jamais pode renunciar a qualquer ação pública. A renúncia é unilateral, ou seja, não depende da aceitação do agente, sendo causa extintiva da punibilidade. A renúncia, no entanto, é extraprocessual, só poderá existir antes da propositura da ação. Existem duas formas de renúncia: • expressa: quando houver uma declaração assinada pela vítima; • tácita: quando a vítima praticar ato incompatível com a vontade de processar (exemplo: o casamento da vítima com o agressor). A renúncia concedida a um réu estende-se a todos, ou seja, quando houver vários réus, a renúncia com relação a um deles implica, obrigatoriamente, renuncia a todos. No caso de dupla titularidade para propositura da ação, a renúncia de um titular não impede a propositura da ação pelo outro. Não se deve confundir renúncia com desistência, tendo em vista que aquela ocorre antes da propositura da ação e esta depois da propositura da ação. A única situação de desistência da ação está prevista no artigo 522 do Código de Processo Penal. Pergunta: A aceitação por parte da vítima da indenização civil gera renúncia? Resposta: Não, por expressa previsão do artigo 104, parágrafo único, do Código Penal. No caso de infração penal de menor potencial ofensivo, contudo, a homologação judicial do acordo civil, realizada na audiência preliminar, implica renúncia ao direito de queixa ou representação (artigo 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95). 2.9. Perdão do Ofendido É possível somente na ação penal privada, tendo em vista que o Ministério Público não pode perdoar o ofendido. O perdão aceito obsta o prosseguimento da ação, causando a extinção da punibilidade. Verifica-se o perdão após o início da ação, pois, tecnicamente, o perdão antes da ação configura renúncia. Admite-se o perdão até o trânsito em julgado final. Existem duas formas de perdão: • expresso: quando houver uma declaração assinada pelo querelante; • tácito: quando o querelante praticar ato incompatível com a vontade de processar. O perdão é bilateral, depende sempre da aceitação do querelado. Caso não haja aceitação, o processo prosseguirá. A lei assegura ao querelado o direito de provar sua inocência. A aceitação do querelado poderá ser: • expressa: quando houver uma declaração assinada; • tácita: se não se manifestar em três dias. O perdão concedido a um co-réu estende-se a todos, entretanto, se algum dos co-réus não o aceitar, o processo seguirá somente para ele. A doutrina entende que é possível o perdão parcial, como, por exemplo, perdoar por um crime e não perdoar por outro (a lei é omissa a esse respeito). Se a vítima for maior de 18 e menor de 21 anos (caso em que há dupla titularidade), o perdão concedido por um titular, havendo oposição do outro, não produzirá efeitos e o processo prosseguirá. Assim, prevalece a vontade de quem não quer perdoar (artigo 52). No caso de o querelado ser menor de 21 anos, a aceitação só produz efeitos se houver concordância do seu representante legal (artigo 54 do Código de Processo Penal). Assim, prevalece a vontade de quem não quer aceitar. 2.10. Perempção Significa a “morte” da ação penal privada em razão da negligência do querelante. São hipóteses de perempção (artigo 60 do Código de Processo Penal): • quando o querelante deixa de promover o andamento do processo por 30 dias seguidos, a perempção é automática; • quando morre o querelante ou torna-se incapaz e nenhum sucessor aparece para dar prosseguimento à ação, em 60 dias; • quando o querelante deixa de comparecer a ato em que deveria pessoalmente estar presente; • quando o querelante deixa de pedir a condenação do querelado nas alegações finais; • quando o querelante é pessoa jurídica que se extingue sem deixar sucessor; • quando morre o querelante na ação penal privada personalíssima. Ação Civil “Ex Delicto” 1. AÇÃO CIVIL “EX DELICTO” Um dos efeitos da sentença penal condenatória é tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime (artigo 91, inciso I, do Código Penal). Assim, a condenação penal imutável faz coisa julgada no cível, para efeito de reparação do dano ex delicto, impedindo que o autor do fato renove, nessa instância, a discussão do que foi decidido no crime. Trata-se de efeito genérico que não precisa ser declarado na sentença penal. O Código de Processo Penal, seguindo o Estatuto Penal, em seu artigo 63, assegura ao ofendido, ao representante legal ou aos herdeiros daquele, o direito de executar no cível a sentença penal condenatória transitada em julgado. A sentença penal condenatória transitada em julgado funciona como título executivo judicial no juízo cível, possibilitando ao ofendido obter a reparação do prejuízo sem a necessidade de propor ação civil de conhecimento. Com o trânsito em julgado, basta promover a liquidação do dano, para, em seguida, ingressar com a ação de execução civil. Como a responsabilidade civil é independente da penal, é possível o desenvolvimento paralelo e independente de uma ação penal e uma ação civil sobre o mesmo fato. Assim, se o ofendido ou seus herdeiros desejarem, não necessitarão aguardar o término da ação penal, podendo ingressar, desde logo, com a ação civil reparatória. Trata-se da ação civil ex delicto, que pode ser proposta pelo ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, em razão da ocorrência de um delito. Está disposta nos artigos 63 a 67 do Código de Processo Penal. É proposta no juízo cível contra o autor do crime ou seu responsável civil. Observação: a coisa julgada produzida no cível pela condenação penal não abrange o responsável civil, sob pena de violação a princípios constitucionais, tais como o princípio do contraditório e da ampla defesa. Com o trânsito em julgado da ação penal condenatória, torna-se prejudicado o julgamento da ação civil. Dispõe o parágrafo único do artigo 64 do Código de Processo Penal, in verbis: “Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”. Se a ação penal, portanto, ainda estiver em curso, a vítima poderá entrar com a ação civil no juízo cível para requerer a indenização. Como poderá ocorrer, no entanto, o conflito de decisões, o juiz da ação civil poderá suspender o curso dessa ação até julgamento final da ação penal. Nem sempre a absolvição do réu no juízo criminal impedirá a actio civilis ex delicto. Em regra, esta só não poderá ser proposta quando tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato. Assim, não impedirão a propositura da ação civil: • o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; • a decisão que julgar extinta a punibilidade; • a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime; • a sentença absolutória por insuficiência de provas; Competência é a delimitação do poder jurisdicional (fixa os limites dentro dos quais o juiz pode prestar a jurisdição). Aponta quais os casos que podem ser julgados pelo órgão do Poder Judiciário. É, portanto, uma verdadeira medida da extensão do poder de julgar. 2.2. Critérios de Fixação O artigo 69 do Código de Processo Penal estabelece os critérios de competência. São eles: I – o lugar da infração; II – o domicílio ou residência do réu; Observação: Os dois primeiros incisos determinam a competência territorial ou foro competente. III – a natureza da infração; IV – a distribuição; V – a conexão ou continência; VI – a prevenção; VII – a prerrogativa de função. Observação: a conexão e a continência não são critérios de fixação de competência, são critérios de modificação de competência. 3. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LOCAL DA INFRAÇÃO 3.1. Foro Foro é o território dentro do qual determinado órgão judicial exerce sua parcela de jurisdição. Foro da Justiça Estadual: • 1.ª instância – comarca • 2.ª instância – Estado Foro da Justiça Federal: • 1.ª instância – seção judiciária • 2.ª instância – Região 3.2. Teorias Adotadas “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução” (artigo 70 do Código de Processo Penal). Atenção! Não confundir: • No caso de um crime ser praticado em território nacional e o resultado ser produzido no estrangeiro (crimes a distância ou de espaço máximo), aplica-se a teoria da ubiqüidade, prevista no artigo 6.º do Código Penal: o foro competente será tanto o do lugar em que ocorreu a ação ou omissão, quanto o do local onde se produziu ou deveria se produzir o resultado. • No caso da conduta e do resultado ocorrerem dentro do território nacional, mas em locais diferentes (delito plurilocal) aplica-se a teoria do resultado prevista no artigo 70 do Código de Processo Penal: a competência será determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. • No caso dos crimes de menor potencial ofensivo, sujeitos ao procedimento da Lei n. 9.099/95, adotou-se a teoria da atividade. Esta é a redação do artigo 63 da lei: “A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal”. Assim, entendemos que a infração é praticada no local da ação ou omissão. Esse é o entendimento da Profª. Ada Pellegrini Grinover. Há na doutrina, entretanto, pensamento diverso: para o Prof. Mirabete, o foro competente será o local da ação ou do resultado (teoria da ubiqüidade); para o Prof. Tourinho, o foro competente será o local do resultado (teoria do resultado). 3.3. Regras Especiais a) Fraude no pagamento por meio de cheque (artigo 171, § 2.º, inciso VI, do Código Penal) Trata-se do crime de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos. O crime se consuma quando o banco sacado recusa o pagamento. O foro competente será o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado. Esse é o entendimento consubstanciado nas Súmulas n. 521 do Supremo Tribunal Federal e n. 244 do Superior Tribunal de Justiça. b) Estelionato cometido mediante falsificação de cheque O foro competente é o local da obtenção da vantagem ilícita, conforme entendimento da Súmula n. 48 do Superior Tribunal de Justiça. Exemplo: Adonilza encontra uma folha de cheque na rua, vai até uma loja e faz uma compra, fazendo-se passar por titular do cheque. O lojista enganado entrega a mercadoria. O foro competente é o local da loja. c) Homicídio No homicídio, quando a morte é produzida em local diverso daquele em que foi realizada a conduta, a jurisprudência entende que o foro competente é o da ação ou omissão, e não o do resultado (Superior Tribunal de Justiça, 5.ª T., RHC 793, DJU, 5 nov. 1990, p. 12435). Esta posição é majoritária na jurisprudência, e tem por fundamento a maior facilidade que as partes têm de produzir provas no local em que ocorreu a conduta. Contudo, ela é contrária à letra expressa da lei, que dispõe competente o foro do local do resultado. d) Crime de falso testemunho praticado mediante precatória A jurisprudência entende que o foro competente será o juízo deprecado. Assim, o local onde ocorreu a oitiva da testemunha será o competente. e) Crime permanente Crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Exemplo: um empresário seqüestrado em São Paulo é levado para cativeiro em Campinas; depois o cativeiro é mudado para Americana. A consumação desse crime ocorreu em todos esse lugares. A competência, nesse caso, fixa-se pela prevenção (artigo 71 do Código de Processo Penal). f) Crime que se consuma na divisa entre duas comarcas A competência será firmada pela prevenção (artigo 70, § 3.º, do Código de Processo Penal). g) Crime a distância (ou de espaço máximo) É aquele cujo iter criminis envolve o território de dois ou mais países. • Se a execução se inicia no Brasil, será competente o local do último ato executório no território nacional. • Se a execução se inicia no exterior, será competente o local em que ocorreu ou deveria ocorrer a consumação em território nacional. Exemplo: terrorista envia carta-bomba da Argentina para explodir em São Paulo, sendo que a explosão não vem a acontecer. O foro competente para propor a ação será São Paulo. h) Crime praticado no exterior Crime cometido por brasileiro no exterior. A execução e a consumação do crime ocorreram no exterior, entretanto, será julgado pelas leis brasileiras em razão da extraterritorialidade da lei penal. O foro competente para julgar o acusado será o da capital do Estado do seu último domicílio. Se o réu nunca teve domicílio no Brasil, será competente o juízo do Distrito Federal (artigo 88 do Código de Processo Penal). i) Crime praticado a bordo de embarcação O foro competente será o local do porto nacional onde ocorreu o primeiro atracamento após o crime ou o porto de onde a embarcação saiu do Brasil para o exterior. Para os crimes cometidos a bordo de aeronave, utiliza-se a mesma regra: o foro competente será o local do aeroporto onde ocorreu o primeiro pouso após o crime ou o aeroporto de onde decolou a aeronave antes do crime. • Propriamente militar ou próprio: são aqueles definidos no Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001/69), sem equivalente na justiça penal comum. Exemplo: motim, dormir em serviço, deserção, insubordinação. • Impropriamente militar ou impróprio: são aqueles crimes definidos na legislação militar com equivalente na lei penal comum. Exemplo: lesões corporais. Os crimes militares próprios são julgados pela justiça militar. Com relação aos crimes militares impróprios, o Código Penal Militar estabelece em seu artigo 9.º, inciso II, as situações em que o crime é praticado em situação de serviço. Nesse caso, ou seja, se o crime for praticado pelo militar em serviço, será crime militar. Se o militar não estiver em serviço, será julgado pela justiça comum. Se o militar em serviço pratica crime não definido no Código Penal Militar, será julgado pela Justiça Comum. Exemplo: crime de abuso de autoridade – Lei n. 4.898/65. A Lei n. 9.299/96 alterou algumas regras do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar. Alguns crimes que eram da Justiça Militar passaram para a competência da Justiça Comum: • crimes praticados por militar fora do serviço com arma da corporação; • crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, mesmo em situação de serviço, também passaram a ser da competência da Justiça Comum, julgados pelo Tribunal do Júri. Atenção para as seguintes súmulas do Superior Tribunal de Justiça: Súmula n. 6 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidentes de trânsito envolvendo viatura militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade”. Súmula n. 75 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar acusado de facilitação de fuga de preso em estabelecimento penitenciário”. Súmula n. 78 do Superior Tribunal de Justiça: “O policial militar será julgado pela Justiça Militar Estadual de seu Estado, ainda que o crime seja praticado em outro Estado”. Súmula n. 172 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”. 4.3. Justiça Comum Federal O artigo 109 da Constituição Federal estabelece os crimes de competência da Justiça Federal: a) Crimes políticos A lei não define o que é crime político. Os doutrinadores estabelecem dois critérios: • subjetivo: leva em conta a finalidade, que deve ser política; • objetivo: leva em conta o bem jurídico violado (crimes que violem o Regime Democrático ou praticado contra as Instituições Políticas); crimes enquadrados na Lei de Segurança Nacional. b) Crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas autarquias ou empresas públicas Crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função, são julgados pela Justiça Federal, conforme a Súmula n. 147 do Superior Tribunal de Justiça. Também são de competência da Justiça Federal os crimes praticados por servidor público federal no exercício de suas funções. Conforme a Súmula n. 38 do Superior Tribunal de Justiça, as contravenções praticadas em detrimento de bens ou interesses da União serão julgadas pela Justiça Comum Estadual. São de competência da Justiça Comum Estadual os crimes praticados contra sociedade de economia mista (Súmula n. 42 do Superior Tribunal de Justiça). São de competência da Justiça Comum Estadual os crimes praticados por indígena ou contra ele (Súmula n. 140 do Superior Tribunal de Justiça). c) Crimes a Distância previstos em tratado ou convenção internacional A exemplo dos crimes de tráfico internacional de entorpecentes, tráfico internacional de crianças e tráfico internacional de mulheres. d) Crimes praticados a bordo de navio ou aeronave, ressalvada a competência da Justiça Militar As embarcações de pequeno porte são de competência da Justiça Comum Estadual. e) Crimes contra a organização do trabalho Trata-se de crimes contra a organização coletiva do trabalho. f) Crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro Fatos definidos no Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80). 4.4. Justiça Comum Estadual Tem competência residual. Sua competência é encontrada por exclusão. Assim, se o crime não for militar, eleitoral e não estiver inserido na competência da Justiça Comum Federal, será julgado pela Justiça Comum Estadual. Jurisdição e Competência 1. COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO O foro por prerrogativa de função não é privilégio pessoal, mas sim garantia inerente a cargo ou função. A razão do legislador, ao atribuir o julgamento a um órgão colegiado, é evitar que um juiz monocrático pudesse ceder a eventuais pressões, comprometendo sua imparcialidade. Assim, trata-se de uma garantia à sociedade, pois o que se busca é a imparcialidade do julgador. A Lei n. 8.038/90 dispõe sobre o procedimento para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Antes de receber a denúncia ou a queixa, o Tribunal deve notificar a autoridade para apresentar, em 15 dias, a defesa preliminar. É oportunidade de defesa para a autoridade. O Tribunal pode, além de receber ou rejeitar a inicial, julgar improcedente a acusação. Não é possível interposição de recurso visando ao reexame de prova. Fases do procedimento no Tribunal: 1) oferecimento da denúncia ou queixa; 2) defesa preliminar; 3) recebimento da denúncia ou queixa, com fundamentação; 4) citação; 5) interrogatório; 6) depoimento; 7) audiência de instrução; 8) diligências; 9) alegações finais; 10) sentença. Se a infração for cometida: Por quem tem prerrogativa de função (exemplo: prefeito) e uma pessoa sem prerrogativa, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça, pela continência. Por duas pessoas que têm prerrogativa de função, por exemplo, prefeito (Tribunal de Justiça) e senador (Supremo Tribunal Federal). São competências fixadas pela Constituição Federal/88, não podendo ser reunidas para o julgamento em conjunto, pois a continência prevista no Código de Processo Penal é infraconstitucional; ocorrerá, portanto, a disjunção. A competência para oferecer a denúncia é do Procurador-Geral da República (PGR), quando for competente o Supremo Tribunal Federal, e do Procurador-Geral da Justiça (PGJ), quando for competente o Tribunal de Justiça. Se um deputado estadual comete crime doloso contra a vida, a quem competirá o julgamento? Membros do Ministério Público estadual; Prefeitos municipais. Atenção: Prefeito Municipal: Tribunal de Justiça – crime comum e doloso contra a vida; Tribunal Regional Eleitoral – crime eleitoral; Tribunal Regional Federal – crimes de competência da Justiça Federal. Juiz de Direito e Membro do Ministério Público estadual: Tribunal de Justiça – crime comum; Tribunal Regional Eleitoral – crime eleitoral. Juiz federal: Tribunal Regional Federal – crime comum; Tribunal Regional Eleitoral – crime eleitoral. A Constituição Estadual de São Paulo estabelece foro especial no Tribunal de Justiça para julgar os crimes comuns cometidos por: Vice-Governador; Deputado estadual; Secretário de Estado; Procurador-Geral de Justiça; Procurador-Geral do Estado; Defensor Público Geral; Prefeitos municipais; Juízes dos Tribunais de Alçada e da Justiça Militar; Juízes de Direito e os auditores da Justiça Militar; Membros do Ministério Público; Comandante-Geral da Polícia Militar; Delegado-Geral de Polícia. Todas essas autoridades, se cometerem crime federal, serão processadas no Tribunal Regional Federal. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Tribunal de Justiça Militar tem competência para julgar crimes militares – Constituição Estadual de São Paulo: Comandante-Geral da Polícia Militar; Chefe da Casa Militar. O Ministério Público do Distrito Federal atua perante a Justiça Distrital. Se um de seus membros comete um crime, será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região; isso porque é ramo do Ministério Público da União, apesar de atuar na Justiça Distrital. 1.2. Exceção da Verdade Nos termos do artigo 85 do Código de Processo Penal, nos processos por crime contra a honra, em que o querelante tiver foro especial no Supremo Tribunal Federal ou no Tribunal de Apelação, a esses caberá o julgamento da exceção da verdade. Não cabe a oposição de exceção da verdade: Na calúnia: se o fato imputado a alguém for crime de ação penal privada, e ele não for condenado; se o fato é imputado ao Presidente da República ou a Chefe de Governo estrangeiro; se, do crime imputado, embora de ação penal pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. A exceção da verdade é questão prejudicial homogênea, pois é anterior ao mérito e pode ser objeto de processo autônomo. Deve ser oposta quando da defesa prévia; mas para alguns esse prazo não é fatal, pois é questão de mérito, e o prazo fatal caracterizaria o cerceamento de defesa. Há posicionamentos contrários. Oposta a exceção, o querelante tem dois dias para contestá-la. Poderá arrolar no máximo oito testemunhas. Se na queixa já tiver arrolado quatro testemunhas, poderá arrolar mais quatro na contestação da exceção, até completar o número legal. Isso porque, embora o crime seja punido com detenção, o rito é ordinário. Conforme o artigo 85, do Código de Processo Penal, a exceção será julgada pelo Tribunal competente. Se o Tribunal julga procedente a exceção, o mérito será julgado improcedente. Se julga improcedente a exceção, o mérito será julgado procedente ou improcedente. Observação: o Tribunal só faz o julgamento da exceção, as testemunhas são ouvidas em 1.ª instância. Depois de julgar a exceção, o Tribunal devolve o processo para ser julgado, em 1.ª instância, o mérito. 2. FIXAÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE 2.1.. Prevenção Concorrendo dois juízes ou mais, igualmente competentes, fixa-se a competência pela prevenção. Ocorre a prevenção quando um dos juízes anteceder aos outros na prática de algum ato do processo ou medida referente a esse, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa. Geram prevenção: • Concessão de fiança; • Decretação de Prisão Preventiva; • Decretação de Busca e Apreensão; • Pedido de explicação em juízo nos crimes contra a honra. 1..Distribuição Se for constatado que não houve prevenção, a fixação do juízo competente se dará por distribuição, que é o sorteio para a fixação do juiz para a causa. 2.3. Conexão e Continência A conexão e a continência (artigo 69, inciso V, do Código de Processo Penal) são critérios de modificação, de prorrogação da competência e não de fixação. a) Conexão O artigo 76 do Código de Processo Penal estabelece quando a competência será determinada pela conexão. A conexão existe quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que aconselha a junção dos processos. Nesse caso, as ações serão reunidas e julgadas em conjunto, simultaneus processus, a fim de se evitar o inconveniente de decisões conflitantes na área penal, bem como possibilitar ao juiz uma visão mais ampla do quadro probatório. A conexão pode ser: Intersubjetiva 2.4. Perpetuação da Competência (Perpetuatio Jurisdicionis) A vis atractiva, efeito principal da conexão e continência, desloca para a competência de um mesmo julgador os crimes conexos aos de sua competência. Se o juiz ou o Tribunal absolver ou desclassificar o crime de sua competência, continuará competente para o julgamento das demais infrações (artigo 81 do Código de Processo Penal). Exemplo: concurso de agentes – juiz e escrivão cometem crime de furto. Os dois serão julgados pelo Tribunal de Justiça – vis atractiva. Se o juiz for absolvido, o escrivão continua a ser julgado pelo Tribunal de Justiça. Exceção: no Júri, se o juiz monocrático desclassificar, impronunciar ou absolver sumariamente o acusado, de maneira que exclua a competência do Júri, remeterá o processo ao juiz competente (artigo 81, parágrafo único, do Código de Processo Penal). O juiz aguarda o trânsito em julgado e remete os autos ao juiz competente (que pode ser ele mesmo se a comarca for pequena, devendo aguardar o trânsito em julgado). Se os jurados desclassificam o crime, a competência para o julgamento da infração passa para o juiz-presidente, que terá de proferir a decisão naquela mesma sessão. Caso haja crimes conexos, a desclassificação também desloca para o juiz-presidente a competência para seu julgamento, diante da clara redação do artigo 492, § 2.º, do Código de Processo Penal. É também o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Se, no entanto, o Júri absolver o acusado da imputação por crime doloso contra a vida, continuará competente para a apreciação dos conexos, pois só pode proferir absolvição quem se julga competente para analisar o fato. 2.5. Avocação de Processos (Artigo 82 do Código de Processo Penal) Se, mesmo ocorrendo conexão ou continência, foram instaurados vários processos, a autoridade prevalente deve avocar para si os processos que corram perante outros juízes, se ainda não foram julgados em sentença definitiva. Se já houver sentença definitiva, isto é, julgamento de mérito, a unificação dos processos se dará posteriormente, na execução, para efeitos de soma ou unificação das penas. Questões e Processos Incidentes 1. INTRODUÇÃO As questões e os processos incidentes são soluções dadas pela lei processual para as variadas eventualidades que podem ocorrer no processo e que devem ser resolvidas pelo juiz antes da solução da causa principal. Incidente: aquilo que sobrevém, que é acessório. Questão: controvérsia, discussão. 2. QUESTÕES PREJUDICIAIS Questões prejudiciais são todas as questões de fato e de direito que, por necessidade lógica, devem ser analisadas antes da questão principal e podem, em tese, ser objeto de processo autônomo. A matéria é tratada nos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal. Etimologicamente “prejudicial” significa pre-iudicate, isto é, julgar primeiro. A questão deve ser julgada em primeiro lugar, antes da questão principal. Exemplo: um acusado de bigamia (artigo 235 do Código Penal) alega que seu primeiro casamento é nulo. A validade ou não do casamento é questão prejudicial que deve ser decidida antes do mérito, pois influi diretamente na decisão. A questão prejudicial condiciona a questão prejudicada; a prejudicada está irrecusavelmente subordinada à prejudicial. Características da questão prejudicial: • Anterioridade lógica: a questão prejudicial é sempre anterior à prejudicada. Não porque surgiu primeiro na discussão processual, mas por ser logicamente anterior. Primeiro decide-se ou aguarda-se a decisão da questão incidente e, posteriormente, julga-se o mérito. • Necessariedade: a questão prejudicial sempre subordina o exame da questão principal. O mérito não pode ser decidido antes de enfrentar a questão prejudicial. • Autonomia: a questão prejudicial pode ser objeto de processo autônomo. • Competência na apreciação: é julgada pelo próprio juízo penal, mas pode, excepcionalmente, ser julgada pelo juízo cível. Atenção: questão prejudicial não se confunde com questão preliminar. A questão preliminar versa sobre pressupostos processuais ou condições da ação. Ambas são espécies do gênero ‘questões prévias’. Apresentam características em comum: anterioridade lógica e necessariedade. Mas apresentam diferenças importantes: a questão prejudicial refere-se a direito material e a questão preliminar refere-se a direito processual. Também se diferem no tocante à autonomia. As questões prejudiciais podem ser objeto de processo autônomo, as questões preliminares não. Exemplo: falta de citação é uma questão preliminar – não se ajuíza processo autônomo para discutir. Classificação das questões prejudiciais: a) Quanto à influência: • Total: condiciona a existência do crime. Refere-se a uma elementar da infração penal. • Parcial: refere-se a uma circunstância do tipo penal. b) Quanto ao mérito ou natureza: • Homogênea: pertence ao mesmo ramo do direito da questão principal. Exemplo: exceção da verdade na calúnia. • Heterogênea: pertence a ramo do direito distinto da questão principal. Exemplo: anulação de casamento e crime de bigamia (a anulação do casamento pertence ao direito civil). c) Quanto ao efeito: • Obrigatória: é a questão que, uma vez presente, obriga a suspensão do processo até o julgamento da questão incidental. Sempre versa sobre questão de estado civil das pessoas. Exemplo: anulação de casamento no cível e crime de bigamia. • Facultativa: é aquela que não obriga a suspensão do processo principal, mas há nela controvérsia de difícil solução. Exemplo: acusado de crime contra o patrimônio alega ser o legítimo possuidor. São características da prejudicial facultativa que não estão presentes na obrigatória: existência de ação civil em andamento; inexistência de limitação à prova, na lei civil, acerca da questão prejudicial. d) Quanto ao juízo competente: • Questão prejudicial não-devolutiva: deve ser resolvida pelo juízo criminal. São sempre questões prejudiciais homogêneas. • Questão prejudicial devolutiva absoluta: trata-se das questões prejudiciais heterogêneas que deverão ser resolvidas obrigatoriamente pelo juízo cível. Requisitos: versar a questão sobre o estado civil das pessoas (casado, solteiro, vivo, morto, parente ou não); constituir elementar ou circunstância do fato imputado; que a controvérsia seja séria, fundada e relevante. Preenchidos esses requisitos, o juiz criminal obrigatoriamente deve remeter os autos para o juiz cível e suspender o processo até o trânsito em julgado da decisão no cível. O Ministério Público poderá intentar a ação cível, se as partes não o tiverem feito, ou dar-lhes prosseguimento se estas desistirem do processo. • Questão prejudicial devolutiva relativa: trata-se das questões prejudiciais heterogêneas que poderão ou não ser resolvidas pelo juízo cível a critério do juízo criminal. Requisitos: que seja da competência do juízo cível; que não verse sobre o estado civil das pessoas; que seja de difícil solução; que não sofra restrições da lei civil quanto à sua prova (no processo penal vigora o princípio da verdade real); que já exista ação civil em andamento. A suspensão, nesse caso, é por prazo determinado, perfeitamente prorrogável, desde que a parte não tenha dado causa ao atraso; findo o prazo, o juiz retoma o processo e decide todas as questões relativas, inclusive a prejudicial. Tratando-se de crime de ação pública, o Ministério Público poderá intervir na ação cível para promover-lhe o rápido andamento (nesse caso, atua como fiscal da lei). Observações: Súmula n. 234, Superior Tribunal de Justiça: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.” Se o Promotor foi testemunha, não pode participar da ação penal. 3.1.2. Exceção de suspeição de jurado Instalada a sessão de julgamento com 15 jurados no mínimo, 7 formarão o Conselho de Sentença. No Júri as partes podem recusar os jurados. As partes podem fazer três recusas peremptórias, isto é, sem justificação. Havendo justificativa, poderão recusar tantos quanto necessários. A suspeição do jurado deve ser argüida oralmente imediatamente após a leitura que o juiz faz da correspondente cédula sorteada (artigo 459, § 2.º, do Código de Processo Penal). Se o juiz não aceitar a recusa, o jurado tomará parte no Conselho de Sentença. Tudo constará da ata. 3.1.3. Suspeição de autoridade policial Conforme determina o artigo 107 do Código de Processo Penal, as partes não podem argüir a suspeição de autoridade policial. Isso porque o inquérito policial é um procedimento inquisitivo. O próprio delegado, entretanto, poderá declarar-se suspeito. 3.1.4. Observações Enquanto se processa a exceção, o processo principal flui normalmente. Assim, em regra a exceção não suspende o andamento do processo principal. Se, diante da exceção de suspeição, a parte contrária considerar relevante a argüição, o processo será suspenso (artigo 102). Exemplo: a defesa concorda que a argüição de exceção de suspeição feita pelo Ministério Público é plausível, tem fundamento. Conforme dispõe o artigo 256 do Código de Processo Penal: “A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito ser motivo para criá-la”. No caso de incompatibilidades (artigo 253) e impedimentos (artigo 252), aplica-se o mesmo procedimento da suspeição. 3.2. Exceção de Incompetência do Juízo Fundamenta-se na ausência de capacidade funcional do juiz. O artigo 109 do Código de Processo Penal determina que, se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior. A incompetência absoluta pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Quanto à incompetência relativa, entendemos que pode ser reconhecida de ofício, desde que antes de operada a preclusão. Observação: A Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”. A incompetência absoluta tem um regime jurídico mais severo por versar sobre questões de interesse público. Exemplo: o lugar da consumação do delito facilita busca de provas. Não é só interesse da parte. Há também interesse público. A exceção pode ser oposta pelo réu, querelado e Ministério Público, quando este atue como fiscal da lei. Todavia, segundo a doutrina, não pode ser argüida pelo autor da ação. A argüição deve ser feita no prazo de três dias da defesa prévia, tratando-se de incompetência relativa (territorial), sob pena de prorrogação. Se a incompetência for absoluta, poderá ser feita a qualquer tempo. Procedimento da exceção de incompetência: • A exceção é autuada em apartado. • Não há suspensão do processo (artigo 111 do Código de Processo Penal). • Ouve-se o representante do Ministério Público. • O juiz decide a exceção: procedente e remete os autos ao juiz competente. Dessa decisão cabe recurso em sentido estrito (artigo 581, inciso III, do Código de Processo Penal). O juiz que receber o processo não é obrigado a concordar com essa declinação, podendo suscitar o conflito de jurisdição ou competência; ou improcedente. Dessa decisão não caberá recurso. Admite-se habeas corpus ou argüição em preliminar de futura e eventual apelação. Conforme o artigo 567 do Código de Processo Penal, a incompetência do Juízo anula somente os atos decisórios. Dessa forma somente os atos instrutórios serão ratificados pelo juiz competente, os atos decisórios serão anulados. Atenção! A Jurisprudência entende que o recebimento da denúncia ou da queixa não tem carga decisória; pode, portanto, ser ratificado. Segundo o princípio da conseqüencialidade, se o recebimento da denúncia ou da queixa fosse nulo, todo o processo estaria perdido. A Jurisprudência, por isso, admite tranqüilamente a ratificação do recebimento da denúncia ou queixa. O recebimento da denúncia ou queixa interrompe a prescrição. Assim, pergunta-se: se a denúncia ou queixa foi recebida pelo juiz incompetente e depois ratificada pelo juiz competente, em que momento estaria interrompida a prescrição? É a ratificação do juiz competente que interrompe a prescrição. Essa regra aplica-se para qualquer incompetência, inclusive ratione materiae. Se a regra de competência violada estiver disposta na Constituição Federal de 1988, os atos praticados perante o juiz incompetente são considerados inexistentes. Não há possibilidade de serem ratificados. 3.3. Exceção de Ilegitimidade de Parte São partes ilegítimas em Processo Penal: • Ministério Público, se oferecer denúncia em crime de ação penal privada. • Querelante, se oferecer queixa em crime de ação penal pública. • Querelante incapaz (a vítima deve ser maior de 18 anos). • Alguém que se diz representante do ofendido em crime de ação penal privada, mas não é. A ilegitimidade pode ser ad causam ou ad processum. A ilegitimidade ad causam refere-se a uma condição da ação; ocorre se o Ministério Público oferece queixa e o querelante oferece denúncia. A ilegitimidade ad processum ocorre se o querelante é incapaz ou o representante do ofendido não é o representante legal. Tratando-se de ilegitimidade de causa ou de processo, o instrumento para argüir é exceção de ilegitimidade. Processamento: • Reconhecimento de ofício pelo juiz (se for no juízo de admissibilidade, haverá a rejeição da peça inicial – desta decisão cabe recurso em sentido estrito). • Se o juiz não reconhecer de ofício, o réu ou o Ministério Público poderá argüir. • A exceção será autuada em apartado. • Não há suspensão do processo (artigo 111 do Código de Processo Penal). • O Ministério Público é ouvido. • O juiz decide a exceção: procedente (o reconhecimento da ilegitimidade ad causam acarreta a nulidade absoluta do processo; o reconhecimento da ilegitimidade ad processum acarreta a nulidade relativa do processo, admitindo a convalidação, nos termos do artigo 568 do Código de Processo Penal); ou improcedente. • Da decisão de procedência cabe recurso em sentido estrito; da decisão de improcedência não cabe recurso, mas admite-se habeas corpus ou alegação em preliminar de futura e eventual apelação. 3.4. Exceção de Litispendência A exceção de litispendência baseia-se na proibição de uma mesma pessoa ser processada mais de uma vez pelos mesmos fatos (non bis in idem). Será argüida exceção de litispendência quando existirem duas ações penais em curso, processando o mesmo réu pelo mesmo fato. Se um mesmo fato é apurado em dois inquéritos penais não há litispendência. Os elementos que caracterizam uma demanda são: O conflito deve ser suscitado de forma escrita e fundamentado, com cópias da alegação, conforme dispõe o artigo 116 do Código de Processo Penal. Nos termos do § 1.º do mencionado artigo, se o conflito for negativo, os juízes e tribunais poderão suscitá-lo nos próprios autos do processo. Nesse caso, o relator recebe o processo e determina que os Juízos envolvidos prestem informações. Com as informações, colhe o parecer do Ministério Público em segunda instância (Procurador Geral). O conflito então é julgado. Para o conflito positivo, o procedimento tem forma própria, por meio de instrumento que é remetido ao Tribunal. Como o processo continua tramitando, a suspensão ou não dos atos processuais depende do relator do Tribunal. Saliente-se que no conflito negativo, os próprios autos nos quais se suscita o conflito são encaminhados ao Tribunal. Competência para julgar os conflitos: • Cabe ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito envolvendo Tribunais Superiores. Se, por exemplo, tratar-se de conflito entre Tribunal Superior e um Tribunal ou entre Tribunal Superior e um juiz, cabe também ao Supremo Tribunal Federal dirimir. Observação: se envolver o próprio Supremo Tribunal Federal e outro Tribunal, não há conflito; o Supremo Tribunal Federal dá a palavra final. • Cabe ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflito envolvendo Tribunal Estadual ou Tribunal Regional Federal e um Juízo a ele não vinculado. Exemplo: Tribunal de Justiça de São Paulo X juiz do Rio de Janeiro. • Cabe ao Tribunal Regional Federal dirimir conflitos entre juízes federais da mesma região. Se for região diferente, cabe ao Supremo Tribunal de Justiça. Cabe também ao Tribunal Regional Federal julgar conflito entre juiz federal e juiz estadual com competência federal (exemplo: artigo 27 da Lei n. 6.368/76) – Súmula n. 3 do Superior Tribunal de Justiça . • Cabe ao Tribunal Regional Eleitoral dirimir conflito envolvendo Juízos eleitorais do mesmo Estado. De Estados diferentes, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral. • Cabe ao Tribunal de Justiça dirimir conflitos entre juízos estaduais do mesmo Estado e Tribunal de Alçada (no âmbito penal só cabe ao Tribunal de Alçada Criminal), ou Tribunal e juiz. • Entre Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada Criminal, não há conflito. Conforme dispõe a Súmula n. 22 do Superior Tribunal de Justiça (“não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada do mesmo Estado-membro”), a competência é do Tribunal de Justiça. • Cabe ao Tribunal de Alçada Criminal resolver conflitos entre Juízos de primeiro grau quando for sua a competência recursal. Observação: “reclamação” é a forma pela qual o Supremo Tribunal Federal firma a sua própria competência (artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal). Não há conflito de competência entre o Supremo Tribunal Federal e qualquer outro tribunal ou juízo, pois compete ao próprio Supremo decidir sua competência. 4.1. Conflito de atribuições Regras: • Conflito entre dois Promotores de Justiça do mesmo Estado: é decidido pelo Procurador-Geral de Justiça. • Conflito entre dois Procuradores da República: é decidido pelo Procurador- Geral da República. • Conflito entre Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal: é decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso I, alínea “g”, da Constituição Federal). Observação: Quando juízes encampam as manifestações ministeriais, declarando- se incompetentes, há conflito de atribuições (entre promotores) e conflito de competência (entre juízes). Nesse caso, cumpre suscitar conflito de competência. 5. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL “Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal” (artigo 149 do Código de Processo Penal). O incidente de insanidade mental é instaurado quando houver dúvida sobre a saúde mental do acusado. Pode ser instaurado no inquérito policial ou na ação penal, mas somente é instaurado por ordem judicial. A perícia psiquiátrica realizada no inquérito policial só pode ser instaurada pelo juiz. Se o delegado percebe a insanidade, representa à autoridade judiciária o incidente de insanidade mental, conforme artigo 149, § 1.º, do Código de Processo Penal. O incidente pode ser instaurado de ofício ou pode decorrer do requerimento das seguintes pessoas: • membro do Ministério Público; • defensor; • curador; • cônjuge, ascendente, descendente e irmão. • por representação da autoridade policial (durante o inquérito policial) Pergunta: No interrogatório o juiz percebe a insanidade mental do acusado. O defensor alega que seu cliente foi interditado em processo cível; ainda assim deve-se realizar o incidente de insanidade mental? Resposta: Sim. O incidente é instaurado quando há dúvida sobre a saúde mental e para verificar se na época dos fatos era o indivíduo imputável ou inimputável, conforme dispõe o artigo 26 do Código Penal. Não basta a doença mental, é preciso saber se em virtude dela, ao tempo da ação ou omissão, o agente era incapaz de entender o caráter ilícito da infração. A interdição no cível é irrelevante para o processo penal. A perícia penal visa verificar a imputabilidade do acusado. Procedimento do incidente de insanidade mental: O incidente é autuado em apartado (artigo 153 do Código de Processo Penal). O juiz expede portaria de instauração e nomeia curador (se o juiz não nomear curador haverá nulidade absoluta). Se já houver processo em andamento, esse ficará suspenso até julgamento do incidente, mas o juiz pode determinar a produção de provas urgentes (§ 2.º do artigo 149). Determina o juiz que as partes elaborem quesitos. Com os quesitos, é realizada a perícia psiquiátrica. O prazo para realização do exame é de 45 dias, prorrogável por igual período a pedido dos peritos, conforme dispõe o artigo 150, § 1.º, do Código de Processo Penal. As partes examinam o laudo. Se estiver regular, o juiz homologará. A homologação do laudo não significa concordância. A homologação diz respeito somente quanto aos aspectos formais. O juiz não está vinculado ao laudo, em razão do princípio do livre convencimento do juiz. O laudo pode concluir pela: • imputabilidade ao tempo da infração; • semi-imputabilidade ao tempo da infração (artigo 151 do Código de Processo Penal); • inimputabilidade ao tempo da infração (artigo 151 do Código de Processo Penal); • doença mental superveniente (artigo 152 do Código de Processo Penal). Se o laudo decidir pela imputabilidade, prossegue o processo que estava suspenso, dispensando-se o curador que foi nomeado. Se concluir pela semi-imputabilidade ou inimputabilidade, o processo segue com o curador nos autos. Concluindo pela doença mental superveniente, o processo continuará suspenso até que o acusado se recupere. A prescrição continuará correndo. 6. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS 1.2. Objeto de Prova São objetos de prova os fatos principais e secundários capazes de influenciar a responsabilidade criminal do réu, a aplicação da pena e a medida de segurança. Alguns fatos, entretanto, não podem ser objetos de prova. São eles: F 0 B 7 1O direito não pode ser objeto de prova, pois o juiz o conhece (iura novit curia); salvo se for direito consuetudinário, estrangeiro, estadual ou municipal. F 0 B 7 2Os fatos axiomáticos, evidentes. F 0 B 7 3Os fatos notórios. O fato axiomático é diferente do fato notório, que é aquele de conhecimento geral, que faz parte da história e refere-se a fatos políticos, sociais ou fenômenos da natureza. F 0 B 7 4Os fatos irrelevantes, ou seja, aqueles incapazes de influenciar a responsabilidade criminal do réu no caso concreto. F 0 B 7 5Os fatos sobre os quais incide presunção absoluta (iuris et de iure). Exemplo: incapacidade do menor de 18 anos de entender o caráter criminoso do fato; não se admite prova em contrário. Atenção: no Processo Penal, os fatos incontroversos também são objeto de prova; não se aplica a regra que incide no Processo Civil. 1.3. Classificação das Provas F 0 B 7 1Prova Direta: refere-se diretamente ao tema probandu. Exemplo: testemunha presencial, exame de corpo de delito. F 0 B 7 2Prova Indireta: refere-se indiretamente ao tema probandu. Exemplo: álibi apresentado pelo acusado. F 0 B 7 3Prova Pessoal: a prova emana de uma pessoa. Exemplo: interrogatório, testemunha. F 0 B 7 4Prova Documental: a prova é produzida por meio de documentos. F 0 B 7 5Prova Material: refere-se a objetos. Exemplo: instrumentos do crime, arma do crime. F 0 B 7 6Prova Plena: é a prova que conduz a um juízo de certeza. F 0 B 7 7Prova Não Plena: é a prova que conduz a um juízo de probabilidade. Para a decisão de pronúncia aceita-se a prova não plena, mas para a condenação é necessária a prova plena. 1.4. Meios de Prova Meios de prova são os métodos por meio dos quais a prova pode ser levada ao processo. Os meios de prova podem ser: F 0 B 7 1nominados: são os documentos, acareações, reconhecimento de pessoas e objetos, interceptação telefônica, interrogatório. São todos os meios de prova previstos na legislação; F 0 B 7 inominados: são aqueles meios de prova que não estão previstos expressamente na legislação. Exemplo: juntar fita de vídeo, contendo imagens de um programa de TV em que o acusado aparece, a fim de mostrá-lasaos jurados. 1.5. Sujeitos da Prova Os sujeitos da prova são as pessoas incumbidas de levar ao juiz os meios de prova. São as testemunhas, com o depoimento; o réu, com o interrogatório; o perito, com o laudo etc. 1.6. Princípios Relativos à Prova F 0 B 7 1Princípio da Comunhão da Prova: uma vez trazida aos autos, a prova se incorpora ao processo. Por essa razão, a prova trazida por uma das partes pode ser usada pela parte contrária. Além disso, uma vez admitida a prova, para que a parte desista dela, deve haver anuência da parte contrária. F 0 B 7 2Princípio da Audiência Contraditória: à parte contrária sempre deve ser dado o direito de impugnar a prova produzida pelo ex adverso. F 0 B 7 3Princípio da Liberdade dos Meios de Prova: no Processo Penal são admitidos todos os meios de prova, nominados ou inominados, em homenagem ao princípio da verdade real. Esse princípio, contudo, não é absoluto, pois não se admitem as provas ilegais, que se subdividem em provas ilícitas e ilegítimas. Prova ilícita é a prova produzida com desrespeito à regra de direito material. Exemplo: confissão mediante tortura. Prova ilegítima é a prova produzida com desrespeito à regra de direito processual. Exemplo: exibição em plenário de documento sem dar ciência à parte contrária com pelo menos três dias de antecedência. No Brasil adota-se a “teoria dos frutos da árvore envenenada” trazida do direito norte- americano. Segundo essa teoria, a prova, ainda que lícita, mas decorrente de outra prova ilícita, não pode ser aceita. Exemplo: o réu, mediante tortura, aponta três testemunhas. Essas testemunhas são chamadas a Juízo. A oitiva dessas testemunhas, apesar de lícita, será considerada ilícita, pois se originou de uma prova ilícita. Não poderá ser aceita. 1.7. Ônus da Prova O ônus da prova é o encargo que recai sobre as partes, impondo-lhes o dever de provar algo, sob pena de suportar uma situação processual adversa. A acusação deve fazer prova da autoria e da materialidade do delito. Deve fazer prova plena desses elementos. Compete, ainda, à acusação fazer prova do elemento subjetivo, isto é, do dolo da ação ou do elemento normativo, ou seja, a culpa: provar que o agente agiu com imprudência, negligência ou imperícia. A defesa deve provar os fatos impeditivos (excludentes de ilicitude), extintivos (causas de extinção da punibilidade) ou modificativos (desclassificação ou causas de diminuição da pena) do direito do autor. A defesa não precisa produzir prova plena, basta o juízo de probabilidade. 1.8. Sistemas de Apreciação da Prova Sistema Primitivo (hoje abandonado). Utilizavam-se dois sistemas: o sistema religioso e o sistema étnico ou pagão. O sistema religioso invocava a divindade para apreciar as provas, qualquer que fosse o julgamento (duelos etc.). No sistema étnico ou pagão, a apreciação das provas era feita de forma empírica, sem qualquer regra. Sistema Moderno. São três os sistemas modernos: F 0 B 7 1Sistema da íntima convicção ou da certeza moral do julgador. Nesse sistema, a decisão fica a cargo do juiz, que decide observando certas regras, porém, não há necessidade de fundamentação do julgamento. Dá ensejo a abusos. F 0 B 7 2Sistema da prova legal ou da certeza moral do legislador. A lei fixa um regime tarifado de provas, preestabelecendo o valor de cada prova. F 0 B 7 3Sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional do juiz. Nesse sistema, o julgador tem liberdade para decidir, formando sua convicção pela livre apreciação das provas, porém, com a obrigação de fundamentar seu julgamento. O Código de Processo Penal adota o sistema do livre convencimento motivado. Há uma exceção estabelecida no Código: para o Tribunal do Júri aplica-se o sistema da íntima convicção, uma vez que os jurados não podem fundamentar suas decisões. Das Provas em Espécie 1. PERÍCIAS A perícia é um exame realizado por quem tem conhecimento técnico específico. Sua finalidade é prestar auxílio ao juiz em questões fora de sua área de conhecimento profissional. Natureza jurídica: é um meio de prova nominado. Seu valor probatório é idêntico ao dos demais meios de prova. A perícia pode ser realizada a qualquer momento, desde o Inquérito Policial até a execução. Quando realizada no inquérito, a perícia é determinada pela autoridade policial, que pode determinar a realização de qualquer perícia, exceto a perícia de insanidade mental, que somente pode ser determinada pelo juiz. O juiz pode determinar a realização de qualquer perícia. Nos termos do artigo 26, inciso I, alínea “b”, da Lei n. 8.625/93, o promotor pode requisitar perícia dentro de procedimento presidido por ele, como por exemplo, durante inquérito civil. O juiz, ao apreciar o laudo pericial, não é obrigado a acatá-lo, mas, para afastá-lo, deve fazê-lo fundamentadamente. O perito é um sujeito processual secundário. Não podem ser peritos: os menores de 21 anos (o novo Código Civil não modificou o inciso III do artigo 279 do Código de Processo Penal), os analfabetos, aqueles sujeitos à interdição temporária de direitos, aqueles que já se manifestaram sobre o objeto da perícia. Ato privativo entre juiz e réu. As partes não podem fazer reperguntas. O defensor poderá, entretanto, zelar pela regularidade formal do processo. Com a entrada do Novo Código Civil, não se exige mais a presença de curador para o menor de 21 anos. 3.. Momento do Interrogatório Como regra, o momento do interrogatório é posterior à citação e anterior à defesa prévia. Mas como o Código de Processo Penal não fixou prazo, entende-se que o interrogatório pode ser realizado a qualquer momento. É ato não preclusivo. Pode realizar-se inclusive após a sentença, desde que antes do trânsito em julgado. Assim, se o réu comparecer em Juízo antes do trânsito em julgado e manifestar o desejo de ser ouvido, o juiz deverá interrogá-lo. Caso já exista apelação, o julgamento deverá ser convertido em diligência para que o réu seja ouvido, sob pena de cerceamento da defesa. Em situações excepcionais, entende-se ser o interrogatório – após a sentença – facultativo, dispensável quando, por exemplo, for possível antever a absolvição do acusado. Caso o juiz entenda necessário, o réu já interrogado poderá ser novamente interrogado. No procedimento da Lei n. 9.099/95, o momento do interrogatório é posterior à oitiva das testemunhas. 4.. Direitos do Réu no Interrogatório O réu, durante o interrogatório, tem o direito de permanecer em silêncio, conforme artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição Federal de 1988. O réu que responde ao interrogatório não está obrigado a dizer a verdade, poderá mentir sem sofrer qualquer sanção. A mentira do réu no interrogatório só será considerada crime se fizer auto-acusação falsa, conforme artigo 341 do Código Penal. O réu ainda tem o direito de entrevistar-se com seu advogado antes do interrogatório. Esse direito vem previsto no Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. 5.. Interrogatório por Precatória O provimento CXCI (1984) do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo possibilita a realização de interrogatório por precatória, pois, no processo penal, não vige o princípio da identidade física do juiz. O provimento vige somente no Estado de São Paulo. No tocante ao interrogatório on line, sistema de vídeo conferência, a doutrina questiona sua validade pela ausência física de um juiz, pois o interrogado poderá estar sofrendo alguma coação e essa não ser percebida. A jurisprudência o admite excepcionalmente. 6.. Interrogatório do Menor de 21 anos Antes da promulgação do novo Código Civil, se o réu fosse menor, o interrogatório deveria ser feito na presença de um curador. A omissão gerava nulidade relativa. A idade do menor era aferida na data da realização do ato e não na do cometimento da infração penal. A Súmula n. 352 do Supremo Tribunal Federal dispõe que não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo. A idade do acusado é provada por meio de documento hábil, como a certidão de nascimento ou a carteira de identidade. Não havia nulidade do processo se o réu mentisse acerca de sua idade. O artigo 194 do Código de Processo Penal foi ab-rogado, à semelhança do artigo 15, pois o acusado maior de 18 e menor de 21 anos não é mais relativamente incapaz, podendo realizar todos os atos da vida civil, dispensando curador. Será necessária, todavia, a nomeação de curador para o interrogatório do silvícola não adaptado e do doente mental. 2. CONFISSÃO 2.1.. Conceito Confissão é a admissão pelo réu da autoria dos fatos a ele imputados. A confissão refere-se à autoria do fato. A materialidade do delito não é objeto da confissão. A confissão feita perante a autoridade judicial configura atenuante genérica nos termos do artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal. A confissão não é mais considerada a rainha das provas; ao magistrado caberá apreciar a confissão em consonância com as demais provas produzidas. 3.2. Espécies de Confissão Simples: quando o réu admite a autoria de fato único, atribui a si a prática de infração penal. Qualificada: quando o réu admite a autoria dos fatos a ele imputados, mas alega algo em seu benefício, opõe um fato modificativo ou impeditivo, por exemplo: excludente de antijuridicidade, culpabilidade. Complexa: quando o réu admite a autoria de fato múltiplo. Judicial: é a confissão prestada perante o juiz competente, no próprio processo. Extrajudicial: é a confissão prestada no Inquérito Policial, ou fora dos autos da ação penal. Explícita: quando o acusado reconhece ser o autor da infração. Implícita: quando o acusado não admite a autoria, mas realiza atos que levam indiretamente à conclusão de que ele é o autor do delito. Exemplo: quando o acusado procura ressarcir o ofendido dos prejuízos causados pela infração. 3.. Características da Confissão A confissão é ato personalíssimo do réu. É ato livre e espontâneo. A confissão é um ato retratável, isto é, o acusado pode desdizer a confissão prestada. A confissão é ainda um ato divisível, isto é, o juiz poderá cindir a confissão feita pelo acusado, acatando-a em parte ou no todo. 4.. Confissão Ficta A confissão ficta ou presumida não se verifica no processo penal, em virtude da verdade real que norteia o processo penal. Ainda que o processo corra à revelia do réu, não haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pela acusação. 5.. Confissão Delatória ou Chamada de Co-Réu Ocorre quando um réu, no interrogatório, imputa a terceiro a responsabilidade pela prática do crime, além de confessar sua própria participação. No tocante a imputação a terceiro, seu valor equivale à prova testemunhal, havendo a possibilidade de reperguntas pelas partes. Para alguns autores, no entanto, a confissão delatória é uma prova nula, pois não se sujeita ao princípio do contraditório, uma vez que nem o co- réu delatado nem seu advogado acompanham o interrogatório do delator. 3. PROVA TESTEMUNHAL 4.1. Conceito Testemunha é toda pessoa estranha ao processo e eqüidistante das partes, chamada em Juízo para depor sobre os fatos que caíram sobre seus sentidos. 4.2. Classificação F 0 B 7 1direta ou “de visu”: depõe sobre os fatos que presenciou – teve contato direto; F 0 B 7 2indireta ou “de audito”: depõe sobre os fatos que tomou conhecimento por terceiros, que “ouviu dizer”; F 0 B 7 3própria: presta depoimento acerca do tema probandu, do fato objeto da prova; F 0 B 7 4imprópria ou instrumentária: é a testemunha chamada a presenciar a prática de atos processuais ou atos do inquérito policial; F 0 B 7 5referida: são aquelas citadas no depoimento de outra testemunha; serão ouvidas como testemunhas do Juízo; O funcionário público deve ser notificado por mandado, devendo a expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição (artigo 221, § 3.º, do Código de Processo Penal). Atente-se para o fato de que o Código de Processo Civil (artigo 412, § 2.º) exige que o funcionário público seja requisitado ao chefe da repartição. 4.8. Sistema de Inquirição O sistema de inquirição vigente é o presidencialista ou do exame judicial: “as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida” (artigo 212 do Código de Processo Penal). Exceção: no plenário do Júri adota-se o sistema do exame direto. As partes direcionam as perguntas à testemunha. 4. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO Sempre que possível, o juiz deverá ouvir o sujeito passivo da infração (artigo 201 do Código de Processo Penal). A esse meio de prova se aplicam as mesmas regras da prova testemunhal, observado o seguinte: • Vítima presta declarações e não depoimento. • Vítima não é computada no número legal de testemunhas. • Vítima não responde pelo crime de falso testemunho (observação: se der causa a investigação policial ou a processo judicial, imputando a alguém crime de que o sabe inocente, responderá pelo crime de denunciação caluniosa). • Vítima não precisa ser arrolada pelas partes, devendo ser ouvida de ofício pelo juiz. Dos Sujeitos Processuais 1. Dos Sujeitos Processuais Os sujeitos processuais dividem-se em principais e acessórios. Principais ou essenciais são aqueles cuja ausência torna impossível a existência da relação jurídico-processual: o juiz e as partes. O juiz é o sujeito processual imparcial e as partes são os sujeitos processuais parciais, representados pela acusação, que é o Ministério Público ou o querelante, e pela defesa, que é o réu ou o querelado. Os sujeitos acessórios ou secundários não são indispensáveis ao processo, mas nele intervêm de alguma forma: são os órgãos auxiliares da justiça, o assistente de acusação e os terceiros (interessados e não-interessados). O rol de terceiros interessados consta do artigo 31 do Código de Processo Penal. Os terceiros não-interessados são as testemunhas, os peritos, o tradutor e o intérprete. 1.1.. Juiz O juiz exerce o papel de maior relevo no processo. A lei confere-lhe os poderes necessários para zelar pelo processo e solucionar a lide em nome do Estado. Vedadas que estão, em matéria penal, a autotutela e a autocomposição, exceção feita em casos restritos, o Estado assume o dever de prestar jurisdição, sempre que presentes determinadas condições, sendo defeso ao juiz, diante de um caso complexo ou incômodo, eximir-se de sentenciar (artigo 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Para desempenhar suas funções, o Estado confere ao juiz poderes que são na verdade instrumentos para que o juiz possa julgar (artigo 251 do Código de Processo Penal). Esses poderes são: • Poderes de polícia ou administrativos: representa o poder de praticar atos para manter a ordem e o decoro no decorrer do processo. É o que ocorre, por exemplo, nas hipóteses dos artigos 792, § 1.º, 794 e 497, todos do Código de Processo Penal. • Poderes jurisdicionais: podem ser: • Poderes-meios: são os poderes ordinatórios consistentes nos atos de condução do processo até a sentença (exemplo: intimar o réu) e poderes instrutórios destinados a colher material para a formação da sua convicção, podendo determinar até de ofício a realização de diligências (exemplo: Código de Processo Penal, artigos 209, 407, 502 etc.). • Poderes-fins: são os atos de decisão e de execução (decretação de prisão provisória, concessão de liberdade provisória, arbitramento e concessão de fiança, extinção da punibilidade do agente, absolvição ou condenação). O juiz penal exerce, ainda, funções anômalas, tais como: • Fiscalizar o princípio da obrigatoriedade da ação penal (artigo 28 do Código de Processo Penal); • Requisitar a instauração de inquérito (artigo 5.º, inciso II, do Código de Processo Penal), bem como arquivá-lo; • Receber a notitia criminis (artigo 39 do Código de Processo Penal) e levá-la ao Ministério Público (artigo 40 do Código de Processo Penal); Para tanto, são necessários alguns pressupostos processuais subjetivos relativos à função de juiz. São eles: • Investidura: a jurisdição só pode ser exercida por quem tenha sido regularmente investido na função de juiz, atualmente pela aprovação em concurso público de provas e títulos, observando-se nas nomeações a ordem de classificação (artigo 93, inciso I, da Constituição Federal). • Imparcialidade: o juiz deve estar, no processo, acima e eqüidistante das partes, super et inter partes. O juiz não pode ter qualquer interesse na solução da lide. Se presentes algumas das causas de suspeição (artigo 254 do Código de Processo Penal), impedimento (artigo 252 do Código de Processo Penal) ou incompatibilidade (artigo 253 do Código de Processo Penal), o juiz deverá ser afastado do processo. Os casos de impedimento são mais graves e acarretam a inexistência do ato realizado pelo juiz impedido. Na suspeição, o juiz tem interesse no resultado do processo, assim a suspeição gera a nulidade absoluta do processo. Para a jurisprudência e parte da doutrina, o rol que trata do impedimento e da suspeição, por ser restritivo de direitos, é um rol taxativo que não pode ser ampliado. No processo penal, o juiz também pode declinar de sua atuação por motivo de foro íntimo. • Competência: o juiz deve ser o competente para julgar a lide, segundo as regras de competência previstas na Constituição Federal e em leis infraconstitucionais. 1.. Autor Autor, no processo penal, é o Ministério Público, no caso da ação penal pública, e o querelante (ofendido ou seu representante legal), no caso de ação penal privada. A ação penal privada pode ser: exclusivamente privada; ou subsidiária da pública no caso de inércia do Ministério Público. O Ministério Público atuará sempre no processo penal, seja como autor na ação penal pública, seja como custus legis, isto é, fiscal da lei, na ação penal privada. Mesmo enquanto autor da ação penal pública, o Ministério Público não deixa de atuar como fiscal da lei, em razão dos interesses públicos que representa. 1.2.1. Ministério Público “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo 127 da Constituição Federal). A Constituição Federal, no artigo 129, inciso I, atribuiu ao Ministério Público, além de outras, a função de propor a ação penal pública com exclusividade, com exceção apenas no artigo 5.º, inciso LIX, ao conferir ao ofendido a titularidade da ação penal privada subsidiária da pública, em caso de desídia do membro do parquet. As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira (artigo 129, § 2.º, da Constituição Federal). Com isso, a Carta Magna vedou a possibilidade do promotor ad hoc, isto é, a nomeação de uma pessoa que faça às vezes do promotor para algum ato processual. O Ministério Público tem natureza jurídica de parte no processo penal, mas não se trata de uma parte qualquer, pois age motivado por interesses públicos. Por isso, possui algumas peculiaridades, como a possibilidade de impetrar habeas corpus e de recorrer em favor do réu. Vale lembrar ainda que, conforme dispõe o artigo 68 do Código de Processo Penal, o Ministério Público também tem legitimidade para promover a ação civil ex delicto em nome do ofendido se este for pobre. Nesse caso, o Ministério Público atua como substituto processual. A atuação do Ministério Público deve ser imparcial, e para que isso seja possível a Constituição Federal assegura ao órgão como um todo e aos seus membros algumas garantias. Ao Ministério Público garante: estruturação em carreira, autonomia administrativa e orçamentária, limitações à liberdade do chefe do executivo para nomeação e destituição do procurador-geral, vedação de promotores ad hoc etc. Aos membros a Constituição Federal garante: ingresso na carreira mediante concurso público de provas e títulos, vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos etc. Seus membros estão sujeitos à mesma disciplina dos magistrados quanto às suspeições e impedimentos, no que lhes for aplicável (artigo 258 do Código de Processo Penal). LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença; Além desses, outros dispositivos da Constituição Federal dispõem sobre direitos individuais (artigo 5.º, § 2.º, da Constituição Federal). A Constituição Federal previu a possibilidade de a pessoa jurídica ser o sujeito passivo da infração penal nos casos de crime contra a economia popular, contra a ordem econômica e financeira e nas condutas lesivas ao meio ambiente. 4.. Defensor O defensor não é sujeito processual. O defensor age em nome e nos interesses do acusado. Exerce a defesa técnica do acusado, que é tão importante e indisponível que poderá ser exercida ainda que contra a vontade do representado ou mesmo na sua ausência. No processo civil, o contraditório se designa pelo binômio “ciência necessária e participação possível”. No processo penal o contraditório deve ser real e efetivo, ou seja, exige-se no processo penal “ciência e participação necessárias”. A ampla defesa, no processo penal, constitui-se de: • autodefesa (dividida em dois aspectos: direito de presença e direito de audiência); • defesa técnica, desempenhada por pessoa legalmente habilitada, que é o advogado (artigo 133 da Constituição Federal). Pelos motivos já expostos, a defesa técnica é indispensável. A autodefesa, entretanto, poderá ser dispensada pelo réu (nunca pelo juiz), o que caracterizará a revelia. O Código de Processo Penal utiliza as seguintes denominações para o representante do réu: • procurador: é o advogado constituído por procuração ou indicado pelo réu no interrogatório, sendo que neste caso dispensa-se a procuração; • defensor: é nomeado pelo juiz e pode ser dativo (para o réu que, podendo, não constitui procurador) ou público (para o réu necessitado que não tem condições de constituir procurador); • curador: patrono do réu maior de 18 e menor de 21 anos, seja ele constituído ou nomeado. Se o acusado possuir habilitação técnica, ele mesmo poderá se defender. Para a realização de alguns atos no processo, o defensor precisa de poderes especiais, como poderes para argüir a suspeição, argüir falsidade de documento e concordar com perdão do querelante. Se o juiz nomear defensor, o réu, a qualquer tempo, poderá constituir outro ou pedir a substituição do primeiro. Se o réu tiver condições de pagar procurador e não constituir um, o juiz nomear-lhe-á defensor dativo, mas nesse caso ser-lhe-ão cobrados honorários advocatícios, arbitrados pelo juiz. O defensor nomeado pelo juiz tem o dever de aceitar a função, só podendo recusá-la por motivo justificado, sob pena de infração disciplinar. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, o defensor dativo não tem a obrigação de recorrer, mas, se o acusado interpuser recurso, o defensor dativo tem a obrigação de arrazoar o recurso. A intimação do defensor dativo é feita pessoalmente e a intimação do defensor constituído é feita por publicação na imprensa oficial. A Lei n. 1.060/50, artigo 5.º, § 5.º, que trata da assistência judiciária, prevê o prazo em dobro para o defensor público. A jurisprudência estende a prerrogativa do prazo em dobro ao defensor dativo e aos advogados com convênio na Procuradoria-Geral do Estado. Se existirem vários réus, o juiz deverá nomear um defensor para cada um deles, a fim de evitar colidência das teses defensivas, o que ensejaria nulidade absoluta. A falta do defensor, ainda que motivada, não implica adiamento do ato processual, devendo o juiz nomear ao réu um substituto ad hoc para o ato. Entendíamos desnecessária a nomeação de curador para o réu menor de 21 anos que já tenha defensor dativo ou constituído (súmula n. 352 do Supremo Tribunal Federal). Com a entrada em vigor do novo Código Civil, desapareceu a necessidade de curador para o menor de 21 anos. 5.. Assistente de Acusação 1.5.1. Introdução O assistente de acusação é parte contingente, eventual, no processo. Podem intervir no processo, como assistentes do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou na falta desses, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do ofendido (artigo 31 do Código de Processo Penal), sempre por intermédio de advogado (artigo 268 do Código de Processo Penal). Entendemos que o rol do artigo 31 é taxativo, mas não podemos deixar de mencionar que há autores que defendem a possibilidade do (a) companheiro (a) ser assistente. O Poder Público pode intervir como assistente da acusação? Para Tourinho, o Estado não pode intervir, pois o Ministério Público já defende o interesse público. Não há necessidade de o Estado participar como assistente da acusação. Para o Vicente Greco, é possível a intervenção do Estado, pois o Ministério Público, quando atua, defende interesse público primário (sociedade), e o Estado, quando se habilita como assistente da acusação, vai defender interesse público secundário (patrimonial). Algumas leis, entretanto, permitem que a Administração Pública habilite-se como assistente: • O Decreto-lei n. 201/67, que trata da responsabilidade dos prefeitos, no artigo 2.º, § 1.º, prevê expressamente a possibilidade de a Administração Pública federal, estadual e municipal atuar como assistente da acusação. • No mesmo sentido, o artigo 26, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro), permite a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central do Brasil em alguns casos. • Artigo 80 do Código de Defesa do Consumidor - Lei n. 8.078/90 - nos crimes previstos nessa lei. O co-réu pode ser assistente de acusação? Exemplo: lesões corporais recíprocas. Ambos são denunciados pelo mesmo delito. Serão ao mesmo tempo co-réus e vítimas. Um deles poderá habilitar-se como assistente de acusação? O artigo 270 do Código de Processo Penal dispõe que o co-réu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público, concluindo-se, portanto, pela impossibilidade da intervenção do co-réu como assistente da acusação. A doutrina, entretanto, observa a seguinte possibilidade: no processo, um deles é absolvido, o Ministério Público conforma-se com a decisão e esta transita em julgado, enquanto o outro é condenado e apela de sua decisão. Aquele que foi anteriormente absolvido posteriormente pode intervir como assistente da acusação, pois não é mais co-réu. 1.5.2. Finalidade do assistente de acusação Qual o interesse do assistente de acusação em ingressar no processo penal? Para uma primeira corrente, dominante na doutrina e na jurisprudência, o assistente tem o interesse de auxiliar o Ministério Público na busca da realização da justiça, reforçando a acusação, e de maneira secundária garantir a reparação do dano causado pelo ilícito. Essa é a posição de José Frederico Marques. Para uma segunda corrente, perfilhada por Tourinho, a intervenção do assistente fundamenta-se exclusivamente no interesse em obter uma sentença penal condenatória, título executivo judicial a ser executado no juízo cível, reparando os danos decorrentes do ato ilícito. É a posição que adotamos. A solução de muitas questões envolvendo o tema assistência dependerá da opção em se adotar a primeira ou a segunda corrente. Por exemplo: se no processo foi aplicado ao réu o sursis na sentença condenatória e o Ministério Público se conforma, o assistente de acusação poderá recorrer, interpondo apelação? Para os adeptos da primeira posição, o assistente quer a realização da justiça, a correta aplicação da lei ao caso concreto, podendo, portanto, interpor apelação. Para os adeptos da segunda posição, o assistente já alcançou seu objetivo, a sentença penal condenatória, restando executá-la no juízo cível. 1.5.3. Admissão do Assistente O assistente da acusação intervém em todos os termos da ação pública, enquanto não passar em julgado a sentença. Desta feita, não toma parte do inquérito policial nem da execução. Assim, pode intervir a partir do recebimento da denúncia até o trânsito em julgado da decisão. Deferida a habilitação, receberá o processo no estado em que se achar; não poderá, pois, pretender a renovação de atos processuais sobre os quais já ocorreu a preclusão. Sua intervenção se dará por meio de advogado com capacidade postulatória e poderes especiais. No Júri, se o assistente quer participar do julgamento, deve requerer a habilitação três dias antes do julgamento, salvo se já admitido anteriormente. A ausência do assistente não causa o adiamento do julgamento. O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente. O órgão ministerial manifesta-se somente sobre a legalidade. No tocante à avaliação pelo Ministério Público acerca da conveniência e oportunidade para a intervenção do assistente, existem duas posições: • Para o Prof. Tourinho, seguido pela maioria, o Ministério Público somente examina a legalidade da intervenção. As espécies de prisão são: • Prisão Penal ou Prisão com Pena. É a prisão decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, irrecorrível. • Prisão Processual, Provisória ou Cautelar. É a prisão decretada no curso do processo. Como tem natureza cautelar, precisam estar presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora para ser decretada. São espécies de prisão processual: • prisão em flagrante; • prisão preventiva; • prisão temporária; • prisão para apelar; • prisão por sentença de pronúncia. • Prisão Civil. A Constituição Federal não permite a prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel, conforme art. 5.º, inc. LXVII, da Constituição Federal. • Prisão disciplinar. É a prisão para as transgressões militares e os crimes propriamente militares. • Prisão administrativa. Com a Constituição Federal de 1988, a autoridade administrativa não pode mais aplicar a pena de prisão, sendo necessária a decretação pelo Poder Judiciário, respeitando-se o devido processo legal. 1.3. Mandado de Prisão O Código de Processo Penal, nos arts. 285 e ss., trata do mandado (ordem) de prisão. Conforme dispõe esse diploma, a autoridade judicial que ordenar a prisão expedirá o respectivo mandado, que será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade competente. Além de designar pelo nome ou sinais característicos a pessoa a ser presa, o mandado mencionará a infração penal que motivou a prisão, declarará o valor da fiança, se afiançável o delito, e será dirigido a quem tenha qualidade para executá-lo. O mandado será apresentado em duplicata, e o preso passará recibo em uma das vias. A execução do mandado será realizada em qualquer dia e horário, guardadas as disposições sobre inviolabilidade de domicílio. Na prisão em flagrante, não há inviolabilidade de domicílio. Exemplo: guardar entorpecentes em casa é um crime permanente, sua consumação se prolonga no tempo. A prisão em flagrante pode ocorrer a qualquer momento. 1.4. Prisão em Domicílio e em Perseguição A prisão decorrente de mandado deve respeitar a inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 5.º, inc. XI, da Constituição Federal. O mandado de prisão só poderá ser cumprido durante o dia, compreendido o interregno das 6 às 18h. Alguns entendem que o direito ao cumprimento do mandado de prisão se inicia com a aurora e se encerra com o crepúsculo. Nesse período, a prisão pode ser efetuada ainda que sem o consentimento do morador, podendo o executor arrombar as portas se preciso, conforme art. 293 do Código de Processo Penal. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa cometerá o crime de favorecimento pessoal, art. 348 do Código Penal. Estão excluídos o cônjuge, ascendente, descendente e irmão (cadi) do réu. Durante a noite, o mandado de prisão só será cumprido se houver concordância do morador. A recusa, nesse caso, não configura crime, é um exercício regular do direito. Se não houver concordância do morador, como cautela, as saídas devem ser vigiadas, tornando a casa incomunicável. Ao amanhecer será efetuada a prisão. No caso de perseguição, passando o réu para outra Comarca, o executor da prisão poderá prendê-lo onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade policial local, que lavrará o auto de prisão em flagrante, se for o caso, e providenciará sua remoção para apresentação ao juiz que determinou a prisão. 1.5. Prisão Especial Algumas pessoas, em razão de sua função, cumprirão a prisão processual em celas especiais ou quartéis – tal prisão só vigora até a sentença condenatória definitiva. É assegurado: alojamento condigno, alimentação, recreio, uso de vestuário próprio, assistência do advogado, assistência religiosa, assistência médica particular, visita de parentes e amigos em horário previamente fixado, visita de parentes próximos durante o expediente, sem horário determinado, recepção e transmissão de correspondência livremente, salvo casos especiais, e transporte diferenciado. O art. 295 do Código de Processo Penal relaciona aqueles que têm direito à prisão especial. Além desses, há outros previstos em leis especiais também. Se não houver estabelecimento adequado, poderá ser concedido o regime de prisão provisória domiciliar, na própria residência, de onde o preso não poderá se afastar sem prévio consentimento judicial. Conforme art. 86, § 3.º, da Constituição Federal, o Presidente da República não estará sujeito à prisão enquanto não sobrevier sentença condenatória transitada em julgado. 1.6. Prisão em Flagrante A palavra ‘flagrante’ vem do latim, significando ‘queimar’. Flagrante delito é o crime que ‘ainda queima’, isto é, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é uma medida restritiva da liberdade de natureza processual e cautelar. Consiste na prisão – independente de ordem escrita e fundamentada de juiz competente – de quem é surpreendido enquanto comete ou acaba de cometer a infração penal. Aplica-se também à contravenção. 1.6.1. Espécies de flagrante • Flagrante próprio: é o flagrante propriamente dito, real ou verdadeiro. O agente é preso enquanto está cometendo a infração penal ou assim que acaba de cometê-la– art. 302, incs. I e II, do Código de Processo Penal. • Flagrante impróprio: é o flagrante irreal ou “quase-flagrante”. O agente é perseguido logo após cometer o ilícito, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração– art. 302, inc. III, do Código Penal. • Flagrante presumido: é o flagrante ficto ou assimilado. O agente do delito é encontrado, logo depois, com papéis, instrumentos, armas ou objetos que fazem presumir ser ele o autor do delito– art. 302, inc. IV, do Código de Processo Penal. • Flagrante compulsório: as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de efetuar a prisão em flagrante, não possuindo qualquer discricionariedade. • Flagrante facultativo: é a faculdade que qualquer um do povo tem de efetuar ou não a prisão em flagrante, conforme os critérios de conveniência e oportunidade. • Flagrante preparado ou provocado: é o delito de ensaio, delito de experiência, delito putativo por obra do agente provocador. Ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime e, ao mesmo tempo, toma providências para que ele não se consume. No flagrante preparado, o policial ou terceiro induz o agente a praticar o delito e o prende logo em seguida, em flagrante. O Supremo Tribunal Federal considera atípica a conduta, conforme a Súmula n. 145. • Flagrante esperado: essa hipótese é válida. O policial ou terceiro esperam a prática do delito para prender o agente em flagrante. Não há qualquer induzimento. • Flagrante prorrogado: é o flagrante previsto no art. 2.º, inc. II, da Lei n. 9.034/95, que trata das organizações criminosas. O policial tem a discricionariedade para deixar de efetuar a prisão em flagrante no momento da prática delituosa, tendo em vista um momento mais importante para a investigação criminal e para a colheita de provas. Só é possível nesses crimes. • Flagrante forjado: é o flagrante maquinado, fabricado ou urdido. Policiais ou terceiros criam provas de um crime inexistente para prender em flagrante. Exemplo: o policial, ao revistar o carro, afirma ter encontrado drogas, quando na verdade foi ele quem colocou a droga dentro do carro, visando a incriminação. Apesar da dificuldade de sua prova, quando ela se dá é considerado crime inexistente, e o policial responde por abuso de autoridade. O flagrante em crime permanente pode ocorrer enquanto não cessar a permanência do delito. No tocante ao flagrante em crime habitual, surgiram duas correntes: • A primeira entende que o crime habitual exige a reiteração de condutas, logo, não cabe a prisão em flagrante. • A segunda afirma que, se já existe prova da habitualidade, pode ocorrer a prisão em flagrante. A ação penal privada não impede a prisão em flagrante, desde que o ofendido autorize a lavratura do auto ou a ratifique no prazo da entrega da nota de culpa, ou seja, em 24h. Não podem ser presos em flagrante: • Menor de 18 anos (menor é apreendido). • Diplomatas estrangeiros. • Presidente da República.
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