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Guias e Dicas
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Transição do Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar Social no Brasil: Implicações no Se, Notas de estudo de Cultura

Este documento discute a importância da transição do estado liberal para o estado de bem-estar social no brasil e suas consequências para o serviço social. O texto aborda a incongruência entre o projeto ético-político do serviço social e a retração do estado, a precarização do mercado de trabalho de assistentes sociais, e as políticas sociais implementadas durante este período. Além disso, o documento examina a luta dos movimentos sociais na formação deste modelo de estado.

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 06/05/2013

Selecao2010
Selecao2010 🇧🇷

4.4

(194)

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Baixe Transição do Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar Social no Brasil: Implicações no Se e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL JULIANA COSTA MEINERZ ZALAMENA AS ORGANIZAÇÕES ASSISTENCIAIS DO TERCEIRO SETOR NA REGIÃO FRONTEIRA NOROESTE: PARALELIDADE OU COMPLEMENTARIDADE À AÇÃO ESTATAL? Santa Rosa, RS. 2009 JULIANA COSTA MEINERZ ZALAMENA AS ORGANIZAÇÕES ASSISTENCIAIS DO TERCEIRO SETOR NA REGIÃO FRONTEIRA NOROESTE: PARALELIDADE OU COMPLEMENTARIDADE À AÇÃO ESTATAL? Trabalho de conclusão do curso de Graduação, apresentado ao Curso de Serviço Social do Departamento de Ciências Sociais – da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNUJUÍ como requisito para obtenção do grau de Assistente Social. Orientador: Professor Doutor Walter Franz Santa Rosa, RS 2009 2 Aos representantes das organizações assistenciais pesquisadas por terem autorizado a pesquisa de campo e participado dela. Aos professores Edemar Rotta, Solange Mix e Lislei Preuss, e demais professores do curso de Serviço Social, pelo empenho na nossa formação profissional e no esforço para nos tornar bons profissionais. Ao Professor Walter Franz, orientador desse Trabalho de Conclusão de Curso, por compartilhar a sua vasta bagagem de conhecimento conosco. Não querendo ser injusto e esquecer alguém, consciente de que haveria uma longa e interminável lista de pessoas a agradecer, muito obrigada a todos que de alguma forma contribuíram para esta conquista. E sem esquecer também, de todos aqueles que duvidaram, desestimularam, se tornaram ou criaram obstáculos a minha trajetória, também meu sincero agradecimento, pois mesmo na intenção contrária, acabaram estimulando ainda mais à vontade de vencer. Por isso, Comigo, quem quiser. Contra mim, quem puder! 5 Dedicatória Dedico este trabalho a todos os colegas que junto comigo lutaram pela fundação da ONG Rabiscando o Futuro de Tuparendi/RS, e continuam lutando para que o sonho de melhorar a vida de crianças e adolescentes desse município, a despeito das barreiras enfrentadas cotidianamente. A todos vocês! 6 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso aborda uma discussão em torno do eixo temático do Terceiro Setor. Tem como objetivo construir conhecimentos acerca da relação entre Estado e Sociedade Civil, mais precisamente no que tange as Organizações assistenciais e beneficentes constituídas e em funcionamento na Região Fronteira Noroeste, com base na qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP ou Titulo de Utilidade Pública Federal. A pesquisa compreendeu uma amostra de dezoito organizações, as quais responderam um questionário com perguntas fechadas e abertas, principalmente sobre a sua relação com o Estado, nas suas esferas municipal, estadual e federal. Palavras – Chave: Terceiro Setor, organizações assistenciais, Estado, Serviço Social. 7 O espaço territorial delimitado é a Região do Grande Santa Rosa, localizada no Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, que, segundo Rotta (2007), compreende vinte e dois municípios, sendo eles Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões, Cândido Godói, Doutor Maurício Cardoso, Horizontina, Independência, Nova Candelária, Novo Machado, Porto Lucena, Porto Mauá, Porto Vera Cruz, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, Senador Salgado Filho, Três de Maio, Tucunduva e Tuparendi. Há de se ressaltar que esse espaço territorial é bastante amplo, e o conceito de terceiro setor engloba todas as entidades e organizações da sociedade civil que não sejam vinculadas ao Estado, como associações de produtores, de moradores, cooperativas, movimentos sociais, sindicatos de categoria, entidades de defesa de classes, organizações não governamentais, etc. (NAVES, 2003). Por isso, restringe-se o estudo a aquelas organizações que realizam um trabalho assistencial, conforme a definição do Ministério da Justiça, possuindo Titulo de Utilidade Pública Federal ou qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, conforme os dispositivos legais aplicados ao Terceiro Setor no Brasil, ou seja, que se enquadram nos critérios estabelecidos pela Lei nº 9.790/99 e Lei nº 91/35. O título de Utilidade Pública Federal, a saber, “foi criado pela Lei nº 91 de 1935, como uma forma do Estado condecorar organizações dedicadas a servir desinteressadamente à coletividade” (ROMÃO, 2007, p. 24). Já as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, “foram criadas pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, regulamentadas pelo Decreto nº 3.100, de 30 de julho de 1999. Esse novo marco legal partiu da idéia, fruto de estudos da Comunidade Solidária , de que o público não é monopólio do Estado” (ROMÃO, 2007, p. 13). O assunto é recente, tanto quanto o próprio surgimento das organizações da sociedade civil, entidades e organizações não governamentais, de caráter privado mas com finalidades públicas, o que Fernandes (1994) classifica como público não-estatal. Na Europa e nos Estados Unidos, a responsabilidade pelo trato a Questão Social já vem a mais tempo sendo assumida pelo Terceiro Setor, desde a substituição do pacto keynesiano (Welfare State), pelo Projeto Neoliberal de Reestruturação Capitalista, a partir de meados da década de 70. Este tema justifica-se primeiramente pela relevância que assume enquanto produto das transformações societárias (Netto, 1996) no que sociólogos classificam como pós-modernidade 10 (TOURAINE, 1969 apud NETTO, 1996), sociedade de consumo (BAUDRILLARD, 1974 apud NETTO, 1996) ou ainda, capitalismo desorganizado (OFFE, 1985 apud NETTO, 1996) no intuito de caracterizar o contexto atual em que a humanidade se encontra. Bem como em relação à ligação íntima com a consolidação do Projeto Neoliberal de Reestruturação Capitalista, visando à desativação do Estado, que foi ao longo de toda a história de dominação do capitalismo, conforme Montaño (1999), um instrumento funcional à sua legitimação perante a sociedade enquanto sistema hegemônico. Assim, os debates em torno da questão do Terceiro Setor, termo inclusive criticado e não aceito por muitos estudiosos, adquiriu e mantem uma proeminência considerável no âmbito das ciências sociais, e também em outras áreas de conhecimento. Embora sejam muitas as obras encontradas a esse respeito, este tema está longe de ter um ponto final, um consenso, um esgotamento no espaço acadêmico e intelectual, pois perpassa e interfere diretamente nas próprias relações sociais. Por outro lado, representando a proliferação de organizações da sociedade civil e o fortalecimento do Terceiro Setor em primeiro lugar, como aponta Montaño (2002), uma mudança radical nos padrões de intervenção social nas refrações da questão social, objeto de trabalho do Serviço Social, é indiscutível que este tema rebate de múltiplas formas nessa profissão e tem conseqüências para a sua categoria e para as tendências profissionais futuras. O tema é de fundamental importância para o Serviço Social na medida em que a questão tem uma gama de implicações no que concerne à profissão: primeiramente, pode-se ressaltar a incongruência do Projeto Ético-Político do Serviço Social com a retração do Estado, e conseqüentemente dos direitos sociais conquistados e garantidos, mediante ao compromisso estabelecido pela categoria profissional com a causa dos trabalhadores, e não com a do capital (Netto, 1999). Assim, o projeto profissional adotado pela categoria, já muito divergente do projeto macrossocietário instituído pelo capital na sociedade, se torna praticamente impossível de ser materializado numa sociedade alicerçada em princípios neoliberais, onde os direitos sociais e a intervenção estatal estão extintos. De outro ponto de vista, o Terceiro Setor entendido como substitutivo à ação estatal pode rebater no Serviço Social na parte prática: primeiro, ocasionando uma crise de materialidade, 11 como aponta Serra (1993) apud Montaño (2002), direcionando as ações do Serviço Social apenas para a área terapêutica e sócioeducativa, devido a escassez de recursos nas organizações do Terceiro Setor, que dificilmente tem condições de se auto-sustentar e dependem demasiadamente da busca por financiamentos externos. E segundo, provocando uma precarização do mercado de trabalho dos assistentes sociais, conforme Montaño (1997), visto que o maior empregador até então é o Estado, e nessas entidades, o uso do trabalho voluntário e não remunerado é muito mais bem vindo do que a contratação de profissionais graduados. A pesquisa acerca desse tema justifica-se também pela necessidade de compreensão mais profunda desse fenômeno que ocasiona o constante crescimento e fortalecimento do Terceiro Setor, na maioria das vezes em detrimento da ação do Estado, as causas e conseqüências dessa mudança no padrão de intervenção social, saindo da predominante atuação estatal para a filantrópica ou caritativa. Para a categoria de assistentes sociais essa compreensão é fundamental na medida em que afeta diretamente as bases da profissão, seja teórica, nos compromissos éticos e políticos da categoria, no mercado de trabalho e na própria utilização de sua instrumentalidade. O assistente social foi, e por vezes ainda é, um elemento funcional e a serviço do capital, predominância essa que foi rompida especialmente após o Movimento de Reconceituação da profissão, na década de 60-70, desfazendo portanto a alienação do assistente social em relação a sua atuação (MARTINELLI, 1997). Pois bem, se o novo contexto em que a profissão e o profissional se inserem não for compreendido pelo profissional, ou seja, as mudanças ocasionadas pela lógica neoliberal no mundo contemporâneo, a categoria corre o risco de estar alheia à realidade, surgindo uma “nova modalidade” de alienação. Para tanto, novos e contínuos estudos devem ser realizados a fim de compreender o tema em questão, atentando para as particularidades locais de cada região, como premissa para uma atuação profissional comprometida com o Projeto Ético-Político do Serviço Social e não alienada da realidade social vivenciada. Assim, a escolha por este tema encontra fundamentação nesses argumentos, dada a contemporaneidade e aplicabilidade do tema, visto que a categoria de assistentes sociais precisa estar engajada num debate amplo, no sentido de encontrar alternativas combativas ao projeto neoliberal, presumidamente prejudicial à maioria da população (MONTAÑO, 2002), mas não sejam necessariamente antagônicas e desfavoráveis ao que 12 direitos, e muito menos do sistema protetivo recentemente elaborado no Brasil, que, segundo Montaño (2002) ratificou a tardia adesão ao modelo de Estado de Bem Estar Social. A ser comprovada com a pesquisa está a hipótese de que essas organizações não pretendem e jamais cogitaram serem substitutivas ao Estado, e simplesmente desejam realizar e fornecer, por meio da organização de atores sociais, serviços e benefícios que este não abrange em suas políticas, que estão longe de serem universais, ou seja, pretendem simplesmente suprir da melhor forma possível as lacunas e carências na atuação estatal. E assim, evitando simplismos e fatalismos, o que pode ser negado ou comprovado nessa pesquisa, é que as organizações da sociedade civil são um instrumento de ampliação da participação da sociedade civil nos canais institucionais, não só na reivindicação, mas também na gestão e implementação de políticas públicas. Assim, a expansão e fortalecimento da ação da sociedade civil na diminuição e/ou superação das nefastas refrações da questão social não precisa necessariamente significar uma adesão do governo brasileiro aos postulados do projeto neoliberal de reestruturação capitalista, deixando de lado, e pelo contrário, passem a ser alternativa de inclusão social dentro do sistema capitalista. Tendo esse pressuposto em mente, a questão central a ser respondida por este trabalho é se as Organizações Assistenciais pesquisadas agem de forma complementar ou paralelamente às ações estatais. As questões norteadoras elegidas já no projeto de pesquisa foram as seguintes: Quais são as características dessas organizações assistenciais a serem pesquisadas? Qual a importância e impactos sociais da atuação dessas organizações na área assistencial? Qual a relação das informações que serão coletadas com as teorias estudadas e com o contexto global do Terceiro Setor? Quais os aspectos relevantes acerca da relação entre as Organizações a serem pesquisadas e as esferas estatais? Como é a inserção e qual é a contribuição do Serviço Social nas referidas organizações? No esforço de responder essas questões, adotou se uma metodologia de pesquisa condizente com o problema pesquisa e objetivos da mesma, que encontra-se exposta na integra no primeiro item do terceiro capítulo deste trabalho. Os três capítulos em que se estrutura o presente trabalho, procuram de uma forma clara expor as diferentes vertentes de debates 15 realizados em torno do “Terceiro Setor”, a historicidade do fenômeno e por fim, a relação com o contexto local. Num primeiro momento, no primeiro capítulo, resgata-se a importância do referencial teórico para a fundamentação de qualquer trabalho científico. Por outro lado, para que o tema seja compreendido em sua totalidade, é importante também a busca pelo passado, para que se identifique os seus determinantes e condicionantes configurados no presente: ou seja, todo o fenômeno tem uma historicidade que precisa ser resgatada. No segundo capítulo, depois de conhecida as causas históricas do fenômeno, debruça-se sobre o caso particular brasileiro, perpassando rapidamente as fases de governo do país, detendo- se mais, então, no período que sucede a Constituição Federal de 1988. Perpassa assim, o período de Reforma do Estado, da sanção da lei 9790/99, da aplicação do Termo de Parceria, até que se chegue, finalmente, a relação de todo este processo, com implicações negativas e positivas, com o Serviço Social. No terceiro capítulo, detém-se a contextualização da Região Fronteira Noroeste, explanando brevemente sobre sua formação e conjuntura atual, e a exposição dos resultados da pesquisa documental e de campo sobre o tema em questão. Por fim, expõe-se as considerações finais, sempre provisórias, sobre a temática abordada, seguidas do referencial bibliográfico e apêndices. 16 CAPITULO I - PRIMEIRO, SEGUNDO E TERCEIRO SETOR: A FRAGMENTAÇÃO DA SOCIEDADE O capitalismo está presente em qualquer processo histórico, desde que este sistema tornou-se o dominante. O surgimento e desaparecimento de modelos diferentes de Estado e de governo se devem, majoritariamente, a fase na qual o capitalismo se encontrava. Não é diferente no momento atual, e para entender profundamente como isso acontece, a revisão do passado se faz necessária. Por isso, neste primeiro capítulo, a reflexão se destina aos antecedentes do chamado modelo neoliberal, e junto com ele o “Terceiro Setor”, mas que tem uma ligação intrínseca com as transformações e posturas adotadas nos dias de hoje. 1.1 Na história moderna, a culpa de tudo é do capitalismo As organizações assistenciais e suas recentes formas de relação com o aparelho estatal, foco da pesquisa aqui projetada, fazem parte de um fenômeno que emerge, segundo Fernandes (1994), já na década de 70, mas que tem seu auge na década de 90: o Terceiro Setor. Este termo não é consensual, havendo duras críticas a sua aplicabilidade, assim como também o seu conceito, está longe de ser homogêneo e universal. O debate é bastante recente, e sendo assim, são comuns muitos dissensos na bibliografia sobre a temática, havendo concepções diferentes, que decorrem de distintos vieses de 17 planos de ação destinados a promover interesses sociais coletivos e subsidiar e socorrer a falida economia capitalista. O Estado capitalista no pós-guerra, passou a “se envolver com o processo de provisão social (...), desenvolver uma expressiva atividade regulamentadora que inclui medidas fiscais e toda uma gama de intervenções que vão desde leis trabalhistas até a garantia do acesso do cidadão comum a serviços e benefícios de natureza pública”(PEREIRA, 1998, p. 61). O processo de transição do Estado liberal para o Estado de Bem Estar Social foi impulsionado por alguns fatores determinantes ou condicionantes, entre eles, segundo Pereira (1998), o acirramento da questão social e a crise econômica mundial de 1929. O primeiro por que a formação de uma classe de assalariados, com uma consciência de classe e seus movimentos reivindicatórios na Europa determinou o surgimento de um conjunto de leis e medidas de proteção social; e o segundo, por que a crise econômica vivenciada na época e agravada pela Grande Depressão em 1929, produziu mudanças significativas na forma liberal de conceber o Estado, “abrindo espaços para uma efetiva intervenção do Estado na economia e na sociedade” (PEREIRA, 1998, p. 61). Assim, entre os anos 40 e 70, os pilares do Estado de Bem Estar Social foram as “políticas de pleno emprego, serviços sociais universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de um umbral sócio-econômico, considerado condigno pela sociedade, abaixo do qual a ninguém seria permitido viver” (PEREIRA, 1998, p. 61). No plano econômico, a intervenção do Estado na economia, deveria assegurar o “alto nível de atividade econômica mediante o investimento público, o trabalho intensivo, a propensão ao consumo e o pleno emprego” (PEREIRA, 1998, p. 61). Ainda segundo esta autora, no plano social o intervencionismo estatal entra em cena na organização de sistemas de seguridade pública como “direito do cidadão e obrigação do Estado (Idem). A fundamentação teórica deste modelo de Estado partiu de Keynes, para o qual o Estado deveria assumir um papel de direção quando a elevação do crescimento e do bem estar material, e ainda, na regulação da sociedade civil (MORAES, 2002). O mercado sozinho não conseguiria se 20 livrar das crises, solucionar os conflitos e para isso o Estado deveria ter uma centralidade, segundo o pensamento keynesiano. As políticas sociais, entendidas por Pereira (1998, p; 60), como “modernas funções do Estado capitalista (...) de produzir, instituir e distribuir bens e serviços sociais categorizados como direitos de cidadania”, podem ser classificadas, conforme esta autora (p. 62) em políticas contributivas, contratuais e mercadorizáveis voltadas para o atendimento de necessidades de cidadãos incluídos no mercado de trabalho, e as políticas distributivas, não contratuais, não contributivas e desmercadorizáveis. Quanto a essas últimas, Pereira (1998) ainda divide as políticas distributivas entre monetárias, ou seja, a transferência de auxílio em dinheiro aos cidadãos destituídos de renda, e as não monetárias, que compreendem benefícios e serviços gratuitos nos campos da saúde, educação e assistência social, entre outras provisões custeadas pelo Estado. Evidentemente, reconhece-se a importância do Estado de Bem Estar Social para a consolidação dos direitos sociais através de legislação protetiva e políticas sociais para materializá-las. Também não é possível ignorar que, de acordo com Moraes (2002, p. 38), este modelo de Estado e os benefícios que trouxe para a classe trabalhadora não teria acontecido jamais sem a luta dos movimentos operários, que formularam reivindicações do tipo em decorrência do acirramento da questão social naquele período. Assim, o Estado de Bem Estar Social também é fruto de conquistas históricas dos movimentos trabalhistas, e qualquer estudioso seria reducionista se minimizasse esses ganhos para as classes exploradas pelo capital. Mas também não se pode deixar de observar que as políticas sociais adotadas pelo Estado neste período estão também ligadas às artimanhas do capitalismo para manter os trabalhadores mais ou menos contentes com sua condição e resignados a aceitar a lei de acumulação capitalista, que a eles se traduz como a lei de exploração capitalista. Como aponta Martinelli (1997), conforme o sistema capitalista foi se desenvolvendo e se consolidando como o sistema econômico mundial, conseqüentemente foi-se aumentando a exploração e a extração da mais valia, o combustível necessário para a acumulação capitalista. Para extrair essa mais valia, em outras palavras, o lucro, os donos do capital – dos meios de 21 produção – sugam a força de trabalho daqueles que nada possuíam além disso para vender, em troca de um salário – a classe proletária. A divisão entre os donos do capital (burguesia) e a classe que trabalha (proletários), e a exploração desmedida que se sucede da primeira sobre a segunda, ocasiona aquilo que a maioria dos autores em consenso denominam como “questão social”. Abrindo um parênteses, a questão social2 é entendida aqui como os conflitos e contradições entre capital e trabalho, que se expressam em um conjunto de problemas sociais que atingem a classe proletária, e geram tensões e lutas entre as classes, de acordo com o entendimento de Castel (1999). Pois bem, quando a questão social fica extremamente acirrada, a exploração da classe trabalhadora atinge patamares desumanos, a miséria e os problemas sociais causados se tornam inquestionáveis, visíveis, e até incômodos para a sociedade, é quando, precisamente, o capital começa a mostrar-se incapaz de sustentar, reproduzir e controlar a classe proletária, que ele mesmo criou. Os proletários, conforme resgata Martinelli (1997), adquirindo consciência de classe, unindo-se e organizando-se em movimentos sociais reivindicatórios, passam a ameaçar a hegemonia capitalista enquanto sistema dominante. Concordando com essa autora, pode-se afirmar que não é nada difícil compreender por quê o capital amedronta-se tanto com a questão social e a manifestação da classe subalterna, pois afinal, num passado nem tão longínquo assim, os próprios burgueses eram a classe oprimida pelo sistema feudal, e organizados em classe, protagonizando uma revolução, conquistaram o poder, derrubando o já desgastado feudalismo. Ora, a história lhes dava de presente um exemplo, que a burguesia viveu na carne: um sistema em crise e desgastado, não legitimado pela sociedade, e por outro lado uma classe subalterna revoltada e disposta a conquistar seus direitos, é igual a revolução, que somada a proliferação de ideologias comunistas, é igual a tomada do poder pela classe trabalhadora e a derrubada do sistema dominante. Uma fórmula com uma boa 2 Muito embora os debates acerca da questão social são centralizados no período de industrialização e da transformação do trabalho humano em mercadoria (Iamamoto, 2003), existem autores como Castel (1998), que entendem que ela sempre existiu, no entanto, nos diferentes momentos históricos, foi originada e exposta por diferentes causas, esboçou diferentes refrações, acompanhando as evoluções e involuções dos sistemas societários diversos pelos quais a humanidade já passou, acompanhando especialmente as mudanças no mundo do trabalho. Na perspectiva desse autor, o trabalho ao longo dos tempos sofreu inúmeras mudanças, e a questão social as acompanhou. Assim, o surgimento de novas facetas da questão social, como aponta Castel (1998), não supera as antigas desigualdades, apenas acrescenta novas desigualdades. 22 O termo neoliberalismo aparece nessa conjuntura para demonstrar que as teorias em moda de "livre jogo do mercado" e "completa liberdade da lei da oferta e da procura" estavam imperfeitas. A partir da década de 70 passou a denotar a doutrina econômica que defende a incondicional liberdade de mercado e uma reserva à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta incidir em setores indispensáveis e ainda assim num grau mínimo, em outras palavras, a minarquia (ANDERSON, 1995). Como exemplos dos primeiros governos neoliberais pode-se citar do de Margareth Tatcher, na Inglaterra, de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, Khol na Alemanha, e Schluter, na Dinamarca. Pouco a pouco, a Europa toda viraria direita neoliberal. Na América Latina tem surgido desde a década de 90, zonas de neoliberalismo, embora tardiamente. No Brasil, o governo Collor adotou princípios claramente neoliberais, mas o auge deste modelo se deu com o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. Alguns estudiosos já prevêem o aparecimento do neoliberalismo na Ásia (ARRIGUI, 2008). Esse processo é concomitante, segundo Netto (1996), ao surgimento de transformações societárias que alteram todo o padrão de sociabilidade humana. Basicamente, essas transformações decorrem da adoção do modelo neoliberal de desenvolvimento, a troca do sistema rígido (fordista) de produção para um modelo flexível, aliados ainda à globalização intensificada, a financeirização do capital e aquilo que autores como Schaff (1993) apud Netto (1996) chama de Terceira revolução industrial, ou seja, os avanços tecnológicos sem precedentes. As transformações são contundentes no plano do trabalho: segundo Netto (1996), a própria troca dos padrões produtivos já altera as relações de trabalho, modificadas ainda pela adoção de novas tecnologias que reduzem a necessidade de trabalho vivo e aumentam a necessidade de qualificação dos trabalhadores, e por outro lado, precarizadas pela quase anulação das leis de proteção ao trabalhador. No plano social, Netto (1996) aponta as seguintes transformações: a transformação na estrutura de classes, a mudança do perfil da própria classe que vive do trabalho, e ainda, modificações no perfil demográfico3, expansão da urbanização, crescimento do setor terciário, a 3 A mudança no perfil demográfico é caracterizada por Netto (1996) por dois fatores: o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de natalidade, que faz com que haja mais pessoas idosas e menos pessoas jovens. 25 difusão da educação formal e os novos circuitos de comunicação social. Para Netto (1996) temos ainda, a emergência de novos atores sociais, as mulheres e os jovens, que são protagonistas nas relações de trabalho, e como não poderia deixar de ser, a emergência de cada vez mais segmentos excluídos, marginalizados e completamente desprotegidos. No plano cultural, a mudança mais relevante apontada por Netto (1996) trata da lógica de mercado que transbordou para todos os outros segmentos da vida social, ou seja, a ideologia da mercadoria invade inclusive a vida intima das pessoas. A cultura adquire traços de mercadoria4, inclusive pela elaboração de formas culturais socializáveis pelos meios eletrônicos. No plano político: sofrendo os impactos da nova “ordem tardo-burguesa” ( NETTO, 1996, p. 98), Estado e Sociedade Civil se modificam completamente em esferas, funções e relações. Ainda, de acordo com o autor, há uma crise das tradicionais expressões de classes subalternas (sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais), emergência de novos movimentos sociais em busca de novos direitos. O estado mantem o seu caráter de classe (Netto, 1992, p. 22), ou seja, continua sendo do e para o capitalismo, mas experimenta um redimensionamento: “A mudança mais imediata é a diminuição da sua ação reguladora (...), encolhimento de suas funções legitimadoras”. Quando o capital rompe com o pacto keynesiano, que dava suporte ao Welfare State, acontece a retirada das coberturas sociais públicas, o corte nos direitos sociais. Em outras palavras, a redução do estado na sua ação para com as classes subalternas. A redução do Estado em parte decorre do processo de globalização pela quebra das fronteiras nacionais onde está circunscrito o controle estatal e pela impossibilidade do estado em intervir na articulação global do grande capital; Para Netto (1996, p. 100), “é evidente que o capitalismo tardio não liquidou com o Estado Nacional, mas é também claro que vem operando no sentido de erodir a sua soberania”. 4 Embora Netto (1996) assuma que existe uma cultura de consumo, ele não compactua com a teoria de Sociedade de Consumo, cujo interlocutor é Baudrillard. 26 A ideologia neoliberal defende o Estado Mínimo para os trabalhadores, mas o Estado Máximo para o capital (Netto, 1993, p. 81). Este projeto da ordem burguesa conquistou hegemonia pela satanização, a desqualificação do Estado. “As corporações transnacionais, o grande capital, implementam a erosão das regulações estatais visando claramente à liquidação de direitos sociais, ao assalto ao patrimônio e ao fundo público, com a desregulação sendo apresentada como ‘modernização’ que valoriza a sociedade civil, liberando-a da tutela do Estado protetor – e há lugar, nessa construção ideológica, para a defesa da ‘liberdade’, da ‘cidadania’ e da ‘democracia’” (NETTO, 1996, p. 100). Segundo Netto (1996) há uma cultura política anti-Estado. E o pior de tudo é que forças da esquerda também incorporaram a idéia da priorização da sociedade civil. A desqualificação do estado é a chave da ideologia neoliberal para liberar a acumulação capitalista das amarras regulatórias impostas pela lógica democrática no seio do Estado (Montaño, 1999). Para Netto (1996, p. 102), “(...) a flexibilização do capitalismo tardio, levando a classe- que-vive-do-trabalho á defensiva e penalizando duramente a esmagadora maioria da sociedade, não resolveu nenhum dos problemas fundamentais postos pela ordem do capital”. Ainda, ampliou a magnitude desses problemas, como o abismo existente entre ricos e pobres, possuidores e despossuídos, aumentando o racismo e a xenofobia, ampliando a crise ecológica. Em síntese, as transformações societárias configuram uma série de vitórias do grande capital, mas essas vitórias capitalistas não trouxeram absolutamente nada de positivo para a classe trabalhadora, e pelo contrário, contribuíram para conter as lutas sociais e reverter direitos sociais historicamente conquistados (NETTO, 1996). Essas vitórias do capital custaram aos trabalhadores, primeiramente, o seu emprego, pois como sabemos, o desemprego estrutural vem aumentando significativamente nas últimas décadas, e ainda, para aqueles que conseguiram manter o seu emprego, custaram um ataque aos sistemas públicos de seguridade social. Em Sennet (1999), encontra-se por exemplo toda uma obra explanando acerca das influências das novas configurações do capitalismo em sua fase atual no que ele chama de corrosão do caráter, ou seja, o impacto que toda essa conjuntura macroeconômica e social tem impactos na própria esfera pessoal. Para ele, caráter pode ser entendido como “(...) o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros”, ou ainda” (...) são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros 27 Por trás disso, há que se acentuar, estão as determinações do grande capital para o ajustamento das economias nacionais latino-americanas ao projeto de reestruturação capitalista, orientado pela ótica neoliberal, formulada pelo seu maior expoente, Hayek, e que se expandiu nas últimas décadas, superando rapidamente a proposta de Keynes. As diferenças básicas entre os dois projetos estão diretamente ligadas ao Estado: Enquanto Keynes propunha o “pacto social”, a intervenção do chamado Estado de Bem-Estar Social na questão social, reduzindo a níveis toleráveis as suas refrações, diminuindo os conflitos e a luta de classes, estas deixando de serem uma ameaça ao capital, e assim, reproduzindo-o, Hayek, por sua vez, saiu por um caminho radicalmente oposto, propondo a desregulação total, o Estado mínimo, e a transferência das responsabilidades do Estado no trato a questão social para o âmbito da própria sociedade civil (NAVES, 2003). Em síntese, como explica Naves (2003), seria um desmonte literal do Estado, sua insignificância, a retirada de suas atribuições econômicas e sociais, enquanto agente regulador do mercado e das relações sociais, a modificação nas bases de suas funções na garantia de um certo equilíbrio social. Estas funções todas seriam passadas para o mercado, e, segundo Naves (2003) no caso das responsabilidades sociais, para a sociedade civil, já que para os neoliberais o mercado seria um agente regulador quase que “metafísico”, capaz de controlar tudo (inclusive os próprios interesses individuais e relações entre os indivíduos), aplicando a tudo e a todos a lógica da concorrência. Assim, não há dúvida que neste Projeto Neoliberal, o Estado em sua configuração “de bem estar social”, não encontraria lugar. Isso não significa de forma alguma que termina o casamento entre o capital e o Estado, pois o segundo, sempre tão submisso e servil nessa relação, não perde totalmente a sua funcionalidade para o primeiro: ele continua sendo a fonte mais certa de socorro perante uma crise. Ou seja, para quê manter um Estado Social, se o capital, do ponto de vista neoliberal, atingiu um nível de desenvolvimento tamanho, em que é capaz de conseguir sozinho a legitimação perante a sociedade em relação ao sistema, e ainda, conseguir sozinho regular a economia e a sociedade, funções estas que o Estado Moderno assumiu e desempenhou desde o 30 seu princípio? Além da “irracionalidade” de manter uma instituição com políticas sociais que custam caro para o capital nem são mais tão necessárias assim, já que os movimentos reivindicatórios e a atividade sindical esfriou significativamente, existe um outro viés ainda mais desinteressante ao capital: a periculosidade da lógica democrática existente dentro do Estado capitalista, criada para legitimar o sistema, mas que se expandiu fora dos limites e se continuar crescendo, pode ameaçar a sua hegemonia (COUTINHO, 1987 apud MONTAÑO, 1999). Aqui no Brasil o modelo de Estado de Bem Estar Social está longe de poder ser equiparado ao Welfare State desenvolvido na Europa ou ao New Deal dos Estados Unidos. É apenas com a expansão do capitalismo industrial e o acirramento da questão social, que fica posta e inegável no contexto nacional, que o governo Vargas passa a adotar as primeiras formas de políticas sociais no Brasil. Se por um lado, como evidencia Iamamoto e Carvalho (2003), a repressão e a violência característicos do regime militar foram sim aplicados aos segmentos mais revolucionários, com idéias comprovadamente comunistas, por outro, os menos combativos dentro do proletariado recebem como fator atenuante de sua revolta, os benefícios e serviços governamentais, concedidos é claro, mediante o bom comportamento dos trabalhadores em seu espaço de trabalho, como não participar de greves, dentre outras coisas. É a partir daí que se impulsiona por exemplo, a criação das instituições assistenciais estatais, a começar com as previdenciárias – Institutos de Caixas e Pensões – perpassando a Legião Brasileira de Assistência – LBA, o Serviço de Aprendizagem Industrial – SENAI, o Serviço Social da Indústria – SESI, etc. (IAMAMOTO, 2003). Todas essas formas primitivas de políticas sociais acabaram por dar origem, num longo e lento processo, aos direitos sociais expressos em legislação – a Constituição Federal de 1988 – operacionalizados através de um Sistema de Garantia de Direitos e materializados por políticas sociais e assistenciais governamentais, que acaba por ratificar a condição brasileira de Welfare State (MONTAÑO, 1999). Por outro lado, dota-se o povo de um certo poder político, que dá ele a ilusão de estar participando ativamente dos processos decisórios em seu país em pé de igualdade (cada cidadão, um voto). Como acrescenta Coutinho (1987) apud Montaño (2002), ainda procura-se manter os 31 movimentos sociais, de categoria, os partidos políticos de esquerda e os sindicatos de classe, dentro dos canais institucionais, dentro de uma permissiva “legalidade”, podendo assim controlá- los mais de perto e evitar rebeldias excessivas. Aí que se desenvolve uma segunda lógica (a democrática), para legitimar a primeira (a capitalista). Acontece que, nessa complexa relação, como retoma Coutinho (1987) apud Montaño (2002), na medida em que se dota o povo de muito poder, existe o risco deste usar-se disso, contrapor-se ao próprio Estado e ao sistema, rebelar-se7. E depois, como nos lembra Montaño (2002), o capital nunca quis a legislação trabalhista e muito menos as políticas sociais, mas sim, acabou sendo um sapo que teve que engolir, um preço a pagar pela sua hegemonia e tranqüilidade no poder8. Com os novos rumos do capital e da categoria trabalho nas últimas décadas, o enfraquecimento dos movimentos sociais, a inexistência prática de uma esquerda efetivamente combativa, a descrença generalizada nas organizações de classe, sindicatos, partidos políticos e no próprio Estado, aliados a tão falada globalização, a substituição da proposta do pacto social de Keynes pelo Estado mínimo de Hayek, a aplicação do projeto neoliberal de reestruturação capitalista em âmbito mundial, tornou a questão da substituição do Estado por instâncias mais eficientes tornou-se a palavra de ordem. Mais, o pressuposto de que, como diz Naves (2003), o mercado é um agente auto-regulador, e regulador de absolutamente tudo e todos, inclusive da própria vontade dos seres humanos, o Estado Social e suas políticas sociais, que foi a base do capitalismo desde o pós-guerra até a década de 70, e tinha a função justamente de regular a sociedade quanto aos interesses do capitalismo, se torna uma futilidade dispensável. E se o Estado Moderno, é uma estrutura criada pelo capitalismo, que sempre existiu – entre outras coisas – para legitimar o sistema capitalista, perdeu sua funcionalidade para o capital, todos os instrumentos estatais de regulação e controle social também não são mais úteis e podem ser descartados. É um típico exemplo do criador dispensando a sua criatura. 7 Como apontam Alford e Friedland (1991, p. 59) apud Montaño (1999, p. 51), há um grande risco de que “a participação política cresça mais do que a institucionalização política”. 8 Como apresenta Coutinho (1989), “não é possível compatibilizar a plena cidadania política e social com o capitalismo”. A contradição não é portanto, do capitalismo com o Estado, pois estes são perfeitamente compatíveis, e ainda, de acordo com o processo histórico estudado, um é o sustento do outro. De modo que, a contradição nesse aspecto reside entre o capitalismo e as plenas cidadania e democracia (Burdeau, in Montaño, 1992:33). 32 A previdência, o direito do cidadão se aposentar depois de ter trabalhado por um número determinado de anos, foi considerada pelo Plano Diretor, a grande vilã da crise fiscal do Estado, e ao lado da assistência social e da saúde, foram alvo de minimizações significativas. Ainda de acordo com Yasbek (1995) apud Montaño (2002), a questão social a partir desse período é re-filantropizada, ou seja, retira-se a responsabilidade do Estado nas respostas à manifestações da questão social, e passa-se essa atribuição para as organizações da sociedade civil, ou para o terceiro setor, usando-se do termo mais utilizado nas obras consultadas. Para a autora, um claro retorno às idéias de caridade, à noção de filantropia. Uma afirmação pertinente a se fazer, compreende o fato de que, segundo Montaño (2002), o processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil seguiu rumos diferentes do caso europeu e mesmo norte-americano. Como já vimos, o Estado Moderno foi uma criação do capitalismo em seus tempos de ascensão na Europa, quando a burguesia tomou o poder durante a Revolução Francesa, desmantelando o já agonizante Sistema Feudal. Como percebe-se claramente, na Europa o capitalismo teve um tímido início, com pequenas trocas monetárias no começo da Idade Média (MARTINELLI, 1997). Desde então ele foi se desenvolvendo, até superar completamente Sistema Feudal, e instaurar-se como sistema hegemônico. Assim, na Europa, houve um processo de maturação do capitalismo, e segundo Mazzio (1997, p. 113) apud Montaño (2002), um processo de ruptura com o sistema anterior. No Brasil, diferentemente, não houve nenhum desses processos, e o capitalismo latino-americano, ainda de acordo com Montaño (2002), foi imposto ‘de cima para baixo’. No Brasil e nos demais países latino-americanos, portanto, o capitalismo instaurou-se de uma forma muito distinta do caso europeu e norte-americano, e assim, quando reportamo-nos a qualquer discussão referente ao comportamento do capitalismo, do Estado e da sociedade por aqui, é obrigatório levar-se em conta as particularidades econômicas, sociais, culturais e históricas como influências coadjuvantes no processo de consolidação do sistema dominante. Contextualizando o Brasil no capitalismo, pode-se dizer que este país surgiu como uma colônia dependente política, social e economicamente da coroa portuguesa, e em segundo plano, da Espanha. O modelo econômico praticado na época baseava-se na exportação de um produto 35 único, ou seja, de matéria-prima, e a importação de produtos já industrializados, sendo um mercado explorado exclusivamente pela metrópole. Ainda, acrescente-se a isso o trabalho baseado no escravismo e o sistema de propriedade latifundiária, ou seja, grandes extensões de terra nas mãos de apenas alguns senhores (MONTAÑO, 2002). Quando Dom Pedro I “proclamou a independência”, uma das condições para isso funcionar era o aceite dos países europeus. Esse, entre outros fatores, condicionou o novo império a uma dependência da potência mundial daquela época, a Inglaterra. Mais tarde, essa dependência saiu da Inglaterra e centrou-se nos Estados Unidos. Ou seja, o Brasil sempre foi um país dependente, primeiramente política e economicamente de Portugal e Espanha, e depois financeira e tecnologicamente, da Inglaterra e nos Estados Unidos, mudando apenas o centro e a modalidade da dependência (MONTAÑO, 2002). Como no Brasil não há uma revolução burguesa como a que ocorreu na Europa, nosso país se insere no que autores como Habermas (1980), classifica de “capitalismo tardio”. Não havendo um processo de maturação do capitalismo, e nem tampouco uma ruptura com o sistema anterior, segundo Montaño (2002), o Brasil acaba mantendo as características coloniais, as heranças culturais, econômicas e até políticas do modelo oligárquico rural, que perduram até hoje, como a dependência externa e mais concretamente, o próprio latifúndio, ainda defendido pelos remanescentes latifundiários das oligarquias rurais. Estas diferenças no processo de inserção e no desenvolvimento do capitalismo, longe de trazer aspectos positivos, pelo contrário, acentuou ainda mais as desigualdades, injustiças e exclusão social, perpetuando as disparidades na distribuição de renda, e em síntese, deu uma personalidade ainda mais cruel para a questão social no Brasil e nos demais países periféricos. E como o próprio termo já diz, ou seja, “capitalismo tardio”, não é difícil concluir que tudo aqui chegou com um certo atraso em relação aos países centrais: a própria indústria, a estratificação de classes, a luta de classes com base no conflito capital e trabalho, os preceitos do Welfare State como método eficaz de controle da massa trabalhadora, as políticas sociais, as instituições assistenciais, a legislação protetiva da Constituição Federal de 1988. 36 Assim, quando Bresser Pereira (1998), afirma que a Constituição Federal representou um retrocesso em termos de reforma gerencial do Estado, acentuando a estrutura burocrática e patrimonialista, a interpretação não é complicada de ser desvendada: já que tudo aqui chega com algumas décadas de atraso, quando finalmente o Brasil resolve consolidar finalmente um sistema de proteção social através da nossa Carta Magna de 88, com a idéia de políticas sociais e assistenciais – abrangentes, universais e não contratualistas – enquanto direitos do cidadão e responsabilidade do Estado, chegando sofrivelmente a uma condição de “quase” Welfare State, com a adoção do pacto social de Keynes, nos países norte-americanos e da Europa central estes pressupostos já haviam sido engavetados a muito tempo, as políticas sociais e a idéia de direito social já não estava mais no topo das estratégias de controle social e legitimação do capitalismo, e a ótica neoliberal já estava comandando a muito tempo as reformas do Estado. De acordo com Netto (1999, p. 77), a Constituição Federal de 1988 chegou o mais perto possível do pacto social, ou seja, a primeira tentativa efetiva de construção de um Estado de Bem Estar Social. Acontece que num momento em que, a nível mundial, os preceitos de Welfare State são postos em xeque e já apresentam sinais de declínio (Netto, 1993). Era a corrente neoliberal que ganhava a hegemonia internacional na década de 80, conforme sentencia Montaño (2002). Quando o Brasil assume um sistema de proteção social, finalmente, ele já está defasado em relação aos países que ditam as regras no mundo. Assim, o pacto social é rapidamente substituído pela ótica neoliberal: com o trágico governo Collor, começa a adentrar no Brasil um consenso quanto ao “ajuste” do Estado, e o novo ideário capitalista se apresenta por demais contraditório aos preceitos constitucionais11. A burguesia começa a se dar conta disso, e de acordo com Ianni (1989, p. 100), com seus compromissos táticos com o proletariado, e adotando as estratégias capitalistas em seu próprio beneficio. Para Montaño: Inicia-se, lenta e gradualmente, o processo de reestruturação (ajuste) capitalista no Brasil. Começa a amadurecer a idéia de reformar o Estado, eliminando os aspectos “trabalhistas” e “sociais” já vindos do período varguista nos anos 30-60 (de ‘desenvolvimento industrial’ e de constituição do ‘Estado Social), e, particularmente, esvaziando as conquistas sociais contidas na Constituição de 1988 (MONTAÑO, 2002, p. 36). 11 Para Netto (1999, p. 78), “levar a prática o pacto social plasmado na Constituição de 1988 equivalia, no plano econômico, à redução das taxas de exploração e, no plano político, à construção de mecanismos democráticos de controle social” 37
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