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Recursos Hídricos em Regiões Áridas e Semiáridas, Manuais, Projetos, Pesquisas de Engenharia Ambiental

Pesquisa sobre recursos hídricos editado por Salomão de Sousa Medeiros, Hans Raj Gheyi, Carlos de Oliveira Galvão, Vital Pedro da Silva Paz. Campina Grande, PB: Instituto Nacional do Semiárido, 2011.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2011

Compartilhado em 01/11/2011

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assis-sousa-2 🇧🇷

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Baixe Recursos Hídricos em Regiões Áridas e Semiáridas e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Engenharia Ambiental, somente na Docsity! HÍDRICOS Instituto Nacional do Semiárido Articulação, Pesquisa, Formação, Difusão e Política O tema recursos hídricos é, sem dúvida, um dos mais discutido e, também, pouco entendido, em toda a sua abrangência. Esta obra, que agora tenho a honra de apresentá-la, é produto da articulação do INSA com pesquisadores de várias instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior, com atribuições de estudar e desenvolver tecnologias para a solução de problemas envolvendo aspectos hídricos. É resultado, também, da política editorial do Instituto, incentivando a pesquisa colaborativa e articulada, a difusão científica ágil e em formato adequado à formação de técnicos, com atuação nesse tema, além de atualizar conhecimentos para os agentes que aperfeiçoam e executam políticas públicas regionais. Esta publicação também pretende trazer à luz novos conceitos, experiências e informações, contribuindo para a conservação e gestão das águas. RECURSOS HÍDRICOS EM REGIÕES ÁRIDAS E SEMIÁRIDAS Equipe Técnica Editoração Eletrônica Water Luiz Oliveira do Vale Capa Silvana Ramos Alves Revisão de Texto Nísia Luciano Leão (Português) Normatização Maria Sônia de Azevedo Impressão Triunfal Gráfica & Editora Editora Instituto Nacional do Semiárido Campina Grande, PB Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Instituto Nacional do Semiárido R294 Recursos hídricos em regiões áridas e semiáridas / editores, Salomão de Sousa Medeiros, Hans Raj Gheyi, Carlos de Oliveira Galvão, Vital Pedro da Silva Paz - Campina Grande, PB: Instituto Nacional do Semiárido, 2011. 440 p. : il, 15,5 x 21,0 cm ISBN 978-85-64265-011 1. Recursos hídricos. 2. Água - reúso. 3. Bacia hidrográfica - manejo. I. Medeiros, Salomão de Sousa. II. Gheyi, Hans Raj. III. Galvão, Carlos de Oliveira. IV. Paz, Vital Pedro da Silva. V. Instituto Nacional do Semiárido CDD 333.91 Os temas, dados, figuras e conceitos emitidos neste Livro, são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores. A eventual citação de produtos e marcas comerciais não significa recomendação de utilização por parte dos autores/editores. A reprodução é permitida desde que seja citada a fonte. Apresentação Articulação, pesquisa, formação, difusão e proposição de políticas públicas são as funções do Instituto Nacional do Semiárido – INSA, visando a contribuir para o desenvolvimento sustentável da região. Em seu caminhar, o INSA está sensibilizando, a muitos, sobre as implicações negativas de continuar a prevalência histórica da visão do Semiárido brasileiro como região problema, que só inspira intervenções com base no paradigma das adversidades. Por isso, muitos já aceitam a urgência de se construir outro ‘conceito de semiárido’, revelando-nos ser esta região viável e a nos inspirar intervenções a partir do paradigma das potencialidades. Em regiões com características de aridez e semiaridez, em todo o mundo, o tema recursos hídricos é, sem dúvida, um dos mais discutido e, também, pouco entendido, em toda a sua abrangência. Esta obra, intitulada Recursos Hídricos em Regiões Áridas e Semiáridas, que agora tenho a honra de apresentá-la, é produto da articulação do INSA com pesquisadores de várias instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior, com atribuições de estudar e desenvolver tecnologias para a solução de problemas envolvendo aspectos hídricos. É resultado, também, da política editorial do Instituto, incentivando a pesquisa colaborativa e articulada, a difusão científica ágil e em formato adequado à formação de técnicos, com atuação nesse tema, além de atualizar conhecimentos para os agentes que aperfeiçoam e executam políticas públicas regionais. Esta publicação também pretende trazer à luz novos conceitos, experiências e informações, contribuindo para a conservação e gestão das águas. O livro Recursos Hídricos em Regiões Áridas e Semiáridas abrange quatorze capítulos, escritos por especialistas com grande experiência em suas áreas de atuação. Os dois primeiros abordam aspectos da Política Nacional de Recursos Hídricos e de políticas públicas, incluindo a científica e tecnológica, com interfaces com a gestão dos recursos hídricos. Os cinco capítulos seguintes tratam de uso da água e seu consumo de forma sustentável, seja na agricultura – irrigada ou de sequeiro – na piscicultura, no meio urbano ou na indústria. Cinco outros capítulos abrangem as águas disponíveis para suprimento de demandas e aspectos específicos de seu uso, manejo e gestão: águas superficiais, subterrâneas, as dos grandes e pequenos açudes, as captadas da chuva e armazenadas em cisternas e as reutilizadas. Os dois capítulos finais abordam aspectos do clima atual e suas perspectivas futuras no Semiárido brasileiro e relações com a hidrologia e a biosfera da região. Esperamos, enfim, seja este livro relevante para estudantes, pesquisadores, profissionais e todas as pessoas interessadas no tema recursos hídricos do semiárido brasileiro, contribuindo para o novo paradigma de ser viável a região e serem muitas as suas potencialidades. Campina Grande - PB, Fevereiro de 2011 Roberto Germano Costa Diretor do Instituto Nacional do Semiárido Agradecimentos A publicação Recursos Hídricos em Regiões Áridas e Semiáridas prescindiu da participação de 30 pesquisadores de várias instituições, de modo que o produto final culminou em quatorze capítulos reunindo informações da mais alta qualidade para a comunidade científica e para sociedade do Semiárido brasileiro. Neste sentido, os editores agradecem à diretoria do INSA pelo honroso, mas árduo convite para organizar este volume, em meio à vasta temática dos recursos hídricos em regiões Áridas e Semiáridas, e aos seus colaboradores que se envolveram de forma efetiva para consolidação desta obra. Agradecemos também as instituições onde os nossos colaboradores atuam pelo uso irrestrito da sua infraestrutura; a Agência Nacional de Águas e ao Banco do Nordeste do Brasil pelo apoio institucional e financeiro respectivamente, dispensado na elaboração desta obra. Aos leitores desejamos uma boa leitura! Campina Grande-PB, Fevereiro de 2011 Editores Salomão de Sousa Medeiros Instituto Nacional do Semiárido Hans Raj Gheyi Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Carlos de Oliveira Galvão Universidade Federal de Campina Grande Vital Pedro da Silva Paz Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Autores Aderaldo de Souza Silva– Graduado em Agronomia. Doutor em Edafologia pela Universidad Politécnica de Madrid. Atualmente é Pesquisador da Embrapa Semiárido. Linha de Pesquisa: recursos hídricos escassos, agronegócio da irrigação e qualidade ambiental. Asher Kiperstok – Graduado em Engenharia Civil. Doutor em Engenharia Química e Tecnologias Ambientais pela University of Manchester Institute of Science and Technology. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal da Bahia e Coordenador da Rede de Tecnologias Limpas. Linhas de pesquisa: prevenção da poluição e minimização de resíduos e produção limpa, gerenciamento ambiental na indústria e aplicação de programação matemática para gerenciamento e prevenção da poluição. Carlos de Oliveira Galvão (editor) – Graduado em Engenharia Civil. Doutor em Recursos Hídricos e Seneamento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Campina Grande. Linhas de pesquisa: hidrologia do semiárido e gestão de recursos hídricos. Danielle Ferreira de Araújo – Graduada em Agronomia. Mestre em Irrigação e Drenagem pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é doutoranda em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal do Ceará. Linhas de pesquisa: racionalização do uso de água em perímetros irrigados, erosão do solo em irrigação por sulcos. Edilton Carneiro Feitosa – Graduado em Geologia. Mestre em Geofísica para Hidrogeologia pela Université Louis Pasteur. Atualmente é professor aposentado da Universidade Federal do Pernambuco e consultor em Hidrogeologia da Associação Tecnológica de Pernambuco e da Fundação para o Desenvolvimento da UFPE. Linhas de Pesquisa: estudos hidrogeológicos regionais, definição de mananciais e geofísica aplicada à hidrogeologia. Elder Almeida Beserra – Graduado em Meteorologia pela Universidade Federal de Campina Grande. Mestre em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Linhas de Pesquisa: modelagem climática da atmosfera e mudanças climáticas. Lincoln Muniz Alves – Graduado em Meteorologia pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atualmente é Pesquisador Assistente da Divisão de Sistemas Naturais do Centro de Ciências do Sistema Terrestre Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Linhas de Pesquisa: mudanças climáticas, previsão climática e modelagem numérica. Luiza Teixeira de Lima Brito – Graduada em Engenharia Agrícola. Doutora em Recursos Naturais pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é pesquisadora da Embrapa Semiárido. Linha de pesquisa: recursos hídricos escassos e qualidade ambiental. Marcelo Juanicó – Graduado em Biologia. Doutor em Oceanografia Biológica. Atualmente é Diretor da Juanicó-Environmental Consultants Ltd. – Israel. Linha de pesquisa: desenho de processos, tratamento e reúso de águas residuárias e gerenciamento de salmouras e fluentes salinos. Marcos Daisuke Oyama – Graduado em Engenharia de Infra-Estrutura Aeronáutica. Doutor em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atualmente é Pesquisador do Centro Técnico Aeroespacial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Linha de pesquisa: interação biosfera-atmosfera e previsão quantitativa de precipitação. Paulo Nobre – Graduado em Meteorologia. Doutor em Meteorologia pela University of Maryland System. Atualmente é Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Linha de pesquisa: interação oceano-atmosfera, previsão e previsibilidade climática e modelagem acoplada oceano-atmosfera. Pedro Lopes Pruski – Graduando em Engenharia Agrícola e Ambiental na Universidade Federal de Viçosa. Raimundo Nonato Távora Costa – Graduado em Agronomia. Doutor em Irrigação e Drenagem pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Ceará. Linhas de pesquisa: irrigação por superfície, drenagem agrícola e racionalização de água em perímetros irrigados por superfície. Ricardo de Araújo Kalid – Graduado em Engenharia Química. Doutor em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal da Bahia. Linha de pesquisa: reconciliação de dados e estimativa da incerteza de variáveis de processos, otimização ambiental de processos industriais e urbanos e desenvolvimento e transferência de tecnologias limpas. Ricardo Franci Goncalves – Graduado em Engenharia Civil. Doutor em Engenharia do Tratamento de Águas pela Institut National Des Sciences Appliquées Toulouse. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santos. Linhas de pesquisa: sistemas de coleta e transporte de esgoto sanitário, tratamento e reúso de águas residuárias aproveitamento e racionalização do uso da água em edificações. Salomão de Sousa Medeiros (editor) – Graduado em Engenharia Agrícola. Doutor em Recursos Hídricos e Ambientais pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente é Pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido. Linhas de pesquisa: gerenciamento de águas em áreas irrigadas e reúso de águas. Vandemberk Rocha de Oliveira – Graduado em Agronomia. Mestre em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é Gerente de Operação e Manutenção do Perímetro Irrigado Tabuleiros de Russas, Ceará. Linhas de pesquisa: manejo da irrigação e gestão de água em perímetros irrigados. Vital Pedro da Silva Paz (editor) – Graduado em Engenharia Agrícola. Doutor em Agronomia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Linhas de pesquisa: irrigação, evapotranspiração e reúso de águas. 4.2.3 Composição e análise da tarifa de água K2 ....................................................... 92 4.2.4 Planejamento e outorga de uso da água .................................... 92 4.2.5 Indicadores de desempenho ..................................................... 94 4.2.5.1 Custo médio de energia elétrica ....................................... 94 4.2.5.2 Tarifas de água: K2 fixo e K2 variável ................................ 95 4.2.5.3 Autossuficiência financeira do Distrito de Irrigação .......... 96 4.2.5.4 Impacto da tarifa de água K2 na produção ......................... 98 4.2.5.5 Rentabilidade da área ....................................................... 98 4.2.5.6 Rentabilidade da água ...................................................... 98 4.3 Uso racional e conservação de água .................................................. 99 4.3.1 Eficiência de aplicação e de uso da água no cultivo do arroz .. 100 4.3.2 Condução e aplicação de água através de politubo janelado ... 102 4.3.3 Irrigação localizada com aproveitamento de água de fonte subterrânea ............................................................................. 104 4.3.4 Reúso de água da irrigação por sulcos em sistemas localizados ............................................................................. 107 4.4 Consideraçoes finais ....................................................................... 110 Referências bibliográficas ...................................................................... 111 5 Conservação e uso racional de água: Integração aquicultura-agricultura . 113 5.1 Introdução...................................................................................... 114 5.2 Panorama da aquicultura no mundo ............................................... 116 5.3 Panorama da aquicultura no brasil .................................................. 118 5.4 Desafios da aquicultura .................................................................. 121 5.5 Quantitativo de água para aquicultura ............................................ 123 5.6 Qualidade de água para aquicultura ................................................ 126 5.7 Estratégias para racionalização e conservação de água na aquicultura127 5.7.1 Integração aquicultura - agricultura ......................................... 129 5.7.1.1 Aquicultura em canais de irrigação ................................ 131 5.7.1.2 Aquicultura em ambientes modulares e agricultura irrigada - escala familiar ................................................. 133 5.7.1.3 Aquicultura em ambientes modulares e agricultura irrigada - escala industrial ............................................... 136 5.7.1.4 Rizipiscicultura .............................................................. 137 5.7.1.5 Aquaponia ..................................................................... 140 5.7.2 Aquicultura com água de rejeito de dessalinizadores .............. 142 5.7.3 Aeração mecânica .................................................................. 144 5.7.4 Biorremediação ...................................................................... 147 5.7.5 Boas práticas de manejo (BPM) .............................................. 149 5.7.5.1 BPM para conservação da água ....................................... 149 5.7.5.2 BPM para a construção dos ambientes de cultivo ........... 150 5.7.5.3 BPM para as espécies cultivadas e alimentação .............. 150 5.7.5.4 BPM para uso de terapêuticos e outros produtos químicos ........................................................................ 151 5.8 Considerações finais ....................................................................... 151 Referências bibliográficas ...................................................................... 152 6 Uso racional de água no meio urbano: Aspectos tecnológicos, legais e econômicos .......................................................................................... 163 6.1 Introdução...................................................................................... 164 6.2 Reengenharia do ciclo urbano da água no semiárido ....................... 166 6.3 Ações preliminares: Aumento da eficiência dos sistemas atuais de abastecimento .................................................................. 171 6.3.1 Ações na escala meso ............................................................ 171 6.3.1.1 Redução das perdas físicas ............................................. 175 6.3.1.2 Perdas aparentes ............................................................ 176 6.3.2 Ações na escala micro ............................................................ 176 6.3.3 Ações não estruturais para conservação de água e energia ....... 178 6.4 Ações intermediárias: Gerenciamento integrado dos sistemas de água potável, esgoto sanitário e de águas pluviais ....................... 179 6.4.1 Manejo de águas pluviais urbanas .......................................... 179 6.4.2 Sistemas prediais de aproveitamento de água pluvial .............. 181 6.4.3 Reúso de esgoto sanitário ....................................................... 185 6.4.3.1 Planejamento do reúso ................................................... 187 6.4.3.2 Usos e padrões de qualidade recomendados para a água de reúso .............................................................. 190 6.5 Considerações sobre o nível de tratamento ..................................... 192 6.5.1 Reúso de esgoto sanitário ....................................................... 192 6.5.2 Reúso de águas cinzas ............................................................ 195 6.6 Ações de longo prazo: Saneamento ecológico ................................. 198 6.7 Considerações finais ....................................................................... 201 Referências bibliográficas ...................................................................... 201 7 Conservação dos recursos hídricos no semiárido brasileiro frente ao desenvolvimento industrial ................................................................ 207 7.1 Introdução...................................................................................... 208 7.2 Consumo de água industrial no contexto regional ........................... 209 7.3 O que é consumo racional de água na indústria? ............................ 213 7.4 Água e energia ................................................................................ 216 7.5 Usos de água na indústria ............................................................... 217 7.6 Consumo de água industrial sob a ótica da produção limpa ............ 223 7.7 Metodologia para a racionalização do consumo de água industrial: A experiência da rede de tecnologias limpas da Bahia – TECLIM ......................................................................... 226 7.7.1 A parceria universidade-indústria ............................................ 227 7.7.2 Conhecimento de como a água é utilizada nas plantas industriais .............................................................................. 228 7.7.3 Aproximação dos saberes acadêmico, operacional e industrial ............................................................................. 231 7.7.4 Inserção dos conceitos de produção mais limpa (P+L) através da capacitação permanente e em larga escala ............... 231 7.7.5 Balanço hídrico com dados reconciliados ............................... 233 7.7.6 Implementação de um banco digital de idéias ........................ 234 7.7.7 Implantação de sistema de informações geográficas (SIG) ....... 235 7.7.8 Otimização das redes de transferência de massa ..................... 235 7.7.9 Análise da inserção da empresa no ciclo hidrológico regional .................................................................................. 236 7.7.10 Elaboração de projetos conceituais ....................................... 237 7.7.11 Auditoria de fontes de alimentação de efluentes ................... 237 7.8 Resultados alcançados .................................................................... 237 7.9 Considerações finais ....................................................................... 242 Referências bibliográficas ...................................................................... 244 8 Águas superficiais no semiárido brasileiro: Desafios ao atendimento aos usos múltiplos .................................................................................. 249 8.1 Introdução...................................................................................... 250 8.2 O semiárido e as águas .................................................................. 252 8.2.1 Aspectos físicos ..................................................................... 252 8.2.2 Aspectos culturais .................................................................. 253 8.2.3 Aspectos políticos .................................................................. 255 8.3 Os potenciais hidráulicos ............................................................... 256 8.3.1 Estimativa do potencial hidráulico ......................................... 257 8.3.2 Estimativa dos potenciais hidráulicos para a bacia do rio Jaguaribe ........................................................................... 258 8.4 O aproveitamento do potencial hidráulico ...................................... 260 8.4.1 O aproveitamento do potencial do potencial hidráulico móvel ..................................................................................... 260 8.4.2 O aproveitamento do potencial do potencial hidráulico fixo .. 261 8.5 Desafios ao aproveitamento múltiplo ............................................. 261 8.5.1 Alocação das águas entre usos competitivos ........................... 262 8.5.2 Gerenciamento da planície de inundação ............................... 262 8.5.3 Manutenção de uma vazão mínima nos rios ........................... 263 8.5.4 Suprimento de água em populações rurais e coleta das águas residuárias ............................................................... 264 8.5.5 Sistemas urbanos de água ....................................................... 265 8.5.6 Manutenção da qualidade das águas ....................................... 266 12.4.3 Nutrientes nas águas residuárias ........................................... 371 12.4.4 Relação contratual entre os setores urbano e rural ................. 372 12.4.5 Uso de reservatórios de águas residuais como unidades de tratamento ....................................................................... 372 12.4.6 Critérios para tratamento de águas residuárias para irrigação . 373 12.4.7 Salinização dos solos e aquíferos: Uma ameaça à sustentabilidade ................................................................. 374 12.5 Considerações finais ..................................................................... 377 Referências bibliográficas ...................................................................... 378 13 Variabilidade e mudanças climáticas no semiárido brasileiro ............... 383 13.1 Introdução .................................................................................... 384 13.2 Clima do semiárido brasileiro ...................................................... 386 13.3 Variabilidade espacial e temporal do clima no semiárido ............. 388 13.3.1 Variabilidade sazonal e intrassazonal ................................... 388 13.3.2 Variabilidade interanual: El Niño Oscilação Sul (ENOS) e influência do Oceano Atlântico Tropical ............................ 390 13.3.2.1 El Niño e La Niña ........................................................ 390 13.3.2.2 Influência do Oceano Atlântico Tropical ...................... 392 13.3.3 Variabilidade interdecadal .................................................... 393 13.3.4 Tendências de longo prazo ................................................... 394 13.4 Extremos climáticos observados .................................................... 396 13.5 Estudo de casos: Secas e cheias na região ...................................... 398 13.6 Mudanças climáticas no semiárido ............................................... 400 13.6.1 Cenários de emissão de gases de efeito estufa ....................... 401 13.6.2 Projeções de modelos regionais do Relatório de Clima do INPE ................................................................. 401 13.6.3 Novas projeções do modelo regional Eta CPTEC-HadCM3 até 2100 ............................................................................... 403 13.6.3.1 Projeções de chuva e extremos de chuva ....................... 403 13.6.3.2 Projeções de temperatura e extremos de temperatura .... 405 13.6.4 Projeções do balanço hídrico (Precipitação- Evapotranspiração) ................................................................ 408 13.6.5 Mudanças na delimitação do semiárido do Nordeste do Brasil ............................................................................... 411 13.7 considerações finais ..................................................................... 413 13.8 Agradecimentos ............................................................................ 415 Referências bibliográficas ...................................................................... 416 14 Impactos de mudanças climáticas globais na hidrologia do semiárido do Nordeste brasileiro para o final do século XXI ................................. 423 14.1 Introdução .................................................................................... 424 14.2 Capacidade de armazenamento hídrico e retenção de umidade nos solos no semiárido do Nordeste brasileiro .............................. 424 14.3 Os cenários de mudanças climáticas sobre o Nordeste para o final do século XXI e seus impactos na disponibilidade hídrica .. 427 14.4 Previsões climáticas e de estresse hídrico crescente no semiárido do Nordeste do Brasil .............................................. 429 14.5 Impactos de mudanças climáticas globais na vegetação do semiárido do Nordeste brasileiro, para o final do século XXI .... 432 14. 6 Considerações finais .................................................................... 437 Referências bibliográficas ...................................................................... 437 3A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro organização de um sistema institucional especializado na questão dos recursos hídricos. Esta vontade normativa não se estabelece por si nem de pronto; há que se enfrentar a força da tradição cultural e política que, com sua materialidade histórica, pode capturar as instituições propostas por este sistema nascente, preservando-lhes o conteúdo da tradição. Os fóruns participativos de tomada de decisão no Nordeste semiárido têm que vencer além de seu clássico risco de burocratização, outro não menos danoso, ou seja, o de legitimar, em novas formas, os velhos conteúdos. Os avanços da reforma da água iniciada na constituição de 1988 e definida na Lei 9.433/97, já têm dado frutos ao semiárido na elaboração das Leis Estaduais de Recursos Hídricos, na definição de um interlocutor institucional para a questão da água, na alocação negociada de água, na construção de fóruns participativos de discussão e decisão sobre recursos hídricos, entre outros progressos. No entanto, as vitórias e dificuldades deste processo devem ser avaliadas com serenidade, sem o ufanismo que só identifica os acertos e não possibilita a evolução do sistema, fragilizando-o, ou a crítica pela crítica que, ao não identificar os avanços, conspira com as forças que antagonizam a reforma contribuindo, desta forma, para cessá-la. Uma visão integral deste processo é necessária e deve ser construída, de forma a possibilitar a consolidação das boas mudanças e a retificação dos equívocos do caminho. Este capítulo pretende oferecer uma contribuição na delimitação do problema de recursos hídricos no semiárido e de veredas para serem trilhadas pela Política Nacional de Recursos nesta região brasileira. Inicialmente, procura-se descrever as características da natureza e da sociedade no semiárido e quais as questões de recursos hídricos imergem desses condicionantes; em seguida, apresentam-se a política nacional de recursos hídricos, segundo a definição da Constituição de 1988 e da Lei 9.433/97, a ocorrência do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, Sistemas Estaduais e da Agência Nacional de Águas (ANA) e os Programas de Ação do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Uma análise das confluências e divergências da problemática da água no semiárido e das proposições é feita para, finalmente, identificar os desafios da Política Nacional e se propor uma agenda para os recursos hídricos no semiárido. 1.2 CARACTERÍSTICAS DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO Esta seção objetiva caracterizar a natureza e a sociedade do semiárido, de forma a possibilitar a identificação dos problemas atuais dos recursos hídricos, nesta região. Visão panorâmica sobre o semiárido pode ser encontrada, entre outros, no livro “Natureza e Sociedade do Semi-Árido” (Souza Filho & Moura, 2002). 1.2.1 A natureza no semiárido A natureza no semiárido traz, em si, a marca da escassez hídrica. Do ponto de vista climático, a definição de semiárido vem da classificação do clima de Thornthwaite 4 Francisco de A. de Souza Filho (Ayoade, 1988) que o definiu em função do Índice de Aridez (IA), que é reconhecido como a razão entre a precipitação e a evapotranspiração potencial. A Tabela 1.1 apresenta a faixa do índice de aridez para diversos climas da terra. Tabela 1.1 Classificação climática com base no índice de aridez A paisagem desta região é dominada pela mata branca ou, na língua indígena, “caatinga”. O bioma da caatinga é um dos maiores, ocupando grande parte da região do Nordeste do Brasil. A caatinga é região de grade biodiversidade e nela foram identificados mais de 600 tipos de árvore, enquanto em toda a Europa foram identificados 100. Existe uma grande variedade de matas na caatinga (por exemplo: caatinga densa, arbustiva) caracterizando grande variabilidade deste ambiente, o que enseja a denominação, no plural, de caatingas. O semiárido brasileiro possui localização anômala em relação aos ambientes de climas áridos e semiáridos tropicais e subtropicais da terra (Ab´Saber, 1974). Estudo realizado pela FUNCEME e BNB (2005), identificou sete unidades geossistêmicas no semiárido brasileiro, com área total de 853 mil km2. Entre essas unidades a depressão sertaneja ocupa quase 50% da área. Mencionadas unidades geoambientais se encontram brevemente descritas na Figura 1.1 e na Tabela 1.2. A marca da região semiárida é a heterogeneidade de seus geoambientes ou de suas paisagens. Figura 1.1 Grandes unidades geosistémicas do semiárido do Nordeste Brasileiro identificadas pela FUNCEME e BNB (2005) Semiaridone.shp ChapadaDiamantina DepressãoSertaneja açudes ÁreasSub-Úmidas MaciçosResiduais PlanaltocomCoberturaCalcária PlanaltodaBorborema PlanaltoSedimentar PlanícieCosteira Polig_secas.shp Limite_estadual.shp 300 0 300 600 Miles N EW S Limite_estadual.shp Polig_secas.shp Semiaridone.shp hap da Diamantina epressão Sertaneja Açudes Áreas Subúmidas Maciço Re iduais Planalt com Cobertur Calcária Planalto da Borborema Planalto S dimentar Planície Costeira Índice de aridez IA < 0,05 0,05 < IA < 0,20 0,20 < IA < 0,50 0,50 < IA < 0,65 0,65 < IA < 1,00 IA > 1,00 Classificação Hiper árido Árido Semiárido Subúmido seco Subúmido úmido Úmido 5A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro A delimitação do semiárido encontra outras definições, além da apresentada pela FUNCEME. O Ministério da Integração Nacional definiu, em 2005 (MI, 2005), uma nova delimitação do semiárido brasileiro a partir de três critérios técnicos: precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm;  índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico, que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; risco de seca maior que 60% tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Em referência a esta classificação, o semiárido brasileiro passou a ter 969.589,4 km2, cobrindo 11% do território nacional e contendo 1.132 municípios em dez Estados da Federação (PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, BA e MG). O ponto central do relato anterior é a reafirmação de que a escassez hídrica e a heterogeneidade espacial são características que marcam a região semiárida brasileira. Desta forma, a ocorrência da água e sua apropriação pela sociedade (transformando-a em recursos hídricos) são centrais para o entendimento da dinâmica da natureza e da sociedade desta região. A ocorrência da água no semiárido é marcada por sua grande variabilidade espacial e temporal. A precipitação média anual pode variar espacialmente de 400 a 2.000 mm. As precipitações são de verão (dezembro-fevereiro) e de outono (março-maio), tendo o sul do semiárido nordestino maior precipitação de verão e a parcela setentrional precipitações de outono. Este regime de chuvas se dá sob pronunciada sazonalidade, com a precipitação ocorrendo praticamente sobre um período do ano. Este regime de chuvas sobre os solos rasos do cristalino na depressão sertaneja, impõe a existência de rios intermitentes em diversas regiões. Adicionalmente, ocorre uma significativa variabilidade interanual que impõe secas e cheias severas, sobreposta à variabilidade plurianual (decadal) que produz sequências de anos secos ou úmidos. A Figura 1.2 ilustra este processo de variação. Tabela 1.2 Principais unidades geoambientais do semiárido brasileiro Nome Precipitação anual (mm) Relevo (m) Vegetação Economia Planalto da Borborema 400 a 600. Existem locais de 1300 600 - 1000 Caatinga hipoxerófila; floresta perenifólia, subcaducifólia e caducifólia Propriedades pequenas e médias. Policultura/ pecuária e pecuária extensiva Depressão Sertaneja 500 - 800 Suave ondulado: testemunhos de ciclos de erosão Caatinga hipoxerófila Agricultura para consumo local, caprinocultura e ovinulcultura Maciços e serras Baixas 700 - 900 300 - 800 Variada, podendo ser florestas ou caatinga Propriedades grandes e médias. Agropecuária tradicional Tabuleiros Costeiros 800 - 1700 50 - 100 Mata úmida e subúmida Na zona mais úmida a cana- de-açucar 8 Francisco de A. de Souza Filho quando observa a permanência do quadro histórico da agricultura de subsistência no semiárido atual, perseverando as “Velhas Secas”, que contrastam com os “novos sertões” semeados pelos ventos de mudanças aqui identificados. Neste processo se reforça a clivagem entre o rural e o urbano, entre a agricultura irrigada de capital intensivo e a agricultura de subsistência, entre a sociedade autoritária e paternalista tradicional e as políticas de assistência governamentais, essas clivagens tencionam a sociedade do semiárido. 1.2.3 Temas da política de águas do semiárido Os problemas de recursos hídricos no semiárido do nordeste ocorrem em um espaço natural e social heterogêneo, impondo problemas diferentes que exigem soluções específicas. A primeira clivagem é estabelecida por aqueles que pertencem e pelos que não pertencem a um sistema de recursos hídricos (hidrossistema). Comumente, os que não pertencem a um sistema de recursos hídricos são frequentemente as populações rurais difusas e a agricultura de sequeiro. O acesso à água das populações rurais difusas continua a ser um problema significativo, não obstante sua redução percentual devido à imigração para centros urbanos. Aqui se faz imprescindível a água para beber e para produzir. Diferentes políticas públicas com base em uma solução tecnológica específica, têm passado pelo semiárido, como ondas: a pequena açudagem, os poços como dessalinizadores e as cisternas são algumas delas. Essas políticas não estão baseadas, com frequência, em uma visão integrada do território e promovem uma solução homogênea para um espaço sócio-natural heterogêneo. A homogeneização da solução impõe que se somem, aos exemplos de sucesso onde a solução promovida pela política é a mais adequada, exemplos de dificuldades onde a mesma não o é deixando-se, desta forma, de explorar o melhor de cada tecnologia disponível. Demanda-se aqui uma política que integre alternativas de abastecimento adequadas para os diferentes espaços sendo necessárias, para este fim, a elaboração de uma cesta de tecnologias de abastecimento e uma cesta de modelos gerenciais que produzam solução sustentável do ponto de vista técnico, financeiro, administrativo e social. A agricultura de sequeiro contempla uma grande variedade, indo da agricultura de subsistência ao latifúndio capitalista. Esta variedade traduz níveis de vulnerabilidade e oportunidades diferentes à variabilidade do clima e à disponibilidade hídrica. O entendimento das alternativas de ação e consequente processo de decisão de cada um desses subconjuntos de agricultores de sequeiro, deve ser o passo inicial na definição da estratégia de ação específica. Para alguns desses a previsão da disponibilidade hídrica através do uso da previsão climática pode ser relevante e, para outros, a assistência social pode ser a ação necessária. Os que pertencem a um hidrossistema são aqueles que têm seu abastecimento de água associado a um manancial superficial (reservatório, rio perenizado, aluvião 9A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro recarregado por perenização) ou subterrâneo (grande aquífero sedimentar). Nesses hidrossistemas pode haver um uso/usuário ou múltiplos usos/usuários. A definição da disponibilidade hídrica e como a mesma será apropriada pelos diferentes usos/ usuários, é o problema central desses hidrossitemas. As características do semiárido (clima e geologia) impõem que o potencial hídrico da região carece, para ser ativado, de construção de infraestrutura física. Por exemplo, os solos rasos da depressão sertaneja e a pronunciada sazonalidade e variabilidade climática interanual, impõem que a disponibilidade hídrica em grande escala seja superficial e que reservatórios que transportem a água durante o ano (devido à sazonalidade) e entre anos (devido à variação interanual), sejam construídos, constituindo-se esta uma característica marcante dos recursos hídricos do semiárido. As infraestruturas físicas que viabilizaram o uso (reservatórios, poços, canais...) podem ser de uso singular ou múltiplo. Devido à escala de investimento, todos os sistemas de maior porte são de uso múltiplo e tiveram implantação com financiamento público. A infraestrutura de recursos hídricos no semiárido necessita ser implantada, operada e mantida e deve promover benefícios para a sociedade; para este fim, três classes de ações são inerentes aos recursos hídricos no semiárido: i) a construção da infraestrutura hídrica; ii) sua operação e manutenção e iii) a gestão da apropriação desses recursos escassos e, desta forma, conflituosos pelos usuários de água. A problemática dos recursos hídricos posta desta forma traz, em si, uma questão de escala. O abastecimento das populações difusas é frequentemente pontual e os hidrossistemas têm sua ocorrência na escala de bacia hidrográfica sendo, desta forma, regional. 1.3 A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS 1.3.1 Constituição e Lei Nacional de Recursos Hídricos A Constituição de 1988 redefiniu o domínio das águas do Brasil, estabelecendo os rios de domínio do Estado (com nascente e foz no mesmo Estado, Artigo 26 Constituição de 1988) e os de domínio Federal (os que ultrapassam fronteiras estaduais e/ou cruzam a fronteira brasileira, Artigo 20 Constituição de 1988) e definiu a existência de um sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos. A Lei 9.433/97 definiu a Política Nacional de Recursos Hídricos em seus fundamentos, objetivos e instrumentos, e regulamentou a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Esta Lei estabeleceu, como fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, que: i) a água é um bem de domínio público; ii) a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; iii) em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; iv) a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar, sempre, o uso múltiplo das águas; v) a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do 10 Francisco de A. de Souza Filho Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; vi) a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Tendo por objetivo: i) assegurar, à atual e às futuras gerações, a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequada aos respectivos usos; ii) a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; iii) a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. A Política de Recursos Hídricos tem, como diretrizes: i) a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade; ii) a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; iii) a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; iv) a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; v) a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; vi) a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos são o Enquadramento, Planejamento, Outorga, Cobrança e o Sistema de Informações. 1.3.2 Sistema nacional de recursos hídricos Objetivos do Sistema Nacional: i) coordenar a gestão integrada das águas; ii) arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; iii) implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos; iv) planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; v) promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos. Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos: i) o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; ii) a Agência Nacional de Águas; iii) os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; iv) os Comitês de Bacia Hidrográfica; v) os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; vi) as Agências de Água. Os atores sociais deste processo são o Estado (nível federal, estaduais e municipais), a sociedade civil organizada e os usuários de água (setor produtivo). 1.3.3 Plano nacional de recursos hídricos O Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), é momento privilegiado da política nacional, ao definir as metas e o conteúdo dos programas de ações da política nacional. 13A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro produtivo, é recurso hídrico. Este recurso hídrico necessita ser “produzido” no semiárido através da infraestrutura de armazenamento e transferência hídrica, tornando-se este processo “produção” impactante do meio ambiente natural. Desta forma, a “indústria da água” não pode ser parte do sistema ambiental devendo pelo mesmo ser regulada; isto posto, a ocorrência dual das ações de recursos hídricos na esfera Federal tem sua racionalidade reconhecida e, portanto, seu direito de existir. Esta existência, no entanto, leva a importantes ineficiências em virtude da dificuldade de articulação margeando, muitas vezes, a incompatibilidade da visão da política fundada pela Lei 9.433/97 e a visão hidráulica clássica. Desafio relevante está na definição da forma de aplicação dos intrumentos de gestão para o semiárido. O enquadramento dos cursos d’água define o rio que se deseja, os usos permitidos e as metas de qualidade da água do curso d’água. A dificuldade reside, aqui, na intermitência dos cursos de água do semiárido que esvaziam os criérios baseados em níveis de permanência dos cursos d’água, como a Q7,10 e a existência de estoques de água plurianual com altos períodos de residência, que modificam sensivelmente a qualidade da água e o ecossistema. A análise da resiliência dos sistemas fluviais e seus ecossistemas é um caminho de trabalho que pode identificar a capacidade de suporte desses sistemas e possibilitar a identificação dos níveis e tipos de aproveitamento e seus impactos pontenciais no curso d’água, abrindo espaço para o enquadramento dos sistemas fluviais de rios intermitentes. A outorga é outro desafio por sua dimensão institucional e pela dificuldade de quantificação do volume outorgável devido à incerteza climática. A garantia do direito outorgado, notadamente em anos de escassez, quando retiradas não autorizadas podem acontecer, é um grande desafio institucional. A outorga só é um instrumento de gestão efetivo caso haja sistema de fiscalização e punição que garantam institucionalmente o direito outorgado. No entanto, a alta variabilidade climática na escala decadal com décadas secas e úmidas, é o grande desafio. Deve-se estabelecer estratégia adaptativa que aproveite as oportunidades das décadas úmidas e reduza as perdas em décadas secas. Para este fim, a existência de usos de baixo custo fixo e baixa prioridade deve ser estimulada ao lado de usos de maior capital intensivo e/ou prioridades, esses usos de menor eficiência econômica (não obstante, devem ter alta eficiência no uso da água) serão ativados ou desativados, dependendo do período ser de mais úmido ou seco. A cobrança pelo uso da água no semiárido tem função econômica (prover eficiência econômica no uso da água) e financeira (viabilizar os recursos para operação e manutenção do sistema, além das demais atividades da gestão), devendo o modelo de gestão dos recursos hídricos incorporar este objetivo dual. O planejamento de recursos hídricos é um instrumento relevante de tomada de decisão. A Lei 9.433/97 estabelece que o processo de tomada de decisão seja participativo, sendo este um supremo absoluto do modelo propugnado por esta lei, em cujo contexto o planejamento racional clássico de base tecnocrática deve dar lugar ao planejamento 14 Francisco de A. de Souza Filho político. Esta transição não é trivial, pois o planejamento político necessita de base técnica para que os ganhos e perdas (trade-off) dos diferentes agentes sejam devidamente reconhecidos e possibilitem acordos/pactos robustos, assim como se fazem necessários conhecimentos para a construção de decisões sustentáveis. A elaboração de metodologias consistentes e equilibradas para o planejamento político de recursos hídricos, não obstante os avanços obtidos em diversas experiências exitosas deste tipo de planejamento. O processo de tomada de decisão demanda informações e, no contexto de variabilidade natural (clima e geoambientes) dos semiáridos, essas informações se fazem mais preciosas; assim, são essenciais o desenvolvimento e a manutenção de sistema de informações em especial de uma classe desses, qual seja, o sistema de apoio a decisão. As especificidades da gestão de recursos hídricos no semiárido demandam a construção de novos instrumentos adequados às características da região como, por exemplo, instrumento que trate da operação e manutenção de infraestrutura hídrica incluindo-se, aqui, a segurança de barragens e demais obras hídricas. A participação nos processos de gestão deve ser analisada com cuidado no contexto do Nordeste. A tradição autoritária e paternalista pode transvestir-se de nova roupagem. Neste sentido, a estrutura e o fluxo de poder dos colegiados de gestão, a representatividade dos atores sociais e uma nítida definição das decisões a serem tomadas pelos colegiados, devem ser analisados para evitar captura pela lógica tradicional ou que esses colegiados não sejam espaços povoados por setores sem legitimidade social que os usam para interesses menores, burocratizando-os. Os colegiados (por ex.: comitês de bacia), só merecem existir se tiverem que decidir ou influenciar sobre temas relevantes e seus componentes tenham legitimidade e representatividade. 1.5 DESAFIOS À POLÍTICA NACIONAL: AGENDA DE ÁGUAS PARA O SEMIÁRIDO A Política Nacional de Recursos é compatível com as necessidades do semiárido, devendo-se promover uma agenda de recursos hídricos que, ao tempo em que integre as múltiplas dimensões do problema, detalhe os instrumentos de gestão dos recursos hídricos considerando as especificidades da região semiárida; passa-se, então, a discutir elementos para a construção desta agenda da Política Nacional de Águas para o semiárido. A construção de uma estrutura institucional que integre a construção de infraestrutura hídrica, sua operação e manutenção e a regulação dos usos aos processos de tomada de decisão e financiamento do sistema proposto pela Lei 9.433/ 97, deve ser operacionalizada. Neste sentido, deve-se reconhecer que o sistema de recursos hídricos é usuário do meio ambiente (ex.: ao construir barragens) e deve ser regulado pelo sistema ambiental, cabendo aqui uma distinção que estabelece a identidade dos dois sistemas demandando-se, assim, existência própria de cada uma; 15A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro não obstante a individualização dos sistemas, há espaço para integração e produção de importantes sinergias positivas como, por exemplo, o setor de recursos hídricos pode usufruir do sistema de coerção (fiscalização e normas de punição) do sistema ambiental, para promover o comportamento desejável dos usuários de água, tal como o sistema ambiental pode usufruir dos instrumentos econômicos do setor de recursos hídricos. A Política Nacional de Recursos Hídricos deve incorporar, ao semiárido o problema do abastecimento de populações rurais difusas. Esta é uma questão de grande relevância sendo também a componente A do programa de ação aqui delineado. A construção de infraestrutura física de armazenamento e a transferência hídrica ainda são ações necessárias em muitas regiões e constituirão a componente B do programa de ação aqui delineado. Tem-se realizado no semiárido, nas últimas décadas, uma profunda reforma na gestão da água. Não obstante a diversidade da ocorrência desta reforma, pode-se afirmar que a ela contemplam múltiplas dimensões do gerenciamento de recursos hídricos, tais como: i) a instalação de uma infraestrutura político-jurídico-institucional, que administre o sistema; ii) descentralização e participação pública no processo de tomada de decisão e sistema administrativo de gerenciamento de conflitos, constituído das comissões de usuários, comitês de bacia e conselhos estaduais de recursos hídricos; iii) sustentabilidade financeira e mecanismo de financiamento do sistema, através da cobrança pelo uso da água; iv) a construção de infraestrutura física que aumente as garantias do sistema e permita a transferência de água para o suprimento dos usos, com maior valor econômico e social; v) a internalização da cultura de operação e a manutenção de hidrossistemas como forma de garantir a produção de benefícios sociais das infraestruturas construídas; vi) o planejamento como instrumento de seleção das ações a serem adotadas; vii) a capacitação institucional (técnica e instrumental) para o gerenciamento do sistema. A reforma da água operada no semiárido contempla, desta forma, mudanças políticas na transparência e forma de tomada de decisões, culturais na forma de relação entre público e privada, no critério como se constrói, opera-se e se mantém a infraestrutura e na visão de sustentabilidade financeira, econômica e social dos sistemas constituindo-se, assim, em uma reforma que opera sobre processos sociais profundos, demandando tempo para a construção de uma nova cultura das águas, associada ao sistema de valores promovidos pela reforma. Esta reforma da água não se encontra concluída, estando em momento decisivo de sua consolidação. Uma agenda para a Política de Águas para o semiárido deveria contemplar pelo menos cinco objetivos: 18 Francisco de A. de Souza Filho níveis de planejamento não se encontram bem articulados enquanto as informações produzidas na construção desses documentos são, muitas vezes, perdidas. Faz-se necessário, portanto, um sistema de planejamento contínuo, que defina as ações a serem realizadas, avalie essas ações e realize os ajustes necessários. Este sistema deverá definir e articular os diferentes tipos e níveis de planejamento; enfim, ele deverá possibilitar a avaliação e o controle das ações em curso, permitindo a construção de cenários prospectivos e a tomada de decisões sobre as ações demandadas na administração das águas. O desenvolvimento dessas atividades necessitará de um sistema de acompanhamento das intervenções com características operacionais de planejamento. 1.5.4 Sistema de outorga, licença e fiscalização Esta classe de ações tem três objetivos, a saber: - estabelecimento de bases técnicas e informacionais sólidas, para a emissão das outorgas com vistas à expansão da aplicação deste instrumento; - implementação de um sistema de fiscalização (controle) dos usuários de água, eficiente e eficaz; - aprimoramento dos métodos e instrumentos utilizados no licenciamento de obras hídricas. O direito de uso da água definido na outorga e sua efetividade garantida pela fiscalização, são fatores decisivos da qualidade em qualquer sistema de gerenciamento de recursos hídricos. O sistema de outorga carece ser aprimorado urgentemente. O conhecimento sobre a oferta hídrica de longo prazo e a definição de critérios de alocação desta oferta através da outorga de longo prazo, são imprescindíveis para a definição da demanda instalada no sistema, isto é, quanto será, por exemplo, de irrigação e indústria permitido instalar no sistema. A grande variabilidade climática dacadal dos regimes impõe incertezas que necessitam ser incorporadas ao processo de tomada de decisão e demandam estratégias robustas para a outorga de longo prazo que, ao promover o uso econômico das águas, não produza perdas sociais significativas em conjunto de décadas mais secas. Adicionalmente, é imperativo conhecer os usuários de água e suas características. Esta base de informação permite o planejamento em geral e, especificamente, o da outorga, da mesma forma como o planejamento da fiscalização. O levantamento de informações e o cadastramento dos usuários reduzem a assimetria de informações entre o sistema de regulação e controle e os usuários de água. Adicionalmente, referidas informações podem ser úteis na construção de uma estratégia para a legalização dos usuários (de uso significativo) junto ao sistema de gerenciamento, através da outorga. A alocação de água se dá, em muitos lugares, pela outorga e pelo processo de alocação de água negociada. Esses processos não se encontram articulados e este último não encontra amparo adequado no sistema normativo. É desejável a articulação dos dois processos entre si e com a cobrança pelo uso da água, de forma a possibilitar uma alocação de água com eficiência econômica, equidade e legitimidade social. 19A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro O direito de uso da água deverá ser garantido através de um sistema de fiscalização, visto que, sem fiscalização, poderá haver retiradas ilegais que comprometerão os direitos de uso outorgado, sendo desta forma dimensões inalienáveis a outorga, a cobrança e a alocação de água, em seu conjunto. A fiscalização consiste na identificação do infrator (monitoramento de ações ilícitas) e sua punição. A identificação do infrator demanda ação de poder de polícia do Estado devendo o mesmo estar capacitado para esta ação; os custos da ação do poder público podem ser reduzidos se houver mecanismos de autorregulação (ação privada). Esta classe de ação contempla a implantação e o desenvolvimento de um sistema de fiscalização incorporando-lhe a dimensão pública e privada e a revisão do sistema normativo, que define o sistema de fiscalização do uso da água. O sistema de controle do Estado opera sobre a oferta, da mesma forma como já descrito para a demanda, através da licença de obras hídricas. A licença de obras hídricas é instrumento fundamental para a gestão da oferta sustentável; como exem- plo, pode-se citar a construção de pequenos reservatórios que têm a importante função de distribuição da água no espaço territorial, permitindo diversos usos mas que podem impor perdas significativas ao sistema de regularização plurianual. O aprimoramento dos métodos e as informações utilizados no sistema de licenciamento são de importância crucial no gerenciamento da oferta hídrica. O licenciamento de obras para o aproveitamento subterrâneo será contemplado na componente gerenciamento de águas subterrâneas. Os usuários de água e a sociedade necessitam ser informados e educados sobre o sistema de outorga, finalização e licença quanto ao material educativo, que deve ser elaborado e distribuído. 1.5.5 Tarifa de água bruta Esta classe de atividades tem, como objetivo: - aprimorar o programa de cobrança pelo uso da água, com vistas à promoção do uso da água economicamente eficiente e que garanta a sustentabilidade financeira do sistema de gerenciamento de recursos hídricos; - integrar cobrança à outorga e ao processo de alocação, negociada de forma a permitir um processo de alocação de água que promova eficiência econômica, equidade e legitimidade social; - desenvolvimento de instrumentos econômicos complementares e a cobrança pelo uso da água que promova eficiência econômica e equidade social; - redução de perdas financeiras através da macromedição dos maiores usuários de água bruta. A cobrança pelo uso da água no sistema de gerenciamento de recursos hídricos do Ceará, tem a dupla função: financiadora do sistema e de incentivo econômico à conservação de água. Este instrumento de gestão não se encontra intimamente associado à outorga de direito de uso, embora seja uma necessidade do sistema 20 Francisco de A. de Souza Filho atual, devendo-se verificar a alternativa de associar a cobrança pelo uso da água aos diferentes níveis de risco definidos pelo alocados no sistema de prioridades da outorga, como forma de aumentar a eficiência econômica do sistema. A incorporação de instrumentos econômicos complementares à cobrança, tais como fundo operacional para anos seco e sistema de seguro para os usuários, deve ter sua oportunidade analisada; os fundos teriam a responsabilidade de equalizar os fluxos financeiros do sistema, financiando os custos de operação (ex.: bombeamento) e “enforcement” mais altos nos anos secos, anos em que a receita da agência deverá cair (“menor estoque para realizar”) mantidos constantes os preços da água ou com pequenas oscilações; outro instrumento que deve ter sua viabilidade analisada é o seguro como instrumento de transferência de risco que possibilite a redução de perdas econômicas em anos extremos. A cobrança carece de um sistema de apropriação de custos que permita a identificação dos mesmos em cada componente do sistema hídrico. Este sistema permitirá o desenvolvimento de um gerenciamento dos custos que produza melhor relação custo-efetividade; adicionalmente, dará maior transparência à aplicação dos recursos da tarifa. A integração entre cobrança, a outorga e a alocação negociada, é importante para a construção de um mecanismo de alocação de água robusto e que produza os resultados sociais desejados. Esta integração permitirá, adicionalmente, dar maior previsibilidade aos resultados e à alocação de água negociada. As potenciais perdas financeiras de arrecadação do sistema podem ser reduzidas por um sistema de macromedição dos volumes de água utilizados. Este sistema de macromedição contribuirá também para dar o incentivo econômico correto aos usuários de água (cada um será cobrado exatamente pelo uso efetivamente realizado e não o uso estimado). 1.5.6 Comitês de bacias Tem-se, como objetivo: - promover o controle social do gerenciamento dos recursos hídricos, através da ampliação da transparência das informações e decisões pertinentes à bacia (tais como arrecadação pela cobrança, outorgas de usos, licenças de obras, planejamento da bacia, decisões do comitê) permitindo seu acesso aos membros dos comitês e à sociedade, em geral; - desenvolver programa de formação dos membros do comitê para a redução de assimetrias entre os segmentos, advinda dos diferentes níveis de informação; - apoio ao planejamento participativo e à arbitragem de conflitos no comitê. O sistema de gerenciamento de recursos hídricos, criado pela Lei 9.433/97 tem, como um de seus objetivos básicos, o gerenciamento de conflitos, de forma administrativa tendo o Comitê de Bacia como momento privilegiado. O planejamento de recursos hídricos pode ser uma ferramenta para mapear, explicitar e dirimir conflitos entre os agentes sociais e econômicos em uma bacia hidrográfica. 23A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro - definir a estratégia de implementação do sistema de gerenciamento da qualidade da água (GQA); - dar continuidade e efetividade aos resultados do PRODHAM avaliando a possibilidade de incorporação das estratégias de manejo hidroambienltal deste programa, ao sistema de gerenciamento da qualidade da água. O gerenciamento de recursos hídricos superficiais no semiárido não tem incorporado adequadamente os aspectos da qualidade da água. O crescimento das cidades, das indústrias, piscicultura e irrigação, introduz a qualidade da água como problema relevante. A incorporação da qualidade da água no gerenciamento de recursos hídricos é o objeto desta componente. O gerenciamento da qualidade da água deverá incorporar instrumentos de incentivo econômico e participação pública em adição aos mecanismos de comando e controle, tornando-se esta uma diferença importante entre a gestão da qualidade da água, feita pelo setor de recursos hídricos e o setor ambiental (marcadamente comando e controle). Inicialmente, a estratégia de definição da política de gestão da qualidade da água encontra, no Ceará, uma dificuldade: os padrões e critérios definidos para os corpos de água atualmente disponíveis, são marcadamente para regiões úmidas e não para o semiárido do Brasil. A definição da política de gestão da qualidade da água deverá revisitar esses critérios e padrões, de forma a adequá-los às especificidades do semiárido. Na definição do modelo de gestão incorporando instrumentos normativos e econômicos, a participação pública deve ser realizada tal como a implantação de sua base informacional, institucional e legal. O processo de definição deste arcabouço deverá contemplar: a) o diagnóstico das fontes poluidoras concentradas e difusas, urbanas e rurais; b) a modelagem matemática que funcione com sistema de apoio à decisão do sistema de monitoramento e ao planejamento do modelo de gerenciamento da qualidade da água (esta modelagem deve permitir a integração da informação disponível, a avaliação de impactos e a construção de cenários atuais e futuros); c) o projeto de rede de monitoramento; d) a proposição de arcabouço político-jurídico-institucional de gerenciamento da qualidade e a implantação de projeto piloto para teste deste modelo, incluindo a estratégia de monitoramento; e) a definição do modelo quanto a experiência do projeto piloto que incorpore a outorga, a cobrança e a fiscalização (incluindo monitoramento) da qualidade, as formas de participação pública e o sistema normativo (leis, decretos e resoluções) que amparem o modelo de gestão. 1.5.10 Gestão da água subterrânea Esta classe de ações tem, como objetivos: - definir os instrumentos econômicos e de controle necessários para um gerenciamento quali-quantitativo das águas subterrâneas; 24 Francisco de A. de Souza Filho - definição do marco regulatório e do sistema normativo e legal do gerenciamento das águas subterrâneas, além dos mecanismos de integração ao gerenciamento das águas superficiais; - definir a estratégia de implementação do sistema de gerenciamento das águas subterrâneas. O semiárido tem, em seu território, dois grandes domínios de ocorrência das águas subterrâneas: o cristalino e o sedimentar. O domínio cristalino tem sua explotação frequentemente associada ao abastecimento de pequenas comunidades. Sob o domínio sedimentar (ex: Gurgueia, Apodi, Araripe e Barreira) é que se dão os principais usos econômicos e o abastecimento de populações das águas subterrâneas. A definição de uma política de gestão quali-quantitativa das águas subterrâneas e sua integração com a das águas superficiais, é o objeto desta componente. Tal política deverá contemplar a outorga e a cobrança de água subterrânea. A definição das normas (leis, decretos e resoluções) que constituirão o arcabouço jurídico desta política, deverá ser formulada e implantada da mesma forma que a infraestrutura institucional, para operar o modelo de gestão. Utilizar-se-á, na construção desta política, um modelo matemático dos aquíferos sob um sistema de apoio à decisão, como forma de avaliação das disponibilidades hídricas e dos impactos dos diferentes cenários decorrentes das alternativas de políticas analisadas. Este modelo terá, como função, sistematizar as informações disponíveis nos estudos dos aquíferos já realizados e contribuirá para o planejamento da rede de monitoramento das águas subterrâneas e na definição de novos estudos. O sistema de gerenciamento necessita de uma rede de monitoramento das águas subterrâneas através de poços e piezômetros. Esta rede de monitoramento terá múltiplas funções, entre elas a de instrumentalizar a fiscalização essencial a qualquer modelo de gestão. 1.5.11 Gerenciamento do risco climático em recursos hídricos Esta classe de ação trata do Gerenciamento do Risco Climático em suas diversas escalas temporais de ocorrência de sua variabilidade (sazonal, interanual e multidecadal) e devido à mudança climática. O gerenciamento do risco climático é estratégia transversal e tem por objetivo: - identificar os riscos associados ao clima no projeto, construção e operação de infraestrutura de recursos hídricos, tal como o gerenciamento da demanda de água; - identificar estratégias bem-sucedidas de convivência com a alta variabilidade climática, estratégias que reduzem ou neutralizam crises sociais quando do estresse hídrico, devido aos eventos climáticos extremos; - proposição de estratégias robustas transversais às ações de gestão de recursos hídricos que deem maior resiliência e capacidade de adaptação das sociedades às secas. O Gerenciamento de Risco Climático é estratégia desejável para minimizar as crises sociais e os impactos nas infraestruturas de recursos hídricos, em virtude dos eventos 25A política nacional de recursos hídricos: Desafios para sua implantação no semiárido brasileiro climáticos extremos. Esta estratégia deve incorporar a criação de seguros possivelmente associados à cobrança pelo uso da água e outras medidas não estruturais e medidas estruturais. As ações devem ocorrer nas escalas regional, estadual e nas bacias hidrográficas. 1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A heterogeneidade e a variabilidade climática do semiárido são as características fundamentais da natureza, nos semiáridos do Nordeste do Brasil. Essas características demandam soluções específicas adequadas a cada paisagem e a cada modo de variação do clima. O gerenciamento do risco climático dos recursos hídricos é chave neste cenário. A Política Nacional de Recursos Hídricos na forma apresentada pela Lei 9.433/97, tem instrumentos úteis para a gestão de recursos hídricos no semiárido carecendo de um aprimoramento metodológico para uma aplicação mais eficiente e sustentável. O Plano Nacional de Recursos Hídricos deve ter definido melhor as ações para a região, de forma a prover uma Agenda Integrada para a Política Nacional de Recursos Hídricos para o semiárido. Os avanços da Política de Recursos Hídricos na região foram significativos, havendo ainda a necessidade de consolidação de conquistas e ajustes em algumas direções. Propõem-se, aqui, elementos para uma agenda de ações. O semiárido continua desafiador, não obstante se mostrar cada vez mais possível a produção de condições materiais para que suas populações tenham boa qualidade de vida. A existência de uma inteligência do semiárido é decisiva para a identificação de soluções sustentáveis de adaptação do homem ao seu meio. Essas alternativas podem servir para que a sociedade e, notadamente, seu setor político, as utilizem na construção de políticas públicas que promovam o desenvolvimento com eficiência econômica e com sustentabilidade e justiça ambiental. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, M. C. A Terra e o homem no Nordeste. Recife: Editora Universidade UFPE.1998. Ayoade, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. Editora Bertrand Brasil, 1988. Gomes, G. M. Velhas secas em novos sertões: Continuidade e mudança na economia do semi-árido e cerrados nordestinos. Ed. IPEA. 2001. Ministério da Integração. Nova delimitação do semi-árido. Brasília, 2005. Neves, F. C. A multidão e a história: saques e outras ações de massa no Ceará. Ed. Relume Dumará. 2000. Sampaio, E.; Rodal, M. J. Fitofisionomias da caatinga: Documento para discussão no GT Botânica. Petrolina, 2000. 28 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos 2.1 INTRODUÇÃO A água não é apenas um elemento necessário para quase todas as atividades humanas mas, sendo também, componente fundamental da paisagem e do meio ambiente. Quando há abundância, a água pode ser tratada como um bem livre, sem valor econômico. Com o crescimento da demanda começam a surgir conflitos entre os usuários e a água passa a ser escassa e precisa ser gerida como um bem econômico ao qual deve ser atribuído o valor adequado. O conceito de seca varia expressivamente conforme o tipo de usuário que a define e a caracteriza por eventos extremos associados a um período anômalo em que as precipitações, ou as vazões naturais, são menores que as que normalmente ocorrem na região, fato que pode causar insuficiência para o abastecimento de água aos setores usuários, conforme as demandas existentes. A escassez, por sua vez, está associada a uma situação em que a disponibilidade hídrica é insuficiente para atender às demandas e manter as condições ambientais mínimas necessárias para o desenvolvimento sustentável. A caracterização do risco de ocorrência da escassez hídrica requer um conhecimento apropriado, tanto da disponibilidade como das demandas. A escassez também pode decorrer de aspectos qualitativos quando a poluição afeta de tal forma a qualidade que os padrões excedem os admissíveis para determinados usos. Os corpos d’água têm a capacidade de diluir e assimilar efluentes neles lançados por meio de processos que proporcionam sua autodepuração. Esta capacidade, entretanto, é limitada, podendo ocorrer situações em que a carga poluidora lançada é acima da tolerável. A capacidade dos corpos d‘água assimilarem poluentes depende da vazão disponível, sendo a concentração de poluentes inversamente proporcional à vazão. Os aspectos de quantidade e qualidade de água são, portanto, indissociáveis. Enquanto a caracterização da ocorrência de secas está associada à sazonalidade das condições climáticas, a escassez depende de uma análise mais profunda, tanto das disponibilidades quanto das demandas, podendo estar associada a outros fatores 29Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos que não aqueles relacionados às variações decorrentes do clima, como é o caso das condições associadas ao crescimento das demandas. Neste capítulo se busca apresentar algumas alternativas, dentre as inúmeras possíveis, que podem permitir o aumento da disponibilidade de água e o uso mais racional dos recursos hídricos, atenuando conflitos já existentes ou potenciais. 2.2 GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NUMA VISÃO PRÁTICA E CONCEITOS IMPORTANTES A gestão de recursos hídricos é a forma para equacionar e resolver as questões associadas à escassez. Pode-se dizer, em uma visão prática, que a gestão de recursos hídricos se assemelha à gestão da economia familiar. A disponibilidade hídrica é o quanto se ganha. As demandas são o quanto se gasta. A poupança são os reservatórios (superficiais e subterrâneos), que permitem que, em períodos em que a receita é menor que as despesas, se possa utilizar os recursos estocados. As transposições são empréstimos feitos a fundo perdido. No processo de gestão dos recursos hídricos é necessário considerar, também, os aspectos qualitativos, à medida em que, durante o processo de circulação, a água sofre alterações na sua qualidade em razão das ações antrópicas e das próprias interrelações do meio ambiente com os recursos hídricos. A vazão máxima, a vazão crítica de enchente ou vazão de projeto utilizada na previsão de enchentes e no projeto de obras hidráulicas, tais como canais, bueiros, vertedores de barragens, galerias de águas pluviais, sistemas de drenagem, apresenta pequena importância no processo de gestão de recursos hídricos. A estimativa da vazão máxima é de grande importância para o controle de inundações e dimensionamento adequado de obras hidráulicas e, portanto, em ações relativas ao planejamento dos recursos hídricos. A gestão, entretanto, está diretamente associada às vazões mínimas e médias evidenciadas ao longo da hidrografia. A disponibilidade natural de água na hidrografia pode ser avaliada pela análise das vazões mínimas observadas nos períodos de estiagem, refletindo o potencial disponível para o abastecimento de água para populações, indústrias, irrigação, navegação, dessedentação animal, lançamento de poluentes e outras atividades, sem que lhes seja necessária a regularização de vazão dos cursos d’água. As vazões mínimas são caracterizadas por sua duração e frequência de ocorrência, a qual está associada ao período de retorno do evento considerado. A vazão mínima com 7 dias de duração e período de retorno de 10 anos, designada Q7,10, é bastante utilizada para caracterizar a disponibilidade hídrica natural dos cursos d’água. Outro procedimento usado para avaliar as vazões mínimas é a curva de permanência, que permite a obtenção da vazão associada a diferentes níveis de permanência no tempo como, por exemplo, a Q95 e a Q90 (vazões com 95 e 90% de permanência no tempo), que também são muito usadas para avaliar a disponibilidade natural dos cursos d’água. 30 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski A vazão média permite caracterizar a disponibilidade hídrica potencial de uma bacia sendo, abstraindo-se as perdas por evaporação e infiltração, a maior vazão possível de ser regularizada no curso d’água. Então, enquanto a vazão mínima está diretamente associada à disponibilidade natural de um curso d´água, a vazão média de longa duração se relaciona à disponibilidade potencial sendo que, para a adequada gestão dos recursos hídricos é necessário, tal como na gestão de um orçamento doméstico, conhecer a disponibilidade (natural e potencial) de água a fim de compatibilizá-la com as demandas já existentes e futuras. O Brasil tem vivenciado expressivas mudanças na concepção da administração e uso dos recursos hídricos a partir da promulgação da Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esta lei apresenta, como preceitos básicos: a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, a consideração dos múltiplos usos da água, o reconhecimento da água como um bem finito, vulnerável e dotado de valor econômico e a necessidade de consideração da gestão descentralizada dos recursos hídricos. Embora seja notório que venham sendo vivenciadas importantes experiências relativas à busca de alternativas para a melhor gestão e utilização dos recursos hídricos, muitas regiões, entretanto, se tem agravado e tornado ainda mais evidente o quadro de deficiência ou, até mesmo, insuficiência da disponibilidade de recursos hídricos, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo. Conforme estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos, a unidade básica de planejamento deve ser a bacia hidrográfica e não a hidrografia. A hidrografia é apenas o sistema circulatório da bacia. O corpo é a bacia. O que é feito na bacia reflete na hidrografia. Intervir diretamente na hidrografia é trabalhar na consequência, é como se faz com alguém que sofreu um ataque cardíaco. Se a pretensão é atuar na causa, o local mais apropriado é intervir na bacia. A mudança deste enfoque é essencial para que se migre de um plano eminentemente de gestão para um plano efetivamente voltado ao planejamento da bacia. Neste contexto, a consideração das áreas agrícolas apresenta papel essencial pois, embora a agricultura responda somente através da irrigação por cerca de 70% do consumo total de água, é nas áreas ainda não impermeabilizadas que se potencializa a produção de água com regularidade e qualidade, enquanto em áreas urbanas, com alto grau de impermeabilização, o grande interesse é a rápida drenagem da água, nas áreas agrícolas há um interesse especial de garantir a infiltração da água e a sua manutenção por um tempo maior no sistema hidrológico. Representam essas áreas, portanto, reservatórios com alto potencial para a regularização das vazões reduzindo as vazões máximas associadas ao escoamento superficial e aumentando a disponibilidade de água nos períodos de estiagem. A aplicação da ciência, tecnologia e inovação à gestão de recursos hídricos é essencial para aumentar a disponibilidade hídrica natural e, também, otimizar as 33Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos este escoamento assume grande potencial para provocar o desprendimento e o transporte do solo, causando problemas para a manutenção da estrada, ao danificar acostamentos, taludes e o próprio leito da estrada. O escoamento advindo das estradas interfere também nas áreas adjacentes, provocando a formação de sulcos e vossorocas e, desta forma, danos às áreas agrícolas e aos recursos hídricos. Estradas em condições inadequadas podem iniciar ou agravar processos erosivos em áreas cultivadas, prejudicando a produtividade e, em contrapartida, a lucratividade dos produtores, afetando ainda a qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos. A erosão provocada pela água no leito e nas margens de estradas não pavimentadas é um dos principais fatores para sua degradação, sendo responsável por aproximadamente metade das perdas de solo no Estado de São Paulo (Anjos Filho, 1998). No Estado da Carolina do Norte (Estados Unidos), Grace III et al. (1998) observaram que mais de 90% do sedimento produzido em áreas florestais provêm das estradas, sendo a drenagem inadequada um dos principais fatores responsáveis por essas perdas. Reid & Dunne (1984) acrescentam que a maior parte do sedimento produzido na superfície da estrada é de tamanho inferior a 2 mm, sendo o material desta granulometria o mais prejudicial ao sistema aquático. O custo de implantação de sistemas de conservação de solos é, em geral, bem inferior ao custo associado às suas consequências. Estudo realizado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) a respeito do custo associado ao assoreamento do Sistema Tietê-Pinheiros, caracteriza um aporte de sedimentos de 5 x 106 m3 ano-1, ao qual está associada uma despesa anual de cerca de R$ 200 milhões, sendo que seriam necessários apenas cerca de R$ 2 milhões por ano para reduzir em 50% o aporte desses sedimentos. O controle do escoamento superficial permite a transformação dos problemas causados, como a produção de erosão hídrica, de enchentes e do assoreamento de rios e reservatórios, entre outros, no aumento da disponibilidade de água nos períodos de estiagem. Cabe ressaltar, mais uma vez, a grande diferença no tratamento dado às áreas urbanas e às áreas com exploração por atividades agro-silvo-pastoris, de preservação permanente e de reserva legal. Enquanto nas primeiras o objetivo é o rápido transporte do escoamento superficial à rede de drenagem, nas outras se busca a contenção do escoamento, a fim de minimizar os prejuízos dele advindos. Para tanto, é essencial o desenvolvimento de ações no âmbito da bacia visando à adoção de práticas que possibilitem o aumento da infiltração da água no solo. Em áreas com ocupação pela agricultura, pecuária, silvicultura e em áreas de preservação permanente e reserva legal, o objetivo deve ser o aumento da infiltração na própria área de cultivo enquanto nas áreas ocupadas com estradas não pavimentadas o objetivo deve ser o de controlar o escoamento superficial e direcioná- lo a estruturas que possam assegurar a infiltração. 34 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski A água que se infiltra no solo sofre retardamento para a sua chegada aos mananciais de água, fazendo com que os problemas afetos à sua concentração nos períodos chuvosos sejam minimizados, e sua disponibilidade nos períodos de estiagem aumente. Pode-se dizer, portanto, que a adoção de medidas de contenção do escoamento corresponde a “transformar problemas em solução”. Também, o enfoque qualitativo deve ser considerado, sempre que a qualidade da água provinda da contribuição do escoamento subterrâneo é, em geral, muito superior àquela associada ao escoamento superficial. Desta forma, o planejamento conservacionista deve estar baseado no aumento do tempo de permanência da água na bacia, o que corresponde dizer que, quanto mais alto for o local em que se promover a infiltração da água na encosta mais eficiente será o programa de conservação da água e do solo, uma vez que menores serão a liberação e o transporte de sedimentos pelo escoamento superficial, e maior será a permanência da água na bacia. As condições do escoamento da água na hidrografia são diretamente influenciadas pelas condições presentes na bacia. Portanto, o aumento da disponibilidade da água e a redução dos riscos associados ao escoamento superficial são amplamente influenciados pelas intervenções feitas na bacia. A consideração desses aspectos é essencial em um plano de recursos hídricos que, desta forma, deve ser mais abrangente que um plano dedicado apenas à gestão. É importante que se tenha sempre em mente que, embora a agricultura, principalmente através da irrigação, seja o grande consumidor de água, é também nessas áreas não urbanizadas que se pode proceder à produção de água com maior qualidade e regularidade, à medida em que, conforme já mencionado, e enquanto nas áreas urbanas o maior interesse é a rápida condução da água à rede de drenagem, nas áreas com baixo grau de impermeabilização se propicia a oportunidade para o retardamento da chegada da água à hidrografia e para o aumento da sua disponibilidade nos períodos de estiagem. A pressão pela produção de alimentos e de fibras cresceu de forma muito intensa nas últimas décadas, seja pelo grande aumento da população mundial seja, também, pelo próprio aumento da demanda per capita, por esses insumos. O aumento da produção, entretanto, deve ser planejado, e não da forma desordenada, como se processou no Brasil durante a última década do século passado e, de certa forma, também neste século, às custas de uma exploração insustentável dos recursos naturais e de uma utilização do solo acima da sua capacidade de suporte. Destaque especial merece a grande expansão de pastagens e áreas de cultivo em substituição à cobertura florestal, e que acabou por acarretar, em muita áreas, prejuízos ambientais expressivos decorrentes da incapacidade apresentada pelo solo para suportar o tipo de uso e manejo adotados, causando o quadro de degradação evidenciado em muitas bacias, e que hoje tem exigido a implantação de programas de revitalização, voltados a tentar restabelecer as condições perdidas em função da ocupação e utilização inadequadas do solo. 35Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos É imprescindível a busca da utilização do solo conforme sua capacidade de uso e manejo procurando-se, inclusive, a correção das grandes distorções cometidas quando da substituição, em muitas áreas, da cobertura nativa por usos totalmente inadequados à capacidade do solo. Reconhecer e utilizar o solo conforme sua capacidade de uso e manejo é, portanto, o primeiro requisito para um plano adequado de conservação de solo e água. As práticas conservacionistas são medidas importantes; entretanto, acessórias para assegurar a contenção do processo erosivo. Nesta ótica é possível ir muito além da tão emblemática e almejada revitalização de nascentes. É possível pensar em devolver algumas das nascentes que “desceram a encosta” ao seu lugar de origem. Não é sonho. É apenas a aplicação das leis da física às condições ambientais. A adoção de práticas para o controle do processo erosivo e a consequente conservação do solo e da água consistem na prática mais eficiente também em relação à conservação dos recursos hídricos, à medida em que intervém tanto na ocorrência das vazões máximas como no aumento da disponibilidade hídrica, valendo-se da própria capacidade de regularização disponível na bacia hidrográfica, correspondente ao reservatório de armazenamento (natural) de águas subterrâneas. A aplicação de práticas científicas e tecnológicas é essencial para atenuar o processo erosivo e garantir a conservação adequada do solo e da água. O Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos (GPRH), vinculado ao Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa, tem desenvolvido pesquisas e disponibilizado técnicas voltadas ao controle do processo erosivo, considerando-se as condições típicas relativas à realidade brasileira. O Hidros é um conjunto de softwares que disponibilizam metodologias para o dimensionamento de projetos hidroagrícolas e permitem: determinar os parâmetros da equação de chuvas intensas (Plúvio 2.1); dimensionar canais para a condução de água (Canal); dimensionar sistemas de drenagem de superfície (Dreno 2.0); racionalizar o uso de práticas para o controle da erosão em áreas agrícolas e selecionar, dimensionar e otimizar a implantação de sistemas de terraceamento (Terraço 3.0); dimensionar sistemas de drenagem e bacias de acumulação em estradas não pavimentadas (Estradas); e obter o hidrograma de escoamento superficial ao longo de uma encosta ou em canais de terraços ou drenos de superfície (Hidrograma 2.1). Esses softwares estão disponíveis no site http://www.ufv.br/dea/gprh e no livro intitulado Hidros: Dimensionamento de Sistemas Hidroagrícolas (Pruski et al., 2006). 2.4 QUANTIFICAÇÃO DA DISPONIBILIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS Como administrar um orçamento doméstico sem saber o quanto se ganha? Embora muito se fale a respeito da importância que se tem dedicado a estudos mitigadores de problemas associados à água, na prática, entretanto, ainda falta, nitidamente, a consciência da sociedade em geral e da maioria dos órgãos gestores de 38 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski c) a regionalização das vazões, considerando-se as diferentes interações existentes nas sub-bacias e na calha do São Francisco, permitiu a redução das descontinuidades decorrentes da análise individualizada de cada região hidrologicamente homogênea; d) a comparação da regionalização feita entre a Q95jan e a Q95 mostra o potencial do uso de vazões variáveis ao longo do ano para melhor caracterização da disponibilidade hídrica; e e) os impactos do uso das vazões naturais em substituição às vazões observadas verificados na bacia do Paracatu podem ser considerados inexpressivos para a estimativa da Qmld e de razoável expressividade para a estimativa das vazões mínimas. O aplicativo Disponibilidade dos Recursos Hídricos na Bacia do São Francisco (DRHi-SF) é um Sistema de Informações Geográficas desenvolvido pelo GPRH na escala do milionésimo para a visualização e extração de informações da base hidrorreferenciada e que permite estimar, para cada segmento da hidrografia da bacia do São Francisco, as vazões média e mínimas (Q7,10, Q90 e Q95) utilizando-se equações de regionalização obtidas no estudo realizado por Rodriguez (2008). O DRHi-SF se encontra disponível para download no site http://www.ufv.br/dea/gprh. Em projeto em desenvolvimento pelo GPRH, com financiamento e acompanhamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), estão sendo realizados estudos de regionalização das vazões mínimas (Q7,10, Q95 e Q90) e média (Qmld) que permitirão a obtenção dessas vazões em qualquer seção da hidrografia (escala de 1:100.000 ou 1:50.000) sob a dominialidade do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Assim como para os recursos hídricos de superfície, há, também, a necessidade de uma ampla caracterização e quantificação da disponibilidade dos recursos hídricos subterrâneos, envolvendo a identificação de fontes, quantificação e análise do potencial de sua utilização. É importante que se tenha em mente que os recursos hídricos subterrâneos não constituem uma fonte inesgotável e que a disponibilidade dos recursos hídricos de superfície está diretamente ligada à utilização dos recursos hídricos subterrâneos. O uso intensivo dos recursos hídricos subterrâneos promove uma expressiva redução da disponibilidade hídrica de superfície e a consequente redução das vazões mínimas ao longo da hidrografia, sempre que a principal contribuição para o escoamento nos períodos de estiagem está associada ao escoamento subterrâneo. Tal comportamento já vem sendo nitidamente evidenciado em diversas bacias, como na bacia do rio Verde Grande, afluente da margem direita do São Francisco, e situado em uma região em que a precipitação média na bacia é da ordem de 850 mm. Nesta bacia se constata uma expressiva redução nas vazões mínimas a partir da intensificação do processo de desenvolvimento econômico da região, apesar da vazão média ter aumentado no período considerado. Portanto, embora não tenham ocorrido mudanças climáticas e antrópicas que pudessem causar a redução da vazão média, a vazão mínima, fortemente influenciada pela contribuição subterrânea, sofreu um declínio muito expressivo, tendo em vista o fato de que, nesta bacia, a retirada de águas subterrâneas, sobretudo para a irrigação, é extremamente grande. 39Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos As águas subterrâneas constituem, portanto, um importante recurso estratégico mas que, como qualquer recurso natural, deve ser utilizado com muito critério e baseado em conceitos científicos sólidos. O uso das águas subterrâneas deve ser acompanhado, portanto, de um estudo de avaliação do impacto do seu uso e não como se vê com frequência, da simples consideração desses como fonte externa à bacia. Os recursos hídricos, subterrâneos e de superfície, estão fortemente interconectados. 2.5 COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE OS ÓRGÃOS GESTORES DE RECURSOS HÍDRICOS DE CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DAS VAZÕES MÁXIMAS PERMISSÍVEIS PARA A OUTORGA A adoção de critérios distintos entre os órgãos gestores para a permissão de outorgas traz sérios problemas para a gestão dos recursos hídricos em bacias nas quais há diversos órgãos gestores envolvidos. Quando um rio deságua em outro submetido a um critério de outorga diferente, haverá uma incompatibilidade decorrente das próprias diferenças entre esses critérios ocorrendo, inclusive, situações em que a excedência do limite de vazão permissível para outorga passa a acontecer em virtude desta diferença. Comparando as vazões máximas permissíveis para a outorga pela União (70% da Q95) e pelo Estado de Minas Gerais (30% da Q7,10) tem-se que a primeira é, em geral, bem superior ao dobro da vazão permissível para outorga em Minas Gerais, uma vez que, normalmente, a Q7,10 é bem inferior à Q95. Tal contraste é mais acentuado ainda quando se consideram os valores permitidos para outorga em outros estados. Tocantins, Bahia e Pernambuco, por exemplo, apresentam vazões permissíveis para outorga ainda bem maiores que a vazão permitida pela União. Para a análise da variação espacial da relação entre demandas e vazão mínima de referência (estabelecida conforme diferentes critérios) foram gerados, para a bacia do rio Paracatu, situada em 96% da sua área no Estado de Minas Gerais, em 2% em Goiás e em 2% no Distrito Federal, mapas nos quais os trechos da hidrografia são representados em classes de cores, de acordo com a relação entre o somatório das vazões outorgadas a montante do trecho considerado e a vazão mínima de referência. Utilizou-se, para a geração dos mapas, o Sistema de Informações para Apoio ao Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (SIAPHi), desenvolvido por João Felipe Souza, em sua dissertação de mestrado em Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa, ainda em fase conclusiva. Na representação foram consideradas as outorgas vigentes em janeiro de 2010 e que todas são a fio d’água, e duas vazões mínimas de referência: a Q95, utilizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) (bacia do rio Preto) e a Q7,10, utilizada pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) (restante da bacia do rio Paracatu). Na Figura 2.1 se apresenta o mapa da relação entre o somatório das vazões outorgadas a montante do trecho considerado e a vazão mínima de referência (Q95 na 40 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski área de dominialidade da ANA e Q7,10 na área de dominialidade do IGAM). Em 52% dos trechos com outorgas a montante, a vazão total outorgada superou o limite máximo permissível para outorga (70% da Q95 na área de dominialidade da ANA e 30% da Q7,10 na área de dominialidade do IGAM). Figura 2.1 Porcentagem da vazão mínima Q95 (área de dominialidade da ANA) e da Q7,10 (área de dominialidade do IGAM) outorgada a montante de cada segmento da hidrografia, considerando-se as outorgas vigentes em janeiro de 2010 Na área de dominialidade da ANA evidenciou-se que em 8,2% dos 61 trechos com outorgas a montante, o somatório da vazão outorgada a montante superou 70% da Q95, enquanto na área de dominialidade do IGAM constatou-se que 60,3% dos 320 trechos que já apresentavam vazões outorgadas a montante, o somatório das vazões outorgadas superou 30% da Q7,10, critério utilizado pelo IGAM, mostrando o efeito que as diferenças entre os critérios adotados pela ANA e pelo IGAM para o 43Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos Figura 2.3 Porcentagem da Q7,10 outorgada a montante de cada segmento da hidrografia, considerando-se as outorgas vigentes em janeiro de 2010 que poderá implicar na ocorrência de vazões nulas, com grande frequência, e desaconselháveis do ponto de vista ambiental. A utilização de uma análise mensal abordada na sequência, poderá representar uma alternativa efetiva para atenuar este problema, sendo que a adoção de um critério menos conservador para a concessão de outorgas também deverá ser mais permissível em relação à capacidade do corpo d’água, no que diz respeito à sua capacidade de recepção de efluentes. A busca da compatibilização dos critérios de outorga máxima permissível pelos órgãos gestores poderá representar uma distribuição mais justa dos recursos hídricos e um expressivo avanço no processo de compartilhamento do uso da água. 44 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski Decisões que envolvam uma nova proposta de alocação dos recursos hídricos na bacia poderão vir a ser tomadas pelos comitês de bacias, considerando-se fatores, como prioridades de uso da água e necessidades de desenvolvimento preferencial de certas regiões, devidamente respeitadas as exigências ambientais. Também, as condições relativas a bacias situadas no semiárido, região com alta frequência de rios de baixa disponibilidade hídrica ou, até mesmo, intermitentes, merecem uma análise particular e que respeite as especificidades relativas a esta condição. 2.6 USO DAS VAZÕES MÍNIMAS MENSAIS COMO ÍNDICE DE REFERÊNCIA PARA A DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS VISANDO À CONCESSÃO DE OUTORGAS O uso das vazões mínimas (Q7,10, Q95 ou Q90) mensais como índices de referência para a definição de critérios visando à concessão de outorga em substituição às vazões mínimas calculadas em uma base anual, representa um expressivo aumento da disponibilidade de água sem que isto signifique um aumento no risco de ocorrência de vazões excessivamente baixas e que possam causar comprometimento ambiental, quando da sua utilização. Além do uso das vazões mínimas estimadas em uma base anual representar uma restrição única e linear para todo o ano, há ainda o fato de que o período de maior demanda pelos recursos hídricos, seja do ponto de vista quantitativo ou para a diluição de efluentes, nem sempre coincide com o período de menor disponibilidade. Na Figura 2.4 se representa a variação da Q7,10 ao longo do ano e sua comparação com a Q7,10 anual (representada pela linha azul horizontal da figura) considerando-se as vazões relativas à estação Fazenda Barra da Égua, situada no ribeirão Entre Ribeiros, afluente da margem esquerda do rio Paracatu. Pela análise da figura pode-se evidenciar que a utilização das vazões mínimas mensais em substituição às vazões mínimas anuais representa um aumento que varia de 550% (janeiro) a 7,5% (novembro). Isto pode representar um aumento expressivo de disponibilidade de água, seja para o consumo ou para a diluição de efluentes em empreendimentos providos de um comportamento sazonal característico, como é o caso da irrigação, responsável pelo consumo de mais de 80% da vazão utilizada na bacia do Paracatu. Considerando as informações contidas na Figura 2.5 relativas à análise da precipitação (média mensal e efetiva) e da evapotranspiração e as condições correspondentes ao município de Unaí (situado na bacia do Paracatu) em novembro de 1996, evidencia-se que a maior demanda de água para a irrigação ocorreu no mês de agosto, quando a utilização da vazão mínima mensal representaria um aumento na disponibilidade hídrica de cerca de 35% (Figura 2.4); já o mês de novembro, em que ocorre o menor aumento da disponibilidade de água pela substituição da vazão mínima anual pela vazão mínima mensal (7,5%), é o mês em que ocorreu o maior excedente hídrico para a irrigação, setor que responde por mais de 80% do consumo de água na bacia. 45Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos Va zã o (m 3 s -1 ) Figura 2.4 Valores da Q7,10 mensal ao longo do ano e sua comparação com a Q7,10 anual considerando-se as vazões relativas à estação Fazenda Barra da Égua, situada na bacia do ribeirão Entre Ribeiros Figura 2.5 Precipitação média mensal - P (mm dia-1), precipitação efetiva - Pe (mm dia-1) e evapotranspiração da cultura - ETr (mm dia-1) ao longo do ano de 1996 no município de Unaí Fonte: Adaptado de Rodriguez (2004) Mês Mês Acrécimo relativo (%) Mês Acrécimo relativo (%) Jan 550,75 Jul 58,21 Fev 442,54 Ago 35,07 Mar 378,36 Set 29,85 Abr 291,79 Out 9,70 Mai 170,90 Nov 7,46 Jun 80,60 Dez 334,33 48 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski 47% maior que a Q7,10; em uma base mensal esta diferença diminui havendo, inclusive, muitos meses em que a Q7,10 mensal passa a ser maior que a Q95 mensal. Considerando ainda que o volume de água permissível para a outorga é representado pela área sob a curva (ou reta) relativa ao critério de outorga adotado tem-se que, para a estação Fazenda Limoeiro, para o critério correspondente a 30% da Q7,10 anual, o volume de outorga permitido seria de 11,82 hm 3, enquanto para os critérios correspondentes a 70% da Q95 anual seria de 40,68 hm 3, 30% da Q7,10 mensal de 24,51 hm3 e 70% da Q95 mensal de 51,59 hm 3, valores 3,4; 2,1 e 4,3 vezes, respectivamente, superiores ao volume máximo permitido pelo critério utilizado para concessão de outorga em Minas Gerais. Na Figura 2.7 estão representados os gráficos da amplitude de variação, considerando-se as seis estações fluviométricas utilizadas no estudo, da diferença relativa entre as vazões Q7,10 mensais e anual e Q95 mensais e anual. O único mês em que ocorreram valores de Q7,10 mensais menores do que os de Q7,10 anual foi novembro, tendo este comportamento sido evidenciado apenas nas estações BR 40 – Paracatu e Santa Rosa. Nas demais condições os valores de Q7,10 mensal foram superiores aos de Q7,10 anual, caracterizando o potencial do aumento da vazão permissível para a outorga, fato ainda mais acentuado no período de janeiro a maio, em que os aumentos foram sempre superiores a 50%. No caso da Q95 (Figura 2.7B), observa-se no período de janeiro a abril, aumento da vazão permissível para a outorga sempre superior a 50%, e entre os meses de junho e outubro foram obtidos valores negativos de diferença relativa que, embora impliquem em uma redução da vazão máxima permissível para a outorga nesses meses, trazem, como benefício, maior segurança ambiental, à medida em que o uso de 70% da Q95 anual conduz a valores que se aproximam da própria Q7,10 mensal, principalmente nos meses de setembro e outubro. A consideração das vazões estimadas em uma base mensal trará um aumento expressivo no trabalho requerido para a quantificação da disponibilidade hídrica; entretanto, apresenta um alto potencial para o aumento da vazão permissível para a outorga. Em regiões áridas e semiáridas as vantagens associadas à utilização das vazões mínimas mensais em substituição à vazão mínima mensal podem ter diferenças expressivas em relação a regiões com maior precipitação e que permitem, inclusive, o aumento da garantia de suprimento hídrico. Na bacia do rio Verde Grande, situada em 92% da sua área no Norte do Estado de Minas Gerias e em 8% da sua área na Bahia, em uma região semiárida, a potencialidade de uso das vazões mínimas mensais em substituição à vazão mínima anual como critério para a concessão de outorgas fica um pouco obscurecida, por quatro fatores principais: a) a menor disponibilidade de recursos hídricos; b) o grande uso de águas subterrâneas; c) o fato das vazões de retirada já superarem expressivamente as vazões naturais e d) o fato do mês da menor disponibilidade hídrica coincidir com o mês de maior demanda pela irrigação. 49Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos Figura 2.7 Amplitude de variação considerando-se as seis estações fluviométricas utilizadas no estudo, da diferença relativa entre as vazões Q7,10 mensais e anual(A) e Q95 mensais e anual (B) Fonte: Bof (2010) A. B. 50 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski Embora os benefícios advindos do uso de um critério sazonal não sejam tão evidentes, como no caso de outras bacias já estudadas, mesmo assim algumas vantagens expressivas adviriam da utilização de um critério baseado no uso de índices mensais, conforme descrito na sequência. A análise do comportamento das vazões mínimas (Q95 e Q7,10) estimadas em uma base anual e mensal foi realizada para as estações Colônia do Jaíba (44670000) e Boca da Caatinga (44950000) considerando-se o período anterior ao ano de 1979 (período ainda não afetado quanto à redução da disponibilidade hídrica, pela expressiva retirada de águas subterrâneas para a irrigação). A utilização das vazões mínimas mensais em substituição às vazões mínimas anuais representa um aumento que varia de 211,0% (janeiro) a 4,8% (setembro) em Colônia do Jaíba, e de 713,4% (fevereiro) a 1,0% (setembro) em Boca da Caatinga. Este fato pode representar um aumento expressivo de disponibilidade de água, seja para o consumo ou para a diluição de efluentes em empreendimentos providos de um comportamento sazonal característico, como é o caso da irrigação, responsável pelo consumo de mais de 90% da vazão utilizada na bacia do Verde Grande. Para as condições reinantes na bacia é tem-se que a maior demanda de água para a irrigação ocorre no mês de setembro quando a utilização da vazão mínima mensal representaria um aumento na disponibilidade hídrica de cerca de 4,8% em Colônia do Jaíba e de 1,0% em Boca da Caatinga. A análise das demandas pela irrigação ao longo da bacia caracteriza a pequena disponibilidade de recursos superficiais para atendê-las. É evidente que estes aumentos (de 1 a 5%) são de pouca expressividade para atender às demandas já existentes na bacia; apesar disto, uma nova postura no manejo dos recursos hídricos poderia representar uma mudança expressiva na disponibilidade de água na bacia. Tendo em vista o fato da demanda superar a disponibilidade em todos os meses, à exceção de dezembro, a incorporação de uma unidade de bombeamento adicional para a captação de águas superficiais poderia representar um benefício muito grande no que diz respeito ao aumento da disponibilidade de água. Em meses como janeiro, para o qual existe um pequeno déficit hídrico, o suprimento deste déficit poderia ser completamente suprido pelo uso de águas de superfície o que permitiria, neste período, uma recarga maior do lençol freático, à medida em que as águas superficiais, que estariam sendo “perdidas”, passariam a ser melhor utilizadas, e, consequentemente, reduzida (ou eliminada) a utilização de águas subterrâneas, permitindo melhores condições para a recuperação do lençol freático. O mesmo procedimento poderia ser utilizado nos meses subsequentes sendo, neste caso, a disponibilidade de águas superficiais para usos múltiplos decrescente com o tempo, até que em setembro, mês de maior déficit (e menor disponibilidade), o aumento da disponibilidade de águas superficiais seria muito reduzido, pouco contribuindo para o suprimento hídrico mas, pelo fato de ter sido utilizada uma quantidade menor de águas subterrâneas ao longo dos meses de maior disponibilidade de águas superficiais, haveria um aumento da água disponível no lençol freático, que poderia passar a ser utilizada com maior eficiência. 53Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos a real complexidade da situação em análise; considera-se, entretanto, que a adoção da prática de utilização de duas unidades de bombeamento apresenta boa potencialidade para o aumento de disponibilidade de água nos períodos mais críticos, tendo em vista a utilização da capacidade de armazenamento do sistema natural, e representado pela regularização associada às águas subterrâneas. 2.8 OTIMIZAÇÃO DO USO DA ÁGUA PELA AGRICULTURA IRRIGADA A irrigação constitui o principal usuário de recursos hídricos, respondendo tanto em nível nacional como mundial, por cerca de 70% do consumo de água. Em Minas Gerais a irrigação responde, em alguns casos, por percentuais ainda mais expressivos, como é o caso, por exemplo, da bacia do Paracatu, em que a irrigação responde por mais de 85% do consumo, e da bacia do Verde Grande, onde mais de 95% da vazão outorgada estão associados à irrigação. Em ambas as regiões já são evidenciados sérios conflitos pelo uso da água. Além da alta proporção de água utilizada pela irrigação, o uso da água por este segmento ainda apresenta características que o diferenciam dos demais setores. O uso da água pela irrigação apresenta um comportamento não linear ao longo do ano, havendo um aumento expressivo na demanda exatamente nos períodos mais secos do ano, nos quais o déficit hídrico é maior. Também é importante salientar que as perdas ocorridas na irrigação, mais especificamente as perdas por percolação, mesmo não caracterizando uma perda quantitativa efetiva de água para o sistema, visto que boa parte da água retorna para a bacia, acabam por produzir um prejuízo efetivo para este, de vez que a “perda” ocorre no período de menor disponibilidade enquanto o retorno acontece em períodos em que a disponibilidade de água já não é tão crítica, comportamento oposto ao associado a práticas mecânicas de conservação de solo e água em que, pelo controle do escoamento superficial, a infiltração ocorre nos períodos de maior disponibilidade hídrica, favorecendo o aumento de disponibilidade nos períodos de estiagem. Assim sendo, se apresentam algumas ações potencialmente aplicáveis à irrigação visando à melhoria da eficiência do uso da água. 2.8.1 Melhoria das condições de manejo da irrigação A baixa eficiência do uso da água, típica em sistemas agrícolas (as culturas consomem uma elevada quantidade de água para a produção de matéria seca), se associa à carência de um manejo racional da água voltado para as características edafoclimáticas e fenológicas das culturas irrigadas. Somada a esta pequena conversão de água está a baixa eficiência que, normalmente, apresenta os sistemas de irrigação implantados no Brasil, não sendo raros sistemas de irrigação que operam com eficiência de irrigação inferior a 50%, significando que, para cada dois volumes de água derivados para a irrigação, menos de um é efetivamente utilizado (consumido) pela cultura. 54 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski Em algumas bacias, após a implantação de projetos de irrigação sem a prévia quantificação do volume de água possível de ser usado, está faltando água para as áreas situadas a jusante, chegando ao extremo da total falta de água para consumo humano, de animais e da fauna silvestre, causando, com isso, sérios impactos ambientais nestas regiões e atritos entre os envolvidos. Ramos & Pruski (2003) evidenciaram, em estudo desenvolvido no âmbito do Projeto GEF São Francisco, em que foi realizada a avaliação de 55 projetos de irrigação ao longo da bacia, que em 39,4% das avaliações feitas em sistemas de irrigação localizada houve aplicação de água em excesso, tendo-se evidenciado eficiência de aplicação média de 79%, abaixo do valor de 85%, considerado excelente para este tipo de irrigação. Dois valores inferiores a 20% foram evidenciados, sendo um dos quais inferior, inclusive, a 5%. Para os sistemas de irrigação por aspersão os valores variaram de 41 a 86%, com média de 71,5%, abaixo do valor de 80%, considerado excelente para os sistemas de irrigação por aspersão. Esses resultados mostram a potencialidade que apresenta o uso de práticas adequadas de manejo da irrigação na economia de água por este segmento usuário. O aumento da eficiência do uso da água por este setor tem que merecer, portanto, atenção especial, devendo esta meta ser buscada não só pelo emprego de práticas de manejo de irrigação adequadas e que aumentem a eficiência do uso da água pela irrigação mas, também, pela utilização de medidas que permitam maximizar o aproveitamento da água em locais em que ela seja o fator restritivo à produção agrícola, como a utilização da irrigação com déficit, a adequação de calendário de cultivo e até mesmo pela consideração de vazões máximas permissíveis para a outorga variáveis ao longo do ano. 2.8.2 Uso da irrigação com déficit em regiões com carência de água Quanto maior a quantidade de água aplicada pela irrigação a fim de maximizar a produtividade, menor passa a ser a eficiência de uso da água. A função de produção, que expressa a relação entre a produtividade e a quantidade de água aplicada, é convexa. Desta forma, o aumento da aplicação de água tende a promover redução da taxa de aumento da produtividade. Se a aplicação de água for em excesso, a produção tenderá a decrescer. Apresenta-se, a seguir, análise realizada com base nas funções de produção obtidas por Bernardo (2004), e representada para a cultura do mamão na Figura 2.8 juntamente com a equação que expressa a função de produção. Nesta figura se observa que o máximo físico de produção é precedido de um trecho em que o incremento da lâmina de água aplicada à cultura não é acompanhado de equivalente aumento na produtividade. Pela análise da Figura 2.8 e das informações contidas na Tabela 2.2 evidencia-se que o aumento de 5 % na quantidade de água aplicada, ou seja, o aumento associado aos últimos 5% necessários para assegurar a produtividade máxima, irá acarretar aumentos de produtividade que variam de 0,2% (cana/açúcar) a 2,1% (cana/colmos). 55Tecnologia e inovação frente a gestão de recursos hídricos Figura 2.8 Produtividade total do mamoeiro em função da lâmina total de água em 16 meses Tabela 2.2 Taxa de aumento da produtividade com o aumento da quantidade de água aplicada considerando-se diferentes reduções na quantidade de água em relação àquela necessária para garantir a máxima produtividade Desconsiderando da análise a cultura de cana (colmos) tem-se que o aumento dos últimos 5% da quantidade de água aplicada corresponde a aumentos de produtividade iguais ou inferiores a 1,2%, mostrando forte tendência de redução da taxa de aumento de produtividade por quantidade de água aplicada. No caso das culturas de cana (açúcar) e mamão este aumento é, inclusive, inferior a 0,25%. Ainda desconsiderando a cultura de cana (colmos) tem-se que o aumento dos últimos 10% necessários para garantir a máxima produtividade incrementou, em menos de 2,5%, a produtividade, sendo este inferior a 0,5% para as culturas de cana (açúcar) e mamão. Para o aumento dos últimos 20% de água aplicados os aumentos de produtividade foram inferiores a 5%, e inferiores a 1% para as culturas de cana (açúcar) e mamão. Cultura Cana (colmos) Cana (açúcar) Goiaba Maracujá Mamão  Água 5  Produt. 2,10 0,19 1,10 1,20 0,24  Água 10   Produt. (%) 4,20 0,37 2,20 2,40 0,49  Água 20  Produt. 8,40 0,75 4,40 4,70 0,98 58 Fernando F. Pruski & Pedro L. Pruski Reid, L.M., Dunne, T. Sediment production from forest roads. Water Resources Research, v. 20, n.11, p.1753-1761, 1984. Rodriguez, R. del G. Metodologia para estimativa das demandas e das disponibilidades hídricas na bacia do rio Paracatu. Viçosa: UFV, 2004. 94p. Dissertação Mestrado Rodriguez, R. del G. Proposta conceitual para a regionalização de vazões. Viçosa: UFV, 2008. 254p. Tese Doutorado Williams, A. The costs of reducing soil erosion given global climate change – The case of midwestern U.S. farm households. West Lafayette: Purdue University, 2000. Ph.D. Dissertation 59Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas 3.1 Introdução 3.2 A oferta ambiental 3.2.1 O regime pluviométrico 3.2.2 As águas subterrâneas 3.2.3 Fator solo 3.2.4 Peculiaridade da caatinga 3.3 Relação solo-água-planta na agricultura de sequeiro 3.4 O risco da agricultura dependente de chuva 3.5 Perfil das principais tecnologias de captação de água de chuva 3.5.1 Consumo humano - cisterna 3.5.2 Barreiro para uso em irrigação de salvação 3.5.3 Captação “in situ” 3.5.4 Barragem subterrânea 3.6 Considerações finais Referências bibliográficas Everaldo R. Porto1, Aderaldo de S. Silva2 & Luiza T. de L. Brito2 Recursos hídricos em regiões áridas e semiáridas ISBN 978-85-64265-01-1 Instituto Nacional do Semiárido Campina Grande - PB 2011 1 Consultor independente 2 Embrapa Semiárido 3 60 Everaldo R. Porto et al. Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas 3.1 INTRODUÇÃO A região semiárida brasileira é constituída de um aglomerado de unidades de paisagens com diferentes características, no que diz respeito ao solo, relevo, clima, vegetação e potencial hídrico disponível. Todavia, o principal critério para a delimitação física desse espaço foi estabelecido levando-se em consideração a isoieta de 800 mm de chuva por ano, ou seja, são considerados pertencentes à região semiárida todos os municípios que apresentam uma precipitação anual igual ou inferior a 800 mm. Com base neste critério o semiárido brasileiro apresenta uma área de 853.383,59 km², sendo os estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba os que detêm maior percentual de área dentro da região, com 91,98; 91,69 e 89,65%, respectivamente (Banco do Nordeste, 2005). Por falta de programas de proteção ambiental específicos, a região já apresenta sequelas. Segundo Sá et al. (2007), as áreas em processo de degradação, com intensidade de baixa ou severa, somam mais de 20 milhões de hectares. As causas deste processo estão associadas principalmente a práticas inadequadas de exploração de seus recursos físicos e biológicos destacando-se, entre elas, os sistemas de cultivos espoliativos, o superpastejo da caatinga e o extrativismo predatório. A degradação dos recursos hídricos locais tem ocorrido pela destruição da cobertura vegetal em razão dos desmatamentos e das queimadas, do uso desordenado da água e do lançamento de agentes poluidores nos mananciais. Nesta região o sistema tradicional de produção agrícola consiste de uma exploração conjunta de agricultura e pecuária; na realidade, as transformações recentes da agricultura do Nordeste semiárido como resultado do processo de modernização do campo, se traduzem em grandes desigualdades socioeconômicas, a exemplo dos municípios do Vale do São Francisco, Parnaíba e Açu, onde pôde ser intensificada uma agricultura próspera, integrada aos mercados nacional e internacional, cujas atividades produtivas apresentam vantagens comparativas em termos de competitividade - as áreas irrigadas - contrastando com extensas áreas de sequeiro, situadas nas margens desse processo, em que as oportunidades econômicas da 63Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas Piranhas, AL, e Irecê, BA. Mesmo Irecê apresentando uma média de precipitação 91 mm superior à de Piranhas, a possibilidade de colheita deste cultivo é de 10% inferior em relação ao município alagoano; este evento ocorre porque o período de chuvas para Irecê surge entre os meses de novembro/abril. O aumento da radiação solar neste período propicia uma demanda maior de água pelo cultivo do feijão possibilitando, portanto, que a planta sofra um estresse hídrico maior. Média anual: 485 mm Média anual: 573 mm Possibilidade de sucesso do feijão: 50% Possibilidade de sucesso do feijão: 40% Figura 3.3 Chances de sucesso para a cultura do feijão em Piranhas, AL (A), e Irecê, BA (B) 3.2.2 As águas subterrâneas Com respeito às águas subterrâneas, o semiárido brasileiro apresenta uma particularidade que o difere de outras regiões do país, onde os terrenos sedimentares e permeáveis são predominantes. No caso do Brasil, dominam as rochas cristalinas, pouco permeáveis e predominantemente salinas. Esses tipos de rocha estão presentes em aproximadamente 80% da região; os 20% restantes representam bolsões sedimentares no Estado do Piauí e regiões do Cariri, Chapada do Apodi e outras. De acordo com Rebouças (1999), é possível se extrair, dessas áreas, com segurança, cerca de 20 bilhões de m³ ano-1, porém nas áreas do cristalino existem, atualmente, mais de 100.000 poços perfurados, com vazões médias em torno de 2.000 L h-1, o que estabelece um potencial de água a ser extraída da ordem de 292 milhões de m³ ano-1. É importante ressaltar que, na maioria dos casos, a água desses poços apresenta teores de sais superiores a 1 g L-1, o que a torna imprópria para o consumo humano. Além disso, essas fontes de água são essenciais aos animais, em especial aos caprinos, cuja demanda de água para dessedentação de todo o rebanho da região é da ordem de 40 x 106 m³ ano-1; outra grande vantagem é que elas estão protegidas da evaporação. Atualmente, existem sistemas de produção estabelecidos para o aproveitamento dessas água (Porto et al., 2000), tanto para os consumos humano e animal, como para a produção vegetal. A. B. 64 Everaldo R. Porto et al. 3.2.3 Fator solo O solo é um dos mais importantes elementos naturais da paisagem do semiárido. Os solos da região são, de maneira geral, rasos, com baixa fertilidade natural, baixo teor de matéria orgânica, drenagem limitada, baixa capacidade de infiltração e de retenção de umidade e apresentam grande potencial para a erosão hídrica provocada principalmente pela ocorrência de chuvas de alta intensidade. Outrossim, os solos da região são acometidos por processos de adensamento e/ou compactação de suas camadas; este último proporciona alteração no arranjo das partículas do solo aumentando sua densidade e diminuindo o volume de seus poros, chegando a comprometer significativamente a absorção de água pelo perfil do solo. A Figura 3.4 ilustra o efeito deste processo de adensamento/compactação em um solo classificado como argissolo amarelo eutrófico abruptico plíntico (Embrapa, 1999). Em função deste processo a capacidade de infiltração do solo foi reduzida a ponto de, após uma chuva de 50 mm em 24 h, a profundidade do perfil umedecido ser de apenas 17 cm. É importante evidenciar que apenas o impacto da gota de chuva e a erosão são responsáveis pela redução da capacidade de infiltração, haja vista que a pobreza desses solos em matéria orgânica e a formação de uma crosta de silte na superfície do solo seco, também contribuem significativamente para a redução da taxa de infiltração. Para a aplicação das técnicas de captação e manejo da água de chuva, o solo é um componente que apresenta interações sumamente importantes, quando associado ao regime pluviométrico. A seleção de áreas visando à aplicação dessas Figura 3.4 Vista da espessura do perfil de solo umedecido através de uma chuva com 50 mm de lâmina d’água 65Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas técnicas, pressupõe um conhecimento geral dos solos sobretudo em relação a quatro de suas características físicas: textura, estrutura, porosidade e profundidade efetiva; todavia, não se pode esquecer de que a topografia da área é essencial na definição de algumas técnicas a serem usadas. 3.2.3.1 Textura e estrutura A textura de um solo é determinada pelo conteúdo de areia grossa e fina, de limo e de argila. Apesar de na definição da classe textural do solo não se levar em conta o conteúdo de matéria orgânica, ela é de extrema importância, não só na melhoria da capacidade de infiltração do solo mas, principalmente, na elevação da capacidade de retenção de umidade do perfil de solo. Quando se opta pela aplicação de um sistema de captação de água de chuva para a produção agrícola, é conveniente que o solo apresente boa capacidade de infiltração (solos arenosos) mas, ao mesmo tempo, é oportuno que a água infiltrada possa ser retida no perfil durante todo o ciclo da cultura (solo com bom teor de argila). A estrutura, por sua vez, está determinada pelo arranjo ou disposição das partículas do solo, caso em que as partículas não mais devem ser vistas individualmente como areia, limo ou argila mas, sim, como essas partículas estão estruturadas. 3.2.3.2 Porosidade A textura e a estrutura do solo, mesmo sendo dois aspectos físicos distintos do solo, estão diretamente ligadas ao aspecto porosidade, que é a parte do solo não ocupada por elementos sólidos. Dois são os tipos de poros: os macroporos e os poros capilares. Em geral, um solo de textura média apresenta porosidade total em torno de 50%; para a captação da água da chuva a macroporosidade é elemento importante e, para a retenção e movimentação do fluxo interno de água no solo, a porosidade capilar é essencial. 3.2.3.3 Profundidade efetiva O aproveitamento da água de chuva pela planta vai depender da quantidade de água infiltrada e a que profundidade ela ficou armazenada. A depender da quantidade de chuva que ocorra e da facilidade de infiltração no perfil do solo, a tendência desta água é se distribuir em todo o perfil, até atingir a camada impermeável que, de modo geral, é a própria rocha matriz que dá formação ao perfil do solo. Considerando que, em sua maioria, os solos do semiárido brasileiro é raso, esta é uma limitação para algumas das técnicas de captação e aproveitamento da água de chuva para fins agrícolas. 68 Everaldo R. Porto et al. Grande parte do semiárido brasileiro tem sua precipitação média anual em torno de 500 mm distribuídos num período de 3 a 4 meses, raramente indo até os 5 meses. Mesmo quantitativamente sendo este total de chuva suficiente para atender ao requerimento de água de uma cultura como o feijão, é comum os produtores sofrerem redução no seu rendimento e até mesmo perda total da safra. A fim de relacionar a precipitação pluviométrica e a produção de um cultivo, é oportuno avaliar as quantidades de chuva a determinado nível de probabilidade e a confiabilidade deste provimento em atender ao uso potencial de água do cultivo. O conceito de índice de umidade disponível, desenvolvido por Hargreaves & Christiansen (1973) MAI (Moisture Avaibility Index), teve este propósito. Para desenvolver o índice os autores resumiram dados de rendimento e uso de água de vários autores. A umidade disponível foi calculada levando-se em consideração a água já armazenada no perfil do solo no início do plantio, mais as precipitações pluviométricas ocorridas durante o ciclo fenológico e a água de irrigação. Os dados de rendimento usados foram do Havaí, Califórnia, Utah e Israel. Os cultivos levados em conta foram: cana-de-açúcar, alfafa, milho e algumas forrageiras. A fim de padronizar os dados visando comparar os resultados de diferentes cultivos, Hargreaves & Christiansen (1973), usaram Y para expressar o rendimento obtido em relação ao rendimento máximo e X como a relação entre a umidade atual e umidade através da qual o rendimento é máximo. Portanto, os valores de Y e X variaram de 0 a 1. Obteve-se, para a maioria dos dados analisados, a função demonstrada através da Figura 3.6. É importante ressaltar que o déficit hídrico sofrido por uma cultura tem efeitos diferenciados, a depender da fase do ciclo fenológico em que o estresse ocorreu; todavia, a maior parte da informação disponível indica apenas a relação geral entre umidade disponível no solo e rendimento da cultura; mesmo assim, algumas informações valiosas podem ser concluídas ao se ter a primeira derivada da função mostrada na Figura 3.6, que é representada pela seguinte expressão: y/ = 0,8 + 2,6x – 3,3 x²; isto nada mais é do que o produto marginal. Para o intervalo de x = 0,086 e 0,701, o valor de y é igual ou superior a 1 com o valor máximo de 1,31 quando x = 0,394. Portanto, assumido-se que a equação apresentada na Figura 3.6 pode descrever a relação umidade no solo versus rendimento obtido pode-se, então, concluir que, em condições de plantios com recursos hídricos escassos, o aumento do rendimento máximo de produção por umidade de água aplicada é obtido quando a umidade no perfil do solo é suficiente para atender a aproximadamente 40% do requerimento ótimo de umidade para o cultivo em apreço. Esta informação é valiosa para a agricultura dependente de chuva, em que o insumo mais limitado é a água. 69Conservação e uso racional de água na agricultura dependente de chuvas 3.4 O RISCO DA AGRICULTURA DEPENDENTE DE CHUVA A irregularidade na distribuição sequencial das chuvas tem sido um dos fatores limitantes ao desenvolvimento e à estabilização na produção agrícola no semiárido brasileiro. Além da má distribuição sequencial, o período chuvoso é curto, com intervalo entre chuvas, longo, e estas de alta intensidade, o que não só provoca erosão como, também, concorre para que grandes volumes de água não fiquem armazenados no perfil do solo e sejam perdidos, tornando a exploração agrícola uma atividade de risco. Duque (2004) relata, em suas observações não recentes sobre o semiárido brasileiro, que em lavouras tradicionais de gêneros alimentícios, tais como milho, feijão e arroz, o produtor consegue apenas uma safra, com 100% de rendimento, em cada 10 anos. Por outro lado e se considerando a diversidade de situações agroecológicas e socioeconômicas encontradas nesta região, não é possível o estabelecimento de normas gerais prefixadas para o enfrentamento de risco ao qual a atividade agrícola está sujeita. Todavia, objetivando apoiar um planejamento racional para a transferência de tecnologias em manejo de solo e água, a Embrapa desenvolveu um modelo simulado que permitiu avaliar as chances de sucesso na exploração de culturas de feijão, milho e sorgo, ao mesmo tempo em que avalia o déficit hídrico sofrido por essas culturas e a potencialidade de produção de escoamento superficial (Garagorry & Porto, 1983). O modelo considera não só a precipitação e a evapotranspiração mas, também, foram desenvolvidas funções de produção para os cultivos em apreço, relacionando-se a fenologia do cultivo com a escassez de umidade no perfil de solo. Os dados de precipitação usados foram diários e os de evapotranspiração potencial, mensais. A unidade de tempo para simulação foi a sequencial de 5 dias; portanto, o ano foi dividido em 73 períodos de 5 dias cada um. Os dados sobre a capacidade de Fonte: Hargreaves & Christiansen (1973) Figura 3.6 Função de produção relacionando teor de umidade e rendimento 70 Everaldo R. Porto et al. armazenamento de água no perfil do solo, foram estimados para as manchas de solo predominantes nos municípios avaliados. Na Tabela 3.1 se encontram a probabilidade de resultado aceitável (PRA), o máximo déficit médio (MDM) de água sofrido pela cultura e o máximo escoamento médio (MEM) ocorrido durante o ciclo fenológico dos cultivos de feijão, caupi, milho e sorgo, para alguns municípios do semiárido brasileiro. Tabela 3.1 Probabilidade de resultado aceitável (PRA), máximo déficit médio de água (MDM) e máximo escoamento médio (MEM) durante o ciclo das culturas de feijão, caupi, milho e sorgo, em oito municípios do semiárido brasileiro A partir da observação dos dados apresentados na Tabela 3.1, fica evidenciado que a produção de grãos no semiárido brasileiro é uma atividade de risco, como mencionado em tópicos anteriores; todavia, é importante ressaltar que este risco é variável, a depender do tipo de grão e do regime pluviométrico do ambiente. Esta tabela evidencia o déficit hídrico sofrido pelos cultivos avaliados e o excedente de umidade não absorvido pelo perfil do solo, quando da ocorrência de chuvas. Pode-se constatar, também, que há bastante desperdício de água em função da formação do escoamento superficial. De modo geral, o escorrimento superficial no início da chuva é menor, até que o solo atinja sua capacidade de campo e então se torne constante. Sempre que o solo se vai saturando, a velocidade de penetração da água diminui aumentando, consequentemente, o escorrimento superficial, desde que a infiltração se mantenha constante. Aqui reside uma oportunidade para a redução dos riscos de perda dessas culturas, ou seja, é tirar proveito deste desperdício de água. Essas informações sugerem que, através das práticas de captação de água de chuva, o risco na produção de grãos na região semiárida pode ser reduzido. Todavia, existem outras estratégias para a redução dos riscos de perda dos cultivos, por falta de umidade no solo. A Figura 3.7 mostra a resposta do comportamento fisiológico entre os cultivos de sorgo e milho. Ambas as culturas foram plantadas na Jaicós/PI Icó/CE Caicó/RN Soledade/PB Ouricuri/PE Santana do Ipanema/AL Nossa Senhora da Glória/SE Irecê/BA PRA % 70 70 70 20 30 90 80 40 Município Estado MDM MEM mm 38 204 44 231 44 212 85 58 90 105 14 183 31 142 91 135 Feijão Caupi PRA MDM MEM % mm 80 28 210 80 26 235 70 31 222 33 53 78 40 60 114 90 9 212 80 19 168 50 56 154 Milho PRA MDM MEM % mm 70 69 230 70 74 253 60 80 246 20 97 60 20 152 118 90 21 229 80 34 196 10 154 150 Sorgo PRA MDM MEM % mm 80 52 208 80 48 230 70 62 219 33 91 76 40 100 110 90 36 208 90 22 154 34 105 148
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