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Guias e Dicas
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História e mitologia na poesia de Basílio da Gama, Notas de estudo de Literatura

Este documento contém um poema de basílio da gama, intitulado 'ulisse em itacá'. O poema é uma releitura da odisseia de homero e aborda temas como a história, a mitologia e a cultura brasileira do século xviii. Através de sua linguagem poética, basílio da gama constrói uma narrativa rica em simbolismos e metáforas, que refletem sobre a condição humana e a relação entre o homem e o universo.

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 24/06/2011

Tucano15
Tucano15 🇧🇷

4.6

(104)

195 documentos

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Baixe História e mitologia na poesia de Basílio da Gama e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity! www.nead.unama.com.br 1 Universidade da Amazônia Caramuru de Frei José de Santa Rita NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal CEP: 66060-902 Belém – Pará Fones: (91)210-3196 / 210-3181 www.nead.unama.br E-mail: uvb@unama.br www.nead.unama.com.br 2 Reflexões prévias e argumentos Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia. Incitou-me a escrever este o amor da Pátria. Sei que a minha profissão exigiria de mim outros estudos; mas estes não são indignos de um religioso, porque o não foram de bispos, e bispos santos; e, o que mais é, de Santos Padres, como S. Gregório Nazianzeno, S. Paulino, e outros; maiormente, sendo este poema ordenado a pôr diante dos olhos aos libertinos o que a natureza inspirou a homens que viviam tão remotos das que eles chamam preocupações de espírito débeis. Oportunamente o insinuamos em algumas notas; usamos sem escrúpulo de nomes tão bárbaros; os Alemães, Ingleses, e semelhantes, não parecem menos duros aos nossos ouvidos, e os nossos aos seus. Não faço mais apologias da obra, porque espero as repreensões, para, se for possível, emendar os defeitos, que me envergonho menos de cometer que de desculpar. A ação do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século XVI por Diogo ÁIvares Correia, nobre Vianês, compreendendo em vários episódios a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a natural, e política das colônias. Diogo Álvares passava ao novo descobrimento da capitania de São Vicente, quando naufragou nos baixos de Boipebá, vizinhos à Bahia. Salvaram-se com ele seis dos seus companheiros, e foram devorados pelos gentios antropófagos, e ele esperado, por vir enfermo, para melhor nutrido servir-lhes de mais gostoso pasto. Encalhada a nau, deixaram-no tirar dela pólvora, bala, armas, e outras espécies, de que ignoravam o uso. Com uma espingarda matou ele caçando certa ave, de que espantados, os bárbaros o aclamaram Filho do trovão, e Caramuru, isto é, Dragão do mar. Combatendo com os gentios do sertão, venceu-os, e fez-se dar obediência daquelas nações bárbaras. Ofereceram-lhe os principais do Brasil as suas filhas por mulheres; mas de todas escolheu Paraguassu, que depois conduziu consigo à França, ocasião em que outras cinco Brasilianas, seguiram a nau francesa a nado, por acompanhá-lo, até que uma se afogou, e, intimidadas, as outras se retiraram. Salvou um navio de Espanhóis, que naufragaram, com o que mereceu que Ihe agradecesse o Imperador Carlos V com uma honrosa carta. Passou à França em nau que ali abordou daquele reino, e foi ouvido com admiração de Henrique II, que o convidava para em seu nome fazer aquela conquista. Repugnou ele, dando aviso ao Senhor D. João III por meio de Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo da Bahia. Cometeu o Monarca a empresa a Francisco Pereira Coutinho, fazendo-o donatário daquela Capitania. Mas êste, não podendo amansar os Tupinambás, que habitavam o Recôncavo, retirou-se à Capitania dos ilhéus; e, pacificando depois com os Tupinanbás, tornava à Bahia, quando ali infaustamente pereceu em um naufrágio. Entanto Diogo Álvares assistiu em Paris ao batismo de Paraguassu sua esposa, nomeada nele Catarina, por Catarina de Médicis, Rainha Cristianíssima, que Ihe foi madrinha, e tornou com ela para a Bahia, onde foi reconhecida dos Tupinanbás como herdeira do seu Principal, e Diogo recebido com o antigo respeito. Teve Catarina Álvares uma visão famosa, em que a Virgem Santíssima, manifestando-se lhe cheia de glória, Ihe disse que fizesse restituir uma imagem sua roubada por um Selvagem. Achou-se esta nas mãos de um Bárbaro; e Catarina Álvares com exclamações de júbilo se lançou a abraçá-la, clamando ser aquela a imagem mesma que lhe aparecera: foi colocada com o título de Virgem Santíssima da Graça em uma igreja, que é hoje Mosteiro de S. Bento, celebre por esta tradição. Chegou entanto de Portugal Tomé de Sousa com algumas naus, famílias e tropas para povoar a www.nead.unama.com.br 5 VIII Daí, portanto, senhor. potente impulso, Com que possa entoar sonoro o metro Da brasílica gente o invicto pulso, Que aumenta tanto império ao vosso cetro; E, enquanto o povo do Brasil convulso (1) Em nova lira canto, em novo plectro, Fazei que fidelíssimo se veja O vosso trono em propagar se a igreja. IX Da nova Lusitânia o vasto espaço Ia a povoar Diogo, a quem bisonho Chama o Brasil, temendo o forte braço, Horrível filho do trovão medonho, Quando do abismo por cortar lhe o passo Essa fúria saiu como suponho, A quem do inferno o paganismo aluno, Dando o império das águas, fez Netuno. X O grão tridente. com que o mar comove, Cravou dos Órgãos na montanha horrenda (2) E na escura caverna, a onde Jove (Outro espírito) espalha a luz tremenda, Relâmpagos mil faz, coriscos chove; Bate-se o vento em hórrida contenda, Arde o céu, zune o ar, treme a montanha, E ergue-lhe o mar em frente outra tamanha. XI O filho do trovão, que em baixel ia Por passadas tormentas ruinoso, Vê que do grosso mar na travessia Se serve o lenho pelo pego undoso. Bem que, constante, a morte não temia, Invoca no perigo o Céu piedoso, Ao ver que a fúria horrível da procela Rompe a nau, quebra o leme e arranca a vela. XII Lança-se ao fundo o ignívomo instrumento, Todo o peso se alija; o passageiro, Para nadar no túmido elemento, A tábua abraça que encontrou primeiro; Quem se arroja no mar temendo o vento; www.nead.unama.com.br 6 Qual se fia a um batel, quem a um madeiro, Até que sobre a penha, que a embaraça, A quilha bate e a nau de despedaça. XIII Sete somente do batel perdido Vem à praia cruel, lutando a nado; Oferece-lhes socorro fementido Bárbara multidão, que acode ao brado; E, ao ver na praia o benfeitor fingido, Rende-lhe as mãos o náufrago enganado. Tristes! que a ver algum qual fim o espera Com quanta sede a morte não bebera! XIV Já estava em terra o infausto naufragante, Rodeado da turba americana; Vem-se com pasmo ao porem-se diante, E uns aos outros não crêem da espécie humana: Os cabelos, a cor, barba e semblante Faziam crer aquela gente insana Que alguma espécie de animal seria Desses que no seu seio o mar trazia. XV Algum, chegando aos míseros, que à areia O mar arroja extintos, nota o vulto; Ora o tenta despir e ora receia Não seja astúcia com que o assalte oculto. Outros, do jacaré, tornando a idéia, (3) Temem que acorde com violento insulto Ou, que o sono fingindo, os arrebate E entre presas cruéis no fundo os mate. XVI Mas, vendo a Sancho, um náufrago que expira, Rota a cabeça numa penha aguda, Que ia trêmulo a erguer-se e que caíra, Que com voz lastimosa implora ajuda; E vendo os olhos, que ele em branco vira, Cadavérica a face, a boca muda, Pela experiência da comua sorte Reconhecem também que aquilo é morte. www.nead.unama.com.br 7 XVII Correm, depois de crê-lo, ao pasto horrendo, E, retalhando o corpo em mil pedaços, Vai cada um famélico trazendo, Qual um pé, qual a mão, qual outros os braços; Outro na crua carne iam comendo, Tanto na infame gula eram devassos; Tais há que as assam nos ardentes fossos, Alguns torrando estão na chama os ossos. XVIII Que horror da humanidade! ver tragada Da própria espécie a carne já corruta! Quando não deve a Europa abençoada A fé do Redentor, que humilde escuta! Não era aquela infâmia praticada Só dessa gente miseranda e bruta: Roma e Cartago o sabe no noturno Horrível sacrifício de Saturno. (4) XIX Os sete, entanto, que do mar com vida Chegaram a tocar na infame areia Pasmam de ver na turba recrescida A brutal catadura, hórrida e feia: A cor vermelha em si mostram tingida De outra cor diferente, que os afeia; Pedras e paus de embirras enfiados, (5) Que na face e nariz trazem furados. XX Na boca, em carne humana ensangüentada, Anda o beiço inferior todo caído, Porque a têm toda em roda esburacada, E o labro de vis pedras embutido; Os dentes (que é beleza que lhe agrada) Um sobre outro desponta recrescido; Nem se lhe vê nascer na barba o pêlo Chata a cara e nariz, rijo o cabelo. XXI Vê-se no sexo recatado o pejo, Sem mais que antiga gala que Eva usava Quando por pena de um voraz desejo Da feia desnudez se envergonhava; www.nead.unama.com.br 10 Ordena que no altar seja oferecido O brutal sacrifício em sangue infecto, (8) Sendo a cabeça às vítimas quebrada E a gula infanda de os comer saciada. XXXI Entanto que se ordena a brutal festa, Nada sabiam na marinha gruta Os habitantes da prisão funesta, Que ardilosa lho esconde a gente bruta; E, enquanto a feral pompa já se apresta, Toda a pena em favor se lhe comuta, Nem parecem ter dado a menor ordem, Senão que comam e comendo engordem. XXXII Mimosas carnes mandam, doces frutas, 0 araçá, o caju, coco e mangaba; Do bom maracujá lhe enchem as grutas Sobre rimas e rimas de goiaba; Vasilhas põem de vinho nunca enxutas, (9) E a imunda catimpoeira, que da baba (10) Fazer costuma a bárbara patrulha, Que só de ouvi-lo o estômago se embrulha. XXXIII Um dia. pois, que à sombra desejada Se repousam, passando a calma ardente, Por dar alívio à dor reconcentrada De ver-se escravos de tão fera gente, Fernando, um deles, diz, que aos mais agrada Por cantigas que entoa docemente, Que em cítara, que o mar na terra lança, Se divirtam da fúnebre lembrança. XXXIV Mancebo era Fernando mui polido, Douto em letras e em prendas celebrado, Que, nas ilhas do Atlântico nascido, Tinha muito coas musas conversado; Tinha ele os rumos do Brasil seguido Por ver o monumento celebrado De uma estátua famosa que num pico (11) Aponta do Brasil ao país rico. www.nead.unama.com.br 11 XXXV Pedira-lhe Luís, que isto escutara, De profética estátua o conto inteiro, Se foi verdade, se invenção foi clara De gente rude ou povo noveleiro. Fernando então, que em metro já cantara O sucesso, que atesta verdadeiro, Toma nas mãos a cítara suave E, entoando, começa em canto grave. XXXVI Oculto o tempo foi, incerta a era, Em que o grão-caso contam sucedido; Mas em parte é sem dúvida sincera A bela história, que a escutar convido. Feliz foi o ditoso, e feliz era Quem tanto foi do céu favorecido, Pois em meio ao corruto gentilismo Merecer soube a Deus o seu batismo. XXXVII Incerto pelas brenhas caminhava Um varão santo, que perdera a via, Quando pelos cabelos o elevava O anjo a onde o sol já se escondia; E um selvagem lhe mostra, que se achava (12) Quase lutando em última agonia: Ouve (lhe diz) o justo agonizante, E uma estrada de luz tomou brilhante. XXXVIII Auréo (que assim se chama o sacro enviado), Encostando-se ao velho titubeante, Por ignorar-lhe o idioma não falado, No seu diz, de que o enfermo era ignorante; E ouve-se responder (caso admirado!) Numa língua de todo extravagante, Que, sendo em tudo extraordinária e bruta, Faz-se entender, e entende-o no que escuta. XXXIX Do grande Criador por mensageiro A bênção (diz) te ofereço, homem ditoso; Neste mundo ignorado em o primeiro Quer que o seu nome escutes glorioso; www.nead.unama.com.br 12 Do Eterno pai, de um filho Verdadeiro, Do Espirito também, laço amoroso, Quer que o mistério saibas da verdade São três pessoas numa só Unidade. XL Um só Senhor, que todo o ser governa, Que só com dizer seja o fez de nada, Que à natureza desde a idade eterna Certa época fixou de ser criada; Que, abrindo liberal a mão paterna, Toda a coisa abençoa que é animada; Que sua imagem nos fez, e, sem segundo, Quer que o homem reine sobre o vasto mundo; XLI Que, havendo em mil delícias colocado Nossos primeiros pais num paraíso, Por homenagem desse império dado, Privou de um pomo com severo aviso; Que, vendo o seu respeito profanado E igual satisfação sendo preciso, No duro lenho a pôs, no férreo cravo, E deu o filho por salvar o escravo: XLII Este no seio, pois, de Virgem pura, Invocada no nome de Maria, Redentor, mestre, e luz da criatura, Nasceu, pregou, morreu na cruz ímpia; Rompeu do abismo a imóvel fechadura; Depois ressurge no terceiro dia; E, ao céu subindo enfim, donde comanda, Aos fins da terra os mensageiros manda. XLIII Um destes vendo a ti: lavar-te intento, Se queres aceitar meu catecismo; E, servindo de porta o sacramento, Incorporar-te ao cristianismo. Purga o teu coração, teu pensamento, Por chegar puro às águas do batismo, Onde, se entras com dor do mal primeiro, De Jesus Cristo morrerás co-herdeiro. www.nead.unama.com.br 15 LIII Disse o ditoso velho; e, acompanhando Com devoto suspiro a voz que exprime, Bem mostra que no peito o está tocando A oculta unção do Espirito sublime, As mãos ao céu levanta lagrimando; E tanto ardor na face se lhe imprime, Que acompanhar parece o humilde rôgo Um dilúvio de água, outro de fogo. LIV Então o bom ministro:«É justo, amigo, Que chores (lhe dizia) o teu pecado, Por não amar a Deus; ser-lhe inimigo, Se o blasfemaste: de o não ter honrado; De não servir teus pais; de um ódio antigo; E se não foste honesto, ou tens roubado; Se em mulher, bens ou fama em caso feio Fizeste dano, ou cobiçaste o alheio. LV Esta a lei santa é, que em nós impressa Ninguém ofende que mereça escusa, Onde no que faltaste a Deus confessa, Que tanto deve quem pecando abusa. Quer se a satisfação com a promessa De melhor vida, no que a lei te acusa; Pois quem quer que pecou, que assim não faça, Recebe o sacramento, mas não graça.? LVI «Eu, disse o americano, antes de tudo, Amei do coração quem ser me dera: Seu nome ignoro, mas honrá-lo estudo, E com fé o adorei sempre sincera; Em certos dias, recolhido e mudo, Cuidava em venerar quem tudo impera; Matar não quis, nem morto algum comia, Pois que a mim mo fizessem não queria. LVII Mulher tive, mas uma, persuadido Que com uma se pode; ação impura Meteu-me sempre horror, tendo entendido Que só no matrimônio era segura; www.nead.unama.com.br 16 Qualquer outro prazer fora proibido, Porque, se entanto abuso se conjura, Quem, seguindo esse instinto do demônio, Se pudera lembrar do matrimônio? LVIII Nunca roubei, temendo ser roubado; Por conservar a fama, honrei a alheia; Não me lembra de ter caluniado, Nem de outrem disse mal, que é coisa feia: E quem houvesse de outro murmurado Que outro tanto lhe façam certo creia; Não tive inveja do que alguém consiga, Por ver que quem a tem seu mal castiga. LIX Enfim, corri meus anos desde a infância Sem ofender (que eu saiba) esta lei justa, Sem ter à coisa boa repugnância, Tudo mercê da mão de Deus augusta. Nos meus males somente a tolerância Mas fazia passar a menor custa: Esta a minha ânsia foi, este o meu zelo, Saber quem era Deus, tratá-lo e vê-lo.? LX Dizendo o velho assim, tanto se acende, Como se n’alma se lhe ateara um fogo. Reclina a humilde fronte e a voz suspende, E, caindo em delíquio neste afôgo, Corre o ministro, que ao sucesso atende, E buscando água que o batize logo; Apenas «Félix, diz, eu te batizo?, Partiu feliz dum vôo ao paraíso. LXI Cuidava em sepulta-lo Auréo saudoso; Porém de espessa névoa, que o ar condensa, Ouve um coro entoando harmonioso Louvor eterno majestade imensa; E na atmosfera ali do ar nebuloso Luz arraiando, que a alumia intensa Viu Félix, que na gloria que o vestia A graça batismal lhe agradecia. www.nead.unama.com.br 17 LXII «Que te conceda Deus, ministro justo, (Diz-lhe a alma venturosa) o prêmio eterno; Pois vens do antigo mundo a tanto custo A libertar-me do poder do inferno. Dos céus entanto o Dominante augusto Que tornes manda ao ninho teu paterno, E sobre a névoa em nuvem levantada Vás navegando pela aérea estrada. LXIII E quer na nuvem própria, que te indico Que esse cadáver meu vá transportado, E na ilha do Corvo, de alto pico O vejam numa ponta colocado. Onde acene ao pais do metal rico, Que o ambicioso europeu vendo indicado Dará lugar que ouvida nele seja A doutrina do céu e a voz da igreja.? LXIV Disse, e, cessando a voz e a visão bela, Viu da nuvem Auréo, que o rodeava, Transformar-se a bela alma em clara estrela, E viu, que a nuvem sobre o mar voava; O cadáver também sublime nela Ao cume do grão-pico já chegava, Onde a névoa, que no alto se sublima, Depõe como uma estátua o corpo em cima. LXV Ali batido do nevado venta, De sol, de gelo e chuva penetrado, Efeito natural, e não portento, É vê-lo, qual se vê, petrificado. Um arco tem por bélico instrumento, (15) De pluma um cinto sobre a frente ornado, Outro onde era decente, em cor vermelho, Sem pêlo a barba tem, no aspecto é velho. LXVI Voltado estava às partes do ocidente, Donde o áureo Brasil mostrava a dedo, Como ensinando à lusitana gente Que ali devia navegar bem cedo. www.nead.unama.com.br 20 E mal a gente bruta se continha, Que. enquanto as tristes mãos lhe vão ligando, No humano corpo pelo susto exangue Não vão vivo sorvendo o infeliz sangue. LXXVI Qual se da Libia pelo campo estende O mouro caçador ton leão vasto, Em longs nuvern devorá-lo emprende O sagaz corvo, sempre atento ao pasto, Negro parece o chão, negro, onde pende A planta, em que do sangue explora o rasto, Até que avista a presa e em chusma voia, Nem deixa parte que voraz não roa: LXXVII Tal do caboclo foi a fúria infanda, E o fanatismo, que na mente o cega, Faz que, tendo esta ação por veneranda, Invoque o grão-Tupá que o raio emprega. No meio vê-se que em mil voltas anda O eleito matador, como quem prega A brados, exortando o povo insano A ensopar toda a mão no sangue humano. LXXVIII A roda, à roda! a multidio fremente Com gritos corresponde à infaine idéia, Enquanto o fero em gesto de valente Bate o pé, fere o ar e um pau maneia, Ergue-se uin e outro lenho, onde o paciente Entre prisões de enibira se encadeia; Fogo se acende nos profundos fossos, Em que se torrem com a carne os ossos. LXXIX Dentro de uma estacada extensa e vasta, Que a numerosa plebe em torno borda, Entram os principais de cada casta Com belas plumas, onde a cor discorda; Outros, que a grenha têm com feral pasta Do sangue humano, que ao matar transborda; Os nigromantes são, que em. vão conjuro Chamam as sombras desde o Avemo escuro. www.nead.unama.com.br 21 LXXX Companheiras de ofício tão nefando Seguem de um cabo a turma e de outro cabo Seis torpíssimas velhas, aparando O sangue sem um leve menoscabo. Tão feias são, que a face está pintando A imagem propriíssinia do diabo: Tinto o corpo em verniz todo amarelo, Rosto tal, que a Medusa o faz ter belo. LXXXI Têm no colo as cruéis sacerdotisas, Por conta dos funestos sacrificios, Fios de dentes, que lhes são divisas De mais ou menos tempo em tais ofícios. Gratas ao céu se crêem de que indivisas Se inculcam por tartáreos malefícios; E um testemunho do mister nefando, Nos seus cocôs com facas vêm tocando. LXXXII Quem pode reputar que dor traspassa A miseranda infausta companhia, Vendo tais feras rodear a praça, Que o sangue com os olhos lhe bebia? Ver que os dentes lhe range por negaça, Senão é que os agita a fome ímpia, E dizer la consigo. Em poucas horas Sou pasto destas feras tragadoras. LXXXIII Mas põe-lhe a vista o Padre Onipotente, Da desgraça cruel compadecido, E envia um anjo desde o céu clemente, Que deixe tanto horror desvanecido E faça que o espetáculo presente Venha por fim a ser sonho fingido: Que quem recorre ao céu no mal que geme, Logo que teme a Deus, nada mais teme. LXXXIV Seis então dos infames nigromantes Lançarai mão das vítimas pacientes, E a seis lenhos fatais, que ergueram dantes, Atam cruéis as mãos dos inocentes; www.nead.unama.com.br 22 Postos no céu os olhos lacrimantes Com lembrar-se das penas veementes Que sofreu Deus na cruz, nele fiados, Pediam-lhe o perdão dos seus pecados. LXXXV Fernando ali, que em discrição precede, Com voz sonora a companhia anima, Cheio de viva fé socorro pede; E, quando a dor permite que se exprima: «Grão-Senhor (diz) de quem tudo procede, A glória, a pena, a confusão e a estima, Que justo dás as graças e os castigos, Na dor alívio, amparo nos perigos; LXXXVI Vida não peço aqui, morte não temo, Nem menos choro o caso desgraçado; O que me dói, que sinto, o quo só gemo É, piedoso Deus, o meu pecado; Feliz serei, Grão-Padre, se no extremo For da tua bondade perdoado, Pelo cálix amargo que aqui bebo, Pela morte cruel que hoje recebo. LXXXVII Mas, grande Deus, que vês nossa fraqueza No duro transe desta cruel hora, Não sofras que essas feras com crueza Hajam de devorar a quem te adora; Purque estremece a frágil natureza, Vendo a gula brutal, que emprende agora Sacrifício fazer ao torpe abismo Destas carnes tingidas no batismo.» LXXXVIII Ouviu o céu piedoso a infeliz gente; E, quando o fero a maça já levanta, Que esmaga a fronte ao mísero paciente, Trovão se ouve fatal, que tudo espanta: Treme a montanha e cai a roca ingente, E na ruína as árvores quebranta; Mas o que mais os brutos confundia Era o rumor marcial que se então ouvia. www.nead.unama.com.br 25 II Parecia-lhe ver de gente insana O bárbaro furor, a fome crua, A agonia dos seus na ação tirana, E, temendo a dos mais, presume a sua. Quisera opor-se à empresa desumana, Pensa em arbítrios mil com que o conclua. Se fugirá? mas donde? se os invada? Porém, enfermo e só, não vale a nada. III «Oh! mil vezes (dizia) afortunados Os que entregues à fúria do elemento Acabaram seus dias sossegados, Nem viram tanta dor, como experimento! Que estavam finalmente a mim guardados Este espanto, este horror, este tormento! Que escapei (Santos Céus!) desse mar vasto Para a feras servir de horrível pasto! IV E hei de agora ( infeliz!) ver fraco e inerme Que dos meus vá fazer um pasto horrendo Essa patrulha vil, que agora enferme! Que me veja sem força em febre ardendo! Ah! Se pudera em meu vigor já ver-me! Que ardor sinto em meu peito de ir rompendo E turba vil fazendo em mil pedaços, Truncar pescoços, mãos, cabeças, braços! V Não pode (é certo) a débil natureza; Porém que esperas mais, mísero Diogo? Que pode resultar da forte empresa? Será mal morrer já, se há de ser logo? Faltam-me as forças; sim, sinto a fraqueza; Mas o espírito o supre e neste afogo Tira forças ocultas da nossa alma, Que ela não mostra ter, vivendo em calma. VI E como quer enfim que o mande a sorte, Morra-se, que talvez se não desuna O sucesso feliz uma ação forte, Que acaso um temerário achou fortuna; www.nead.unama.com.br 26 E quando irado o céu me envie a morte, E que a mão do Senhor meus erros puna, Recebo o golpe, que me for mandado, Morrerei, assim é, porém vingado. VII Nem deixo de esperar que a gente bruta, Vendo o estrago da espada e do mosquete, Não se encha de pavor na estranha luta E força maior creia que a acomete: Se tomo as armas, que salvei na gruta, Escudo, cota, malha e capacete, Posso esperar que um só me não resista, E, antes que o ferro, mos someta a vista. » VIII Disse; e, entrando na sólita caverna, Cobre de ferro a valorosa fronte; Um peito de aço de firmeza eterna E o escudo, onde a frecha se desponte, Dispõe de modo em forma tal governa, Que nada teme já que em campo o afronte Nas mãos de ferro tinha uma alabarda, A espada à cinta, aos ombros a espingarda; IX Saía assim da gruta, quando o monte Coberto vê da bárbara caterva; E no que infere da turbada fronte Sinais de fuga de derrota observa: A algum obriga o medo a que transmonte, Outros se escondem pelo mato ou erva, Muitos fugindo vêem com medo à morte, Crendo achar na caverna um lugar forte. X Mas o prudente Diogo, que entendia Não pouca parte do idioma escuro, Por alguns meses em que atento o ouvia, Elege um posto a combater seguro: Atento a toda voz que ouvir podia, Por escutar dos seus o caso duro, Entre esperanças e receio intenso Sem susto estava, sim, porém suspenso. www.nead.unama.com.br 27 XI Gupeva então, que os mais se adiantava, Vendo das armas o medonho vulto, Incerto do que vê, suspenso estava, Nem mais se lembra do inimigo insulto; Alguns dos anhangás imaginava (1) Que dentro o grão-fantasma vinha oculto; E à vista do espetáculo estupendo Caiu por terra o mísero tremendo. XII Caiu com ele junta a brutal gente; Nem sabe o que imagine da figura, Vendo-a brandir com a alarbada ingente E olhando ao morrião, que o transfigura. Ouve-se um rouco tom de voz fremente, Com que espantá-los mais o herói procura; E porque temem da maior ruína, Faz-lhe a voz mais horrenda uma busina. XIII Entanto a gente bárbara, prostrada, Tão fora de si está por cobardia, Que sem sentido, estúpida, assombrada, Só mostra viva estar porque tremia; Quais verdes varas de árvore copada, Se assopra a viração do meio-dia, De uma parte à outra parte se meneiam, Assim de medo os vis no chão perneiam. XIV Mas Diogo naqueles intervalos, Suspendendo o furor do duro Marte, Esperança concebe de amansá-los Uma vez com terror, outra com arte; A viseira levanta e vai buscá-los, Mostrando-se risonho em toda a parte: « Levantai-vos » (lhes diz), e, assim dizendo, la-os coa própria mão na terra erguendo. XV Gupeva, que no trajo mais distinto Parecia na turba do seu povo O principal no mando, meio extinto Pelo horror do espetáculo tão novo, www.nead.unama.com.br 30 Notando a pronta luz, que no óleo ardia, Não acaba de o crer de assombro cheia, Crêem, portanto, que o fogo do céu nasça, Ou que Diogo nas mãos nascê-lo faça. XXV Era o costume do selvagem rude, Roçar umi lenho noutro com tal jeito, Que vinha por elétrica virtude A acender lume, mas com tardo efeito. Mas, observando, sem que o lenho o ajude, Em menos de um momento o fogo feito, O menino imaginou que a Grécia creu, Quando viu ferir fogo a Prometeu. XXVI Acesa a luz na lôbrega caverna, Vê-se o que Diogo ali da riait levara; Roupas, armas, e entre parte mais interna A pólvora em barris, que transportara, Tudo vão vendo à luz de uma lanterna, Sem que o apeteça a gente nada avara, Ouro e prata, que a inveja não lhe atiça; Nação feliz, que ignora o que é cobiça! XXVII Mas entre objetos vários a que atende Nota Gupeva extático a pintura Que num precioso quadro, que ali pende, Representava a Mãe da formosura: Se seja coisa viva não entende, Mas suspeitava bem pela figura Digna a pessoa, de que a imagem era, De ser mãe de Tupá, se ele a tivera. XXVIII « Esta (pergunta o bárbaro) tão bela, Tão linda face, acaso representa Alguma formosíssima donzela, Que esposa o grão-Tupá fazer intenta? Ou porventura que nascesse dela Esse que sobre os céus no sol se assenta? Quem pode geração saber tão alta? Mas se há mãe, que o gerasse, esta é sem falta. » www.nead.unama.com.br 31 XXIX Encantado esté o pio lusitano De ouvir em rude boca tal verdade; E adorando o mistério soberano, Mãe ter não pode (disse) a divindade, Mas, sendo Deus eterno, fez-se humano; E sem lesão da própria virgindade A donzela o gerou, que pisa a lua, Digna mãe de Tupá, mãe minha e tua. XXX Peçamos, pois que é mãe, que nos defenda, Que te dê para ouvir dócil orelha E contigo o teu povo recomenda.» Dizendo o herói assim, devoto ajoelha. Gupeva o mesmo faz com fé estupenda E pendente de Diogo, que o aconselha, Levanta as mãos, como ele levantava, E, vendo-o lacrimar, também chorava. XXXI Mas crendo rude, como então vivia, Que fosse coisa vive a imagem santa, Que por mãe de Tupá tudo saía, Tendo poder conforme a glória tanta, Repete o que ouve a Diogo com voz pia E à mãe de Deus o coração levanta. E encostando entre os rogos a cabeça, Faz a noite e o desvelo que adormeça. XXXII Já o purpúreo, trêmulo horizonte, Rosas parece que espalhava a aurora; E o sol que nasce sobre o oposto monte A bela luz derrama criadora: Ouvem-se as avezinhas junto à fonte, Saudando a manhã com voz sonora; E os mortais, já o sono desatados, Tornavam novamente aos seus cuidados: XXXIII Quando Gupeva, manso e diferente Do que antes fora na fereza bruta, Convoca a ouvi-lo a multidão fremente Que à roda estava da profunda gruta; www.nead.unama.com.br 32 Pasto no meio da confusa gente, Que toda dele pende e atenta escuta: «Valenteir paiaiás (diz desta sorte) (4) Que herdais o brio da prosápia forte. XXXIV Se ontem, do vil Sergipe surpreendidos, Vimos o grão-terreiro posto a saco, Fomos cercados sim, mas não vencidos, Não foi vitória, foi traição de um fraco; Sabia bem por golpes repetidos Com quanto esforço na peleja ataco, E como sem traição faria nada, Não tendo eu armas, vem com mão armada. XXXV Sombra do grão-Tatu, de quem me ferve Nestas veias o sangue, de quem trago A invicta geração, que em guerra serve De espanto a todos, de terror, de estrago, Por que a glória a teu nome se conserve, E por que a cante da Bahia o lago, Mandas de lá de donde o mundo acaba Para o nosso socorro este Imboaba. (5) XXXVI Tu lhe mudaste em ferro a carne branda, Tu fazes que na mão se acenda e lhe arda A viva chama que Tupá nos manda, Tupá, que rege o céu, que o mundo guarda. Com ele hei de vencer por qualquer banda, Com ele em campo armado, já me tarda O cobarde inimigo, que a encontrá-lo Vivo, vivo me animo a devorá-lo. XXXVII Sabeis, tapuias meus, como morrendo Nossos irmãos e pais, que eles matavam, Postos debaixo já o golpe horrendo, Vosso nome a os vingar tristes chamavam; Também vistes na guerra combatendo Que estrago neles estas mãos causavam; E as vezes que vos dei no campo vasto Mil e mil deles por sab'roso pasto. www.nead.unama.com.br 35 XLVII Foram qual hoje o rude americano O valente romano, o sábio argivo; Nem foi de Salmoneu mais torpe o engano, (6) Do que outro rei fizera em Creta altivo. Nós que zombamos deste pova insano, Se bem cavarmos no solar nativo, Dos antigos heróis dentro às imagens Não acharemos mais que outros selvagens. XLVIII E fácil propensão na brutal gente, Quando em vida ferina admira uma arte, Chamar um fabro a Deus da forja ingente, Dar ao guerreiro a fama de um deus Marte. Ou talvez por sulfúreo fogo ardente, Tanto Jove se ouviu por toda a parte. Hércules e Teseus, Jasões no Ponto (7) Seriam coisas tais, como as que eu conto. XLIX Quanto merece mais que em douta lira Se canto por herói quem, pio e justo, Onde a cega nação tanto delira, Reduz à humanidade uni povo injusto? Se por herói no mundo só se admira Quem tirano ganhava um nome Augusto, Quando o será maior que o vil tirano Quem nas feras infunde um peito humano? L Tal pensamento então n’alma volvia O grão Caramuru, vendo prostrada A rude multidão, que Deus o cria E que espera desta arte achar domada. Política infeliz da idolatria, Donde a antiga cegueira foi causada! (8) Mas Diogo, que abomina o feio insulto, Quando aumenta o terror, recusa o culto. LI «De Tupá sou (lhe disse) onipotente Humilde escravo e como vós me humilho; Mas do horrendo trovão, que arrojo ardente, Este raio vos mostra que eu sou filho. www.nead.unama.com.br 36 (Disse e outra vez dispara incontinente) Do meio do relâmpago, em que brilho, Abrasarei qualquer que ainda se atreva A negar a obediência ao grão Gupeva.» LII Deu logo a amiga mão com grato aspecto Ao mísero Gupeva, que, convulso No horror daquele ignívomo prospeto, Jazia sem sentido e já sem pulso. « Não temas (diz-lhe), amigo, que eu prometo Que do meu braço se não mova impulso Senão contra quem for tão temerário Que sendo-te eu amigo, é teu contrário. ? LIII Recebera o bom Gupeva um novo alento, Sentindo a grata mão que à vida o chama; Nem pode duvidar pelo experimento De quando Diogo com fineza o ama. Mas, sempre com receio do instrumento, Teme que outra vez lance, a horrível chama; E deixa-o no erro Diogo, a fim que incerto, Nenhum pelo pavor se chegue ao perto. LIV Mas, por deixar incerta a gente infida, Dá-lhe astuto o arcabuz que não tem carga: « E quem (diz) é fiel pode com vida Tê-lo na mão sem hórrida descarga; Porém, se algum faltasse à fé devida, Sentirá da traição por pena amarga, Com próprio dano seu, cola mortal risco, Relâmpago e trovão, fogo e corisco. LV Que eu, acordado esteja ou que adormeça, Vigia em guarda minha o fogo oculto, E a traição pagará com a cabeça Quem tentasse fazer-me um leve insulto; Porém, se eu mal não quero que aconteça, Pode um menino, como pode o adulto, E o mais fraco que houver na vossa gente, Ter o trovão nas mãos sem que arrebente. www.nead.unama.com.br 37 LVI Porém guardai-vos, vós, que só no peito, Só n’alma que tenhais tenção maligna, Vereis que trovão faz por meu respeito E que vem no estampido a vossa ruína. ? Treme Gupeva, ouvindo este conceito, E humilde a fronte ao grão Diogo inclina, Certo de não faltar na fé que rende, Donde o raio e trovão crê que depende. LVII Convoca entanto o principal temido As esquadras da turba, então dispersa, E ao grão Caramuru pede rendido Que eleja casa no país diversa, E que a gruta deixando, suba unido Onde em vasta cabana o povo versa; Nem duvide que a gente fera e brava 0 sirva humilde e se sujeite escrava. LVIII Do recôncavo ameno um posto havia, De troncos imortais cercado à roda, Trincheira natural, com que impedia A quem quer penetrá-lo a entrada toda; Um plano vasto no seu centro abria (9) Aonde, edificando à pátria moda, De troncos, varas, ramos, vimes, canas Formaram, como em quadro, oito cabanas. LIX Qualquer delas com mole volumosa Corre direita em linhas paralelas; E mais comprida aos lados que espaçosa, Não tem paredes ou colunas belas. Um ângulo no cume a faz vistosa, E coberta de palmas amarelas, Sobre árvores se estriba, altas e boas, De seiscentas capaz ou mil pessoas. LX Qual o velho Noé na imensa barca, Que a barbara cabana em tudo imita, Ferozes animais próvido embarca, Onde a turba brutal tranqüila habita, www.nead.unama.com.br 40 No lugar da cabana, em que descansa Menos da gente e multidão confuso, Põe-lhe a rede Gupeva que o convida De rica e mole pluma entretecida. LXX Mas eis que um grande número o rodeia De emplumados, feíssimos selvagens; Ouve-se a casa de clamores cheia, Costume antigo seu nas hospedagens. Qualquer chegar-se a Diogo ainda receia, Por ter visto as horríficas passagens; Mas mais uma apadu de longe explicam, (11) E bem-vindo o estrangeiro significam. LXXI Por costumado obséquio os mais luzidos Tomam Diogo nos braços, e no peito A frente lhe apertavam comedidos, Sinal entre eles do hospital respeito. Tiram-lhe em pressa as roupas e vestidos, E, pondo-o sobre a rede, como em leito, Sem mais dizer-lhe nada e sem ouvi-lo, Tudo se afasta e deixam-no tranqüilo. LXXII Com maior cerimônia outra visita Festiva celebrava o seu cortejo; Femínea turba, que o costume incita A oferecer-se honesta ao seu desejo: Senta-se sobre os pés e felicita, Cobrindo o rosto a mão, como por pejo. Vestidas vêm de folhas tão brilhantes, Que o que falta ao valor têm de galantes. LXXIII Parece ser da mesa o despenseiro Um selvagem, que o nome lhe pergunta: Se tem fome, lhe diz; ou se primeiro Quereria beber? e logo ajunta, Sem mais resposta ouvir, sobre o terreiro A comida que trouxe em cópia munta: Põe-se-lhe uiçu de peixe e carne crua, (12) E o mimoso cauim, que é paixão sua. www.nead.unama.com.br 41 LXXIV Todos com gula comem furiosa, Sem olhar, sem falar, nem distrair-se; Tanto se observem na paixão gulosa, Que mal pudera ao vê-los distinguir-se Se são feras ou homens. Vergonhosa, Triste miséria humana! confundir-se Um peito racional cum bruto feio No horrendo vício donde o mal nos veio ! LXXV Acabada a comida, a turba bruta O estrangeiro bem-vindo outra vez grita; E a tropa feminina, que isto escuta, Cobre a face com as mãos e o pranto imita. Gupeva, pois, que o hóspede reputa, Causa do seu prazer e autor da dita, O sacro fogo a roda lhe ateava, Cerimônia hospital, que o povo usava. (13) LXXVI Bem presumia Diogo, no que explora, Que algum mistério se ocultava interno; Lembra lhe a chama que o caldeu adora, O fogo das vestais recorda eterno. Nem duvidava que de origem fora Costume da nação, rito paterno, Trazida, se é possível que se creia, Na dispersão das gentes, da Caldeia. LXXVII Perguntá-lo dos bárbaros quisera; Mas, como o aceno e língua muito engana, Acaso soube que a Gupeva viera Certa dama gentil brasiliana; Que em Taparica um dia compreendera Boa parte da língua lusitana; Que português escravo ali tratara, (14) De quem a língua, pelo ouvir, tomara. LXXVIII Paraguassu gentil (tal nome teve) Bem diversa de gente tão nojosa, De cor tão alva como a branca neve, E donde não é neve, era de rosa; www.nead.unama.com.br 42 O nariz natural, boca mui breve, Olhos de bela luz, testa espaçosa; De algodão tudo o mais, com manto espesso, Quanto honesta encobriu, fez ver lhe o preço. LXXIX Um principal das terras do contorno A bela americana tem por filha; Nobre sem fasto, amável sem adorno, Sem gala encanta e «em concerto brilha; Servia aos carijós, que tinha em torno, Mais que de amor, de objetos a maravilha; De um desdém tão gentil, que a quem olhava, Se mirava imodesto, horror causava. LXXX Foi destinada de seus pais valentes Esposa de Gupeva; mas a dama Fugia de seus olhos impacientes; Nem prenda lhe aceitou, porque o não ama. Nada sabem de amor bárbaras gentes, Nem arde em peito rude a amante chama; (Gupeva, que não sente o seu despeito Tratava a sem amor, mas com respeito. LXXXI Deseja vê-lo o forte lusitano, Por que interprete a língua que entendia; E toma por mercê do céu sob'ramo 'Ter como enteada o idioma da Bahia. Mas, quando esse prodígio avista humano, Contempla no semblante a louçania: Pára um, vendo o outro, mudo e quedo, Qual junto de um penedo outro penedo. LXXXII Só tu, tutelar anjo, que o acompanhas, Sabes quando a virtude ali se arrisca, E as fúrias da paixão, que acende estranhas Essa de insano amor doce faisca; Ânsias no coração sentiu tamanhas (Ânsias que nem na morte o tempo risca), Que houvera de perder-se naquela hora, Se não fora cristão, se herói não fora. www.nead.unama.com.br 45 (1)Anhangá. — Nome do demônio, em língua brasílica conhecido daqueles bárbaros pelo uso da nigromancia. (2) Montanhas. — Persuadem-se os Brasilienses que, alem das montanhas que dividem o Brasil do Peru, seja o Paraíso. Vide Martiniére, Dicionário Geográfico, verb. Brasil, onde se lerá a maior parte da história dos ritos e costumes do Brasil, que aqui e na serie do Poema escrevemos. (3) O corpo humano. — Razão suficiente, porque é ilícito comer a carne humana por princípios teológicos na presente oitava e na seguinte pelos naturais. (4) Paiaiás. — Nome honorifico em língua brasílica, equivalente a Nobre ou Senhores . O poeta conforma-se ao costume destas gentes, entre as quais os príncipes fazem longas falas aos seus compatriotas, exortando-os pelos princípios que aqui se tocam. (5) Imboaba. — Vos com o que os bárbaros nomeiam os Europeus. (6) Salmoneu. — Este príncipe pretendia imitar o raio para espantar os gregos, então bárbaros e semelhantes aos nosso Brasilienses . Tanto se pode crer no Rei de Creta, que aqueles Insulares chamaram Júpiter. (7) Hércules. — Os heróis dos tempos fabulares foram sem duvida semelhantes aos nossos primeiros descobridores, feitos celebres pela rudeza e ignorância dos seus tempos. Observamos este paralelo para preocupar a censura de quem acaso estimasse a matéria e objeto desta epopéia, digna de comparar-se à que escolheram os antigos poetas épicos. (8) Causada. — É certo que a idolatria dos Gregos teve grande ocasião nos inventores das artes; e vimos outro tanto nos Americanos, dispostos a crer imortais os Europeus. ( 9 ) Um plano. — Descrição das tabas, ou aldeias brasílicas. (10) Dentro. — O padre Martinière, célebre crítico, e testemunha ocular, atesta parte destes costumes; e outros Osório, Vasconcelos, Pita, que não citamos, por serem espécies vulgares. (11) Mais mai. — Nas hospedagens costumam assim os brasilianos; e do padre Martiniére copiamos as palavras que então proferem e a sua interpretação. (12) Uiçu — Farinha a que reduzem a carne torrada, ou o peixe. Cauim, bebida semelhante à que já dissemos de Catimpoeira. (13) Cerimônia — Tinha esta cerimonia como religiosa, persuadidos que faz fugir o demônio. (14) Português escravo. — Ficção poética sobre o verossímil, não sendo difícil que algum dos portugueses, deixados por Cabral, ou por outros capitães, nas costas para aprenderem a língua, comunicassem parte dela aos habitantes. CANTO III I Já nos confins extremos do horizonte Dourava o sol no ocaso rubicundo Com tíbio raio acima do alto monte, E as sombras caem sobre o vale fundo; Ia morrendo a cor no prado e fonte, E a noite, que voava ao novo mundo, Nas asas traz com viração suave www.nead.unama.com.br 46 O descanso aos mortais no sono grave. II Só com Gupeva a dama e com Diogo Gostosa aos dois de intérprete servia; E, perguntado sobre o sacro fogo, A qual fim se inventara, a que servia, Deu-lhe simples razão Gupeva logo; « Supre de noite (disse) a luz do dia; E como Tupá ao mundo a luz acende, Tanto fazer-se aos hóspedes empreende. III Se pecando o mau espirito solevas, Sucede que talvez cruel se enoje; E como é pai da noite e autor das trevas, Tanto aborrece a luz, que, em vendo-a, foge; Porém, se a luz eterna o peito elevas, Não há Fúria do Averno que se arroje; Talvez por lhe excitar tristes idéias Das chamas que tiveram por cadeia. ? IV Admira o pio herói que assim conheça A nação rude as legiões do Averno; (1) Nem já duvida que do céu lhe desça Clara luz de um principio sempiterno. « Diz-me, hóspede amigo, se professa Este teu povo, diz, com culto externo Adorar algum Deus? qual é? onde ande? Se seja um Deus somente, ou que outros mande? ? V « Um Deus (diz), um Tupá, um ser possante Quem poderá negar que reja o mundo, Ou vendo a nuvem fulminar tonante, Ou vendo enfurecer-se o mar profundo? Quem enche o céu de tanta luz brilhante? Quem borda a terra de um matiz fecundo? E aquela sala azul, vasta, infinita, Se não está lá Tupá, quem é que a habita? VI A chuva, a neve, o vento, a tempestade www.nead.unama.com.br 47 Quem a rege? a quem segue? ou quem a move? Quem nos derrama a bela claridade? Quem tantas trevas sobre o mundo chove? E este espírito amante da verdade, Inimigo do mal, que o bem promove, Coisa tão grande, como fora obrada, Se não lhe dera o ser. quem vence o nada? VII Quem seja este grande ente, e qual seu nome, (Feliz quem saber pode) eu cego o ignoro; E, sem que a empresa de sabê-lo tome, Sei que é quem tudo faz e humilde o adoro. Nem duvido que os céus e terra dome, Quando nas nuvens com terror o exploro, Deixando o mortal peito em vil desmaio, Ameaçar no trovão, punir no raio. VIII Só pasmo se nos fez como não veio, Devendo amar o que obra de mão sua, Ao mundo de anhangás cercado e cheio A livrar o homem dessa besta crua! Como é possível que não desse um meio, Com que a mente ignorante, enferma e nua Tratar com ele possa, quando é claro Que o pai não deixa o filho em desamparo? IX Sinto bem remorder dentro em meu peito Lembrança, que me acusa: por mim fica Se mais bem do que faz, me não tem feito, Que é néscio quem o ingrato benéfica. Outro povo talvez mereça eleito A assistência dos céus de graças rica; Nem contra Deus se justifica a queixa Que costume deixar quem o não deixa. X Mas, se do trono celestial e eterno Apesar da malícia nos visita, Quem sabe se por zelo hoje paterno A nosso bem mandar-te aqui medita? Pois creio bem que contra o fogo Averno Trazes a chama que a do raio imita, Ou que vens como luz, de etéreo assento, Por levar-nos contigo ao firmamento. www.nead.unama.com.br 50 XX Que eram pedaços das canções, que entoam (9) As que ouvia a Gupeva (e talvez tudo) Que poético estilo doces soam Feitas por sábios de sublime estudo, Que alguns entre eles com tal estro voam, Que envolvendo-se o harmônico no agudo Parece que lhe inflama a fantasia Algum nume, se o há, da poesia. XXI Tendo Paraguassu dito discreta, Prossegue então Gupeva os seus assuntos Que, se as almas morressem, que indiscreta A memória seria dos defuntos ? A que servira a lei que nos decreta (10) Que no sepulcro se lhe ponham juntos Comidas, arcos, frechas? quem resista A quem depois da morte não subsiste? XXII O inimigo anhanhá, logo que deixa A nossa alma esta carne, em fúria a invade, E do mal, que cá fez, cruel se queixa, Até que em sombras entre ml claridade; O rito do sepulcro expresso deixa, Que, enterrando-se em pé, na eternidade O fim buscamos, a que Deus nos cria E que antes de o alcançar se segue a via. XXIII Deste princípio nasce que com prantos Noite e dia se chora o seu decesso. Louvam-se nos congressos como santos, E põe-se no sepulcro um marco expresso; Tantas memórias, pois, ofícios tantos, A que fim, se a alma acaba, eu não conheço. A expiação e obséquio era frustrado, Se ela não vive ou purga algum pecado. XXIV Costumes são da oculta antigüidade Que o grão-Tamandaré desde alta origem (11) As gentes ensinou, com que à piedade Todas no mundo as almas se dirigem; www.nead.unama.com.br 51 E quando algum conteste esta verdade, Provam-na os anhangás que nos afligem, Pedindo aos nigromantes que a alma vendam No que uma alma imortal nos recomendam. XXV Que é desde nossos pais fama constante Que aonde o sol se pule fama montanhas(12) Há um fundo lugar de que e habitante O pérfido anhangá com cruéis sanhas: Ali de enxofre a escuridão fumante Com portas encerrou Tupá tamanhas, Que as não pode forçar nem todo o inferno: A morte é a chave, e o cadeado é eterno. XXVI Dentro nada se vê na sombra escura; Mas no vislumbre fúnebre e tremendo Distingue-se com vista mal segura Um antro vasto, tenebroso e horrendo; Ordem nenhuma tem; tudo conjura Ao sempiterno horror, que ali compreendo: Mutuamente mordendo-se de envolta, Um noutro agarra, se o primeiro o solta. XXVII Se viste onda sobre onda procelosa, Quando bate escumando a areia funda, Como esta aquela engola, e mais furiosa Montanha d'água vem, que ambas afunda, Tal na caverna lôbrega horrorosa Onda e onda de fogo os maus imunda: Este sobe; Este desce; e um cataclismo Alaga as nuvens e descobre o abismo. XXXVIII Aqui o fero anhangá caiu (se conta), Quando do grão-Tupá rompia o jugo; E vem dos astros, que soberbo monta, A ser em pena vil do homem verdugo. Ali com mão cruel, com fúria pronta Pune da nossa espécie o vil refugo; E, em vez de mãos, as miserandas gentes Enrosca em laços de cruéis serpentes. www.nead.unama.com.br 52 XXIX Ali, do grão-tupá por lei severa, No incêndio está, que o tempo não apaga, Quem torpe incesto faz, quem adultera, Quem 6 réu da lascívia infame e vaga. Cada um, como a culpa cometera, Tanto e no próprio membro o crime paga: Fere-se a quem feriu; mas o homicida, Só porque morra mais, não perde a vida. XXX Sentada em meio da morada horrenda, Branca de cãs e imóvel na manobra, Imensa sombra faz que a cauda prenda Dentro na boca horrível uma cobra: Com rouca(a voz e intimação tremenda Ao tempo preso na vipérea dobra Diz, retumbando eco a cavidade: Oh vida! oh tempo! oh morte! oh eternidade! XXXI Além da grã-montanha, em que se oculta (13) O cárcere das sombras horroroso, De mil delicias num terreno exulta Quem vive justo ou quem morreu piedoso. Não se acha imagem nesta terra inculta ()Quem seja sombra do país ditoso. O tempo ali da paz foi levantado, Sempre aberto ao prazer e à dor fechado. XXXII Há do ameno jardim na vasta entrada Uma grã-porta de safiras belas, Onde da etérea luz reverberada Se pinta em vasto fundo um mar de estrelas; Toda ela em torno, em torno decorada De flóridas belíssimas capelas. Junto voragem há de um precipício, Que sorve a quem se encosta infecto em vicio. XXXIII Vêem-se dentro campinas deleitosas, Geladas fontes, árvores copadas, Outeiros de cristal, campos de rosas, www.nead.unama.com.br 55 Todo outro bem, que gozes por brilhante, Por belo, por maior que o conceberes, Para a nossa cobiça mal saciada É vil, é vão, é pouco, é fumo, é nada. XLIII Finge que possa o homem gozar junto Destes bens cá da terra um vasto rio, Quanto Deus criar pode, tudo e munto; Quem dele não gozar fica vazio; Se o mundo a uma alma basta eu não pergunto: Que ela goze infinitos sempre eu fio Que. qual hidropisia verdadeira, Quantos mais possuir, tanto mais queira. XLIV Toda essa glória, que me tens pintado, Sem mais que um bem do mundo circunscrito, Não é, Gupeva meu, mais que um bocado Para quem só se farta do infinito; E quando tudo o mais se haja logrado, Se é um bem transitório, se é finito, Em breve hás de sentir, e sem remédio, Do futuro ânsia e do parado tédio. XLV Deus, caro amigo meu é Deus somente Quem pode saciar nossa vontade; Chegar a parte aonde o ver contente, E vê-lo ali por toda a eternidade; Todo o bem nele esta sumo e eminente, Honra, gloria, grandeza, majestade, Esta é, se discorreres em bom siso, A idéia que hás de ter de um Paraíso. XLVI Porém narra-me entanto o que se pensa Entre vós princípios deste mundo: Quando? como? por quem na idéia imensa Se tomou a medida ao céu profundo? Qual foi o homem primeiro e de qual crença? Ou se noticias tens do Adão segundo? De qual origem sois ou de qual gente? Ou quem veio a povoar tal continente? » www.nead.unama.com.br 56 XLVII « Memória nunca ouvi (Gupeva disse) (15) Onde o homem nascesse; mas compreendo Que houve princípio enfim que o produzisse; Que sem fim e princípio eu nada entendo; Como o criou não sei; e, bem que o visse, Não pudera entende-lo, conhecendo Que entre o nada e o ser há tal distância, que a ti te creio igual nesta ignorância. XLVIII O primeiro homem na geral lembrança, A tradição dos velhos mais antigos, Antes do grão-dilúvio não alcança; Sabemos 80 que uns homens inimigos, Do forte braço na falaz confiança, Encheram todo o mundo de perigos E deram causa que o dilúvio extenso Num pego sepultasse a terra imenso. XLIX Do renovado mundo o patriarca Desde o alto monte, onde escapou, descendo, Depois que a grã-canoa e imensa barca, Em que ao alto subiu, foi fundo tendo, Na prole imensa dominou monarca, E as várias tribos dividiu havendo Por continentes e ilhas no mar fundo, De toda a gente é pai que habita o mundo. L Predisse o justo velho o grão-castigo, E, os homens exortando à penitência, Nem à vista do próximo perigo Chama-los pode à justa obediência. Cansado então Tupá da paz amigo Do cruel latrocínio e da violência, Quis por vingar-se o Padre onipotente Com águas apagar a chama ardente. LI Faz que se abram do céu, que água encerra, A catadupas, como imensos rios, E, que a face inundando-se da terra, Se afoguem bons e maus, justos e ímpios. www.nead.unama.com.br 57 Os elementos em desfeita guerra Confundem-se em medonhos desafios; Cai um mar desde o céu, e na mesma hora Manda a terra do centro outro mar fora. LII Já rota a margem, que nas brancas praias Às ondas posto tinha o grão-sob'rano, Passam as águas das extremas raias Onde se ajunta com o monte o plano; O peixe nadador, nas altas faias, No ninho esta do alígero tucano; E em seios as baleias ver puderas, Covis dos tigres e antros de panteras. LIII Iam entanto os homens miserandos De um monte a outro por fugir das águas, E seu destino algum bandos e bandos Correndo gritam com piedosas; magoas, E os cegos deprecam, que os escutem brandos; Mas a ira de Tupá com justas frágoas Fulminando centelhas e coriscos, Faz maiores os danos do que os riscos. LIV Via-se em longa tábua mal segura Nadar sobre água a mãe desventurada, E, tendo ao colo apensa a criatura, Ora é n'agua abatida, ora elevada. Quem desde o alto das casas se pendura, Quem fabrica de lentos a jangada, Qual da fome mortal horror concebe, E crê que é menos mal, se a morte bebe. LV Tamandaré, porém, de Tupá amigo, Enquanto grã-procela horrível soa, Salva o naufrago mundo pelo abrigo Que aos filhos procurou na grã-canoa; E a barca, por memória do castigo, Elevada deixou sobre a coroa Das altas serras, que, na fama claras, Têm nome semelhante ao das araras. (16) www.nead.unama.com.br 60 LXV Justiça do céu reconhecemos Contra quem delinqüente a profanasse; Pondo suplícios contra os maus extremos, E em justo sacrifício a pena dá-se. O malfeitor, o réu, quando o prendemos, Com sacro rito a cerimônia faz-se; Que quem no sangue ímpio a Deus vindica, Este o aplaca somente e sacrifica. (21) LXVI A forma do governo por abuso Anárquico entre nós sem lei se oferece; Mas nos que fazem da razão bom uso Justa legislação reinar parece. Nem nos tomes por povo tão confuso, Que um público poder não conhecesse: Ha senado entre nós, sábio e prudente, (22) A quem o nobre cede e a humilde gente LXVII Vagamos sempre e nunca um firme assento Nos deixam ter da caça os exercícios; Buscamos nela os próprios alimentos, E habitamos onde a há ou dela indícios. E estes são de ordinário os fundamentos De ocupar-nos em bélicos ofícios. Verás as gentes em contínuo choque Sobre a quem o terreno ou prata toque. LXVIII Em várias castas e nações diversas Dividido o sertão vagar costuma; E, bem que vagabundas e dispersas, Confederam-se as tabas de cada uma. (23) Em guerra e paz e em sedições perversas Ao pátrio nome não se nega alguma; E, se o senado o quer, por justos modos Põem-se todos em paz e armam-se todos. LXIX São nos senados membros e cabeças Os velhos sábios capitães valentes, Os que têm socorrido em grandes pressas Com conselhos à pátria mais prudentes: www.nead.unama.com.br 61 Destes as ordens dimanando expressas, Um só se não verá nas nossas gentes Que rompa, não cedendo a potestade, Este laço da humana sociedade. LXX Destes uns da suprema divindade Ministros são, que nos festivos dias, (24) Fazendo-se qualquer solenidade, O povo exortam com lembranças pias: Honram cantando a eterna majestade, Com sons, que para nós são melodias; Coisas, que se Anhanhá corrompeu tanto, Vê-se que nascem de princípio santo. LXXI Estes chefes do culto venerando Mantém-nos a oblação do povo crente; São mestres santos e, por nos orando, O lume da razão mostra evidente Que, em tão sublime ofício ministrando, Têm direito a que o público os sustente; Pois neles é mais justo que a lei valha De comer cada um donde trabalha. LXXII Punimos o homicídio; quem mutila, Quem bate ou fere não evite a pena: A sentença ele a dá. Deve subi-la, (25) Qual foi a culpa, com justiça plena: Quem matou morrer deve: assim se estila, Por lei sagrada, que a eqüidade ordena. Quem cortou pé ou mão, braço ou cabeça, No pé, no braço e mão tanto padeça. LXXIII A fé do matrimônio bem declara (26) Que o vago amor a lei ofenderia; Se pudera usar sem que um casara, Quem é que neste mundo casaria? Deve morrer quem quer que adulterara; Sem isso quem seu pai conheceria? E o que extermina a pátria potestade Quem não vê que repugna a humanidade? www.nead.unama.com.br 62 LXXIV Quem pai ou mãe conhece com incesto, Ou quem corrompe a irmã, padece a morte: Nos ofícios dos pais é manifesto (27) Que confusão nascera desta sorte. Ser a filha mulher não fora honesto, Dominando em seu pai como consorte: Se o irmão no matrimonio à irmã seguira, Sempre o gênero humano mal se unira. LXXV Deve a humana geral sociedade, Para gozar da paz com doce laço, Vincular dos mortais a variedade (28) De um consórcio feliz no caro abraço. Deu-nos o céu por órgão da amizade, Deu-nos como outra mão, como outro braço, A consorte, em que o amor com fé excite, Não por pasto brutal de um apetite. LXXVIII Em várias castas e nações diversas Dividido o sertão vagar costuma E, bem que vagabundas e dispersas, Confederam-se as tabas de cada uma. (23) Em guerra e paz e em sedições perversas Ao pátrio nome não se nega alguma; E, se o senado o quer, por justos modos Põem-se todos em paz e armam-se todos. LXXIX São nos senados membros e cabeças Os velhos sábios, capitães valentes Os que têm socorrido em grandes pressas Com conselhos à pátria mais prudentes: Destes as ordens dimanando expressas Um só se não verá nas nossas gentes Que rompa, não cedendo a potestade, Este laço da humana sociedade. LXXX Destes uns da suprema divindade Ministros são, que nos festivos dias, (24) Fazendo-se qualquer solenidade, O povo exortam com lembranças pias: www.nead.unama.com.br 65 A calúnia, a traição, o amargo zelo Tem por pena a comum inimizade: Nem há, se o entendo bem, maior castigo Que o mundo todo ter por inimigo. XC Outra lei depois desta é fama antiga Que observada já foi das nossas gentes; Mas ignoramos hoje a que ela obriga, Porque os nossos maiores, pouco crentes, Achando-a de seus vícios inimiga, Recusaram guardá-la, mal contentes. Alas da memória o tempo não acaba, Que pregara Sumé, santo emboaba. (29) XCI Homem foi, de semblante reverendo, Branco de cor, e, como tu, barbado, Que desde onde o sol nos vem nascendo De um filho de Tupá vinha mandado. A pé sem afundar (caso estupendo!) Por esse vasto mar tinha chegado, E na santa doutrina, que ensinava, Ao caminho dos céus todos chamava. XCII Com grande mágoa ignora-se o que disse; Mas não se ignora que da santa boca Um conselho utilíssimo se ouvisse De plantar e moer a mandioca. Que havia de tornar também predisse Desde o céu a que amigo nos convoca, E na terra ou no céu, que ele estivera, Eu o iria a encontrar, se ele não viera. XCIII Contam que, quando aos nossos cá pregava, Poder mostrara tal nos elementos, Que às ondas punha lei, se o mar se irava, E de um aceno só domava os ventos; Os matos se lhe abriam, quando entrava, E os tigres feros, a seus pés atentos, Pareciam ouvir como a outra gente, Festejando-o coa cauda brandamente. www.nead.unama.com.br 66 XCIV As águas donde quer, em rio, ou lago, Se as chegava a tocar com pé ligeiro, Não pareciam do elemento vago, Mas pedra dura, ou sólido terreiro. Só com chamar seu nome, cessa o estrago, Se o furacão com hórrido chuveiro, Quando na nuvem, negra se levanta, Ou derriba a cabana, ou quebra a planta. XCV Porém, negando às pregações o ouvido, Vinha os caboclo do sertão mais bruto Contra o justo Sumé de Deus querido A matá-lo « comê-lo resoluto. Pudera ele fazer, sendo ofendido, Que eles colhessem da cegueira o fruto; Mas pede só prostrado a Deus que o croe, E que a ignorância aos míseros perdoe. XCVI Os feros, pois, na fúria contumazes Tomam as frechas, e bramindo atiram; Mas (quanto pelos teus, Tupá, não fazes!) Contra quem atirou pelo ar se viram. E nem assim se mostram mais capazes Dos anúncios de paz que entanto ouviram. Deixa-os Sumé, e um rio aborda cheio, E só com pôr-lhe um pé partiu-o ao meio. XCVII Contam (e a vista faz que a gente o creia) Que, onde as correntes d’água arrebatadas Se vão bordando com a branca areia, Ficaram de seus pés quatro pegadas: Vêem-se claras, patentes, sem que a veia As tenha d'água no seu ser mudadas, E enxerga se mui bem sobre os penedos Toda a forma do pé com planta e dedos. ? XCVIII Assim Gupeva concluiu, dizendo, Nem mais tempo ao discurso haver podia, Por aviso, que os campos vem batendo Turba inimiga em vasta companhia: www.nead.unama.com.br 67 « As armas, grita, às armas! ? e o eco horrendo, Retumbando nas árvores sombrias, Fez que as mães, escutando os murmurinhos, Apertassem no peito os seus filhinhos. XCIX « Não te espantes, diz Diogo; não alteres A paz dentro as cabanas belicosas; Enquanto novas certas não souberes, Basta pôr guardas nos confins forçosas. De noite não te empenhes, se temeres Que te invadam com tropas numerosas, Põe-te na defensiva, e bem que treme Quem te busca de noite e quem te teme C Quanto mais que o trovão nas mãos preparo Contra teus inimigos neste afogo; Nem duvides que logo que o disparo, Tudo em chamas não vá, tudo arda em fogo. ? Disse, e ao favor saiu de um luar claro, Disse, e ao favor saiu de um luar claro, E enquanto atira todo o bosque atroa Pelo horror da buzina com que soa. CI Qual dos monos talvez tropa nojosa Saiu do int’rior mato em negro bando; E, se a frecha um derriba, vai medrosa Em fuga pelas árvores saltando, Tal, ouvindo a buzina pavorosa, E o arcabuz com trovão relampagueando Correm, caem, despenham-se na e estima De que o céu todo lhes caía em cima. (1) Legiões do Averno — É constante o conhecimento que têm os bárbaros da América dos espíritos infernais. De quem o apreenderam? Quem lhes inspirou estes sentimentos? Respondam os materialistas e libertinos Como era possível que concordassem com as outras gentes estas nações ferinas e sem algum comércio? Como era factível que conservassem depois de tantos séculos, tão clara noção de espíritos separados? (2) Um Deus — É injúria que se faz por alguns autores aos brasilienses, supondo- os sem conhecimento de Deus, lei e rei. Eles têm a voz Tupã com a especial significação de um ente supremo, como sabemos dos missionários e dos peritos dos seus idiomas. (3) Mas, se antevisse —Não admitimos em Deus ciência condicionada e exploratória; mas é certo que com determinado conhecimento conhece nos objetos www.nead.unama.com.br 70 II Dormindo estava Paraguassu formosa, Onde um claro ribeiro à sombra corre; Lânguido está, como ela, a branca rosa, E nas plantas com calma o vigor morre; Nas, buscando a frescura deleitosa De um grão-maracujá, que ali discorre, Recostava-se a bela sobre um posto Que, encobrindo-lhe o mais, descobre o rosto. III Respira tão tranqüila, tão serena, E em languor tão suave adormecida, Como quem livre de temor, ou pena, Repousa, dando pausa à doce vida. Ali passar a ardente sesta ordena 0 bravo Jararaca a quem convida A frescura do sítio e sombra amada, E dentro d'água a imagem da latada. IV No diáfano reflexo da onda pura Avistou dentro d’água buliçosa, Tremulando, a belíssima figura. Pasma, nem crê que imagem tão formosa Seja cópia de humana criatura. E, remirando a face prodigiosa, Olha de um lado e doutro, e busca atento Quem seja original deste portento. V Enquanto tudo explora com cuidado, Vai dar cos olhos na gentil donzela; Fica sem uso d’alma arrebatado, Que toda quanta tem se ocupa em vê-la: Ambos fora de si. Desacordado Ele mais de observar coisa tão bela, Ela absorta no sono em que pegara, Ele encantado a contemplar-lhe a cara. VI Quisera bem falar, mas não acerta, Por mais que dentro em si fazia estudo. Ela de um seu suspiro olhou, desperta; Ele daquele olhar ficou mais mudo. www.nead.unama.com.br 71 Levanta-se a donzela mal coberta, Tomando a rama por modesto escudo; Pôs-lhe os olhos então, porém tão fera, Como nunca a Beleza ser pudera. VII Voa, não corre pelo denso mato, A buscar na cabana o seu retiro; E, indo ele a suspirar, vê que num ato, Em meio ela fugiu do seu suspiro. Nem torna o triste a si por longo trato, Até que, dando à mágoa algum respiro, Por saber donde habite, ou quem seja ela, Seguiu, voando, os passos da donzela. VIII De Taparica um príncipe possante, Que domina e dá nome à fértil ilha, Veio em breve a saber o cego amante Ter nascido a formosa maravilha. Pediu-lhe Jararaca, vendo diante, Ao lado de seus pais, a bela filha: Convêm todos; mas ela não consente, Porque a mais aguardava o céu potente. IX Ardendo, parte o bravo Jararaca, De ânsia, de dor, de raiva, de respeito; E quanto encontra, embravecido, ataca Com sombras lia razão, fúrias no peito. E, vendo a chama, o pai, que não se aplaca, Por dar-lhe esposo de maior conceito, Por consorte Gupeva lhe destina, Com quem no sangue e estado mais confina. X Logo que por cem bocas vaga a fama Do esposo eleito a condição divulga, lrado o Caeté, raivando brama; Arma todo o sertão, guerra promulga, Tudo acendendo em belicosa chama, Investir por surpresa astuto julga, Com que a causa da guerra se conclua, Ficando Paraguassu ou morta, ou sua. www.nead.unama.com.br 72 XI Mas, sendo de improviso em terror posto, E ouvindo do arcabuz a fama e eleito, Não permite que o susto assome ao rosto, Mas reprime o temor dentro em seu peito. Convoca um campo das nações composto, Com quem tinha aliança em guerra feito, E, excitando na plebe a voraz sanha, Cobre de legiões toda a campanha. XII Em seis brigadas vanguardas armados, Trinta mil Caetés vinham raivosos, (1) Com mil talhos horrendos deformados, No nariz, face a boca monstruosos. Cuidava a bruta gente que, espantados, Todos de vê-los, fugirão medrosos; Feios como demônios nos acenos, Que certo se o não são, são pouco menos. XIII Da gente fera e do brutal comando Capitão Jararaca eleito veio. Porque na catadura e gesto infando Entre outros mil horrendos é o mais feio: Que uma horrível figura pelejando, É nos seus bravos militar asseio; E traz entre eles gala de valente Quem só a cara faz fugir a gente. XIV Dez mil a negra cor trazem no aspecto, Trinta de escura noite a fronte impura; Negreja-lhe na testa em cinto preto, Negras as armas são, negra a figura. São os feros Margates, em que Alecto O Averno pinta sobre a sombra escura; Por timbre nacional cada pessoa Rapa no meio do cabelo a coroa XV Cupaiba que empunha a feral maça Guia o bruto esquadrão da crua gente; Cupaiba que os míseros que abraça Devora vivos na batalha ardente; www.nead.unama.com.br 75 Este é o bravo Tapu, que enche de susto Tudo, co grão-tacape)e acometendo, E que, mil cutiladas dando espessas, Derriba troncos, braços e cabeças. XXV Debaixo do seu mando, em dez fileiras, Doze mil Itatis forma iam; Surdos, porque, habitando as cachoeiras, Com o grão-rumor da água ensurdeciam; Pendem os seus marraques por bandeiras (6) De longas bastes, que pelo ar batiam, Suprindo nos incônditos rumores O ruído dos bélicos tambores. XXVI Em guerreiras colunas, feroz gente, Que no horror da figura assombra tudo, Trazem por armas uma massa ingente, Tendo de duro lenho um forte escudo; Frechas e arco no braço armipotente, Nas mãos um dardo de pau santo agudo, Sobre os ombros a rede, à cinta as cuias: Tal era a imagem dos cruéis Tapuias. XXVII Quarenta mil de cor todos vermelha Conduz ao campo o forte Sapucaia: Dez mil, que têm furada a longa orelha, São Amazonas de femínea laia: É o amor conjugal que lhe aconselha A descer dos sertões à vasta praia, Por achar-se nos lances mais temidos Ao lado, sem temor, dos seus maridos. XXVIII Brasa matrona de coragem cheia A quem o márcio jogo não perturba, Na forma bela, mas por arte feia, Vai comandando na femínea turba: Deram-lhe o nome os seus da grã-baleia, Nome que, ouvido, os bárbaros disturba, De namorados uns que a têm por bela, Mas outros com mais causa por temê-la. www.nead.unama.com.br 76 XXIX Ouve se rouco som, que o ouvido atroa, Retumbando com eco a voz horrenda De um grosseiro instrumento, que a arma soa, Com que se inflama entre eles a contenda; E, quando o horrível som mais desentoa, Faz que no peito mais furor se acenda: De retorcidos paus são as cornetas, De ossos humanos frautas e trombetas. XXX Com batalhões e espaços separados Triplicando cordão se vê composto, E em silêncio admirável ordenados, Ao redor vão do outeiro em meio posto; Costuma um orador falar-lhe a brados, E, ardendo-lhe mil fúrias sobre o rosto, O ar coa espada furibundo corta, E a combater valente a turba exorta. XXXI Jararaca, no mundo então primeiro, Ao sacro e cibil rito presidia, E no mais alto do sublime outeiro Entre um senado ancião se distinguia; Aos outros na estatura sobranceiro. As costas de um tapuia, que o trazia, De um lado a outro majestoso corre, E com geral silêncio assim discorre: XXXII « Paiaiás generosos, hoje é o dia Que aos vindouros devemos mais honrado, Em que mostreis que a vossa valentia Não receia o trovão, subjuga o fado. Sabeis que a Gupeva a concórdia Por filho do trovão tem aclamado Um imboaba, que do mar viera, (7) Por um pouco de fogo que acendera. XXXIII Prostrado o vil aos pés desse estrangeiro, Rende as armas com fuga vergonhosa, E corre voz que o adora lisonjeiro; E até lhe cede com o cetro a esposa. www.nead.unama.com.br 77 E que pode nascer do erro grosseiro, Senão que em companhia numerosa As nossas gentes o estrangeiro aterre, E que a uns nos devore, outros desterre? XXXIV Se o sacro ardor, que ferve no meu peito, Não me deixa enganar, vereis que um dia (Vivendo esse impostor) por seu respeito Se encherá de Imboabas a Bahia. Pagarão os Tupis o insano feito, E vereis entre a bélica porfia Tomar-lhe esses estranhos, já vizinhos, Escravas as mulheres cos filhinhos. XXXV Vereis as nossas gentes desterradas Entre os tigres viver no sertão fundo, Cativa a plebe, as tabas arrombadas; Ou, quando as deixam cá no nosso mundo, Poderemos sofrer, Paiaiás bravos, Ver filhos, mães e pais feitos escravos? XXXVI Mas teme o seu trovão: e tanto oprime O medo aquele vil, que não pondera Que por esse trovão, que não reprime, Há de ver cheia de trovões a esfera? Que grande mal será, se o raio imprime? Se o mundo por um raio se perdera, Susto pudera ter, cobrar espanto; Porém more de medo, que é outro tanto. XXXVII Eu só, eu próprio, no geral desmaio, Ao relâmpago irei sem mais socorro; E, quando ele dispare o falso raio, Ou descubro a impostura, ou forte morro. Será de nigromancia um torpe ensaio, Com que astuto pretende, ao que discorro, Fazer que a nossa tropa desfaleça, Antes que a causa do terror conheça. www.nead.unama.com.br 80 XLVII Com estas forças só (que mais recusa) Sai Diogo à campanha guarnecido Nem sofre a forma do marchar confusa Mas tudo tem com ordem repartido. Outro corpo maior de que não usa Deixa em guarda das tabas prevenido Tupiniquis, Viatanos, Poquiguaras, (10) Tumimvis, Tamviás, Canucajaras. XLVIII Não mais de duas léguas adiantando, O arraial se alojava de Diogo, Quando o ardente Planeta vai queimando A tórrida região com vivo fogo; E, enquanto espira no ar zéfiro brando, Buscando numa sombra desafogo, Medita a grande ação, mede o perigo, Nem despreza por bárbaro o inimigo. XLIX Vê bem que espanto causa a invenção nova, Mais que o tempo consome a novidade. Tem sim um peito de aço feito à prova, Mas, vendo do inimigo a imensidade, Por mais que balas o mosquete chova, Reconhece em vencer dificuldade, Tendo notado já na bruta gente Que era tão contumaz, como valente. L Pensava assim com reflexão madura, Quando à roda do outeiro divisava Densa nuvem de pó, que em sombra escura A multidão confusa levantava: Não o cessa um) ponto mais: tudo assegura, E, sem temer a turba que observava, Marcha a ganhar o alto, e, posto à fronte, Deu à tropa em cordão por centro o monte. LI Já se avistava o bárbaro tumulto Das inimigas tropas em redondo; E,: antes; que empreendam o primeiro insulto, Levanta- se o infernal medonho estrondo. www.nead.unama.com.br 81 Os marraques, napis e o brado inculto, (11) Todos um só rumor, juntos compondo Fazem tamanha bulha na esplanada, Como faz da tormenta uma trovoada. LII Tu, rápido Pajé, foste o primeiro De quem o negro sangue o campo inunda Que, com seres no salto o mais ligeiro, Mais ligeira te colhe a cruel funda. Paraguassu lha atira desde o outeiro; Chovem as pedras, de que o monte abunda E do lado, e do cimo do cabeço, Tudo abatem com tiros de arremesso. LIII Não ficou no combate entanto ociosa A frecha do inimigo, que o ar encobre; Começa Jararaca a ação furiosa, Dando estímulo ousado ao valor nobre. E a turba, de Diogo receosa Foge do grão-tacape, onde o descobre Que tanto estrago faz, que qualquer fera Maior entre cordeiros não fizera. LIV Mas, quando tudo com terror fugia O bravo Jacaré se lhe põe diante Jacaré, que, se os tigres combatia, Tigre não ha que lhe estivesse avante. Treme de Jararaca a companhia Vendo a forma do bárbaro arrogante Que. com pele coberto de pantera, Ruge com mais furor que a própria fera. LV Avista-se um co outro: a massa ardente Deixam cair com bárbaro alarido; Corresponde o clamor da bruta gente E treme a terra em roda do mugido. Aparou Jacaré no escudo ingente Um duro golpe, que o deixou partido E, enquanto Jararaca se desvia, Quebra a massa no chão, com que o batia. www.nead.unama.com.br 82 LVI Nem mais espera o Caeté furioso, E, qual onça no ar, quando destaca, Arroja se ao contrário impetuoso, E um sobre outro coas mãos peleja ataca: Não pode discernir-se o mais forçoso; E, sem mover-se em torno a gente fraca, Olham lutando os dois no fero abraço, Pé com pé, mão com mão, braço com braço. LVII Porém, enquanto a luta persistia, No sangue em terra lúbrico escorrega O infeliz Jacaré; mas na porfia Nem assim do adversário se despega. Sobre o chão um com outro às voltas ia, E qual o doente, qual o punho emprega, Até que Jararaca um golpe atira, Com que rota a cabeça o triste expira. LVIII Nem mais espera de Gupeva a gente; Porque, voltando em rápida fugida, Deixam nas mãos do bárbaro potente Toda a batalha numa ação vencida. Não tarda mais Diogo já presente; E, tendo ao lado a esposa protegida, Do outeiro desce, donde tudo observa, E invade armado a bárbara caterva. LIX Quem poderá dizer da turba imbele Quantos a forte mão talha em pedaços? Paraguassu valente ao lado dele, Muitos mandava aos lúgubres espaços, Semeando por donde o golpo impele Troncos, bustos, cabeças, pernas, braços; Nem um momento a fraca gente aguarda, Vendo a brandir a lúcida alabarda. LX O membrudo pai com três potentes Robustos filhos degolou coa espada, E a dois nobres Caetés dos mais valentes, Tendo a mão para o golpe levantada , www.nead.unama.com.br 85 Ficou-lhe a planta sobre a terra dura Em tal maneira com o chão cravada, Que por mais que arrancá-la, dali prove, Despedaça-se o pé, mas não se move. LXX Corre a turba a salvá-lo, e incontinente, Voam mil setas desde a espessa rama, E cada árvore ali do bosque ingente Um chuveiro de tiros lhe derrama: Cada tronco é um castelo: ao lado e frente A oculta multidão bramindo clama; E o resto, que em cavernas se escondia, Ao rumor da vitória concorria. LXXI Já mal resiste o Caeté cercado, E o bom Gupeva, que ao rumor concorre, Um corpo de reserva trouxe armado, Que à inclinada batalha invicto corre. Jararaca, que o pé tinha encravado, Vendo que outro remédio o não socorre, Por ter a vida e liberdade franca, Deixa parte do pé e a seta arranca. LXXII Nos braços vai dos seus mal defendido; Mas com a massa, que meneia horrenda, Reprime forte o bárbaro atrevido, Porque não haja quem se acoste e o prenda; E, tendo a sorte o caso decidido, Cede raivoso da cruel contenda, E ao sertão retirado não descansa, Maquinando em furor nova vingança. LXXIII Paraguassu, porém, de glória avara, Seguia na vitória o gênio ativo; E, incauta, de Diogo se apartara, Cortando a retirada ao fugitivo. Anima a multidão, que se emboscara, Pessicava potente, por motivo, Se prevalece a força do contrário, De acudir ao socorro necessário www.nead.unama.com.br 86 LXXIV Este, vendo a donzela valorosa Turbar com fúria a gente amedrontada, Desde o alto lança de árvore frondosa Grosso ramo que cai de uma pancada. Debaixo dele a heroína valorosa, Co grande peso pelo chão prostrada, Ficou, falta de alento e semi-viva Nas mãos do cruel bárbaro cativa. LXXV Corre a turba feroz contra a donzela, Que, depois que das armas deixa o peso, Descobre a todos a presença bela, E fica quem a prende ainda mais preso. Da rude multidão, que corre a vê-la, Há quem de a ver tão linda fica aceso, Outro que de a ter visto em guerra armada Ainda a teme eom vê-la desmaiada. LXXVI Logo que respirou, novo ar tomando, Sente no coração mais desafogo, E alento pouco a pouco vai cobrando, Até que, entrando em si, chama o seu Diogo; Mas, na turba que a cerca reparando, Conhece-se cativa, e desde logo Noutro fero desmaio fica absorta, E cuida quem a vê que ficou morta. LXXVII Selvagem há que cuida de comê-la, Nem muito se está morta se assegura; E com fúria voraz contra a donzela A gula acende com a chama impura. Nem prezar-se costuma a forma bela No fero coração da gente dura; E, em morrendo qualquer mulher, ou homem, Choram muito e depois assam-no e comem. LXXVIII Paté com este intento a degolara, Se a bela Mangarita, que isto via Desde o mato escondida, o não frechara, Deixando-lhe suspensa a mão que erguia. www.nead.unama.com.br 87 Um troço de Amazonas volta a cara, E a peleja de novo se acendia, Sendo Paraguassu, que jaz no meio, O preço da vitória neste enleio. LXXIX Cotia, que marchara sempre ao lado Da desmaiada heroína em paz ou guerra, Por vingar, ou remir o corpo amado, Co fulmíneo tacape o campo aterra: Piâ, Cipô, Açû, deixou prostrado, E faz que a grã-baleia morda a terra, Baleia, que acomete vingativa, Por guardar a donzela semi-viva. LXXX Nem tu, Guarapiranga, à mão formosa Pudeste evadir na horrível luta, Que, enquanto a inúbia soas horrorosa, (12) Com que às armas se acende a gente bruta, Cotia com a espada valorosa A música feral que se te escuta, Nos antros retumbar te faz no averno Melodia que é digna só do inferno. LXXXI Tudo cede à amazona, e já salvava Paraguassu mortal da gente fera, Quando o grão-Pessicava, que observava O estrago, que a amazona ali fizera, Acomete o esquadrão com fúria brava, E tudo afugentando o tempo espera, Em que a impulso do braço alcance forte Degolar a Cotia de um só corte. LXXXII Espera ela sem medo, apenas vira Do bárbaro feroz o golpe incerto, E veloz a uma toca se retira, Que tinha em duro tronco o tempo aberto; Porém repete ali com maior ira Pessicava outro golpe, e por certo Na valorosa Paca imprime o tiro, Que tomou com Cotia este retiro. www.nead.unama.com.br 90 V «E como (compassiva disse) é crível Que o Deus, como me pintas, bom e amável Sabendo o que há de ser e o que é possível, Nos crie para fim tão miserável? Antevendo um sucesso tão terrível, Não parece crueldade inexcusável Dar-lhe o ser, dar-lhe a vida, dar-lhe a mente, Para vê-los arder eternamente? VI Quantos criar pudera que o servissem, Deixando de criar quem o agravasse, Onde todos a vê-lo ao céu subissem, E as obras que produz todas salvasse? Nossos pais, se dos filhos tal previssem, Quanto fora cruel quem os gerasse! E creremos da excelsa grã-bondade Que ceda a nossos pais na humanidade? » VII « Segredos são (diz Diogo) da inscrutável Majestade de Deus: que saberemos Do seu modo de obrar sempre inefável, Se o que somos e obramos não sabemos? Faltando-nos razão clara e provável Nos conselhos de Deus, que ocultos vemos, E bem que toda a dúvida se acabe, Porque ele pode mais, do que o homem sabe. VIII « Mas, se há lugar à humana conjetura Dos possíveis na longa imensidade, Não se podia achar uma criatura, Que goze de impecável liberdade. Uma firme inocência é graça pura, É mercê liberal da Divindade, E quem entanto a perguntar se atreve, Por que ela não quis dar quem ela não deve? IX Desde a origem da imensa eternidade, Que tudo sem princípio ordena e rege, Devemos presumir da Divindade Que onde o ótimo encontra em tudo o elege. www.nead.unama.com.br 91 E, sendo em nós tão grande a iniqüidade, Não temos coisa que a qualquer se inveje, Onde se os mais possíveis vendo fores, Nós fomos os eleitos por melhores. » X Embora seja assim (disse a donzela) Mas que culpa têm estes, que o ignoravam? Não cuida acaso Deus, ou pouco zela As almas, que entre nós se condenavam? E senão, por que causa aos mais revela As doutrinas que aos nossos se ocultavam? Distava mais do céu a nossa gente, Por que medeia o mar d'Este a Poente? » XI Tornai a culpa a vós, e a vos somente (O herói responde assim). Se com estudo Procurais sobre a terra o bem presente, Por que não procurais o autor de tudo? Para o mais tendes lume, instinto e mente; Somente contra Deus buscais o escudo Em a vossa ignorância à brutal culpa ! Essa ignorância é erime e não desculpa. » XII Porém já da fadiga desvelada Cerrava Paraguassu seus olhos claros, Tendo-a Diogo na fé mais confirmada, Com responder prudente aos seus reparos, Enquanto a bruta gente aprisionada, Mostrando-se da vida nada avaros, Dançam e bebem com tripúdio forte, E esperam, com a boda, a cruel morte. XIII Gupeva triunfante na grã-taba O infausto prisioneiro à morte guia, E, antevendo que a vida se Ihe acaba, A mulher cada um lhe oferecia: Trazem-lhe o peixe, as carnes, a mangaba, Brindando-lhe o licor, que a taça enchia, Até que quando menos se recorda, Dois selvagens o prendem numa corda. www.nead.unama.com.br 92 XIV Soltas as mãos lhe ficam, que maneia, Nem o tem mais que em meio da cintura A soga de algodão, como cadeia, Que de uma parte e de outra os assegura. Qual leoa feroz na maura areia, Quando o laço no ventre a tem segura, Toda da fronte a cauda se retorce, E ruge e vibra a garra, e o corpo torce. XV Muitos então da furibunda gente Dizem-lhe injúrias mil, com mil insultos Que ele se esforça a rebater valente, Sem que receie os bárbaros tumultos; Algum ali chegando ao paciente (Que tem por coisa vil morrer inultos) Dá-lhe um cesto de pedras recalcado, Com que, atirando aos mais, morra vingado. XVI Embiara e Mexira, dois possantes Mancebos caetés de um parto vindos, Que Ainubá dera à luz tão semelhantes, Como tenros na idade, e em gesto lindos, Muitas donzelas, que os amaram dantes, Os belos dias seus choravam findos. Mitigando o desgosto de perdê-los Com a intenção que tinham de comê-los. XVII Estes na corda têm os da Bahia, Dispostos a morrer no torpe abuso De celebrar com sangue o fausto dia Das vítimas triunfais ao pátrio uso. Embiara, que com arte a pedra envia, Muitas no povo disparou confuso, E, apesar dos escudos, que põe diante, Alguns feriu da turba circunstante. XVIII Uma grã-pedra ao ar nas mãos levanta, E, erguendo os braços sôbre a fronte atira; Lança por terra alguns, outros quebranta, E esmaga com o peso o grão-Tapira. www.nead.unama.com.br 95 Retorcendo em mil voltas cauda e fronte, Que ergue, vibrando a língua, no ar sublime, Tal o infeliz morrendo em voltas anda, E o espírito exalado às sombras manda. XXVIII Chega às cruentas vítimas chorosa Femínea tropa, que com dor lamenta; E, urlando todas com a voz maviosa, Tudo vai repetindo a plebe atenta. Depois daquela lástima enganosa, Qualquer junto aos cadáveres se assenta, E vão talhando pés, cabeças, braços, E as vítimas fazendo em mil pedaços. XXIX Chamam moquém as carnes, que se cobrem, E a fogo lento sepultadas assam; Tudo em cima com terra e rama encobrem, Onde o fogo depois com lenha façam. Entanto as voltam, cobrem e descobrem, Até que do calor se lhe repassam; Detestável empresa, que escondiam Da indignação de Diogo, a quem temiam. XXX Foi avisado o herói do ato execrando Horrível pasto de nação perversa. E a maneira oportuna meditando Da bárbara função deixar dispersa. Mil fogos de artificio ia espalhando, De horrível forma, e de invenção diversa. Treme a vil turba, e sem que a mais se arroje, Deixa o pasto cruel e ao mato foge. XXXI Confusa a infame gente do sucesso, Do grão Caramuru temia a vista. Foge Gupeva, de terror opresso, Nem sabe, em que maneira ao mal resista; Mas o novo pavor na gente impresso Mltiga Paraguassu, que o dano avista, Se, como teme, o povo de espantado, O terreno deixasse abandonado. www.nead.unama.com.br 96 XXXII Jararaca entretanto conduzido Dos bravos Caetés à taba nota, Diligente curava o pé ferido, E em reparar cuidava a grã-derrota. E, havendo no conselho a liga unido, As forças representa, os meios nota, E nigromante crê por perda tanta O grão-Caramuru, que o fogo encanta. XXXIII Já na grã-taba os bárbaros se ajuntam, Onde contra Diogo arte se estude, E por magos famosos, que perguntam, Recorriam de encantos à virtude: Os nigromantes vêem que os corpos untam, E nos sussurros do seu canto rude Esperam que também ao forte Diogo, Matando privem do temido fogo. XXXIV Um deles, que por sábio se acredita, Não há (disse) quem possa a ardente frágoa Apagar no trovão, que o raio excita, Lastimosa ocasião da nossa mágoa: Que se antídoto ao fogo se medita Mais natural não há que lançar-lhe água: Dentro n'água se apaga o fogo ardente: E este é o meio, que ocorre de presente. XXXV Contra as vossas canoas não se atreve O filho do trovão, se desce ao pôrto; Vos o vereis sem fôrça em tempo breve Sair qual já saiu das águas morto: Ninguém há que não saiba como esteve, Quando o encontramos naufrago no porto: Nem usou do trovão, que espanta em terra, Nem fez com fogo n'água a horrível guerra. XXXVI São n'água, terra, e mar mui diferentes Os nnhangás, que reinam divididos; Uns, que só no ar e fogo são potentes, Causam ventos, trovões, raios temidos; www.nead.unama.com.br 97 O terremoto e pestes sobre as gentes Movem outros na terra conhecidos: Este porém, que ao estrangeiro acode, N'água não poderá, se em fogo pode. XXXVII Parece à rude gente este discurso, Segundo os seus princípios concludente; E ouvido com aplauso no concurso, Votam na execução concordemente. Toma a guerra por tanto um novo curso, E ao mar se envia a belicosa gente; Nem capitão há mais, nem há pessoa, Que não embarque em rápida canoa. XXXVIII Chamam canoa os nossos nesses mares Batel de um vasto lenho construído Que escavado no meio, por dez pares De remos, ou de mais voa impelido; Com tropas e petrechos militares, Vai de impulso tão rápido movido, Que ou fuja da batalha, ou a acometa, Parece mais ligeiro que uma seta. XXXIX Con correndo as nações do sertão junto, Trezentas, ou mais, arma Jararaca; E, tendo escolha, porque o povo é muito, Deixa em terra das gentes a mais fraca. E sendo da Bahia tão conjunto O ilhéu de Taparica, este se ataca, Na esperança que Diogo acudiria, Vendo o sogro em perigo, que o regia. XL Repousava sem susto Taparica, E, confiado em Diogo e na vitória, Gozava de uma paz tranqüila e rica, Depois que a guerra terminou com glória; E quando a rouca inúbia arma publica, Tão longe tinha as armas da memória, Que, ignorando em sossego os seus perigos, Nas mãos se foi meter dos inimigos.
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