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Guias e Dicas
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Explorando - o-Ensino - modulo - Sociologia, Notas de estudo de Sociologia

Explorando - o-Ensino - modulo - Sociologia

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 13/04/2012

priscila-cardoso-17
priscila-cardoso-17 🇧🇷

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Baixe Explorando - o-Ensino - modulo - Sociologia e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity! C O LEÇ Ã O EXPLO RA N D O O EN SIN O V O L U M E 1 5 SO CIO LO G IA Sociologia:Layout 1 04/03/11 14:48 Página 1 Presidência da República Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Básica Sociologia:Layout 1 04/03/11 14:48 Página 2 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA SOCIOLOGIA Ensino Médio Brasília 2010 Coordenação da obra Amaury Cesar Moraes Autores Amaury Cesar Moraes Andrea Cardarello Antonio Carlos de Souza Lima Claudia Fonseca Elisabeth da Fonseca Guimarães Emerson Giumbelli Ileizi Luciana Fiorelli Silva Janina Onuki João Feres Júnior José Ricardo Ramalho Juarez Tarcísio Dayrell Júlio Assis Simões Magna Inácio Maria do Socorro Sousa Braga Maria Stela Grossi Porto Melissa de Mattos Pimenta Paula Montero Sergio Ricardo Rodrigues Castilho Thamy Pogrebinschi Tom Dwyer Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Instituição responsável pelo processo de elaboração dos volumes Secretaria de Educação Básica Diretoria de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e de Tecnologias para Educação Básica Coordenação-Geral de Materiais Didáticos Equipe Técnico-pedagógica Andréa Kluge Pereira Cecília Correia Lima Elizangela Carvalho dos Santos Jane Cristina da Silva José Ricardo Albernás Lima Lucineide Bezerra Dantas Lunalva da Conceição Gomes Maria Marismene Gonzaga Equipe de Apoio Administrativo Gabriela Brito de Araújo Gislenilson Silva de Matos Neiliane Caixeta Guimarães Paulo Roberto Gonçalves da Cunha Tiragem 27.934 exemplares MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61) 2022 8419 Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................7 INTRODUÇÃO .....................................................................................................9 AmAury CésAr morAes PRIMEIRA PARTE CONTEXTO HISTóRICO E PEDAGóGICO DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA ESCOLA MÉDIA BRASILEIRA Capítulo 1 O ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas .. 15 IleIzI luCIAnA FIorellI sIlvA Capítulo 2 Metodologia de Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCEM-Sociologia ......45 AmAury CesAr morAes elIsAbeth dA FonseCA GuImArães SEGUNDA PARTE TEMAS BÁSICOS DAS CIêNCIAS SOCIAIS Capítulo 3 A juventude no contexto do ensino da sociologia: questões e desafios .............65 JuArez tArCísIo dAyrell Capítulo 4 Trabalho na sociedade contemporânea ............................................................ 85 José rICArdo rAmAlho Capítulo 5 A Violência: possibilidades e limites para uma definição ................................103 mArIA stelA GrossI Porto C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 8 A expectativa do Ministério da Educação é a de que a Coleção Explorando o Ensino seja um instrumento de apoio ao professor, contribuindo para seu processo de formação, de modo a auxiliar na reflexão coletiva do processo pedagógico da escola, na apreensão das relações entre o campo do conhecimento específico e a proposta pedagógica; no diálogo com os programas do livro Programa Na- cional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), com a legislação educacional, com os programas voltados para o currículo e formação de professores; e na apropria- ção de informações, conhecimentos e conceitos que possam ser compartilhados com os alunos. Ministério da Educação 9 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução A aprovação da obrigatoriedade do ensino de Sociologia nas escolas de Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 38/2006 e Lei n. 11.684/2008) impôs a necessidade de uma discussão ampla a res- peito da formação dos professores da disciplina e encaminhamen- tos para o apoio de seu trabalho em sala de aula. Esta já era uma demanda prevista pelos proponentes da reinclusão da disciplina nos currículos da escola média. Prevíamos que além dos eventos – seminários, congressos, encontros etc. –, dever-se-ia iniciar um processo de elaboração e divulgação de materiais didáticos e para- didáticos que pudessem contribuir para as discussões, preparação e atualização dos professores em atividade ou que entrariam no mercado de trabalho em seguida. Além disso, nunca esteve fora de nossos objetivos que as Orientações Curriculares para o Ensino Mé- dio, no caso as OCEM-Sociologia, deveriam passar por um amplo processo de discussão e aperfeiçoamento para implantação. Não que as OCEM, segundo entendemos, sejam em si algo de difícil compreensão, pois procuramos redigi-las dentro de um espírito de aproximação com os professores, mas também de tentativa de sistematização e correção de percursos para consequente elevação do nível dos debates, aprimoramento efetivo das condições do trabalho, garantia da qualidade do ensino e autorreflexão sobre a Amaury César Moraes* * Doutor em Educação. Professor de Metodologia de Ensino de Ciências Sociais da Faculdade de Educação da USP. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 10 profissão e exercício do ensino de Sociologia no nível médio. Para isso, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) vem desenvolvendo atividades, pela sua Comissão de Ensino, quer na divulgação das OCEM-Sociologia (I Seminário Nacional sobre Ensino de Sociologia no nível médio, USP, São Paulo, março de 2007), quer na divulgação de pesquisas sobre o ensino de Sociologia (XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, UFPE, Recife, GTs Ensino de Sociologia, maio e junho de 2007; I Seminário Nacional de Educação em Ciências Sociais, UFRN, Natal, março de 2008; I Encontro Estadual de Ensino de So- ciologia, UFRJ, Rio de Janeiro, junho de 2008; I Simpósio Estadual sobre a Formação de Professores de Sociologia, UEL, Londrina, setembro de 2008; I Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia na Escola Básica, UFRJ, Rio de Janeiro, julho de 2009). Acresce que há uma demanda, que se vinha reprimindo há décadas, a respeito de materiais didáticos para apoio aos professores: coletâneas de textos, resenhas, informações sobre pesquisas no campo, material para alunos, etc. Mas, essa demanda que planejamos ir atenden- do mais alentadamente, conforme fôssemos desenvolvendo outras atividades – principalmente a divulgação das OCEM-Sociologia –, acabou se impondo de imediato, em vista justamente das con- tingências produzidas pela própria intermitência da presença da disciplina Sociologia nas escolas de nível médio do País: formação dos professores, professores em exercício formados em Ciências Sociais há muito tempo, professores formados em outras disciplinas que ensinam Sociologia, falta de material didático de qualidade, entre outros. Assim, partindo das OCEM-Sociologia, elaboramos o presente volume com o objetivo de contribuir para a formação do professor e o aprimoramento de suas atividades de ensino. As discussões sobre o que se ensina na disciplina Sociologia no nível médio continuam. Desse modo, seria necessário ainda retomar o debate sobre a presença das três Ciências Sociais – Antropologia, Ciência Política e Sociologia – nos conteúdos ensinados como Socio- logia. Isso se deve à formação dos licenciados em Ciências Sociais, mas também à variedade de temas que se inscrevem muitas vezes em uma ou outra dessas ciências e ainda a uma certa continuidade que autores, temas ou conceitos descrevem, construindo pontes e não levantando muros entre essas ciências. 13 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Primeira Parte Contexto Histórico e Pedagógico do Ensino de Sociologia na Escola Média Brasileira C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 14 15 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução A inclusão da Sociologia nos currículos do Ensino Médio, mais uma vez, amplia as possibilidades de inserção dos saberes das Ci- ências Sociais nos níveis de formação básica. Sabemos que muitas justificativas, argumentos e ações terão que ser mobilizados nas escolas a fim de legitimar essa disciplina nos projetos político-peda- gógicos de cada unidade. Ter uma história, mesmo que fragmentada e intermitente, ajuda-nos a começar o debate. Ajuda-nos, ainda, a conscientizarmo-nos de nossas origens, percebendo que fazemos parte de uma história maior e que temos pontos de partida para a continuidade do processo de consolidação da disciplina nos currícu- los e nos projetos político-pedagógicos. Imaginamos ainda que pensar sobre nosso movimento e marcos ao longo da história potencializa nosso repertório de explicações sobre nossa ciência/disciplina diante dos alunos da educação básica. Com esse espírito e motivação tra- zemos uma possibilidade, entre tantas outras, de pensar a trajetória das Ciências Sociais/Sociologia no sistema de ensino brasileiro. Capítulo 1 O ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas Ileizi Luciana Fiorelli Silva* * Doutora em Sociologia. Professora Adjunto da Universidade Estadual de Lon- drina C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 18 intensificação da regionalização das disciplinas agrupadas em áre- as, com apelos de aplicabilidade e o aprofundamento da auto- nomização do campo pedagógico. No Brasil, foi o momento em que mais nos aproximamos das influências anglo-americanas nas definições curriculares. Nos currículos do ensino de primeiro e segundo graus dos anos de 1970, as elaborações das propostas foram centralizadas no Governo Federal, contando com a asses- soria de técnicos americanos, o que pode explicar a força que os Estudos Sociais ganharam como área de regionalização da História, Geografia, Sociologia, Economia, entre outras. Outrossim, quando nos propomos a refletir sobre a história do ensino das Ciências Sociais/Sociologia enredamos por um caminho cruzado pelo campo das ciências e pelo campo da educação. O modo como o Brasil constituiu seu sistema de educação e seu sis- tema científico e como cada área se desenvolveu no interior desses sistemas é na verdade um enorme e complexo objeto de estudos para historiadores e sociólogos do conhecimento, da ciência e da educação. As relações entre esses dois campos, o da ciência e o da educação, a relação entre as áreas e os sistemas científico e de educação também são elementos importantes quando pensamos a constituição do ensino de qualquer disciplina no interior dos currículos elaborados nos sistemas de reprodução cultural, nota- damente no educacional. O fato é que tradicionalmente nossos cursos de graduação foram organizados e intitulados de Ciências Sociais e nos currícu- los do Ensino Médio e dos cursos profissionalizantes a Sociologia tem logrado espaço como disciplina. Quando o Governo Militar criou os Estudos Sociais, justificando que essa área contemplava os conhecimentos de Antropologia, História, Geografia, Economia e Sociologia, contribuiu para aprofundar os problemas de defini- ções e denominações científicas, disciplinares e profissionais. Sem dúvida que, quando iniciamos levantamentos sobre o ensino de Sociologia na escola secundária, imediatamente nos deparamos com esses desafios tendo que criar critérios de definições para poder eleger os documentos, conteúdos e disciplinas que consideraremos referentes às Ciências Sociais e/ou à Sociologia especialmente. Esse imbróglio apareceu também neste esboço da trajetória da Sociologia no sistema de ensino, conforme se verá na sequência. 19 So ci ol og ia – V ol u m e 15 1.2 As cronologias e seus marcos históricos Existem várias cronologias para as duas dimensões da história das Ciências Sociais/Sociologia: o campo da pesquisa, da formação dos profissionais e da disciplina nas escolas de Educação Básica, sobretudo no Ensino Médio. Consideramos que elas se complemen- tam e ajudam a demarcar a trajetória do campo. Há muitas frentes de pesquisas a serem exploradas, fontes a serem construídas e/ou investigadas, sobretudo no ensino de Sociologia nas escolas secun- dárias, profissionalizantes/técnicas, de formação de docentes, entre outras modalidades do nível médio e tecnológico. No momento, nos interessa demonstrar o que foi possível ela- borar em termos de organização de fatos e marcos que nos ajudam a começar as pesquisas sobre cada período ou contexto dessa tra- jetória. Propomos neste texto a junção das cronologias encontradas separadas para a história das Ciências Sociais/Sociologia e para o ensino de Sociologia na escola secundária, buscando ressaltar que, embora tenham especificidades, momentos e ritmos por vezes di- ferentes, elas se cruzam e se retroalimentam das condições institu- cionais que lograram ao longo da história. Elaboramos um quadro sinóptico, baseando-nos nos textos de Oracy Nogueira (1981), Sergio Miceli (1989, 1995) e Enno Dagoberto Liedke Filho (2003, p. 225-227) para a história das Ciências Sociais/ Sociologia e nos textos de Celso Machado (1987), Paulo Meksenas (1995), Wanirley Guelfi (2001), Mario Bispo Santos (2002) e Erlando Reses (2004) para a história do ensino de Sociologia nas escolas secundárias/Ensino Médio. A segunda metade do século XIX foi amplamente agitada pelas lutas de independência dos países latino-americanos e no Brasil. Os temas do abolicionismo e da constituição da república perpassavam os debates e as reflexões políticas. Nessa fase, mais ou menos de 1840 a 1930, observa-se a busca da cientificização das explicações sobre a natureza e sobre a sociedade. Seguindo o modelo das ci- ências naturais, os autores apontam que nesse período ocorreram “incorporações de teorias e conceitos sociológicos ao discurso de políticos e intelectuais, surgindo pensadores sociais muito influencia- dos pelo iluminismo, positivismo e evolucionismo” (LIEDKE FILHO, 2003; NOGUEIRA, 1981). Despontam, ainda, “vários especialistas autodidatas, as primeiras iniciativas de pesquisa empírica e a im- plantação do ensino da disciplina em cursos não especializados” C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 20 (NOGUEIRA, 1981, p. 202). Note-se que, desde 1870, registram-se iniciativas de intelectuais no sentido de incluir a Sociologia nos cur- sos de Direito, de formação de militares, da escola secundária. É o caso de Rui Barbosa que nos, debates sobre a reforma de ensino em 1882, propunha as disciplinas Elementos de sociologia e direito cons- titucional para a escola secundária e Sociologia no lugar do Direito Natural nas faculdades de Direito, elaborando justificativas baseadas nos textos de Augusto Comte (MACHADO, 1987, p. 117). Em tais textos observamos a insatisfação do intelectual com as explicações herdadas do passado, como as dos católicos, e do Direito filosófico e metafísico. Considerava-se que eram insuficientes para responder aos dilemas da época. Essa proposta não chegou a ter andamento no Parlamento. Mas, em 1890, a Reforma de Benjamim Constant, então Ministro da Guerra, instituía o ensino de Sociologia e Moral nas Escolas do Exército (Decreto n. 330, de 12 de abril de 1890 apud MACHADO, 1987, p. 117). Em seguida, como Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ele empreendeu a chamada “Refor- ma Benjamim Constant” em toda a instrução pública, incluindo a Sociologia em todos os níveis e modalidades de ensino. Entretan- to, tal reforma não foi efetivada, sendo completamente modificada em 1897. Nessa nova regulamentação, a Sociologia desaparece dos currículos do Ginásio e do Ensino Secundário. As disputas entre as explicações católicas e jurídicas versus as explicações positivistas, evolucionistas e cientificistas duraram várias décadas e aparecerão nos Manuais de Sociologia que proliferaram após 1925, quando a Reforma de João Luis Alves-Rocha Vaz incluiu a Sociologia nas Escolas Normais e na Escola Secundária (MEUCCI, 2000). Esse é um dos marcos fundamentais para a institucionalização das Ciências Sociais/Sociologia no sistema de ensino e no processo de sistematização dos conhecimentos sociológicos. O fato de essa disciplina ser ensinada nas escolas criava um mercado de ideias, de circulação de conteúdos que precisava ser ordenado e dinamizado. O primeiro mercado a ser potencializado foi o de livros didáticos. Em seguida, a criação de faculdades e universidades para formar os professores especializados nas novas áreas. Muitos pensadores autodidatas nas Ciências Sociais, formados em Direito, Medicina, Engenharia, entre outras, especializaram-se em Sociologia e exer- ceram o ensino nas novas cátedras criadas nas Escolas Normais e Faculdades de Direito. Gilberto Freyre em Recife, Fernando de 23 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Os sentidos da ciência em relação às demandas da escola, • dos jovens e da sociedade em geral. Os critérios de seleção dos conteúdos e das metodologias a • serem desenvolvidas nas escolas. Para quem vamos ensinar Sociologia? Quem são nossos • alunos? O que pensamos sobre os jovens e alunos e porque consideramos que eles devam aprender os conteúdos da Sociologia? Quem vai ensinar Sociologia? Em quais cursos vamos formar • o professor de Sociologia? Como os cursos devem formar os professores de Sociologia?• Temos materiais didáticos disponíveis? Quais? Quais os • conteúdos presentes neles? Eles atendem às necessidades dos professores e alunos? Quais as políticas oficiais para os currículos, para os con-• teúdos das disciplinas, para os materiais didáticos, para a formação de professores? Ao mapearmos os estudos existentes sobre as práticas de • ensino de Sociologia, encontramos os problemas menciona- dos acima; além disso, encontramos abordagens e caminhos teóricos e de pesquisa empregados para responder a essas questões. É o que demonstraremos sinteticamente a seguir. 2. A configuração do campo de pesquisa sobre o ensino das Ciências Sociais/Sociologia: sistematizando os principais estudos As idas e vindas da Sociologia nos currículos das escolas de ensino fundamental e médio constituem-se em um amplo objeto de estudos e em um programa de investigações ainda em fase de estru- turação no campo de pesquisas da educação e das Ciências Sociais. Dessa forma, muitas afirmações sobre o ensino de Sociologia nos diferentes períodos da história da educação são, ainda, hipóteses e pistas para aprofundamentos teóricos e empíricos em frentes de investigações que tragam mais subsídios para a compreensão mais próxima possível da realidade do que foi e do que tem sido prati- cado como ensino das Ciências Sociais/Sociologia. Os surtos de pesquisas sobre a temática acompanharam as con- junturas políticas que indicaram as Ciências Sociais, especialmente, C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 24 a Sociologia como componente curricular ou como conteúdos ne- cessários para a formação das crianças e dos jovens. Em suma, as pesquisas apareceram e aparecem mais nos períodos em que as buro- cracias educacionais e outros espaços que definem os currículos das escolas selecionam esses saberes como dignos de serem ensinados aos jovens e adolescentes. Nas diferentes reformas educacionais en- contramos a presença das Ciências Sociais/Sociologia e quando elas se destacam e permanecem por algum período nas escolas, surgem também estudos e análises sobre sua institucionalização e sobre os problemas relativos ao seu ensino nos níveis básicos do sistema de educação. Com isso, queremos ressaltar que há descontinuidade na produção pedagógica e na produção científica em torno dos fenô- menos do ensino das Ciências Sociais/Sociologia, causando maiores dificuldades de compreensão desses processos e nas definições de conteúdos e métodos adequados às práticas de ensino dessas ciên- cias, especialmente da Sociologia. Analisando a produção sobre o ensino das Ciências Sociais/So- ciologia no Brasil, observa-se que nos estudos, sobretudo nos estudos voltados para a Sociologia no Ensino Médio, há uma tendência de privilegiar a história da legislação (MACHADO, 1987, 1996), sem uma pesquisa mais detalhada dos agentes que produziram a legislação e o movimento dos vários sujeitos em torno dessas legislações e, espe- cificamente, do processo de inclusão dessa disciplina nos currículos das escolas. Os estudos têm avançado para análise do conteúdo e dos sentidos atribuídos ao ensino da Sociologia em diferentes con- textos (PACHECO FILHO, 1994; GIGLIO, 1999; GUELFI, 2001), tendo sido enriquecidos nas últimas décadas com pesquisas sobre manuais (MEUCCI, 2000; SARANDY, 2004), representações de professores e alunos de Sociologia (PENTEADO, 1981; SANTOS, 2002; RESES, 2004), funções do ensino de Sociologia e problemas de definições de conteúdos e métodos (CORREA, 1993; GOMBI, 1998; MOTA, 2003). Entretanto, não se verificam análises que contemplem como esses espaços foram formados e a partir de quais sujeitos/agentes, ou seja, quem se movimentou, em quais sentidos, junto e a partir de quais estruturas/instituições para criar a possibilidade de constituição da Sociologia como disciplina escolar. Também tem sido comum nos estudos sobre o ensino das Ciências Sociais/Sociologia na educação superior o desvio do problema da dicotomia na formação do ba- charelado e do licenciado, da formação para a pesquisa e da forma- 25 So ci ol og ia – V ol u m e 15 ção para o magistério no Ensino Médio (BOMENY; BIRMAN, 1991; PESSANHA; VILLAS BÔAS, 1995; WERNECK VIANNA et al., 1994, 1995, 1998). Dessa forma, não se investiga a conexão entre os dois problemas: o da constituição das Ciências Sociais/Sociologia como disciplinas escolares e o da formação de professores para lecionarem essas disciplinas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Evidentemente que são processos diferentes, que em diversos momentos se articulam; por exemplo, nos cursos de Ciências Sociais, disseminam-se, sim, discursos pedagógicos, mesmo que os docentes não tenham consciência disso ou que explicitem essa dimensão de suas práticas. Nos trabalhos de orientação de monografias, disserta- ções e teses, os docentes universitários estão formando pesquisadores e professores, notadamente para o Ensino Superior. Werneck Vianna et al. (1994, 1995, 1998) destacam essa tendência nas Ciências Sociais, no Brasil, em levantamentos efetuados nos cursos de graduação e de pós-graduação. Assim, os autores destacam que a formação nas Ciências Sociais estaria mais vinculada ao ensino, à formação para o ensino nos cursos de graduação, do que à pesquisa. O ensino das Ciências Sociais/Sociologia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio não logrou ser uma preocupação nos cursos de Ciências Sociais. O levantamento que Amaury Moraes (2003) fez para o artigo Licenciatura em ciências sociais e ensino de sociologia: entre o ba- lanço e o relato evidencia esse fato, demonstrando que a intermitência da Sociologia nos currículos do Ensino Médio foi acompanhada da intermitência nas reflexões no interior da comunidade das Ciências Sociais, provocando um mal-estar com relação à licenciatura. O descaso dos estudos diante da necessidade de elaboração de explicações articulando os dois eixos, Ensino Superior e Ensino Médio, ajuda a evidenciar o quanto existem divisões claras entre os problemas do ensino e da pesquisa e, portanto, da formação para a pesquisa e para o ensino. A ideia ou a imagem de fronteiras é instigante porque revela que aquilo que seria apenas uma diferença entre dimensões (ensino e pesquisa) de um campo tornou-se uma divisão e uma distinção. Assim, os elementos internos ao campo das Ciências Sociais, que poderiam ajudar a explicar o problema da constituição dessas ciências em disciplinas nas escolas, não são in- vestigados mais profundamente. As conexões e interconexões entre agentes do campo acadêmico e do campo escolar, que têm em co- mum identificar-se com o campo das Ciências Sociais, não têm sido C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 28 Note-se que, conforme o debate foi sendo adensado por diversos agentes oriundos de sindicatos de sociólogos, sindicatos de profes- sores da educação básica, professores universitários, professores do Ensino Médio, associações científicas (como a SBS), órgãos internos das universidades, mais demandas foram atendidas e tantas outras foram criadas. Um exemplo foi a inclusão da Sociologia e/ou dos seus conteúdos nas provas de vestibulares. A partir de 1997, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e, a partir de 2003, na Universidade Estadual de Londrina (UEL). A Universidade Federal do Paraná (UFPR) aprovou a inclusão da sociologia nas provas de vestibular, a partir de 2007. Várias universidades e faculdades estão em processo de mudança do estilo e dos conteúdos de suas provas de vestibular, indicando a Filosofia e a Sociologia como conteúdos a serem cobrados nos concursos de ingresso. Para cada ganho de espaço, outras demandas surgiram, tais como: necessidade de diretrizes e orientações para seleção de conteúdos e métodos de ensino, de materiais didáticos, de professores capacitados, de incremento nas licenciaturas dos cursos de Ciências Sociais, de espaços de formação continuada nas universidades, de elaboradores de questões para as provas de vestibulares, de concursos públicos para professores da disciplina, de professores de Sociologia para as burocracias educacionais, entre tantas outras demandas e desafios que se multiplicaram a partir dessa expansão crescente após 1996. Entretanto, conhecer o campo de luta, que é o currículo, nos ajuda a entender que toda essa expansão não significa consolidação definitiva da disciplina ou de seus conteúdos nas escolas. Lembrar de que como vem ocorrendo a legalização e a legitimação possibilita uma postura mais comedida diante do processo. Postura comedida no sentido de reconhecer que ainda temos que estar atentos às refor- mas educacionais, mudanças curriculares e alterações na conjuntura política do País e dos Estados. Além disso, é sensato admitir que temos que estruturar as áreas de metodologia e estágio nos depar- tamentos de educação e de ciências sociais para garantir a formação inicial e continuada dos professores, nós temos que multiplicar a produção de materiais didáticos, negociar concursos públicos para professores licenciados na área, desenvolver a pesquisa sobre o en- sino da Sociologia, entre outras tarefas. A compreensão sobre o campo de lutas em torno dos currículos pode ser ampliada quando observamos o processo de normatização 29 So ci ol og ia – V ol u m e 15 da Sociologia como disciplina a partir da Lei 9394/96 (LDBEN), art. 36, §1º, inciso III (“§ 1o. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizadas de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”). A regulamentação desse artigo deu-se com muita discussão e reflexão no interior do Con- selho Nacional de Educação. A primeira regulamentação materializou- se nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), parecer CNE/CEB 15/98 e Resolução CNE/CEB 03/98. Tais Diretrizes pretendiam que os sistemas de ensino estaduais estruturassem seus currículos de maneira mais flexível e que organizasse os saberes por áreas e não por disciplinas. Por isso, os Parâmetros Curriculares Na- cionais do Ensino Médio (PCNEM) de 1999 propunham a divisão por grandes áreas, incluindo a Sociologia e a Filosofia nas Ciências Humanas e suas Tecnologias. No âmbito do parlamento tivemos a aprovação da lei do Deputado Federal Padre Roque, em 2001, e o veto do presidente da República Fernando Henrique Cardoso, sendo coerente com a concepção curricular da DCNEM (1998).2 Em 2003 se inicia um processo de reestruturação dos PCNEM, a partir do documento do MEC, de 2004, intitulado Orientações Curricu- 2 O principal desfecho de todo o debate de oito anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, em torno da organização da educação nacional, deu-se com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em dezembro de 1996. Essa lei representou os conflitos de interesses entre pro- jetos para o País, sendo vitorioso, naquela ocasião, um projeto de modernização dependente da dinâmica de mundialização do capital; isso significou garantir a flexibilização do sistema de ensino, criando um complexo aparato de divisão de tarefas que foram totalmente descentralizadas entre os sistemas municipais e estaduais. A ideia de autonomia no sentido liberal da gestão de cada unidade e de cada sistema no âmbito da educação foi usada e abusada no processo de configuração da estrutura e da cultura do ensino, desde o financiamento até os currículos. A regulamentação da LDB de 1996 em termos de currículos está em curso até os dias atuais, mas foi efetivada e acelerada de 1997 a 2001, com a ela- boração de Parâmetros e Diretrizes. Sendo assim, quando o MEC e a Presidência da República depararam-se com a aprovação da lei que obrigava o ensino de Filosofia e de Sociologia nas escolas do nível médio, não titubearam em manter a prerrogativa de uma educação voltada para habilidades cognitivas primárias e competências sociais adaptativas aos novos tempos de desregulamentação das relações trabalhistas e econômicas, não aprovando a lei. O sentido do veto de Fernando Henrique Cardoso deve ser compreendido no contexto mais complexo de toda a política econômica e educacional dos oitos anos de seu governo, não se admitindo explicações ligeiras e simplistas. Para maiores esclarecimentos, ler Moraes (2004, p. 105-111). C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 30 lares do Ensino Médio, demonstrando um novo patamar de definições de princípios para a reformulação curricular e, consequentemente, para o ensino de Sociologia. Nesse documento, Amaury Moraes, Elizabeth Guimarães e Nelson Tomazi, elaboraram uma crítica aos PCN-Sociologia e às DCNEM, pontuando novas posições sobre o papel da Sociologia nos currículos do Ensino Médio. Eles defendem que a Sociologia seja compreendida como disciplina do núcleo co- mum do currículo e que se faça um esforço de elaboração de pro- postas de conteúdos e de metodologias de ensino sintonizadas com os sentidos do Ensino Médio, da juventude e das escolas, ou seja, propostas adequadas aos propósitos de formação dos adolescentes, jovens e adultos que estarão no Ensino Médio nos próximos anos. Como resultado desse processo de redefinição constante dos currículos do Ensino Médio desde os anos de 1980, o debate chegou a uma fase de crítica ao modelo de currículo das competências, mas não unívoca. O material organizado por Maria Ciavatta e Gaudên- cio Frigotto (2004), Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho, contém inúmeros textos de vários educadores e pesquisadores brasileiros, levantando elementos para delinearmos um Ensino Médio que rompa com a dualidade entre formação geral e para o trabalho, até agora, predominante em nosso País. Além disso, há vários textos reforçando a necessidade de superação das DCNEM (1998) e dos PCNEM (1999). O próprio texto já mencionado, elaborado por Amaury Moraes, Nel- son Tomazi e Elizabeth Guimarães, publicado no documento Orien- tações Curriculares do Ensino Médio, constitui-se em uma proposta de rompimento com os PCNEM e, sobretudo, com as DCNEM. Há uma compreensão de que a Sociologia só será uma disciplina escolar em um modelo curricular que valorize as ciências de referências. Essa equipe de elaboradores das novas Orientações Curriculares Nacionais provocou um debate no interior do MEC. Em 2005, Moraes (2007) elaborou um Parecer detalhado sobre a legislação educacional, desde a LDB de 1996 até as DCNEM (1998). Nesse Parecer consegue explicitar que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 1998 não estavam cumprindo a LDB, pois não garantiam que os currículos oferecessem, de fato, os conhecimentos de Filosofia e de Sociologia, apenas como temas transversais.3 3 Em 24/11/2005, foi protocolado no Conselho Nacional de Educação o Oficio nº 9647/GAB/SEB/MEC, de 15 de novembro de 2005, pelo qual o Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação encaminhou, para apreciação, documento anexado sobre as Diretrizes Curriculares das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, elaborado pela Secretaria, com a participação de representantes de várias entidades. 33 So ci ol og ia – V ol u m e 15 as grades curriculares. Tem sido comum incluí-la com uma hora aula em cada série ou uma ou duas horas aulas em uma das sé- ries, normalmente na terceira. Tendo em vista que as escolas têm autonomia relativa para definir suas grades curriculares, há esco- las que a incluíram com duas horas aulas em cada série e estados como o Distrito Federal que desde 2000 padronizou o currículo e determinou a inserção da Sociologia e da Filosofia com duas horas aulas semanais em cada série (na primeira, segunda e terceira). O Estado de São Paulo decidiu inseri-la com uma hora aula em cada série e iniciou a elaboração de Cadernos de apoio aos professores e aos alunos, já produziram dois volumes referentes a cada uma das séries para professores e alunos7. O Estado do Paraná, em conjunto com os professores fez revi- sões nas Diretrizes Curriculares de Sociologia de 2006 e publicou uma nova e ampliada em 2009. Também revisou o Livro Didático Público de Sociologia, escrito por vários professores da rede de ensino e publicado em 20068. Temos notícias de que na maioria dos estados há movimentação de produção de materiais didáticos para os alunos e/ou de apoio aos professores, instigando vários agentes da academia, das escolas, das burocracias a pensarem nas Ciências Sociais/Sociologia para os adolescentes, jovens e adultos matriculados em nossas escolas. Desafiamos os professores a contribuírem com esses processos e, como sugestão metodológica de operação, com os conteúdos da história do ensino das Ciências Sociais/Sociologia, propomos duas ações pedagógicas, ambas baseadas nos seguintes pressupostos: do pro- fessor como intelectual e produtor de saberes sobre sua prática, sua escola, seus alunos e sua disciplina; do estudante como sujeito do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a pesquisa torna- se um instrumento interessante para o docente no seu tempo de elaboração das aulas e nas aulas junto com os alunos. 7 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação. CENP. Caderno do Professor: sociologia, ensino médio - vários volumes. Equipe Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, Melissa de Mattos Pimenta, Stella Christina Schrijnemaekers. São Paulo: SEE, 2009. A mesma equipe elaborou o Caderno do Aluno (dois volumes para cada série, totalizando, até julho de 2009, seis cadernos de alunos e seis cadernos dos professores). 8 Tanto as Diretrizes Curriculares como o Livro Didático Público de Sociologia podem ser acessados e copiados no sítio: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov. br/diaadia/diadia/ C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 34 Situação 1 Elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola. Todas as escolas no Brasil são obrigadas a elaborar seus Projetos Político- Pedagógicos (PPPs). A cada dois anos, as secretarias de educação solicitam atualizações e sempre que o MEC e as próprias SEEDs lançam novas regulamentações sobre os currículos, formas de pro- gressão dos estudantes, projetos e programas, as escolas têm que rever seus PPPs. Por exemplo, com as medidas que exigem a inclu- são da Sociologia nos currículos, as escolas têm se obrigado a rever suas grades curriculares e, certamente, os professores de Sociologia deverão participar das reformulações. Como usar esse espaço para ajudar a escola a ampliar suas possibilidades de ações? Como inserir a Sociologia no projeto maior da escola? Como a história da disciplina poderia nos indicar conteúdos e metodologias? Quais as justificativas para o ensino de Sociologia? O que a história demonstra? Não seria interessante fazer um levantamento sobre o ensino da Sociologia no município, no Estado e na escola? Essa disciplina já foi ensinada em outras épocas? Há programas de ensino na escola e/ou livros e materiais sobre esse ensino? Há diretrizes de conteúdos antigos e atuais? O que elas propõem? A ideia central aqui é potencializar o conhecimento sobre a nossa tradição de ensino de Sociologia. Além disso, poderíamos ex- trair da memória construída mais justificativas e metodologias de legitimação da disciplina no interior da própria escola. Além da história da disciplina na escola e/ou no Estado de atu- ação, é interessante colocar à disposição da escola os instrumentos de diagnósticos que os sociólogos dominam, ajudando os demais agentes na realização de uma verdadeira análise da situação da escola e dos estudantes para subsidiar a criação do projeto político- pedagógico da unidade educativa. Situação 2 Poder-se-ia pensar em pesquisas sobre a memória da Sociologia junto com os alunos, que se mobilizariam para questionar seus pais, familiares, vizinhos, colegas de trabalho sobre as representações que fazem da Sociologia, se já ouviram algo sobre essa ciência, o que ouviram ou aprenderam sobre ela. Na própria escola, os estudan- tes possibilitariam a elaboração de instrumentos, enquetes sobre as expectativas em torno da disciplina e sobre como professores de 35 So ci ol og ia – V ol u m e 15 outras áreas tiveram contato com esses conteúdos, enfim, há que se imaginar formas de também contar com os alunos na construção e/ ou apropriação da história e da memória do ensino de Sociologia nas diferentes regiões e escolas do País. Livros e textos para as atividades na escola CARVALHO, Lejeune Mato Grosso (Org). Sociologia e ensino em debate: experi- ências e discussão de sociologia no ensino médio. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. CRONOS. Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN. Natal: UFRN, v. 8, n. 2, jul./dez. 2007. (publicado em 2008). Dossiê Ensino da So- ciologia no Brasil. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/cronos/atual.html>. Acesso em: 28 ago. 2009. HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luiz Fernandes de (Org.). A Sociologia vai à Escola: História, Ensino e Docência. 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Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. 39 So ci ol og ia – V ol u m e 15 ______. Licenciaturas: o discurso e a realidade. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 40, n. 2, p. 147-151, 1988. PASSERON, Jean-Claude. O Raciocínio Sociológico: o espaço não-popperiano do raciocínio natural. Tradução Beatriz Sidou. Petrópolis: Vozes, 1995. PAVEI, Katiuci. Ciências Sociais/Sociologia na escola: Problematizando saberes docentes e a formação de professores/professoras. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. PENTEADO, Heloísa Dupas. A formação do profissional professor: a questão da relação entre docência e ciência. Curitiba: UFPR/Prograd, 1994. (Graduação em Debate, n. 3). ______. O Sociólogo como professor no ensino de 1o. e 2o. Grau. Revista da Faculda- de de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 85-96, 1981. PERUCCHI, Luciane. 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(1891 -1941) – INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO 1891 – A Reforma Benjamin Constant propõe, pela primeira vez no Brasil, a Sociologia como disciplina do ensino secundário. 1901 – A Reforma Epitácio Pessoa retira oficialmente a Sociologia do currí- culo, disciplina esta que nunca chegou a ser ofertada. 1925 – A Reforma Rocha Vaz coloca novamente a Sociologia como disciplina obrigatória do curso secundário, no 6º ano. Como decorrência dessa Refor- ma, ainda em 1925, a Sociologia é ofertada aos alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tendo como professor Delgado Carvalho. 1928 – A Sociologia passa a constar dos currículos dos cursos normais de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, onde foi ministrada por Gilberto Freyre, no Ginásio Pernambucano de Recife. 1931 – A Reforma Francisco Campos organiza o ensino secundário num ciclo fundamental de cinco anos e num ciclo complementar dividido em três opções destinadas à preparação para o ingresso nas faculdades de Direito, de Ciências Médicas e de Engenharia e Arquitetura. A Sociologia foi incluída como disciplina obrigatória no 2º ano dos três cursos complementares. 1933 – Criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. 43 So ci ol og ia – V ol u m e 15 2005 – Amaury Moraes elabora o Parecer que questiona as DCNEM e enca- minha ao MEC que encaminha ao CNE. Cria-se o Grupo de Trabalho GT Ensino de Sociologia na Sociedade Brasi- leira de Sociologia e ocorrem duas sessões especiais sobre as questões do ensino no Congresso em Belo Horizonte. 2006 – O CNE analisa a matéria e vota favorável ao Parecer e à mudança das DCNEM, tornando a Filosofia e a Sociologia componentes ou disciplinas curriculares obrigatórias em ao menos uma série do Ensino Médio. 2007 – Vários estados da federação questionam essa medida junto ao CNE e aguardam o debate antes de implementarem; foram os casos de SP e RS. A maioria dos estados continuou a implantação da disciplina, elaborando diretrizes curriculares estaduais, realizando concursos públicos para pro- fessores de Sociologia e estruturando materiais didáticos. A SBS realiza junto com a USP o 1o Seminário Nacional de Ensino de Sociolo- gia nos dias 28 de fevereiro a 2 de março, na Faculdade de Educação da USP. Cria-se a Comissão de Ensino de Sociologia no Congresso da SBS em Recife e mantém-se o GT Ensino de Sociologia, entre outras tantas atividades. O Sinsesp e a Apeosp organizam o 1º Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia e de Filosofia, em julho, em São Paulo, com a participação de cerca de 800 pessoas. UFPR introduz Sociologia nas provas do Vestibular. A Editora Escala cria a Revista mensal Sociologia: Ciência & Vida, revista vendida na maioria das bancas do País. 2008 – Diante das resistências de alguns estados em acatar a mudança das DCNEM o Sindicato dos Sociólogos de São Paulo – Sinsesp liderou mais um movimento de pressão pela aprovação da lei que obriga o ensino de Filo- sofia e Sociologia nas três séries do Ensino Médio, no Congresso e Senado Federal. Em 2 de junho de 2008, o Presidente da República em exercício, José de Alencar, assinou a lei 11.684. A UFRN, com o apoio da SBS realiza o 1o Seminário Nacional de Educação e Ciências Sociais, nos dias 18 e 19 de abril, em Natal. A FE-UFRJ, com o apoio do MEC e SBS, realizou o 1o Encontro Estadual sobre Ensino de Sociologia na Educação Básica, no Rio de Janeiro, em 19 a 21 de setembro de 2008. A FCS da UFG, realizou o 5o Seminário sobre Sociologia no Ensino Médio, em Goiânia-GO, em setembro de 2008 C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 44 2009 – O CNE regulamenta o modo de implantação da Filosofia e Sociologia nas três séries do Ensino Médio pela Resolução nº 1, de 15 de maio de 2009, ordenando que se conclua a efetivação dessa medida até 2011. A SBS realiza o 1o Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica, nos dias 25 a 27 de julho na UFRJ (participação de cerca de 300 pes- soas) e mantém o GT Ensino de Sociologia no seu Congresso bianual, reali- zado na sequência e que comemorou os 60 anos de existência da entidade. A FCS da UFG, realizou o 6o Seminário sobre Sociologia no Ensino Médio, em Goiânia-GO, em setembro de 2009. 45 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Introdução O objetivo deste texto é fazer uma leitura complementar do documento das Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Co- nhecimentos de Sociologia, daqui para frente OCEM-Sociologia, espe- cificamente no que se refere aos componentes das propostas para se ensinar a disciplina no nível médio. A intenção é discutir o documento OCEM, levantando questões e possibilidades em torno do ensino da disciplina. É um texto dirigido aos professores que estão lecionando Sociologia no Ensino Médio e, como tal, se propõe a analisar e ampliar alternativas para a prática docente. A partir das OCEM-Sociologia, serão discutidos, num primeiro momento, os princípios epistemológicos que caracterizam a pesquisa e o ensino das Ciências Sociais, quais sejam, estranhamento e desnaturalização; na sequência, vamos examinar os princípios metodológicos que orien- tam o ensino da disciplina, verificáveis em três recortes – conceitos, temas e teorias –, sem deixar de discutir também a pesquisa como princípio transversal. Na parte final, vamos examinar alguns exemplos de recursos didáticos, concentrando-nos mais em aspectos metodo- lógicos propriamente ditos. Capítulo 2 Metodologia de Ensino de Ciências Sociais: relendo as OCEM-Sociologia Amaury Cesar Moraes* Elisabeth da Fonseca Guimarães** * Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação da USP. ** Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal de Uberlândia. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 48 Sociais. Estranhar o já conhecido, o tido como natural, permite que fenômenos aparentemente evidentes revelem dúvidas, contradições, desmandos e arbitrariedade em sua composição. Esse processo de estranhamento, que é tarefa típica do pesqui- sador social, só é possível mediante o distanciamento do fenômeno social. Colocar-se à distância do fenômeno social – ainda que o mesmo faça parte da experiência de vida do pesquisador – é a pos- sibilidade de ultrapassar os limites do senso comum – que supõe a naturalidade da cultura –, e inquietar-se com questões rotineiras e consagradas pela normalidade. É essa propriedade das Ciências Sociais – olhar para além da realidade imediata –, que possibilita a dessacralização e desnatura- lização dos fenômenos sociais, ao submetê-los a critérios científicos de análise: pois os fenômenos sociais não participam do sagrado – não são obras divinas –, nem da natureza – não são regidos por leis naturais –: são humanos. É contribuição das Ciências Sociais, como a disciplina Sociolo- gia para o nível médio, propiciar aos jovens o exame de situações que fazem parte do seu dia a dia, imbuídos de uma postura crítica e atitude investigativa. É sua tarefa desnaturalizar os fenômenos sociais, mediante o compromisso de examinar a realidade para além de sua aparência imediata, informada pelas regras inconscientes da cultura e do senso comum. Despertar no aluno a sensibilidade para perceber o mundo à sua volta como resultado da atividade humana e, por isso mesmo, passível de ser modificado, deve ser a tarefa de todo professor. Princípios metodológicos: temas, teorias e conceitos Os pressupostos metodológicos aqui apresentados foram cons- truídos e têm sido experimentados no ensino de Sociologia no ní- vel médio desde sempre: conceitos, temas, teorias. A pesquisa nem sempre é enfrentada, uma vez que muitos professores ou por difi- culdades de formação ou por concepção, não a incorporam ao seu programa de curso. A rigor, cada um dos três primeiros pressupostos indica um caminho para o professor desenvolver o conteúdo pro- gramático. No entanto, é impossível trabalhar exclusivamente com um desses recortes sem que sejam feitas referências aos demais. Ainda que tenham características que os distingam, cada recorte, 49 So ci ol og ia – V ol u m e 15 ao ser escolhido pelos professores para desenvolver determinada unidade do programa de Sociologia, atua como condutor central do trabalho docente; porém, depende da presença dos outros para que a análise seja mais completa. A pesquisa, por sua vez, é a atividade básica para a construção do conhecimento científico, incluindo as Ciências Sociais, e é considerada por nós como sendo fundamental para a prática docente. É um procedimento que, como dissemos nas OCEM-Sociologia, pode complementar o trabalho expositivo do professor, sucedendo às aulas, exemplificando ou aprofundando empiricamente o que foi apresentado; ou pode, quando antecipa as aulas, provocar a curiosidade, o interesse, preparando o aluno para o que vai ser ensinado, sistematizado pelo professor. A inte- gração desses quatro elementos, com ênfase dirigida àquele que o professor julgar mais apropriado para transmissão e reflexão sobre determinado conteúdo em sala de aula, informa prática docente da disciplina no Ensino Médio. Conceitos O conceito é um registro linguístico da ciência, com que se propõe a definir terminologicamente um fenômeno, uma concepção, uma relação. É uma dimensão fundamental do trabalho científico e, ao ser trabalhado em sala de aula pelos professores, permite o domínio do vocabulário básico da linguagem sociológica. O em- prego de um conceito reclama o conhecimento do contexto histó- rico e das condições ou razões também históricas que marcaram sua elaboração. As Ciências Sociais – Sociologia, Antropologia e Ciência Política –, assim como a Biologia ou a Geometria, têm seus conceitos-chaves materializados em linguagem particular. Esses são necessários e possibilitam a compreensão dos discursos acerca da realidade social propostos pelas Ciências Sociais. No Ensino Médio, os usados pelas Ciências Sociais precisam ser distinguidos do uso comum dado pelas definições dicionarizadas, de modo que o aluno perceba o tratamento específico desse campo científico dos proble- mas vivenciados no dia a dia. No caso de o professor optar pelo conceito para desenvolver todo o conteúdo programático da disciplina ou mesmo de determi- nada unidade, precisa estar ciente de que o emprego de um conceito para se ensinar um conteúdo sociológico no nível médio deman- da uma série de referências: em relação a sua origem, o contexto C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 50 social em que foi criado, os fenômenos que exigiram a tradução das ansiedades sociais no momento de sua criação, as situações que antecederam e condicionaram as concepções de seus criado- res, as propostas definidoras do universo em que ele se constituiu e as transformações que sofreu em sua elaboração. É necessário estar atento às caracterizações mais gerais do conceito e esclarecê- las aos estudantes, antes de aprofundar no ensino do conteúdo em questão. A ênfase no significado que o conceito tem no campo das Ciências Sociais precisa ser esclarecida, sobretudo frente ao caráter interdisciplinar com que se pode apresentar; ou seja, a possibilidade de um único conceito ser trabalhado por várias ciências para expli- car questões que se relacionam academicamente. Cada uma dessas ciên cias elabora uma definição específica, coerente com o seu objeto de estudo, tendo em vista uma abordagem e uma metodologia de pesquisa própria. O conceito de cultura, por exemplo, está presente em vários campos do saber científico e ainda que seja uma palavra de uso comum pelos estudantes, eles precisam distinguir os dife- rentes sentidos que o termo encerra, percebendo o que caracteriza o seu uso na análise sociológica. Em Ciências Sociais, cada conceito é construído a partir de uma necessidade de explicação que carrega consigo a historicidade e a caracterização do problema social que lhe deu origem, as construções teóricas que esse problema requer. Por isso mesmo, quando nos re- ferimos aos conceitos no âmbito das Ciências Sociais não é possível trabalhar com definições uniformizadas e homogêneas. Muitos conceitos ensinados no nível médio são oriundos do pensamento sociológico clássico. Esses conceitos podem ser toma- dos como referenciais para a compreensão de fenômenos sociais da sociedade contemporânea, e, por serem capazes de elucidar situações emergentes da sociedade atual, são clássicos. Para o en- sino de tais conceitos é necessário que se estabeleça a mediação pedagógica, ou seja, sua transformação “em saberes escolares, com características próprias” (BRASIL, 2008), trata-se de traduzir o conhecimento sociológico em conhecimento adequado ao Ensino Médio, utilizando linguagem interessante e acessível a estudantes que estão iniciando no estudo da disciplina. Embora os conceitos tenham historicidade, uma vez que um conceito é elaborado para responder uma necessidade de compreensão de questões sociais de um momento preciso, eles podem se manter. Uma vez satisfeita 53 So ci ol og ia – V ol u m e 15 que estão presentes no dia a dia da escola e que causam impacto na vida dos estudantes. É o caso de conceitos utilizados pelo autor, tais como coerção e controle social, que podem servir para a compreensão de fenômenos como gravidez na adolescência que, em escolas onde essa situação é generalizada, pode ser trabalhada a partir de cenas do filme Juno, que relata as situações enfrentadas por uma jovem de 16 anos que engravida de um colega de sala. Situações de violência contra as mulheres, em decorrência da coerção e do controle social podem ser trabalhadas em cenas do filme A letra escarlate. A teoria, por um lado, e o recurso didático, por outro, permitem tratar de temas muito presentes na vida dos alunos, como mediações que produzem aqueles dois efeitos indicados nas OCEM-Sociologia: es- tranhamento e desnaturalização. Os fenômenos gravidez na adolescência e violência contra as mulheres, tomados como temas, deixam de ser na- turais, isto é, invisíveis, coisas a que todos estão acostumados e que sobre o que não há necessidade de explicação, e tornam-se objetos de estudo, estranhos, recorrendo-se às mediações de teorias (recurso científico) e cinema (recurso didático) para serem compreendidos, e vistos agora de um outro modo. A construção de uma teoria traz consigo elementos reveladores do olhar do pensador em relação às questões sociais que inspiraram sua elaboração. Essa contextualização é necessária para que não seja feita uma interpretação idealizada da teoria, compreendendo-se que um pensador responde às questões de seu tempo e espaço, mas com isso abre caminhos para explicações mais amplas, tornando-se um clássico. Ao serem expostas em sala de aula, visa-se introduzir os estudantes em um universo de argumentações sistematicamente organizadas, que lhes permitem a reflexão em torno de fenômenos que não lhes pareciam passíveis de problematização. As teorias são fortes aliadas dos professores quando se trata de reforçar o caráter científico das Ciências Sociais. Cumprem a tarefa de provocar a reflexão dos estudantes em torno de questões que fazem parte de seu dia a dia, e que, na maioria das vezes, são explicitadas por cris- talizações do senso comum, sem que haja qualquer questionamento em relação às mesmas. Pesquisa A pesquisa, como um pressuposto epistemológico, é um proce- dimento capaz de fornecer elementos que sustentam as explicações C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 54 dadas pelas teorias acerca dos fenômenos sociais. O conhecimento no campo das Ciências Sociais é, antes de tudo, um exercício de autoco- nhecimento, mas de modo sistemático, rigoroso e intersubjetivo, uma vez que a investigação sociológica oferece ao estudante instrumentais que lhe garantem um tratamento coerente e analítico das questões que estão à sua volta, compreendidas com racionalidade. Ir além do que é imediatamente visível e aceito como natural é uma dos objetivos de se trabalhar a pesquisa sociológica no Ensino Médio. A pesquisa pode ser feita em materiais impressos ou em tra- balhos de campo. Em relação a esta última, questões simples, que dizem respeito diretamente à vida dos estudantes dentro da escola, às suas relações familiares, à vizinhança ou ao bairro em que moram podem tornar-se objetos de conhecimento sociológico concreto. A opção pela pesquisa, no entanto, demanda cuidados metodológicos imprescindíveis ao aprendizado desse pressuposto pelos estudan- tes. Conhecimentos básicos que vão ao encontro de um esboço de projeto: delimitação de objetivos, elaboração do problema, constru- ção de hipóteses e metodologia para a investigação são necessários para orientar a conduta dos pesquisadores e conferir significância (consistência) às respostas encontradas. A pesquisa como pressuposto epistemológico desenvolve no estudante do Ensino Médio a capacidade de observação e crítica: ele percebe, então, uma nova realidade a partir da análise sociológica do que está à sua volta. O impacto do estranhamento, no primeiro momento, pode ser seguido pela satisfação de responder concreta- mente a perguntas do tipo “para que serve a Sociologia?”. Mediações pedagógicas Mediações pedagógicas referem-se às diferentes e possíveis maneiras de se traduzir o conhecimento sociológico, tornando-o compreensível e interessante para os estudantes do Ensino Médio. A prática docente de sala de aula reclama a adequação ao universo juvenil. Mais que isso, remete à necessidade de os professores arti- cularem os recursos didáticos aos interesses desse universo. Nunca é demais lembrar que os limites da ciência Sociologia não são os mes- mos da disciplina. A distância entre a ciência e a disciplina obriga os professores a trabalhar com escolhas, ou seja, recortes elaborados a partir de uma pluralidade de razões, nem sempre adequadas ao 55 So ci ol og ia – V ol u m e 15 nível de compreensão dos estudantes secundaristas. Questões con- cretas e que fazem parte do ciclo de interesse dos estudantes, por mais que pareçam banais, podem ser um estímulo para se introduzir um conteúdo sociológico. A mediação pedagógica nem sempre está comprometida unicamente com o rigor conceitual ou teórico; muitas vezes, faz-se uso de uma postura lúdica, criativa ou provocativa, outras recorre-se às artes, particularmente à música e ao cinema para garantir o aprendizado da disciplina Sociologia, tornando isso uma experiência reconhecida pelos alunos, com a sua participação efetiva, descobrindo neste conhecimento científico a possibilidade de ser um reconhecimento do papel dos estudantes na sociedade. Aula expositiva associada a outros recursos didáticos A aula expositiva é considerada o recurso universal para o ensino escolarizado. É aceita, esperada e praticada na grande maioria das escolas de Ensino Médio. Difícil é imaginar uma unidade de Socio- logia se desenvolver sem que a aula expositiva se torne um recurso didático preponderante, dado o caráter teórico da disciplina; ela é utilizada para introduzir e desenvolver os mais variados conteúdos em sala de aula. Em geral, as expectativas dos estudantes conver- gem em torno desse tipo de recurso, o que, de certa forma, pode reduzir o interesse diante do esperado. Como fazer, então, para que a aula expositiva transforme-se em um recurso capaz de provocar a participação dos estudantes? Uma vez que a aula expositiva se caracteriza pela apresentação docente de um determinado assunto, o esperado para a disciplina Sociologia é que a exposição enfatize a contextualização e explica- ções sobre o conteúdo. Exigir que uma turma de jovens mantenha-se atenta durante 30 ou mais minutos unicamente em torno de questões exclusivamente sociológicas pode não ser tarefa das mais fáceis. A sugestão é associar a apresentação do tema a recursos capazes de provocar interesse e conferir materialidade ao conteúdo trabalhado. Recortes de jornais, por exemplo, são recursos provocativos e po- dem informar sobre a atualidade do conteúdo ensinado. Imagine, por exemplo, uma aula teórica sobre Durkheim. Como aplicar o conceito de fato social na sociedade em que vivemos? Dependendo das turmas em que se está trabalhando, é possível trazer exemplos reais, retirados de reportagens de jornais que aproximem a teoria das situações experimentadas pelos estudantes. Fenômenos como C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 58 Aula musical Outro recurso interessante, capaz de atrair a atenção e envolver os estudantes é a aula musical. Conceitos sociológicos podem ser introduzidos ou reforçados a partir do sentido expresso ou mesmo subentendido nas letras trabalhadas1. A música é um recurso finan- ceiramente acessível, disponível à maioria das escolas e que aguça a capacidade de análise em relação a situações, capaz de superar as dificuldades presentes nos textos didáticos, levando-se em conta que as letras analisadas não foram escritas com esse propósito, mas com intenções as mais diversas. A partir da inspiração pessoal do artista que escreveu os versos, a análise sociológica que deles provém pode remeter às mais diferentes questões da vida social. A aparente simplicidade da aula musical, contudo, não exi- me os professores de alguns cuidados essenciais que precisam ser tomados na organização das atividades. Como todo discurso, a música não fala por si só. Por isso mesmo, a escolha precisa estar relacionada aos desejos e expectativas dos estudantes. As compo- sições selecionadas para esse fim podem começar por aquelas da preferência dos jovens, destinatários das propostas de ensino, ainda que venham a ferir o gosto musical dos professores. É essa prefe- rência que informa a escolha da composição que será trabalhada durante a aula musical. As expectativas depositadas pelo docente em relação às escolhas culturais dos estudantes ocupam, nessa ati- vidade, estrategicamente, um plano secundário. Muitas vezes, isso se torna um complicador, uma vez que pode ser desestimulante para professores de Sociologia enveredar por terrenos liderados por uma indústria cultural dirigida especificamente à juventude ou, ainda, trabalhar em sala de aula com produções culturais que não traduzem minimamente suas próprias preferências. Não é raro professores recorrerem a obras musicais totalmente distan- tes do universo cultural e temporal dos jovens, sem perceber que as idades, as experiências, a escolaridade, enfim, os mundos são diferentes e distantes. Como exigir que um adolescente de 16 anos demonstre o mesmo entusiasmo que seu professor, ao escutar uma coletânea de músicas selecionadas por este último? No entanto, como dissemos antes, se a atividade de ensino pode começar por músicas familiares aos alunos, deve-se ter como horizonte ultra- passar esse repertório, tendo em vista que ao longo dos anos do 1 Aqui trataremos da letra e não propriamente da música. 59 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Ensino Médio – Sociologia está agora nas três séries –, pode-se pensar tanto em exemplares de música popular brasileira (moderna ou antiga) quanto em exemplares de música folclórica, regional, de raiz ou mesmo erudita (quando esta vem com letra, como algumas músicas de Vila-Lobos, Carlos Gomes e outros). Músicas do acervo cultural jovem, que podem fazer diferença em relação ao envolvimento da classe em uma aula musical, não são poucas. Com atenção, da parte dos professores, é possível relacionar temas sociológicos a canções do chamado “Pop rock” e tornar as aulas musicais mais interativas. Composições que já caíram na preferência musical dos estudantes são mais fáceis de serem aceitas e permitem o estranhamento, quando se tornam foco da análise sociológica, avançando em direção a questões da vida social até então não cogitadas. Muitas dessas músicas são portadoras de mensagens, análises e críticas sociais interessantes, relacionadas aos mais diferentes conteúdos sociológicos. Muitas músicas incorporam uma dimensão irônica ao tratar da própria arte; é o caso de músicas tão diferentes como A voz do dono e o dono da voz, de Chico Buarque de Holanda, e A melhor banda de todos os tempos da última semana, de Sérgio Britto e Branco Mello, interpretada pelos Titãs. Nelas podemos encontrar um discurso sobre o poder da indústria cultural de impor seus produtos aos consumidores, a banalização da arte, transformada em mercadoria descartável, a ridicularização do público, a homogeneização das produções artísticas e uma série de outras questões que podem ser trabalhadas nos versos dessas músicas, conhecidas e aprecia- das pelos estudantes. Aqui não se dispensa alguma formação do professor sobre o recurso didático música. Há uma bibliografia relativamente vasta em teses, dissertações, artigos em periódicos e facilmente acessíveis pela internet, o que permite ao professor usar esse recurso, ampliando sua formação, ao mesmo tempo em que diversifica as estratégias de ensino. Para escolas mais bem equipadas, os videoclipes somam imagens a recursos que antes seriam apenas sonoros. É possível, também, enriquecer a aula musical com a utilização de gravuras, fotografias ou recortes de jornais que venham completar a análise proposta. Para uma participação mais efetiva da classe, é conveniente a distribuição de cópia da letra da música para os estudantes. O objetivo é que os versos mais significativos sejam compreendidos a C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 60 partir de sua construção textual, voltada diretamente à análise so- ciológica, independente dos arranjos musicais. Na impossibilidade dessa distribuição, o quadro e o giz continuam a ser aqueles recursos indispensáveis para professores sem maiores custos. Os trechos mais significativos podem ser transcritos no quadro para que os estudan- tes reflitam diante das questões sociológicas destacadas. Outra versão para a aula é a análise da música pelos próprios docentes a título de exemplo. Uma atividade que extrapola o tempo da aula musical, e que desperta a criatividade e a capacidade de análise do conteúdo trabalhado, é a elaboração de paródias, tendo como centro o conteúdo sociológico ensinado. As paródias associam ludicidade e criatividade à compreensão sociológica do assunto em pauta. Nos versos parodiados, os estudantes podem se colocar frente às questões analisadas anteriormente de modo descontraído e perso- nalizado. Elaboradas em grupo, as paródias podem ser criadas fora dos limites do tempo da aula, já que demandam um tempo maior para serem concluídas. Aulas musicais, ainda que aparentemente se apresentem como momentos de descontração e espontaneidade, exigem planejamento e clareza quanto aos objetivos propostos. Os conceitos que serão reforçados ou introduzidos, o teor das análises, os exemplos expli- cativos devem estar claros nesse planejamento. Todo esse cuidado é necessário, uma vez que a dinâmica descontraída das atividades abre espaço para que interesses paralelos se alinhem às propostas iniciais, desviando por completo o objetivo da aula. Em aulas musicais, a sugestão é que se analise uma única composição de cada vez. Referências FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980. GIGLIO, Adriano Carneiro. A Sociologia na escola secundária: uma questão das Ciências Sociais no Brasil – Anos 40 e 50. 1999. Dissertação (Mestrado em Sociolo- gia) – Iuperj, Rio de Janeiro, 1999. GUELFI, Wanirley Pedroso. A Sociologia como disciplina Escolar no Ensino Se- cundário Brasileiro: 1925-1942. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luiz Fernandes de (Org.). A Sociologia vai à Escola: História, Ensino e Docência. Rio de Janeiro: Quartet, Faperj, 2009. 63 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Segunda parte Temas Básicos das Ciências Sociais C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 64 65 So ci ol og ia – V ol u m e 15 Vejo na tv o que eles falam sobre o jovem não é sério O jovem no Brasil nunca é levado a sério [...] Sempre quis falar, nunca tive chance Tudo que eu queria estava fora do meu alcance [...] (Charles Brown Junior, Não é sério). Este trecho da música do grupo Charles Brown Junior traduz e denuncia o paradoxo vivenciado pelos jovens no Brasil. Nunca as características e valores ligados à juventude, como a energia e a estética corporal ou mesmo a busca do novo, foram tão louvados, num processo que poderíamos chamar de juvenilização da socie- dade. Mas, ao mesmo tempo, a juventude brasileira ainda não é encarada como sujeito de direitos, não sendo foco de políticas públicas que garantam o acesso a bens materiais e culturais, além de espaços e tempos onde possam vivenciar plenamente esta fase tão importante da vida. Além disso, como diz a música, o jovem não é levado a sério, exprimindo a tendência, muito comum nas escolas e programas educativos, de não considerar o jovem como interlocutor válido, capaz de emitir opiniões e interferir nas pro- postas que lhes dizem respeito, desestimulando a sua participação e o seu protagonismo. Capítulo 3 A juventude no contexto do ensino da Sociologia: questões e desafios* * Parte das ideias desenvolvidas neste texto encontra-se em Dayrell (2007). ** Doutor em Educação. Professor Associado da Universidade Federal de Minas Gerais. Juarez Tarcísio Dayrell** C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 68 maneira de ser, à situação de alguém perante a vida, perante a socie- dade. Mas também se refere às circunstâncias necessárias para que se verifique essa maneira ou tal situação. Assim, existe uma dupla dimensão presente quando falamos em condição juvenil. Refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico- geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às dife- renças sociais – classe, gênero, etnia, etc. Na sua análise, permite-se levar em conta tanto a dimensão simbólica como os aspectos fáticos, materiais, históricos e políticos nos quais a produção social da ju- ventude se desenvolve (ABRAMO, 2005). Temos de levar em conta também que essa condição juvenil vem se construindo em um contexto de profundas transformações socio- culturais ocorridas no mundo ocidental nas últimas décadas, fruto da ressignificação do tempo e do espaço, bem como da reflexividade, dentre outras dimensões, o que vem gerando uma nova arquitetura do social (GIDDENS, 1991). Nesse contexto mais amplo, a condição juvenil no Brasil manifesta-se nas mais variadas dimensões. Na pers- pectiva aqui tratada, vamos privilegiar algumas delas que considera- mos essencial para uma aproximação mais densa da realidade juvenil, servindo como uma referência para o professor de Sociologia tanto no desenvolvimento de possíveis pesquisas sobre o jovem aluno da sua escola quanto de temas a serem desenvolvidos nas aulas de Sociologia3. Não é demais reiterar que não propomos uma compreensão generali- zante da juventude; ao contrário, temos claro que, na perspectiva da diversidade, os jovens de cada escola podem apresentar uma realidade específica, o que demanda uma pesquisa própria. As múltiplas dimensões da condição juvenil O trabalho4 Inicialmente, é importante situar o lugar social desses jovens, o que vai determinar, em parte, os limites e as possibilidades com os 3 Pelo limite deste texto, não poderemos desenvolver uma discussão mais apro- fundada sobre cada uma das dimensões da condição juvenil. No próprio texto sugerimos uma bibliografia básica através da qual o professor poderá aprofundar na temática do seu interesse. 4 Para aprofundar a discussão em torno do trabalho, ver Guimarães (2005) e Frigotto (2004). 69 So ci ol og ia – V ol u m e 15 quais constroem determinada condição juvenil. Podemos constatar que a vivência da juventude nas camadas populares é dura e difícil: os jovens enfrentam desafios consideráveis. Ao lado da sua condição como jovens, alia-se a da pobreza, numa dupla condição que interfe- re diretamente na trajetória de vida e nas possibilidades e sentidos que assumem a vivência juvenil. Um grande desafio cotidiano é a garantia da própria sobrevivência, numa tensão constante entre a busca de gratificação imediata e um possível projeto de futuro. No Brasil, a juventude não pode ser caracterizada pela mora- tória em relação ao trabalho, como é comum nos países europeus. Ao contrário, para grande parcela de jovens, a condição juvenil só é vivenciada porque trabalham, garantindo o mínimo de recursos para o lazer, o namoro ou o consumo.5 Os dados da PNAD de 2006 apontam que 66,5% dos jovens estavam envolvidos de alguma forma com o mundo do trabalho. Boa parte deles só trabalha (41,3%), já estando fora da escola, o que não significa que concluíram o Ensino Básico, pois 50% destes não completaram o Ensino Médio. Mas há um grande contingente que alia trabalho e estudo, significando 15,4% dos jovens, o que certa- mente influencia no percurso escolar. As relações entre o trabalho e o estudo são variadas e complexas e não se esgotam na oposição entre os termos. Para os jovens, a escola e o trabalho são projetos que se superpõem ou poderão sofrer ênfases diversas de acordo com o momento do ciclo de vida e as condições sociais que lhes permitam viver a condição juvenil. Ao mesmo tempo, os jovens se defrontam com a questão do desemprego. Os indicadores sociais que medem a desocupação da força de trabalho sugerem que a principal responsabilidade pela concentração de renda pode ser atribuída ao desemprego. No que se refere à distribuição etária do desemprego, as piores taxas de desocupação são encontradas no segmento populacional juvenil, significando 9,8% do total da população economicamente ativa. Em termos gerais, podemos dizer que as portas do primeiro emprego foram fechadas para os jovens brasileiros, em especial para aquela maioria de baixa escolaridade oriunda dos estratos populares. O 5 De acordo com os dados da pesquisa Retratos da Juventude Brasileira, realizada em 2004, 36% dos jovens estudantes de 15 a 24 anos trabalhavam e 40% estavam desempregados, sendo que 76% deles estavam envolvidos, de alguma forma, com o mundo do trabalho (SPOSITO, 2005). C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 70 sentimento de fracasso que acompanha o jovem que procura traba- lho remunerado e não consegue representa uma porta aberta para a frustração, o desânimo e também a possibilidade do ganho pela via do crime. Nesse sentido, o mundo do trabalho aparece como uma me- diação efetiva e simbólica na experimentação da condição juvenil, podendo-se afirmar que “o trabalho também faz a juventude”, mes- mo considerando a diversidade de situações e posturas existentes por parte dos jovens em relação ao trabalho (SPOSITO, 2005). As culturas juvenis6 Com todos os limites dados pelo lugar social que esses jovens ocupam, não podemos nos esquecer do aparente óbvio: eles são jovens, amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito das suas con- dições e de suas experiências de vida, posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de melhorias de vida. Na trajetória de vida deles, a dimensão simbólica e expressiva tem sido cada vez mais utilizada como forma de comunicação e do posicionamento diante de si mesmos e da sociedade. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens bus- cam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre os tendo como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. As culturas juvenis, como expressões simbólicas da condição juvenil, se manifestam na diversidade em que esta se cons- titui, ganhando visibilidade por meio dos mais diferentes estilos, que têm no corpo e no seu visual uma das suas marcas distintivas. Jovens ostentam os seus corpos e, neles, as roupas, as tatuagens, os piercings, os brincos, falando da adesão a determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um status social almejado. Ganha relevância também a ostentação dos aparelhos eletrônicos, principalmente o MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano juvenil precisa ser mais pesquisado. A centralidade da dimensão da cultura na vida dos jovens, aliada ao lazer, é confirmada na pesquisa nacional Perfil da Juven- tude Brasileira realizada pelo Instituto Cidadania em 2003 (ABRAMO; BRANCO, 2005). Nas respostas sobre o que fazem do tempo livre, 6 Para aprofundar o tema, ver Dayrell (2005a) e Pais (1993, 2003). 73 So ci ol og ia – V ol u m e 15 próprios, transformando-se em lugar, o espaço do fluir da vida, do vivido. São o suporte e a mediação das relações sociais, investi- dos de sentidos próprios, além de serem a ancoragem da memória, tanto individual quanto coletiva. Os jovens tendem a transformar os espaços físicos em espaços sociais, pela produção de estruturas particulares de significados. Podemos dizer que a condição juvenil, além de ser socialmente construída, tem também uma configuração espacial (PAIS, 1993). Aliada ao espaço, a condição juvenil expressa uma forma pró- pria de viver o tempo. Há predomínio do tempo presente, que se torna não apenas a ocasião e o lugar, quando e onde se formulam questões às quais se responde interrogando o passado e o futuro, mas também a única dimensão do tempo que é vivida sem maiores incômodos e sobre a qual é possível concentrar atenção. E mes- mo no tempo presente é possível perceber formas diferenciadas de vivenciá-lo, de acordo com o espaço, como nas instituições (escola, trabalho, família) que assumem natureza institucional, marcadas pelos horários e a pontualidade. Ou aqueles vivenciados nos espaços intersticiais, de natureza sociabilística, que enfatizam a aleatorieda- de, os sentimentos, a experimentação. Esses espaços são vivenciados preferencialmente à noite, quando experimentam uma ilusão liber- tadora, longe do tempo rígido da escola ou do trabalho. A transição para a vida adulta Nessas diferentes expressões da condição juvenil, podemos constatar a presença de uma lógica baseada na reversibilidade, ex- pressa no constante vaivém presente em todas as dimensões da vida desses jovens. Vão e voltam em diferentes formas de lazer, com diferentes turmas de amigos, o mesmo acontecendo com os estilos musicais. Aderem a um grupo cultural hoje, que amanhã poderá ser outro, sem maiores rupturas. Na área afetiva, predomina a ideia do ficar, quando tendem a não criar compromissos com as relações amorosas além de um dia ou de uma semana. Também no trabalho podemos observar esse movimento com uma mudança constante dos empregos, o que é reforçado pela própria precarização do mercado de trabalho, que pouco oferece além de bicos ou empregos temporá- rios. Essa reversibilidade é informada por uma postura baseada na experimentação, numa busca de superar a monotonia do cotidiano mediante a procura de aventuras e excitações. Nesse processo, testam C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 74 suas potencialidades, improvisam, defrontam-se com seus próprios limites e, muitas vezes, enveredam-se por caminhos de ruptura, de desvio, sendo uma forma possível de autoconhecimento. Para muitos desses jovens, a vida constitui-se no movimento, em um trânsito constante entre os espaços e tempos institucionais, da obrigação, da norma e da prescrição, e aqueles intersticiais, nos quais predomina a sociabilidade, os ritos e símbolos próprios, o prazer. É nesse trânsito, marcado pela transitoriedade, que vão se delineando as trajetórias para a vida adulta. É nesse movimento que se fazem, construindo modos próprios de ser jovem. Nesse contexto, é cada vez mais difícil definir modelos na tran- sição para a vida adulta. Antes, essa transição tendia a ser marcada por alguns acontecimentos que sinalizariam o fim da juventude: a saída da escola; o emprego em tempo integral, o casamento e o nascimento dos filhos e a constituição de unidades residenciais autônomas da família (MARGULIS, 2000; GALLAND, 1997). Esse processo, porém, vem se modificando e complexificando a partir dos novos contextos de socialização da juventude, como mostramos anteriormente, principalmente a expansão do acesso escolar para novos segmentos sociais e o consequente aumento da escolaridade entre os jovens, a flexibilização e a precarização do mercado de tra- balho, com o aumento dos índices de desemprego juvenil, aliados a uma mudança nas estruturas familiares, com a pluralização das formas de organização familiar. Essa realidade estaria levando a uma descronologização do percurso etário e a uma desconexão dos atributos da maturidade (PERALVA, 1997). Comentando esse processo, Sposito (2002) nos fala da multiplicidade e da desconexão das diferentes etapas de entrada na vida adulta. Ressalta um duplo movimento de descristalização, significando a dissociação no exercício de algumas funções adultas e a latência que separa a posse de alguns atributos do seu imedia- to exercício, fazendo com que orientações próprias da vida adulta convivam com situações de dependência. As trajetórias tendem a ser individualizadas, conformando os mais diferentes percursos nessa passagem. Podemos dizer que, no Brasil, o princípio da incerteza domina a vida dos jovens, que vivem verdadeiras encruzilhadas de vida, nas quais as transições tendem a ser ziguezagueantes, sem rumo fixo ou predeterminado. Se essa é uma realidade comum à juventude, no caso dos jovens pobres, os 75 So ci ol og ia – V ol u m e 15 desafios são ainda maiores. Se há uma ampliação de possibilidades, fruto da modernização cultural, essa não veio acompanhada de uma modernização social, contando com menos recursos e margens de escolhas, imersos que estão em constrangimentos estruturais. Para muitos deles, o desejo, aquilo que gostariam de fazer, se vê limitado por aquilo que eles podem efetivamente fazer. É o caso, por exem- plo, daqueles jovens que gostariam de sobreviver das atividades culturais, fazendo delas o seu meio de vida. Apesar desses limites, muitos conseguem elaborar projetos de futuro, procurando no presente formas e alternativas de inserção na sociedade no rumo que elaboram, a partir das condições e dos recursos de que dispõem, numa postura ativa diante de si mes- mos e da realidade. Em outro extremo, encontramos aqueles que assumem uma postura mais passiva, à espera de uma ocasião, da sorte, deixando que o acaso, o rumo dos acontecimentos lhes dirija a vida. Esses tendem a se refugiar na vivência do presente, muitas vezes buscando meios de fuga dessa realidade através das drogas e, o mais trágico, da delinquência. Mas tais posturas não são rígidas e muitas vezes se misturam. Para a maioria, a transição aparece como um labirinto, obrigando-os a uma busca constante de articular os princípios de realidade (que posso fazer?), do dever (que devo fazer?) e do querer (o que quero fazer?), colocando-os diante de encruzilhadas onde jogam a vida e o futuro (PAIS, 2003). A condição juvenil e as mutações nos processos de socialização É nesse contexto que temos de situar a experiência social de grandes parcelas da juventude brasileira. Os jovens, na sua diver- sidade, apresentam características, práticas sociais e um universo simbólico próprio, que os diferencia, e muito, das gerações anterio- res. A construção da condição juvenil, tal como esboçamos, expressa mutações mais profundas nos processos de socialização, nos seus espaços e tempos. Nesse sentido, a juventude pode ser vista como uma ponta de iceberg no qual os diferentes modos de ser jovem ex- pressam mutações significativas nas formas como a sociedade produz os indivíduos. Tais mutações interferem diretamente nas instituições tradicionalmente responsáveis pela socialização das novas gerações, como a família ou a escola, apontando para a existência de novos processos cuja compreensão demanda maior aprofundamento. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 78 familiar à escolarização, conseguem articular a utilidade dos estu- dos com seus próprios interesses e gostos. Mas, para a maioria, a escola consiste em um campo aberto, daí a dificuldade deles em articular seus interesses pessoais com as demandas do cotidiano escolar, enfrentando obstáculos para se motivarem, para atribuírem um sentido a essa experiência e elaborarem projetos de futuro. Mas, no geral, podemos afirmar que se configura uma ambiguidade ca- racterizada pela valorização do estudo como uma promessa futura, uma forma de garantir um mínimo de credencial para pleitear um lugar no mercado de trabalho e uma possível falta de sentido que encontram no presente. Tais constatações sugerem consequências diretas sobre os pro- cessos educativos vivenciados pelos jovens. Podemos afirmar que a escola perdeu o monopólio da socialização dos jovens, mesmo con- tinuando a ser uma referência significativa para a vivência juvenil. Como vimos, a socialização juvenil vem ocorrendo em múltiplos espaços e tempos, principalmente naqueles intersticiais dominados pela sociabilidade. Implica reconhecer que a dimensão educativa não se reduz à escola, tampouco que as propostas educativas para os jovens tenham de acontecer dominadas pela lógica escolar. Ao mesmo tempo, a vivência juvenil no cotidiano escolar é marcada pela tensão e pelos constrangimentos na sua difícil tarefa em constituir-se como aluno. A escola e muitos dos seus profissio- nais ainda não reconhecem que os alunos que ali chegam trazem experiências sociais, demandas e necessidades próprias. Continuam lidando com os jovens com os mesmos parâmetros consagrados por uma cultura escolar construída em outro contexto. A escola tem de se perguntar se ainda é válida uma proposta educativa de massas, homogeneizante, com tempos e espaços rígidos, numa lógica dis- ciplinadora em que a formação moral predomina sobre a formação ética, em um contexto de flexibilidade e fluidez, de individualização crescente e de identidades plurais. Parece que os jovens alunos, nas formas em que vivem a expe- riência escolar, estão nos dizendo que não querem tanto ser tratados como iguais, mas, sim, reconhecidos nas suas especificidades, o que implica serem reconhecidos como jovens, na sua diversidade, um momento privilegiado de construção de identidades, de projetos de vida, de experimentação e aprendizagem da autonomia. Demandam dos seus professores uma postura de escuta – que se tornem seus 79 So ci ol og ia – V ol u m e 15 interlocutores diante de suas crises, dúvidas e perplexidades geradas ao trilharem os labirintos e encruzilhadas que constituem sua traje- tória de vida. Enfim, parece-nos que demandam da escola recursos e instrumentos que os tornem capazes de conduzir a própria vida em uma sociedade na qual a construção de si é fundamental para dominar seu destino. Os jovens, a escola e o ensino de Sociologia É nesse contexto que temos de situar a questão do ensino de Sociologia e ampliar a reflexão sobre seu papel. Um primeiro aspec- to a avançar diz respeito ao papel do professor de Sociologia. Pela especificidade da sua formação, é crucial que este também assuma o papel de sociólogo na escola, além do docente, como as próprias Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM-Sociologia (2006) sugerem. As reflexões realizadas acima evidenciam a necessidade de os professores de cada escola, como afirmamos anteriormente, desnaturalizarem a visão que possuem dos seus alunos, superando preconceitos e estereótipos, compreendendo-os como sujeitos sociais com demandas e necessidades próprias. Mas também precisam pro- blematizar as relações que acontecem no cotidiano escolar, além de conhecerem melhor o próprio meio social onde a escola se insere. Essa função cabe ao professor de Sociologia, que pode fazer da escola um campo de pesquisas, contribuindo para que a própria escola e seus atores se conheçam mais. Não podemos nos esquecer das sábias palavras de Antonio Cândido: “O conhecimento socio- lógico da escola habilita o educador a compreender a sua função e, sobretudo, a orientar convenientemente os problemas pedagógicos” (apud MENDONÇA, 2007, p. 4). Para isso, é fundamental que ele tenha uma formação sólida, que garanta o acesso aos fundamentos da Sociologia da Educação e da Sociologia da Juventude, áreas que estão pouco presentes ainda nos cursos de licenciatura8. Outro aspecto é o próprio ensino da Sociologia. No enfoque que viemos desenvolvendo, o grande desafio posto aos jovens é de serem mestres da sua identidade e das suas experiências sociais, 8 Para este aprofundamento, sugerimos a bibliografia oferecida nos sites do Ob- servatório Jovem da UFF (www.uff.br/obsjovem), do Observatório da Juventude da UFMG (www.fae.ufmg.br/objuventude) e principalmente no Portal em diálogo (www.emdialogo.com.br), onde o professor poderá encontrar um diretório de publicações sobre o Ensino Médio, além de uma série de espaços para diálogo com os jovens alunos do Ensino Médio. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 80 superando os entraves sociais colocados que impedem a realização desse projeto. Nesse sentido, a Sociologia tem muito a contribuir, principalmente no treino e ampliação da reflexividade. Uma direção possível está indicada nas OCEM-Sociologia, quando defendem a ênfase na desnaturalização e no estranhamento como eixos articu- ladores dos conteúdos (BRASIL, 2006). Significa fornecer ao jovem aluno recursos e instrumentos, por meio dos conteúdos sociológicos, que lhe treinem o olhar socioló- gico (SARANDY, 2001), aliados à imaginação sociológica (MILLS, 1975), de tal forma a possibilitar uma compreensão mais ampla da realidade social. Mas também é preciso contribuir para que os jovens alunos se percebam como seres culturais, membros de de- terminado grupo social, com uma tradição própria, legítima, que lhe dê referência, reconhecendo e valorizando as suas origens so- cioculturais, principalmente no caso dos negros. Ao mesmo tempo, desenvolver a sensibilidade pela diferença, exercitando, assim, a convivência e o respeito pelo outro. Finalmente, também deve ser papel da Sociologia fornecer elementos que contribuam na tarefa da individuação, estimulando o jovem a articular as diferentes ex- pressões de sua identidade, a reconhecer seus desejos e a elaborar projetos de futuro. Nessa perspectiva, fica claro que o jovem aluno e sua realidade se colocam como o centro do processo educativo, ponto de partida e de constante mediação com os conceitos e as teorias. Nesse senti- do, as OCEM-Sociologia também contribuem, quando propõem uma interessante articulação entre temas, conceitos e teorias, articulados com a pesquisa em sala de aula. Algumas sugestões para o ensino de Sociologia Uma das recomendações das OCEM-Sociologia é a utilização da pesquisa como tema e como instrumento didático no cotidiano da sala de aula. Já existem experiências significativas nessa direção. Uma delas acontece no trabalho de formação de professores de Sociolo- gia da Faculdade de Educação da UFMG. Na disciplina de Prática de Ensino, vimos desenvolvendo a proposta de ensino por meio do exercício da pesquisa, uma metodologia que contribui, e muito, para a maior aproximação dos conteúdos com a realidade dos jovens alunos, a fim de concretizar os princípios levantados acima. 83 So ci ol og ia – V ol u m e 15 ______. El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la mo- dernidad. Barcelona: Gedisa, 2006. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 1990. FANFANI, Emílio. Culturas juvenis y cultura escolar. Documento apresentado no seminário Escola Jovem: um novo olhar sobre o Ensino Médio, Brasília, 2000. FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas. In: NOVAES, Regina; VANUCHI, Paulo. Juventude e So- ciedade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. GALLAND, Olivier. L’entrée dans la vie adulte en France. Sociologie et Societés, v. 28, n. 1, p. 37-46, 1997. 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A partir daí, a sociedade capitalista industrializada se viu transformada pela constituição de novos tipos de articula- ção entre empresas e países, com forte influência da tecnologia da informação, e com a instituição de um padrão de produção flexível com relação ao trabalho e aos trabalhadores. A exigência de maior competitividade em um mercado cada vez mais globalizado introduziu estratégias de racionalização e redução de custos, com sérias consequências para os níveis de emprego. Postos de trabalho, que tradicionalmente garantiam estabilidade, foram reduzidos drasticamente. A insegurança passou a fazer par- te do cotidiano do assalariado que detém algum tipo de emprego formal. Formas precárias de trabalho, de subcontratação, passaram a ser utilizadas como norma e se incorporaram às propostas das Capítulo 4 Trabalho na sociedade contemporânea José Ricardo Ramalho* * Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 88 se fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas próprias” (BRAVERMAN, 1974, p. 59). Também a introdução de formas mais avançadas de maquinaria, onde a ciência foi incorporada ao processo de trabalho, tanto compôs como complementou o taylorismo no avan- ço da separação entre concepção e execução. Portanto, as tendências do processo de trabalho, sob o princípio-guia do controle gerencial apontavam, por um lado, para a desqualificação e a fragmentação do trabalho; e, por outro lado, apontavam para a criação de um aparato de concepção, no qual predominava a lógica da empresa (BURAWOY, 1985, p. 21; RAMALHO, 1991). Neste modelo, diz Guimarães (2007, p. 134-135), o trabalho tor- nou-se “repetitivo, parcelado e monótono, sendo sua velocidade e ritmo estabelecidos independentemente do trabalhador que o exe- cutava sob uma rígida disciplina”. E, diferentemente do trabalho de execução, o trabalho de concepção das atividades produtivas exigiu alta qualificação, incluindo “o desenho dos produtos, a programação da produção e as tarefas de manutenção e de reparação e sendo realizado isoladamente, fora da linha de montagem”. O padrão de produção fordista, embora não tenha se implan- tado igualmente em todos os países industrializados, tornou-se re- ferência ao longo do século 20, como o modelo mais adaptado à produção em massa e a esta nova fase do processo de acumulação capitalista. Do ponto de vista dos trabalhadores, a desqualificação do trabalho como fonte de poder dentro das fábricas fomentou uma reação e fez crescer mecanismos de resistência operária, assim como credenciou suas organizações – os sindicatos – a serem instituições legítimas de defesa do trabalho e dos salários dentro das fábricas e de atuarem no sentido da formação de uma identidade de classe associada ao trabalho. O período que vai do final da segunda guerra mundial em 1945 até os anos de 1970, com a consolidação do Estado de Bem-Estar Social, pode ser considerado o auge desse período da produção de massa. Crise do fordismo e a implantação do padrão flexível A conjuntura econômica muda nos anos de 1970. Identifica-se uma crise no modelo fordista em função de novas exigências do mercado consumidor, por produtos mais variados e mais adaptados 89 So ci ol og ia – V ol u m e 15 às diferenças culturais e econômicas dos diferentes grupos sociais. A introdução de um novo padrão, flexível, ficou marcada pela di- ferença com a rigidez do padrão fordista. Segundo Harvey (1992, p. 140), este novo padrão “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. Entre suas principais características estão “o surgimen- to de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (HARVEY, 1992, p. 140). A crise do fordismo resultou em um processo de reestrutu- ração produtiva com grande impacto sobre o mundo do trabalho. As expectativas de emprego de longa duração, estimuladas pela organização empresarial relacionadas à produção em massa, foram substituídas por outros tipos de emprego, pelo aumento da insegu- rança no trabalho e pelo crescimento do desemprego. Nesse contexto, o setor industrial se modificou, e se associou cada vez mais com o setor de serviços, este em franco crescimento. Formas de trabalho diferenciadas foram reintroduzidas, em geral precarizando as relações de trabalho e quebrando compromissos anteriores assumidos com o estatuto do assalariamento (leis trabalhistas etc.). A estruturação das empresas em rede, horizontalizada, em subs- tituição à estrutura verticalizada do modelo anterior, a introdução da tecnologia da informação e novas formas de gestão nos processos produtivos, também afetou o modo como os trabalhadores passaram a se relacionar entre si e se organizar enquanto classe. A introdução de novas tecnologias também permitiu uma maior mobilidade das empresas e um aumento no poder dos empregadores sobre sua força de trabalho. Para Harvey (1992, p. 140), “o trabalho organiza- do foi solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível em regiões que careciam de tradições industriais anteriores e pela reimportação para os centros mais antigos das normas e práticas regressivas estabelecidas nessas novas áreas”. Na Sociologia, nesse contexto (RAMALHO, 2000), flexibilidade passa a ser palavra-chave nos textos explicativos (e no discurso empresarial) sobre os processos de reestruturação produtiva, relações de trabalho e ação do Estado. Mas a Sociologia passa também a averiguar as consequências sociais desse processo, a precarização do trabalho e seus efeitos sobre a organização da sociedade. Esta pers- C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 90 pectiva defende a necessidade de um olhar mais crítico sobre esta realidade e entende que o conceito de precarização social pode orien- tar a análise científica sobre uma contradição central das sociedades contemporâneas – a contradição entre processos de modernização percebidos como progresso e processos de regressão social cada vez mais visíveis (APPAY, 1997, p. 509-511). A nova conjuntura do mundo do trabalho expõe uma variedade de situações de trabalho que se criam, dos novos aspectos da divi- são social do trabalho e novos tipos de contrato. O crescimento da participação feminina no mercado de trabalho foi um dos aspectos importantes desse período de reestruturação. Na análise sociológica, o componente de gênero esteve sistematicamente ausente das inter- pretações relativas ao trabalho e aos trabalhadores, mas no padrão flexível ficaram evidentes os efeitos das mudanças no trabalho de modo diferenciado, conforme se trate de trabalhadores homens ou mulheres (HIRATA, 1998, p. 6-9; ABREU, 1994, p. 56). Outro aspecto se refere ao trabalho que se associa à noção de “informal”. Os analistas afirmam que a economia informal não mi- nimiza ou reduz a exploração, mas tem combinado flexibilidade e exploração, produtividade e abuso, empresários agressivos e tra- balhadores desprotegidos. O novo, no presente contexto, seria o crescimento do setor informal, mesmo nas sociedades altamente institucionalizadas, a expensas das relações de trabalho já forma- lizadas (PORTES; CASTELLS, 1994, p. 11-28, entre outros). Para alguns autores, a partir dos anos de 1980, o tema da informalidade transforma-se em elemento-chave de interpretações a respeito do impacto das mudanças na estrutura do mercado de trabalho e suas consequências sociais (MACHADO DA SILVA, 2003). Até mesmo o retorno de formas de trabalho anteriores, como o trabalho em domicílio, comum nos primórdios da revolução in- dustrial foram recuperados na implantação de um novo modelo flexível. Segundo Holzmann (2007, p. 326), “o trabalho industrial em domicílio ressurge como expediente do capital para flexibili- zar o uso da força de trabalho”, consistindo “em tarefas simples e repetitivas, parte ou etapa da produção de um produto complexo, realizada diretamente para uma empresa que produza ou monte o produto final”. Uma das principais críticas ao processo de flexibilização das relações de trabalho está na desvinculação da atividade do traba- 93 So ci ol og ia – V ol u m e 15 minado e por conta própria; o uso intensificado da subcontratação, do trabalho em domicílio e o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, além do crescimento do desemprego; a redução do emprego industrial provocada pelo avanço tecnológico e pela automação; a possibilidade atual das empresas de deslocamento e segmentação de suas atividades; e o uso de novas formas de gestão que enfatizam a participação dos trabalhadores e desestimulam a sindicalização (RODRIGUES, 1999). Como desdobramento, identificam-se também outros tipos de problema: a diferenciação interna das categorias de trabalhadores, com o fim da predominância do trabalhador masculino, e a maior participação das mulheres no mercado de trabalho; a necessidade de representar também os que ficaram fora do mercado de trabalho; a premência de participar de outras instâncias políticas para além do espaço interno das empresas. Nesse debate sobre a crise do sindicato, merece destaque a con- tribuição de Hyman (1996, p. 19) quando contesta a tendência que aponta para a desagregação e o fim do sindicalismo solidário. Para ele, o que vem ocorrendo não é uma crise do sindicalismo, mas uma crise do estilo e orientação tradicionais do sindicalismo. Buscando desmistificar interpretações que apontam para uma situação mais catastrófica, Hyman argumenta que a noção de classe operária sem- pre foi uma abstração, nunca uma descrição ou generalização socio- lógica e que a diferenciação, a divisão e a desunião têm sido traços onipresentes do desenvolvimento sindical. “A solidariedade não é nunca uma qualidade natural ou fixa, sempre é uma meta que, no melhor dos casos, resulta difícil de alcançar e é efêmera” (HYMAN, 1996, p. 19). E finaliza afirmando que, apesar das circunstâncias adversas, segue existindo um espaço para as iniciativas estratégicas dos movimentos trabalhistas, de maneira que seja possível contar com novos meios para transcender as divisões e construir o interesse comum. “O que certamente se requer é uma nova lógica, um novo vocabulário de motivos para a solidariedade dos trabalhadores” (HYMAN, 1996, p. 20-21). A investigação sociológica que trata da crise do sindicato tem levado também à antecipação de cenários, desdobramentos e tendên- cias para o futuro. As alternativas propostas variam, basicamente, entre os cenários que enfatizam mudanças nas atividades sindicais mais tradicionais de representação coletiva e aquelas que sugerem C ol eç ão E xp lo ra n d o o E n si n o 94 uma ampliação de atividades no sentido de incluir a representa- ção de trabalhadores desempregados, precarizados ou excluídos do núcleo central da produção e até de um “sindicalismo comunitário que, juntamente com outros movimentos sociais, voltar-se-ia para atender as necessidades dos que se encontram excluídos do mundo do trabalho” (LARANGEIRA, 1998, p. 181-183). Há certo consenso de que os sindicatos devem adaptar sua orga- nização, estrutura e ação à heterogeneidade do mundo do trabalho, sem, no entanto, negligenciarem as forças que tendem a conservar o sistema de representação coletiva. “A estabilidade da lei trabalhista, a necessidade da representação sindical e a falta de qualquer alterna- tiva para tal representação são todos fatores que tornam a adaptação mais plausível do que uma revolução nas formas de representa- ção coletiva dos trabalhadores” (MINGIONE, 1998). Na verdade, a questão da representação ainda é um problema no contexto atual e a dúvida permanece sobre se os sindicatos serão ou não capazes de representar os interesses de todos os trabalhadores. Para Trentin e Anderson (1996, p. 61-62), [...] comprometer o sindicato nessa nova realidade quer dizer realizar uma verdadeira revolução cultural, porque o sin- dicato deve abandonar uma concepção da representação e da contratação que o tem acompanhado durante toda a sua história, quando o seu objetivo principal era conquistar o monopólio da contratação no lugar de trabalho. [Busca-se] uma contratação coletiva que também assuma a representação de estratos da população e de trabalhadores tradicionalmente excluídos da contratação coletiva e que, igualmente, os de- fenda em diversos terrenos: questões de alojamento, direito a uma seguridade social mínima, igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho. As análises sociológicas sobre o sindicalismo brasileiro nos últi- mos vinte anos têm mostrado um movimento de crescimento insti- tucional e político, iniciado com as greves do ABC paulista no final dos anos de 1970, e confirmado, no início dos anos de 1980, com a criação das Centrais Sindicais, principalmente a Central Única dos Trabalhadores – CUT (CARDOSO, 1999; COMIN, 1994; ANTUNES, 1995; JáCOME RODRIGUES, 1997; ALMEIDA, 1996). A conjuntura 95 So ci ol og ia – V ol u m e 15 em que esses processos se deram permitiu o desdobramento da ação sindical para além do muro das fábricas, associando reivindi- cações econômicas a questões políticas, participando do processo de redemocratização do País e produzindo um tipo de sindicalismo que procurou romper com o atrelamento ao Estado e enfatizou uma prática construída sobre a organização nos locais de trabalho. Os estudos sociológicos dos anos de 1990 e 2000 vêm revelan- do a pressão da reestruturação industrial sobre esse sindicalismo. A avaliação é a de que a introdução de novas formas de gestão da força de trabalho, sobretudo nas empresas associadas a cadeias pro- dutivas globais, em conjunto com transformações na organização da produção e na estrutura de emprego, colocam novas questões, exigindo novas posturas e pondo em xeque a força de barganha acumulada anteriormente. Mas os dados e análises variam conforme os efeitos da rees- truturação sobre os diversos segmentos da economia. Setores mais modernos enfrentam uma ação sindical efetiva cuja eficácia os obriga ao encaminhamento de novas formas de gestão por meio da negocia- ção (CARDOSO, 1999; LEITE, 1997). Na maioria dos outros setores, no entanto, a situação atual aponta para um processo gradativo de precarização do trabalho e fragilização da organização coletiva dos trabalhadores. O movimento sindical passa pela dificuldade de lidar com situações de trabalho diante das quais políticas e estratégias de ação sindical parecem impotentes e incapazes de deter a destruição de direitos e de se relacionar com uma força de trabalho de caracterís- ticas diversas daquela encontrada no pátio das grandes empresas. Conclusão O tema do trabalho na sociedade contemporânea permanece central. A fragmentação de suas atividades, a complexificação da divisão do trabalho e suas novas divisões e qualificações não reduziu a sua importância como fator essencial de manutenção do sistema capitalista nem seu caráter formador de identidades de classe. Natu- ralmente, há diferenças, conforme os contextos dos países, mas mais do que nunca as situações de trabalho se entrelaçam nas atividades produtivas internacionalizadas, transformando questões de direitos em temas internacionais. Tentativas permanentes de desregulamentar o mercado de trabalho, retirar garantias da legislação trabalhista,
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