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Guias e Dicas
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Dicionário da educação profissional em saúde, Notas de estudo de Ciências da Educação

Dicionário da educação profissional em saúde

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 23/02/2013

francisco-soares-37
francisco-soares-37 🇧🇷

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Baixe Dicionário da educação profissional em saúde e outras Notas de estudo em PDF para Ciências da Educação, somente na Docsity! Dicionário daEducação Profissional Saúdeem FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Presidente Paulo Ernani Gadelha Vieira ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO Diretor André Malhão Vice-diretor de Desenvolvimento Institucional Sergio Munck Vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico Isabel Brasil Coordenadora do Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde Monica Vieira AUTORES Alcindo Antônio Ferla – Médico, doutor em Educação pela Universidade Fede- ral do Rio Grande do Sul (UFRS), Consultor da Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A, professor visitan- te/colaborador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pro- fessor adjunto da Universidade de Caxias do Sul. Ana Margarida de Mello Barreto Campello – Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Laboratório de Tra- balho e Educação Profissional em Saú- de da Escola Politécnica de Saúde Joa- quim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) André Mota – Historiador, doutor em História pela Universidade de São Pau- lo (USP) e pós-doutorando bolsista Fapesp em História da Medicina e Saú- de Pública paulistas junto ao Depto de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. André Silva Martins – Doutor em Edu- cação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF, pesquisador do Coletivo de Estudos sobre Política Educacional da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/ Fiocruz) e do Núcleo Educação, Tra- balho e Tecnologia da UFJF. Angélica Ferreira Fonseca – Psicóloga-sa- nitarista, mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sér- gio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), professora e pesquisa- dora da Escola Politécnica de Saúde Jo- aquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos – Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janei- ro (UFRJ), professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Arlinda Moreno – Psicóloga, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Me- dicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), professora e pesquisadora do Labora- tório de Educação Profissional em In- formações e Registros em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Carlos Batistella – Odontólogo, especia- lista em Educação Profissional em Saú- de pela Fundação Oswaldo Cruz e pro- fessor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Carmen Sylvia Vidigal Moraes – Psicólo- ga, pós-doutorado pela Laboratoire Travail et Mobilités e professora da Fa- culdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Claudia Medina Coeli – Médica, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), docente do Departamento de Medici- na Preventiva da Faculdade de Medi- cina e do Instituto de Estudos em Saú- de Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ). Denise Elvira Pires – Enfermeira-sanita- rista, pós-doutorado em Ciências Soci- ais pela University of Amsterdam, pro- fessora do Departamento de Enferma- gem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, do Centro de Ciênci- as da Saúde (CCS) da Universidade Fe- deral de Santa Catarina (UFSC). Domingos Leite Lima Filho – Engenhei- ro elétrico, doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Eduardo Henrique Passos Pereira – Psicó- logo, doutor em Psicologia pela Universi- dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Eduardo Navarro Stotz – Sociólogo, dou- tor em Saúde Pública, pesquisador e professor da Escola Nacional de Saú- de Pública Sérgio Arouca da Funda- ção Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Emerson Elias Merhy – Médico-sanitarista, doutor em Saúde Coletiva pela Universi- dade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica da linha: Micropolítica do Trabalho e Cuidado em Saúde. Gustavo Corrêa Matta – Psicólogo, dou- tor em Medicina Social pela Universi- dade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Hillegonda Maria Dutilh Novaes – Médi- ca pediatra, doutora em Medicina Pre- ventiva pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, coordenadora do Nú- cleo de Informações em Saúde/NIS do Hospital das Clínicas da FM-USP. Inesita Soares de Araújo – Comunicóloga, doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Infor- mação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz). Isabel Brasil Pereira (Coordenadora) – Bióloga, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vice-diretora de Pes- quisa e Desenvolvimento Tecnológico da Escola Politécnica de Saúde Joa- quim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora adjunta da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FEBF/Uerj). Francisco Javier Uribe Rivera – Médico- sanitarista, doutor em Saúde Pública, pesquisador titular do Departamento de Administração e Planejamento de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Gastão Wagner de Sousa Campos – Médi- co, doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular da Univer- sidade Estadual de Campinas, membro de corpo editorial da Trabalho, Edu- cação e Saúde e da Revista Ciência & Saúde Coletiva. Gaudêncio Frigotto – Filósofo e educador, doutor em Ciências Humanas (Educa- ção) pela Pontifícia Universidade Cató- lica de São Paulo, professor titular do Programa Interdisciplinar de Pós-Gra- duação em Políticas Públicas e Forma- ção Humana na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro do Comitê Diretivo do Conselho Latino-America- no de Ciências Sociais (Clacso). Grácia Maria Gondin – Arquiteta e Ur- banista, mestre em Saneamento Ambiental e doutoranda em Saúde Pú- blica pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), e pes- quisadora do Laboratório de Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saú- de Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). 10 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Maria Valéria Costa Correia – Assistente Social, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Marina Peduzzi – Enfermeira, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pro- fessora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Marise Nogueira Ramos – Professora, dou- tora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenado- ra do Programa de Pós-Graduação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Maurício Monken – Professor, doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Funda- ção Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e pesquisador do Laboratório de Educa- ção Profissional em Vigilância em Saú- de da Escola Politécnica de Saúde Joa- quim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Monica Vieira – Socióloga, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Me- dicina Social (IMS/Uerj) e coordena- dora do Observatório dos Técnicos em Saúde, do Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde e do Programa de Pós-Graduação da da Es- cola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Nadya Araújo Guimarães – Socióloga, pós-doutorado pela Massachusetts Institute of Technology (MIT), profes- sora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Naira Lisboa Franzoi – Professora, dou- tora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pro- fessora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nayla Cristine Ferreira Ribeiro – Peda- goga, mestranda em Educação Profis- sional em Saúde pela Escola Politécni- ca de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e bolsista pró-gestão da Biblioteca Virtual em Saúde - Edu- cação Profissional em Saúde (BVS- EPS) da EPSJV/Fiocruz. Ramon de Oliveira – Professor, doutor em Educação pela Universidade Fede- ral Fluminense (UFF) e professor do Programa de Pós-Graduação em Edu- cação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 11 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A Ramon Peña Castro – Economista, pós- doutorado em Economia pela Universidad Autonoma de Madrid e professor colaborador (aposentado) do PPGCSo da Universidade Federal de São Carlos, pesquisador visitante e pro- fessor colaborador do Programa de Pós-Graduação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fun- dação Oswaldo Cruz (EPSJV/ Fiocruz). Regina Duarte Benevides de Barros – Psicó- loga, pós-doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ricardo Burg Ceccim – Enfermeiro-Sani- tarista, doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor do Progra- ma de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Rosana Teresa Onocko Campos – Médica, doutora em Saúde Coletiva pela Uni- versidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora RDIDP da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Roseni Pinheiro – Enfermeira, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Esta- dual do Rio de Janeiro (Uerj) e profes- sora adjunta do Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj). Sarah Escorel – Médica-sanitarista, dou- tora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), inte- grante do Núcleo de Estudos Políti- co-Sociais em Saúde do Departamen- to de Administração e Planejamento em Saúde (Nupes/Daps/Ensp/ Fiocruz), coordenadora do Observa- tório da Conjuntura de Políticas de Saúde da Ensp. Sérgio Lessa - Doutor em Ciências Hu- manas pela Unicamp, professor do Departamento de Filosofia da Uni- versidade Federal de Alagoas (UFAL), membro da Editoria da Re- vista Crítica Marxista. Sergio Munck - Estatístico, mestre em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde pelo Núcleo de Tecnologia Educacional em Saúde da Universida- de Federal do Rio de Janeiro (Nutes/ UFRJ), vice-diretor de Gestão e De- senvolvimento Institucional da Esco- la Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Sônia Regina de Mendonça – Historiado- ra, doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Programa da Pós-Gra- duação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisa- dora do CNPq. Suzana Lanna Burnier Coelho – Pedagoga, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), professora adjunta e diretora de Ensino da Graduação do Centro Fe- deral de Educação Tecnológica de Mi- nas Gerais (Cefet-MG) Túlio Batista Franco – Psicólogo, doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadu- al de Campinas (Unicamp) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Zulmira Maria de Araújo Hartz – Pes- quisadora titular do Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fun- dação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) (aposentada), pesquisadora visitante do  Grupo de Gestão e Avaliação em Saúde (GEAS) do Instituto de Medi- cina Integral Professor Fernando Fi- gueira da Fundação Oswaldo Cruz (IMIP/Fiocruz), consultora do Minis- tério da Saúde. Interdisciplinaridade 263 Itinerários Formativos 269 N Neoliberalismo e Saúde 275 O Ocupação 281 Omnilateralidade 284 P Participação Social 293 Pedagogia das Competências 299 Pedagogia de Problemas 305 Planejamento de Saúde 312 Precarização do Trabalho em Saúde 317 Processo de Trabalho em Saúde 320 Profissão 328 Q Qualificação como Relação Social 335 R Recursos Humanos em Saúde 343 Reestruturação Produtiva em Saúde 348 S Saúde 353 Sistema Único de Saúde 357 Sociabilidade Neoliberal 364 Sociedade Civil 370 T Tecnologia 377 16 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Tecnologias em Saúde 382 Territorialização em Saúde 392 Trabalho 399 Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto 404 Trabalho como Princípio Educativo 408 Trabalho Complexo 415 Trabalho Concreto 419 Trabalho em Equipe 419 Trabalho em Saúde 427 Trabalho Imaterial 433 Trabalho Prescrito 440 Trabalho Produtivo e Improdutivo 445 Trabalho Real 453 Trabalho Simples 460 U Universalidade 465 V Vigilância em Saúde 471 17 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE: referências e conceitos O ano de 2008 é particularmente significativo para o lançamento da segunda edição do Dicionário da Educação Profissional em Saúde, pois neste momento se completam vinte anos da inscrição do Sistema Único de Saúde (SUS) no texto constitucional. Uma conquista demo- crática capitaneada por um amplo movimento social organizado em tor- no da Reforma Sanitária brasileira, marco do desenvolvimento de uma nova forma de pensar e fazer saúde no país, assim como da formação profissional dos trabalhadores técnicos de saúde. O projeto da Reforma Sanitária brasileira tal qual concebido na 8a Conferência Nacional de Saúde, em 1986, foi construído ao mesmo tem- po como uma bandeira específica do setor saúde e como parte de uma totalidade de mudanças. Isso é, diz respeito num primeiro plano ao re- conhecimento da dinâmica do fenômeno saúde-doença em toda a sua extensão por meio dos indicadores de saúde, da organização das insti- tuições que atuam no setor, da produção de medicamentos e equipa- mentos, e da formação dos trabalhadores de saúde. No segundo plano, além da dimensão ideológica, na qual se disputam concepções, valores e práticas, incorpora a dimensão das relações existentes entre a saúde e economia, trabalho, educação, salário, habitação, saneamento, transpor- te, terra, meio ambiente, lazer, liberdade e paz. Originalmente, portanto, o projeto da Reforma Sanitária está imbricado com a perspectiva de reforma social, com a construção de um Estado democrático, para além de uma reforma setorial, ao mesmo tempo que, ao ampliar o referencial 20 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE profissionais, o capital industrial investido nas indústrias farmacêuticas e de equipamentos, o capital financeiro e grandes organismos internaci- onais, que impõem o livre comércio - Organização Mundial do Comér- cio (OMC) e definem políticas sociais subsidiárias e compensatórias - Banco Mundial (BM). Parece consensual entre os interlocutores que, na década de 1990 e início dos anos 2000, a temática da Reforma Sanitária esteve ausente da agenda dos principais fóruns e movimentos sociais que a alavancaram, e que na luta ideológica ocorre um retrocesso importante em relação ao setor saúde nesse período, na medida em que de um valor público, a saúde passa a ser vista como um bem de consumo modulado pelo po- der de compra. Também no setor educacional ocorrem retrocessos, pois desde a década passada verifica-se um estreitamento da relação entre educação e trabalho alienado tornando a escola mais imediatamente in- teressada ou mais pragmática e, embora integre um contingente expres- sivo da classe trabalhadora, o faz de modo a inviabilizar a construção de uma crítica às relações sociais capitalistas. À grande mobilização e às esperanças da década de 1980 seguiu-se, nos anos 1990, uma reversão das expectativas marcada pela radicalização da modernização conservadora e por políticas de reformas do Estado, com o fim de ajustar a economia ao processo de desregulamentação, flexibilização e privatização. Nesse cenário, verifica-se um refluxo dos movimentos soci- ais de cunho democrático e popular, a ‘conversão mercantil-filantrópica da militância’ em torno das organizações não-governamentais (ONGs), a emergência do sindicalismo de resultados, novas formas de privatização na área de saúde, a escassez de recursos, a precarização dos vínculos e de re- muneração dos trabalhadores de saúde, e a crescente precarização das con- dições de trabalho (Fontes, 2008; Santos, 2008). No contexto neoliberal que se instaura na década de 1990 com o governo Collor e se aprofunda no governo FHC, tanto na área da saúde como na educação combina-se um discurso que reconhece a importân- 21 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A cia destas áreas com a redução dos investimentos nas mesmas e apelos à iniciativa privada e ONGs. O discurso neoliberal atribuiu de forma sis- temática que uma das principais causas das desigualdades sociais era a incompetência e a ineficácia governamentais, buscando com isto for- mar um consenso sobre a qualidade da iniciativa privada, com a finalida- de de promover mudanças de comportamento no indivíduo e na socie- dade a favor da privatização e seu corolário, o financiamento pelo Esta- do de ações que seriam executadas pelo setor privado. Nessas condi- ções, o próprio gestor público passa a agir sob a lógica da gerência pri- vada, mudando assim a relação entre a instituição e o usuário. Ele deixa de ser um cidadão investido de direitos e passa a ser um cliente da insti- tuição, o que traduz uma visão privatista da relação do cidadão com o Estado, ao mesmo tempo em que desqualifica a noção de serviço públi- co coletivo e solidário. No outro lado do espectro político, o funcionamento da aparelhagem sindical também foi remodelado para adequação e conformação ao neoliberalismo: procedimentos de ‘reengenharia’ interna; demissão de fun- cionários; busca de eficiência e eficácia econômica (rentabilidade); agenciamento de serviços, como a venda de seguros diversos – contribuin- do para desmantelar a luta pelos direitos universais; a oferta de cursos pa- gos; preparação e adequação de mão-de-obra para a ‘empregabilidade’. É um processo que formata uma nova modalidade de subalternização dos trabalhadores no Brasil, empreendida pelos grandes empresários com a difusão e apoio do ‘sindicalismo de resultados’, atado a uma dinâmica estri- tamente corporativa e de cunho imediatista, tornando os sindicatos parcei- ros dos patrões na ‘gerência dos conflitos’. Nesse contexto, segundo Fontes (2008), o próprio sentido do ter- mo ‘democracia’, revestido de conteúdos socializantes na década de 1980, foi ressignificado como ‘capacidade gerencial’. Isso é, toda e qualquer tentativa de organização dos trabalhadores como classe social deveria ser desmembrada e abordada de maneira segmentada: admitia-se o con- flito, mas este deveria limitar-se ao razoável e ao gerenciável, devendo 22 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE seus protagonistas admitir a fragmentação de suas pautas em parcelas ‘administráveis’. Mais que isso, para a autora, o que ocorre nos anos 1990 é uma mudança do perfil da classe trabalhadora em decorrência da intensificação do desemprego, da rotatividade de mão-de-obra e conse- qüentemente o aumento da concorrência entre os trabalhadores; pelo desmantelamento dos direitos associados às relações contratuais de tra- balho; pela corrosão das organizações sindicais e pelas profundas altera- ções no setor público, iniciadas com as demissões e privatizações. O discurso da incompetência do setor público, ao mesmo tempo que atendeu aos interesses privados ao propor um fictício terceiro setor sob a designação ‘privado porém público’ composto por associações empresariais que concorrem entre elas pelos fundos públicos, permitiu a delegação de responsabilidades do Estado a entes privados em situa- ções casuísticas, como Fundações Privadas de Apoio, Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e outras, imbricando a esfera pública com a esfera mercantil. Na área da saúde especificamente, além da delegação de responsa- bilidades do Estado para cooperativas, ONGs e outras entidades priva- das, a solução negociada do art. 199 da Constituição1 gerou efeitos con- traditórios nos anos 1990, pois, de um lado, a oferta e a produção de serviços públicos e filantrópicos se ampliaram, e a dos hospitais contra- tados reduziram. Por outro lado, a inviabilização da mudança da nature- za dos contratos reatualizou o padrão de compra de serviços e procedi- mentos que se pretendia superar, reconfigurando as relações público- privadas no âmbito do SUS por meio de políticas públicas que apoia- ram e ainda apóiam a privatização da assistência à saúde. Para Bahia (2008), as mudanças definidas por normas governamentais que redefiniram a participação do setor privado no SUS, junto com a criação de fundações privadas pelo setor público e a contratação de consultores, 1 O art. 199 da Constituição define que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, podendo participar de forma complementar do SUS, segundo diretrizes deste e mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. 25 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); a quebra de patentes de medicamentos; e a universalidade do atendimento aos casos de AIDS. Na área de educação, mais recentemente, buscou-se restabelecer o “empate” entre os princípios defendidos em 1988 pelo primeiro projeto de LDB e o Decreto n° 2.208/97, com a aprovação do Decreto n° 5.154/ 2004, que permite a integração do ensino médio com o ensino técnico, entendido como uma condição social e historicamente necessária para a construção do ensino médio unitário e politécnico (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005). Esses avanços em ambas as áreas são resultados de processos con- traditórios, que expressam as lutas em torno de concepções de socieda- de e dessas práticas sociais, e que exigem a permanente análise do pro- cesso histórico-social do qual emergem. A direção que a reforma sani- tária e a perspectiva unitária e politécnica dos ensinos médio e técnico irão tomar vai depender das forças em disputa e da clareza do que está em jogo. Principalmente, no contexto atual em que se explicita cada vez mais a continuidade e consolidação da política econômica de corte neoliberal do governo Lula centrada no ajuste fiscal; de manutenção das políticas compensatórias e focalizadas na área social, na saúde e educa- ção; na política de ‘fazer um pouco mais do mesmo’ no âmbito do SUS, reproduzindo o modelo médico hegemônico centrado no hospital (Paim, 2008); e a difusão de uma nova ‘pedagogia da hegemonia’, complementada pela implementação de um projeto educacional de massificação da edu- cação, viabilizado pela implantação de sistemas diferenciados e hieraquizados de organização educacional e pedagógica (Neves, 2008). Esperamos que a publicação desta segunda edição do Dicionário da Educação Profissional em Saúde continue contribuindo para essa análise. Ele mantém o mesmo objetivo da primeira edição, em 2006, ou seja, de construir e explicitar conceitos e termos organizados em torno de três eixos centrais: ‘trabalho’, ‘educação’ e ‘saúde’, que foram escolhi- 26 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE dos em função de dois critérios. O primeiro em razão de serem concei- tos-chave de importância inconteste no âmbito dessas práticas sociais, como trabalho produtivo e trabalho improdutivo, trabalho complexo e trabalho simples, divisão social e técnica do trabalho, e tecnologia. O segundo por serem conceitos que expressam fenômenos contemporâ- neos, que surgiram para definir práticas atuais do mundo do trabalho em geral e o de saúde e educação, em particular, tais como, empregabilidade, competência, educação politécnica, humanização, uni- versalidade e integralidade. Para esta nova edição foi realizada uma revisão de alguns con- ceitos e agregados 23 (vinte e três) novos. São eles: Avaliação em Saúde, Capital Intelectual, Comunicação e Saúde, Dualidade Educa- cional, Educação Corporativa, Educação em Saúde, Eqüidade, Ex- clusão Social, Gestão do Trabalho em Saúde, Gestão em Saúde, Globalização, Informação em Saúde, Interdisciplinaridade, Omnilateralidade, Participação Social, Planejamento em Saúde, So- ciabilidade Neoliberal, Sociedade Civil, Territorialização em Saúde, Trabalho como Princípio Educativo, Trabalho Imaterial, Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo, e Universalidade. O nosso entendimento ao elaborar esta obra é que o universo de termos de interesse serão sempre passíveis de reatualizações, seja incor- porando novas dimensões aos conceitos descritos, seja agregando no- vos conceitos que emergem dos processos sociais em curso e que am- pliem a nossa capacidade de análise desta mesma realidade. Sendo as- sim, é um tipo de obra que deve ser considerada sempre inacabada. Inspirado em produções científicas comprometidas com o pensamen- to crítico que nega a adaptação ao existente e com a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária, o Observatório dos Técnicos em Saúde, vinculado ao Laboratório do Trabalho e da Educação Pro- fissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), tomou a si a iniciativa de organizar a segunda edição do Dicio- nário da Educação Profissional em Saúde. 27 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A Como na edição anterior, contamos com a participação de profes- sores e pesquisadores da EPSJV, assim como de diversos especialistas convidados para sua elaboração. Estão reunidos aqui um conjunto hete- rogêneo de profissionais que aceitaram o desafio de compartilhar conosco as suas idéias, tais como, arquitetos, assistente social, biólogos, comunicólogos, economistas, educadores, enfermeiros, engenheiros, estatísticos, filósofos, historiadores, médicos, odontólogos, pedagogos, psicólogos e sociólogos. Para a elaboração dos verbetes, partimos da premissa de que a pro- dução, a circulação e a recepção dos textos e dos discursos se dão em contextos específicos que não podem ser ignorados. Se os textos e os discursos se nos apresentam como neutros e naturais, objetivos e trans- parentes, a tradição da ‘crítica da ideologia’ nos lembra que não há texto ou discurso que seja desinteressado, transparente e neutro. O trabalho educativo e a construção de sentidos aqui adotados consistem em des- montar as ilusões ideológicas, apontando para a construção de um co- nhecimento crítico e qualificado. Trata-se, assim, de uma compreensão pautada na idéia de que o pensamento crítico na Educação Profissional em Saúde, quer realizado na escola e/ou nos serviços de saúde, é atra- vessado por redes contraditórias, mensagens, textos, discursos, sinais interessados, conflitos e lutas por visões de mundo diferenciadas. Nessa discussão também é central a noção de que o sentido é construído socialmente na vida social e histórica. Desde Marx, passan- do por todos os ramos e abordagens da teoria crítica, sabemos que o mundo dos sentidos e representações sociais nunca é neutro, transpa- rente e diretamente acessível à consciência do sujeito. Ou seja, toda re- presentação ou sentido social passa necessariamente pela ideologia e pelo imaginário social, o que requer perceber que a crítica do senso comum e das representações não deva caminhar, de forma exclusiva, para uma teoria que se queira apenas científica, como no viés cientificista, excluindo da experiência humana a cultura, a ética, a estética, enfim, a variedade da vida social. 30 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE 31 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A O Brasil possui um sistema de saúde ‘robusto’, apesar de ter pro- blemas, como por exemplo, a questão estrutural do financiamento, o valor da remuneração dos serviços e procedimentos, bem como os de- safios colocados pela responsabilidade sanitária nos diversos níveis da gestão. Seus profissionais necessitam de uma formação qualificada para que possam exercer atividades a que são chamados a responder no pro- cesso de trabalho que desenvolvem nos serviços, principalmente a par- tir da reorientação do modelo assistencial brasileiro. Assim, as iniciati- vas de cunho educacional, como este Dicionário, que contribuem para a realização e aperfeiçoamento das ações desenvolvidas no processo de trabalho em saúde, têm contribuições imediatas e estratégicas para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta publicação, organizada pela Escola Politécnica de Saúde Joa- quim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), apresen- ta verbetes que descrevem e problematizam concepções acerca de edu- cação profissional em saúde, da organização do sistema de saúde brasi- leiro, do processo histórico do trabalho em saúde, entre outras. Esse conjunto de temas perfaz um documento inédito e de relevância indis- cutível para gestores, docentes, pesquisadores, estudantes e trabalhado- res do SUS que se dedicam à construção de um sistema de saúde mais justo, solidário e de qualidade para todos os brasileiros. PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 32 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Dicionário da Educação Profissional em Saúde representa uma experiên- cia acumulada pela EPSJV em seus mais de vinte anos de história. Não é fácil selecionar os verbetes em área tão complexa, nem alcançar a pre- cisão adequada; contudo, o resultado final é muito estimulante e certa- mente contribuirá para o aperfeiçoamento desta área vital dos recursos humanos em saúde no Brasil. Paulo M. Buss Presidente da Fundação Oswaldo Cruz 35 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A inconteste e mesmo sendo recorrentes no âmbito da Educação Profis- sional em Saúde são de conhecimento restrito entre os educadores, pes- quisadores, estudantes jovens e adultos e gestores que têm interesse na formação dos trabalhadores técnicos da saúde. Ao contrário, outros ter- mos e conceitos foram escolhidos por terem surgido recentemente para definir práticas e fenômenos originais do mundo do trabalho em geral e o de saúde, em particular. Sem a pretensão de esgotar o universo de termos de interesse para esse tema e com o entendimento de que qualquer escrito sobre a forma- ção humana, nas suas diversas áreas e perspectivas, deve ser sempre considerado um projeto inacabado, o Observatório dos Técnicos em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), uni- dade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), inspirado em obras científicas comprometidas com o pensamento crítico que nega a adaptação ao existente e com a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária, tomou para si a iniciativa de organizar o pro- cesso de construção coletiva que agora culmina com a publicação deste Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Nesse processo de construção coletiva contamos com a participa- ção de professores-pesquisadores representantes dos diversos grupos de trabalho da EPSJV, que conosco discutiram e indicaram os verbetes prioritários para compor a coletânea, bem como os possíveis autores. Infelizmente, nem todos foram incorporados à presente edição e certa- mente com a divulgação do dicionário muitos outros serão lembrados e indicados para compor uma próxima edição. Para a elaboração dos verbetes, partimos da premissa de que a pro- dução, a circulação e a recepção dos textos e dos discursos se dão em contextos específicos que não podem ser ignorados. Se os textos e os discursos se nos apresentam como neutros e naturais, objetivos e trans- parentes, a tradição da ́ crítica da ideologia’ nos lembra que não há texto ou discurso que seja desinteressado, transparente e neutro. O trabalho 36 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE educativo e a construção de sentidos aqui adotados consistem em desmontar as ilusões ideológicas, apontando para a construção de um conhecimento crítico e qualificado. Trata-se assim de uma com- preensão pautada na idéia de que o pensamento crítico na Educação Profissional em Saúde, quer realizado na escola e/ou nos serviços de saúde, é atravessado por redes contraditórias, mensagens, textos, discursos, sinais interessados, conflitos e lutas por visões de mundo diferenciadas. Nessa discussão também é central a noção de que o sentido é construído socialmente na vida social e histórica. Desde Marx, passando por todos os ramos e abordagens da teoria crítica, sabemos que o mundo dos sentidos e representações sociais nunca é neutro, transparente e diretamente acessível à consciência do sujeito. Ou seja, toda representação ou sentido social passa necessariamente pela ideologia e pelo imaginário social, o que requer perceber que a crítica do senso comum e das representações não deva caminhar, de forma exclusiva, para uma teoria que se queira apenas científica, como no viés cientificista, excluindo da experiência humana a cultura, a ética, a estética, enfim, a variedade da vida social. A partir dessas idéias convidamos os autores que compõem essa coletânea –privilegiando fundamentalmente uma abordagem crítica e qualificada e não uma padronização teórico-metodológica – aos quais foram feitas as seguintes orientações para a escrita dos verbetes: a) ‘linguagem crítica’, sem o mito da neutralidade, problematizando sem- pre que possível os contextos e articulando do particular ao geral na relação trabalho, educação e saúde, escapando das generalidades vazi- as ou discursos herméticos e desnecessariamente confusos; b) ‘historicidade dos conceitos e termos’, tendo como princípio que os conceitos são históricos, portanto construções humanas e não uma verdade natural e imutável; c) ‘relações entre os ideários da sociedade e suas inflexões nas políticas de formação dos trabalhadores técnicos de saúde’, na medida do possível; d) ‘processo de trabalho e o cotidia- 37 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A no dos serviços da saúde’, relacionando, na medida do possível, a formação com o cotidiano dos serviços de modo a não levar a um conformismo com as condições existentes. Finalmente, pensamos que a escrita e a leitura são atos ativos e produtivos, e nesse sentido esperamos que o leitor seja levado a questi- onar e a buscar os significados oferecidos pelos verbetes, e que a divul- gação desse dicionário contribua para a criação de circunstâncias a favor de uma formação dos trabalhadores da saúde que tenha como meta a sua emancipação e o compromisso com o pensamento crítico a favor da saúde e da educação públicas. Os Organizadores 40 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE histórico-sociais, como a cultura, a política e a economia e, conseqüente- mente, localizando suas principais es- tratégias de intervenção no corpo doente. Por outro lado, desde o final do século XIX, o modelo preventivista expandiu o paradigma microbiológico da doença para as populações, consti- tuindo-se como um saber epidemiológico e sanitário, visando à organização e à higienização dos espa- ços humanos. No Brasil, os modelos de atenção podem ser compreendidos em relação às condições socioeconômicas e polí- ticas produzidas nos diversos períodos históricos de organização da socieda- de brasileira. O modelo campanhista – influen- ciado por interesses agroexpor-tadores no início do século XX – baseou-se em campanhas sanitárias para combater as epidemias de febre amarela, peste bubô- nica e varíola, implementando progra- mas de vacinação obrigatória, desinfec- ção dos espaços públicos e domiciliares e outras ações de medicalização do es- paço urbano, que atingiram, em sua mai- oria, as camadas menos favorecidas da população. Esse modelo predominou no cenário das políticas de saúde brasileiras até o início da década de 1960. O modelo previdenciário- privatista teve seu início na década de 1920 sob a influência da medicina li- beral e tinha o objetivo de oferecer as- sistência médico-hospitalar a trabalha- dores urbanos e industriais, na forma de seguro-saúde/previdência. Sua or- ganização é marcada pela lógica da as- sistência e da previdência social, inici- almente, restringindo-se a algumas corporações de trabalhadores e, pos- teriormente, unificando-se no Institu- to Nacional de Assistência e Previdên- cia Social (INPS), em 1966, e amplian- do-se progressivamente ao conjunto de trabalhadores formalmente inseridos na economia (Baptista, 2005). Esse modelo é conhecido também por seu aspecto hospitalocêntrico, uma vez que, a partir da década de 1940, a rede hospitalar passou a receber um volu- me crescente de investimentos, e a ‘atenção à saúde’ foi-se tornando si- nônimo de assistência hospitalar. Tra- ta-se da maior expressão na história do setor saúde brasileiro da concepção médico-curativa, fundada no paradigma flexneriano, caracterizado por uma concepção mecanicista do processo saúde-doença, pelo redu- cionismo da causalidade aos fatores biológicos e pelo foco da atenção so- bre a doença e o indivíduo. Tal para- digma que organizou o ensino e o trabalho médico foi um dos responsá- veis pela fragmentação e hierar- 41 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A quização do processo de trabalho em saúde e pela proliferação das especiali- dades médicas. Nesse mesmo processo, o mode- lo campanhista da saúde pública, pau- tado pelas intervenções na coletivida- de e nos espaços sociais, perde terre- no e prestígio no cenário político e no orçamento público do setor saúde, que passa a privilegiar a assistência médi- co-curativa, a ponto de comprometer a prevenção e o controle das endemias no território nacional. Ao final da década de 1970, diver- sos segmentos da sociedade civil – en- tre eles, usuários e profissionais de saú- de pública – insatisfeitos com o siste- ma de saúde brasileiro iniciaram um movimento que lutou pela ‘atenção à saúde’ como um direito de todos e um dever do Estado. Este movimento fi- cou conhecido como Reforma Sanitá- ria Brasileira e culminou na instituição do SUS por meio da Constituição de 1988 e posteriormente regulamentado pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, chama- das Leis Orgânicas da Saúde. Em meio ao movimento de consolidação do SUS, a noção de atenção afirma-se na tentativa de produzir uma síntese que expresse a complexidade e a extensão da con- cepção ampliada de saúde que mar- cou o movimento pela Reforma Sa- nitária: “Saúde é a resultante das con- dições de habitação, alimentação, educação, renda, meio ambiente, tra- balho, transporte, emprego, lazer, li- berdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. A partir dessa concepção amplia- da do processo saúde-doença, a ‘aten- ção à saúde’ intenta conceber e orga- nizar as políticas e as ações de saúde numa perspectiva interdisciplinar, par- tindo da crítica em relação aos mode- los excludentes, seja o biomédico cu- rativo ou o preventivista. No âmbito do SUS, há três prin- cípios fundamentais a serem conside- rados em relação à organização da ‘atenção à saúde’. São eles: o princípio da universalidade, pelo qual o SUS deve garantir o atendimento de toda a po- pulação brasileira; o princípio da integralidade, pelo qual a assistência é “entendida como um conjunto articu- lado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos (...)” (Brasil, 1990); e o princí- pio da eqüidade, pelo qual esse atendi- mento deve ser garantido de forma igua- litária, porém, contemplando a multiplicidade e a desigualdade das con- dições sócio-sanitárias da população. Em relação à universalidade, o desafio posto à organização da ‘aten- ção à saúde’ é o de constituir um con- Atenção à Saúde 42 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE junto de ações e práticas que permi- tam incorporar ou reincorporar parce- las da população historicamente aparta- das dos serviços de saúde. Da mesma forma, ao pautar-se pelo princípio da integralidade, a organização da ‘atenção à saúde’ implica a produção de servi- ços, ações e práticas de saúde que pos- sam garantir a toda a população o aten- dimento mais abrangente de suas ne- cessidades. Já em relação à eqüidade, a ‘atenção à saúde’ precisa orientar os ser- viços e as ações de saúde segundo o res- peito ao direito da população brasileira em geral de ter as suas necessidades de saúde atendidas, considerando, entretan- to, as diferenças historicamente institu- ídas e que se expressam em situações desiguais de saúde segundo as regiões do país, os estratos sociais, etários, de gênero entre outros. Premido, de um lado, pelas ten- sões geradas por essa pauta de princí- pios e, de outro, pela convivência com os paradigmas do modelo assisten- cialista, o SUS organizou a ‘atenção à saúde’ de forma hierarquizada, em níveis crescentes de complexidade. Segundo essa lógica, os serviços de saúde são classificados nos níveis pri- mário, secundário e terciário de aten- ção, conforme o grau de complexida- de tecnológica requerida aos procedi- mentos realizados. A imagem associada a essa hierarquização é a de uma pirâmide, em cuja base se encon- tram os serviços de menor complexi- dade e maior freqüência, que funcio- nariam como a porta de entrada para o sistema. No meio da pirâmide, es- tão os serviços de complexidade mé- dia e alta, aos quais o acesso se dá por encaminhamento e, finalmente, no topo, estão os serviços de alta com- plexidade, fortemente especializados. Essa tentativa de organizar e racionalizar o SUS, se, por um lado, proporcionou um desenho e um fluxo para o sistema, por outro, refor- çou a sua fragmentação e subva- lorizou a atenção primária como um lócus de tecnologias simples, de bai- xa complexidade. Em contraposição, o modelo de atenção pode constituir-se na resposta dos gestores, serviços e profissionais de saúde para o desenvolvimento de políti- cas e a organização dos serviços, das ações e do próprio trabalho em saúde, de forma a atenderem as necessidades de saúde dos indivíduos, nas suas singu- laridades, e dos grupos sociais, na sua relação com suas formas de vida, suas especificidades culturais e políticas. O modelo de atenção pode, enfim, buscar garantir a continuidade do atendimento nos diversos momentos e contextos em que se objetiva a ‘atenção à saúde’. 45 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A do governo inglês procurou, de um lado, contrapor-se ao modelo flexineriano americano de cunho cu- rativo, fundado no reducionismo bio- lógico e na atenção individual, e por outro, constituir-se numa referência para a organização do modelo de aten- ção inglês, que começava a preocupar as autoridades daquele país, devido ao elevado custo, à crescente complexida- de da atenção médica e à baixa resolutividade. O referido relatório organizava o modelo de atenção em centros de saú- de primários e secundários, serviços domiciliares, serviços suplementares e hospitais de ensino. Os centros de saú- de primários e os serviços domicilia- res deveriam estar organizados de for- ma regionalizada, onde a maior parte dos problemas de saúde deveriam ser resolvidos por médicos com formação em clínica geral. Os casos que o médico não tivesse condições de solucionar com os recursos disponíveis nesse âmbito da atenção deveriam ser encaminhados para os centros de atenção secundária, onde haveria especialistas das mais diversas áreas, ou então, para os hospitais, quan- do existisse indicação de internação ou cirurgia. Essa organização caracteriza-se pela hierarquização dos níveis de aten- ção à saúde. Os serviços domiciliares de um dado distrito devem estar baseados num Centro de Saúde Primária – uma ins- tituição equipada para serviços de medicina curativa e preventiva para ser conduzida por clínicos gerais daquele distrito, em conjunto com um serviço de enfermagem eficien- te e com o apoio de consultores e especialistas visitantes. Os Centros de Saúde Primários variam em seu tamanho e complexidade de acordo com as necessidades locais, e com sua localização na cidade ou no país. Mas, a maior parte deles são forma- dos por clínicos gerais dos seus dis- tritos, bem como os pacientes per- tencem aos serviços chefiados por médicos de sua própria região. (Mi- nistry of Health, 1920) Esta concepção elaborada pelo governo inglês influenciou a organiza- ção dos sistemas de saúde de todo o mundo, definindo duas características básicas da APS. A primeira seria a regionalização, ou seja, os serviços de saúde devem estar organizados de for- ma a atender as diversas regiões nacio- nais, através da sua distribuição a par- tir de bases populacionais, bem como devem identificar as necessidades de saúde de cada região. A segunda carac- terística é a integralidade, que fortale- ce a indissociabilidade entre ações cu- rativas e preventivas. Os elevados custos dos sistemas de saúde, o uso indiscriminado de Atenção Primária à Saúde 46 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE tecnologia médica e a baixa reso- lutividade preocupavam a sustentação econômica da saúde nos países desen- volvidos, fazendo-os pesquisar novas formas de organização da atenção com custos menores e maior eficiência. Em contrapartida, os países pobres e em desenvolvimento sofriam com a iniqüi- dade dos seus sistemas de saúde, com a falta de acesso a cuidados básicos, com a mortalidade infantil e com as precárias condições sociais, econômi- cas e sanitárias. Em 1978 a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) realiza- ram a I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma- Ata, no Cazaquistão, antiga União Sovi- ética, e propuseram um acordo e uma meta entre seus países membros para atingir o maior nível de saúde possível até o ano 2000, através da APS. Essa política internacional ficou conhecida como “Saúde para Todos no Ano 2000”. A Declaração de Alma-Ata, como foi chamado o pacto assinado entre 134 países, defendia a seguinte definição de APS, aqui denominada cuidados primários de saúde: Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde base- ados em métodos e tecnologias prá- ticas, cientificamente bem funda- mentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunida- de, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espíri- to de autoconfiança e autodetermi- nação. Fazem parte integrante tan- to do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvol- vimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indi- víduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente pos- sível aos lugares onde pessoas vi- vem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continu- ado processo de assistência à saú- de. (Opas/OMS, 1978) No que diz respeito à organiza- ção da APS, a declaração de Alma-Ata propõe a instituição de serviços locais de saúde centrados nas necessidades de saúde da população e fundados numa perspectiva interdisciplinar en- volvendo médicos, enfermeiros, partei- ras, auxiliares e agentes comuni-tários, bem como a participação social na ges- tão e controle de suas atividades. O documento descreve as seguintes ações mínimas, necessárias para o desenvol- vimento da APS nos diversos países: educação em saúde voltada para a pre- 47 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A venção e proteção; distribuição de ali- mentos e nutrição apropriada; tratamen- to da água e saneamento; saúde mater- no-infantil; planejamento familiar; imu- nização; prevenção e controle de doen- ças endêmicas; tratamento de doenças e lesões comuns; fornecimento de me- dicamentos essenciais. A Declaração de Alma-Ata repre- senta uma proposta num contexto muito maior que um pacote seletivo de cuidados básicos em saúde. Nesse sen- tido, aponta para a necessidade de sis- temas de saúde universais, isto é, con- cebe a saúde como um direito huma- no; a redução de gastos com armamen- tos e conflitos bélicos e o aumento de investimentos em políticas sociais para o desenvolvimento das populações excluídas; o fornecimento e até mes- mo a produção de medicamentos es- senciais para distribuição à população de acordo com a suas necessidades; a compreensão de que a saúde é o resul- tado das condições econômicas e so- ciais, e das desigualdades entre os di- versos países; e também estipula que os governos nacionais devem protagonizar a gestão dos sistemas de saúde, estimulando o intercâmbio e o apoio tecnológico, econômico e polí- tico internacional (Matta, 2005). Apesar de as metas de Alma-Ata jamais terem sido alcançadas plena- mente, a APS tornou-se uma referên- cia fundamental para as reformas sa- nitárias ocorridas em diversos países nos anos 80 e 90 do último século. Entretanto, muitos países e organismos internacionais, como o Banco Mundial, adotaram a APS numa perspectiva fo- calizada, entendendo a atenção primá- ria como um conjunto de ações de saú- de de baixa complexidade, dedicada a populações de baixa renda, no sentin- do de minimizar a exclusão social e econômica decorrentes da expansão do capitalismo global, distanciando-se do caráter universalista da Declaração de Alma-Ata e da idéia de defesa da saú- de como um direito (Mattos, 2000). No Brasil, algumas experiências de APS foram instituídas de forma incipiente desde o início do século XX, como os centros de saúde em 1924 que, apesar de manterem a divisão entre ações curativas e preventivas, organi- zavam-se a partir de uma base populacional e trabalhavam com edu- cação sanitária. A partir da década de 1940, foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) que realizou ações curativas e preventivas, ainda que res- tritas às doenças infecciosas e carenciais. Essa experiência inicialmen- te limitada às áreas de relevância eco- nômica, como as de extração de bor- racha, foi ampliada durante os anos 50 Atenção Primária à Saúde 50 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE pela hegemonia. Trabalho Educação e Saúde, 3(2) p. 371-396, 2005. MATTOS, R. A. Desenvolvendo e Ofertando Idéias: um estudo sobre a elaboração de propostas de políticas de saúde no âmbito do Banco Mundial, 2000. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IMS/Uerj. MENDES, E. V. Atenção Primária à Saúde no SUS. Fortaleza: Escola de Saúde Pública do Ceará, 2002. MINISTRY OF HEALTH. Interim report on the future provision of medical and allied services. London, 1920. Disponível em: <http:// w w w. s o ch e a l t h . c o. u k / h i s t o r y / Dawson.htm> Acesso em: 25 set. 2006. OPAS/OMS. Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde. 1978. Disponível em: <http:// www.opas.org.br> Acesso em: 12 nov. 2004. STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco Brasil/ Ministério da Saúde, 2004. AVALIAÇÃO EM SAÚDE Zulmira Maria de Araújo Hartz Apesar de se reconhecer que exis- tem inúmeras definições de Avaliação, seus contornos no campo da saúde se delimitam no âmbito das políticas e programas sociais, consistindo funda- mentalmente em aplicar um julgamento de valor a uma intervenção, através de um dis- positivo capaz de fornecer informações cienti- ficamente válidas e socialmente legítimas so- bre ela ou qualquer um dos seus componen- tes, permitindo aos diferentes atores envolvi- dos, que podem ter campos de julgamento di- ferentes, se posicionarem e construírem (indi- vidual ou coletivamente) um julgamento ca- paz de ser traduzido em ação. Este julga- mento pode ser o resultado da aplicação de critérios e normas - avaliação normativa - ou, ser elaborado a partir de um procedimento científico - pesquisa avaliativa (Contandriopoulos, 2006). Sendo uma atividade formalmente utilizada na China há quatro mil anos para recru- tar seus ‘funcionários’, no ocidente tem apenas dois séculos e, do século XIX até 1930 (1a geração), se limitava aos problemas de ‘medidas’ e às aplicações do método experimental (Dubois et al, 2008).  51 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A No domínio da saúde ela surge então, vinculada aos avanços da epidemiologia e da estatística, testan- do a utilidade de diversas intervenções, particularmente direcionadas ao con- trole das doenças infecciosas e ao de- senvolvimento dos primeiros sistemas de informação que orientassem as po- líticas sanitárias nos países desenvol- vidos (Estados Unidos, Alemanha, In- glaterra, França, Grã Bretanha, Suíça etc). O avaliador, nesse primeiro está- gio, é essencialmente um técnico que precisa saber construir e usar os ins- trumentos para medir os fenômenos estudados e, somente no estágio se- guinte (até os anos cinqüenta), come- ça a identificar e descrever os progra- mas, compreender sua estrutura, for- ças e fragilidades para ver se é possível atingirem os resultados esperados e fazer as devidas recomendações para sua implementação. As ‘medidas’ pas- sam a se colocar a serviço da ‘avalia- ção’, mas conceitualmente distintas, e os pesquisadores em ciências sociais exercem um papel cada vez mais im- portante na condução dos estudos avaliatórios considerando o avanço metodológico de suas disciplinas. O terceiro estágio se inicia nos anos 1960 e vai até o final dos anos 1980, com o lançamento do livro de Guba & Lincoln (1989), precursores dessa sistematização histórica, anun- ciando o advento da ‘quarta geração de avaliadores’, que trataremos a seguir. Nesse terceiro estágio predominam a função de ‘julgamento’, como compe- tência fundamental do avaliador, a institucionalização das práticas avaliativas e a emergência das iniciati- vas de profissionalização, como cam- po de conhecimento distinto, eviden- ciadas pelo número crescente das pu- blicações específicas, a emergência das associações de avaliadores internacio- nais e dos padrões de qualidade. A pas- sagem da segunda à terceira geração se justificava, sobretudo, por duas lacu- nas: apreciavam apenas os alcances dos objetivos ex-post, sem questioná-los em seu valor e relevância, não observan- do, portanto, as lacunas dos programas. A quarta geração se coloca como uma alternativa, não excludente, dos referenciais anteriores, mas a avaliação torna-se ela mesma inclusiva e participativa, um processo de negoci- ação entre os atores envolvidos na in- tervenção em que o pesquisador-ava- liador também se coloca como parte e não apenas juiz. Guba & Lincoln (1989), consideravam que pelo menos três problemas comuns comprometi- am as gerações precedentes, unificadas no paradigma positivista, no qual a pro- dução de conhecimento é proprieda- Avaliação em Saúde 52 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE de exclusiva dos especialistas nos mé- todos científicos: 1) apesar da ‘aparen- te’ objetividade por parte dos avalia- dores, a avaliação era predominante- mente uma simples ferramenta gerencial nas estratégias políticas; 2) os julgamentos não tinham em conta o pluralismo de atores envolvidos, com diferentes valores e lógicas de regulação (técnica, política, democrática) dos sis- temas de ação social, nem a influência deles decorrente no desenho e uso dos estudos; 3) privilégio de métodos quan- titativos e das relações direta de causa- lidade, com desconsideração do con- texto e outros elementos ‘não científi- cos’ na busca de se conhecer ‘a verda- de’, ocultando sua contingência e rela- tividade, a moral e a ética do avaliador porque a ciência seria livre de valores. Breve, as interpretações e interações de atores desempenham um papel não somente na produção de re- sultados e julgamentos, mas também no aprendizado como conseqüência da avaliação inclusive para todo corpo social nela interessado. Esses pressu- postos apontam para a emergência da quinta geração de avaliação com parti- cipação da sociedade civil em todas as etapas (Baron & Monnier, 2003). A quinta geração (‘emancipadora’) com- binaria as anteriores, mas ela implica a vontade explícita de aumentar o poder dos participantes graças ao processo de avaliação. Essa abordagem, como as demais, se compromete com a melhoria das políticas públicas, mas também a ajudar os grupos sociais a ela relacionados a melhor compreen- der os próprios problemas e as possi- bilidades de modificá-los a seu favor. Os autores, apoiados em uma longa experiência da avaliação de políticas públicas em diversos países, fundamen- tam seus argumentos concluindo que as chances de utilização dos estudos avaliativos decorrem dessa ‘co-produ- ção’ dos participantes, em que o avali- ador desempenha um papel pedagógi- co de mediador e tradutor do proces- so analítico e seus resultados. Avanços e desafios atuais da avaliação em saúde A quarta geração da avaliação, 20 anos depois, ainda aparece ‘emergin- do’ no campo da saúde. Se a racionalidade positivista, do sujeito exterior ao objeto que estuda, foi par- cialmente superada, até mesmo no dis- curso dos defensores da tradição cien- tífica, ela está de tal forma aculturada que a maioria de nossos pesquisado- res e estudiosos continua assumindo esta forma do ‘ser científico’ em seus 55 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A FURTADO, J. P. Avaliação para conhecimento e transformação. In: BOSI, M. L. M. & MERCADO, F. J. (Orgs.). Avaliação Qualitativa de programas de Saúde. Enfoques Emergentes. Editora Vozes, p.191 – 306, 2006. GUBA, E. G.; LINCOLN, Y. S. Fourth Generation Evaluation. Newbury Park; CA; Sage Publications, Chapter 1: The Coming of Age of Evaluation, p.21- 49; Chapter 7: The Methodology of Fourth Generation Evaluation, p.184- 227, 1989. HARTZ, Z. M. A. Princípios e Padrões em Meta-Avaliação: diretrizes para os programas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 11(3): p. 733-738, 2006. HARTZ, Z. M. A. Evaluation in health: regulation, research and culture in the challenges of institutionalization. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 258-259, 1999. MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.; SOUZA, E. R.(Orgs.) Avaliação por triangulação de métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. VIEIRA DA SILVA, L . M. Conceitos, Abordagens e Estratégias para a Aval iação em Saúde. In : HARTZ, Z. M. A. & VIEIRA DA SILVA, L. M. (Orgs.). Avaliação em Saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de pr ogramas e sistemas de saúde . R io de Jane i ro/Sa lvador : Editora Fiocruz/Edufba, p. 15 – 39, 2005. WORTHEN, B. R.; SANDERS, J.R.; FITZPATRICK, J. L. Avaliação de Programas Sociais. 1ª ed. São Paulo: Instituto Fonte – Gente, 2004. AVALIAÇÃO POR COMPETÊNCIAS Marise Nogueira Ramos A ‘avaliação por competências’ é um processo pelo qual se compilam evidências de desempenho e conheci- mentos de um indivíduo em relação a competências profissionais requeridas. É comum perguntar em que se difere uma ‘avaliação por competên- cia’ da avaliação tradicional. Esta últi- ma, normalmente, está associada a um curso ou programa e costuma ocorrer em etapas, cujos resultados compõem um grau final. Neste caso, a aprovação das pessoas ocorre com base em uma escala de pontos que, por sua vez, pos- sibilita comparações estatísticas. Quan- to aos aspectos avaliados, normalmente Avaliação por Competências  56 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE não se conhecem as perguntas que se- rão feitas, e essas devem ser respondi- das em tempos previamente definidos. Já a ‘avaliação por competências’ defi- ne-se como um processo com vários grandes passos, a saber: a) definição de objetivos; b) levantamento de evi- dências; c) comparação das evidências com os objetivos; d) julgamento (com- petente ou não competente). Este tipo de avaliação centra-se nos resultados do desempenho profissional, realizan- do-se num tempo não previamente de- terminado. Os resultados individuais são comparáveis somente com os cri- térios de desempenho e não com os outros avaliados. A ‘avaliação por competências’ é orientada por normas, definidas como um conjunto de padrões válidos em di- ferentes ambientes produtivos, forne- cendo parâmetros de referência e de comparação para avaliar o que o traba- lhador é ou deve vir a ser capaz de fa- zer. Espera-se que a elaboração e a vali- dação dessas normas sejam pactuadas entre os diversos sujeitos sociais inte- ressados nas competências dos traba- lhadores (governo, empregadores, gestores, trabalhadores, educadores, dentre outros). Além da avaliação, as normas de competências são utilizadas também para orientar a elaboração dos programas de formação (ver verbete Currículos por Competências) e para a execução de ações de orientação ocupacional aos trabalhadores. Quando a ‘avaliação por compe- tências’ é realizada no âmbito de pro- gramas de formação, existe a media- ção pedagógica entre a norma e os pro- cedimentos de avaliação. Nesse caso, a avaliação visa também à regulação das aprendizagens. Por isto, pode ser desenvolvida de forma processual e em paralelo ao processo de formação, de forma que a avaliação das aprendiza- gens permita inferir sobre os objeti- vos de ensino e seus resultados (su- postamente, as competências desen- volvidas). Entretanto, quando desco- lada do processo de formação, a avali- ação constitui-se numa medida da dis- tância que o indivíduo falta percorrer ante a norma. Ainda que todas as formas de ava- liação se refiram ao emprego de evi- dências, cada forma pode ter um pro- pósito diferente. É o propósito que vai definir a natureza e o processo do sis- tema de avaliação. Assim, quando se realiza a avaliação do trabalhador em processo de formação, pretende-se verificar as competências adquiridas durante o processo de aprendizagem, evidenciando a capacidade do indiví- duo de mobilizar e articular, com au- tonomia, postura crítica e ética, seus 57 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A recursos subjetivos, bem como os atri- butos constituídos ao longo do pro- cesso de ensino-aprendizagem – co- nhecimentos, destrezas, qualidades pessoais e valores – a que se recorre no enfrentamento de determinadas si- tuações concretas. Para que a avaliação no processo de formação possa expressar concre- tamente as competências desenvolvi- das pelos indivíduos, é preciso que a formação e a ‘avaliação por competên- cias’ sejam coerentemente planejadas em conjunto. Neste caso, a avaliação cumpre com suas três funções básicas: diagnóstica, formativa e acreditativa (Hernández, 1998). A função diagnóstica inicial per- mite detectar os atributos que os alu- nos já possuem, contribuindo para a estruturação do processo de ensino- aprendizagem a partir do conhecimen- to de base dos mesmos. A avaliação diagnóstica inicial deve tentar recolher evidências sobre as formas de apren- der dos alunos, seus conhecimentos e experiências prévios, seus erros e preconcepções. Caberá ao professor, se possível em conjunto com o aluno, interpretar as evidências, percebendo o ponto de vista do aluno, o significa- do de suas respostas, as possibilidades de estabelecimentos de relações, os ní- veis de compreensão que possui dos objetos a serem estudados. Os instru- mentos utilizados nesse tipo de avali- ação, conjugados entre si ou não, po- dem ser: exercícios de simulação, rea- lização de um microprojeto ou tarefa, perguntas orais, exame escrito. A função formativa da avaliação permite identificar o nível de evolu- ção dos alunos no processo de ensi- no-aprendizagem. Para os professo- res, implica uma tarefa de ajuste cons- tante entre o processo de ensino e o de aprendizagem, para ir-se adequan- do à evolução dos alunos e para esta- belecer novas pautas de atuação em relação às evidências sobre sua apren- dizagem. A análise dos trabalhos pode ser feita não sob a ótica de se estão bem ou mal realizados, mas levando- se em conta a exigência cognitiva das tarefas propostas, a detenção dos er- ros conceituais observados e as rela- ções não previstas, levantando-se sub- sídios para o professor e para o alu- no, que os ajudem a progredir no pro- cesso de apreensão dos conhecimen- tos, desenvolvimento e aprimoramen- to de destrezas, construção de valo- res e qualidades pessoais. Esse mo- mento de avaliação pode utilizar as mesmas estratégias/instrumentos de recolhimento de informação da avali- ação diagnóstica inicial, combinados ou não entre si. Avaliação por Competências 60 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE 61 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A C CAPITAL CULTURAL Lúcia Maria Wanderley Neves Marcela Alejandra Pronko Sônia Regina de Mendonça Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, pioneiro na sistemati- zação do conceito, a segunda mais im- portante expressão do capital, à qual precede apenas o capital econômico portado pelos agentes sociais. Engloba prioritariamente, a variável educacional, embora não se limite apenas a ela. Para o autor, a educação/’capital cultural’ consiste num princípio de di- ferenciação quase tão poderoso como o do capital econômico, uma vez que toda uma nova lógica da luta política só pode ser compreendida tendo-se em mente suas formas de distribuição e evolução. Isto porque, o sistema esco- lar realiza a operação de seleção man- tendo a ordem social preexistente, isto é, separando alunos dotados de quan- tidades desiguais – ou tipos distintos – de ‘capital cultural’. Mediante tais ope- rações de seleção, o sistema escolar se- para, por exemplo, os detentores de ‘capital cultural’ herdado daqueles que são dele desprovidos. Ademais, ao ins- taurar uma cesura entre alunos de gran- des escolas e alunos das faculdades, a instituição escolar, geradora do ‘capi- tal cultural’, institui fronteiras sociais análogas às que separam o que Bourdieu denomina “nobreza” e “sim- ples plebeus”. Essas separações mate- rializam-se, dentre outras, em diferenças de natureza marcada pelo di- reito de os alunos portarem um nome, um título, numa espécie de operação mágica, gerada pelo sentido simbólico inerente a semelhantes atos de classi- ficação. Logo, o ‘capital cultural’/sis- tema escolar resulta de atos de ordenação que, por um lado, institu- em uma relação de ordem – onde os ‘eleitos’ são marcados por sua traje- tória de vida e sua pertinência escolar – e uma relação de hierarquia – onde esses mesmos ‘eleitos’ transmutam-se em ‘nobreza de escola’ ou ‘nobreza de Estado’. 62 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE A entrega de diplomas que, medi- ante cerimônias solenes comparáveis ao ato de sagrar ‘cavaleiros’, possui uma função técnica evidente – a de formar/ transmitir uma competência e selecio- nar os mais competentes tecnicamen- te –, mascara uma função social clara: a consagração dos detentores estatutários do direito (competência) de dirigir. Essa ‘nobreza de escola’ comporta parte significativa dos her- deiros da antiga ‘nobreza de sangue’, que reconverteram seus títulos nobiliários em títulos escolares, justi- ficados pela meritocracia. A instituição escolar, assim, con- tribui para reproduzir tanto a distribui- ção do ‘capital cultural’ quanto a do próprio espaço social. A reprodução da estrutura da distribuição do ‘capital cultural’ se opera na relação entre as estratégias das famílias e a lógica es- pecífica da instituição escolar que outorga, sob a forma de ‘credenciais’, ao capital cultural detido pela família, suas propriedades de posição. Do mesmo modo, milhares de professo- res aplicam a seus alunos categorias de percepção e de análise que serão por eles introjetados e interferirão, fu- turamente, em suas próprias ações sociais. Dentre essas categorias, te- mos, por exemplo, o binômio ‘aluno brilhante/aluno apagado’. Entretanto, a ordem social que as- segura o modo de reprodução da com- ponente escolar tem sofrido graus de tensão consideráveis nas últimas déca- das do século XX com a superprodu- ção de diplomados e a conseqüente des- valorização dos diplomas e das própri- as posições universitárias, que se multi- plicaram sem a abertura de novas car- reiras em proporção equivalente. O ‘capital cultural’ pode existir sob três formas: incorporado, objetivado e institucionalizado. Na primeira moda- lidade, o ‘capital cultural’ supõe um processo de interiorização nos marcos do processo de ensino e aprendizagem, que implica, pois, um investimento de tempo. Desse modo, o ‘capital cultural incorporado’ constitui-se parte inte- grante da pessoa, não podendo, justa- mente por isso, ser trocado instanta- neamente, tendo em vista que está vinculado à singularidade até mesmo biológica do indivíduo. Nesse sentido, está sujeito a uma transmissão heredi- tária que se produz sempre de forma quase imperceptível. Segundo Bourdieu (1997, p. 86), acumulação de capital cultural des- de a mais tenra infância – pressu- posto de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de capa- cidades úteis – só ocorre sem de- mora ou perda de tempo, naquelas 65 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A mos internacionais e pelos governos nacionais como elemento definidor das políticas sociais, com vistas a aliviar a pobreza e fortalecer a coesão social. O conceito de ‘capital cultural’, nessa nova versão, vem sendo difundido na região pelos trabalhos de Bernardo Kliksberg, assessor de diversos organismos inter- nacionais (ONU, OEA, BID, Unesco) e diretor do Projeto da Organização das Nações Unidas para a América Latina de Modernização do Estado e Gerên- cia Social. O ‘capital cultural’, conceito em construção, é o conjunto de elemen- tos da cultura popular utilizados como ingredientes da política social para for- talecer a autoconfiança dos despos- suídos, desenvolver valores de uma nova cultura cívica baseada na colabo- ração de classes e na ética da respon- sabilidade coletiva, contribuir para o desenvolvimento econômico e a coe- são social. Desta perspectiva, a revalorização da cultura dos pobres passa a se constituir em importante instrumento de construção de práticas democráticas baseadas no associa- tivismo comunitário, potencializando energia social criativa. Assim, a despeito da pobreza material, os pobres latino- americanos se transmutariam em ricos de espírito, constituindo-se em reserva- tório da cultura nacional. O ‘capital cul- tural’, segundo esta formulação, pode de- sempenhar uma função integradora, atra- ente e concreta para os jovens que se encontram fora do mercado de trabalho e do sistema educacional. A noção de ‘capital cultural’ visa, portanto, conservar as relações sociais capitalistas, construindo uma nova so- ciabilidade a partir da redefinição da relação entre Estado e sociedade civil, apontando para uma ‘ação integrada’ entre essas duas esferas. Segundo seus formuladores, o ‘ca- pital cultural’ contribui, assim, para a formação da ética da responsabilidade coletiva, para o fortalecimento da sub- jetividade, e consubstancia-se em uma estratégia de recomposição da cidada- nia perdida pelo aumento da desigual- dade, a partir de práticas democráticas baseadas no voluntariado, na ajuda mútua e na concertação social. O desenvolvimento de políticas sociais na América Latina e no Brasil nos anos 2000, inspiradas na utiliza- ção combinada dos conceitos de capi- tal social e de ‘capital cultural’ nessa nova versão, vem-se configurando como instrumento de apassivamento dos movimentos sociais, pela conver- são da sociedade civil de espaço de con- fronto a espaço de colaboração. As po- líticas sociais que têm nesses concei- tos sua diretriz teórica são executadas Capital Cultural 66 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE pelos órgãos governamentais e tam- bém pelos variados aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil, notadamente, os empresários nacionais e transnacionais, as igrejas e, até mes- mo, parcelas da classe trabalhadora. Para saber mais: BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, 1997: o Estado num mundo em transformação. Washington, 1997. BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. BOURDIEU, P. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. México: Siglo Veinteuno, 1997. ENCREVÉ, P. & LAGRAVE, R.-M. (Coords.) Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. FONTES, V. A sociedade civil no Brasil contemporâneo: lutas sociais e luta teórica na década de 1980. In: LIMA, J. C. & NEVES, L. (Orgs.) Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. GARRISON, J. W. Do Confronto à Colaboração: relações entre a sociedade civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil. Brasília: Banco Mundial, 2000. KLIKSBERG, B. Falácias e Mitos do Desenvolvimento Social. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2001. WACQUANT, L. (Coord.) El Mistério del Ministerio: Pierre Bourdieu y la política democrática. Barcelona: Gedisa, 2005. CAPITAL HUMANO Gaudêncio Frigotto A forma mediante a qual o ser humano busca significar ou represen- tar a realidade da qual faz parte traduz- se pela mediação de conceitos, catego- rias, noções ou simplesmente vocábu- los. O pensamento não cria a realida- de como entendia Hegel, mas, pelo contrário, este é o modo mediante o qual os seres humanos buscam apreendê-la e explicitá-la (Marx, 1983, p. 218-229; Kosik, 1986, p. 9-32). O grau de implicação do ser hu- mano é diverso quando busca explicar os fenômenos da natureza ou os fenô- menos sociais ou humanos – respecti- vamente, ‘sociedade das coisas’ e ‘so- ciedade dos homens’, como as deno- minou Gramsci (1978). Em ambos os  67 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A casos, trata-se de um conhecimento histórico e, portanto, sempre relativo. Todavia, a implicação dos seres huma- nos no segundo caso é de natureza di- ferente por duas razões fundamentais: em primeiro lugar porque tratam da realidade por eles produzida e apare- cem, portanto, ao mesmo tempo como sujeito e objeto e, em segundo lugar, porque até o presente as sociedades humanas vêm cindidas em classes so- ciais – vale dizer, portadoras de inte- resses antagônicos. Por isso, como evi- dencia Marx (1977), os pensamentos dominantes historicamente foram os das classes dominantes. Por esta con- dição histórica, os processos de conhe- cimento, consciente ou inconsciente- mente, carregam a origem de classe e, enquanto tais, não são neutros (Lowy, 1978, p. 9-34). A noção de ‘capital humano’, que se afirma na literatura econômica na década de 1950, e, mais tarde, nas dé- cadas de 1960 e 1970, no campo edu- cacional, a tal ponto de se criar um campo disciplinar – economia (políti- ca) da educação –, explicita de forma exemplar as duas razões anteriormen- te expostas sobre a especificidade do conhecimento nas ciências sociais e humanas. Trata-se de uma noção que os intelectuais da burguesia mundial produziram para explicar o fenômeno da desigualdade entre as nações e en- tre indivíduos ou grupos sociais, sem desvendar os fundamentos reais que produzem esta desigualdade: a propri- edade privada dos meios e instrumen- tos de produção pela burguesia ou clas- se capitalista e a compra, numa rela- ção desigual, da única mercadoria que os trabalhadores possuem para prove- rem os meios de vida seus e de seus filhos – a venda de sua força de traba- lho (Frigotto, 2006). A não explicitação dos fundamen- tos reais da desigualdade social não de- corre de uma atitude premeditada ou maquiavélica dos intelectuais da bur- guesia, mas do caráter de classe, de sua forma de analisar a realidade social. Ou seja, presos às representações capita- listas, como nos assinala Marx em di- ferentes passagens de sua obra, os eco- nomistas e intelectuais burgueses per- cebem como se produz dentro da re- lação capitalista, mas não como se pro- duz esta própria relação. Por isso, as abordagens, como veremos a seguir, são de caráter funcionalista, fragmen- tário, pragmático e circular. Com efeito, como explica o eco- nomista Theodoro Schultz (1962), a noção ou conceito de ‘capital huma- no’ por ele elaborado surgiu nos anos de 1956-57 no Centro de Estudos Avançados das Ciências do Compor- Capital Humano 70 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE mesmo, “o ótimo de cada um, racional- mente calculado a longo prazo, consti- tui para o ótimo de longo prazo para todos. O cálculo é a maximização da utilidade” (Hollis & Nell, 1969, p. 8). O que esta concepção de nature- za humana com igualdade e liberdade individual de escolha não revela, ao contrário, mascara, é o processo his- tórico assimétrico que produziu pro- prietários privados de meios e instru- mentos de produção – detentores de capital, classe capitalista – e trabalha- dores cuja mercadoria que dispõem para vender ou trocar no mercado é sua força de trabalho. Da mesma for- ma, esta concepção ignora o processo histórico desigual na constituição das diferentes nações. Uma análise, portan- to, que não reconhece as relações de poder e de dominação e violência ao longo da história e se afirma no pres- suposto falso de uma natureza huma- na abstrata na qual cada indivíduo, in- dependentemente de origem e classe social, faz suas escolhas em ‘iguais con- dições’. Por essa via efetiva-se, ao mes- mo tempo, um reducionismo da con- cepção de ser humano, trabalho, socie- dade, educação e história, de sínteses complexas de relações sociais a fatores. O pressuposto epistemológico que sustenta esta forma de análise é o que Kosik (1986) denominou metafísica da cultura, ou a concepção do fator eco- nômico. Trata-se da concepção de que a sociedade se constitui por um con- junto de fatores cuja soma nos dá a com- preensão da totalidade. Ora um, ora outro fator (o econômico, o político, o cultural, o educacional etc) é utilizado, ad hoc, para explicar o comportamento social. Daí resulta que as explicações acabam sendo circulares. Com efeito, as análises de correlação e de taxa de re- torno permitem concluir que existe re- lação, mas não o que determina a rela- ção. Por isso que a teoria do ‘capital humano’ não consegue responder à questão: os países subdesenvolvidos e os indivíduos pobres e de baixa renda assim o são porque têm pouca escolari- dade ou têm pouca escolaridade por- que são subdesenvolvidos e pobres? So- mente uma análise histórica da escravi- dão, do colonialismo e do imperialismo, por um lado, nos evidenciaria que os países que têm menos escolaridade são aqueles que foram submetidos a um ou a todos estes processos. Por outro lado, quando examinamos quem, no Brasil, por exemplo, é analfabeto ou não atin- giu mais que quatro anos de escolarida- de, vemos que é a grande massa de tra- balhadores de baixa renda. Daí que uma análise histórica nos permite afirmar exatamente ao contrá- rio da ‘teoria do capital humano’: a 71 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A baixa escolaridade nos países pobres deve-se a um reiterado processo his- tórico de colonização, relações impe- rialistas e de dependência mantidas por uma aliança de classe entre os países centro-hegemônicos do capital e da periferia. E o acesso desigual e a um conhecimento desigual para os filhos da classe trabalhadora, igualmente, deve-se a uma desigualdade estrutural de renda e de condição de classe. Por fim, fica evidenciado o ca- ráter limitado da noção ou conceito de ‘capital humano’ pela necessida- de de redefini-lo em face do fato de que, paradoxalmente, inversamente à tendência universal do aumento da escolaridade, há um recrudescimen- to no desemprego estrutural , precarização do trabalho com perda de direitos e, especialmente, em paí- ses dependentes como o Brasil, ofer- ta de empregos que exige trabalho simples e oferece uma baixíssima re- muneração. Com o agravamento da desigualdade no capitalismo contem- porâneo, a noção de ‘capital huma- no’ vem sendo redefinida e ressignificada pelas noções de socie- dade do conhecimento, qualidade to- tal, pedagogia das competências e empregabil idade (Frigotto & Frigotto, 2005; Ramos, 2006). Essas noções acabam por atribuir aos indi- víduos, no bom credo da liberdade de escolha individual, a responsabi- l idade por seu desemprego ou subemprego: “Não sou empregável porque não escolhi um curso que de- senvolveu as competências reconhe- cidas e de ‘qualidade total’’! A conclusão a que podemos che- gar, como analisa Finkel (1977) é a de que ‘capital humano’ é um conceito ou noção ideológica construída para man- ter intactos os interesses da classe de- tentora do capital e esconder a explo- ração do trabalhador. Uma noção que não só não explica, mas sobretudo mascara as determinações da desigual- dade entre nações e entre indivíduos e grupos e classes sociais. Sua crítica, como o das noções de qualidade total, sociedade do conhecimento, pedago- gia das competências e emprega- bilidade, se coloca como tarefa teórica e ético-política imprescindível para aqueles que estão empenhados na su- peração das relações sociais capitalistas. Para saber mais: BECKER, G. S. Human Capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. New York: Columbia University Press, 1964. BLAUG, M. An Introduction to the Economics of Education. New York, s.n., 1972. Capital Humano 72 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE BOWLES, S. & GINTIS, H. The problem with de human capital theory: a marxisme critique. American Economic Review, may 1975. CARNOY, M. Schooling in a Corporate Society: the political economy of education in American. New York: McKay, 1972. DREEBEN, R. On What is Learning in School. Massachusetts: Addison-Wesley Pub. Co., 1968. FINKEL, S. Capital humano: concepto ideológico. In: LABARCA, G. et al. (Orgs.) La Educación Burguesa. México: Nueva Imagen, 1977. FRIGOTTO, G. A Produtividade da Escola Improdutiva. 7.ed. São Paulo: Editora Cortez, 2006. FRIGOTTO, G. & FRIGOTTO, G. Delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional. In: GENTILI, P. (Org.) A Pedagogia da Exclusão. 12.ed. Petrópolis, 2005. GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. HOLLIS, M. & NELL, R. J. O Homem Econômico Racional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. LOWY, M. Método Dialético e Teoria Política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. MARX, K. A Ideologia Alemã. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977. MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1983. PARSONS, T. The school class as a social system: some functions in American Society. In: PAULANI, L. M. Modernidade e Discurso Econômico. São Paulo: Boitempo, 2005. RAMOS, M. N. Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? 3.ed. São Paulo: Editora Cortez, 2006. SCHULTZ, T. O Valor Econômico da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1962. SCHULTZ, T. Capital Humano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. CAPITAL INTELECTUAL Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos Surgida no contexto da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, a Teoria do Capital Inte- lectual caracteriza-se pela afirmação de que o conhecimento é o principal fator de produção da era contemporânea. “A informação e o conhecimento são as armas nucleares da nossa era”  75 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A a acumulação do chamado ‘capital de marca’, representando elemento contábil não somente no que diz res- peito a possíveis isenções fiscais, como, sobretudo, nos ganhos de imagem. Na Teoria do Capital Intelectual, difundida no contexto do chamado Estado mínimo neoliberal, o capital assume para si a função de dirigente de projetos educacionais formais e não-formais, de modo diverso do con- texto gerador da Teoria do Capital Humano, no qual o capital ainda se propunha a utilizar-se do Estado para a execução de seu projeto de forma- ção dos trabalhadores (Schultz, 1973). O deslocamento do papel do Estado para o empresariado na direção e exe- cução, e não apenas na formulação i- deológica de projetos educacionais, se apresenta com a justificativa da mudan- ça de base técnica do trabalho – subs- tituição do modelo fordista pelo mo- delo de acumulação flexível –, geran- do, segundo o discurso hegemônico, a necessidade de um ‘novo trabalha- dor’, formado de acordo com o ethos da empresa. A compreensão da centralidade da questão educacional no discurso do capital nas duas últimas décadas so- mente se torna possível quando situa- da no movimento de restauração hegemônica do bloco dominante em suas múltiplas faces, como a econômi- ca, a política e a técnica. A partir da segunda metade da década de 1980, ainda timidamente, sob o pretexto da crise do fordismo e da implantação de novas bases técnicas do sistema pro- dutivo, o ‘capital intelectual’ (ou sua insuficiência) passa a ser nomeado res- ponsável pelo sucesso ou fracasso no desenvolvimento das forças produti- vas. O apelo freqüente à relação determinista entre empregabilidade, eficiência e competitividade denota, nessa formação discursiva, o esforço pela ocultação das outras dimensões do processo produtivo, como a lógica de acumulação e produção de excedente. No novo modelo, divulgado como símbolo de ruptura com o fordismo e toda a sua carga de ‘desumanidade’, faz-se necessário um ‘novo trabalha- dor’, mais comprometido afetivamente com a organização e com a produtivi- dade, segundo tal formulação, mais humanizada no neofordismo. Não se indaga como será distribuído social- mente o produto de toda a produtivi- dade almejada, entretanto, a campanha pelo engajamento e pela adesão ética do trabalhador aos interesses da em- presa é justificada pelo determinismo tecnológico: novas bases técnicas de produção exigem novo perfil profissio- nal e novo modelo de educação, prefe- Capital Intelectual 76 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE rencialmente protagonizado pelo agen- te mais qualificado para esta tarefa, por ser o principal beneficiário: a empresa. Na década de 1960, na vigência do Estado de Bem-estar Social, desenvol- ve-se a Teoria do Capital Humano, for- mulada por T. Schultz (1973) e poste- riormente desenvolvida por Gary Becker, como tentativa de explicar o va- lor econômico da educação e seus im- pactos sobre a produtividade. Essa teo- ria dizia respeito essencialmente aos cus- tos e às taxas de retorno dos investimen- tos na educação dos trabalhadores. Na década de 1990, quando já en- trava em vigor o modelo neoliberal, de- senvolve-se a Teoria do Capital Intelec- tual. Alega que o conhecimento é fator de produtividade decisivo e central nos novos modelos de produção e de gestão do trabalho. Mais do que a simples reto- mada de uma elaboração teórica gerada em uma fase da hegemonia do capital em que o Estado cumpria papel mais relevante na execução das políticas so- ciais (a Teoria do Capital Humano), os apelos educacionais da classe dominan- te no modelo neoliberal dos últimos anos, no espectro da Teoria do Capital Intelectual, expressam as modificações do próprio papel do estado social no neoliberalismo. Na época do surgimento da Teo- ria do Capital Humano, na fase de acu- mulação marcada pelo Estado de Bem- estar, a relação do capital com o Esta- do permitia uma aliança com o apa- rente protagonismo do segundo na ela- boração das políticas educacionais. Já a relação entre capital e Estado no neoliberalismo ressalta a campanha de desmoralização e desmonte do Esta- do, o que, em parte, justifica a extrema ênfase dada pelo capital e seus repre- sentantes, os organismos internacio- nais, ao papel de sua própria classe na formulação e implementação de polí- ticas e práticas educacionais. Outro fator de distinção entre a Teoria do Capital Humano e a Teoria do Capital Intelectual diz respeito ao antigo problema da inalienabilidade do Capital Humano que preocupava Schultz e seus contemporâneos, que é minimizada com as novas bases técnicas do sistema produti- vo, como as novas tecnologias da informação e da comunicação. Note-se que a sutil mudança de terminologia, de capital humano para capital intelectual representa o avanço da classe hegemônica em seus propó- sitos de objetivação, expropriação e controle do conhecimento. O huma- no pode ser inalienável, mas o intelec- tual pertence à organização. “(...) o que há de novo? Simplesmente o fato da gerência de ativos intelectuais ter se 77 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A tornado a tarefa mais importante dos negócios, porque o conhecimento tor- nou-se o fator mais importante da pro- dução” (Stewart,1998, p. 17). De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), novas formas de gerenciamento, que eles associam ao modelo oriental, adotam a exploração do conhecimento tácito e não do ex- plícito, como no modelo ‘ocidental’. É na apropriação do saber tácito que re- side o ‘segredo’ da formação e preser- vação do capital intelectual. Na últi- ma década desenvolvem-se no cam- po da Economia diversas linhas de pesquisa (como na FGV, por exem- plo) voltadas para a mensuração das taxas de retorno e da quantificação do impacto do investimento em Capital Intelectual. Considerar o conhecimento como fator estratégico da produção e igno- rar sua própria mercantilização e o con- trole de sua produção e distribuição de acordo com a divisão internacional do trabalho levaria a uma concepção acrítica da relação capital-trabalho- conhecimento-poder. Além de obscu- recer o antagonismo de classes e o pro- blema da propriedade privada dos mei- os de produção. Para saber mais: NONAKA, I . ; TAKEUCHI, H . Criação de Conhecimento na Empresa: como as empr esas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997. SANTOS, A. F. T. dos. Teoria do capital intelectual e teoria do capital humano: Estado, capital e trabalho na pol í t ica educacional em dois momentos do processo de acumulação. In: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Anais eletrônicos da 27 a Reunião Anual . Caxambu: Minas Gerais, 2004. Disponível em: http:// www.anped.org.br/reunioes/27/ gt09/t095.pdf Acesso em: 12 de fev. 2007. SCHULTZ, T. O Capital Humano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. STEWART, T. A. Capital Intelectual – A nova van tag em compe t i t i va das empr esas . 10 a ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. SVEIBY, C. É . A nova riqueza das organizações. Rio de Janeiro: Campus, 2001. Capital Intelectual 80 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE chiques, escolas seletas etc.) ou práti- cas (jogos de sociedade, esportes chi- ques etc.) que reúnem os indivíduos mais homogêneos do ponto de vista da pertinência ao grupo. Por outro, ela é tributária do trabalho de sociabilida- de, por meio do qual se reafirma, in- cessantemente, o reconhecimento, pressupondo investimento de tempo, esforços e mesmo do capital econô- mico. O resultado desse trabalho de acumulação do ‘capital social’ será maior quanto mais importante for esse capital, e seu limite é representa- do pelos detentores de um ‘capital social herdado’. Na medida em que o ‘capital so- cial’ não conta com instituições que propiciem a concentração nas mãos de um só agente da totalidade do ‘capital social’ que funda a existência do gru- po – através da representatividade –, cada agente participa do capital coleti- vamente possuído, ainda que existam assimetrias entre eles, posto existir, sempre, uma concorrência interna ao grupo pela apropriação do ‘capital so- cial’ produzido. Para circunscrever es- sas concorrências – leia-se conflitos – a limites que não comprometam a acu- mulação do ‘capital social’ fundante dos vários grupos, estes regulam entre seus participantes a distribuição do direito de instituir-se delegado do gru- po. Os mecanismos de delegação/ representação impostos como precondição da concentração do ‘ca- pital social’ contêm, assim, o que Bourdieu chama de “princípio de des- vio do capital que eles fazem existir”. Por certo, este tipo de capital tan- to pode ser utilizado com vistas à as- censão social quanto com vistas à ma- nutenção de uma dada posição. No entanto, o ‘capital social’ acumulado por meio de determinadas estratégias não pode ser facilmente reconvertido por meio de estratégias distintas, já que a mudança destas põe em questão o próprio valor do ‘capital social’. Logo, além de relacionalmente construído e percebido, o ‘capital social’ é sempre ‘potencial’, uma vez que, embora sugi- ra a possibilidade de ser investido, não oferece a certeza da obtenção dos be- nefícios almejados. Importa sinalizar que um dado elemento não pode ser definido, a priori, como capital cultural ou ‘social’, só podendo ser considerado enquanto tal na medida em que demonstre a obten- ção de benefícios. Nesse sentido é que podemos considerar as estratégias educativas de determinados setores como apostas na acumulação potenci- al de ‘capital social’ e cultural. Na segunda metade dos anos de 1990, os organismos internacionais 81 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A (Banco Mundial, BID, Unesco) ressignificaram o conceito para incorporá-lo à sua estratégia de desen- volvimento social para os anos iniciais do século XXI. O ‘capital social’ ad- quire nesse contexto importância fun- damental na redefinição do papel eco- nômico e de legitimação social do Es- tado contemporâneo. Na América La- tina, perante a constatação do aumen- to da miséria e dos conseqüentes ris- cos à paz social na região, o conceito foi introduzido pelos organismos in- ternacionais e pelos governos nacio- nais como elemento definidor das po- líticas sociais, com vistas a aliviar a pobreza e fortalecer a coesão social. Inicialmente o conceito de ‘capital so- cial’ nessa nova versão foi formulado nas universidades norte-americanas através dos estudos de James Coleman e Robert Putnam que datam da primei- ra metade da década de 1990. Essa for- mulação foi retomada por Anthony Giddens na sua proposta da “nova so- cial democracia” (a terceira via) e pos- teriormente sistematizada, para a Amé- rica Latina, por intelectuais orgânicos dos organismos internacionais como Bernardo Kliksberg e Norbert Lechner. Segundo esta nova formulação, ainda em construção, o ‘capital social’ é o conjunto de elementos da organi- zação social, encarnados em normas e redes de compromisso cívico, que constitui um pré-requisito para o de- senvolvimento econômico assim como para um governo efetivo. São elementos básicos do ‘capital social’ a autoconfiança que gera a confiança so- cial, as normas de reciprocidade (associati-vismo) e as redes de com- promisso cívico (responsabilidade so- cial). Especificamente na América La- tina, o conceito de ‘capital social’ é di- rigido às comunidades locais e às po- pulações pobres. A noção de ‘capital social’ visa, portanto, a conservar as relações soci- ais capitalistas, construindo uma nova sociabilidade a partir da redefinição da relação entre Estado e sociedade civil, apontando para uma ‘ação integrada’, baseada na colaboração, entre essas duas esferas. Segundo seus formuladores, o ‘ca- pital social’ é, assim, um instrumento para formação da ética da responsabili- dade coletiva, de fortalecimento da sub- jetividade e uma estratégia de recompo- sição da cidadania perdida pelo aumen- to da desigualdade, a partir de práticas democráticas baseadas no voluntariado e na concertação social. O ‘capital soci- al’ é, ainda, um componente intangível do desenvolvimento econômico. O desenvolvimento de políticas sociais na América Latina e no Brasil Capital Social 82 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE nos anos 2000, inspiradas na utilização deste conceito, vem-se constituindo em instrumento de apassivamento dos mo- vimentos sociais, pela conversão da so- ciedade civil de espaço de confronto a espaço de colaboração. Elas são execu- tadas diretamente pelos órgãos gover- namentais e indiretamente pelos varia- dos parceiros na sociedade civil, notadamente, os empresários nacionais e transnacionais, as igrejas e, até mes- mo, parcelas da classe trabalhadora. Para saber mais: BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, 1997: o Estado num mundo em transformação. Washington, 1997. BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. BOURDIEU, P. O capital social – notas provisórias. In: CATANI, A. & NOGUEIRA, M. A. (Orgs.) Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998. FONTES, V. A sociedade civil no Brasil contemporâneo: lutas sociais e luta teórica na década de 1980. In: LIMA, J. C. & NEVES, L. (Orgs.) Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. GARRISON, J. W. Do Confronto à Colaboração: relações entre a sociedade civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil. Brasília: Banco Mundial, 2000. KLIKSBERG, B. Falácias e Mitos do Desenvolvimento Social. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2001. LAHIRE, B. (Dir.) El Trabajo Sociológico de Pierre Bourdieu – deudas y críticas. Buenos Aires: Siglo Veinteuno, 2005. LECHNER, N. Desafíos de un desarrollo humano: individualización y capital social. In: KLIKSBERG, B. & TOMASSINI, L. (Orgs.) Capital Social y Cultura: claves estratégicas para el desarrollo. Argentina: BID e Fondo de Cultura Económica de Argentina, S. A., 2000, p. 19-58. PINTO, L. Pierre Bourdieu e a Teoria do Mundo Social. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 85 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A Competências) e a avaliação das com- petências. Discute-se, ainda, sobre a validade dos certificados e sua coerên- cia com o quadro formalizado da divi- são técnica e social do trabalho, nor- malmente explicitadas em termos de grades de classificação ou catálogos de ocupações. A implantação de um sis- tema desse tipo acaba exigindo que se reformule e se atualize essa classifica- ção. Este procedimento pode ser for- mal e pouco perturbador ou compre- ender mudanças significativas, tanto no plano operacional quanto conceitual. Neste último caso, pode vir a se mate- rializar nos códigos das profissões e do exercício do trabalho. A noção de com- petência como ordenadora da gestão do trabalho acaba se concretizando na medida em que consegue promover reconfigurações materiais também nos processos formativos. No Brasil, a instituição da ‘certificação de competências’ foi introduzida pelo Decreto n. 2.208/97, com finalidades mais voltadas para o sistema educacional do que para as re- lações de trabalho. A determinação, nesse sentido, exigia que os sistemas federal e estaduais de ensino imple- mentassem, por meio de exames, a ‘certificação de competências’, que possibilitaria tanto a dispensa de disci- plinas e módulos em cursos de habili- tação do ensino técnico quanto a equi- valência entre o conjunto de certifica- dos de competência e respectivas dis- ciplinas e/ou módulos que integram uma habilitação, conferindo o diplo- ma correspondente. Tal determinação teve como base o artigo 41 da Lei n. 9.396/96 (LDB), que reconhece a pos- sibilidade de avaliar, reconhecer e cer- tificar, para prosseguimento ou conclu- são de estudos, o conhecimento adqui- rido na educação profissional, inclusi- ve no trabalho. Sob esta ótica, a ‘certificação de competências’ torna- se-ia um instrumento a mais na estru- tura da educação profissional, mas não eliminaria ou substituiria os títulos re- lativos às qualificações profissionais. Argumentos a favor da ‘certificação de competências’ são apre- sentados em duas perspectivas. Sob a primeira, destaca-se a importância de valorizar a experiência profissional e o autodidatismo dos trabalhadores, con- siderado como um potencial humano que tem permanecido oculto e que pre- cisa ser adequadamente identificado, avaliado, reconhecido, aproveitado e certificado (Parecer CEB/CNE, n. 17/ 97). Sob a segunda perspectiva, a ‘certificação de competências’ permi- tiria tanto um atendimento mais flexí- vel e rápido das necessidades do mer- cado de trabalho quanto uma constante Certificação de Competências 86 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE atualização de perfis profissionais e res- pectivas formas de avaliação de compe- tências em face das constantes inovações tecnológicas e organizacionais do mun- do do trabalho. Com base nesses argu- mentos, a ‘certificação de competências’ constituiria mais um instrumento para a democratização da educação profissio- nal, por abrir possibilidades de forma- ção inicial, continuada e técnica de tra- balhadores, empregados ou não. A certificação complementaria e, em deter- minados casos, dispensaria, freqüência a cursos e programas de educação profis- sional. Por outro lado, o reconhecimen- to do saber tácito do trabalhador corresponderia a um direito importante no âmbito da educação de jovens e adul- tos trabalhadores. A Resolução CNE/CEB n. 4, de 1999, em seu artigo 16, disciplinou que o MEC, em conjunto aos demais órgãos federais das áreas pertinentes, ouvido o Conselho Nacional de Educação, orga- nizaria um sistema nacional de certificação profissional baseado em com- petências. Previa, ainda, que desse siste- ma participariam representantes dos tra- balhadores, dos empregadores e da co- munidade educacional. A institucionalização de um siste- ma de certificação profissional exige um debate aprofundado sobre a ameaça de este se constituir como um dispositivo não democrático, mas sim excludente para os trabalhadores. De fato, uma das referências teórico-metodológicas de um sistema desta natureza visa gerar novos instrumentos técnicos com uma funci- onalidade voltada para resolver proble- mas de competitividade, oportunidades e hierarquias sociais, desvalorizando os tí- tulos profissionais em nome de compe- tências flexíveis e renováveis permanen- temente. Neste caso, a certificação não proporcionaria o reconhecimento dos co- nhecimentos dos trabalhadores, assegu- rando-lhes o direito ao acesso ao sistema educacional e à negociação trabalhista a partir de seus saberes. Ao contrário, os certificados corresponderiam a mecanis- mos de classificação, seleção e exclusão do mercado de trabalho. Para saber mais: BRASIL. CNE/CEB. Resolução n. 04/ 99. Institui as diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília, 1999. BRASIL. CNE/CEB. Parecer n. 17/97. Dispõe sobre as diretrizes operacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília, 1997. RAMOS, M. N. A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. 87 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL Carmen Sylvia Vidigal Moraes A reestruturação capitalista das últimas décadas introduziu mudanças que atingiram o conjunto da vida soci- al. As inovações tecnológicas, as novas formas de organização do trabalho e a flexibilização levaram à rede-finição das qualificações, das iden- tidades profissionais, individuais e co- letivas. Ao mesmo tempo, o aumento persistente do desemprego e do em- prego informal, da precarização/ informalização do trabalho aprofun- daram a exclusão social. Nessa conjuntura, a educação e a formação profissional constituem al- gumas das principais medidas destina- das, em um primeiro momento, a com- bater as desigualdades entre empresas, produzidas pela competiti-vidade eco- nômica, por meio da adaptação dos tra- balhadores às mudanças técnicas e às condições de trabalho; e, em momen- to posterior, ao atendimento de cate- gorias e grupos de trabalhadores ame- açados pela desqualifi-cação profissio- nal e pelo desemprego. Estratégias de ‘adequação forma- ção-emprego’, defendidas pelas abor- dagens econômicas neoclássicas, marginalistas das teorias do ‘capital humano’ passam a ser dominantes nas recomendações dos organismos inter- nacionais e nas agendas governamen- tais, as quais difundem programas de formação que visam garantir ‘empregabilidade’, isto é, possibilitar, a cada um, o acréscimo individual de capital humano para sua adaptação às novas condições de trabalho e/ou para o sucesso da empresa. Nessas circuns- tâncias, a promoção do desenvolvi- mento das ‘competências’ no trabalho e na formação, assim como sua certificação, constituem elementos- chave da ‘modernização’ econômica e terão amplas implicações na definição e organização das políticas nacionais de educação e formação, no reconhe- cimento e certificação das atividades profissionais, na oferta dos serviços de formação. Como indicam documentos da Organização Internacional do Traba- lho (OIT), até os anos 70 do século XX, a certificação de conhecimentos aparecia associada à formação, isto é, era expedida no final de um processo de ensino sistemático, após o aluno ter 90 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Nacional de Metrologia Qualidade In- dustrial (Conmetro) e do Instituto Na- cional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér- cio Exterior, criado em 1973, autorizan- do-os a conceder a marca de conformi- dade a produtos, processos e serviços. De acordo com o decreto n. 4.630, de 2003, que aprova a estrutura regi- mental do Inmetro como órgão exe- cutivo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualida- de Industrial/Sinmetro, é sua finalida- de “coordenar a certificação compul- sória e voluntária de produtos, de pro- cessos, de serviços e a certificação volun- tária de pessoas” (Anexo I, cap. I, inciso VIII). Este dispositivo delega ao Inmetro a atribuição de realizar o credenciamento de instituições para certificação (voluntária) de pessoal no âmbito das avaliações de qualidade/ conformidade, tendo como base os critérios elaborados por organismo privado, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o que deu origem a interpretações tendenciosas por parte dos defensores da organiza- ção de um sistema privado de certificação profissional, os quais vi- ram, no dispositivo, a oportunidade de constituição de tal sistema. É possível notar, portanto, que houve, na última década, uma ofensi- va do empresariado no sentido de cri- ar um sistema de certificação (de com- petências) que transferisse a responsa- bilidade do Estado para o setor priva- do e excluísse a participação negocia- da com a representação dos trabalha- dores. Como resultado, tais políticas de certificação realizam-se hoje de forma isolada, desvinculadas das políticas de educação profissional e de certificação de escolaridade. Visando intervir nesse quadro político e social complexo, em conso- nância com o Plano Plurianual 2004- 2007 do Governo Lula, a “política pú- blica de qualificação social e profissio- nal” do MTE propõe criar, no país, um marco nacional das qualificações com o objetivo de regulamentar o mercado de formação e de ‘certi-ficação profis- sional’ existente. Define a ‘qualificação profissional e social’ como direito dos trabalhadores brasileiros, cuja universalização pressupõe o atendi- mento dos segmentos considerados mais vulneráveis econômica e social- mente, os que apresentam maior difi- culdade de inserção no mercado de tra- balho, que têm sido alvo de processos de exclusão e discriminação sociais – como as de gênero e etnia, além das geracionais e de pessoas portadoras de 91 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A necessidades especiais (Plano Nacio- nal de Qualificação/PNQ/MTE, 2003 -2004). O conceito de marco nacional das qualificações, introduzido pela Reco- mendação 195 da Conferência Inter- nacional do Trabalho da OIT, de 2004, é de uso recente e sua adoção expressa o compromisso da realização de uma política nacional para promover o de- senvolvimento, a aplicação e o finan- ciamento de um mecanismo transpa- rente de avaliação, certificação e re- conhecimento dos saberes profissi- onais obtidos por uma pessoa via educação formal ou informal (Cinterfor/OIT, 2006). Para suprir a ausência de uma po- lítica pública nacional de ‘certificação profissional’ de conhecimentos, que normatize e regule experiências, pro- postas, programas e projetos de ‘certificação profissional’ vinculados aos diversos ministérios, órgãos fede- rais, entidades e segmentos sociais, o MTE, desde 2003, vem desenvolven- do esforços em conjunto com diver- sos agentes governamentais e sociais, com vistas a organizar institucio- nalmente a ‘certificação profissional’ como atribuição do Sistema Público de Emprego e articulado aos Sistemas Nacional de Educação. Para tanto, foi instituída, em 2004, a Comissão Interministerial sobre Qualificação e Educação Profissional, composta pe- los Ministérios da Educação, do Tra- balho e Emprego, da Saúde, Ministé- rio do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Ministério do Turismo e pelos Conselhos Nacionais de Educação e do Trabalho, sob a co- ordenação-geral, exercida alternada- mente, do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Emprego. A iniciativa nasce, sobretudo, se- gundo o Termo de Referência para ela- boração de instrumento legal de cria- ção do Sistema Nacional de Certificação Profissional (MTE/OIT, 2004), da preocupação em criar um mar- co regulatório integrado que valide os processos de certificação existen- tes, realizados por instituições pú- blicas ou privadas, no âmbito das relações de trabalho, na relação e equivalência com os diferentes ní- veis de escolarização e das normas de conformidade, buscando dirimir sobreposições de competências e dispersão de atribuições entre dife- rentes órgãos governamentais. No âmbito do MTE, a qualifica- ção social e profissional é definida como uma construção social e, portan- to, histórica, ou seja, “como relação social construída pela interação dos agentes sociais do trabalho em torno da propriedade, significado e uso do Certificação profissional 92 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE conhecimento” (Lima & Lopes, 2005). Dessa maneira, o conceito ressalta a importância de outros contextos socioculturais para além dos espaços de trabalho, e a natureza individual e coletiva da qualificação profissional. Trata-se de um processo de constru- ção/reconstrução contínua de aquisi- ção de saberes, representações, proce- dimentos necessários para fazer frente às situações e condições de trabalho, em geral suscetíveis de modificação ao lon- go do tempo e de sociedade para socie- dade. Existe, portanto, no processo de construção da qualificação social e pro- fissional, dimensões de ordem psico- comportamental e sociocultural com recortes de gênero, etnia, classe etc. Há dimensões de racionalidade e subjeti- vidade, elementos de construção de identidades (individuais e coletivas). O Sistema Nacional de Certificação Profissional (SNCP) con- cebe a ‘certificação profissional’ como “processo negociado pelas represen- tações sociais e regulado pelo Estado”, por meio do qual se “identifica, avalia e valida conhecimentos, habilidades e aptidões profissionais do(a) traba- lhador(a) adquiridos na freqüência a cursos ou atividades educacionais ou na experiência de trabalho”. Ao con- trário do programa de certificação do Inmetro, em que os certificados emiti- dos são exclusivamente profissionais, não existindo correspondência com escolaridade, a certificação proposta pelo MTE é considerada como par- te do processo de orientação e for- mação profissional, e não pode “se opor, sobrepor ou substituir” a for- mação profissional. No campo da educação escolar, duas novas medidas do MEC conver- gem com os objetivos propostos pelo MTE. O decreto n. 5154, de 2004, que revogou o decreto n. 2208, de 1997, resgata as bases unitárias do ensino médio, e, em consonância com reivin- dicações de entidades de educadores e do movimento popular, dispõe sobre a oferta da formação profissional ini- cial e continuada (a antiga educação profissional básica) em todos os níveis de escolaridade, por meio de itinerári- os formativos. Introduz, pela primeira vez, a definição de itinerário formativo, considerado como “o conjunto de eta- pas que compõem a organização da educação profissional em uma deter- minada área, possibilitando o aprovei- tamento contínuo e articulado dos es- tudos” (art. 3.). Tais regulamentações legais foram complemen-tadas pelo decreto 5.840, de 2006, que institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissio- nal com Educação Básica, na modali- 95 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A O termo Comunicação e Saúde, portanto, delimita um território de dis- putas específicas, embora atravessado e composto por elementos caracterís- ticos de um, de outro e da formação social mais ampla que os abriga. Trata- se de um campo ainda em formação, mas como os demais constitui um uni- verso multidimensional no qual agen- tes e instituições desenvolvem estraté- gias, tecem alianças, antagonismos, negociações. Essa concepção implica colocar em relevo a existência de dis- cursos concorrentes, constituídos por e constituintes de relações de saber e poder, dinâmica que inclui os diferen- tes enfoques teóricos acerca da comu- nicação, saúde e suas relações. Contra- põe-se, assim, a perspectivas que redu- zem a comunicação a um conjunto de técnicas e meios a serem utilizados de acordo com os objetivos da área da saú- de, notadamente para transmitir infor- mações de saúde para a população. A formação do campo O que hoje denominamos Comu- nicação e Saúde resulta, então, da asso- ciação de campos que, embora irredutíveis um ao outro, possuem um longo histórico comum de agencia- mentos. Podemos tomar como marco a institucionalização das práticas de co- municação, com a criação, em 1923, do Serviço de Propaganda e Educação Sa- nitária, no interior do Departamento Nacional de Saúde Pública, ainda no contexto do que se tornou conhecido como Reforma Carlos Chagas. O ser- viço abriu espaço para as atividades que buscavam a adesão da população para as medidas preconizadas pelas autori- dades sanitárias, voltadas principalmente para a higiene pessoal e pública, saúde da criança e da mulher gestante. A as- censão do modelo bacteriológico – com a descoberta de agentes patológicos es- pecíficos para cada doença e processos de transmissão – contribuiu para a ên- fase crescente nas medidas individuais de higiene, enquanto as medidas mais abrangentes sobre as condições socio- ambientais foram paulatinamente secundarizadas. À época, educar, higienizar e sanear eram as palavras de ordem, profundamente articuladas ao intenso debate sobre o projeto nacio- nal. Isso não significou, contudo, a eli- minação das medidas coercitivas, carac- terísticas das campanhas sanitárias do início do século XX, cujas grandes re- sistências potencializaram vários movi- mentos, que culminaram na Revolta da Vacina (Cardoso, 2001). Desde então, atravessando dife- rentes conjunturas sociais, políticas e Comunicação e Saúde 96 DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE sanitárias e relacionando-se com dis- tintas formas de conceber o processo saúde-doença, a comunicação passou a habitar as atividades de saúde, prin- cipalmente relacionadas às ações de prevenção, chamada a lutar contra a ‘ig- norância’, espécie de vala comum que passou a receber toda e qualquer resis- tência às medidas sanitárias. No entanto, as práticas de comu- nicação nunca representaram a utiliza- ção de instrumentos supostamente neutros, mas expressaram também a convergência entre determinados mo- delos e concepções de ambos os cam- pos. Assim, no sanitarismo campanhista das primeiras décadas do século XX predominaram as práticas de difusão de medidas de higiene, an- coradas em teorias de comunicação de fundo behaviorista, que estabeleciam uma relação causal e automática entre estímulo e resposta: uma vez exposto a uma mensagem, o indivíduo – o ‘pú- blico-alvo’ – reagiria de acordo com os objetivos do emissor. No período en- tre guerras, com Vargas, o Brasil expe- rimentou uma inédita política de co- municação governamental, importan- te na tessitura ideológica do novo regi- me, da nova nação e do novo homem brasileiro. Estimulados pela visão mun- dial da propaganda como eficaz ferra- menta na “gestão governamental das opiniões” (Lasswell apud Mattelart e Mattelart, 1999, p. 37), foram criados diferentes setores de comunicação e educação nos ministérios, inclusive o Serviço Nacional de Educação Sanitá- ria (SNES), em 1941, com o objetivo de padronizar metodologias e difun- dir maciçamente informações sobre questões de saúde. Após a segunda guerra mundial, no contexto de interiorização do de- senvolvimento econômico e de acele- ração da urbanização, a comunicação foi chamada a desempenhar um papel estratégico na arrancada desenvol- vimentista: criar o ‘clima’ propício para a adoção dos ‘modernos’ padrões da sociedade industrial capitalista. Em ple- na guerra fria e sob os auspícios de ins- tituições internacionais, esse movimen- to se deu nos países periféricos na ór- bita de influência dos EUA, privilegi- ando as áreas da educação, saúde, agri- cultura, extensão rural e serviço soci- al. No campo da saúde, duas institui- ções tiveram destacada atuação: o Ser- viço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em 1942, no âmbito do esforço aliado de guerra, e o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), criado em 1956, com o ob- jetivo de estender o atendimento mé- dico-sanitário de massa em áreas con- sideradas economicamente estraté- 97 A C D E F G H I N O P Q R S T U V A A gicas. Atuavam em regiões geográficas distintas, com metodologias específi- cas de trabalho e priorizavam diferen- tes grupos etários, mas ambas investi- ram na mobilização das comunidades e foram agentes da comunicação para o desenvolvimento que preconizava uma relação causal e mecânica entre os dois termos. O campo da comunicação não fi- cou imune, naquele momento, ao in- tenso processo de produção científica e tecnológica. Na saúde e em outras áreas de intervenção social, repercutiu amplamente o modelo comunicacional inspirado na teoria dos dois fluxos de comunicação, que atribuía um papel fundamental às lideranças comunitári- as, consideradas ‘elos-chave’ na busca de maior sintonia entre emissor (auto- ridades) e receptor (população). Essa foi uma inovação teórica e metodológica significativa na matriz transferencial, que conferiu relevância ao universo cultural e às relações soci- ais de uma dada comunidade, media- ções que tornaram o processo comunicacional menos linear e auto- mático. Não se rompeu, contudo, com a unidirecionalidade e a comunicação continuou a ser vista fundamentalmen- te como a transmissão de informações de um pólo emissor a um pólo recep- tor. Essa abordagem encontrou eco, particularmente no quadro de uma concepção restrita e regulada de parti- cipação comunitária, potencializando os enfoques da saúde que privilegia- vam os saberes biomédicos e atribuin- do às instituições de saúde a exclusivi- dade da fala autorizada. Desde então, várias iniciativas de mobilização comu- nitária para a agenda sanitária têm lan- çado mão dos pressupostos desse modelo, que fundamenta algumas ca- racterísticas do perfil do agente comu- nitário de saúde e de seu trabalho. A década de 60 trouxe vigorosos debates, tanto na saúde como na co- municação, em torno da mudança dos modelos vigentes. Contribuíram bas- tante para isso as críticas ao viés extensionista, simultâneas à emergên- cia das teses freireanas, que introduzi- am uma perspectiva histórica, cultural, humanista e dialógica, tornando irrecusável considerar relevantes os saberes e as percepções da população sobre sua própria realidade de saúde. Mas, todo esse movimento, incluindo a forte crítica ao desenvolvimentismo, foi interrompido pelo golpe militar. Durante a ditadura, sob a égide da cen- sura, se dá o investimento concentra- do na assistência médico-hospitalar, configurando-se o modelo médico- assistencial privatista. Nele, as ativida- des preventivas e de saúde pública – Comunicação e Saúde
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