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Leo Buscaglia - Os Deficientes e Seus Pais, Notas de estudo de Pedagogia

A importância e a valorização da pessoa portadora de deficiência para a família, a escola e a sociedade.

Tipologia: Notas de estudo

2013
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Baixe Leo Buscaglia - Os Deficientes e Seus Pais e outras Notas de estudo em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! OS DEFICIENTES E SEUS PAIS LEO BUSCAGLIA, Ph. D, Tradução de RAQUEL MENDES 5ª EDIÇÃO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO - SÃO PMLO 2006 CIP-Brasil. Catalogaçào-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Buscaglia, Leo F. B982d 5ª Ed. Os deficientes e seus pais / Leo Buscaglía; tradução de Raquel Mendes, — 5ª ed. — Rio de Janeiro: Record, 2066. Tradução de: The disabled and their parents Bibliografia Índice 1. Crianças deficientes. 2. Crianças deficientes — Cuidado e tratamento. 3. Crianças deficientes — Cuidados domésticos. 4. Crianças deficientes — Relações com a família. 1. Título. 93-0024 -CDD — 362.385 - CDU — 362.3 Título original Norte Americano THE DISABLED AND THEIR PARENTS Copyright © 1983 by Leo F. Buscaglia, Inc. Publicado mediante acordo com Leo F. Buscaglía, Inc. Copyright da tradução © 1993 by Distribuidora Record Direitos exclusivos de publicação nos países de língua portuguesa adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina 171 — Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 — Tel.: 2583-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução. Impresso no Brasil ISBN 85-01-03799-0 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL - Caixa Postal 23.052 - Rio de Janeiro, RJ — 20922-970. Este livro é dedicado aos indivíduos deficientes e seus pais que, muitas vezes sozinhos, confusos e mal informados, lutaram com a desilusão, o desapontamento, o desespero e obstáculos aparentemente intransponíveis, e saíram-se vitoriosos — transformando a desilusão em vigor renovado, o desapontamento em coragem, o desespero em esperança, e descobrindo que o que parecera obstáculos intransponíveis eram simples “degraus” ao longo da sua jornada. Assim fazendo, ratificaram para todos nós o grande potencial e prodígio do ser humano. Sumário INTRODUÇÃO - II PARTE 1: O DESAFIO GERAL Capitulo 1: Ninguém Nasce Deficiente. Mas É “Fabricado” -19 Capitulo 2: Nasce Uma Criança - 31 PARTE II: COMO O PESQUISADOR VÊ O DESAFIO Capítulo 3: A Terapia dos Deficientes e dos Pais — Um Resumo da Literatura James E. Leigh, B. S., M. S. e Susan Marshall, E S. M. Ed. - 47 PARTE III: A FAMÍLIA ENFRENTA O DESAFIO Capitulo 4: O Papel da Família - 77 Capítulo 5: Os Pais São Pessoas Antes de Tudo - 91 Capitulo 6: Os Sentimentos Especiais dos Pais de Deficientes - 103 Capítulo 7: Os Direitos da Família do Deficiente - 115 Capitulo 8: A Família Como Terapeuta - 127 Capítulo 9: Os Pais Têm a Palavra – 141 O que os Pais Sentem - Betty Lou Kratoville – 144 O que os Pais Precisam Ouvir Betty Lou Kratoville 156 Para Ser Dito com Tristeza - Judith L. Jogis - 163 PARTE IV: O DEFICIENTE ENFRENTA O DESAFIO Capítulo 10: Os Deficientes Também São Pessoas – 181 Capítulo 11: Preocupações Próprias dos Deficientes – 193 Capítulo 12: Os Direitos do Deficiente – 205 Capítulo 13: Tornando-se Deficiente – 217 Os Deficientes Como Seus Próprios Terapeutas – 231 Capítulo 15: Os Deficientes Têm a Palavra – 243 As Pedras do Caminho - Maria Frem – 245 Aprender, Fazer, Experimentar, Desfrutar - Cynthia Dickinson – 261. Para Compreender - Jennie Parker – 267 assistentes sociais parecem não ter o que dizer, desajeitados, mal preparados para lidar com tal “infortúnio”. 13 Têm inicio então anos de confusão, medo, culpa, autopiedade. Desprezo por si mesmo. E as horas nos consultórios médicos, a espera, os intermináveis testes, diagnósticos e reavaliações. A falta de informação clara, as generalidades interpretativas, a má informação. As constantes pressões sem alívio, a ausência de babás para um pouco de descanso, os crescentes problemas familiares. As preocupações com o dinheiro e as contas, as tensões acumuladas, as brigas. As incertezas, sentimentos confusos e assustadores, as frustrações normais de uma família e muitas outras. A sensação de inadequação ao ver seus filhos, a quem tanto amam, afastando-se cada vez mais do mundo “normal” que gostariam tanto de lhes dar. O que fazer? Vêm então as batalhas escolares. A admissão, rótulos nunca explicados, mais reavaliações! Pilhas de fichas a respeito de seus filhos em arquivos inacessíveis, envoltas em mistério. A ansiedade de não saber se será permitido à criança continuar na escola. Ameaças das autoridades escolares, claras ou implícitas. E as crianças, o que lhes acontecerá à medida que crescem? As preocupações com seus temores, seu isolamento, a crescente solidão, a confusão cada vez maior, as fantasias e frustrações sexuais, as dúvidas a respeito de seus sentimentos, o futuro, o amanhã. O desespero em relação à agressividade crescente, a rejeição por um mundo que os teme e o qual estão aprendendo a temer. A frustração em relação ao fato de que aprendem tantas coisas a respeito das maravilhas do Egito, a magia da Itália renascentista e a grandiosidade da corte de Luis IV, mas tão poucas coisas sobre seus sentimentos vazios e o desespero que os devora. Necessidades especiais, dúvidas, questões prementes que precisam de atenção imediata... Mas não há ninguém para ajudar, com quem falar, ninguém que compreenda. E assim prosseguem as histórias. Embora os problemas acarretados por uma deficiência sejam com freqüência exaustivos, arrasadores e complexos, é possível para o deficiente chegar à idade adulta sem que ele mesmo ou os pais recebam orientação. Durante seis anos de minha vida profissional, passei de oito a dez horas por dia fazendo terapia com deficientes e suas famílias. Neste período, obtive uma compreensão ampla desses indivíduos e de seus problemas muito especiais. 14 Descobri que em geral são fortes, persistentes, sensíveis, inteligentes. Partilhei de suas frustrações, desesperanças e sentimento de desamparo. Também vivenciei suas alegrias, triunfos, crescimento, espanto e descobertas pessoais. Adquiri um grande respeito por eles, que muito me ensinaram sobre a força e a dignidade do ser humano. Essa época foi de grande frustração e questionamento para mim. Quase diariamente fazia-me a mesma pergunta: “Por que essas pessoas nasceram para carregar sozinhas o seu fardo?” “Por que nós profissionais éramos tão insensíveis às suas necessidades?”, “Porque, na realidade, puséramos barreiras em seus caminhos?”, “Porque oferecêramos um apoio tão limitado, alternativas tão pouco criativas, elogios tão escassos?”, “Por que, por tantos anos, os tratáramos de modo telescópico, vendo-os como problemas, partes, e não como os indivíduos completos que são na verdade?” “Como pudemos esquecer que o significado de uma parte só pode ser encontrado na sua relação com o todo completo?” É lamentável que o tempo não tenha dado muitas respostas a estas perguntas ou soluções para esta lastimável situação. É desconcertante a pouca atenção que se dá ainda, da parte de médicos, psicólogos e educadores, à terapia das pessoas deficientes e de suas famílias. Esse fato se torna ainda mais estarrecedor quando se busca a literatura existente e a pesquisa realizada nesse campo. Com exceção de alguns livros, a maior parte deles textos obsoletos, trabalhos que abordam de modo muito geral o campo da terapia de reabilitação, alguns incompletos e frequentemente contraditórios, é muito difícil encontrar uma literatura significativa nesta área. Certamente, este livro não é a resposta. Ele não se destina a ser um fim, mas, ao contrário, um modesto começo Para mim, representa a aceitação de um desafio. Em um sentido mais amplo, é um desafio para os pais, médicos, psicólogos, orientadores, educadores, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psiquiatras e todos os profissionais da área de assistência, a se tornarem mais cientes da desesperada necessidade que têm os deficientes e suas famílias por uma orientação eficiente e saudável, calcada na realidade, e o grande desespero e perda de potencial humano resultantes de sua não-disponibilidade. Trata-se de uma tentativa de abordagem da terapia de deficientes em seu sentido mais amplo e mais humano, como um processo multidisciplinar de reabilitação, cujo principal objetivo é o de ajudar os deficientes e suas famílias através dos complexos processos necessários à obtenção dos ajustes mentais, físicos e emocionais com que se defrontam, assim como à aquisição da esperança, da compreensão e da força necessárias para que aceitem, como seu, o maior de todos os desafios humanos, o direito inalienável de todas as pessoas, deficientes ou não, a auto-realização. 15 16 PARTE I O DESAFIO GERAL 17 18 Capítulo 1: Ninguém Nasce Deficiente. Mas É “Fabricado” Há outro perigo, talvez ainda maior, quando se trata de aceitar as limitações de outras pessoas. Às vezes, consideramos limitações qualidades que constituem, na verdade a força do outro. Talvez nós ressintamos em relação a elas porque não são exatamente as qualidades que esperamos da outra pessoa. O perigo se encontra na possibilidade de que não a aceitemos a pessoa como ela é, mas tentemos transformá-la naquilo que esperamos. ELEANOR ROOSEVELT You learn by Living 19 Em algum lugar, enquanto você lê este livro, uma criança está nascendo com uma limitação. Talvez a cegueira, que tornará a grandeza de uma cadeia de montanhas a distância um mistério por toda a vida. Ou a surdez, impossibilitando que a criança conheça o barulho do mar ou a maravilha de uma cantata de Bach. Talvez a paralisia cerebral ou a espinha bífida negará ao individuo a experiência de correr contra o vento ou de se tornar um atleta. Pode haver uma lesão no cérebro, o que terá um efeito mais sutil e disfarçado sobre o comportamento e o aprendizado futuros ou ocasionará ataques ou um irreparável retardamento mental. Porém, os defeitos de nascimento não são os únicos responsáveis pelas deficiências. Neste momento, também, uma criança ou um adulto está sofrendo um acidente, talvez passeando de carro em uma bela tarde de domingo e, de repente, no descuido de um segundo, tornando-se permanentemente limitado, com o cérebro lesado, os membros mutilados, a mente consumida. Ou talvez esteja escorregando no banheiro, sendo atingido na cabeça por uma bola, por uma prancha ou tropeçando no tapete. Ninguém está livre de uma possível deficiência irreparável. Essas pessoas podem ser ricas ou pobres, cultas ou sem instrução, felizes ou infelizes. O que todas têm em comum é o confronto com uma realidade nova, inesperada, possivelmente devastadora. O ajustamento a esta realidade pode exigir-lhes uma drástica mudança em seu modo de vida, 22 Essa influência da sociedade sobre as expectativas em relação ao físico e à beleza pode ser observada no comportamento de crianças pequenas, que parecem não parecem não ser influenciadas, em tenra idade, pelos padrões culturais de beleza física e normalidade. Brincam livres e alegres, igualmente à vontade com a garotinha com marcas de varíola, o garoto raquítico, a criança manca ou o jovem atleta. É somente mais tarde, depois de aprenderem e incorporarem os padrões culturais de perfeição e beleza, que as vemos zombar de Mary por causa de seus olhos vesgos, chamar Pete de retardado, imitar a gagueira de Fred ou o defeito físico de Anna. Os meios de comunicação têm uma importante influência nas atitudes de perfeição e beleza. Dificilmente veremos uma mulher obesa em comerciais de desodorante; ela será vista em anúncios de comida italiana. Na verdade, ficaríamos chocados se víssemos um homem raquítico, sem camisa, em uma canoa, num comercial de cigarros, ou uma modelo com dentes desiguais, anunciando creme dental. Ao contrário, os modelos são versões atuais de espécimes perfeitos idealizados, promovendo a idéia de que se você usar o produto, também poderá ser assim. Os filmes de horror continuam a acentuar e influenciar nossas atitudes em relação à beleza, sugerindo o medo pela visão de um indivíduo fisicamente diferente. Os monstros têm sempre o rosto desfigurado, uma corcunda, os pés deformados ou um membro retorcido que arrastam ameaçadoramente atrás de si. Não é de se admirar que nossas atitudes com relação às pessoas que encontramos se baseiem em nossa reação inicial aos seus atributos físicos. Todos querem ser e estar em companhia de um espécime perfeito. No primeiro dia de aula do curso que ministro na universidade — Educação de Crianças Excepcionais —, freqüentemente peço aos alunos para responderem a um interessante questionário - Trata-se de uma breve verificação de até que ponto chegariam em um relacionamento pessoal com deficientes de sua mesma faixa etária. De um lado do questionário estão relacionados problemas tais como a surdez, a paralisia cerebral, o retardamento mental, a cegueira e a epilepsia. Em uma escala graduada de distanciamento, os alunos devem assinalar: (1) Tê-los-ia como amigos, (2) Convidaria-os a freqüentarem minha casa, (3) Teria relacionamentos afetivos com eles, (4) Casaria com um deles, (5) Teria um filho com um deles. 23 Não é de surpreender que muito poucos alunos passem do segundo nível de relacionamento com qualquer um dos indivíduos mencionados. Este é um exemplo simples mas claro das atitudes em relação às deficiências e diferenças. Não há dúvida de que a aparência física influencia o comportamento, determinando, assim, em grande parte, a interação, a comunicação e os relacionamentos humanos. Além disso, as pessoas quase sempre relacionam as características físicas externas à natureza interior do individuo, à sua personalidade geral e à habilidade mental. Não é raro que se associe uma deficiência física como a paralisia cerebral, a cegueira ou a surdez, e até mesmo alguns problemas da fala, à inteligência inferior. A cada semestre, meus alunos fazem outro exercício que consideram muito desagradável mas muito esclarecedor. Peço a eles que vão a algum lugar da comunidade e simulem a gagueira. O objetivo da experiência fica bastante claro: ajudá-los a sentirem o efeito social de uma deficiência, o trauma que pode criar para o portador e as respostas e reações visíveis que provoca. O insight mencionado com maior freqüência pelos alunos que realizam a experiência é que na maioria dos casos a dificuldade na fala produz um efeito duplo sobre os ouvintes. Não só parecem “temer os gagos, mas também tendem a tratá-los como débeis mentais”. Não raras vezes o gago é levado pela mão ao objeto pedido, ou a ele são dadas informações simplistas, acompanhadas por gesticulação infantil, ou lhe gritam respostas em sílabas exageradamente pronunciadas. As pessoas com defeitos físicos são muitas vezes tratadas de maneira semelhante, embora nunca tenha sido realizada uma investigação sistemática que ofereça algum tipo de fundamento lógico para a associação corpo deficiente/mente deficiente. Mesmo assim, esse pressuposto generalizado é anunciado por muitos de nós diariamente: “Mente sã em corpo são”, “O que se pode esperar de um gordo relaxado?” Grande parte da psicologia do deficiente é essencialmente psicologia social, fundamentada antes de tudo na interação com as outras pessoas no ambiente pessoal e próprio de cada individuo. As opiniões e impressões que a sociedade tem e emite em relação às deficiências físicas estão a apenas um passo da aceitação por parte das pessoas portadoras dessas deficiências de tais opiniões como elemento integrante de seu comportamento e de sua personalidade. 24 Esse fenômeno é com freqüência denominada somatopsicologia e constitui-se no estudo de como as respostas da sociedade afetam as ações, os sentimentos e as interações dos deficientes, sugerindo que a sociedade pode influenciar os portadores de deficiências físicas ou mentais a limitarem suas ações, mudarem seus sentimentos em relação a si mesmos, assim como afetarem sua interação com as outras pessoas. O grau dessa influência dependerá da força, da duração e da natureza do estímulo crítico. Podemos ilustrar este fato com a história da sensível jovem portadora de paralisia cerebral atetóide. Quando adolescente aprendera razoavelmente bem a segurar uma colher, mas à sua maneira, com o cotovelo firmemente apoiado sobre a mesa. Dessa forma, podia levar a comida do prato à boca com eficácia, de um modo mais controlado, sem espalhar a comida à sua volta. Um verdadeiro feito para ela! Seus pais a repreendiam com freqüência, dizendo-lhe que “mocinhas educadas não comiam com os cotovelos sobre a mesa” Tornou-se evidente que até que aprendesse a comer de modo adequado, não sairia para jantar fora com a família. Sem o apoio dos cotovelos sobre a mesa, a comida era arremessada para todos os lados. Neste caso, a família insistia em que o que era normal para a sociedade deveria ser usado como padrão por todos, até mesmo pela filha portadora de paralisia. Outro exemplo clássico é muito bem apresentado por Christy Brown em um livro pequeno, mas de grande importância, intitulado My Left Foot (Meu Pé Esquerdo). Vítima de uma grave paralisia cerebral, ele foi abandonado à desesperança por aqueles ao seu redor. Apesar disso, porém, sua mente aguda e alerta avidamente procurava expressão através de qualquer meio disponível. Após muitas tentativas e frustrações, ele descobriu que podia usar os dedos do pé esquerdo para escrever e desenhar. Todos, com exceção de sua mãe, ficaram consternados e tentaram dissuadi-lo, assegurando-lhe de que aquilo não era correto. As pessoas não comiam, pintavam, escreviam ou datilografavam com os pés! Era uma coisa grotesca! Com a persistência de alguém cuja necessidade de expressão superava a aprovação e os limites culturais, ele não só usou o pé para escrever, mas produziu vários livros, entre os quais se encontra o magnífico bestseller autobiográfico Down All The Days (“Down” Todos os Dias). 25 Inclui-se também no domínio da somatopsicologia o fator semântico. Johnson (1946), Korzybski (1951), Whorf (1947), Lee (1947) e Sapir (1931) estudaram e interpretaram a influência das palavras e da sintaxe na personalidade e na auto-imagem do individuo. Esses estudiosos sugeriram que a linguagem não só apressa as idéias os sentimentos de alguém em relação a tais idéias, mas ela pode também dar forma às idéias e sentimentos do ouvinte. Por exemplo, Johnson considera a linguagem suficientemente poderosa para citar uma deficiência como a gagueira em uma criança e graves neuroses de todos os tipos em adultos. Sabe-se que, se nos disserem vezes suficientes que somos uma determinada coisa, é provável que acreditemos e nos tornemos tal coisa. Parece quase simplista explorar os pontos apresentados até aqui. Basta afirmar que a criança portadora de uma deficiência física ou mental em nossa sociedade não é incapaz, apenas deficiente. Médicos, pais, professores, amigos, parentes, todos, sem dúvida, bem-intencionados, se encarregarão de convencer essas crianças, ou de ajudá-las a aprenderem, de que são incapazes. É muito difícil evitar tal atitude, pois nossos próprios medos, ignorância, apreensões e preconceitos surgirão sob milhares de formas distintas, a maioria delas inconscientes. Aparecerão disfarçados no jargão médico e pedagógico, em testes psicológicos, na proteção paterna, no excesso de preocupação da família, sempre vestidos com o manto do amor. É imperativo, portanto, para aqueles que cuidam de pessoas deficientes, estar sempre alerta, a fim de se assegurarem de que não estão colaborando com o processo de esses indivíduos se tornarem também incapazes. 28 É útil levarmos em consideração os seguintes preceitos. Alguns deles serão elaborados mais adiante, mas são introduzidos aqui com o simples propósito de nos lembrar de que ninguém nasce incapaz, mas é “fabricado”. * Lembre-se de que os deficientes são indivíduos próprios. Eles não pertencem a você, à família, aos médicos ou à sociedade. * Lembre-se de que cada deficiente é diferente dos outros e que, independente do rótulo que lhe seja imposto para a conveniência de outras pessoas, ele ainda assim é uma pessoa “única”. Não existem duas crianças retardadas que sejam iguais ou dois adultos surdos que respondam e reajam da mesma forma. * Lembre-se de que os deficientes são pessoas antes de tudo e que têm o mesmo direito à auto-realização que quaisquer outras pessoas — no seu ritmo próprio, à sua maneira e por seus próprios meios. Somente eles podem superar suas dificuldades e encontrar a si mesmos. * Lembre-se de que os deficientes têm a mesma necessidade que você de amar e ser amado, de aprender, partilhar, crescer e experimentar, no mesmo mundo em que você vive. Eles não têm um mundo separado. Existe apenas um mundo. * Lembre-se de que os deficientes têm o mesmo direito que você de fraquejar, falhar, sofrer, desacreditar, chorar, proferir impropérios, se desesperar. Protegê-los dessas experiências é evitar que vivam. * Lembre-se de que somente aqueles que são deficientes podem lhe dizer o que é possível para eles. Nós que os amamos devemos ser observadores atentos e sintonizados. * Lembre-se de que os deficientes devem agir por conta própria. Podemos oferecer-lhes alternativas, possibilidades e instrumentos necessários — mas somente eles podem colocá-los em ação. Nós podemos apenas permanecer firmes, e estar presentes para reforçar, encorajar, ter esperança e ajudar quando possível. * Lembre-se de que os deficientes, assim como nós, são preparados para viver como desejarem. Eles também devem decidir se desejam viver em paz, com amor e alegria, como são e com o que têm, ou deixar-se ficar numa apatia lacrimosa, esperando a morte. * Lembre-se de que as pessoas portadoras de deficiências, independente do grau destas, têm um potencial ilimitado para se tornar, não o que nós queremos que sejam, mas o que elas desejam. 29 * Lembre-se de que os deficientes devem encontrar sua própria maneira de fazer as coisas — impor-lhes nossos padrões (ou os da cultura) é irreal e até mesmo destrutivo. Existem muitas maneiras de se amarrar os sapatos, beberem em um copo, chegar até o ponto do ônibus. Há muitas formas de se aprender e se adaptar. Eles devem encontrar a forma que mais bem se ajuste a eles. * Lembre-se de que os deficientes também precisam do mundo e das outras pessoas para que possam aprender. O aprendizado não acontece apenas no ambiente protetor do lar ou em uma sala de aula, como muitas pessoas acreditam. O mundo é uma escola, e todas as pessoas são professores. Não existem experiências insignificantes. Nosso trabalho é agir como seres humanos afetuosos, com curativos emocionais sempre prontos para uma possível queda, mas com novos mapas à mão para novas aventuras! * Lembre-se de que todas as pessoas portadoras de deficiências têm direito à honestidade em relação a si mesmas, a você e à sua condição. Ser desonesto com eles é o pior serviço que alguém pode lhes prestar. A honestidade constitui a única base sólida sobre a qual qualquer tipo de crescimento pode ocorrer. E, acima de tudo, lembre-se de que os deficientes necessitam do que há de melhor em você. A fim de que possam ser eles mesmos e que possam crescer, libertar-se, aprender, modificar-se, desenvolver-se e experimentar, você deve ter essa capacidade. Você só pode ensinar aquilo que sabe. Se você é aberto ao crescimento, ao aprendizado, às mudanças, ao desenvolvimento e às novas experiências, permitirá que eles também o sejam. 30 Capítulo 2: Nasce Uma Criança A primeira manifestação de meu coração quando eu soube que ela seria sempre uma criança, foi a velha pergunta que todos nós fazemos frente a um sofrimento inevitável: “Por que tinha de acontecer comigo?” Para esta pergunta não podia haver resposta, e de fato não houve nenhuma. PEARL BUCK The Child Who Never Grew 31 O nascimento é um milagre, pois cada pessoa que nasce possui um potencial e possibilidades ilimitados. Cada indivíduo tem o poder de criar, compartilhar, descobrir novas alternativas e trazer novas esperanças à humanidade. O nascimento de uma criança para a maior parte das famílias é um momento de alegria, de orgulho, de reunião das pessoas queridas e de celebração da renovação da vida. Para outras famílias, o nascimento de uma criança pode não ser um momento de tanta alegria. Ao contrário, pode representar um momento de lágrimas, desespero, confusão e medo. Pode vir a ser uma mudança radical no estilo de vida de todos os envolvidos, cheia de mistérios e problemas especiais. Um exemplo de tal caso ocorreu há sete anos, em um pequeno hospital público de Los Angeles, onde a Sra. T., uma mulher de 29 anos, deu à luz seu terceiro filho. Já era mãe de duas meninas cheias de vida, inteligentes e com desenvolvimento normal. A Sra. T. e o marido estavam casados e felizes havia doze anos. Sempre quiseram um menino e planejavam chamá- lo Jedidíah. Seu desejo foi realizado, e Jedidíah nasceu. Ele nasceu com uma deficiência e, a partir desse ponto, sua história é semelhante a muitas outras. Desde o inicio, num estado semiconsciente devido aos remédios, a Sra. T. percebeu que alguma coisa estava errada. Tudo era diferente das vezes anteriores, quando ela dera à luz as duas filhas. Desta vez, sentia uma espécie de pânico, de medo, de tensão. Ela não podia especificar essas sensações, mas elas estavam lá. Sua ansiedade crescia à medida que o tempo passava. Perguntava-se onde estavam o marido, o médico e, principalmente, seu bebê. Por que demoravam tanto? Por que as enfermeiras estavam tão quietas, fazendo o seu trabalho, sussurrando e evitando o seu olhar? Ou ela estava só imaginando coisas? E o maior mistério de todos — por que ela fora removida de seu quarto duplo e agora ocupava um quarto particular, sozinha? 32 Quando o marido finalmente apareceu, o sofrimento no seu rosto era óbvio para ela. (Afinal, não estavam juntos havia doze anos? Ela não podia modo. Parecia precisar mais dela do que as duas outras filhas. Aparentemente era mais frágil, mais sensível à luz, à escuridão e aos sons. Seu tônus muscular era diferente, assim como o ritmo do sono. Era uma criança única. A essa altura, ele era essencialmente um rótulo médico. Ela esquecera o nome que o médico dera à condição do bebê, mas acreditava no profissional habilidoso, conhecedor de seu trabalho, que salvaria a criança, a qual no passado teria morrido ao nascer. Ela, porém, não era médica. Nada sabia de movimentos musculares recíprocos, espasticidade, disfunção cerebral. Ninguém parecia achar importante que ela soubesse alguma coisa além dos termos médicos. Sentia-se amedrontada e mal preparada para o seu novo papel. Mas não tinha alternativas, tinha de aceitar esse novo e estranho ser. Afinal Jedidíah era seu filho. Dar à luz uma criança deficiente é um acontecimento repentino. Não há um aviso prévio, não há tempo para se preparar. Praticamente inexiste um aconselhamento educacional ou psicológico aos confusos pais, nesse momento crucial, dentro ou fora do hospital. Grande parte do que farão por seus filhos se baseia no instinto ou no método do ensaio e erro. Quanto aos seus sentimentos, medos, ansiedades, confusão e desespero, terão de controlá-los da melhor maneira possível. Em uma pesquisa não-publicada, realizada em 1914, o autor, com o auxílio de dois assistentes, enviou um breve questionário para enfermarias de maternidades de hospitais públicos grandes e pequenos, em todo o país. Pedia informação a respeito dos procedimentos rotineiros, caso existissem, na assistência médica ou orientação psicológica de pais de crianças nascidas com alguma deficiência em tais hospitais. 35 Na maior parte dos casos, as respostas afirmavam que os procedimentos rotineiros não existiam. Qualquer informação ou aconselhamento médico era dado a critério do profissional responsável. A orientação ou aconselhamento psicológico formal era inexistente nos hospitais, embora explicassem que esse procedimento fosse com freqüência recomendado no caso de mães “excessivamente perturbadas”. Um questionário semelhante foi enviado aos pais de crianças deficientes a fim de verificar a sua percepção da ajuda que receberam. A resposta foi que não houve um plano formal e rotineiro que pudessem reconhecer como de auxílio ao seu caso nos hospitais. A maioria dos pais afirmou que recebeu alguma informação sobre o problema médico de seu filho, mas nenhum deles considerou tal informação específica o bastante ou adequada. Perceberam que novas perguntas continuavam a surgir nos primeiros dias após a criança ter tido alta do hospital, mas temiam incomodar o médico em demasia, pois “este estava sempre muito ocupado e parecia que nunca havia tempo para conversar”. A terapia psicológica não se encontrava disponível e raramente era sugerida como uma possibilidade. Esses pais declararam que tiveram de abrir seu próprio caminho através dos medos, da raiva, do desespero e da confusão. Alguns poucos, os que podiam se dar ao luxo de pagar, sentiram necessidade e se submeteram a uma terapia profissional, “para evitar que eles e a família desmoronassem”. Assim, nos períodos cruciais do nascimento e da infância, quando tanto a criança quanto os pais necessitam de mais ajuda, esta é muito pequena, quando existe. E, no entanto, é nesse período que os pais serão a chave para ajudar seus filhos a desenvolverem a confiança básica, ou a falta desta, que permanecerá com eles pelo resto da vida. Possivelmente não existe período mais relevante para o futuro de crianças deficientes do que este, pois é nesse momento que receberão ajuda para formar atitudes básicas em relação à sua ótica futura — otimismo/pessimismo, amor/ódio, crescimento/ apatia, segurança/frustração, alegria/desespero — e ao aprendizado em geral. É vital, portanto, que os pais sejam conscientizados da importância dos primeiros meses de vida e dos problemas e ansiedades que podem criar. Devem ser informados de sua responsabilidade e dos efeitos profundos e duradouros que aquilo que fizerem, ou não fizerem, poderá ter no crescimento e desenvolvimento de seus filhos. Esta é somente outra forma de dizer que é nesse período vital que a terapia às crianças deficientes e a seus pais deve ter início. 36 Do nascimento ao fim da infância, os pais de crianças deficientes devem estar conscientes de que tantas vezes sentem-se atormentados pelas muitas necessidades físicas de seus filhos, o seu sofrimento, o desconforto físico, a necessidade de dietas especiais, as freqüentes consultas médicas e as medicações especiais, que podem deixar de perceber que, assim como as outras crianças, essas também têm necessidades normais. Precisam dos mesmos afagos, o mesmo amor, o mesmo carinho, os mesmos estímulos lingüísticos, as mesmas oportunidades para explorarem seus próprios corpos e o ambiente. Em outras palavras, todas aquelas pequenas coisas que mostrarão a elas que são amadas, que estão sendo cuidadas e que se encontram em segurança; coisas que lhes dirão que fazem parte de um mundo maior e de que lhes é possível usar o ambiente para a descoberta e o crescimento contínuos. Muitas vezes, nesses primeiros anos, crianças portadoras de deficiências físicas e mentais passam grande parte do tempo em hospitais. Isso cria uma separação quase continua da intimidade física da família e do aconchego e segurança do lar. O relacionamento afetivo entre os pais e a criança é tão importante nesses primeiros tempos e está tão de perto relacionado ao bem- estar físico, mental e psicológico da criança, que muitos hospitais criaram unidades onde as mães podem ficar com as crianças em internações prolongadas. A hospitalização, porém, não é o único tipo de isolamento que pode ser incapacitante. Mesmo em casa, a criança passará muito tempo no colo, presa por correias e aparelhos, e até mesmo amarrada no berço. Toda a infância poderá ser passada dentro de um ambiente limitado e seguro, onde a criança poderá ser guardada, mas onde também não poderá explorar o novo mundo. Essa proteção pode se prolongar por anos. Lembro-me de uma visita que fiz a uma turma de crianças fisicamente debilitadas. No momento da minha chegada, os professores e assistentes encontravam-se envolvidos na tarefa de retirar as crianças de suas cadeiras de rodas apenas para prendê-las de imediato em uma posição ereta nas carteiras. Perguntei se permitiam que elas brincassem no chão ou na areia. — Brincar? Essas crianças não podem nem andar! — responderam surpresos os professores. — Elas não podem deitar de barriga para baixo? — perguntei. — É claro que podem! — foi a resposta curta. 37 — Então, por que de vez em quando não as colocam deitadas na grama? Algumas daquelas crianças, pela primeira vez na vida, tiveram contato com a grama. A experiência foi uma alegria. Gritavam, maravilhadas. Descobriram o cheiro, o sabor e a forma de uma folha de grama. Uma das crianças chegou mesmo a ver de relance uma minhoca enquanto abria caminho em meio ao verde! Essas explorações iniciais são vitais para o desenvolvimento da criança. Para aprender, ela precisa ser livre para explorar. E o mundo da criança que devemos tentar compreender e não o nosso, o que não significa que pais e professores devam correr de lá para cá a fim de satisfazer todas as necessidades da criança. Mas devemos lembrar que esses pequenos indivíduos não têm perspectiva de tempo, são totalmente dependentes e, neste estágio, somente nós podemos lhes dar a oportunidade de descobrir e ampliar o seu mundo, tarefa que se torna muito difícil para eles, se passam a maior parte de suas vidas confinados ou isolados. É muito difícil para os pais que não estudaram as teorias do crescimento e desenvolvimento infantil compreender a grande importância da necessidade que a criança tem de explorar o mundo ao seu redor, e, como resultado dessa falta de conhecimento, muitas crianças adquirem outras deficiências que poderiam ser evitadas. A criança não-deficiente geralmente encontra formas de satisfazer suas necessidades diárias de contato com o ambiente. A criança deficiente, em muitos casos, não poderá fazê-lo. Ela não nos com relutância, sentem hostilidade ou ansiedade em relação a eles fariam melhor em deixá-los em paz. As crianças deficientes, assim como todas as outras, ou talvez com uma sensibilidade ainda maior, perceberão esses sentimentos. Elas precisam da atenção que transmite segurança e confiança, assim como de experiências com amor que lhes abrirão as portas do mundo. Não há pais perfeitos, mas nenhuma criança exige a perfeição. Nos primeiros estágios do aprendizado de seu papel especial, os pais passarão por momentos de irritações, ansiedades e medos. Estarão imersos em seus próprios problemas e preocupações e momentaneamente se encontrarão incapazes de responder às necessidades do bebê. 40 Isso, porém, não é motivo para mais preocupação. Nos primeiros anos, o importante para a criança é a confiança no amor dos pais, a maneira pela qual este é expresso neste longo período e a coerência de seu grau com sua expressão. Em primeiro lugar, devemos lembrar que em matéria de aprender a viver e amar, um bebê é um bebê, independente de suas limitações físicas. Os pais de crianças deficientes necessitam de orientação em relação à disciplina dessas crianças. Freqüentemente relutam em repreendê-las, treiná-las, ensinar-lhes limites reais, assim como fazem com os outros filhos. Racionalizam que elas já têm muito a lhes restringir, o que pode ser verdade, mas as crianças deficientes também devem aprender a viver com a família e com o mundo. Na infância, devem aprender, como as outras crianças, a evitar ferir a si mesmas e aos outros e a respeitar os direitos das outras pessoas. A menos que exista um motivo médico, seguir a mesma dieta e dormir nos mesmos horários dos outros bebês. Mais tarde também devem ser treinados a usar o banheiro. Não é raro encontrarmos crianças deficientes — sem que haja um motivo físico para isso — que vão para a escola sem que tenham sido treinadas a usar o banheiro e sem nenhum conhecimento de si mesmas e dos outros. Lembro-me de um menino de sete anos cego, de quem os pais ainda trocavam as fraldas e não levavam à escola porque “ele não queria usar o banheiro nem ir para a escola e nós não queríamos lhe causar mais problemas”. Dois dias na escola em companhia das outras crianças foi o suficiente para que o menino treinasse a si próprio. Grande parte da tarefa de disciplinar constitui-se em bom senso, reforçado por um interesse sincero e pelo amor. Trata-se de um compromisso consciente entre pais e filho, de interesse, confiança e respeito mútuos. Todos os seres humanos precisam de certos limites realistas. Disciplinar crianças deficientes, de forma sensata, dentro de seus próprios limites especiais, não é cruel, mas, ao contrário, pode representar uma das atitudes de maior generosidade. Talvez um dos maiores e mais dolorosos problemas que os pais de bebês deficientes deverão estar preparados para enfrentar seja o isolamento social causado pela debilitação. A maior parte das pessoas hesita em tratar bebês portadores de deficiências do mesmo modo que tratam os outros. 41 Sentem receio de segurá-los, abraçá-los, fazer-lhes cócegas, jogá-los para o alto ou participar com eles de atividades em que teriam prazer de participar com crianças normais. Essa atitude pode significar para essas crianças um isolamento social quase total e pode privá-las das primeiras interações de prazer com outras pessoas, as quais as levam ao aprendizado das muitas interações sociais mais complexas que lhes são necessárias à medida que amadurecem. O problema é muito sério, não só no que se refere aos adultos, mas também às crianças. Já ouvi muitos pais de deficientes lamentarem-se do fato de que as outras crianças com freqüência são proibidas de brincar com seus filhos deficientes. Infelizmente, isso é uma verdade, e, no entanto, como o desenvolvimento social da criança depende desses contatos e da comunicação com outros indivíduos de sua idade, é imperativo que essa interação aconteça, o que pode exigir dos pais manipulações engenhosas e criativas. Uma mãe, por exemplo, começou a fazer biscoitinhos para as crianças da vizinhança e logo descobriu que o seu quintal se tomara muito popular — seu filho deficiente passou a ter muitos amiguinhos com quem brincar. Assim, Nascem as Crianças. Neste caso, trata-se de crianças deficientes, mas antes de tudo crianças. De um ponto de vista bastante realista, elas são mais semelhantes do que diferentes das crianças não-deficientes e, como tal, terão de passar pelas mesmas experiências sociais, os mesmos processos de desenvolvimento, o mesmo aprendizado psicológico que as outras crianças. Sua deficiência talvez cause problemas que interfiram nesse processo até certo ponto. Talvez faça com que desenvolvam certas habilidades e adquiram certas experiências mais tarde do que as crianças de sua idade. Mas essas habilidades devem ser adquiridas. Se lhes permitirem que sejam crianças — que experimentem, aprendam, sintam e vivam como crianças —, continuarão a caminho de um crescimento e desenvolvimento mais maduros. A forma como isso ocorrerá dependerá, em grande parte, dos sentimentos, das atitudes, dos valores dos pais e da família no período inicial da sua vida. As motivações cheias de esperança, as reações positivas e as interações afetuosas darão a essas crianças a força para se desenvolverem a seu modo. As crianças, porém, só aprenderão aquilo que lhes for ensinado. Os pais são os primeiros mestres; portanto, precisam conhecer o como e o porquê dos processos iniciais do desenvolvimento mental, físico e emocional. 42 Veremos esses aspectos mais detalhadamente em capítulos posteriores. Por ora, é suficiente afirmar que uma criança deficiente é primeiro uma criança e depois uma criança portadora de uma deficiência. As crianças nascem para viver. Na medida em que seus pais as vejam como crianças com limitações, mas que, como as outras, tenham direito a experiências e oportunidades iguais, elas alcançarão a realização. 44 PARTE II COMO O PESQUISADOR VÊ O DESAFIO 45 46 Capítulo 3: A Terapia dos Deficientes e dos Pais. — Um Resumo da Literatura A simples compreensão, porém, não basta. Quando compreendo algo, mas não o ponho em prática, nada se modifica no mundo exterior ou em mim mesmo. - BARAY STEVENS. Person to Person. 47 48 JIM LEIGH, professor-adjunto do Departamento de Educação Especial da Universidade de Missouri — Colmbia contribuiu com esse rigoroso exame dos estudos existentes nesse campo. Ele descobriu que, embora tenham sido realizadas muitas pesquisas no campo do aconselhamento de deficientes e de suas famílias, nós apenas tocamos a superfície dessa complexa área de estudos... SUSAN MARSHALL é doutoranda em Leitura na Universidade de Missouri — Columbia. Sua experiência profissional inclui o magistério em programas de Educação Especial e de Leitura Corretiva por sete anos e o ensino da Língua Inglesa em cursos de nível superior por três anos. 49 em equipes multidisciplinares, 2) auxilio no desenvolvimento de Planos de Educação Individualizados, 3) monitoração do progresso dos alunos em relação aos objetivos estabelecidos, 4) orientação aos pais, 5) planejamento de atividades extracurriculares para alunos deficientes, 6) acompanhamento com os professores, 7) promoção da educação no trabalho, e 8) manutenção de registros. Através de uma pesquisa com 275 orientadores educacionais na Flórida, Lombana (1980) investigou os efeitos do envolvimento na satisfação das exigências estipuladas pela Lei 94-142 no tempo desses profissionais. Os resultados indicaram que 36% dos entrevistados destinavam 10% do seu tempo aos alunos deficientes, 23% dedicavam de 11% a 25% do tempo aos portadores de deficiências, 27% destinavam de 26% a 50% a esses alunos e 14% passavam mais de 50% do seu tempo, oferecendo serviços aos alunos excepcionais. Dado o grande número de horas que se espera que muitos orientadores dediquem aos alunos portadores de deficiências, Lombana expressou sua preocupação em relação ao fato de que a muitos deles falte treinamento no campo da educação especial. 52 Com a recente ênfase na adaptação dos alunos excepcionais, Parker e Stodden (1981) afirmam que o orientador educacional pode auxiliar a integração de alunos deficientes à sala de aula “normal” e que esse profissional se encontra em uma posição-chave para auxiliar na aceitação dos alunos deficientes por parte dos não-deficientes, para ajudar aqueles a aceitarem a si mesmos e ao “novo” ambiente e para orientar professores, pais e diretores em discussões sobre as atitudes em relação aos alunos deficientes e sobre as suas necessidades. Outros pesquisadores vêem o orientador no papel de um advogado dos deficientes (Kameen & Mclntosh, 1979), um orientador e educador vocacional (Howe & Razeghi, 1979; Brolin & Gysbers, 1979; Sinick, 1979) e um “elo” entre alunos, pais, professores e diretores (Bowe & Razeghi, 1979; Brolin & Gysbers, 1979; Connolly, 1978; Parker & Stodden, 1981; Perosa & Perosa, 1981). A fim de exercer com eficiência qualquer desses papéis, o orientador deve ser capaz de relacionar-se com o aluno deficiente. Nathanson (1979) sugere que o orientador eficiente deve em primeiro lugar examinar seus próprios preconceitos e tendências e deve estar apto a reconhecê-los mesmo que não possa eliminá-los por completo. O orientador eficiente também deve evitar sentir pena ou dar atenção exagerada ao aluno deficiente. O aluno deve ser visto antes de tudo como um ser capaz e não incapaz, uma pessoa com habilidades e limitações e não como um ser “frágil” que precisa de proteção. Para ilustrar esses princípios, Nathanson apresenta uma série de vinhetas que podem ser usadas pela orientação educacional para aconselhar os deficientes do “modo errado”. Usando um método simples, mas muito apropriado para investigar as características essenciais de um orientador, McDavis, Nutter e Lovett (1982) pediram a trinta alunos portadores de deficiências para listar as qualidades que consideravam de maior utilidade em um orientador educacional. Quando lhes foi dada a relação dessas qualidades e lhes foi pedido que a numerassem em ordem de importância, as cinco principais foram identificadas como 1) a capacidade de fornecer informações, 2) a capacidade de ouvir, 3) a disponibilidade, 4) o auxílio na avaliação de alternativas, e 5) a demonstração de respeito. Entretanto, em investigações posteriores, McDavis e outros descobriram que muitos dos alunos deficientes consideravam o professor como orientador, e muitos sequer sabiam o nome do orientador educacional da escola. 53 Os autores do estudo afirmavam que os orientadores necessitavam dedicar maior parte de seu tempo ao trabalho com os deficientes, fazer mais contatos com esses alunos e com seus pais, aconselharem-se mais vezes com especialistas em educação especial e oferecer maior orientação vocacional aos alunos portadores de deficiências. A COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÕES DIAGNÓSTICAS AOS PAIS. Independente da natureza da terapia, o processo em geral tem início quando os pais levam a criança a um profissional ou a uma clínica, buscando um diagnóstico inicial. Embora o propósito dessa primeira visita seja a obtenção de um diagnóstico preciso da condição da criança e a comunicação eficaz dessa informação aos pais, freqüentemente os pais vêem-se mais confusos e aborrecidos do que antes da sessão. Um número de estudos documenta essa insatisfação. Por exemplo, Abramson, Grovink, Abramson, e Sommers (1977) conduziram um estudo com 215 famílias com crianças retardadas abaixo de seis anos de idade, no estado de Connecticut, destinado a avaliar as reações dos pais a serviços prestados aos seus filhos. Os pesquisadores descobriram que 94% das famílias haviam buscado aconselhamento profissional com um médico. Apenas 18% dos pais receberam o que consideravam orientação informativa e solidária. Vinte e oito por cento das famílias obtiveram um retrato clínico objetivo da situação; 24% foram encaminhados a outras fontes; e em 14% dos casos as famílias perceberam que o médico tentara minimizar os sintomas. Nove por cento das famílias acreditavam ter recebido um “prognóstico muito vago”, 5% receberam informações errôneas e a 3% simplesmente foi dito que amassem seus filhos e os tratassem como “normais”. Cinqüenta e um por cento das famílias declararam estar muito insatisfeitos, insatisfeitos ou confusos com a orientação recebida; 19% declararam-se muito satisfeitos, e 30% afirmaram estar satisfeitos. Um estudo realizado por Williams e Darbyshire (1982) revelou resultados semelhantes. Quando pais de crianças portadoras de deficiências auditivas foram interrogados a respeito de sua experiência com os profissionais que diagnosticaram o problema de seus filhos, a maioria demonstrou uma falta de compreensão do que significa uma deficiência auditiva e uma certa reticência em perguntar ao médico, mesmo quando não entendiam a informação que lhes era fornecida. 54 Oitenta e quatro por cento declararam-se incapazes de compreender a informação recebida; 72% não se conscientizaram de que a deficiência auditiva significaria para seus filhos; e, de acordo com Williams e Darbyshire. 64% não tiveram uma “avaliação realística” de como essa deficiência afetaria suas próprias vidas. Anderson e Garner (1973) entrevistaram 23 mães e crianças retardadas com o objetivo de determinar os tipos de profissionais visitados pelas mães desde a época do nascimento de seus filhos e o grau de satisfação dessas mulheres com tais visitas. As 23 mães estudadas fizeram um total de 453 visitas a vários profissionais e ficaram satisfeitas em 75% dos casos. Muitos desses contatos ocorreram antes que a mãe suspeitasse que alguma coisa estava errada com seu filho. O grau de satisfação com as consultas era muito alto o que indicava que as mães não eram inicialmente negativas em relação à ajuda profissional no caso de ferimentos comuns e doenças infantis. No entanto, havia uma acentuada queda no grau de satisfação em relação a outros diagnósticos e às consultas posteriores. As reclamações mais comuns objetavam que: 1) embora fosse óbvio que alguma coisa estava errada com a criança, o profissional com freqüência dizia à mãe que não havia nada errado; 2) após várias consultas, o profissional parecia desinteressado da mãe e da criança; e 3) o tempo gasto pelo profissional no exame da criança ou na explicação do diagnóstico para a mãe era considerado insuficiente. Muitas vezes a mãe não recebia orientação no trato com problemas imediatos e, em certas ocasiões, saía do consultório sem esperanças para o futuro. Algumas mães de crianças mais velhas declararam que receberam instruções secas para que internassem seus filhos em instituições. Muitas mães afirmaram também que os médicos não pareciam tão interessados nos ferimentos e doenças de seus filhos retardados como no caso de crianças normais. Os profissionais mais visitados foram os pediatras e clínicos gerais e as mães ficaram satisfeitas em 75% dos casos. Os psicólogos foram consultados somente depois de suspeitada alguma anormalidade e a satisfação das mães existia apenas em metade dos casos, possivelmente porque esses profissionais estavam Além disso, os pais que procuravam outras opiniões não buscavam uma “cura mágica”, como era muitas vezes sugerido, mas buscavam ajuda para problemas sérios que se haviam tornado, com o passar dos anos, mais difíceis de solucionar em casa. Keirn concluiu que o termo “pai volúvel” é inadequado, pois muito poucos pais vão de um profissional a outro, rejeitando recomendações e informações. A maioria desses pais, de acordo com tal estudo, está apenas à procura de serviços diversos daqueles que receberam anteriormente, e devem receber ajuda em vez de serem estereotipados e criticados. Stephens (1969) afirmou que o modo como as condições dos deficientes são apresentadas aos pais é uma indicação básica da qualidade de uma clínica. Ele discute dois métodos de conduzir sessões com os pais. No modelo virtuose, um grupo de especialistas altamente experientes reúne-se aos pais, fornecendo-lhes informações completas e detalhadas sobre todos os aspectos da condição debilitadora. Embora esse método possa facilitar a comunicação entre os profissionais, freqüentemente é inadequada no que se refere a fornecer informações aos pais. Stephens observa que em geral os pais não se impressionam com um grupo de profissionais tentando impressionar uns aos outros com seu domínio de técnicas de diagnóstico. Além disso, provavelmente os pais compreendem muito pouco do problema através de relatórios laboratoriais detalhados e resultados de testes. E, para que se transmitam informações de modo eficaz, várias sessões de interpretação são mais aconselháveis do que um único encontro. Stephens sugere que o modelo interativo de apresentar informações sobre o diagnóstico aos pais é preferível ao modelo virtuose. Ao contrário de uma apresentação formal e estruturada de parte de um grupo de especialistas, o modelo interativo utiliza as perguntas feitas pelos pais no estabelecimento do esquema e da orientação da sessão. A informação prestada com base nas necessidades e interesses dos pais em geral é mais bem compreendida e mais útil. Comumente, apenas um ou dois profissionais se reunirão aos pais para discutir uma variedade de problemas por determinado tempo. Morgan (1973) enfatiza que os profissionais devem se conscientizar de que até mesmo os esforços de diagnósticos mais exaustivos e detalhados serão quase que emboteis para a criança retardada, a menos que os resultados e as implicações sejam esclarecidos aos pais de forma adequada. Segundo Morgan: “Certos termos loquazmente empregados pelos profissionais para descrever níveis gerais de retardamento não têm significado algum para a maioria dos pais”. 58 Em um estudo de 1970, Marshall e Goldstein descobriram que o método de apresentação e o tipo de condição debilitadora poderão influenciar na quantidade de informações compreendidas pela mãe. Três tipos de consulta foram usados para prestar informações às mães de crianças com deficiência da fala e inteligência normal. Os três procedimentos eram: consultas de diagnóstico rotineiras, videoteipe da consulta e audioteipe da consulta. Embora parecesse não haver uma diferença significativa entre os resultados dos métodos de audioteipe e videoteipe, a reprodução mecânica da consulta de fato promoveu a compreensão da informação, especialmente no caso de mães de crianças deficientes da fala e inteligente. É necessário um estudo mais profundo para determinar as condições sob as quais o equipamento audiovisual pode facilitar a interpretação da informação; parece, porém, que a reprodução mecânica pode ser benéfica em algumas situações. McDavis. Nutter e Lovett (1982), num estudo das necessidades de aconselhamento de trinta estudantes deficientes e de seus pais, descobriram que os profissionais mais apreciados pelos pais eram aqueles que lhes forneciam informações precisas, demonstravam preocupação, ofereciam encorajamento, exibiam respeito, apoiavam os esforços dos pais em cuidar dos filhos, ajudavam-nos a tomar decisões e não sentiam piedade deles. Mais especificamente, num estudo realizado com 234 casais pais de crianças com deficiência de aprendizado, Dembinski e Mauser (1977) descobriram que os pais tinham suas próprias recomendações aos médicos: * usar urna linguagem clara; * oferecer uma atmosfera aberta e informal que permita aos pais sentirem- se livres para fazer perguntas; * incluir ambos os pais nas consultas; * indicar material de leitura ou referências não-técnicas para ajudar os pais a compreenderem melhor o problema da criança; * oferecer relatórios por escrito; * promover o entrosamento entre as disciplinas a fim de diminuir o número de profissionais a ser consultado; * oferecer assistência educativa aos pais; e * oferecer informações a respeito do comportamento social assim como do escolar. 59 Somando-se a isso, Williams e Darbyshire (1982) que a maioria dos pais em seu estudo expressou um desejo por um aconselhamento melhor à época do diagnóstico e assistência subseqüente em relação a problemas educacionais e comportamentais. Em relação a esse desejo, Abramson e outros (1977) sugeriram que os médicos agissem como orientadores ao diagnosticar condições debilitadoras e fornecessem informações sobre serviços comunitários a fim de diminuir o intervalo de tempo entre o diagnóstico de um problema e o inicio do tratamento especializado. Parece possível tentar identificar alguns dos fatores que influem nos resultados de encontros entre pais e profissionais. Por exemplo, em 1969, Davidson e Schrag investigaram as variáveis que determinam se as recomendações feitas durante consultas psiquiátricas infantis são ou não seguidas. Constatou-se, nesse estudo, que 52% das recomendações proferidas nas consultas iniciais não eram observadas. As recomendações eram seguidas mais à risca se ambos os pais estivessem presentes, em comparação com os casos em que apenas um comparecia. A idade da criança também era um fator significativo, pois as recomendações eram seguidas em maior número com crianças abaixo de nove anos, comparadas àquelas acima de treze anos. Descobriu-se que os pais que haviam discutido os problemas do filho com outras pessoas tinham uma tendência maior a respeitar as recomendações do que aqueles que não falaram sobre o assunto com ninguém. Uma descoberta bastante significativa foi a de que os pais estavam mais dispostos a seguir as recomendações se concordassem com o diagnóstico e a avaliação do problema por parte do profissional. Os pesquisadores ressaltaram o fato de que, a menos que os pais compreendam e aceitem as informações que lhes são apresentadas, muito pouco pode ser feito pela criança. Como não foi encontrada nenhuma relação significativa entre as reações da criança à consulta e o cumprimento das recomendações, deve-se enfatizar a grande importância das atitudes e reações dos pais. Mesmo fatores aparentemente insignificantes, que em geral são ignorados, podem influenciar a eficácia da consulta. Por exemplo, quando as famílias tinham de esperar mais de uma hora para ser atendidas, ficavam mais inclinadas a não seguir as recomendações do que as famílias que esperavam meia hora ou menos. Talvez as técnicas específicas de condução de entrevistas de diagnóstico algum dia serão determinadas pelo conhecimento desses fatores que podem exercer significativa influência. 60 Atualmente, a forma e o conteúdo das consultas iniciais parecem basear- se mais na conveniência e nas opiniões dos profissionais do que nas necessidades especiais dos pais e das crianças. Infelizmente, o encontro diagnóstico inicial é muitas vezes a única forma de aconselhamento que o individuo excepcional e seus pais recebem. Pela falta de oportunidades e recursos ou pela ausência de uma preocupação genuína, os pais de uma criança excepcional com freqüência encontram-se sozinhos, sem nada mais do que um rótulo como retardado mental ou portador de deficiência de aprendizado para seu filho. Existem programas de educação especial nos quais a criança pode adquirir habilidades de cuidados pessoais ou habilidades acadêmicas, dependendo de sua capacidade, mas um número relativamente pequeno desses programas oferece também uma orientação de fato útil no que se refere aos muitos problemas e situações difíceis, os quais a criança e a família devem enfrentar. Além de facilitar a aquisição de conhecimentos cognitivos e grupo parecia desempenhar o papel, que cabe à família, de oferecer apoio e orientação na solução de problemas. Em 1974, Gumaer e Myrick fizeram uso da terapia comportamental em grupo com 25 crianças indisciplinadas da escola primária. Durante oito sessões de terapia, as próprias crianças identificaram os comportamentos que necessitavam melhorar, (por exemplo, falar alto e levantar-se da carteira durante as aulas). Dados do comportamento foram coligidos e organizados, e usaram-se doces e elogios como reforços do comportamento adequado. Mais adiante, discussões em grupo permitiram às crianças compartilhar seus sentimentos e receber o feedback das outras. Os professores receberam treinamento no uso das técnicas comportamentais e foram elogiados pelo terapeuta por seus esforços positivos. Durante as oito semanas de sessões terapêuticas, o comportamento indisciplinado foi quase completamente eliminado, ao mesmo tempo em que o comportamento adequado tornava-se mais freqüente na sala de aula. 63 Contudo, após a interrupção da terapia em grupo e do reforço sistemático, o comportamento de algumas das crianças voltou à condição anterior. Os autores da pesquisa afirmaram que o reforço temático contínuo na sala de aula, terminada a terapia, poderia ter dado resultados mais duradouros. Dois métodos de terapia em grupo com 52 alunos vítimas de distúrbios emocionais foram comparados por Maynard, Warner e Lazzaro, em 1969. O método de terapia através do reforço verbal envolvia vários tópicos para discussão (por exemplo, a colocação em uma turma especial, o relacionamento com os outros o comportamento em sala de aula), que eram apresentados pelo terapeuta, o qual, durante as discussões, reforçava verbalmente comentários considerados positivos, apropriados e úteis à compreensão da situação. O segundo método de aconselhamento permitia aos grupos escolherem e discutirem seus próprios tópicos através de uma abordagem não-diretiva, centrada no paciente. Os resultados não apontaram diferenças relevantes entre os grupos que foram submetidos cada qual a um método. Ambas as abordagens mostraram-se eficazes e benéficas, comparando-se esses grupos a outro grupo estudado e que não recebeu qualquer tipo de terapia. Em 1970, Humes descreveu um método eclético de aconselhamento de adolescentes com certo grau de retardamento mental, porém aptos a determinado nível de aprendizagem. Doze sessões semanais de uma hora de duração foram divididas entre três sessões auxiliares e nove sessões de solução de problemas. Durante as cessões auxiliares, enfatizavam-se a aceitação, a compreensão e a cordialidade, à medida que o terapeuta fazia uso de uma abordagem não-diretiva e não-estruturada. Nas outras sessões voltadas para a solução de problemas, exploravam-se dificuldades especificas em áreas como adequação escolar, interação com a família e colegas e relacionamentos heterossexuais. Algumas figuras do Teste de Percepção Temática e do Teste de Figuras e Histórias de Symonds foram usadas para estimular idéias e debates. Humes declarou que essa abordagem resultou em um maior nível de socialização e de relacionamentos interpessoais, e sugeriu que outros excepcionais, além de adolescentes retardados mentais com possibilidade de aprendizagem, se beneficiariam com a combinação entre técnicas estruturadas e não- estruturadas. DeBlassie e Cowan (1976) também consideraram a terapia em grupo eficaz no caso de deficientes mentais com certa capacidade de aprendizagem e declararam que os problemas eram mais rapidamente revelados e os sentimentos de inadequação tratados de modo mais imediato do que na terapia individual. 64 Vance, McGee e Finkle (1977) crêem que a terapia em grupo é com freqüência o método adotado para os alunos retardados mentais devido à sua eficácia no passado, à economia em termos de tempo e dinheiro e à ênfase na interação social e conseqüente sucesso na construção da auto- imagem e no progresso das relações interpessoais. Os pesquisadores acreditam que a terapia em grupo proporciona oportunidades para: 1) identificar o comportamento mal-ajustado, 2) promover os sentimentos de aceitação e de grupo, 3) fazer novos amigos e criar novos interesses, 4) corrigir conceitos errôneos a respeito de si mesmo e dos outros, 5) liberar ansiedades e tensões, e 6) aprender a lidar com situações sociais semelhantes às que podem ser encontradas fora desse grupo. Vance e seus colegas também forneceram orientações específicas em relação a atividades, composição do grupo, extensão das sessões e comportamento do terapeuta. TERAPIA DE PAIS EXCEPCIONAIS O campo da terapia de pais atualmente vem recebendo maior atenção devido às determinações da lei 94-142 e à conscientização por parte dos profissionais do fato de que mesmo os melhores programas educacionais e terapêuticos oferecerão poucos benefícios à criança excepcional, se não existir o apoio por parte dos pais. Em 1969, Radin realizou um estudo onde três grupos semelhantes de doze crianças deficientes, porém com muitas habilidades, que haviam previamente freqüentado um programa pré-escolar, foram expostas a diferentes tipos de experiências no jardim de infância. Enquanto um dos grupos freqüentava um jardim de infância comum, outro participava do Programa de Intervenção Suplementar no Jardim de Infância (SKIP), além da escola regular. O SKIP enfatizava o desenvolvimento em áreas cognitivas discutidas por Piaget, tais como classificação e representação. O terceiro grupo participava da escola comum e do SKIP, e também desfrutava de um programa de terapia dos pais. As mães participavam de modo ativo do programa educacional dos filhos e tornaram- se valiosas fontes de aprendizagem no lar. Os resultados do estudo indicaram que o fator que proporcionava as mais altas performances das crianças nos testes cognitivos e também um ambiente mais estimulante em casa era o programa de terapia dos pais. 65 Millman (1970) descreveu encontros abertos nos quais de dez a doze pais de crianças com pequenas disfunções cerebrais participavam semanalmente de sessões de sessenta a noventa minutos, pelo período que desejassem. O propósito das sessões era fornecer informações a respeito de disfunções cerebrais e de como essas deficiências afetam o comportamento das crianças, e também dar oportunidade aos pais de discutirem suas próprias atitudes e seus sentimentos em relação aos filhos. Millman declarou que os pais relataram uma maior compreensão da disfunção cerebral pela primeira vez, assim como uma maior eficácia em tratar o comportamento dos filhos. Bricklin, em 1970, registrou o sucesso com grupos de pais de crianças portadoras de deficiências de aprendizagem. No seu método, pais recém- afiliados são a princípio entrevistados individualmente, a seguir com outros pais novatos, e por fim como parte de um grupo já existente. Em geral, os pais de crianças com dificuldades e idades semelhantes são postos num mesmo grupo. As sessões iniciais são altamente estruturadas com grande participação do líder, mas os pais aos poucos assumem uma responsabilidade maior pelas discussões do grupo. Durante as reuniões, os pais recebem informações mais precisas a respeito dos problemas específicos de seus filhos e têm oportunidade de partilhar sentimentos e idéias. Bricklin ressaltou o fato de que certos aspectos das sessões de terapia podem apresentar dificuldades para os pais devido à complexidade de se modificarem padrões estabelecidos de percepção e reação às crianças. Bricklin, afirma, no entanto, que tanto pais quanto filhos têm a capacidade para mudar. De acordo com Lewis, embora algumas técnicas de terapia em grupo tenham sido investigadas, a maioria da descrição desses procedimentos não inclui grupos de estudo para comparação ou o uso de testes objetivos. Em uma pesquisa de 1972, com o objetivo de investigar os resultados de uma técnica de grupo aplicada a 62 pais de crianças com retardamento mental, Lewis utilizou um grupo de estudo, que não tomou parte na terapia, e dois testes objetivos. O Instrumento de Pesquisa da Atitude dos Pais, de Schaefer e Bell (PARI, 1955), era usado para medir mudanças de atitudes, Um pequeno número de pesquisas investigou a relativa eficácia de aplicar terapia a grupos diferentes. Taylor e Hoedt (1974) compararam os efeitos da intervenção direta através da terapia com as crianças aos efeitos da intervenção indireta através do aconselhamento de pais e professores. Neste estudo, 372 crianças apresentando distúrbios comportamentais, na escola primária, foram divididas em quatro grupos que receberam diferentes tratamentos. Em um dos grupos, as mães das crianças receberam um tipo de terapia grupal adleriana; em um segundo grupo, os professores das crianças foram submetidos ao mesmo tipo de terapia. As crianças, no terceiro grupo, estavam diretamente envolvidas na terapia grupal, e as do quarto grupo não foram submetidas a qualquer tipo de terapia especial, quer para elas mesmas, quer para professores e pais. As mães e professores dos primeiro e segundo grupos foram treinados a identificar os problemas de comportamento das crianças e, a partir daí, aplicar os princípios de encorajamento adequados. As crianças que receberam a terapia lidavam com quaisquer abordagens que parecessem mais adequadas a seus grupos. Após um período de dez semanas, os resultados indicaram que a terapia com adultos importantes na vida da criança, tais como país e professores, era mais eficiente na redução dos problemas comportamentais do que o trabalho direto com a criança. Em outro estudo realizado em 1972, Love, Kaswan e Bugental compararam a eficácia de três intervenções realizadas com 91 crianças com problemas emocionais e distúrbios do comportamento, na escola primária, vindas de diferentes níveis sócio-econômicos. Em um grupo dessas crianças, foi usada a terapia infantil direta, baseada na teoria psicanalítica. Os pais de outro grupo de crianças foram submetidos a uma terapia, que também era orientada segundo a psicanálise. Com o terceiro grupo foi usada uma nova abordagem denominada feedback de informação, na qual informações interpessoais a respeito de cada criança eram reunidas através de questionários, observações do comportamento e gravação em vídeo das interações familiares. Essas informações eram então apresentadas aos pais e professores para que as discutissem e tomassem decisões a seu respeito. Os pesquisadores concluíram que as intervenções que enfocam os pais são mais eficazes no aprimoramento das atitudes das crianças na escola do que a psicoterapia infantil por um período limitado. Descobriu-se que o feedback de informação resultava em melhores notas para as crianças de níveis sócio-econômicos mais altos. 69 O aconselhamento dos pais produzia notas mais altas para crianças de níveis sócio-econômicos mais baixos, e a terapia infantil estava associada a notas baixas em todos os níveis. Os autores afirmaram que, embora os três métodos produzissem algum progresso no comportamento, possivelmente devido à atenção, a comparativa debilidade dos efeitos da terapia infantil indicava que os pais e não os terapeutas são o principal centro de atenção. A MELHORIA DAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS. Muitos profissionais argumentariam que seria fútil uma tentativa de determinar quem (os pais ou os indivíduos deficientes) deve ser o receptáculo da terapia, pois em geral uma abordagem ecológica à intervenção é preferível. Por exemplo, Perosa e Perosa (1981) vêem a criança como parte do sistema familiar e, portanto, consideram a terapia efetiva destinada à criança deficiente algo impossível sem o envolvimento e o apoio da família. Eles afirmam que a deficiência da criança afeta toda a estrutura familiar, causando no seu âmago uma miríade de problemas. Assim, os esforços dirigidos a tais problemas devem incluir todos os membros da família afetada. Em 1974, Seltz e Hoekenga focalizaram as interações entre pais e filhos em um programa no qual os pais observavam e imitavam modelos no seu relacionamento com os filhos. Quatro pares de pais e crianças com retardamento mental tomaram parte no programa de uma hora a cada dia, três vezes por semana, por oito semanas. Os pais primeiro observaram terapeutas trabalhando com seus filhos enquanto lhes eram explicadas as atividades executadas, Aos poucos, os pais assumiram a responsabilidade de trabalhar com as crianças, até que substituíram os terapeutas por completo nas duas últimas sessões. O progresso foi medido em termos do maior número de interações verbais ocorridas entre pais e filhos. Ao fim do programa todas as crianças haviam aumentado a extensão média de seus balbucios, e três crianças chegaram a aumentar o número de balbucios por sessão de modo significativo. Em acréscimo, o comportamento verbal dos pais mudou substancialmente. Por exemplo, eles faziam mais perguntas e davam mais comandos nos momentos em que estes eram convenientes. Os pesquisadores observaram que o comportamento verbal modificado dos pais produzia um aumento nas reações positivas por parte das crianças. 70 Segundo Seltz e Hoekeng, a conseqüência mais importante dessas mudanças o comportamento verbal de pais e filhos foi que a criança se tornou um participante ativo no processo de comunicação e não um simples receptor passivo da estimulação verbal. Ray (1974) estudou outro programa que dava ênfase ao aperfeiçoamento da relação pai-filho em vez de oferecer terapia para os pais ou as crianças apenas. No Centro de Treinamento da Família, no Tennessee, crianças retardadas entre três e quatorze anos de idade e seus pais participaram juntos de um programa interativo de modificação do comportamento, no esquema de internato pelo período de um mês. Os pais primeiro observaram a equipe interagindo com seus filhos e receberam explicações e descrições das várias técnicas e princípios comportamentais em uso. Á medida que os pais demonstravam maiores conhecimentos e habilidades em dirigir o comportamento, as crianças passavam mais tempo em casa, com um orientador disponível para consultas e apoio no lar, se os pais precisassem. Ray descreveu o treinamento familiar como uma ruptura dos métodos tradicionais de aconselhamento e terapia, que muitas vezes só tem início depois que padrões negativos de comportamento se encontram firmemente estabelecidos. O treinamento familiar enfatiza a prevenção de deficiências mais graves, ensinando a pais e crianças novos modos de se comportar e interagir. REESUMO Considerando-se em termos numéricos a literatura já publicada sobre a terapia de crianças excepcionais e de seus pais, parece-nos que é grande o conhecimento nessa área. No entanto, talvez a única conclusão a que podemos chegar com esse resumo da literatura é que os resultados das pesquisas e as opiniões expressas nos estudos são inconclusivos. Mas, apesar de essa literatura não apresentar verdades e fatos irrefutáveis, algumas descobertas fornecem informações importantes, que esperamos venham a ser úteis. É óbvio, por exemplo, que os profissionais desse campo necessitam dedicar atenção muito maior à forma e ao conteúdo das entrevistas diaganosticadoras iniciais com os pais. Os resultados das pesquisas existentes demonstram, de modo claro, que os pais freqüentemente ficam confusos e insatisfeitos com as informações, ou a falta delas, a respeito dos problemas de seus filhos. 71 Um estudo realizado indicou que o termo “comportamento volúvel” aplicado aos pais que procuram a ajuda de muitos profissionais é ao mesmo tempo usado de modo excessivo e errôneo, pois os poucos pais que foram qualificados no estudo como pais “volúveis” procuravam assistência válida e um simples diagnóstico diferente. Mesmo que um grande número de pais adote esse comportamento, os profissionais talvez devam ver este fato como um reflexo da qualidade dos serviços oferecidos e não como uma indicação de negação da realidade por parte dos pais. Embora as opiniões em relação ao modo como a consulta inicial deve ser conduzida sejam divergentes, há um consenso de que a presença de ambos os pais e a ênfase na interação em vez de uma apresentação formal e estruturada do problema proporcionam um maior número de informações. A literatura também enfatiza o fato de que as chances de que os pais sigam as recomendações social. Há aqueles que acreditam que a própria existência da nossa cultura dependerá da volta à extensão da família, onde grandes grupos de pessoas com a mesma ancestralidade vivam juntos em uma unidade definida e estruturada. Esses grupos podem incluir pais, avós, bisavôs, filhos, netos até mesmo os parentes dos cônjuges. Sob o mesmo teto, essas pessoas apóiam e amam umas as outras, fazem planos juntas e partilham do processo da vida de uma forma cooperativa, para o bem e a realização de todos. Outros, como Cooper (1970) e Laing (1967), vêem a família da maneira como a conhecemos hoje, como a força isolada mais prejudicial à individualidade, ao desenvolvimento humano e à personalidade, e a extinguiriam por completo. Aconselhariam a educação dos filhos longe dos pais e de qualquer estrutura familiar, pondo-os nas mãos de pessoas competentes, profissionalmente treinadas para a sutil e complexa tarefa de educar crianças. Até mesmo o renomado psicólogo Bruno Bettelheim sugeriu que, se quisermos que todas as crianças tenham oportunidades iguais de desenvolvimento da inteligência, teremos de nos libertar de alguns de nossos mais arraigados preconceitos — o de que as crianças são propriedade privada dos pais e o de que estes podem delas dispor da maneira que desejarem. Independente de qual dos dois pontos de vista adotemos em relação à importância da família, ou se achamos que há pontos positivos e negativos em ambos, não há dúvida de que a família, tal qual existe atualmente, é uma força poderosa. Ela desempenha importante papel na determinação do comportamento humano, na formação da personalidade, no curso da moral, na evolução mental e no estabelecimento da cultura e de suas instituições. 78 Como influente força social, não pode ser ignorada por qualquer pessoa envolvida no estudo do crescimento, do desenvolvimento, da personalidade ou do comportamento humanos. No passado, o relacionamento mãe-filho dentro da família era como o mais importante e considerado a primeira relação social e, portanto a mais influente na formação da personalidade e do comportamento. Por esse motivo, era o objeto de estudos mais freqüentes. Embora esse relacionamento ainda seja tido como central torna-se cada vez mais claro que as relações individuais ou em grupos tornam-se significativas sob o ponto de vista dinâmico, apenas quando são parte de um contexto social mais amplo. Essas descobertas fizeram com que os pesquisadores mudassem o foco da atenção do relacionamento mãe-filho na família para o estudo das interações dentro de toda a unidade familiar, como grupo. O PAPEL DA FAMÍLIA NORMAL Sociologicamente a família é definida como um sistema social pequeno e interdependente, dentro do qual podem ser encontrados temas ainda menores, dependendo do tamanho da família e da definição de papéis. Em geral o pai e a mãe formam a unidade central e mais significativa, a cabeça da família, mas existem também outros relacionamentos intra- familiares, tais como pai-filho, pai-filha, mãe-filho, filha, irmão-irmã, que exercerão influência uns sobre os outros. Sabe-se que os complexos inter- relacionamentos entre todos os membros da família, e entre os subgrupos que se formam dentro dela e quaisquer modificações que aí ocorram irão exercer sua influência em cada membro individualmente e no grupo como um todo. Qualquer mudança no comportamento, como uma súbita partida, ou súbito acréscimo à unidade, transformará toda a família. Isso se torna claro no caso de um divórcio, nascimento ou morte na família. A maior parte das famílias possui uma estrutura razoavelmente, estável, papéis bem definidos, suas próprias regras estabelecidas em comum acordo e seus próprios valores. 79 Em geral, quando esses aspectos são coerentes, verifica-se uma redução dos problemas, da carga da tomada de decisões e da necessidade de modificações básicas na estrutura familiar. Todos os membros da unidade familiar conhecem seus papéis e sabem como devem desempenhá-lo. Porém, mesmo em tais famílias saudáveis, uma ocorrência violenta, como uma doença séria e prolongada, desastres naturais e dificuldades financeiras imprevistas, exigirá dos membros uma redefinição de seus papéis e o aprendizado de novos valores e padrões de comportamento, a fim de se ajustarem ao novo estilo de vida. Em outras palavras, a cada novo evento de impacto, a família deve ser reestruturada. A extensão dessa reestruturação será determinada pela força do estímulo causal, o grau de intimidade dos inter-relacionamentos da unidade e a profundidade das reações emocionais envolvidas. Embora seja em si mesma uma unidade social significativa, a família não vive em um vácuo social. Ela é, na verdade, uma parte de uma unidade social maior, a comunidade imediata e a sociedade total em que existe. Em uma certa perspectiva, trata-se de uma pequena cultura dentro de uma outra mais ampla, sobre a qual age e à qual reage. Qualquer ocorrência sociopatológica dentro da sociedade mais ampla também exercerá seus efeitos sobre a família e todos os seus membros. O preconceito social, por exemplo, de parte da comunidade em relação a um ou todos os membros da família imporá seu peso a cada um. O preconceito pode ser dirigido à raça cor, religião, condição econômica, ao status social e até mesmo diferenças físicas e mentais e se constituirá em uma força potente e influente no comportamento da família. Todos esses fatores determinarão aquilo a que se refere à literatura psicológica como o tom ou clima emocional da família. Esse termo diz respeito à atmosfera sutil, porém em geral consistente, criada pela interação dos membros dentro da unidade familiar. Embora as pesquisas tenham com maior freqüência se concentrado na correlação entre as técnicas de educação dos filhos e seus efeitos sobre as características de personalidade das crianças de uma família, há ainda perguntas sem respostas no que diz respeito ao positivismo dessa correlação, como afirmaram Behrens (1954) e Johnson e Medennis (1964). Por outro lado, há um apoio positivo e significativo a uma maior aplicação da teoria do “clima familiar” e de como ele afeta o crescimento e o desenvolvimento de cada um dos membros (Sears, Maccaby e Levin, 1957; MacGregor e outros, 1964, Satir, 1964; e Rogers, 1939). 80 Hoje em dia, é comum, tanto na literatura leiga quanto na especializada, culpar-se a família por todos os males sociais. Ela é a culpada pelo aumento do índice de criminalidade, pelo consumo de drogas e pela alarmante elevação do número de suicídios. Os educadores atribuem-lhe a responsabilidade pelos fracassos escolares; oficiais de justiça a culpam por não educar as crianças, criando delinqüentes juvenis; os psicólogos culpam os pais por causarem problemas emocionais e de aprendizagem incapacitantes nos filhos. Essas acusações baseiam-se apenas parcialmente em fatos. Os problemas são também provocados pelas escolas, por leis antiquadas e incoerentes, por procedimentos de reforço da lei impróprios e por uma sociedade confusa, instável, atingida por constantes mudanças radicais. É verdade que a família deva assumir sua parte da responsabilidade, pois é dentro dos limites desta unidade social que a criança aprenderá a ser o tipo de ser humano que a sociedade determina como normal. Mas, além disso, é também aqui que se aprende a ser e desenvolver a individualidade e a tornar-se uma pessoa criativa em busca da auto-realização. Esse é um difícil encargo para os membros da família, os quais são produtos de outras famílias na maioria dos casos, prepararam-se de forma inadequada para essas complexas tarefas. Diz-se que “ter um filho não faz de ninguém um pai”. Qualquer pessoa normal do ponto de vista fisiológico e anatômico pode ter um bebê; porém, para ser um bom pai ou mãe, são necessários habilidade, conhecimento, sensibilidade e sabedoria — qualidades que não estão facilmente ao alcance de todos. Não que os pais tenham que ser perfeitos, eles apenas devem ser atentos, sensíveis e humanos. Parece que não é a perfeição a chave do reações forem negativas, assumirão que são limitadas, sem atrativos, atrapalhadas e obtusas, com um futuro sombrio à frente. Até certo ponto, cada pessoa na família diz às outras quem elas são e se, provavelmente, serão bem-sucedidas ou não, mesmo antes de entrarem em contato com a sociedade maior, além dos limites do lar. 83 Jean-Paul Sartre (1956) chega ao ponto de afirmar: “Antes que as crianças nasçam, mesmo antes de serem concebidas, seus pais já decidiram quem elas serão.” É difícil para uma criança indefesa, sem alternativas então, discordar. A família continua a desempenhar seu papel mesmo depois que a criança está apta a interagir no ambiente fora do lar. As crianças passam por novos e por vezes frustrantes períodos de crescimento à medida que se tornam parte da estrutura social mais ampla. Seus amiguinhos lhes farão novas exigências, verão a elas de forma diversa e lhes proporcionarão novos insights de si mesmas. Seus professores e escolas poderão lhes impor exigências adicionais e forçá-las a estruturas formais mais restritas, onde será esperado delas a conformação a certos padrões de comportamento e o cumprimento de certos objetivos estipulados. “Você não pode fazer tudo o que quer”, ouvirão. “O mundo não pertence a você!” “Ajuste-se ou caia fora.” Com freqüência não lhes são oferecidas muitas alternativas, ao contrário do que acontece em casa e com a família. Como afirmou Robert Frost: “Nosso lar é um lugar onde, quando chegamos todos são obrigados a nos aceitar”. A família saudável assume um papel a mais, o de apoio, compreensão e aceitação. É o ambiente que se mantém de certa forma constante — mesmo quando todas as coisas parecem estar em contínua mudança. E assim será à medida que a criança caminha para a idade adulta. Basicamente, então, o papel da família estável é oferecer campo de treinamento seguro, onde as crianças possam aprender a ser humanas, a amar, a formar sua personalidade única, a desenvolver sua auto-imagem e a relacionar-se com a sociedade mais ampla e mutável da qual e para a qual nascem. Em graus variáveis, as famílias têm sucesso ou fracassam na tentativa de ajudar a criança na realização dessas funções vitais. Não obstante, a criança atingirá a idade adulta com ou sem esse aprendizado, e terá de lidar com os resultados. Talvez nunca consiga se ajustar à sociedade ou talvez adquira as habilidades necessárias mais tarde, as reaprenda ou desaprenda, dependendo das pressões de que é capaz ou está disposta a suportar no decorrer do processo inerente à sua auto-realização. 84 O PAPEL DA FAMÍLIA DO DEFICIENTE Todos os fatos em relação ao papel de qualquer família são verdadeiros no que se refere à família do deficiente. Porém, há provas que indicam que os problemas serão mais intensos no caso de uma família com um membro deficiente. A partir do momento em que uma criança ou um adulto deficiente é trazido para casa, vindo do hospital, o clima emocional da família se transforma. Naturalmente, esse fenômeno ocorre mesmo com a chegada de um bebê normal ou com a estada de um visitante mesmo que por um breve período de tempo. Os climas emocionais variarão e sofrerão mudanças decorrentes dos estímulos externo. No entanto, em um lar que agora se defronta com um indivíduo deficiente, os integrantes, que até esse momento estiveram seguros em seus papéis bem definidos, terão de passar por uma mudança drástica. Por exemplo, a mãe, que partiu para o hospital cheia de alegria e expectativas, regressará a um ambiente bastante diferente. O pai já foi forçado ao seu novo papel e já ajustou os sentimentos necessários. A seu modo, ele já preparou a família para o fato. Como já mencionamos anteriormente, em geral o nascimento é uma época de alegrias e celebração. Aqui o caso é diferente, porém. A família, por ocasião da chegada da criança a casa, já terá sentido o impacto do acontecimento estranho e misterioso: um de seus membros é deficiente. Grande parte da reação inicial a essa notícia será determinada pelo tipo de informação fornecida, a forma como ela é apresentada e a atitude da pessoa que faz a comunicação. No caso do nascimento de uma criança deficiente, como a mãe em geral está hospitalizada, a tarefa de comunicar à família freqüentemente cabe ao pai. Muitos pais não possuem nem o conhecimento, nem a habilidade para apresentar de forma adequada essa informação, tão pesada no aspecto emocional, às crianças e aos parentes. Isso é compreensível. Talvez ele precise da ajuda de um assistente social ou de um médico. O modo como a criança deficiente será aceita na família e o resultante clima emocional dependerão em grande parte da explicação inicial. É errada a atitude dos pais de tentarem disfarçar os fatos apresentados à família e aos parentes, no intuito de amenizar o choque, pois, na maior parte dos casos, esse comportamento representa uma forma inconsciente de esquivar-se a uma responsabilidade desagradável. 85 O raciocínio será o de que “as crianças nessa idade, de qualquer forma, não compreenderão mesmo”. É surpreendente o quanto as crianças compreendem e aceitam quando são incluídas nos conteúdos emocional e intelectual dos problemas familiares. É somente quando os fatos são disfarçados e as emoções negadas que os medos, a confusão e a impotência tomam o lugar da ação legítima. A informação é vital, assim como também é vital o clima emocional da sua apresentação. É inútil disfarçar sentimentos. As crianças têm anos de conhecimento da psicologia dos pais, e a tentativa destes de esconder de si mesmos e dos filhos seus verdadeiros sentimentos é a espécie de logro mais grave e destrutivo, o qual produz inevitavelmente uma atmosfera de mistério que, por sua vez, cria a ansiedade e o medo. Embora todos os fatos não sejam conhecidos na ocasião, esses sentimentos podem ser evitados pela verdade, a partilha do problema, seus possíveis efeitos sobre a família e o seu significado para cada individuo. Geralmente, nos primeiros dias de vida de um deficiente, é impossível saber a extensão do problema ou determinar futuras implicações. Mas há uma grande margem de segurança na decisão do que se pode fazer agora. A mãe de uma criança portadora da síndrome de Down (mongolismo) contou-me que ela e o marido decidiram não dizer nada aos outros filhos até que trouxessem o bebê deficiente para casa, talvez na esperança secreta de que a deficiência passaria despercebida. Quando finalmente a família se reuniu para ver o bebê, as características físicas da criança causaram grande curiosidade, ansiedade e até mesmo medo entre os irmãos. O caçula, em lágrimas, gritou: - “Eu não gosto desse bebê. Ele não é bonito. Eu o odeio. Levem ele de volta”. Os pais concluíram que as lágrimas, a dor e o efeito negativo dessa explosão tiveram proporções muito maiores do que se tivessem preparado as crianças de modo adequado. Pesquisas clínicas têm revelado que a maior influência sobre a aceitação ou rejeição da criança deficiente pela família é a atitude da mãe. Se ela é capaz de lidar com o fato com aceitação e segurança razoáveis, de uma forma bem ajustada, a família será capaz do mesmo. Banish (1961) descobriu que as crianças seguem as atitudes dos pais no que se refere a um deficiente na família. Se a mãe se torna melancólica, chorosa, desapontada, desajeitada e lamentosa, o pai e os Irmãos seguirão seu exemplo. 86 Naturalmente, existem outros fatores que afetarão o papel da família na aceitação ou rejeição de um membro deficiente. Foi descoberto, por exemplo, que o modo como um grupo familiar enfrentou os problemas sérios no passado está diretamente ligado ao modo como lidará com novos problemas. Se esse grupo enfrentou os conflitos com soluções conjuntas, tratamento que deveriam ser experimentadas de imediato. Esses comentários repletos de boa intenção muitas vezes são interpretados pelas famílias supersensíveis e extenuadas como um questionamento crítico e cruel de suas capacidades e decisões como indivíduos maduros. Insinua-se com freqüência que, se a mãe tivesse sido mais cuidadosa durante a gravidez, se tivesse tomado conta de si mesma ou não tivesse se casado com aquele marido, essa criança deficiente não existiria. Tais pensamentos podem ser devastadores para as famílias que, conscientemente ou não, já se encontram em conflito com esses conceitos. A sociedade tem dificuldade em conviver com diferenças, e deixará isso claro de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmo inconscientes através do modo como isola o deficiente físico e mental, olha-o abertamente em público e evita o contato com ele sempre que possível. Em geral, as pessoas deficientes podem citar uma lista de mil ocorrências verbais e não-verbais nas qual a sociedade revela sua insensibilidade, falta de conhecimento, rejeição e preconceito em relação a elas. Esses sentimentos da sociedade têm seus efeitos sobre toda a família e sua relação com o membro deficiente. São comuns as histórias de vizinhos que apresentam a seguinte atitude: “Há uma criança excepcional naquela casa, e deve haver algo de muito errado com aquela família para ter um bebê assim”. 89 Uma mãe expressou sua ansiedade em relação à mudança de atitude de um de seus próprios filhos não-deficientes, que freqüentava a escola primária. Ela contou que essa criança não queria mais brincar ou mesmo ser vista em companhia do irmão deficiente. Ela se recusava a ser vista com ele em público. Anteriormente, fora muito apegada ao irmão e então, de súbito, surgiu esse desejo de evitá-lo. “Ela chegou mesmo a dizer a alguns vizinhos que ele não era de fato seu irmão”. O papel da família do deficiente, portanto, pode ser mais bem compreendido em um contexto sociopsicológico, em que, como no caso de uma família comum, há efeitos recíprocos contínuos entre a família e a criança, e a família, a cultura e a criança, uns sobre os outros. Qualquer mudança em um integrante da família afeta todos os outros, dependendo do estado psicológico do grupo. A principal diferença no caso da família com uma criança deficiente é que seus problemas são intensificados pelos muitos pré-requisitos, necessidades e atitudes que lhe são impostos devido à deficiência. Essa família pode atuar de uma forma bastante positiva como mediadora entre a sociedade em que seu filho terá de viver e o ambiente mais consciente e receptivo que ela pode lhe oferecer. Para isso, porém, cada membro da família deve adaptar seus próprios sentimentos em relação à deficiência e à criança deficiente. Toda a família deve entender que somente dessa forma ela poderá ajudar a criança a ajustar os seus sentimentos em relação à própria deficiência e por fim a si mama, como uma pessoa completa. A importância do papel da família não pode ser minimizada, pois é neste campo de experiências seguro que os indivíduos deficientes primeiro aprenderão e comprovarão continuamente que, apesar de suas graves limitações, é-lhes permitido serem eles mesmos. 90 Capítulo 5: Os Pais São Pessoas Antes de Tudo Quase todos os médicos que me viram e me examinaram rotularam-me como um caso interessante, mas sem esperanças. Muitos disseram à minha mãe, com delicadeza, que eu era um deficiente mental e que seria sempre assim. Foi um grande choque para uma jovem mãe que já tivera cinco crianças saudáveis. Os médicos estavam tão certos do que diziam que a fé de minha mãe em mim parecia quase uma impertinência. Asseguraram-lhe que nada poderia ser feito por mim. Ela recusou-se a aceitar a verdade inevitável — como então parecia — de que eu não tinha esperanças. Ela não podia e não acreditaria que eu era um imbecil, como os médicos afirmavam. Não havia nada nesse mundo em que pudesse se basear, nem mínima evidência para apoiar a sua convicção de que, embora meu corpo fosse aleijado, minha mente não era. Apesar de tudo que os médicos lhe disseram, ela não podia concordar. Não creio que soubesse por quê — apenas sabia, sem que a menor sombra de dúvida lhe passasse pela mente. CHRISTY BROWN - My Left Foot 91 Duas pessoas se casam, têm um filho e se tomam, por definição, pais. Esse conceito as coloca em um papel aceito e definido especificamente para elas pela sociedade e, até certo ponto, por elas próprias também. A paternidade sugere um certo número de pré-requisitos responsabilidades, respostas e características. Em muitos casos, pode significar para a mulher um misto de trabalho e realização e, para o homem um símbolo de masculinidade, força e virilidade. Para ambos pode se tratar de uma aceitação de responsabilidade, amadurecimento, a aquisição de um certo status, a realização, assim como o companheirismo. A paternidade é de modo muito real a união de singularidades, uma apresentação ao mundo, através da união, de outro produto único. Como sempre acontece, quando rótulos são impostos às pessoas, ou quando elas os aceitam, conceitos preconcebidos de comportamentos e sentimentos acompanham esses rótulos. Lembremos que até que adquiramos nossos próprios sentimentos e definições para tais rótulos, que nada mais são do que palavras, eles são apenas símbolos fonéticos sem significado, postos em ordem preestabelecida, mas, em si mesmos, somente vibração sonora. Emprestamos um sentido próprio às palavras que usamos, A palavra mãe, por exemplo, tem um significado dicionarizado, frio e clínico — “mulher, ou qualquer fêmea, que deu à luz um ou mais filhos”. Porém, dependendo de nossas experiências reais com mães, damos à palavra um forte sentido emocional, assim como um papel definido. O mesmo acontece com as palavras — pai e pais. O poder de uma palavra como “pais” é óbvio. A sua simples menção pode pôr um brilho de orgulho nos olhos de um homem ou de uma mulher, ou pode pôr em polvorosa os diretores de escolas em dias de festa: “OS Pais estão chegando!” Pode causar medo e tremores em um jovem namorado diante da situação: “Vou conhecer os pais dela hoje à noite”, ou pode fazer a futura noiva suspirar: “Quando eu me casar com ele, terei de aceitar seus pais também!” 92 Quando as palavras são geralmente associadas a expectativas e funções específicas, com freqüência criam uma reação e tornam-se um conjunto estereotipado que mais adiante atuará como um estímulo a certas atitudes e emoções preconcebidas. Segue-se, então, os pais são vistos em conjunto como objetos específicos. O perigo encontra-se em nosso muito humano desejo de simplificar através das generalizações. Se podem ser agrupados, torna-se mais fácil analisá-los, acusá-los e muitas vezes até mesmo ofendê- los sem ter que lidar com cada um deles como indivíduo. É comum ouvir-se alguns profissionais, que deveriam ter outra postura, suspirar: “Os pais são sempre a causa dos problemas dos filhos”, esquecendo que eles próprios são pais. Talvez não saibam que não muito longe dali deve haver outro profissional lamentando-se do mesmo modo por seus filhos! Um pai ou mãe é, em primeiro lugar, uma pessoa. Não podem ser separados da condição de pais, naturalmente, mas as pessoas são muito mais do que apenas pais. Ter um filho é apenas uma parte do complicada papel desempenhado por um indivíduo. Os pais são também filhos ou filhas, maridos e esposas, trabalhadores, cidadãos, consumidores e muitas outras coisas. Só em raros casos, o fato de tornar-se pai ou mãe muda de forma drástica uma pessoa. Em geral, um indivíduo solícito e amoroso será um pai ou mãe morrerão. No entanto, em um período muito curto os animais atingirão a sua plenitude, enquanto o homem continuará a crescer. Descobriremos formas de modificar nosso ambiente. Criaremos empatias com outras pessoas e perceberemos mudanças sutis nas interações. Poderemos estudar, observar e compreender sobre nós mesmos e os outros. Formaremos valores e idéias e reagiremos a eles. Adquiriremos a linguagem como a conhecemos (o único ser vivente com essa característica). Seremos capazes de nos desprender de nós mesmos e criar a beleza a partir do que somos. Não apenas reagiremos e usaremos os elementos do mundo, mas aprenderemos também a vivenciá-los e lhes daremos novas criações. 95 Embora nosso sistema nervoso central seja projetado para nos ajudar a limitar e modificar nosso ambiente, podemos usar a consciência para ampliar nosso mundo. Iremos descobrir, analisar, rotular e assimilar as experiências em um interminável processo de autodescoberta. Parece não haver limites para as nossas habilidades. A capacidade otimizada de desenvolvimento nunca foi medida. Todos os professores merecedores do título sabem independente do quanto alguém conheça determinado assunto, nunca se pode saber tudo sobre ele. Não importa o quanto nos tenha aprofundado em algo, sempre podemos afirmar abertamente que estamos apenas começando! O processo parece ser o seguinte: Quanto maior a consciência, maior a individualidade. Quanto maior a individualidade, maior o conhecimento. Quanto maior o conhecimento, maiores as descobertas. Em essência, aprendemos a ser quem somos, a sentir, a perceber o mundo; então, naturalmente, há sempre a possibilidade de que nossas percepções estejam erradas. E só saberemos disso se estivermos cm contato com sentimentos honestos em relação a nós mesmos. Com freqüência, também, são as respostas e reações das pessoas à nossa volta que funcionarão como um espelho para nosso comportamento. Se permanecermos “ligados”, perceberemos que o que vemos pode não ser uma interpretação precisa da realidade. Talvez descubramos que aquilo que sentimos pode não ser uma indicação do que o estimulo sugere ou até mesmo perceberemos que só estamos ouvindo o que queremos e não a mensagem que está sendo transmitida. Se desejamos ser mais exatos no que se refere a sentimentos e percepções, aprenderemos através dessas experiências que devemos nos modificar. O nascimento de uma criança deficiente, por exemplo, pode significar para nós que nosso eu atual não é suficiente, que precisamos de mais informações, de uma percepção mais acurada dos sentimentos, de uma maior compreensão e empatia pelos outros. Haverá novas exigências criadas por essa situação única. Estamos vivenciando um novo tipo de subcultura, onde são necessários novos insights, conhecimentos mais específicos, sentimentos mais sutis. Somos, portanto, levados à mudança, e a resistência a essa mudança só trará frustração e desespero. Pode parecer mais fácil permanecer sendo quem somos, mas logo descobriremos que essa idéia não corresponde à verdade. A resistência à mudança pode provocar sofrimentos. 96 A decisão de se modificar não será fácil, visto que exigirá um grande investimento em si mesmo, muita energia e dedicação disciplinada. Porém ela se tornará mais simples se compreendermos que tudo que é aprendido pode ser desaprendido, tanto no nível consciente quanto no inconsciente. Pesquisas revelam que, providos com o estímulo e a motivação adequados, podemos continuar aprendendo e nos ajustar a novos padrões de comportamento pelo resto de nossas vidas. Contudo, esse processo sempre impõe um certo grau de incerteza, de medo e de esforço. Herbert Otto afirmou que a transformação e o crescimento pessoais só ocorrerão quando os indivíduos estiverem dispostos a correr riscos e fazer experiências com a própria vida. As chaves do processo de transformação sugeridas por Otto estão em termos riscos e experiências. A mudança é sempre um risco; não temos nunca certeza de estar tomando a decisão correta ou de que seria melhor continuarmos como estamos. Mas certamente nunca descobriremos, a menos que estejamos dispostos a realizar experiências com nossas vidas, descobrindo novos caminhos, novas alternativas. Não que esses caminhos e alternativas já não existam em nosso interior, mas não tomamos conhecimento deles até que os busquemos de modo consciente. Até certo ponto, todas as coisas já existem nas pessoas, mas precisamos do mundo e dos outros para nos ajudar a reconhecê-las e pô-las em prática. Sidney Jourard (1971) declarou: “O crescimento é a desintegração de uma forma de vivenciar o mundo, seguida de uma reorganização dessa experiência, reorganização essa que inclui uma nova descoberta do mundo. Essa desorganização, ou mesmo fragmentação de uma forma de vivenciar o mundo é provocada por novas descobertas da condição imutável do mundo, as quais sempre foram transmitidas, mas que em geral eram ignoradas”. O que Jourard quer dizer é que nossas soluções são possibilidades dentro de nós, mas que para encontrá-las devemos primeiro fragmentar concepções antigas, que obscurecem as atuais, e deixar fluir as muitas novas possibilidades, Parece mais fácil do que é na realidade, mas essa teoria precisa ser posta em prática para que a comprovemos, A transformação também pode ser revigorante, plena de alegria, satisfação e encanto. 97 Os pais de crianças excepcionais não estão, sob qualquer aspecto, mais “preparados” do que os outros pais para as exigências de mudanças e adaptações com que se defrontam à época do nascimento de seu filho. No entanto, com freqüência, cobra-se deles que sejam super seres humanos e que, com pouca ou nenhuma opção, enfrentem de súbito sentimentos estranhos e confusos em relação a si mesmos e ao filho. Além disso, espera-se que compreendam problemas médicos complexos, ligados à deficiência da criança que, em questão de poucos dias, assimilem e integrem todos esses fatores, de forma que possam aceitar e assumir as responsabilidades adicionais do novo e misterioso papel que a deficiência física irá desempenhar em sua vida diária. Muitas vezes, a única ajuda que irão obter para a realização desse processo será dada pelo seu médico, que dedicará o tempo necessário à explicação de quaisquer malidades anatômicas. A maior parte dos médicos, porém, não é treinada como terapeutas humanitários — o papel do velho médico de família, há muito deixado para trás por nossa sociedade mecanicista, eficiente, sem tempo a perder. Nos consultórios atuais dos médicos muito ocupados, há pouco tempo dedicado a ouvir, explicar, assegurar e reassegurar. Mesmo quando existe tempo disponível, o médico mal preparado poderá se sentir pouco à vontade e inadequado a um papel para o qual recebeu pouca orientação. Por exemplo, um neurologista explicou a uma mãe confusa a incapacidade seu filho ler, com as seguintes palavras: “Sra. Smith, seu filho apresenta uma dislexia evolucionária em decorrência de uma pequena disfunção cerebral” Pausa. “A senhora compreende?” A seguir sorriu de modo irônico para si mesmo e acrescentou gentilmente: “Perdoe-me. Como a senhora poderia compreender?” Exercer a função de pais de uma criança deficiente é um papel novo e complexo. Para executar essa extraordinária tarefa, os indivíduos devem dispor de um diagnóstico médico compreensível, conforto no que se refere a sentimentos de culpa, incerteza e medo, alguma idéia vaga do que o futuro reserva para eles e os filhos e principalmente, muita esperança e encorajamento no sentido de ajudá-los a aceitar o desafio que têm pela frente. Independente de quantos profissionais os ajudem com palavras de conforto e explicações, na análise final, a responsabilidade maior cairá sobre eles, os pais. Uma professora do pré-escolar para crianças surdas definiu bem a situação quando disse: “É fácil para mim criticar esses pais e lhes dizer o que fazer. Fico com seus filhos durante apenas algumas horas por dia e alguns dias por semana. Eles vivem com essas crianças e seus problemas 24 horas por dia, todos os dias. Eu adoro trabalhar com crianças surdas, mas não tenho certeza se seria capaz de realizar o trabalho que esses pais estão fazendo se tivesse de ficar com eles noite e dia, sete dias por semana!” A primeira pergunta eu posso responder, mas a segunda é de fato difícil, pois a capacidade de suportar uma dor inevitável é algo que deve ser aprendido por si mesmo. E somente suportá-la não é suficiente, pois essa atitude pode ser uma raiz dura e amarga em nossas vidas, produzindo frutos tristes e venenosos e destruindo as outras vidas. Esse é só o começo. É preciso haver aceitação e o conhecimento de que a dor aceita em sua totalidade traz benefícios, pois há nela uma alquimia — a de poder ser transformada em sabedoria, a qual, se não carrega em si alegria, pode porém trazer felicidade. Crescer como pais é, de uma forma bem significativa, propiciar o crescimento de todas as coisas. Uma criança deficiente pode ser a chave para a realização contínua, acelerada e única de uma pessoa. Em um certo sentido, como indivíduo único cada um de nós deve crescer de modo independente, a fim de crescer com os outros. Os pais, porém só podem realizar isso se estiverem dispostos a aceitar o fato de que são pessoas em primeiro lugar, pais em segundo, e só então pais dc uma criança deficiente. 101 102 Capítulo 6: Os Sentimentos Especiais dos Pais de Deficientes Queremos ter certezas e não dúvidas — resultados e não experiências —, sem nem mesmo percebermos que as certezas só podem surgir através das dúvidas, e os resultados somente através das experiências. CARL JUNG - The Stages of Life 103 Em The Child Who Never Grew (1950), Pearl Buck descreve seus sentimentos iniciais logo após o conhecimento de que sua filha nascera com um grau de retardamento mental irreparável. Aprender a suportar o sofrimento inevitável não é fácil. Posso olhar para trás agora e ver a lição aprendida, as suas etapas; mas quando eu a estava aprendendo, cada passo era muito difícil, aparentemente insuperável. Pois, além do problema prático de como proteger a vida da criança, que poderá se prolongar mais do que a dos pais, existe o problema da sua própria aflição. Todo o brilho da vida se apaga, todo o orgulho da paternidade. Mais ainda, há uma verdadeira sensação de que o fio da vida está sendo cortado com aquela criança. O fluxo das gerações é interrompido. A morte seria mais fácil de suportar, pois ela é definitiva, tudo deixa de existir. Quantas vezes gritei em meu íntimo que seria melhor se minha filha morresse! Se isto choca você, que nunca passou por essa situação, não chocará àqueles que já a passaram. Eu teria dado as boas-vindas à morte de minha filha e até hoje o faria, pois então ela estaria finalmente a salvo. É muito difícil alguém se furtar à dor durante toda a vida, pois assim como yin e yang, a alegria e a dor andam juntas. Na maioria das vezes, a dor que vivemos é temporária, vai tão rápido quanto vem. Nada mais é do que outro evento consciente que se aprende a esperar no processo normal da vida. Como tal, é vivido e depôs esquecido. É possível, porém, que muitas pessoas vivam sem conhecer o verdadeiro desespero, o tipo inevitável que não será esquecido, mas com o qual se deve conviver. Aquele que não se pode modificar. A pessoa terá de mudar seu estilo de vida e seus sentimentos a fim de acomodá-lo, pois ele estará sempre presente, não se pode escapar dele. A deficiência permanente pode provocar esse tipo de desespero. 104 Naturalmente, há tantos padrões de reação às emoções quanto adultos e crianças forçados a viver com elas. Os processos podem variar; haverá aqueles que se darão conta de imediato do que pode ser feito a respeito do problema, que esse é real e está presente. Aceitarão a dificuldade como algo inevitável e, de uma eira realista e equilibrada, a encararão, como fizeram em situações de tensão anteriores. Escolherão formas alternativas de conviver com os problemas e buscarão modos novos e construtivos para lidar com o desespero inevitável. No outro extremo, estão aqueles que passarão a vida toda se banhando em lágrimas de autopiedade e martírio, sentindo-se perdidos, incompreendidos e não-amados, num isolamento auto-imposto. A maior parte dos pais de excepcionais se encontrará em algum ponto entre os dois extremos ou talvez oscilando entre um e outro. Independente de qual seja a força de uma pessoa, dificilmente ela se encontra de fato preparada para se defrontar com o desespero real. Uma mulher nunca entra em um hospital para dar à luz um bebê emocionalmente preparada para a eventualidade de uma criança deficiente. Esses pensamentos podem lhe ocorrer, mas serão logo abandonados. As chances de que ela tenha um bebê saudável, como ela idealiza, são muitas. Com certeza ela não está pronta para o conhecimento de que seu filho talvez tenha de viver com uma deficiência por toda a vida, a qual poderá impor limitações permanentes a todas as atividades e que exigirá dela, assim como dos outros membros da família, tempo, energia e dinheiro em proporções extraordinárias. O choque inicial a essa percepção e o conseqüente sentimento de descrença serão determinados, a princípio, dependendo de até que ponto a deficiência é claramente visível ou irremediável. Uma deficiência tal como a paralisia espástica ou a ausência de membros em um recém- nascido não passará despercebida, uma constante lembrança da dor daquela família. Assim, de inicio, é mais difícil de lidar com esses problemas do que com a deficiência interna, menos visível, de uma criança que nasce aparentemente perfeita. Neste ultimo caso, o estresse e a ansiedade vêm do fato de que a extensão real do problema não pode ser avaliada e os pais estarão constantemente à mercê de um futuro imprevisível, observando e esperando. 105 A maior parte das pesquisas válidas a respeito do período de reação diz respeito aos sentimentos e respostas da mãe. Contudo, parece seguro generalizar que, em um grau menor, a reação inicial envolverá o pai e os irmãos. É-lhes pedido que aceitem realidade não-desejada. A criança perfeita que esperavam não veio e, em seu lugar, terão de aceitar algo muito aquém de suas expectativas. Essa tomada de consciência traz consigo urna dor profunda e a decepção para toda a família. Esses sentimentos freqüentemente resultam em um período de autopiedade. “Isso não pode estar acontecendo conosco!” Essa é a hora de chorar e lamentar a realidade do sonho perdido, o sonho de ter um bebê saudável, normal. Solnit e Stark (1961) enfatizam a importância desse período de lamentações no processo de trabalhar os sentimentos ligados à criança deficiente. Eles afirmam: Na reação de pesar da mãe pela perda da criança saudável, anseios e expectativas em relação à criança desejada são despedaçados pelo nascimento da criança defeituosa. Seus medos e ansiedades referentes ao nascimento de uma criança deficiente são concretizados. Esse desejo, acalentado e frustrado, pela criança normal virá à tona, será vivido com intensidade e gradualmente liberado a fim reduzir o impacto da perda da criança esperada e amada. Esse processo, que requer tempo e repetição, poderá liberar os sentimentos e interesses da mãe por uma adaptação mais realista. Esse processo de lamentação, detonado pela primeira tomada de consciência da deficiência, é basicamente formado por lágrimas, decepção e descrença. Com freqüência os pais expressam esses sentimentos através do desejo de que o problema não existisse, da dúvida sobre a verdadeira identidade da criança ou até mesmo, como declarou Pearl Buck, de modo mais drástico, através do desejo de morte da criança. Esse é também um período de questionamento. Por que eu? Um tempo para descobrir uma explicação. Será que Deus está nos punindo? Um período de culpa. Se ao Não é raro, portanto, que após o nascimento da criança e conseqüente assalto dos sentimentos devastadores para os quais todos estamos mal preparados em geral, se siga um período de profunda depressão. Este às vezes é descrito como um exílio auto-imposto, isolamento físico e mental. É um momento em que não se deseja pensar, planejar, sentir ou fazer qualquer outra coisa — um modo de fuga, apatia e vazio, semelhante ao momento em que uma dor física se torna tão insuportável que a pessoa perde a consciência neste caso, porém, a dor emocional se torna tão aguda e penetrante que a pessoa resvala para uma espécie de inconsciência lógica. A mãe faz suas visitas ao médico e executa a rotina do lar quase como um autômato. O pai vai para o trabalho em estado semelhante ao de um sonâmbulo. Eles sabem que terão de enfrentar a dor e aceitar o desafio se quiserem continuar a viver. É como se soubessem que devem esperar, que deve haver um período de retiro. Muitas vezes apenas lágrimas, aparentemente sem dor e impróprias, fluem de modo espontâneo, para provar que as emoções estão lá e que, em seu tempo próprio, de uma forma ou de outra, irão se manifestar. Há outros pais que fingirão alegria e bem-estar, que irão querer provar à família e aos amigos que são fortes e estão preparados para o que vier, que amam o filho, independente de sua incapacidade e que a vida para eles seguirá em frente. Esses pais sufocarão a dor e o desespero. Suas lágrimas serão secretas, permitidas apenas nos momentos em que estiverem sozinhos. A dor será intensa, como a de todos os outros, mas eles a manterão sob controle. “De que adiantariam as lágrimas?” Na verdade, esses indivíduos também estão passando por um período de inércia emocional, de existência robotizada. Seus sentimentos também terão de ser trabalhados. Como os outros pais, eles esperam, aguardando o momento propício. Como seres humanos temos poucas alternativas. Podemos enfrentar nossos problemas e sentimentos, aceitá-los e fazer alguma coisa a seu respeito ou podemos negar sua existência e excluí-los da consciência. Se fazemos a última opção, reprimimos esses sentimentos e, inconscientemente, criamos padrões psicológicos de defesa para tê-los sob controle. Com freqüência tomamos essa atitude porque então ela nos parece a única maneira de lidarmos com as pressões sobre nós. 109 Há muitos desses mecanismos contra a dor. Podemos racionalizar e encontrar boas desculpas para nossas ações e reações; podemos projetar os sentimentos, culpando outras pessoas por nosso desespero e infelicidade; podemos procurar bodes expiatórios convenientes aos nossos desajustamentos; podemos culpar o médico, o cônjuge e mesmo a Deus ou a sociedade em geral; podemos sublimar esses sentimentos de medo e inadaptação e supercompensá-los tentando ser o melhor pai ou mãe do mundo. Esses padrões de defesa são formados sob grande tensão. Na maior parte dos casos, representam um quebra-galho, não uma solução permanente. Como tal, servirão a seu propósito, mas a longo prazo, cobrarão seu tributo. O controle das emoções consome muita energia. Não é fácil representar um papel falso. Fingir bem-estar é uma atitude superficial e vazia. Na maioria das vezes, a determinada altura, os pais serão forçados a encarar seus verdadeiros sentimentos em relação a si próprios, à família, ao filho deficiente e à deficiência. Nem sempre os mecanismos de defesa são nocivos. A maioria de nós faz uso deles, em certo grau, para manter nossa existência diária. Mas é a dependência excessiva a esses sistemas que trará problemas adicionais. Quando as pessoas se aferram aos sistemas de defesa tradicionais e apresentam poucos ou nenhum sinal de conflito e ansiedade em relação a eles, talvez seja melhor deixar que vivam essa adaptação temporária, pelo menos até que sintam a necessidade de lidar com sentimentos mais sinceros e íntimos. Muitas vezes, é esse adiamento momentâneo e a percepção que se alcança através de um mecanismo de defesa que mostram o caminho se penetrar por fim no reino das emoções. De uma forma ou de outra, a maioria dos adultos, amadurecidos, encontrará uma maneira de romper esses sistemas de defesa, muitas vezes nocivos, e enfrentar seus verdadeiros sentimentos e emoções. Esse processo de encarar sentimentos e, em especial, emoções fortes não é fácil, sob qualquer aspecto. Exigirá força, honestidade, insight, inteligência e sensibilidade. O preço é alto, mas a recompensa é maior ainda. Para isso, os pais precisam compreender alguns fatos importantes. * A cruel e dolorosa realidade de ser subitamente presenteado com uma criança portadora de uma deficiência permanente e o sentimento de total incapacidade para mudar a situação não são coisas fáceis de se aceitar. Os sentimentos de medo culpa, ansiedade e dor que acompanham essa descoberta são apropriados. De fato, são raros os seres humanos que poderiam de imediato aceitar, sem questionamentos, um filho excepcional. 110 * Os sentimentos de descrença e choque são genuínos também. É natural que os pais acreditem que darão à luz a uma criança normal. Certamente estarão mal preparados para o nascimento de uma criança deficiente. Portanto, é normal, a principio, questionar, culpar, rejeitar e até mesmo odiar a si mesmos e a criança. * É esperado um período de autopiedade e lamento. Todos os pais sonham com uma criança perfeita, uma nova vida que de certa forma refletirá as suas, indo além destas. Sonham que o filho será um astro do futebol ou uma beldade. Nutrem esperanças de que os filhos os realizarão, trazendo alguma nova maravilha ao mundo. Esses sentimentos podem ser inconscientes, mas sabe-se que são uma dinâmica muito humana na psicologia do nascimento. Os pais passam a acreditar que esses sonhos foram para sempre estilhaçados. Lastimam a criança e a si mesmos. Eles têm o direito de passar por um período de lamento, como passariam no caso da morte de um ente querido, pois, de certa forma, a realidade de uma criança deficiente representa a morte do sonho alimentado de uma esperada criança perfeita. O amanhã porém, também pode oferecer sonhos inesperados, tão belos quanto aqueles destruídos. * Algumas auto-recriminações e autocensuras são normais. Fomos ensinados a crer que, quando as coisas não correm como gostaríamos, é basicamente nossa falha. Somos instruídos a nos culpar e a ninguém mais. Até certo ponto, esta é uma verdade e pode ser um sinal de maturidade, mas é errado nos condenarmos por coisas sobre as quais não temos qualquer controle. Como podemos nos culpar por uma fibroplasia retrolenticular, espinha bífida, glaucoma, nanismo, algumas formas graves de retardamento, alguns problemas metabólicos, lesões cerebrais, paralisia cerebral ou distrofia muscular? É estranho, mas mesmo nos casos em que essa auto-recriminação é mais irreal, os pais teimam em se culpar. * Sentimentos intensos de culpa, vergonha e medo relacionados ao que é diferente são muito reais, assim como a angústia que produzem. Todos nós, de certa forma, conhecemos esses sentimentos, freqüentemente vivenciados na infância e, em um grau menor, mais tarde, durante os períodos de desenvolvimento. Queremos ser semelhantes aos outros, temendo ser rotulados de estranhos ou esquisitos. Sabemos que diferenças físicas e mentais óbvias são vistas como características de tais pessoas e sentimos necessidade de esconder essas diferenças, encontrando-nos, porém, impotentes para isso. Sentimo-nos culpados em relação à nossa inadequação e incapacidade de lidar com diferenças. Esse comportamento é bastante compreensível. 111 * É normal tentar evitar a dor. Essa é uma reação natural dos seres humanos a fim de se protegerem do pesar e do sofrimento. Queremos expulsá-la de nossa mente, fugir dela ou disfarçá-la — qualquer coisa para evitar conhecer a agonia da dor. É natural que passemos algum tempo negando a sua existência, fantasiando o seu fim. Desejamos eliminá-la de nossa vida a fim de que possamos sentir alegria outra vez. Esse comportamento é esperado, pois é patológico agarrar-se à dor. CAPÍTULO 7 Os Direitos da Família do Deficiente. É assustador e de grande responsabilidade considerar o mundo de uma pessoa como sua representação. Assim, eu sou responsável quando o mundo se torna mesquinho e pequeno, cheio de ódio e culpa. Não sou apenas o carcereiro de meu irmão, sou também meu irmão. - Wilson Van Dusen – Person to Person. 115 Muitas famílias com membros deficientes, como resultado dos preconceitos da sociedade, sentem-se relegadas a um status inferior com poucos ou restritos direitos. Com freqüência, esses sentimentos têm por base a realidade e resultam principalmente de seus encontros quase diários com atitudes depreciativas da sociedade. São expressos em inferências protetoras de amigos e parentes, nas ações esquivas de estranhos, e estão implícitos de forma dissimulada nas atitudes e tratamentos oferecidos pelos próprios profissionais que se dizem dedicados à minoração das deficiências físicas e mentais das crianças. A impaciência, condescendência e ceticismo, declarados ou imaginados, desses profissionais em relação a essas famílias e a seus filhos e a sua insistência em relegar tais crianças a categorias especiais e escolas e turmas separadas parecem estar continuamente indicando um status inferior. Barker (1948) e Wright (1960), assim como outros, relacionaram em muitos aspectos essas atitudes preconceituosas em relação às famílias de deficientes àquelas impostas pela sociedade a outras minorias, tais como as classes pobres e determinados grupos étnicos e religiosos. Essas atitudes freqüentemente sugerem de um modo velado que a família do deficiente deve conhecer o seu lugar, que levar essas crianças a um restaurante ou impor sua presença a outras pessoas é descortês, revoltante e impensado, e que deve haver alguma coisa de suspeito em uma família com uma criança excepcional. “Nunca esqueceremos o dia em que levamos nosso filho, Tom a um restaurante local para comemorar seu aniversário”, conta uma família. “Ele fazia dez anos e todos estávamos vestidos com nossas melhores roupas e prontos para uma verdadeira comemoração! Para usar um eufemismo, a paralisia de Tom não faz com que uma refeição seja o acontecimento mais organizado, mas aprendemos a conviver com esse fato, e ele parece já não ter mais importância. O que importa é que ele pode comer sozinho e isso é uma grande coisa. 116 Exceto por sujar a boca e o queixo com a comida e por um babar pouco, ele se sai muito bem. Bem, nesse dia ele estava se comportando particularmente bem, e estávamos nos divertindo muito. Então, a certa altura, quando saboreávamos o prato principal, as pessoas na mesa próxima à nossa se levantaram e marcharam para a saída do restaurante. Ao passar pela mesa onde estávamos, a mulher olhou diretamente em nossa direção e cuspiu: REPUGNANTE! Ouvimos enquanto ela saia resmungando: “Como se espera que pessoas decentes comam vendo isso?” “Quando por fim veio o bolo, as velas não pareciam tão brilhantes e Tom não se deu ao trabalho de apagá-las. Esse foi o seu décimo aniversário!” Um estudo realizado em 1956 por Cowin, Unterberg e Verilo descobriu uma interessante correlação entre a atitude em relação aos e àquela imposta a outras minorias. Sob muitos aspectos, ambos os grupos eram tratados da mesma forma degradante e submetidos às mesmas indignidades. O problema é ainda mais complexo no caso das famílias de deficientes, pois outros grupos de minorias podem encontrar motivos para se orgulhar de suas diferenças e singularidades, assim como de sua história cultural e racial; o deficiente e a sua família poucas razões podem ter para se orgulhar da deficiência ou celebrá-la. Não é raro, portanto, que essas famílias sejam muitas vezes forçadas a se ajustar de várias maneiras às atitudes preconceituosas. Podem formar um elo comum de incapacidade e refugiarem-se em si mesmos o máximo possível. Assim fazendo, empenham-se em viver com a deficiência e dar o melhor de si para proteger a criança e atender suas necessidades dentro da estrutura familiar. Por outro lado, podem recusar-se a aceitar uma posição inferior e combater a sociedade que quer lhes impor essa condição. Podem insistir em que “as coisas continuem como sempre”, em uma atmosfera familiar igual àquela anterior ao nascimento da criança. Ou talvez neguem a deficiência por completo, o que pode levá-los a procurarem vários médicos até que encontrem um que lhes dê o diagnóstico que melhor se adeqüe à sua fantasia ou que mais se aproxime ao normal. É comum, neste último caso, uma família que tenha submetido a criança a dez ou mais exames minuciosos e ao mesmo número de médicos. Independente de qual destas soluções adotadas a família sofrerá grande pressão, a qual pode fazer com que seus sentimentos de integridade e orgulho familiar se deteriorem e causem graves danos à segurança e solidariedade da família. 117 Esses ajustamentos ao preconceito social freqüentemente resultam no aprofundamento dos já presentes sentimentos de incerteza, medo, fuga e frustração. Assim, é criada uma espécie de círculo vicioso, o qual só pode ser rompido quando a família compreende que mesmo como minoria, ela tem alguns direitos básicos, que conhece esses direitos e aprende a exercê- los. Só então poderá passar do status inferior para aquele de agente da mudança, da construção e da solução de problemas. Os direitos básicos de uma família com uma criança que precisa de cuidados especiais incluem, a princípio, o seguinte: * O direito à informação médica responsável sobre o problema físico ou mental da criança. * O direito a algum tipo de reavaliação contínua da criança em intervalos periódicos definidos e a uma explicação completa e lúcida dos resultados das descobertas. * O direito à informação útil, relevante e especifica quanto ao seu papel no atendimento das necessidades físicas e emocionais da criança. * O direito ao conhecimento das oportunidades educacionais para as crianças com problemas semelhantes ao do seu filho e o que será necessário para a posterior admissão no processo de educação formal. * O direito ao conhecimento dos recursos disponíveis na comunidade para assistência intelectual, emocional e financeira às necessidades da família. * O direito ao conhecimento dos serviços de reabilitação na comunidade e os recursos disponíveis através destes. * O direito à esperança, apoio e solidariedade humana na educação de uma criança com necessidades especiais. * O direito à ajuda para que vejam o potencial da criança em lugar de só se concentrarem nas imperfeições. * O direito a um bom material de leitura a fim de obterem o máximo de informações relevantes possível. * O direito à interação com outros pais de deficientes. * O direito de exercer seu direito de crescimento pessoal como indivíduos únicos, distintos dos filhos. 118 Para a maioria dos pais, um diagnóstico médico é um mistério sobre o qual sabem pouco ou nada. Designações como espinha bífida, glaucoma, osteomielite, paraplegia, paralisia cerebral, para muitos pais, nada significam. O ato de rotular uma condição como quase todos os profissionais sabem, pouco contribui para a descrição de um problema, exceto num aspecto mais global. E contribui ainda menos para a compreensão por parte dos pais. Stratton (1957) ilustra esse fato com pacientes hospitalizados devido à tuberculose. Ele descobriu que esses pacientes entendiam pouco, ou nada sobre termos comuns relacionados à sua condição como germes, lesão ou esputo. A terminologia é, com freqüência, um obstáculo à comunicação. Mesmo que os pais compreendam o termo, é provável que creiam que tal termo pode ser aplicado a todos que carreguem o rótulo e que, portanto, esperem Se for necessário o tratamento reabilitatório da criança com pessoal adicional, será necessário esclarecer quais serão as funções específicas desses profissionais no processo. Haverá muitas pessoas que, devido ao contato limitado, não saberão quais as tarefas específicas do terapeuta ocupacional, do fisioterapeuta, do psicólogo, do fonoaudiólogo, do pedagogo e de muitos outros que possam integrar a equipe de reabilitação. Assim, os pais têm direito ao conhecimento médico sólido e completo em relação à deficiência do filho. Os pais também têm direito à informação significativa e concreta quanto ao seu papel no atendimento às necessidades físicas especiais da criança. Tantas vezes essa informação é inadequada que deixam os pais confusos, frustrados e vazios. Em um livro muito bonito escrito em 1972, The Siege (O Cerco), Clara Clarborne Park narra as experiências, tribulações, alegrias e o prodígio de criar uma criança autista. Uma das questões de grande frustração para o doutor e a Sra. Park era a falta de informações relevantes da parte dos terapeutas. A Sra. Park descreve as muitas visitas aos consultórios de médicos e psiquiatras para o que pareciam infindáveis exames minuciosos. Contudo, independente de aonde ela fosse, a informação fornecida era vaga, com freqüência sem sentido, sempre exasperadora. 121 Em suas próprias palavras, depois de horas e dias avaliações: “Isso era o que tinham a dizer a respeito de Elly”. Não fiz um resumo do que disseram. Isso é tudo que me falaram, e o psiquiatra, um homem idoso hesitante, quase mudo, tenha levado mais tempo para proferir essas palavras do que é necessário para escrevê-las aqui: * Elly precisava de psicoterapia. * Ela perfizera um total de pontos superior ao de sua faixa etária na parte do teste de QI que podia executar, e eles acreditavam que ela não apresentasse deficiência mental. * Ela possuía muitos medos. “Isso é tudo que puderam extrair de todas aquelas informações, continua ela. “Nós queríamos informações e técnicas”, e personaliza: “Eu preciso de referências”. Preciso aprender a respeito de terapia lúdica, preciso aprender a respeito de crianças como Elly, não importa quem mais trabalhe com ela, sua principal psicoterapeuta sou eu”. É assustador observar o número de pais que saem das consultas sem mais informações a respeito de seu filho do que dispunham antes de entrarem. Se há alguma descoberta, raramente é dada aos pais a menor noção da praticidade de tal conhecimento em termos de seu complexo e confuso papel na educação do filho. Os pais serão professores hábeis e dispostos se lhes forem dados as informações e o “know-how” adequados. Não usar os pais no tratamento da criança é perder o mais valioso recurso de que se dispõe. Quem passa mais tempo com a criança ou quem mais se preocupa com ela? Além do mais, é bom que aos pais seja ensinada a forma correta de cuidar do filho, pois de qualquer modo eles agirão e é melhor que tomem as atitudes certas! Outro motivo de ansiedade para os pais diz respeito às escolas disponíveis para o filho. A maior parte deles está apenas vagamente ciente de que existem programas para a reabilitação e educação deficientes em sua própria comunidade. Um exemplo dramático desse fato foi o de uma família que manteve o filho cego escondido por nove anos, levando-o ao quintal apenas tarde da noite, por temerem e acreditarem erroneamente que todas as crianças cegas eram mandadas para escolas do governo especializadas nesse tipo de deficiência. Eles não queriam se separar do filho. Acreditavam que podiam cuidar melhor dele em casa. Ficaram surpresos e aliviados ao tomar conhecimento de que havia programas para educação de cegos nas próprias escolas públicas de sua comunidade! Quase todos os estados americanos possuem programas obrigatórios para a educação de crianças excepcionais. Esses programas com freqüência apresentam excelentes padrões de qualidade, e pessoal competente e especializado. Atualmente estão sendo organizados muitos programas pré-escolares para crianças deficientes, e são muitos os pais que não têm conhecimento desses serviços. Os pais têm direito a algum tipo de apoio e consideração. É sabido que todas as pessoas têm melhor rendimento quando recebem um reforço positivo. Quantas vezes os infindáveis ajustes e energias exigidos da família passam despercebidos e são tidos como responsabilidades e deveres normais da família! Em The Siege, a Sra. Park escreve: Nós queríamos simpatia — não do tipo piegas; éramos pessoas adultas —, alguma evidência de solidariedade que os médicos em geral oferecem de imediato. E era tão irracional — nós queríamos um pouco de apoio, de reconhecimento, de elogio. Nunca nos ocorreu que essas expectativas fossem ingênuas, que o abismo entre os pais e as instituições de assistência devesse ser deliberadamente mantido intransponível pelas técnicas comuns de relacionamento interpessoal. Certamente, não é irracional da parte da família esperar por esse apoio emocional. O desafio de criar uma criança deficiente não são só tristezas, mas pode ser bastante difícil e especial. Ao lado de tudo isso, a família tem direito ao acesso às informações. Há uma vasta e, em muitos casos, excelente bibliografia disponível no campo da excepcionalidade. Existem livros sensacionais a respeito da cegueira, da surdez, da paralisia cerebral, de problemas médicos crônicos e de outras deficiências. Esses livros quase sempre preencherão as lacunas emocional e intelectual, as quais os profissionais, intencionalmente ou não, permitem que ocorram entre si mesmos, a criança deficiente e a família. (Veja a bibliografia no final do livro.). A família tem direito à interação com outras famílias que tenham crianças portadoras de deficiências, não para que criem um elo comum na deficiência, mas para se assegurarem de que seus problemas não são únicos e são partilhados por muitos. Nessa partilha, podem tomar conhecimento de novas idéias, técnicas e procedimentos a fim de se tornarem país mais eficientes. Eles serão capazes de compartilhar também da compreensão e crescimento emocionais. 123 Durante o período em que dirigi um programa para excepcionais em um grande distrito escolar da Califórnia, decidi inaugurar um programa de educação dos pais. Organizamos um seminário em seis terças-feiras consecutivas na faculdade local, e convidei todos os pais de crianças deficientes da comunidade a participarem. Seiscentos pais compareceram! Durante as seis sessões, eles foram bombardeados com o conhecimento de neurologistas, psicólogos, psiquiatras, professores de todas as disciplinas afins possíveis. Foram fulminados com palestras, filmes e exibições de slides. Casos reais foram citados com propósito ilustrativo. Ao fim do ultimo dia, foi pedido a cada um dos pais que a avaliasse o programa total. Uma das perguntas dessa avaliação era: “O que você considerou mais valioso nessa experiência?” Eu estava certo de que a resposta seria uma de minhas pérolas de sabedoria ou uma de meus ilustres colegas. Qual não foi a minha surpresa quando 85% das respostas atestaram que a experiência mais valiosa foi o conhecimento da existência de tantos outros pais de crianças deficientes como o seu filho! Também fiquei mais sábio com a experiência! O último e talvez o mais importante de todos é o direito que a família tem de conhecer seus direitos individuais. Os seus membros devem entender que o nascimento de uma criança deficiente não lhes tira os direitos como pessoas. Eles ainda têm direito à diversão, a tempo para si mesmos, tempo com os outros membros da família, tempo para ler, pintar, escrever poesia, visitar os amigos ou fazer o que desejarem. Esse fato não deve lhes tirar o direito de reclamar, de se lamentar, lastimar e de chorar. Em outras palavras eles ainda têm o direito de ser os seres humanos que eram antes da criança nascer e de se tornarem o ser humano a que aspiram. Há aqueles que dirão quanto a esse direito final que é mais fácil falar do que fazer. Mas ele deve ser exigido! Se a criança não dispuser de uma babá, deficiência tais como dependência e independência, sentimentos específicos, necessidade de cuidados especiais, motivação, mágoas e gratificações, disciplina e atitudes sociais que levem à aceitação ou rejeição. É óbvio então que para aconselhar criativamente, como uma família, sobre os muitos problemas que podem surgir para a pessoa deficiente, será necessário que todos os integrantes da família tragam à toda a unidade familiar suas habilidades mais extraordinárias, seus conhecimentos mais perspicazes, sua sensibilidade mais aguçada. Isso implica que cada pessoa na família deve ocupar uma posição igual e completa como membro participante da equipe de terapia familiar. O confronto com os problemas sempre é mais eficaz quando o processo se torna uma função de toda a família. Devido à intensidade e à natureza particular dos muitos problemas específicos, essa premissa se torna especialmente verdadeira numa família que tenha entre seus integrantes uma pessoa deficiente. LIDANDO COM OS SENTIMENTOS A chegada de uma criança deficiente na família criará muitos sentimentos incomuns para todos os membros desta. Como não existem sentimentos corretos que devam ser experimentados com quaisquer situações, tais sentimentos serão individuais e quase sempre previsíveis. 129 Clara Clarborne Park (1967), já citada anteriormente, relata sua confusão quando lhe foi dito por vários profissionais como ela deveria estar se sentindo em relação à filha autista. A Sra. Park e a família, como seres humanos sensíveis, bem integrados e inteligentes, possuíam seus próprios sentimentos em relação à menina. Não sentiam a culpa, a vergonha ou o desespero que constantemente lhes era dito que deveriam sentir. Em vez disso, experimentavam a frustração, a insegurança e a inadequação devido a uma desesperada necessidade de informação e orientação profissional. Cada membro da família apresentará respostas individuais à criança excepcional e à deficiência, dependendo do seu grau de integração como pessoa. Independente de qual seja essa reação, é importante que ela seja revelada e discutida abertamente. Nada há de vergonhoso para qualquer pessoa na admissão de que a deficiência de um membro da família lhe acarreta sentimentos de inadequação, medo ou incerteza. No começo, alguns desses membros poderão ver essas emoções como sinais de fraqueza pessoal; poderão considerá-las por demais dolorosas e não se encontrarem dispostos a confrontá-las. Alguns tentarão desprezá-las por completo, tratando-as como se não existissem. Lamentavelmente, logo descobrirão que sentimentos fortes como esses não podem ser ignorados de modo tão fácil. Suas emoções são reais e como tais resultam em respostas e reações, quer queiram, quer não. Qualquer esforço no sentido de rejeitar ou menosprezá-las poderá criar sentimentos mais profundos e debilitadores, que poderão provocar respostas negativas e comportamento destrutivo. Um aspecto vital do papel da família como terapeuta é o do tratamento direto dos sentimentos. Nem sempre isso é fácil, mas muitas vezes, assim fazendo, os membros da família descobrem aquilo que sentem não é tão mau ou incomum, mas é também partilhado por outras pessoas na família. Esse conhecimento pode suavizar muitos sentimentos de medo e culpa e pode vir a abrir os caminhos no sentido de um intercâmbio familiar mais honesto, revigorante e normal, trazendo atitudes mais construtivas. Quase sempre unirá a família e oferecerá a cada integrante a segurança que vem do apoio do grupo. O esforço deste apresentará alternativas de comportamento mais significativas àqueles membros que possam ter caído na armadilha de um impasse emocional solitário e auto-imposto. 130 Uma análise ocasional dos verdadeiros sentimentos de alguém é sempre útil, mas essa só pode ser realizada em uma atmosfera permissiva e receptiva, caso contrário, pode ser muito nociva. Eu soube de uma família que inaugurou uma espécie de “hora de compartilhar”, a fim de ajudar o filho excepcional. Nessa hora, pedia-se a todos que falassem francamente a respeito do que sentiam em relação ao filho retardada O mais jovem de todos os irmãos declarou que o odiava porque ele tomava todo o tempo dos pais e porque as crianças da vizinhança riam dele e o chamavam de estúpido. O menino foi repreendido pelos membros mais velhos da família. Foi-lhe dito que era errado odiar o irmãozinho, o qual não era culpado pelo retardamento e que era vergonhoso não o amar! Um intercâmbio como esse obviamente não leva ao crescimento e pode ser muito prejudicial. Outra família promoveu uma abordagem diferente à revelação dos sentimentos. Nunca deixavam a mesa do jantar sem partilhar as coisas novas que haviam aprendido em relação uns aos outros naquele dia. Isso não só lhes propiciava a oportunidade de se tornarem atentos às mudanças, mas também fazia com que estivessem mais conscientes do comportamento de cada membro da família e não apenas da criança excepcional. Uma das crianças, após falar algo sobre cada um ali presente, referiu-se assim à irmã surda: “Ela pode comer ovo!” Esse é certamente um começo positivo. Os sentimentos não podem ser partilhados sob prisão; eles só podem ser repartidos por livre vontade. Algumas pessoas estarão menos dispostas em determinadas horas a falar sobre o que estão sentindo. Essa reserva deve ser respeitada. Se a oportunidade para partilhar é freqüente, as pessoas saberão quando e até que ponto estão prontas. Caso a família nunca tenha tido uma chance de comunicação franca e aberta, é natural que tal prática pareça a princípio estranha e até mesmo tola. Mas os indivíduos descobrirão que o fluxo natural e sincero de sentimentos em uma atmosfera receptiva e criativa pode ser muito estimulante, revigorante e divertido. Essa prática quase sempre oferece ao tablado sobre o qual a família atuará como terapeuta seus dramas mais essenciais. LIDANDO COM EXIGÊNCIAS FÍSICAS EXTRAS O deficiente trará à família novas exigências que lhe imporá seu preço em tempo e gasto de energia física. A maior pare das famílias, principalmente das mães, consideram esse problema muito sério. 131 A mãe está sempre dando banhos na criança, orientando exercícios, levando-a para sessões de terapia ocupacional e fisioterapia ou preparando suas refeições especiais. É fácil compreender que ela se sinta sobrecarregada por esses deveres. No entanto, a criação de uma criança é, sob todos os aspectos, uma tarefa da família e não apenas da mãe. Embora, a principio, possa parecer responsabilidade basicamente da mãe, essa concepção deve ser aos poucos extinta. Todas as pessoas da família são responsáveis por cada membro. A importância desse fato não pode ser esquecida, pois, de outra forma, podem ser inúmeros os problemas familiares resultantes. Os maridos podem começar a se sentir rejeitados e sós; as crianças ignoradas e não-amadas; e as mães podem, de forma inconsciente, ficar tão absorvidas em seu novo papel e nova responsabilidade que acabam isolando-se de quaisquer outros sentimentos. Independente de qualquer outra coisa que ela seja, a mãe é primeiro e antes de tudo uma mulher e só depois esposa e mãe. Grande parte da integração da família e da criança excepcional dependerá do seu crescimento pessoal contínuo e da segurança e conforto que ela recebe através do relacionamento com o marido e os filhos. A situação de um relacionamento conjugal está diretamente ligada à adaptação da família à deficiência. Uma relação já problemática será responsável por mais pesar, sofrimento e inadaptação do que quaisquer outros problemas acarretados pela deficiência. O aparecimento em cena de uma criança excepcional servirá apenas para agravar uma situação já delicada. Torna-se mais fácil ignorar as verdadeiras causas dos problemas conjugais, pois são oferecidas ao casal novas racionalizações quanto ao fracasso do casamento e novas formas de evitar a busca de soluções criativas. O marido assume, com freqüência, o papel do não-amado, do negligenciado. Ele tem agora boas razões para se fechar em si mesmo, no 134 Forçar ou censurar alguém são forças motivadoras negativas. Não se pode ser obrigado a realizar, a aprender ou a se divertir. A única coisa que podemos fazer por essa pessoa é encorajar, respeitar e reforçar. Haverá ocasiões em que surgirá a necessidade ajuda real e a família terá de assumir a iniciativa e, de alguma forma, motivar a pessoa deficiente. Talvez tenham, por exemplo, de insistir para que ela se exercite da forma apropriada ou siga os tratamentos prescritos, mesmo que não queira. Porém, mesmo essa tarefa pode ser feita com carinho. A família pode ter empatia e compreensão pelo sofrimento da criança, mas manter-se firme no sentido de que determinada atividade seja realizada. Foi essa atitude afetuosa, mas firme e persistente, da parte de Anne Sullivan que transformou Helen Keller, cega e surda de nascimento, do que ela chamou de “um nada num mundo vazio” em um indivíduo participante da sociedade. Encontrar o equilíbrio entre a censura ineficiente e a motivação eficaz será um desafio para a família. A melhor motivação é sempre intrínseca. LIDANDO COM MÁGOAS E GRATIFICAÇÕES Qualquer deficiência, independente de sua gravidade trará sofrimento à família, o que é compreensível. Se a debilitação for grave, óbvia e irrecuperável, o sofrimento pode ser maior. Muitas vezes, a família parece não superar esse sentimento. A deficiência avulta-se tão imensa à sua frente que parece ofuscar todos os outros aspectos da vida. A percepção das pessoas da família é tão obscurecida que elas deixarão de perceber quando o desenvolvimento da criança acarretar mudanças tanto física quanto da personalidade. Podem deixar de observar que a criança está amadurecendo e que por isso novas possibilidades fisiológicas e psicológicas estão sendo criadas, interna e externamente. Tornam-se cegos a novos sinais de motivação, novas atitudes, novas habilidades. Um mergulho no sofrimento também pode fazer com que a família negligencie fontes óbvias de gratificação. As pessoas ignoram as muitas coisas maravilhosas que a criança pode fazer. É verdade que ela não pode andar, mas pode falar, sorrir, brincar, usar as mãos, movimentar-se com os braços e o torso. Uma deficiência não se aplica a todas as situações. A criança pode ser um fracasso quando se trata de correr; pode estar confinada a uma cadeira de rodas, mas pode vencer num jogo verbal, pintar um belo quadro ou escrever um poema comovente. Apesar de a criança portar uma deficiência, esta não é total. 135 A princípio, pode parecer haver mais sofrimento do que gratificações, mas é útil estar ciente do fato de que, que mesmo nas horas mais difíceis, a criança pode chorar tão alto quanto qualquer outra, reclamar com a mesma amargura, sofrer do mesmo modo profundo. Ao mesmo tempo, a criança pode rir tão alto, ser tão afetuosa e se dar de maneira tão completa quanto as outras crianças. É dessa percepção que começa a sua aceitação como uma pessoa completa. LIDANDO COM O COMPORTAMENTO E A DISCIPLINA Outra área problemática com que a família terá de lidar é a do comportamento e dos métodos corretos de disciplinar a criança excepcional. Não será necessária uma compreensão maior dos princípios práticos de orientação infantil do que no caso de outras crianças. Estão envolvidos temas como uso do banheiro, hábitos alimentares, horários de dormir, pirraças, relação com os irmãos, educação sexual e outros, como com qualquer outra criança. A diferença encontra-se apenas nas limitações impostas pela deficiência da criança. A maior parte dos pais de excepcionais reconhece a dificuldade disciplinar, por exemplo, o filho cego, ralhar com o filho paralítico ou repreender a criança surda. No entanto, essas crianças precisam do mesmo aprendizado e orientação que as outras, a fim de se ajustarem. Quase sempre os irmãos de um deficiente se referirão ao tratamento injusto que lhes é dado em oposição ao que é dispensado ao irmão ou irmã deficiente. “Ele pode fazer qualquer coisa e sair impune. O que quer que aconteça, nós somos culpados, pois devíamos saber como agir certo”. Não é de se espantar que a rivalidade entre irmãos seja grande nesses lares. É muito difícil amar e aceitar alguém que, de uma forma indireta, é sempre responsável por sofrimento e infelicidade. A criança excepcional também precisa de limites. Embora possa parecer difícil dizer “não” ou ser incisivo com essas crianças, elas precisam aprender que se espera delas o mesmo que dos outros membros da família. A permissividade é um fenômeno gerador de crescimento, mas em excesso pode criar uma permanente sensação de confusão e desorientação na criança. 136 Haverá situações em que ela necessitará de liberdade, mas haverá outras em que certamente precisará ser refreada. As regras familiares que se aplicar a todos devem também, quando possível, se aplicar à criança deficiente. A segurança emocional vem de se sentir parte de um grupo, através de amor, respeito, interesse e empatia mútuos, e também de se ter os mesmos direitos e limites. Direitos suficientes, para que a criança possa crescer com a liberdade que lhe permita fazer suas próprias opções, desenvolver seus valores e padrões pessoais e estabelecer seus próprios objetivos; limites suficientes, para que ela possa se sentir segura e para que adquira uma coerência interior e o conhecimento que existem pessoas que se preocupam com o seu bem-estar. A disciplina não é o processo de moldar as crianças de acordo com o que a família acha que elas devam ser (o que na maioria das vezes nada mais é do que uma cópia carbono dos seus integrantes), mas sim uma forma de ajudá-las a se tornarem unicamente o que são. Grande parte da responsabilidade por essa tarefa recairá sobre o individuo. A família, porém, deve ajudar, oferecendo orientação e cada membro assumindo a responsabilidade por sua auto-realização, tornando-se, dessa forma, modelos. Quando e onde as famílias devem permitir ou proibir são limites separados por um tênue fio. A resposta está na percepção de que a criança é um indivíduo e, como tal, deve experimentar o sucesso, o fracasso, a alegria e o desespero, a realização e a frustração. Não se pode protegê-la da vida. A família também não pode viver por algum de seus membros. Sua maior função é amá-los como eles são. LIDANDO COM A ACEITAÇÃO E A REJEIÇÃO Como mencionamos anteriormente, o objetivo básico do aconselhamento de crianças e adultos excepcionais é a aceitação final de todas as pessoas com todas as suas forças e capacidades, mas há também a implicação de uma aceitação de todas as suas limitações. Nesse sentido, a aceitação das limitações não significa um processo de busca de compensações para tais limitações ou de racionalização das supostas vantagens de se possuí-las ou, o que é ainda pior, a resignação a um triste destino, mas sim o reconhecimento de que existem limitações e de que estas são aceitáveis. 137 Essa aceitação, como tantas outras coisas, começa no lar. É necessário que as crianças portadoras de deficiências experimentem suas próprias forças ou fraquezas, testem suas realidades e estabeleçam seus próprios limites. Elas terão de vivenciar sua impotência, suas inadequações e seu sofrimento. Como as crianças não podem compreender completamente a permanência ou a extensão de sua deficiência, quase sempre encontrarão meios próprios para realizar aquilo para que estão verdadeiramente motivadas. Apenas elas podem determinar o que lhes é impossível e, por fim, aceitar a realidade do que e de quem são. É sempre difícil para as pessoas que amam observar esse processo, que pode às vezes ser muito
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