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Gestão de Pessoas nos órgãos públicos -, Notas de estudo de Enfermagem

Gestão de Pessoas nos órgãos públicos -

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 28/03/2013

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

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Baixe Gestão de Pessoas nos órgãos públicos - e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Gestão de Pessoas: bases teóricas e experiências no setor público Organizadores Maria Júlia Pantoja, Marizaura R. de Souza Camões e Sandro Trescastro Bergue ENAP Gestão de Pessoas: Bases Teóricas e Experiências no Setor Público Brasília - ENAP 2010 SUMÁRIO Apresentação 7 Helena Kerr do Amaral Capítulo I Gestão Estratégica de Pessoas: bases para a concepção do Curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público 9 Rosane Schikmann Capítulo II Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso 29 Sandro Trescastro Bergue Capítulo III Aprendizagem e o Desenvolvimento de Competências 49 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Estudo I – Suporte à Transferência de Treinamento: Estudo de caso na Administração Pública 103 Marizaura Reis de Souza Camões Estudo II – Atuação da Escola da Previdência Social: Fatores intervenientes e ações para a sua institucionalização na Previdência Social 121 Rosangela Ferreira Mendes Salgado Capítulo IV Gestão de Desempenho Profissional: conhecimento acumulado, características desejadas ao sistema e desafios a superar 143 Catarina Cecília Odelius 6 Estudo III – A identificação de fatores críticos à implantação de um Sistema de Avaliação de Desempenho em uma instituição pública 175 Maria Inês de Mello Espínola Dias Estudo IV – Gestão de Desempenho: Estudo de uma carreira típica da Administração Pública Federal 195 Simone Maria Vieira de Velasco Capítulo V Sistemas de Remuneração, Justiça e Suporte Organizacionais 219 Angelino Rabelo dos Santos Estudo V – Percepção de Justiça Organizacional de Sistema de Remuneração – Ministério da Cultura 263 Karina de Vasconcellos Silva Estudo VI– Percepção de Suporte Organizacional: um estudo de caso na Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 281 Maria Raquel Stacciarini Capítulo VI A Psicodinâmica do Trabalho: um olhar sobre a saúde do trabalhador Elisabeth Zulmira Rossi 301 Estudo VII – O papel da estratégia de defesa nas vivências de prazer e sofrimento no trabalho em uma autarquia federal 317 Érica Rodrigues Zanon Silva Capítulo VII Considerações finais 341 Maria Júlia Pantoja e Sandro Trescastro Bergue 7 APRESENTAÇÃO A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) tem o prazer de apresentar este livro sobre gestão de pessoas no serviço público, que traz contribuições sobre um campo temático ainda pouco explorado no país. Embora haja extensa literatura dedicada à gestão de pessoas nas empresas, poucas obras tomam como foco as especificidades desse tema na adminis- tração pública. O livro sistematiza reflexões realizadas por docentes e alunos no decorrer da primeira edição do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público, realizado pela ENAP no período de 2007 a 2009. Dessa forma, valoriza a articulação entre o conhecimento acadêmico trazido por professores de renomadas universidades brasileiras e a expe- riência dos servidores públicos participantes do curso. Ao disseminar os aprendizados gerados, a publicação busca ampliar o debate sobre os temas em referência e subsidiar o intercâmbio e a produção de conhecimentos inerentes à temática no serviço público, considerando sua centralidade para a sustentabilidade dos programas de governo. Nos artigos publicados, professores e alunos tratam de temas, conceitos e experiências que hoje são desafios na gestão de pessoas no setor público. Não há pretensão de fazer abordagens conclusivas e, sim, trazer indagações e apontar desafios contemporâneos a serem enfrentados. Os textos sele- cionados para esta publicação foram organizados em sete capítulos teóricos e sete estudos de caso, que levam em conta a centralidade e relevância dos temas no debate atual da gestão de pessoas. Os estudos de caso são baseados em trabalhos de conclusão de curso apresentados por alunos para obtenção do título de especialista em Gestão 1 0 Rosane Schikmann 1 1 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público GESTÃO ESTRATÉGICA DE PESSOAS: BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE PESSOAS NO SERVIÇO PÚBLICO Rosane Schikmann Introdução Coerente com a proposta de transformação que a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP) enseja, nos termos explicitados na nota de apresentação desta obra, a estrutura e a operacionalização do curso de Gestão de Pessoas no Serviço Público foram organizadas e levadas a efeito com vistas a estimular uma atitude reflexiva e a ampliar a capacidade de interpretar fatos, identificar conexões, paradoxos e questões subjacentes à gestão de pessoas na administração pública federal. O resultado esperado foi a instrumentalização técnica e conceitual dos profissionais que lidam com pessoas no setor público, para apoiá-los de maneira adequada na tomada de decisão em seu âmbito de atuação, em relação a: alocação das pessoas, formação e atualização dos perfis profissionais, arranjos organizacionais, estruturação dos processos típicos e formas de realizar o trabalho, consi- derando sempre o contexto vigente e as reais possibilidades de mudança. A abordagem pedagógica desenvolvida privilegiou não apenas a apresentação de conceitos relativos aos temas tratados, mas também a realização de exercícios práticos, preferencialmente aqueles relacionados à solução de problemas reais vividos pelos alunos em situações de trabalho. Completaram os recursos pedagógicos propostos: os trabalhos em grupo e individuais, vivências, estudos de caso, filmes, discussões e debates, pesquisas bibliográficas e de campo e redação de textos. As tendências atuais apontam para a gestão estratégica das organi- zações, incluindo a gestão de pessoas. Assim, a ideia para esse curso foi a 1 2 Rosane Schikmann de enfatizar tal abordagem, buscando demonstrar seu distanciamento do modelo clássico de gestão, inspirado em valores de fundo taylorista- fayolista, balizadores da atuação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) a partir do final da década de 30 do século passado. Mas que ainda permanecem em muitas das organizações públicas, apesar de diversas delas adotarem, embora não integralmente, elementos identi- ficados com o modelo gerencial e seus respectivos mecanismos e instru- mentos de gestão estratégica. Desta forma, o modelo de gestão estratégica de pessoas foi escolhido como base do curso para formar profissionais alinhados com as modernas tendências de gestão existentes na atualidade. Muitas delas já consagradas no âmbito da iniciativa privada, ainda que dependentes de uma profunda reflexão por ocasião de sua transposição para o setor público. Este artigo pretende apresentar o encadeamento lógico utilizado para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público. Procura também discorrer sobre o contexto vigente na gestão pública e suas consequências, assim como sobre o continuum da migração da administração de pessoal para a gestão de pessoas, e dessa para a gestão estratégica de pessoas. O contexto vigente no âmbito da gestão pública A sociedade vem exigindo do poder público uma atuação cada vez mais voltada para o alcance de resultados, isto é, além da eficiência tão perse- guida pelas organizações nos últimos tempos, atualmente a eficácia e a efetividade da ação governamental são as palavras de ordem. Não basta atuar de forma a obter a melhor relação custo-benefício, se os resultados almejados não forem alcançados e se não atenderem necessidades legítimas.1 Os usuários do serviço público têm aumentado o nível de exigência em relação à satisfação de demandas. A qualidade e a adequação dos serviços às necessidades dos usuários são hoje aspectos críticos para o bom desempenho de qualquer órgão ou entidade da administração pública. Além disso, a exigência de transparência e ética, a crescente escas- sez de recursos em todas as esferas e a necessidade de aproximação do 1 5 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público à administração pública cogitar as hipóteses de mudança na legislação, inclusive como forma de preservar o interesse público; b) Desvinculação da visão do cidadão como destinatário do serviço público – em diversas organizações públicas ainda não é clara a ideia de que o cidadão é a razão de ser da organização, pois é para ele que qualquer serviço público trabalha. Por outro lado, o próprio cidadão desacredita o papel do serviço público como forma de solução para seus problemas. Como está muito arraigado na cultura da população, sugere-se a necessidade de mudança de mentalidade dos dois lados. c) Pouca ênfase no desempenho – muitas organizações públicas ainda não vinculam a realização do trabalho com o adequado desempenho. Apesar dos esforços orientados para a introdução dos valores da meritocracia que remontam à década de 1930 e dos movimentos mais recentes de avaliação de desempenho que alcançam a década de 1970, também por conta da falta de visão do cidadão como cliente, o desempenho nem sempre é considerado na realização do trabalho. Entenda-se por desempenho a realização do trabalho de forma eficiente, eficaz e efetiva. Em outras palavras, o trabalho sendo realizado da melhor forma possível, direcionado para o alcance dos objetivos e metas da organização, atingindo os resultados desejados no prazo previsto e satisfazendo aqueles para os quais o trabalho é realizado de forma permanente e contínua. d) Mecanismos de remuneração que desvinculam os vencimentos do desempenho – os funcionários sentem-se pouco estimulados a melho- rar seu desempenho, uma vez que a remuneração independe desse fator. De um lado, pode-se referir que esse fenômeno é capaz de provocar a inércia e a falta de comprometimento dos funcionários. Por outro, entre- tanto, se tomado o fato de que desde a década de 1970 são experimen- tadas sucessivas frustrações em termos de propostas de remuneração associadas ao desempenho, então resta manifesto o imperativo de repensar as bases desses processos. e) Limites à postura inovativa – além da questão remuneratória, a própria rigidez da legislação estimula a inércia gerencial, uma vez que muitas iniciativas esbarram nas limitações da legislação. 1 6 Rosane Schikmann f) Poucos mecanismos de planejamento e pouca preocupação com a gestão – a fraca ênfase no desempenho conduz a uma atuação voltada para o cumprimento das tarefas do dia a dia, sem preocupação com um planeja- mento que contemple uma visão para o curto, médio e longo prazo. Por conta disso também não há uma cultura de monitoramento de resultados, feedback e envolvimento dos funcionários na melhoria contínua da gestão. g) Rotatividade na ocupação de posições de chefia – por conta da rotatividade, as posições de chefia podem apresentar intensa alternância entre os membros da equipe de trabalho ou do órgão. Nesse particular, todavia, caberia uma investigação empírica envolvendo o mapeamento dos fluxos, o destino daqueles que deixam as posições de chefia e da percepção das pessoas em relação ao impacto desses condicionantes no desempenho da equipe, em particular no que diz respeito às medidas de responsabilização. h) O papel da gratificação – em muitas situações nas organizações públicas a gratificação é utilizada como forma improvisada de compensação à impossibilidade de aumento salarial. Tal fator constitui uma deformação da verdadeira função da gratificação, que foi criada para contemplar funções desempenhadas que apresentam algum risco ou esforço adicional aos previstos na execução da maior parte das tarefas da organização. Administração de pessoal x gestão de pessoas Em muitas das organizações públicas brasileiras, as áreas que cuidam da gestão de pessoal ainda se dedicam principalmente às atividades relacio- nadas à folha de pagamento, benefícios da aposentadoria e afins, propo- sição de leis, regras e regulamentos, além de desenvolver algumas ações pontuais e emergenciais de treinamento e capacitação. A forma de atuação das áreas é geralmente reativa, respondendo quando acionadas pelas demandas das outras áreas da organização e funcio- nários, indicando que elas não possuem o controle dos assuntos que estariam afetos à sua responsabilidade. O foco nessas demandas prioriza as questões emergenciais, relegando a segundo plano as atividades estratégicas como o estabelecimento de objetivos e metas alinhados com as definições da organização, o planejamento de ações 1 7 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público e a definição de políticas como, por exemplo, a de contratação, capacitação e remuneração de pessoal, entre outras. Além disso, muitas organizações públicas ainda não vinculam a reali- zação do trabalho com o adequado desempenho, e este, por sua vez, está desvinculado dos mecanismos de remuneração. O fato de haver pouca ou nenhuma ênfase no desempenho, no resultado e nos critérios de mérito é refletido pela falta de mecanismos para o desenvolvimento profissional contínuo e permanente e pelo pouco estímulo à rotação de funções. Cabe salientar também que, embora não exista um conjunto de regras que possa ser denominado efetivamente de “política de gestão de pessoas”, as normas e definições existentes, principalmente aquelas constantes nos planos de cargos, podem suscitar a acomodação dos funcionários. Entre elas se destacam a utilização do tempo de serviço como critério prioritário para a progressão e a utilização da gratificação como forma improvisada de compensação à impossibilidade de aumento salarial. A descrição de cargos, da forma como é realizada, limita o escopo de atuação dos funcionários, desestimulando a multifuncionalidade e a visão sistêmica, e configura com frequência os desvios de função que são muito comuns nos diversos órgãos públicos em todos os âmbitos. O recrutamento e a seleção realizados por concursos têm foco baseado em cargos e, não, em competências. A forma genérica como os cargos são descritos possibilita a alocação das pessoas em áreas com características muito diferentes, mas, de fato, não supre as reais necessidades em relação às competências necessárias para a realização de suas atividades típicas. As características aqui descritas correspondem ao perfil de uma área denominada de ‘departamento de pessoal’, que realiza a administração de pessoal. Mesmo considerando as iniciativas adotadas por diversas organi- zações públicas brasileiras no sentido de transformar os ‘departamentos de pessoal’ em autênticas unidades de gestão de pessoas, esse novo perfil de gestão estratégica precisa ser consolidado com a efetiva realização de suas atividades típicas. Nota-se que em muitos casos, embora a estrutura organizacional tenha sido modificada, incluindo áreas que realizam atividades típicas de gestão de 2 0 Rosane Schikmann competências essenciais para a organização e daquelas que podem ser obtidas fora da organização. O cunho estratégico dessa e das demais áreas da organização deve representar a obtenção dos melhores resultados com a melhor aplicação possível de todos os recursos. O gestor que trata da gestão estratégica de pessoas precisa estar preparado para fazer frente ao novo desafio que se apresenta com as mudanças de escopo e de abordagem até então praticados na gestão de pessoas. Para a implementação da gestão estratégica de pessoas, novas atividades, mecanismos e instrumentos deverão ser incluídos no escopo de ação e atuação da área de gestão de pessoas. Para efeito da percepção da real dimensão do que denominamos de gestão estratégica de pessoas e do esforço a ser empreen- dido para a implantação dessas mudanças, são apresentadas, a seguir, de forma sucinta, as principais características desses mecanismos e instrumentos. Mecanismos e instrumentos da gestão estratégica de pessoas Os principais mecanismos e instrumentos da gestão estratégica de pessoas são: a) Planejamento de recursos humanos; b) Gestão de competências; c) Capacitação continuada com base em competências; e d) Avaliação de desempenho e de competências. Esses elementos guardam uma relação de dependência entre si. A Gestão de competências define as competências e os perfis profissionais necessários à organização e, com base nessas definições, o Planejamento de recursos humanos realiza o dimensionamento e a alocação dos perfis. Por outro lado, a Avaliação de desempenho e de competências analisa o desempenho das pessoas portadoras dos perfis profissionais definidos e verifica a efetividade, oferecendo insumos para a definição da Capacitação continuada. a) Planejamento de recursos humanos Considerando que as necessidades de pessoal em uma organização variam ao longo do tempo, o Planejamento de recursos humanos visa siste- matizar a avaliação das necessidades futuras de pessoas na organização, com o objetivo de supri-la com um quadro de pessoal adequado em relação ao perfil profissional e à composição quantitativa e qualitativa. 2 1 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público Ele inclui a definição de estratégias e ações para viabilizar o suprimento dessas necessidades, alinhadas aos objetivos e metas organizacionais, inte- gradas ao seu planejamento estratégico, vinculadas às disponibilidades orçamentárias e dentro das exigências legais. O Planejamento de recursos humanos tem como pressuposto o envolvimento da alta direção e dos diversos níveis gerenciais, além de representantes de todas as áreas da organização. Ele também pressupõe a construção de um cenário futuro para a definição de perfis profissionais e composição qualitativa e quantitativa do quadro de pessoal. Para isso, é realizada uma avaliação de possíveis mudanças no contexto interno e externo à organização, a fim de identificar os gaps de competências e desenvolver estratégias para o suprimento desses. Salienta-se que esse planejamento é um processo contínuo que deve ser revisto periodicamente, uma vez que as necessidades mudam ao longo do tempo e os perfis profissionais, composição e quantitativo, devem acompanhar essas alterações. A utilização contínua desse processo propiciará a adequação do dimensionamento do quadro de pessoal no serviço público. b) Gestão de competências Para tratar desse tema é necessário definir competência e, para isso, entre as diversas definições existentes, destacamos a definição de Fleury (2000)3, apresentada a seguir: “Competência é um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo.” Essa definição pressupõe a aplicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes do indivíduo na organização. Entretanto, a materialização dessa aplicação, segundo Dutra (2001), só se realiza efetivamente se o indivíduo realmente entregar suas compe- tências à organização. O conceito de entrega, proposto por Dutra, comple- menta a definição de competência apresentada, e inclui a capacidade de entrega como um fator condicionante à genuína aplicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes individuais. Assim, podemos dizer que a competência abrange os conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser) que um indivíduo 2 2 Rosane Schikmann tem ou adquire, e entrega à organização ao realizar as atividades sob sua responsabilidade para a consecução dos objetivos. A lógica da gestão de competências baseia-se na adequação do perfil do quadro de pessoal às necessidades da organização em termos dos conhecimentos, habilidades e atitudes que devem estar presentes para a realização das atividades típicas. Segundo Brandão e Guimarães (1999), cabe uma distinção entre Gestão por competências e Gestão de competências. A primeira se refere à estruturação das atividades das áreas e das equipes da organização de acordo com os tipos de competências necessárias para realizá-las. A segunda se refere ao conjunto de mecanismos utilizados para gerir as competências, incluindo o planejamento, a organização, a avaliação e a escolha das formas de desenvolvimento de competências necessárias ao alcance dos resultados pretendidos. No caso da administração pública federal, o Decreto no 5.707/ 2006, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP) adota a gestão por competências. A lógica da gestão de competências pode se enquadrar à condição das organizações públicas, uma vez que no contexto atual elas se deparam com mudanças cada vez mais rápidas e constantes das demandas dos cidadãos, o que implica a busca de novas formas de atendê-las, e que, por sua vez, leva à necessidade de adequar os perfis profissionais às novas situações. Entretanto, há um desafio à utilização dessa lógica nas organizações públicas, uma vez que, para alocar as pessoas pelas áreas da organização, são considerados apenas os tipos de cargos e a descrição geralmente sumária de suas atribuições, em lugar de serem consideradas as competências para a realização das atividades. Assim, ocupantes de um mesmo cargo podem ser alocados em áreas com perfis e necessidades muito diferentes, que ao fim e ao cabo não poderão ser atendidas de forma adequada, uma vez que não foram consideradas as competências específicas para cada caso, correndo o risco de não alcançar os resultados e o desempenho pretendidos. A gestão de competências utiliza mecanismos e instrumentos tais como o mapeamento de competências, que identifica as competências necessárias à organização e as presentes no quadro de pessoal, e o banco de talentos, que se constitui em um banco de dados com as informações detalhadas sobre os 2 5 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público Assim como no Planejamento de Recursos Humanos, a avaliação de desempenho deve contar com o envolvimento de todos os níveis da organi- zação, estar integrada com a política de capacitação e vinculada ao plano de desenvolvimento profissional, de modo a oferecer oportunidades de desenvol- vimento aos profissionais nos assuntos e áreas em que eles apresentem pontos fracos. O processo de avaliação de desempenho individual prevê o diálogo entre a chefia e cada um dos subordinados separadamente, para a análise dos resultados da avaliação comparados com os da autoavaliação. É por meio dessa discussão que ocorre o alinhamento entre as expectativas de ambas as partes e a identificação das habilidades, das realizações, das defi- ciências e das mudanças necessárias ao perfil de cada indivíduo. É nessa oportunidade também que são estabelecidas as metas individuais para o período seguinte. Esse diálogo promove a aproximação entre a chefia e cada subordi- nado, estreitando o relacionamento e estimulando a busca da melhoria do desempenho, uma vez que a chefia passa a ser encarada como aliada na busca do aperfeiçoamento profissional. Vista dessa forma, a avaliação de desempenho se torna não mais um mecanismo utilizado apenas para obtenção de uma pontuação a ser utilizada na progressão e na promoção. Ela se transforma em um instrumento de desenvolvimento de competências individuais e organizacionais. Um novo contrato de trabalho A gestão estratégica de pessoas voltada para o alcance de resultados implica um novo “contrato de trabalho” a ser estabelecido entre as pessoas e a organização. Não estamos falando aqui do contrato formal obrigatório para a efetiva vinculação de um funcionário, mas de um “contrato operacional e psicológico” em que serão combinadas as formas de relacionamento entre as pessoas e a organização. Um contrato em que a presença física perca importância frente o alcance de resultados, o compromisso ocupe o lugar da simples lealdade, a iniciativa substitua a pura aceitação e a progressão por tempo de serviço seja trocada pela progressão por desempenho e mérito. 2 6 Rosane Schikmann Esse contrato visa criar as condições e o ambiente por parte da orga- nização que estimulem o comprometimento e o interesse dos funcionários, possibilitando mudanças nas atitudes. A criação de tais condições e ambiente pressupõe demonstrar aos funcionários que eles não são meros executores de ordens dos superiores e que sua participação no fornecimento de propos- tas e sugestões para o aperfeiçoamento da organização é necessária e mui- to bem-vinda. A iniciativa e o compromisso por parte do pessoal indicam uma nova forma de encarar o relacionamento com a organização. Por outro lado, a oferta de oportunidades de crescimento profissional em substituição a simples garantias de salário e de emprego, reflete uma mudança de cultura por parte da organização. Para isso, poderão ser necessárias mudanças em algumas regras e regulamentos formais da organização. Por exemplo, no caso da mudança de critério de progressão, seria necessária uma revisão dos planos de cargos, carreiras e salários, substituindo o tempo de serviço pelo desempenho e mérito. Além disso, como esses planos normalmente não preveem a realização de avaliações para medir o desempenho e atribuir o mérito, elas também deverão ser incluídas. O quadro abaixo resume algumas das condições para a efetivação de um novo contrato de trabalho. Condições para a efetivação de um novo contrato de trabalho Substituir de Para Presença física Resultado Pura aceitação Iniciativa Simples lealdade Compromisso Garantias Oportunidade Obediência cega Flexibilidade Comunicação de cima para baixo Comunicação em mão dupla Fazer sua tarefa Conhecer os objetivos da organização Progressão por tempo de serviço Progressão por desempenho e mérito 2 7 Gestão Estratégica de Pessoas: Bases para a concepção do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público Pode-se considerar, em suma, que os condicionantes institucionais para a construção desse novo cenário de gestão de pessoas na administração pública federal estão dados, notadamente pela Política Nacional de Desenvol- vimento de Pessoas. Elementos outros de estrutura e de regulamentação dessas novas diretrizes já podem ser encontrados no arranjo da adminis- tração pública brasileira. A filosofia e o formato do curso de Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público pautaram-se e bem refletem igualmente os valores subjacentes aos atributos desejados da gestão de pessoas emergente. Há desafios de fundo, todavia no que diz respeito à capacitação dos especi- alistas em gestão de pessoas: o de assumi-la como um processo cíclico e virtuoso em termos de aprendizado, e o de promover a formação de compe- tências com significado para a administração pública. Esse é um dos pontos a serem abordados no capítulo seguinte. Notas 1 BERGUE, S.T. Gestão de Pessoas em Organizações Públicas. Caxias do Sul: EDUCS, 2007. 2 KON, J. A aceleração das mudanças: como enfrentá-las. RAE light, v.4, n.2. 1997. 3 FLEURY, A. FLEURY, M.T. Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas, 2000. 4 DREYFUSS, M.B. et al. Mecanismos de Gestão de Recursos Humanos para o Novo Tribunal de Justiça. In: GONÇALVES, J.E.L. (org). A Construção do Novo Tribunal de Justiça de São Paulo. Vol I. São Paulo: FGV, 2005. Referências BERGUE, S. T. Gestão de pessoas em organizações públicas. Caxias do Sul: EDUCS, 2007. BRANDÃO, H.P., Guimarães, T. A. Gestão de Competências e Gestão de Desempenho: Tecnologias Distintas ou Instrumentos de um Mesmo Construto? Disponível em: http:// www.anpad.org.br/enanpad/1999/dwn/enanpad1999-rh-04.pdf DREYFUSS, M. B. et al. Mecanismos de Gestão de Recursos Humanos para o Novo Tribunal de Justiça. In: GONÇALVES, J.E.L. (org). A Construção do Novo Tribunal de Justiça de São Paulo. Vol I. São Paulo: FGV, 2005. DUTRA, J.S. (org) Gestão por competências. São Paulo: Editora Gente, 2001. ENAP. Experiências de avaliação de desempenho na administração pública federal. Cadernos ENAP 19. Brasília: ENAP, 2000. 3 0 Sandro Trescastro Bergue 3 1 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE PESSOAS NO SERVIÇO PÚBLICO: UMA PERSPECTIVA DA VIVÊNCIA DOCENTE NO CONTEXTO CURSo Sandro Trescastro Bergue Introdução O curso de Gestão de Especialização em Pessoas no Serviço Público, atualmente em sua segunda edição, com os ajustes que a aprendizagem proporcionada por uma proposta inovadora e pioneira enseja, foi concebido a partir das diretrizes lançadas pela Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), contida no Decreto no 5.707/2006. Coerente com a natu- reza de um curso de especialização, a proposta de capacitação combina elementos teóricos e instrumentais que habilitam os profissionais da adminis- tração pública federal a refletir sobre o atual estado de coisas, contrastes, limitações e possibilidades no contexto da gestão de pessoas. É sobre o conjunto de experiências vivenciadas nesse curso de especialização, tomadas predominantemente sob a perspectiva docente, a que este texto se refere. O leitor certamente já ouviu algo como: “as pessoas são o principal ativo da organização” ou “sem os servidores não há prestação de serviços públicos de qualidade”, entre outras variantes dessas mesmas ideias. O leitor já refletiu sobre a posição efetivamente ocupada pela área ou função de Recursos Humanos (RH) nas organizações públicas? O que efetiva- mente os gestores públicos pensam da gestão de pessoas? Já se questionou sobre o porquê disso? Tal análise, não raro, revela um paradoxo. Questões como essas, sem respostas simples, nortearam os debates no desenvolvimento do curso. 3 2 Sandro Trescastro Bergue Além dessa seção introdutória, o texto desenvolve-se trazendo as múltiplas vivências, experiências e expectativas que compuseram as relações de mútuo ensino e aprendizagem. Nesses processos, é destacado o impera- tivo de um tratamento conceitual em gestão de pessoas ressignificado para o setor público, discussão que enseja a segunda seção. Coerente com esse debate, a terceira seção aborda o desafio da linguagem e a apropriação do cotidiano como recursos pedagógicos no estabelecimento das conexões entre os planos conceitual e vivencial. Sobrevém, na seção 4, um convite à supe- ração da perspectiva convencional de gestão, de fundo essencialmente clássico e inspiração cartesiana, para avançar em direção ao pensar sistêmico. A quinta seção aborda as expectativas e eixos de transformação da realidade da gestão de recursos humanos na administração pública, em direção a uma gestão de articulação mais estratégica. Por fim, são tecidas considerações finais evocando a ideia essencial de um processo de transformação que não pode ser tomado como evento de ruptura, tampouco elemento de continui- dade; senão um ponto de inflexão na trajetória de compreensão da gestão de pessoas na administração pública. Múltiplas vivências, perspectivas e expectativas O curso de Gestão de Pessoas no Serviço Público, concebido nos moldes apresentados no capítulo produzido pela profª Rosane Schikmann, trouxe à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) uma turma de estudantes de pós-graduação qualificada e heterogênea. Essa heteroge- neidade se manifestou tanto nas diferentes formações de graduação quanto em termos de vivências em gestão de recursos humanos nos correspon- dentes órgãos e entidades de origem. O compartilhamento de conhecimento, predominantemente empírico, dado que o trânsito por conceitos afetos à gestão de pessoas estava, de modo geral, pendente de elaboração, temperou as expectativas em relação à formação pretendida no contexto da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, formalizada no Decreto nº 5.707/2006. As angústias dos profis- sionais, em relação ao estado da gestão de RH na administração pública, vinham à tona e eram percebidas como comuns, revelando desde deficiências 3 5 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso qualificação da gestão de organizações públicas. Definitivamente, não se defende isso. Não se pode esquecer que, a despeito das diferenças substantivas em termos de objetivos – de uma “empresa” e de uma “organização pública” da administração direta (um ministério, por exemplo) –, em ambos os casos estamos tratando de organizações que dependem de gestão. São instituições que, por certo, têm distintos objetivos, dispõem de recursos em diferentes níveis de escassez, atendem às necessidades de um destinatário do bem ou serviço público gerado (seja ele cliente, contribuinte, usuário de serviços públicos ou sociedade de forma mais ampla) etc. Se é assim – são sempre organizações1 –, então as tecnologias de gestão são necessárias. São imperativos para que exista a gestão, indepen- dentemente do setor em que operem. A questão que se impõe, portanto, é a seguinte: que tecnologias? E como pode ser efetivado esse processo de transposição entre as distintas áreas? A resposta que se propõe é a seguinte. As organizações públicas têm seus sistemas de gestão próprios e erigidos a partir de uma construção histórica e particular em termos de atributos “materiais” e de elementos “culturais”.2 Esse sistema de gestão pode e por que não dizer, deve se valer de experiências exógenas (além das fronteiras organizacionais) a fim de transformar e buscar convergência com as exigências do contexto mais amplo. E, pode-se dizer, talvez seja nesse ponto em particular – a forma de realizar – que tenhamos mais falhado nas experiências anteriores, envol- vendo os processos de transposição de tecnologias de gestão do setor priva- do para o público. A reprodução direta, ou mesmo as adaptações de modelos de gestão exógenos ao serviço público, gerará desde apropriações formalísticas ou de “faz de conta” até verdadeiros traumas organizacionais. O tema da transposição de conceitos não é novo no campo dos estudos organizacionais, sendo pesquisado sob diferentes perspectivas, graus de amplitude e de profundidade. Autores como Morris e Lancaster (2005) abordam o imperativo que denominam “tradução de conceitos”; Abrahamson (2006) sugere o processo de “recombinação criativa”; e Wood Jr. e Caldas (1998) propõem a “adaptação criativa” (ou a antropofagia organizacional). 3 6 Sandro Trescastro Bergue Ao resgatar outro autor brasileiro – Ramos (1996) – temos como conceito de fundo a “redução sociológica”. Mais recentemente, estendendo o alcance desse conceito, temos o conceito de “redução gerencial” (BERGUE, 2008; BERGUE; KLERING, 2010), que, no contexto da transposição de tecnologias de gestão do setor privado para a administração pública, sugere o imperativo da identificação dos conceitos e dos pressupostos subjacentes a essas tecnologias e sua ressignificação, seguindo-se a construção de soluções gerenciais endogenamente orientadas. Isso sempre é importante assinalar, a partir do que há de mais essencial em uma tecnologia de gestão – os conceitos. O conceito assume, portanto, uma posição central no processo de transposição de tecnologias para a organização pública. Ser capaz de tomar uma tecnologia gerencial, reconhecê-la como objeto cultural produzido em um contexto específico, e a ele vinculado em termos de pressupostos e significados, constitui um passo importante do processo de transposição significativa. Identificar nessa tecnologia os conceitos que lhe são intrínsecos e definidores de sua forma – adentrar a sua substância conceitual, em vez de apenas limitar-se ao seu formato – constitui outro ponto importante. A par disso, submeter esse conceito a um processo de reflexão com vistas à sua ressignificação, convertendo-o em algo que seja coerente com elementos que conformam o sistema de gestão da organização, é, sem dúvida, o esforço mais desafiante. Essa perspectiva de aprendizagem orientou a proposta de capacitação em foco, elaborada pela ENAP. Na condução do curso, buscou-se não somente expor os profissionais em formação às tecnologias de gestão de pessoas existentes, notadamente aquela em evidência – a gestão por competências –, mas estabelecer os conceitos a elas subjacentes. Esforços foram empreendidos no sentido de superar os eventos de superfície que moldam o fenômeno tecnológico e adentrar o seu arranjo conceitual e de pressupostos fundamentais. Isso com o firme propósito de construir uma matriz conceitual que permitisse aos profissionais reconhecer os conceitos essenciais a essa e outras tecnologias de gestão de pessoas; mas, especialmente no contexto específico dos seus órgãos e enti- dades de atuação, os habilitassem a produzir soluções gerenciais que fossem significativas para a organização. Não se visou, em suma, capacitar esses profissionais para a reprodução de um modelo de gestão ou outros, mas sim 3 7 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso dotá-los de competências que os conduzissem à assunção de uma posição autônoma e de sistemática reflexão, que, ao final, facilitasse a apropriação crítica e devidamente contextualizada de conhecimentos produzidos exogenamente à administração pública. Desafio da linguagem e da apropriação do cotidiano: conexões entre os planos conceitual e vivencial do trabalho na administração pública brasileira As experiências de convívio em sala de aula – aqui tomadas em perspectiva estendida para alcançar também as relações construídas em ambiente virtual de aprendizagem, por vezes largamente utilizado – permitiriam referir ainda diversos outros pontos que bem ilustrariam a importância da proposta do curso. Destaca-se, no entanto, a questão da linguagem, em especial a adoção da terminologia que particulariza o campo da administração pública e a apropriação dos elementos do cotidiano das organizações públicas como recurso pedagógico. No exercício da atividade docente, seja na graduação ou pós-graduação, em diferentes instituições de ensino e públicos acadêmicos – escolas de governo ou escolas de negócio –, tem-se percebido, seja pelas experiências, seja por relatos ou leituras, o quanto os alunos tendem a referir uma “desconexão” entre os conceitos abordados em sala de aula e a “realidade” da organização. Isso provavelmente não seria diferente com a turma de Gestão de Pessoas no Serviço Público, caso o fenômeno não estivesse na pauta de preocupações dos profissionais que conceberam a estrutura curricular e a proposta pedagógica do curso. Dado o alcance pretendido para o projeto, sempre compreendido no contexto da PNDP, a que dá ensejo o já referenciado Decreto no 5.707/2006, percebeu-se o esforço da ENAP em buscar pelo país profissionais com estreita relação entre os campos teórico e prático. A natureza particular de uma proposta de pós-graduação em nível de especialização, concebida e levada a efeito no contexto de uma escola de governo, exige um formato didático-pedagógico cujo corpo docente seja capaz de, tanto quanto possível, prover aporte de conhecimento contextualizado. Isso implica um concerto de pessoas sensíveis 4 0 Sandro Trescastro Bergue pública – um campo do saber bem mais complexo que a gestão de empresas – importa um pensar sistêmico, não subordinado ao conceito estrito de disciplinas. Convite ao pensamento sistêmico: condição para a transformação organizacional Os traços mecanicistas – fragmentação do trabalho, especialização das pessoas, padronização e formalização de procedimentos, hierarquia, o foco no processo etc. – emergem do mais simples esforço de leitura da realidade organizacional, que conforma a administração pública brasileira contemporânea. Além desses conceitos, mais facilmente perceptíveis, pode- se observar outros atributos do pensamento clássico de inspiração cartesiana que permeiam a administração pública. Entre esses, e com acentuado impacto sobre a gestão de pessoas, destaca-se a orientação racionalista e a consequente crença em uma realidade objetiva e na existência de uma verdade exterior ao indivíduo. Ademais, pensar e promover a efetivação das diretrizes emanadas do Decreto no 5.707/2006, notadamente no que diz respeito à introdução do conceito de gestão por competências na administração pública federal, implica admitir mudanças substantivas. Tal processo, impõe-se dizer, não pode ser pensado somente a partir das bases do pensamento clássico, senão reconhecendo o imperativo da adoção de um pensamento sistêmico. Sabe-se que o referencial, a partir do qual se aborda um processo de mudança organizacional, influencia sobremaneira não somente a percepção dos agentes sobre o fenômeno, mas o tempo, o alcance e a consistência dos resultados do processo. As organizações públicas podem ser consideradas sensivelmente mais complexas que as demais em termos de substância (componentes e propósitos), amplitude e relações de poder, fato que expõe ainda mais as limitações do pensamento mecanicista de orientação estrita- mente instrumental. A esse propósito, em termos de paradigmas gerenciais, pode-se sintetizar alguns atributos afetos aos processos de gestão mecanicista e sistêmico – Quadro 1. 4 1 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso Quadro 1: Elementos constituintes dos paradigmas mecanicista e sistêmico de gestão Mecanicista Sistêmico partes todo objetos relacionamentos hierarquia redes causalidade linear circularidade dos fluxos e relações metáfora mecânica metáfora orgânica conhecimento objetivo conhecimento objetivo e subjetivo verdade descrições aproximadas Fonte: adaptado de Andrade et al. (2006). A compreensão dos fenômenos de mudança, portanto, não deve assentar-se tão somente na perspectiva clássica de gestão – mecanicista –, que pressupõe ações deliberadas, objetividade, racionalidade plena, neutralidade, controle amplo e irrestrito (conhecimento e domínio sobre as variáveis) etc., senão como um processo emergente, substantivo, fluido e dinâmico, com ênfase nas relações e essencialmente relacionado às pessoas, elementos estes que caracterizam a perspectiva sistêmica. Coerente com isso, o fenômeno da mudança requer a assunção das seguintes premissas fundamentais (MORGAN, 1996): • A mudança é um fenômeno contingencial e emergente, não possuindo fórmula única e previamente validada; • A compreensão do contexto e descrição da situação complexa de análise é pré-requisito essencial para o esforço de planejamento de uma estratégia de mudança organizacional; • A abordagem do pensamento sistêmico, sobretudo a linguagem sistêmica, constitui elemento fundamental do processo de compreensão do fenômeno da mudança. Nessa linha, a mudança pode ser reconhecida, fundamentalmente, como processo de aprendizagem. Portanto, os resultados positivos de um processo de mudança tendem a ser proporcionais à amplitude da compreensão do fenômeno, o que se dá, inicialmente e em larga medida, pela explicitação das suas categorias centrais (variáveis) e das relações múltiplas e, por vezes, 4 2 Sandro Trescastro Bergue mútuas que se estabelecem, aspectos estes característicos da perspectiva sistêmica, que se opõe à visão fragmentada e parcial do fenômeno. Outro ponto a destacar na condução do processo de mudança é o papel dos atores organizacionais. Nesse particular, ressalta-se a importância do amplo envolvimento dos agentes da organização nos processos de mudança. Isso é particularmente importante quando se pensa na substancial transformação desejada para a função de recursos humanos nas organi- zações públicas. Nesse processo, assume posição central a capacidade de articulação por parte do pessoal da área de RH em relação aos demais atores organizacionais, de início reconhecendo as múltiplas e legítimas pers- pectivas da organização (objetivos, aspirações, exigências, temores etc.) e, ato subsequente, oferecendo respostas a essas tensões de modo a minimizar seus efeitos sobre a reconstrução de uma política de recursos humanos para a organização. A mudança organizacional é, então, um processo complexo e multifacetado, cuja definição mais ampla pode ser encontrada nos próprios termos: mudança e organização. A mudança constitui fenômeno inerente à organização e se manifesta sob diferentes formas, desde os esforços adaptativos de qualquer ordem e intensidade, inovações gerenciais e de estrutura, até transformações mais radicais, que alcançam aspectos substanciais do comportamento das pessoas na organização. Mudança organizacional implica também reconhecer o que se entende por organização. Segundo uma perspectiva mais inclinada ao “interpretativismo”, pode-se reconhecer a organização como uma construção simbólica, resultante da forma como as pessoas interagem e pensam. Essa perspectiva é fundamental, pois sendo isso uma organização, a “mudança passa por alterar a forma como as pessoas constroem e percebem essas interações; logo, a própria organização.”4 A mudança, em suma, pode ser percebida como um processo de aprendizagem das pessoas em suas relações de interação mútua, que se projeta no que se define como organização. Se é processo, implica assumir: • o imperativo do amplo envolvimento das pessoas; • a obtenção de resultados mais substanciais, principalmente a médio e longo prazos (período de maturação e assimilação); • a possibilidade de desvios em relação à trajetória inicial estabelecida etc. 4 5 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso Como pano de fundo, tem-se o conceito de pensamento estratégico. Esse, por sua vez, possui algumas dimensões, entre as quais destacam-se as seguintes: a noção de um pensamento de “topo” – efetivo envolvimento da alta administração –, com alcance do “todo” – considerando a organização como sistema complexo –, e orientado para o “longo prazo” – antecipa elementos conformadores de cenários futuros e estabelece, para o curto e médio prazos, condições para transformá-los. Considera-se, também, que gerenciar é antes de tudo pensar, para que os elementos de teoria assumam condição de centralidade. Tomando esses, entre outros possíveis elementos de definição, tem-se uma singela e nuclear definição de gestão estratégica – pensar a organização como um todo, em as suas instâncias, relacionada ao seu contexto e orientada para o longo prazo. Derivando dessa definição, a gestão estratégica de pessoas pode ser definida a partir dos seguintes elementos: • A função RH próxima à alta administração; • Os agentes públicos (servidores e agentes políticos) no centro da organização; • A gestão de pessoas como compromisso de todos os gestores. Gestão estratégica de pessoas implica que a organização compartilhe – traduzindo em ação e não somente no plano do discurso – a ideia de que a gestão de pessoas e tudo o que lhe seja afeto sejam “elementos conside- rados efetivamente nas decisões da alta administração”. Peca-se pela redução, mas no intuito de que isso favoreça o início de um processo de compreensão da mensagem, que as pessoas sejam uma “variável” sempre posta entre as categorias centrais de decisão e considerada política de Estado. Isso remete à ideia de reconhecer as pessoas – servidores efetivos, comissionados, terceirizados e agentes políticos – como elemento central na organização. Em que pese a aparente obviedade disso, impõe-se ao gestor buscar compreender a dinâmica que exclui as pessoas dessa posição central, ou seja, os motivos pelos quais essa diretriz não se efetiva. Outro elemento fundamental da gestão estratégica de pessoas na admi- nistração pública, que, por vezes, contrasta com o cotidiano das organizações, é a noção de que o gerenciamento de pessoas é compromisso de todos os gestores da organização. Nessa perspectiva, pensar estrategicamente a gestão 4 6 Sandro Trescastro Bergue de pessoas pressupõe, entre outros aspectos, deslocar a crença de que os temas relacionados a “pessoal” são “problemas” da “área de RH”. Portanto, impõe-se aos gestores dos diferentes organismos e níveis da administração pública uma reflexão sobre as práticas vigentes e os valores que as suportam. A atenção à dimensão conceitual é condição inicial desse movimento de transformação e os profissionais capacitados em nível de pós-graduação estão habilitados, tanto para a interpretação e ressignificação desses elementos para a administração pública quanto para a proposição de ajustes e eventuais lacunas da própria PNDP. Considerações finais: o curso no contexto de um processo de transformação Em suma, redes de relacionamento foram estabelecidas – sempre de natureza informal – em diferentes níveis de intensidade. Um dos desafios futuros, tanto da ENAP quanto dos profissionais egressos do curso de gestão de pessoas no serviço público, é intensificar esse arranjo relacional em redes de cooperação – de aprendizagem e solução de problemas concretos –, que alcancem os múltiplos órgãos e entidades da administração pública federal (e, por que não, estender a experiência e conhecimentos para outros níveis da federação em diferentes formatos – desde meios mais convencionais, como publicações e seminários, até formatos menos ortodoxos, como consultorias internas não onerosas no setor público). Notas 1 Mesmo se escaparmos do 1o e 2o setores da economia (público e privado), temos o 3o setor, o não governamental, que não deixa de ser composto de organizações. 2 Assume-se aqui o sistema de gestão como o agregado orgânico articulado e coerente de tecnologias de gestão que garantem a estrutura e o funcionamento da organização. 3 É importante considerar, também, que alguns dos conceitos essenciais da gestão pela qualidade – padronização, divisão do trabalho, especialização, formalização, hierarquia etc. – são os mesmos que informam o modelo clássico, de inspiração taylorista para análise organizacional. Oferecer essas “lentes” aos profissionais, mais que abordar os aspectos de superfície da tecnologia gerencial – a gestão pela qualidade – é contribuir para uma formação mais substantiva. 4 7 Especialização em Gestão de Pessoas no Serviço Público: uma perspectiva da vivência docente no contexto curso 4 Nesse particular, é interessante sinalizar os esquemas sobre os pressupostos de análise referentes à natureza das relações sociais de Burrel e Morgan (1979), especificamente relacionados às dimensões ontológica (perspectiva de ser no mundo) e epistemológica (pressupostos acerca de como o conhecimento é produzido). Na dimensão ontológica, o contínuo entre nominalismo (mundo percebido pelo sujeito) e realismo (mundo como algo externo à pessoa); na dimensão epistemológica, o contínuo entre subjetivismo/ interpretacionismo (conhecimento é relativo e depende da perspectiva dos sujeitos) e positivismo (regularidades e relações causais entre elementos). Referências ABRAHAMSON, Eric. Mudança Organizacional: uma abordagem criativa, moderna e inovadora. São Paulo: Makron Books, 2006; ANDRADE, Aurélio de Leão; SELEME, Acyr; RODRIGUES, Luís Henrique; SOUTO, Rodrigo. Pensa- mento sistêmico – caderno de campo: o desafio da mudança sustentada nas organizações e na sociedade. Porto Alegre: Bookman, 2006. BERGUE, Sandro Trescastro. A Redução Gerencial no Processo de Transposição de Tecnologias de Gestão para Organizações Públicas. Anais ENANPAD. Rio de Janeiro, 2008. BERGUE, Sandro Trescastro; KLERING, Luis Roque. A Redução Sociológica no Processo de Transposição de Tecnologias Gerenciais. Organizações e Sociedade, v. 17, n. 52, 2010. MORGAN, Gareth. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 1996. MORRIS, Timothy; LANCASTER, Zoë. Translating Management Ideas. Organization Studies, 27 (2), p. 207-233, 2005. PAULA, Ana Paula Paes de; WOOD Jr., Thomaz. Dilemas e ambigüidades da “indústria do conselho”: um estudo múltiplo de casos sobre empresas de consultoria no Brasil. Revista de Administração Contemporânea (Eletrônica), v.2, n.2, p. 171-188, mai./ago., 2008. RAMOS, Alberto Guerreiro. A Redução Sociológica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996. WOOD Jr., Thomaz; CALDAS, Miguel Pinto. Antropofagia Organizacional. Revista de Adminis- tração de Empresas, v.38, n.4, p. 6-17, 1998. Sandro Trescastro Bergue é doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGA/UFRGS. Professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Diretor da Escola Superior de Gestão e Controle do TCE/RS. Contato: bergue@tce.rs.gov.br 5 0 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja 5 1 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS Claudia Simone Antonello1 e Maria Júlia Pantoja Introdução As organizações contemporâneas vêm sendo influenciadas pelo novo contexto de mudanças globais de natureza social, econômica, tecnológica e política que, de acordo com Bastos (2006), têm introduzido reflexões instigantes sobre os rumos da sociedade e a emergência de novos cenários para o mundo do trabalho. Diante de transformações tão presentes e significativas, o setor público vem se adaptando por meio da promoção de mudanças organizacionais que envolvem a redefinição de aspectos estratégicos, tais como a alteração de missões, a utilização de novas ferramentas tecnológicas, a adoção de novos métodos de trabalho, entre outros. Tais mudanças, além de afetarem a organização e gestão dos processos de trabalho, impõem a necessidade da construção e desenvolvimento de novos perfis de competências profissionais. Como consequência imediata, os processos de aprendizagem emergem como mecanismos essenciais ao desenvolvimento de novas competências requeridas para que os indivíduos e grupos possam apresentar padrões de desempenho efetivo no trabalho, dentro de um ambiente de gestão cada vez mais dinâmico e complexo. O foco do presente capítulo recai sobre a definição e contextualização de vários conceitos importantes na área da aprendizagem no trabalho, analisando seus principais quadros referenciais e aplicações. Aborda também a influência de fatores do ambiente organizacional sobre o desenvolvimento de competências em contextos formais e informais de 5 2 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja aprendizagem no trabalho. Com base nos contextos formais de aprendiza- gem, descreve os conceitos de treinamento, desenvolvimento e educação (TD&E) e analisa seus principais componentes: avaliação de necessida- des, planejamento e execução, e avaliação de TD&E. Por fim, articula o desenvolvimento de competências com as mudanças no significado e práticas do trabalho. Aprendizagem no trabalho Aprendizagem constitui importante tema no âmbito dos estudos organizacionais e mais especificamente nas áreas da Administração e da Psicologia Organizacional. No que tange à Administração, o foco de atenção dos estudiosos tem recaído sobre os níveis das equipes de trabalho ou das organizações, tendo surgido duas importantes vertentes: aprendizagem organizacional e organizações que aprendem (ARGYRIS, 1996; DIXON, 1994; SCHEIN, 1996; SENGE, 1990). Alguns autores – como, por exemplo, Bastos, Gondim, Loiola, Menezes e Navio (2002) – argumentam que tais vertentes tratam do mesmo fenômeno, a partir de óticas e interesses distintos. Salientam que a primeira vertente – Aprendizagem Organizacional (AO) – privilegia a descrição de como a organização aprende, isto é, envolve as habilidades e o processo de construção e utilização do conhecimento que favorecerão a reflexão sobre as possibilidades concretas de ocorrer a aprendizagem nesse contexto. Enquanto isso, a segunda vertente – Organizações que Aprendem (OA) – focaliza o resultado, o ajuste de ferramentas metodológicas especí- ficas para o diagnóstico e avaliação, que permitem identificar, promover e avaliar a qualidade dos processos e aprendizagem visando subsidiar a norma- lização e prescrição do que deve uma organização fazer para que ocorra a aprendizagem entre seus membros. O fenômeno da aprendizagem tem sido intensamente focalizado pelas teorias psicológicas e a vasta base teórica tem fornecido significativas contribuições para as discussões que estão sendo desenvolvidas em aprendizagem organizacional. Nessa perspectiva, Pantoja e Borges- Andrade (2004) salientam que o termo “aprendizagem” possui ampla variedade de definições em psicologia. De forma geral, o referido termo 5 5 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências dos resultados obtidos são similares a uma ideia apresentada por Watkins e Marsick (1992, p. 294-297), de que as condições que aumentam a apren- dizagem são: a) Proatividade: na qual o aprendiz toma para si e dirige sua aprendi- zagem – semelhante às condições de autonomia e empowerment; b) Reflexão crítica: na qual os aprendizes identificam e tornam explí- citas normas, valores e suposições que estão escondidas de sua consciência e desafiam o modo como as coisas são feitas ao seu redor; c) Criatividade: que permite às pessoas pensarem e perceberem as situações a partir de perspectivas diferentes. A necessidade de aproximação entre teoria e prática apontada nesses estudos evidencia que o resgate da bagagem de conhecimentos/experiências do indivíduo, em seu cotidiano e no ambiente de formação, possibilita que ele se aproprie dessa bagagem e, ao mesmo tempo, contribui para o autodesenvolvimento. Além disso, destaca-se a importância do facilitador ter a capacidade de propiciar a reflexão em ambiente de formação. Esses aspectos permitem aos indivíduos ampliar o repertório de respostas às situações que se apresentam em seu dia a dia. No reapropriar de sua expe- riência profissional/pessoal, as pessoas podem redimensionar situações com as quais se deparam a partir de uma perspectiva diferente, questões também apontadas em estudo de Antonello (2004b). Trata-se da aplicação da dinâmica da relação entre ação-reflexão e aprendizagem. Desta forma, pode-se dizer que a aprendizagem designa o processo pelo qual o indivíduo constrói, assimila e aperfeiçoa conhecimentos e novas competências, por intermédio do qual suas representações, seus comportamentos e suas capacidades de ação podem ser modificados. Identificou-se também que as competências consideradas imprescin- díveis para o desempenho profissional como administrador numa função gerencial, situadas no campo das competências sociais, são, além do conheci- mento, a capacidade de: gerenciar pessoas, de relacionamento interpessoal e de trabalhar em equipe. Na literatura, reconhece-se que a principal meta da formação gerencial é ajudar os gestores a desenvolverem-se como profissionais reflexivos, que possam refletir criticamente sobre a própria prática profissional. Os gestores no atual contexto precisam ser capazes de 5 6 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja analisar a informação; resolver problemas; comunicar-se; relacionar-se e trabalhar em equipe; e refletir sobre o próprio papel no processo de aprendizagem (SCHÖN, 2000). Observa-se que os pesquisados sinalizam que aprendem reconhecendo e respondendo a um jogo diverso de demandas ambientais e pessoais. Os estudos mencionados revelaram a noção de aprendizagem na ação e autogerenciada, em que o desenvolvimento de competências exige uma escolha e transformação interna do indivíduo a partir das interações sociais. Evidenciou-se ainda a importância atribuída pelos entrevistados ao papel da autonomia e da motivação no processo de aprendizagem, atuando como capacitadores no seu contínuo desenvolvimento, bem como a relevância do papel do facilitador para estimular a motivação por meio da orientação e do acompanhamento. A forma como os indivíduos relataram que solucionam essas tensões dialéticas revelou como delineiam sua trajetória em torno do processo do ciclo de aprendizagem. Vista como um todo, a aprendizagem descrita trata-se de um processo contínuo de responder às diversas demandas pessoais e ambientais desses indivíduos, que surgem da interação entre experiência, conceituação, reflexão e ação, constituindo um ciclo – embora não necessariamente fechado, ordenado e sequencial –, mas mais bem expresso pela noção de espiral, acompanhado pelo desenvolvimento de uma competência. Assim, a análise dos relatos oportuniza elaborar a configuração que se apresenta na figura 1. Na figura 1 evidencia-se a ideia de que a aprendizagem é um processo de natureza social, emancipatória, tácita que envolve a representação interna do indivíduo (autoconhecimento, interesse e motivação em aprender) e sua ação social (conhecimento do outro), viabilizando o desenvolvimento de suas competências. 5 7 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências Assim, quando se fala em aprendizagem, está se falando de um conceito que inclui ambos, o explícito e o tácito. Inclui o que é dito e o que não é dito; o que é representado e o que é assumido. Inclui a linguagem, as ferramentas, os documentos, as imagens, os símbolos, os papéis definidos, os critérios especificados, os procedimentos, os regulamentos e os contratos que várias práticas fazem explícitas para uma variedade de propósitos. Inclui também todas as relações implícitas, convenções tácitas, sugestões sutis, regras não declaradas, as intuições, as percepções, a sensibilidade, compreensões incorporadas, suposições subjacentes e as visões de mundo compartilhadas que nunca puderam ser articuladas. Assim, a transposição dos saberes para a prática não comporta apenas uma dimensão técnica, implicando um trabalho pessoal de reconstrução das representações e das atitudes, de reinvenção quotidiana de estratégias de ação, oportunizando o desenvolvimento pessoal e a autonomia. A contribuição mais significativa da aprendizagem na ação, no desenvolvimento de competências reside, talvez, na ruptura com um modo de pensamento essencialmente prescritivo e justificativo, que exige a inversão da relação entre a “teoria” e a realidade observada, a partir da interação com “o outro” e do contexto em que está inserido o sujeito. Fonte: elaborado pela autora a partir da literatura Figura 1: Processo de aprendizagem e desenvolvimento de competências 6 0 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja processos, que aprendam e que ocorram transferências de aprendizagem para o trabalho e transferências para o desempenho das equipes e das organizações. Todavia, é preciso lembrar que os indivíduos podem aprender e efetivamente aprendem no trabalho, independentemente de existirem processos de TD&E. Ou seja, em contextos organizacionais, nem todas as situações que geram aprendizagem constituem eventos de TD&E. Existem outras formas de transmissão de conhecimento e aprendizagem. Nesse sentido, os indivíduos podem aprender por meio das consequências organizacionais resultantes de comportamentos, observando as conse- quências de comportamentos dos demais membros de sua equipe, ouvindo histórias de companheiros mais antigos ou recebendo instruções e orien- tações de supervisores ou sugestões de fornecedores e clientes. De forma coerente com o aqui exposto, alguns autores afirmam ainda que esse tipo de aprendizagem ocorre sem sistematização e em função dos interesses dos indivíduos (ABBAD, BORGES-FERREIRA E NOGUEIRA, 2006; DAY, 1998; MARSICK & WATKINS, 2001; SONNENTAG & COLS, 2004). Conforme salientam Sonnentag e Cols (2004 apud BELIVÁQUA- CHAVES) e Svensson, Ellström e Aberg (2004), tais atividades frequente- mente ocorrem nos contextos de socialização organizacional ou quando é necessária a adaptação a um novo trabalho ou nova demanda. Embora facilitem atividades que direcionam a aquisição de conhecimentos, habili- dades e atitudes não são suficientes para o pleno desenvolvimento de competências. Em síntese, as atividades de aprendizagem formal e informal devem estar interligadas na medida em que podem influenciar o grau de eficácia e efetividade do processo de aprendizado, por meio do qual as competências são adquiridas pelos indivíduos e grupos no contexto de trabalho. Serão abordados, a seguir, os principais conceitos da aprendizagem informal e suas relações com o desenvolvimento de competências. Aprendizagem informal no trabalho Vários autores têm empreendido esforços no sentido de conceituar e melhor caracterizar a aprendizagem informal no trabalho. Para Day (1998), 6 1 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências a aprendizagem informal é pontual e específica das necessidades do indivíduo; portanto, constitui evento altamente relevante para ele. Partindo do pressu- posto de que existem discrepâncias entre o que os indivíduos sabem e o que eles devem saber, a autora argumenta que a aprendizagem informal propor- ciona um aprendizado incremental do que deve ser aprendido e sabido. Em consonância com tais argumentações, Sonnentag, Niessen e Ohly (2004) salientam que as atividades informais de aprendizagem são em geral desestruturadas e iniciadas pelos próprios indivíduos. Portanto, podem ou não estar alinhadas aos objetivos e estratégias da organização; a ocorrência, em geral, se manifesta em contextos de socialização organizacional. A despeito da variedade de definições, alguns aspectos parecem razoavelmente consolidados na literatura acerca dos processos de aprendi- zagem informal no trabalho. Compõem esse elenco: a) ações específicas, pontuais e condicionadas aos interesses do indivíduo; b) não constituem ações sistematicamente programadas, tampouco há controle por parte da organi- zação acerca do que será aprendido; c) sua ocorrência pode estar ou não articulada aos objetivos organizacionais e do trabalho; d) não estão direcionadas ao alcance de resultados específicos previamente delineados pela organização. No campo da aprendizagem na ação, uma das abordagens mais ricas é a que trata da aprendizagem informal e das comunidades de prática por meio da aprendizagem situada. Os benefícios mais sustentáveis, em termos de necessidades individuais e organizacionais (LAVE & WENGER, 1991), tendem a ser o resultado da “ação” ou a “aprendizagem situada”, que é informal e resulta diretamente de atividades relacionadas com o trabalho. Essa é a aprendizagem que se dá em espaços e interstícios de vida organizacional. A teoria da aprendizagem situada é uma ideia proposta por Lave e Wenger. Estes autores argumentam que o aprendizado sempre ocorre em função da atividade, contexto e cultura em que ocorre ou se situa. Para os autores essa proposição contrasta com a maioria das atividades em sala de aula, que envol- vem conhecimentos abstratos, totalmente descontextualizados de situações concretas. A interação social é um componente crítico da aprendizagem situada; nela, os aprendizes ficam envolvidos em “Comunidades de prática”, que portam certas convicções e definem comportamentos a serem adquiridos. Brown e Duguid (1992) descrevem este tipo de local de trabalho, que aprende como um processo que ocorre por “teias de participação”. Wenger 6 2 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja e Lave (1998) caracterizaram essas teias de aprendizagem informais como comunidades de prática, e Boland e Tenkasi (1995) as denominam como comunidades de saber. Ao invés de representar aprendizagem, como o que ocorre dentro de sistemas formais, por exemplo, pelo treinamento em aula ou uso de banco de dados, tal abordagem volta-se para a aprendizagem que ocorre por meio da participação no trabalho. À medida que os novatos se movem da periferia dessas comunidades para o centro, eles se tornam mais ativos e engajados na construção da cultura delas e, então, assumem o pa- pel de experts. Nesse sentido, o aprendizado ocorre de maneira não intencional, não deliberada. A transferência de conhecimento e aprendizagem mais integrados é facilitada por meio da autêntica interação social. Aprendizagem situada pretende colocar pensamento e ação num lugar e tempo específicos. Situar significa envolver indivíduos, ambiente e ativi- dades para criar significado. Situar significa localizar num setting particular os processos de pensar e fazer utilizados pelos experts para criar conheci- mento e habilidades para as atividades. O conhecimento é obtido pelos processos descritos como way in e prática. Way in é um período de observação no qual um aprendiz assiste a um expert/mestre e faz uma primeira tentativa de resolver um problema. Na prática estão o refinamento e o aperfeiçoamento do uso do conhecimento adquirido. De acordo com Lankard (2000), a aprendizagem situada é uma das abordagens receptoras de atenção no campo da aprendizagem de adultos e no local de trabalho. Nessa perspectiva, aprende-se em contextos que refletem como o conhecimento será usado em situações da vida real. A estratégia está baseada na premissa de que conhecimento não é independente, mas funda- mentalmente situado, sendo em parte um produto da atividade, contexto e cultura em que é desenvolvido (BROWN & DUGUID, 1992). Orey e Nelson (1994, p.623) elaboram uma explicação: “aprendizagem requer mais que só pensamento e ação, ou uma situação física ou social particular, ou de receber um corpo de conhecimento; também requer participação nas atuais práticas da cultura”. Assim, a aprendizagem situada é o autêntico contexto social no qual a aprendizagem ocorre, fornecendo ao indivíduo o benefício do conheci- mento ampliado e o potencial para aplicar esse conhecimento de novas formas em novas situações. Na teoria da aprendizagem situada, o “conhecimento é 6 5 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências Conforme Elkjaer (2000, p.114), considerar a aprendizagem como parte inerente da prática social, como algo interpretado, baseado no mundo em que vivemos, “pode também ser chamado de uma abordagem construtivista social sobre aprendizagem – e organizações”. Esta abordagem tem desenvolvido conceitos, tais como o de aprender enquanto se trabalha, em que a aprendizagem é uma parte inevitável do trabalho (é coletiva) em ambientes sociais. Práticas de trabalho são vistas como cons- truções sociais, ou seja, como construídas por meio da narração e de contar histórias. De acordo com Jacobson (1996, p.23), numa linha de pensamento próxima à de Daft e Weick (1983), “as relações sociais são centrais para a aprendizagem em determinado ambiente; aprender é significativo não somente pelas competências e processos que são adquiridos, mas também pelas mudanças das relações sociais a que isso leva”. De forma similar, Lave e Wanger (1991, p. 52) afirmam que “a aprendizagem implica não somente relações com atividades específicas, mas relações com comuni- dades sociais”, as denominadas comunidades de prática. Ou seja, a aprendi- zagem implica tornar-se apto para envolver-se em novas atividades e funções e para dominar novos conhecimentos. A seguir, apresenta-se (quadro I) a sistematização de alguns aspectos referentes aos tipos de aprendizagem. Por fim, a aprendizagem no ambiente de trabalho é distinguida, na literatura, das atividades de aprendizagem em termos de seu locus de controle. Atividades de aprendizagem formais são conceituadas como organizacionalmente mediadas e envolvem muito menos auto-direção quando comparadas a atividades informais e incidentais, que são consideradas altamente autodirigidas, cujo controle está dentro da esfera da aprendizagem individual (ERAUT, 2000). Neste sistema ou estrutura social complexa de atores, cada indivíduo possui seus interesses específicos. Spender (1996) comenta que, ao invés de adotar conceitos simplistas e reducionistas do indivíduo, precisa-se de alguma teoria sobre a relação entre os níveis indivi- duais e sociais de pensamento, que não pressuponha que todos os aspectos dos processos de conhecimento de um indivíduo possam estar separados de contexto social. 6 6 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Aprendizagem formal no trabalho A aprendizagem formal está bastante associada aos programas de treinamento e desenvolvimento. Ou seja, aos eventos de aprendizagem sistematicamente planejados, com vistas a facilitar a aquisição e o desenvol- vimento de competências por meio da utilização de uma tecnologia instrucional. A conceituação de “treinamento” engloba três importantes dimensões. A primeira refere-se à intencionalidade na melhoria de desempenho profissional, a segunda diz respeito ao controle por parte da organização e a terceira enfoca a natureza processual. Quadro1: Síntese dos principais aspectos da aprendizagem situa- da, informal e incidental Fonte: Antonello, 2007 6 7 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências Treinamento é definido por Goldstein (1991) como a aquisição siste- mática de atitudes, conceitos e habilidades. Esse processo é subsidiado por informações obtidas por meio da análise de tarefas, das capacidades do treinando e dos princípios da tecnologia instrucional. De acordo com Wexley (1984), treinamento é visto como esforço planejado de uma organização para facilitar a aprendizagem de comporta- mentos funcionais. Hinrichs (1976) apresenta treinamento como quaisquer procedimentos, de iniciativa organizacional, cujo objetivo é ampliar a apren- dizagem entre seus membros. Autores como Nadler (1984) e Bastos (1991 apud VARGAS & ABBAD, 2006) enfatizam que a área de treinamento apresenta uma série de problemas conceituais. Os conceitos tradicionalmente diferenciados em T&D são: instrução, treinamento, desenvolvimento e educação. Instrução é concebida por Romiszowski (1978 apud BASTOS, 1991) como processo no qual os objetivos específicos e métodos de ensino são definidos anteriormente ao processo de aprendizagem. Esta definição é ampliada mais recentemente por Vargas & Abbad (2006), passando a ser conceituada como forma mais simples de estruturação de eventos de apren- dizagem, que envolve a definição dos objetivos e a aplicação de procedi- mentos instrucionais. As autoras salientam ainda que a instrução é utilizada para transmitir conhecimentos, habilidades e atitudes simples por intermédio de eventos de curta duração, como aulas e similares. A noção de Treinamento desenvolvida por Nadler (1984) está asso- ciada à aprendizagem relacionada às tarefas ou atividades executadas pelo profissional em determinado momento e visa apenas à melhoria de desem- penho no trabalho. No que diz respeito à Educação, o mesmo autor salienta que o conceito faz referência à preparação do profissional para o desem- penho de novas funções na organização. O conceito mais amplo proposto por Nadler (1984) foi o de Desenvol- vimento de Recursos Humanos e envolve a aprendizagem orientada para o crescimento pessoal do profissional, não estando, portanto, relacionada a um trabalho específico, presente ou futuro. Considerando a abrangência dos quatro conceitos aqui apresentados, Sallorenzo (2000) elaborou uma proposta de diagrama em que o conceito de 7 0 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja No que se refere ao nível organizacional, compreende a análise dos sistemas intra e extra-organizacional; ou seja, dos objetivos estratégicos, tecnologia, recursos, clima, cultura, ambiente institucional, mercado de trabalho, conjuntura socioeconômica e política etc., com vistas a estabelecer os vínculos necessários entre treinamento e estratégias organizacionais, de forma a assegurar que os treinamentos possam, de fato, apoiar a direção estratégica da organização. De acordo com Lima & Borges-Andrade (2006), a abordagem de competências centrada no desenvolvimento organizacional, ou seja, na organização e estra- tégia organizacional, pode fornecer instrumental útil nesse nível de análise. Com relação à análise de tarefas, refere-se ao estudo minucioso das tarefas a serem desempenhadas, bem como das condições nas quais o trabalho é realizado, com o intuito de identificar os conhecimentos, habili- dades e atitudes (CHAs) necessários ao desempenho efetivo do trabalho. Conforme salienta Sonnentag (2008), nesse nível de análise são gerados subsídios importantes à especificação dos conteúdos do treinamento. Por fim, na análise de pessoal o foco recai sobre o indivíduo ou grupos e identifica quem deveria participar do treinamento e qual tipo é necessário. Aliado a isso, descreve os pré-requisitos: conhecimentos, habilidades e atitudes (CHAs), bem como a motivação dos participantes para o treinamento. Nesse nível e no nível anterior de análise, merece destaque a abordagem de competências centrada no desenvolvimento humano, que focaliza conjuntos de CHAs necessários à atuação em um cargo ou papel ocupacional. Conforme mencionam Lima & Borges-Andrade (2006), tal perspectiva tem gerado importantes contribuições nas discussões sobre métodos de diagnóstico de competências em organizações. Cabe ainda ressaltar que vários autores têm recomendado a inclusão de um exame cuidadoso das variáveis presentes nos contextos intra e extraorganizacional, na etapa de avaliação de necessidades de TD&E, com vistas à identificação de necessidades atuais e futuras de aquisição e desen- volvimento de CHAs, bem como a preparação de um ambiente propício à aplicação dos novos conhecimentos e habilidades (ABBAD, FREITAS E PILATI, 2006; HESKETH, 1997 apud SONNENTAG, 2008; HOWELL & COOKE, 1989; ROULLIER & GOLDSTEIN, 1991). 7 1 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências Após a conclusão da avaliação de necessidades, a próxima etapa é determinar como TD&E será realizado à luz de conhecimentos científicos e tecnológicos específicos a contextos instrucionais fundamentados em três prin- cipais áreas: teorias de aprendizagem, teorias instrucionais e teorias cognitivas. De acordo com Hesketh & Ivancic (2002), a realização de um evento de aprendizagem envolve diferentes etapas. São elas: avaliação de necessi- dades de TD&E, com vistas à identificação de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHAs) requeridos para o desempenho efetivo no trabalho; o sequenciamento dos conteúdos durante o curso; a escolha dos tipos de estratégias para processamento da informação; e a prática de feedbacks. Além disso, é crescente o reconhecimento da necessidade de atividades que promovam a prática de habilidades cognitivas, que favoreçam a transfe- rência das competências aprendidas para o ambiente de trabalho. Abbad, Zerbini, Carvalho e Meneses (2006) especificam mais detalhadamente passos necessários à elaboração do planejamento instrucional. São eles: o estabelecimento de objetivos instrucionais descritos em termos de resultados esperados de aprendizagem; a escolha da modalidade de entrega da instrução; o estabelecimento da sequência dos objetivos e conteúdos; a seleção e desenvolvimento de procedimentos instrucionais; a definição de critérios de avaliação da aprendizagem; e a testagem do desenho instrucional. A expectativa é a de que a realização sistemática dos procedimentos relacionados a cada uma das etapas ou passos possa contribuir para o estabelecimento de um ambiente de aprendizagem, em que os conheci- mentos, habilidades e atitudes possam ser adquiridos e, posteriormente, transferidos para o contexto de trabalho dos participantes. Mais recentemente, contextos organizacionais de gestão de compe- tências têm utilizado a expressão “trilhas de aprendizagem”, definida por Freitas (2002) como caminhos alternativos e flexíveis para promover o desenvolvimento pessoal e profissional, para fazer referência a uma estratégia, com vistas ao desenvolvimento de competências direcionadas ao aprimoramento do desempenho atual e futuro. Nessa perspectiva, a suposição básica é a de que o indivíduo está inserido em um contexto social e organizacional mais amplo, e que sua formação não está restrita às necessidades específicas do cargo que ocupa. 7 2 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Pelo contrário, conforme salienta Freitas e Brandão (2006), as trilhas estão articuladas à aquisição e desenvolvimento de competências que extrapolam as especificidades do cargo, e podem gerar valiosos subsídios ao desenvol- vimento continuado do indivíduo e ao desempenho de papéis ocupacionais mais abrangentes dentro de determinado contexto ou estratégia organizacional. A noção de trilhas de aprendizagem integra as dimensões da aprendi- zagem formal e informal no trabalho, abordadas no início deste capítulo, para o desenvolvimento de competências profissionais. Para tanto, considera as diferentes possibilidades de aprendizagem existentes nos ambientes intra e extraorganizacional e ainda propicia que interesses específicos tanto da organização quanto dos indivíduos sejam contemplados na realização da aprendizagem (FREITAS & BRANDÃO, 2006). Dessa forma, a opção por uma ação de formação mais flexível e encadeada pode ser a opção por uma área temática de aquisição de conhecimentos; que pode incluir educação formal (por exemplo, cursos e especializações) ou informal (por exemplo, aprendi- zagem em serviço, leituras, seminários, viagens de estudo), de acordo com a disponibilidade e interesse do profissional. De maneira geral, a expectativa é a de que após eventos formais de aprendizagem, os indivíduos apresentem ganhos nas atividades cotidianas por meio da mobilização das competências aprendidas, o que contribuirá para um melhor desempenho da organização. A aferição dos resultados, com vistas ao aperfeiçoamento contínuo do sistema TD&E, constitui a principal função do subsistema de avaliação, apresentado a seguir. A avaliação de ações sistematicamente planejadas de aprendizagem, como treinamento, desenvolvimento e educação, pode ser definida como processo que inclui coleta sistemática de informações descritivas e valorativas necessárias à eficácia de decisões relacionadas à seleção, adoção, valoração e modificação de várias atividades instrucionais (GOLDSTEIN, 1991). Vários modelos de avaliação foram delineados, visando aferir os resultados de programas instrucionais. A depender do momento em que a coleta de dados é realizada, tais modelos podem ser classificados como formativos ou somativos. 7 5 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências TD&E; incentivo de supervisores para aprendizagem e aplicação do apren- dido; receptividade de colegas a sugestões vindas de participantes de eventos de TD&E, relativas a competências neles adquiridas; ações e atitudes dos supervisores imediatos no que se refere às atividades de ensino, aos resultados de aprendizagem e a sua transferência, entre outras. O subcomponente “resultados” em longo prazo engloba consequências ambientais do evento de TD&E e seus efeitos não podem ser obtidos logo após o final de TD&E. De acordo com Kirkpatrick (1976) e Hamblin (1978), tais efeitos podem incluir mudanças de comportamento no cargo, no nível da organização e indicadores de valor final. Para uma melhor visualização de seu modelo, Borges-Andrade propôs o seguinte esquema: De maneira geral, o foco das pesquisas na área de avaliação recai sobre os efeitos de ações de TD&E no nível individual. Ou seja, a partir dos objetivos de TD&E, mensura-se se o indivíduo esteve satisfeito com o evento instrucional, se assimilou os conteúdos abordados no curso e se foi capaz de aplicar o que aprendeu no ambiente de trabalho. Entretanto, quando as pessoas participam de ações de TD&E, os esforços empreendidos pelas organizações visam essencialmente ao desenvolvimento de competências Figura 3: Componentes do Modelo MAIS (Fonte: Borges-Andrade, 2006) 7 6 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja que possam ser transferidas para a equipe e para a organização, com vistas à produção de mudanças em processos internos que envolvem mais de uma equipe. Em tal contexto, insere-se a perspectiva multinível, que focaliza os efeitos de TD&E nas categorias níveis do grupo, unidade ou organização, baseada em três suposições básicas: a aprendizagem ocorre no nível indivi- dual; a transferência dos CHAs aprendidos ocorre entre diferentes contex- tos (transferência horizontal); e os efeitos dos comportamentos individuais emergem para produzir resultados em níveis mais altos (transferência verti- cal) (PANTOJA & BORGES-ANDRADE, 2002; PANTOJA & BORGES-ANDRADE, 2004; ABBAD, FREITAS E PILATI, 2006; PANTOJA & NEIVA, 2007). Conforme argumentam Pantoja & Neiva (2007), na transferência vertical o indivíduo aprende, transfere para o trabalho e a partir da aprendi- zagem, que envolve vários indivíduos em momentos concomitantes, o desem- penho e a produtividade do grupo e da organização também podem ser alterados. Isso porque a ação de TD&E está vinculada às metas grupais e organizacionais pretendidas. Todavia, esse indivíduo, fonte originária da aprendizagem, está inserido em um contexto cultural que pode ou não favorecer e valorizar a plena expressão ou uso das competências adquiridas no ambiente de trabalho. Dessa forma, tal processo é complexo e engloba fenômenos que ocorrem em dois sentidos: de cima para baixo, representados por fatores organizacionais que influenciam mudanças nos níveis de baixo, formados pelas equipes e indivíduos e vice-versa. Na avaliação, a verificação pode ser feita por meio de indicadores específicos relacionados às competências esperadas, ou seja, dos conheci- mentos, habilidades e atitudes (CHAs).O foco dessa análise, no ambiente de trabalho, contemplará saber se o indivíduo está fazendo o que era esperado ou se está utilizando o que aprendeu. Além disso, é possível verificar também os efeitos da aprendizagem no conjunto do desempenho individual, estejam eles direta ou indiretamente vinculados às competências que foram ensinadas. Isso é verificado no nível do indivíduo, da equipe ou da organização. A opção por uma ou outra medida tem a ver com o que se deseja avaliar. Porém, quando mais se avança verticalmente, isto é, na medição dos efeitos do aprendido nas equipes e nas organizações, mais difícil é a mensuração, 7 7 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências exigindo metodologias específicas (ABBAD & BORGES-ANDRADE, 2004 apud CARVALHO ET AL, 2009). O suporte organizacional é um importante fator que atua sobre as possibilidades de transferência das competências aprendidas. Ele pode ser psicossocial, material, relacionado ao desempenho etc. Quando as equipes possuem sistemas de suporte ao que o indivíduo aprendeu, isso dificulta o esquecimento e favorece a transferência. A própria expectativa em relação ao suporte organizacional é capaz de afetar o impacto de um evento de aprendizagem. Por outro lado, a ausência do suporte pode atenuar efeitos positivos da capacitação (ABBAD & BORGES-ANDRADE, 2004 apud CARVALHO ET AL, 2009). Iniciativas de aprendizagem em contextos de trabalho expressam foco na capacidade de o indivíduo apresentar, sob vários fatores, desempenhos que são esperados para a atividade. Ainda que um indivíduo tenha participado de evento de aprendizagem baseado em competências, isso não significa, neces- sariamente, que ele irá apresentar novos padrões de desempenho quando precisar realizar seu trabalho na organização. Isso ocorre porque, além das competências adquiridas, é preciso que haja motivação por parte do indivíduo e que a organização proveja suporte adequado aos processos de aprendi- zagem e transferência no trabalho, que serão abordados a seguir. Variáveis de contexto e suporte à transferência de TD&E O reconhecimento de que suporte à transferência de treinamento e clima organizacional é um fator crítico no estudo das variáveis que afetam a eficácia e efetividade de programas ou eventos de TD&E tem norteado a realização de pesquisas no campo de treinamento e desenvolvimento. Nesses estudos, conforme salientado por Pantoja, Porto, Mourão e Borges-Andrade (2005), a definição de suporte à transferência envolve variáveis presentes no ambiente organizacional antes, durante e depois do evento instrucional. As variáveis que são incluídas geralmente são apoio gerencial à transfe- rência, ajuda e receptividade do grupo de trabalho à aplicação das novas aprendizagens, dicas situacionais (relativas aos objetivos, desenho da tarefa, autocontrole para utilização do aprendido), bem como consequências 8 0 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja b) implementar dicas situacionais que relembrem os treinandos sobre as prioridades do treinamento (ROUILLER & GOLDSTEIN, 1993); c) desenvolver uma estrutura de recompensa para reforçar positiva- mente a aplicação das habilidades treinadas (ROUILLER & GOLDSTEIN, 1993); d) promover uma cultura organizacional (cultura de aprendizagem contínua, clima para transferência) que encoraje a transferência (TRACEY et al.,1995); e) desenhar um programa de prevenção de recaídas para aumentar a consciência sobre o processo de recaída e facilitar o desenvolvimento de estratégias para lidar com os obstáculos da transferência (MARX, 1982); f) conduzir avaliação de treinamento para analisar a efetividade a longo-prazo do treinamento, utilizando uma variedade de medidas (KRAIGER et al., 1993). Alguns estudos voltados ao desenvolvimento de escalas para medir clima para transferência proporcionaram avanços teóricos e metodológicos significativos na área de avaliação de impacto de treinamento. No estudo de Roullier & Goldstein (1993), por exemplo, que resultou na construção e validação de uma escala para medir o clima de apoio aos comportamentos aprendidos no evento de TD&E, as variáveis relacionadas ao apoio psicossocial à transferência foram responsáveis pela explicação do bom proveito dos treinamentos no trabalho. Parcialmente influenciadas por esse estudo, Abbad, Sallorenzo & Gama (1999) validaram uma escala de suporte organizacional à transferência de treinamento, composta de 22 itens. Segundo Abbad, Freitas & Pilati (2006), o suporte à transferência está relacionado ao suporte organizacional, mas se limita à opinião dos funcionários quanto ao apoio organizacional, quando se trata de atividades de treinamento e desenvolvimento, e ao uso eficaz, no trabalho, do que foi aprendido. Esse apoio é um construto multidimensional dividido em três dimensões: apoio gerencial ao treinamento – diz respeito ao contexto pré-treinamento, ou seja, mede o nível de auxílio recebido pelo treinando para participar de todas as atividades do programa de treinamento. Suporte psicossocial à transferência – engloba o suporte gerencial, social (dos colegas) e organizacional que o treinando recebe para aplicar, no trabalho, as competências aprendidas no programa de T&D. Tal apoio pode ser 8 1 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências definido em termos de oportunidades para praticar o aprendido, ajuda do chefe na remoção de obstáculos e acesso às informações necessárias para maximizar a aplicação das novas competências. Suporte material à trans- ferência – está relacionado ao ambiente físico, ou seja, analisa a qualidade, quantidade e disponibilidade de recursos materiais e financeiros que influenciam a transferência do que foi aprendido. A variável antecedente – “suporte à transferência” – se destacou como forte preditora dos efeitos de longo prazo, exercidos pelos eventos de TD&E sobre o desempenho, motivação e atitudes dos participantes – impacto do treinamento no trabalho, conforme relatado na revisão de literatura na área de Treinamento e Desenvolvimento, com enfoque em avaliação de treinamento, conduzida por Abbad, Pilati e Pantoja (2003). Em todos os estudos analisados, foram encontradas relações positivas entre suporte à transferência e impacto em diferentes ambientes organizacionais, tipos de treinamento e amostras. Apesar dos diversos estudos comprovando a importância do suporte à transferência como componente explicativo para o sucesso ou fracasso dos programas de treinamento, ainda faltam estudos para acompanhar as medidas de apoio durante a realização da avaliação de necessidades, como mencionado neste texto. Em síntese, a identificação de ameaças e restrições contextuais à transferência de TD&E possibilita a definição e implementação de melhorias nas condições organizacionais de auxílio à integração e mobilização de compe- tências adquiridas em ações de aprendizagem sistematicamente planejadas. Desenvolvimento de competências Pode-se adotar a ideia de que a competência permite a ação e/ou resolução de problemas profissionais de maneira satisfatória dentro de um contexto particular ao mobilizar diversas capacidades de maneira integrada. Essa proposta de definição foi construída por Antonello (2004a) a partir das ideias de Boterf (2002)2, Sandberg (2000) e Zarifian (2001). Está presente a questão processual e contextual em que a articulação e a interação são aspectos fundamentais para o indivíduo, a organização e a sociedade. 8 2 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Trata-se de uma abordagem dinâmica que privilegia a análise de competências a partir da definição de noção e seleção de atributos de competência, desenvolvimento e formação, que se optou por denominar de “competência em processo”. Verificou-se que diferentes autores utilizam diferentes definições, com frequentes contradições e superposições conceituais. Entende-se, assim, que mais do que definir o que constitui competências, é necessário também compreender como são desenvolvidas. Assim, cabe considerar os seguintes aspectos elaborados a partir dos autores acima mencionados: a) conexão existente entre a competência e a ação: a competência permite o agir e é ela que o adapta. Ela não existe por si, independente- mente da atividade, do problema a resolver, do uso que dela é feito; b) contextualidade: a competência está vinculada a uma dada situação profissional e corresponde, consequentemente, a um contexto; c) as categorias constitutivas da competência: ela é constituída pela mobilização de recursos de competências – conhecimentos, habilidades e atitudes (BOTERF, 2003); d) a competência adiciona valor às atividades da organização e valor social ao indivíduo: à organização, em termos de desempenho, e ao indivíduo na forma de autorrealização, sentimento ou experiência pessoal de ser competente. Aqui se insere a ideia de autodesenvolvimento e motivos, no sentido de que o indivíduo também é responsável pelo desenvolvimento, aprimoramento e consolidação das competências; e) interação e rede do trabalho: as competências se desenvolvem por interação entre as pessoas no ambiente de trabalho, formal ou informalmente. A noção de construção de competência inclui a interação do indivíduo com seu grupo profissional e grupos sociais do ambiente em que vive. Consi- dera-se também acesso a banco de dados, livros, manuais, entre outros; f) as práticas de trabalho: a competência pode ser compreendida com base nas práticas organizacionais, focalizando a análise no enriqueci- mento de experiências e vivências. O desenvolvimento de competências envolve mudança na estrutura e no significado das práticas do trabalho. Nesse sentido, um aspecto fundamental refere-se à apropriação do saber em ações no trabalho (saber agir). O conhecimento é construído e, ao mesmo 8 5 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências na ação, produzindo-se de modo não necessariamente consciente. Corres- pondem a uma formação difusa, residual ou latente, mesmo quando a situação não tenha fins explicitamente de formação. São considerados como coprodutos da atividade principal e constituem aquilo que se designa por aprendizagem informal. Diversos contextos instigam o indivíduo a analisar situações, a identificar problemas, a estabelecer prioridades, a prospectar soluções, a gerar e gerir recursos. Para Boterf (2002), a competência é resultante de um saber agir, de um querer e de um poder agir. O poder agir, segundo o autor, torna-se possível por um contexto facilitador, que fornecerá os meios apropriados à criação de competências; por atribuições, que reconhecerão a margem de liberdade e de iniciativa necessária à criação de competências; e por redes relacionais de informações, que ampliarão os recursos aos quais o profissional pode apelar para construir suas competências e seu profissionalismo. Ainda no que se refere ao poder agir, Le Boterf (2002) acrescenta que a empresa deve saber criar espaços de autonomia e de tolerância nos quais a criatividade possa exercer-se e o controle não esteja presente a todo o momento. A competência consiste, então, em saber mobilizar e combinar recursos. Boterf (2002) e Zarifian (2001) descrevem que a competência está associada às realizações e àquilo que as pessoas produzem e entregam à organização, ou seja, a competência é colocar em prática o que se sabe, em determinado contexto; o que os autores chamam de “competência em ação”. Assim, de acordo com Boterf (2002), a competência só é construída quando colocada em prática em uma situação de trabalho. O autor compara a competência a um “saber-mobilizar”, ou seja, não há competência senão em ato. Portanto, a mobilização das competências não pode ser isolada do contexto particular do seu exercício, é preciso que se tenha a possibilidade de colocá- las em prática, o que, de acordo com Boterf, trata-se do “poder agir”. O poder agir, segundo Boterf (2002), está relacionado a um contexto facilitador, que fornece os meios apropriados ao desenvolvimento e mobilização de competências, as atribuições delegadas aos funcionários e as redes relacionais de informação que os indivíduos possuem. Portanto, o profissional não é competente sozinho, pois necessita de um suporte da 8 6 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja organização. Este diz respeito às ferramentas e equipamentos necessários para execução do trabalho, bem como de uma rede de relacionamentos e de informações disponíveis em banco de dados. Conforme este autor, à medida que o profissional possui os meios e as condições necessárias para poder agir dentro da organização, juntamente com o querer agir e com o saber agir, conseguirá desenvolver e mobilizar suas competências. Brand e Tolfo (2008) agregam a ideia de que a noção de competências está relacionada não somente ao conjunto de recursos que o profissional possui, sejam esses incorporados ou disponibilizados pelo meio, mas também à cultura organizacional e ao significado atribuído pelos profissionais a esse pressuposto. “Neste sentido, a competência profis- sional contempla uma junção de saberes, de saber-agir, querer-agir e poder agir, manifestos em ações profissionais concretas, com uma cultura organizacional que possibilita o desenvolvimento e a mobilização desses recursos” (BRAND E TOLFO, 2008, p.3). De acordo com esses autores, para que as competências dos profissionais sejam mobilizadas é necessário que haja uma cultura organizacional que facilite essa mobilização. Isso porque observa-se que a cultura organizacional está relacionada ao modo de pensar, agir e sentir das pessoas, o que irá influenciar a maneira como as pessoas se comportam e as práticas organizacionais adotadas na organização. A mobilização das competências profissionais só acontece com a ação das pessoas. Esta ação refletirá os pressupostos da natureza humana que estão relacionados aos padrões culturais (crenças, valores, hábitos, dentre outros) presentes na empresa, que determinam as políticas administrativas adotadas e, consequentemente, fornecem as condições ao poder agir.” (BRAND E TOLFO, 2008, p.3). Diferentes autores e, entre eles, Gherardi e Nicolini (2001) comentam que a aprendizagem que ocorre no local de trabalho pode ser compreendida como uma atividade social e cognitiva, à medida que o “contexto orga- nizacional” é social e culturalmente estruturado e continuamente reconstruído pelas atividades dos indivíduos que a ele estão integrados. Os autores referem-se a que conhecer é ser capaz de participar com a competência necessária num complexo contexto de relacionamentos entre pessoas e 8 7 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências atividades, ou seja, o conhecimento não é somente o que reside na mente dos indivíduos, livros ou bancos de dados. Essa definição revela que a aprendizagem desempenha uma função prática, porque enfatiza a importância da aplicação do conhecimento num contexto social, em que o indivíduo precisa descobrir o que, quando e como deve ser feito, utilizando-se de artefatos e rotinas específicas para então identificar por que determinada atividade foi realizada. Assim, para com- preender as competências e o desenvolvimento é necessário explorar os contextos das atividades e as práticas sociais em que elas ocorrem. A partir da compreensão das circunstâncias e como os indivíduos constroem a situação é que podemos dar uma interpretação válida da atividade de aprendizagem que foi realizada (ANTONELLO, 2006). O ambiente deve ser concebido como um produto social e histórico que é coproduzido juntamente com as atividades que ele suporta – agentes, objetos, atividades, artefatos materiais e simbólicos, enfim, tudo o que constitui um heterogêneo sistema que se transforma com o transcorrer do tempo. Portanto, o ambiente organizacional não deve ser considerado como simples “recipiente” para as atividades humanas. Emfim, resta uma questão: como se pode então definir espaço organizacional para aprendizagem? Assim como a competência, mais do que uma definição, trata-se de um conceito em construção. O espaço organizacional para aprendizagem, trata- se de fóruns, formais e informais, onde os gestores e as equipes possam ter uma maior interação, que lhes possibilite trocas de experiências, práticas de trabalho e conhecimento. A empresa pode colaborar oferecendo oportu- nidades de desafios, de criação e variedade de atividades para oportunizar o emprego das competências dos indivíduos, por meio da autonomia e responsabilidade. Em contrapartida, caberá ao indivíduo e equipes de trabalho a iniciativa de movimentarem-se para aproveitar esses espaços, ampliando então a capacidade para assumir e executar atribuições e responsabilidades de maior complexidade e de desenvolvimento (ANTONELLO, 2006). 9 0 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja não tem sentido “formar as pessoas para serem autônomas”. Deve-se atuar sobre as condições que permitem a um indivíduo tornar-se autônomo ou responsável e ajudá-lo nessa trajetória, se surgirem dificuldades. Zarifian (2001) diz que a comunicação é, de certo modo, um dos problemas mais complexos, já que necessita dos efeitos da reciprocidade. Na verdade não se aprende a comunicar, mas se aprende a inserir-se ativamente em relações de comunicação. Por isso, é preciso que essas relações se desenvolvam. A base da comunicação interpessoal não é a transferência de mensagens ou de informa- ção, mas a “intercompreensão”, a compreensão recíproca. Não se deve ver a comunicação como uma competência social entre outras competências, ou agregando-a às competências profissionais. Tem-se que vê-la como o signo da maneira como uma pessoa pode desenvolver-se profissionalmente, pode quali- ficar-se no contexto das novas organizações do trabalho. Portanto, também da maneira como o indivíduo pode ser excluído, caso se perceba excluído das principais redes e processos de comunicação. Assim, as informações, à medida que são compartilhadas entre os gestores e posteriormente com suas equipes, podem ajudar “a estruturar redes de comunicação e a ampliar a rede de trabalho”, mencionada por Sandberg (2000). Porém, a rede somente passa a funcionar quando as pessoas aprendem a conhecer seus pontos de vista, suas preocupações, seus limites e obrigações respectivas, e começam a identificar os problemas comuns. Destaca-se a importância decisiva dos modos de socialização e, portanto, da maneira como os indivíduos se desenvolvem (profissionalmente) em redes de sociabilidade, para a competência profissional. Essa reciprocidade ocorre não somente entre os pares e grupos de trabalho, mas também evolui de acordo com as possibi- lidades de interações e transformações que ocorrem no mundo externo da organização (profissionais de outras empresas, clientes, fornecedores etc.). Dessa forma, ressalta-se a importância da integração de estratégias de autonomia, responsabilidade, comunicação e gestão de espaços organi- zacionais para aprendizagem nas organizações, como uma forma de propiciar o desenvolvimento de competências. Como menciona Zarifian (2001, p.33): “trata-se de uma opção organizacional, porém se trata também de uma opção pedagógica”, pois a maneira de mobilizar a capacidade coletiva de aprender torna-se tão importante quanto o conteúdo aprendido. 9 1 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências Além dos elementos comunicação, autonomia e responsabilidade, a forma de gestão parece ser um fator determinante, na percepção dos pesquisados, nos rumos dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de competências. Uma forma de gestão voltada para aspectos de controle, com centralização da tomada de decisão e muitos níveis hierárquicos en- frentará problemas para possibilitar o estabelecimento de uma boa rede de comunicação, o compartilhamento de informações e de conhecimento e a delegação e tomada de decisões. Isso consequentemente inviabiliza o trabalho em equipe. Além disso, a valorização do elemento humano significa que esse espaço organizacional para aprendizagem existe e precisa ser aprovei- tado pelo indivíduo. Os resultados esperados a partir dos investimentos realizados em desenvolvimento de recursos humanos são determinantes também, a depender da forma como a organização propicia a sua aplicação. Considerações finais acerca do desenvolvimento e mobilização de competências Novos modos de conceber e praticar a formação revelam o potencial formativo das situações de trabalho. Destaca-se a pluralidade de situações de aprendizagem que o ambiente de trabalho proporciona, sugerindo uma unidade de tempo e de lugar entre a formação e o exercício do trabalho. Refere-se ao tipo de formação que se alicerça nas experiências e nas vivências dos indivíduos e coletivos. Implica, portanto, uma estratégia formativa que possa transformar a aprendizagem por via simbólica, forma- lizando o informal ou que promova um ciclo (virtuoso) de construção de novos saberes a partir de saberes em utilização. A “formação experiencial”, expressão frequentemente utilizada, é muito mais do que um simples acumular de experiências. Conforme Courtois (1992), para quem experiência é a interação de uma pessoa ou coletivo com a situação de trabalho, nem todas permitem diretamente uma aprendizagem. A transformação que a experiência quase sempre promove nos indivíduos pode bem ser o resultado de uma “repetição” ou “impregnação” e significar muito pouco no plano da formação. 9 2 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Para que tal ocorra, é necessário que exista intencionalidade da parte dos atores na situação de trabalho. Ou seja, para potencializar formativamente a conjuntura de trabalho, é necessário que a interação com essa situação faça sentido para os que nela estão envolvidos (referindo-se ao elemento significado do trabalho), e que se estabeleça uma proposta pedagógica que inclua um método (pela abordagem da aprendizagem experiencial). O jogo de intencionalidades e de sentidos que implica os indivíduos e o coletivo num projeto, por exemplo, dando-lhe conteúdo formativo, advém de um propósito de mudança das condições de exercício, do desejo e da vontade coletiva de instituir novos processos. Como diz Pain (1990, p.137), “quando se trata de adultos, a passagem do interesse circunstancial ao projeto faz da intencionalidade um fator cujo peso é maior e decisivo”. A possibilidade de agir com um determinado sentido sobre a situação é um dos componentes fundamentais da aprendizagem experiencial: reforça o contato direto, a relação sujeito-objeto e favorece o ambiente de reflexividade (elemento reflexão) e de releitura da experiência (elementos: autonomia e responsabilidade). Nesse contexto, torna-se pertinente à realização de um empreendimento, uma ação, um projeto que aposte no compartilhar de expe- riências e vivências (elemento diálogo-compartilhar), no confronto de processos e de resultados, instituindo espaços de trabalho coletivo. Trata-se de induzir um retorno à experiência, que visa a sua transfor- mação em saber formalizado, em que a presença dos pares se converte em mediação social (comunicação), essencial para fazer evoluir o saber da expe- riência, tornando-o menos precário e menos pragmático. Para Brown e Duguid (1992), as situações de trabalho (práticas de trabalho) comportam uma multiplicidade de efeitos de aprendizagem, ou seja, mudanças duráveis no comportamento dos indivíduos e dos grupos e desenvolvimento de competências. Estas são fruto da capitalização das experiências individuais e coletivas e da aquisição de conhecimentos na ação, produzindo-se de modo não necessariamente consciente. Correspondem a uma formação difusa, residual, ou latente, mesmo quando a situação não tenha fins explicitamente de formação. São considerados como coprodutos da atividade principal e constituem aquilo que se designa por aprendizagem informal. Diversos contextos obrigam o indivíduo a analisar situações, a identificar problemas, 9 5 Aprendizagem e o desenvolvimento de competências fase de educação inicial, deve ser um processo presente ao longo de toda a vida. Além disso, somente os métodos tradicionais de ensino não se ajustam ou são suficientes à aprendizagem, mas também o pensamento reflexivo e crítico, a autoavaliação, o autoconhecimento e a resolução de problemas (DOCHY & MOERKERKE, 1997). Para se instalar uma cultura da aprendizagem que pos- sibilite o desenvolvimento de competências, é necessária compreensão clara das novas diretrizes de uma tarefa educativa – seja no ambiente organizacional ou educacional – voltada não para o ensino, mas para a aprendizagem. Por fim, o fenômeno de forte mobilidade profissional e de multiplicação de tempos de formação, ao longo de toda a vida profissional, propicia o encadeamento interativo das situações de trabalho e de formação, associadas aos processos de enriquecimento profissional. Mas algumas indagações permanecem na continuidade da discussão, de estudos e de reflexões futuras: qual o potencial formativo das situações de trabalho num quadro de mudança e de transfor- mação, especialmente no âmbito das instituições públicas? Como as áreas de Treinamento e Desenvolvimento têm-se posicionado em frente a essas trans- formações nos referidos órgãos públicos? Que efeitos de aprendizagem – residuais e latentes – são gerados no seu decurso? Qual a natureza das competências que são desenvolvidas nesses contextos? Concluindo pela evidência de poucas experiências, apresentando dados empíricos sobre o processo de desenvolvimento de competências nas instituições públicas brasileiras, este capítulo busca contribuir também com a apresentação de estudos que foram selecionados pelo alinhamento de seus objetos de análise com a temática aqui abordada. Mais especificamente, tratam de temas e conceitos que são hoje desafios na área de treinamento, desenvolvimento e educação de pessoas no setor público. O primeiro estudo teve como objetivo verificar as percepções dos egressos de cursos de pós-graduação da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) acerca do suporte fornecido pelas suas organizações à transferência de novos conhecimentos, habilidades e atitudes aprendidas para o contexto de trabalho. Já no caso do segundo estudo, o foco recaiu sobre a identificação dos fatores intervenientes e das principais ações para a institucionalização da Escola da Previdência Social (EPS). 9 6 Claudia Simone Antonello e Maria Júlia Pantoja Notas 1 Reprodução parcial de trechos do texto desenvolvido para a disciplina de Desenvolvimento e Mobilização de Competências, Curso de Especialização em Negociação Coletiva, Porto Alegre, EA/PPGA/UFRGS, março/2010. A pesquisadora agradece o Financiamento Pesquisa CNPq 2009. 2 Boterf sugere uma classificação para recursos/atributos de competências: a) conhecimentos: gerais e teóricos, operacionais e do ambiente; b) habilidades: operacional, experiencial, relacional cognitivo; c) atitudes: atributos pessoais e relacionais; d) recursos fisiológicos: energia, dispo- sição; e) recursos do ambiente: sistemas de informação, bancos de dados. Esses recursos podem ser desdobrados. Referências ABBAD, G. & SALLORENZO, L. H. 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