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Para entender o texto - Leitura e Redação - Jose Luiz Fiorin, Notas de estudo de Cultura

LEITURA E REDAÇÃO

Tipologia: Notas de estudo

2013
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Compartilhado em 14/04/2013

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Baixe Para entender o texto - Leitura e Redação - Jose Luiz Fiorin e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! Livro digitalizado e revizado por Anonymous Copyleft - Alguns direitos reservados Editor: Sandra Almeida Preparadora de originais: Sueli Campopiano Edição de arte (miolo): Milton Takeda Arte: Nanei Y.Nichi Ilustrações e iconografia: Jorge Arbach e Chico Homem de Melo Capa Ilustração: Roberto Negreiros Edição de arte: Ary A. Normanha ISBN 85 08 03468 7 2 0 0 3 Todos os direitos reservados pela Editora Ática Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900 Caixa Postal 2937 - CEP 01065-970 São Paulo - SP Tel.: 0XX 11 33463000 - Fax: 0XX 11 3277-4146 Internei: http://www.atica.com.br e-mail: editora@atica.com.br O s c o n h e c i m e n t o s n e c e s s á r i o s p a r a l e r e p r o d u z i r t e x t o s s ã o d e t r ê s n í v e i s : c o n h e c i m e n t o d o s i s t e m a l i n g ü í s t i c o : c o n h e c i m e n t o d o c o n t e x t o s ó c i o - h i s t ó r i c o e m q u e o t e x t o f o i c o n s t r u í d o : c o n h e c i m e n t o d o s m e c a n i s m o s d e e s t r u t u r a ç ã o d o s i g n i f i c a d o . E s t e l i v r o o c u p a - s e d o s d o i s ú l t i m o s , j á q u e a s g r a m á t i c a s s e o c u p a m d o p r i m e i r o . A s s i m , e l e p r o c u r a e x p l i c a r c o m o u m t e x t o s e r e l a c i o n a c o m o u t r o s t e x t o s e e x p l i c i t a r o s v a r i a d o s p r o c e s s o s d e c o n s t r u ç ã o d o s i g n i f i c a d o ( e s t r u t u r a s n a r r a t i v a s , t e m a s , e x p e d i e n t e s d e c o e s ã o e d e a r g u m e n t a ç ã o , r e c u r s o s e x p r e s s i v o s . . . ) . C a d a l i ç ã o p r o c u r a e n f o c a r u m m e c a n i s m o d e c o n s t r u ç ã o d o t e x t o . T o d a s e l a s . e x c e t o a s q u a t r o ú l t i m a s , q u e i l u s t r a m o t r a b a l h o d e l e i t u r a d e d i f e r e n t e s t i p o s d e t e x t o , c o n s t a m d e q u a t r o p a r t e s : a ) e x p o s i ç ã o t e ó r i c a d e u m m e c a n i s m o d e c o n s t r u ç ã o d o s e n t i d o d o t e x t o . P r o c u r o u - s e , o q u a n t o p o s s í v e l , e v i t a r a t e r m i n o l o g i a e s p e c i a l i z a d a . Q u a n d o s e u u s o s e t o r n o u i n d i s p e n s á v e l , t o m o u - s e o c u i d a d o d e d e f i n i r o s t e r m o s e i l u s t r á - l o s ; b ) u m t e x t o c o m e n t a d o e m q u e s e a p l i c a o m e c a n i s m o e s t u d a d o n a p a r t e t e ó r i c a . E s s e c o m e n t á r i o t e v e s e m p r e a p r e o c u p a ç ã o d e e x p l o r a r a f u n c i o n a l i d a d e d o m e c a n i s m o e x p l i c i t a d o p a r a f i n s d e c o m p r e e n s ã o d o s i g n i f i c a d o g l o b a l d o t e x t o s o b c o n s i d e r a ç ã o . 0 c o m e n t á r i o s u g e r i d o p o d e s e r s e m p r e a m p l i a d o p e l o p r o f e s s o r o u p e l o s a l u n o s . C o m o s e s a b e . n e n h u m a a n á l i s e é c o m p l e t a e a c a b a d a ; c ) u m t e x t o , a c o m p a n h a d o d e u m q u e s t i o n á r i o . E s t e e x e r c í c i o t e m p o r f i n a l i d a d e l e v a r o a l u n o , p o r m e i o d a a p l i c a ç ã o d o s c o n c e i t o s a p r e e n d i d o s , a p e r c e b e r o s i g n i f i c a d o g l o b a l d o t e x t o ; d ) u m a p r o p o s t a d e r e d a ç ã o p a r a e s t i m u l a r o a l u n o a c o n s t r u i r u m t e x t o , u t i l i z a n d o o p r o c e d i m e n t o e s t u d a d o n a l i ç ã o . N ã o i g n o r a m o s q u e a l e i t u r a e a p r o d u ç ã o d e t e x t o e x i g e m s e n s i b i l i d a d e . A c r e d i t a m o s , p o r é m , q u e a s e n s i b i l i d a d e n ã o s e j a u m d o m i n a t o , m a s u m a q u a l i d a d e q u e s e d e s e n v o l v e . P o r o u t r o l a d o . n ã o b a s t a a p e n a s r e c o m e n d a r a o a l u n o q u e l e i a o t e x t o m u i t a s v e z e s , é p r e c i s o m o s t r a r - l h e p a r a o n d e d i r i g i r a a t e n ç ã o . C o m o t o d o p r o j e t o d i d á t i c o é s e m p r e p e r f e c t í v e l . a g u a r d a m o s a s c o n t r i b u i ç õ e s d o s q u e v i e r e m a a d o t a r e s t e l i v r o . Os Autores 4 Sumário Prefácio, 3 — Considerações sobre a noção de texto, 11 Texto comentado — Meu engraxate (Mário de Andrade), 14 Exercícios — Os desastres de Sofia (Clarice Lispector), 15 Proposta de redação, 17 — As relações entre textos, 19 Texto comentado — Canção do exílio (Murilo Mendes), 20 Exercícios — sampa (Caetano Veloso), 22 Proposta de redação, 24 — 0 texto e suas relações com a História, 27 Texto comentado — Circular aos funcionários públicos da França em 1794 (apud Harold Lasswell e Abraham Kaplan), 29 Exercícios — O missionário (Inglês de Souza), 30 Proposta de redação, 32 — Níveis de leitura de um texto, 35 Texto comentado — Recado ao senhor 903 (Rubem Braga), 38 Exercícios — Inácio da Catingueira e Romano (Graciliano Ramos), 40 Proposta de redação, 42 — Estrutura profunda do texto, 45 Texto comentado — Morte e vida severina (João Cabral), 46 Exercícios — Romance LIII ou das palavras aéreas (Cecília Meireles), 49 Proposta de redação, 52 — Estrutura narrativa(I), 55 Texto comentado — Tragédia brasileira (Manuel Bandeira), 58 Exercícios — O acendedor de lampiões (Jorge de Lima), 60 Proposta de redação, 61 — Estrutura narrativa (II), 63 Texto comentado — Mar português (Fernando Pessoa), 65 Exercícios — Nasce um escritor (Jorge Amado), 66 Proposta de redação, 69 — Temas e figuras: a depreensão do tema, 71 Texto comentado — O cururu (Jorge de Lima), 73 Exercícios — O homem e a galinha (Ruth Rocha), 74 Proposta de redação, 77 — Temas e figuras: o encadeamento das figuras, 79 Texto comentado — Passeio noturno — Parte 1 (Rubem Fonseca), 81 Exercícios — Vou-me embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira), 82 Proposta de redação, 85 — Temas e figuras: o encadeamento de temas, 87 Texto comentado — Prolegômenos a uma teoria da linguagem (Louis Hjelmslev), 88 Exercícios — Ensaios céticos (Bertrand Russell), 90 Proposta de redação, 91 — Temas e figuras: a seleção lexical, 93 Texto comentado — O Ateneu (Raul Pompéia), 96 Exercícios — Antigamente (Carlos Drummond de Andrade), 97 Proposta de redação, 99 — As várias possibilidades de leitura de um texto, 101 Texto comentado — O ferrageiro de Carmona (João Cabral), 104 Exercícios — Paisagens com cupim (João Cabral), 106 Proposta de redação, 108 — Denotação e conotação, 111 Texto comentado — Lição sobre a água (António Gedeão), 115 Exercícios — Divagações sobre as ilhas (Carlos Drummond de Andrade), 117 Proposta de redação, 119 — Metáfora e metonímia, 121 Texto comentado — Vidas secas (Graciliano Ramos), 124 Exercícios — Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), 125 Proposta de redação, 127 — Modos de combinar figuras e temas, 129 Texto comentado — Sermão XIII do Rosário (Antônio Vieira), 132 Exercícios — Os lusíadas (Camões), 133 Proposta de redação, 135 — Modos de narrar, 137 Texto comentado — Quincas Borba (Machado de Assis), 140 Exercícios — Apelo (Dalton Trevisan), 141 Proposta de redação, 143 — Modos de ordenar o tempo, 145 Texto comentado — Infância (Carlos Drummond de Andrade), 150 Exercícios — Fragmentos para reescritura com outra ordenação do tem- po, 152 Proposta de redação, 153 — Segmentação do texto (I), 155 Texto comentado — Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa), 158 Exercícios — Menino de engenho (José Lins do Rego), 161 Proposta de redação, 163 6 — Recursos gramaticais e disposição das palavras no texto, 339 Texto comentado — Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade), 342 Exercícios — Tropicália (Caetano Veloso), 344 Proposta de redação, 347 — Texto literário e texto não-literário, 349 Texto comentado —"Bandeirante cai no México e mata os 20 ocupantes (Folha de S. Paulo) / O grande desastre aéreo de ontem (Jorge de Lima), 353 Exercícios — Amor é fogo que arde sem se ver (Camões), 355 Proposta de redação, 357 — Originalidade, 359 Texto comentado — Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa), 364 Exercícios — Óbito do autor (Machado de Assis), 366 Proposta de redação, 368 — Texto não-verbal, 371 Texto comentado — Fotograma de O encouraçado Potemkin (Serguei Eisenstein), 376 Exercícios — Este texto tem mil palavras (Folha de S. Paulo), 378 Proposta de redação, 382 — Análise de um poema: Tecendo a manhã (João Cabral), 385 Exercícios — Satélite (Manuel Bandeira), 393 — Análise de uma narração: O corvo e a raposa (La Fontaine), 397 Exercícios — Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), 400 — Análise de um texto didático: Domínio de validade (H. Moysés Nussenzveig), 405 Exercícios — Estudo de Biologia (Jeffrey J. W. Baker & Garland E. Allen), 409 — Análise de um texto de jornal: Astrônomos e astrólogos man- têm divergência (Folha de S. Paulo), 413 Exercícios — Militares ainda ditam as regras na Guatemala (Newton Carlos), 417 Apêndice, 420 Resumo, 420 Texto comentado — A casa e a rua (Roberto da Matta), 421 Exercícios — Ensaios céticos (Bertrand Russell), 424 Resenha, 426 Texto comentado — Memória — ricas lembranças de um precioso modo de vida (Marisa Lajolo), 427 Exercícios — Elaboração de uma resenha, 429 Bibliografia, 430 9 C A R T IE R -B R E S S O N , H e n ri & D E L P IR E , R o b e rt . H e n ri C a rt ie r- B re s s o n : P h o to g ra p h e r. L o n d o n , T h a m e s a n d H u d s o n , 19 86 , p . 3 9 . Fo to d e C ar tie r-B re ss on . Isolados, os dois fragmentos da foto maior podem parecer retratos comuns. O contexto em que eles se inserem — uma poderosa imagem do preconceito racial nos Estados Unidos — só é apreendido na totalidade da foto. 10 Sem dúvida alguma, a palavra texto é familiar a qualquer pes- soa ligada à prática escolar. Ela aparece com alta freqüência no lin- guajar cotidiano tanto no interior da escola quanto fora de seus limi- tes. Não são estranhas a ninguém expressões como as que seguem: "re- dija um texto", "texto bem elaborado", "o texto constitucional não está suficientemente claro", "os atores da peça são bons mas o texto é ruim", "o redator produziu um bom texto", etc. Por causa exata- mente dessa alta freqüência de uso, todo estudante tem algumas no- ções sobre o que significa texto. Dentre essas noções, algumas ganham importância especial para este livro, que se propõe ensinar a ler e a escrever textos. Nesta lição introdutória, vamos fazer duas considerações fun- damentais sobre a natureza do texto: Primeira consideração: o texto não é um aglomerado de frases. A revista Veja de 1º de junho de 1988, em matéria publicada nas páginas 90 e 9 1 , traz uma reportagem sobre um caso de corrupção que envolvia, como suspeitos, membros ligados à administração do go- verno do Estado de São Paulo e dois cidadãos portugueses dispostos a lançar um novo tipo de jogo lotérico, designado pelo nome de " R a s - padinha". Entre os suspeitos figurava o nome de Otávio Ceccato, que, no momento, ocupava o cargo de secretário de Indústria e Comércio e que negava sua participação na negociata. O fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da referi- da reportagem, relata a resposta de Ceccato aos jornalistas nos seguintes termos: Na sua posse como secretário de Indústria e Comércio, Cecca- to. nervoso, foi infeliz ao rebater as denúncias. "Como São Pedro, nego, nego, nego'-, disse a um grupo de repórteres, referindo-se à conhecida passagem em que São Pedro negou conhecer Jesus Cris- to três vezes na mesma noite. Esqueceu-se de que São Pedro, na- quele episódio, disse talvez a única mentira de sua vida. (Ano 20, 22:91.) Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e desas- trosa, produzindo efeito contrário ao que ele tinha em mente. A citação, no caso, ao invés de inocentá-lo, acabou por com- prometê-lo. Considerações sobre a noção de texto 11 b ) U m a b o a l e i t u r a n u n c a p o d e d e i x a r d e a p r e e n d e r o p r o n u n c i a m e n - t o c o n t i d o p o r t r á s d o t e x t o , j á q u e s e m p r e s e p r o d u z u m t e x t o p a - r a m a r c a r p o s i ç ã o f r e n t e a u m a q u e s t ã o q u a l q u e r . TEXTO COMENTADO Meu engraxate É p o r c a u s a d o m e u e n g r a x a t e q u e a n d o a g o r a e m p l e n a d e s o - l a ç ã o . M e u e n g r a x a t e m e d e i x o u . P a s s e i d u a s v e z e s p e l a p o r t a o n d e e l e t r a b a l h a v a e n a d a . E n - t ã o m e i n q u i e t e i , n ã o s e i q u e d o e n ç a s m o r t í f e r a s , q u e m u d a n ç a 5 p r a o u t r a s p o r t a s s e p e n s a r a m e m m i m , r e s o l v i p e r g u n t a r a o m e n i - n o q u e t r a b a l h a v a n a o u t r a c a d e i r a . 0 m e n i n o é u m r e t a l h o d e h ú n - g a r a s , c a r a d e i n f e l i z , n ã o d á s i m p a t i a a l g u m a . E t í m i d o o q u e t o r n a i n s t i n t i v a m e n t e a g e n t e m u i t o c o m b i n a d o c o m o u n i v e r s o n o p r o - p ó s i t o d e d e s g r a ç a r e s s e s d e s g r a ç a d o s d e n a s c e n ç a . " " E s t á v e n d e n - 1 0 d o b i l h e t e d e l o t e r i a " , r e s p o n d e u a n t i p á t i c o , m e d e i x a n d o n u m a p e r - p l e x i d a d e p e n o s í s s i m a : p r o n t o ! E s t a v a s e m e n g r a x a t e ! O s o l h o s d o m e n i n o c h i s p e a v a m á v i d o s , p o r q u e s o u d o s q u e f i c a m f r e g u e s e s e d ã o g o r j e t a . L e v e i s e g u r a m e n t e u m m i n u t o p r a d e f i n i r q u e t i n h a d e c o n t i n u a r e n g r a x a n d o s a p a t o s t o d a a v i d a m i n h a e a l i e s t a v a u m 1 5 m e n i n o q u e , a g e n t e e n s i n a n d o , p o d i a f i c a r e n g r a x a t e b o m . ANDRADE, Mário de. Os filhos da Candinha. São Paulo. Martins. 1963. p. 167. P a r a m o s t r a r q u e , n u m t e x t o , o s i g n i f i c a d o d e u m a p a r t e d e p e n - d e d e sua r e l a ç ã o c o m o u t r a s p a r t e s , v a m o s t e n t a r f aze r u m a i n t e r p r e - t a ç ã o i s o l a d a d o p r i m e i r o p a r á g r a f o ( l i n h a s 1 e 2 ) . T o m a d a i s o l a d a - m e n t e , essa p a r t e p o d e s u g e r i r a i n t e r p r e t a ç ã o de q u e o n a r r a d o r está d e s o l a d o p o r te r p e r d i d o c o n t a t o c o m u m g a r o t o a o q u a l s e l i g a v a p o r f o r t e s l aços a f e t i v o s . Essa i n t e r p r e t a ç ã o é i n a t a c á v e l se n ã o c o n f r o n - t a r m o s essa p a s s a g e m c o m o u t r a s d o t e x t o . F a z e n d o o c o n f r o n t o , n o e n t a n t o , essa l e i t u r a n ã o t e m v a l i d a d e d e n t r o desse t e x t o . A s f rases " p r o n t o ! E s t a v a s e m e n g r a x a t e ! " ( l i n h a 11) d e f i n e m a razão da p e r p l e x i d a d e penos íss ima ( l i nhas 10 e 11), da deso lação ( l i nhas 1 e 2) e da i n q u i e t u d e do n a r r a d o r ( l i n h a s 3 e 4 ) : p e r d e r a os se rv iços do eng raxa te e n ã o u m a m i g o . A s obse rvações q u e faz sobre o m e n i n o q u e lhe dá i n f o r m a ç õ e s sob re o seu e n g r a x a t e ( " r e t a l h o de h u n g a r ê s " , " c a r a d e i n f e l i z " , " n ã o d á s i m p a t i a n e n h u m a " , " t í m i d o " , " p r o p ó s i t o d e desg raça r esses d e s g r a ç a d o s d e n a s c e n ç a " ) r e v e l a m q u e n e n h u m sen - t i m e n t o p o s i t i v o o i m p e l e n a d i r e ç ã o d e u m a r e l a ç ã o a m i g á v e l c o m 14 o menino. As frases "tinha que continuar engraxando sapatos toda a vida minha e ali estava um menino que, a gente ensinando, podia ficar engraxate bom" (linhas 13-15) mostram que o que define as re- lações interpessoais são os interesses: o narrador estava preocupado com recuperar o serviço que lhe era prestado e não a pessoa que lhe prestava o serviço. A atitude dos dois engraxates corrobora a inter- pretação de que a relação entre eles e o narrador era determinada pe- lo interesse e não pela amizade: um abandonara o trabalho de engra- xate para vender bilhete de loteria (linhas 9 e 10), certamente um trabalho mais rentável; os olhos do outro "chispeavam ávidos" (linhas 11 e 12), ao ver que o narrador procurava um engraxate, porque ele era dos que ficavam fregueses e davam gorjeta (linhas 12 e 13). Como se pode notar, o texto é um tecido, uma estrutura cons- truída de tal modo que as frases não têm significado autônomo: num texto, o sentido de uma frase é dado pela correlação que ela mantém com as demais. Desse texto, não se pode inferir, apesar da primeira impressão, que as relações interpessoais sejam pautadas pela amizade ou pelo bem-querer. Além disso, é preciso ressaltar que, por trás dessa história in- ventada, existe um pronunciamento de quem produziu o texto: ao re- latar a relação interesseira entre as pessoas, sem dúvida, está desmas- carando a hipocrisia e pondo à mostra o egoísmo que se esconde nos sentimentos que umas pessoas dizem ter por outras. O que determina as relações sociais são os interesses recíprocos e a troca de favores. EXERCÍCIOS Os desastres de Sofia Q u a l q u e r q u e t i v e s s e s i d o o s e u t r a b a l h o a n t e r i o r , e l e o a b a n - d o n a r a , m u d a r a d e p r o f i s s ã o e p a s s a r a p e s a d a m e n t e a e n s i n a r n o c u r s o p r i m á r i o : e r a t u d o o q u e s a b í a m o s d e l e . O p r o f e s s o r e r a g o r d o , g r a n d e e s i l e n c i o s o , d e . o m b r o s c o n t r a í - 5 d o s . E m v e z d e n ó n a g a r g a n t a , t i n h a o m b r o s c o n t r a í d o s . U s a v a p a - l e t ó c u r t o d e m a i s , ó c u l o s s e m a r o , c o m u m f i o d e o u r o e n c i m a n d o o n a r i z g r o s s o e r o m a n o . E e u e r a a t r a í d a p o r e l e . N ã o a m o r , m a s a t r a í d a p e l o s e u s i l ê n c i o e p e l a c o n t r o l a d a i m p a c i ê n c i a q u e e l e t i n h a e m n o s e n s i n a r e q u e , o f e n d i d a , e u a d i v i n h a r a . P a s s e i a m e c o m - 1 0 p o r t a r m a l n a s a l a . F a l a v a m u i t o a l t o , m e x i a c o m o s c o l e g a s , i n t e r - r o m p i a a l i ç ã o c o m p i a d i n h a s , a t é q u e e l e d i z i a , v e r m e l h o : — C a l e - s e o u e x p u l s o a s e n h o r a d a s a l a . 15 Ferida, t r i un fan te , eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não mandava, senão estar ia me obedecendo. Mas eu o exaspe- 15 rava t a n t o que se to rna ra doloroso para m i m ser o ob je to do ódio daquele homem que de cer to modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que ten- ta desastradamente proteger um adulto, com a cólera de quem ainda não fo i covarde e vê um homem f o r t e de ombros tão curvos. (...) LISPECTOR. Clarice. A legião estrangeira. São Pau- lo. Ática. 1 9 7 7 . p. 1 1 . Questão 1 Nas linhas 4 e 5, o narrador afirma que o professor tinha "ombros con- traídos". Essa característica, fora do contexto em que está inserida, pode sugerir várias interpretações, como, por exemplo: — que o professor era velhinho; — que era frágil fisicamente; — que era corcunda; — que era acovardado e submisso às pressões sociais. Mas, levando em conta o contexto, apenas uma dessas possibilidades contém uma interpretação adequada. Indique qual é essa possibilidade e, com outras passagens do texto, justifique a sua escolha. Questão 2 Há várias passagens do texto em que o narrador dá a entender que o professor era uma pessoa que tomava atitudes contrárias à sua vontade ou tinha características que não combinavam entre si. Cite ao menos duas passagens do texto que comprovem essa afirmação. Questão 3 Segundo o texto, os sentimentos da aluna pelo professor eram ambí- guos, isto é, eram sentimentos que se contrariavam. a) Cite algumas passagens em que se manifesta essa contradição. b) Qual o motivo dessa ambigüidade? Questão 4 Na linha 12, o professor diz: "— Cale-se ou expulso a senhora da sala". Perante essa explosão, a aluna tem dupla reação. Procure explicar: a) Por que se sentiu ferida? b) Por que se sentiu triunfante? 16 As relações entre textos Observe o s t r e c h o s q u e s e g u e m : D o q u e a t e r r a m a i s g a r r i d a T e u s r i s o n h o s , l i n d o s c a m p o s t ê m m a i s f l o r e s ; " N o s s o s b o s q u e s t ê m m a i s v i d a " " N o s s a v i d a " , n o t e u s e i o , " m a i s a m o r e s " . (Hino Nacional Brasileiro) N o s s a s f l o r e s s ã o m a i s b o n i t a s n o s s a s f r u t a s m a i s g o s t o s a s m a s c u s t a m c e m m i l r é i s a d ú z i a . (MENDES, Murilo. Canção do exílio.) N o s s o c é u t e m m a i s e s t r e l a s , N o s s a s v á r z e a s t ê m m a i s f l o r e s . N o s s o s b o s q u e s t ê m m a i s v i d a , N o s s a v i d a m a i s a m o r e s . (DIAS, Gonçalves. Canção do exílio.) O s t r ê s t e x t o s s ã o s e m e l h a n t e s . C o m o o d e G o n ç a l v e s D i a s é a n - t e r i o r a o s d o i s p r i m e i r o s , o q u e o c o r r e é q u e e s t e s f a z e m a l u s ã o à q u e - l e . O s d o i s p r i m e i r o s c i t a m o t e x t o d e G o n ç a l v e s D i a s . C o m m u i t a f r e q ü ê n c i a u m t e x t o r e t o m a p a s s a g e n s d e o u t r o . Q u a n - d o u m t e x t o d e c a r á t e r c i e n t í f i c o c i t a o u t r o s t e x t o s , i s s o é f e i t o d e m a - n e i r a e x p l í c i t a . O t e x t o c i t a d o v e m e n t r e a s p a s e e m n o t a i n d i c a - s e o a u t o r e o l i v r o d o n d e s e e x t r a i u a c i t a ç ã o . N u m t e x t o l i t e r á r i o , a c i t a ç ã o d e o u t r o s t e x t o s é i m p l í c i t a , o u s e j a , u m p o e t a o u r o m a n c i s t a n ã o i n d i c a o a u t o r e a o b r a d o n d e r e t i r a a s p a s s a g e n s c i t a d a s , p o i s p r e s s u p õ e q u e o l e i t o r c o m p a r t i l h e c o m e l e u m m e s m o c o n j u n t o d e i n f o r m a ç õ e s a r e s p e i t o d a s o b r a s q u e c o m - p õ e m u m d e t e r m i n a d o u n i v e r s o c u l t u r a l . O s d a d o s a r e s p e i t o d o s t e x - t o s l i t e r á r i o s , m i t o l ó g i c o s , h i s t ó r i c o s s ã o n e c e s s á r i o s , m u i t a s v e z e s , p a r a c o m p r e e n s ã o g l o b a l d e u m t e x t o . A e s s a c i t a ç ã o d e u m t e x t o p o r o u t r o , a esse d i á l o g o e n t r e t e x t o s d á - s e o n o m e d e i n t e r t e x t u a l i d a d e . 19 Voltemos aos três textos colocados no princípio desta lição. O poema de Gonçalves Dias possui muitas virtualidades de sentido. E n - tre elas, a exaltação ufanista da natureza brasileira. Para ele, nossa pátria é sempre mais e melhor do que os outros lugares. Os versos do Hino Nacional retomam o texto de Gonçalves Dias para reafirmar es- se sentido de exaltação da natureza brasileira. Já os versos de Murilo Mendes citam Gonçalves Dias com intenção oposta, pois pretendem ridicularizar o nacionalismo exaltado que pode ser lido no poema gonçalvino. Um texto cita outro com, basicamente, duas finalidades distintas: a) para reafirmar alguns dos sentidos do texto citado; b) para inverter, contestar e deformar alguns dos sentidos do texto citado; para polemizar com ele. Em relação ao texto de Gonçalves Dias, o Hino Nacional enqua- dra-se no primeiro caso, enquanto o de Murilo Mendes encaixa-se no segundo. Quando um texto cita outro invertendo seu sentido, temos uma paródia. Os versos do Hino Nacional, colocados no princípio desta lição, parafraseiam versos de Gonçalves Dias; os de Murilo Men- des parodiam-nos. A percepção das relações intertextuais, das referências de um texto a outro, depende do repertório do leitor, do seu acervo de conheci- mentos literários e de outras manifestações culturais. Daí a importân- cia da leitura, principalmente daquelas obras que constituem as gran- des fontes da literatura universal. Quanto mais se lê, mais se amplia a competência para apreender o diálogo que os textos travam entre si por meio de referências, citações e alusões. Por isso cada livro que se lê torna maior a capacidade de apreender, de maneira mais com- pleta, o sentido dos textos. TEXTO COMENTADO C a n ç ã o d o e x í l i o Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, 5 os sargentos do exército são monistas, cubistas, os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. 20 10 Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia. 15 Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! MENDES . Murilo. Poemas. In: —. Poesias (1925- -1955). Rio de Janeiro, J. Olympio. 1959. p. 5. Tomando-se os dois versos iniciais isolados do contexto, pode- -se pensar que o poema de Murilo vai fazer uma apologia do caráter universalista e cosmopolita da brasilidade, seguindo a linha de glori- ficação da terra pátria, que pode ser lida no poema homônimo de Gon- çalves Dias, que começa com a seguinte estrofe: Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam. Não gorjeiam como lá. Essa hipótese interpretativa pode parecer plausível, já que "ma- cieiras" e "gaturamos" representam, respectivamente, a vegetação e o reino animal, e "Califórnia" e "Veneza", os elementos estrangei- ros presentes em "minha terra". O solo pátrio abriga elementos pro- vindos de outras terras. No entanto a leitura dos outros versos do texto desautoriza essa hipótese de leitura. As contradições presentes no solo pátrio não têm um valor positivo. Ao contrário, o que se repete ao longo do texto são contradições que não concorrem para enaltecer ufanisticamente a brasilidade, mas para ridicularizá-la. Analisando os diferentes versos, percebe-se que a cultura brasi- leira é postiça e abriga uma série de contradições: — "os poetas são pretos" (elementos de condição social inferioriza- da e oprimida); — "que vivem em torres de ametista" (alienados num mundo ideali- zado, que não apresenta as mazelas do mundo real; trata-se de uma referência irônica ao Simbolismo e, principalmente, a Cruz e Souza); — "os sargentos do exército são monistas, cubistas" (os que têm a função de garantir a segurança do território têm pretensões de incur- sionar por teorias filosóficas e estéticas); — "os filósofos são polacos vendendo a prestações" (os amigos da sabedoria são prostituídos — polaca é termo designativo de prostitu- ta — pela venalidade barata). 21 Questão 4 Todas as coisas têm um avesso e um direito. O poeta considera a reali- dade o avesso do sonho ("e quem vem de outro sonho feliz de cidade / aprende depressa a chamar-te de realidade"). Pode-se dizer que o poeta julga que em São Paulo não há lugar para o sonho, a poesia? Questão 5 O quilombo de Palmares, um dos maiores redutos de escravos foragi- dos do Brasil colonial, estava organizado como um verdadeiro Estado, sob a chefia de Ganga-Zumba. Quando começaram as lutas para destruir o qui- lombo, os negros, liderados por Zumbi, resistiram aguerridamente. Que sig- nifica a passagem "mais possível novo quilombo de zumbi"? Questão 6 Há no texto uma referência a uma particularidade climática de São Pau- lo, que serviu durante muito tempo de designativo da cidade. Qual é ela? Questão 7 O sentido global construído pelo poema autoriza concluir que: (a) São Paulo não inspira amor à primeira vista, mas aos poucos começa-se a perceber seus encantos e termina-se por gostar dela. (b) São Paulo é uma cidade feia, que inspira aversão. (c) São Paulo é uma cidade que inspira amor à primeira vista. (d) São Paulo deixa as pessoas indiferentes, não inspira amor nem aversão. (e) São Paulo inspira ao mesmo tempo ódio e amor. PROPOSTA DE REDAÇÃO Leia a "Canção do exílio" de Gonçalves Dias. Minha terra tem palmeiras. Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. 5 Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. 24 Em cismar, sozinho, à noite. 10 Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras. Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores. Que tais não encontro eu cá; 15 Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras. Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra. 20 Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá: Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. DIAS. Gonçalves. Gonçalves Dias-, poesia. Por Manuel Bandeira. Rio de Janeiro. Agir. 1975. p. 11-2 (Nossos Clássicos. 18). Você leu duas canções do exílio diferentes. A de Gonçalves Dias enaltece a pátria, considera-a superior à terra do exílio. Murilo criti- ca, com mordacidade, o Brasil e julga-se exilado em sua própria terra por não compartilhar dos valores nela vigentes. Cada texto é um pro- nunciamento sobre dada realidade; cada texto revela a visão de mun- do de quem o produz. Quando você redige um texto, você elabora seu pronunciamen- to sobre uma determinada realidade. Por isso, num texto, você deve fazer uma reflexão pessoal e não repetir lugares-comuns. Escreva agora sua canção do exílio mostrando como você vê sua pátria. Seu texto pode ser em verso ou em prosa. O importante é que nele você arrole imagens que indiquem a concepção que você tem de seu país. 25 (foto de cima) LE PORTRAIT de Paris Versailles, A. Bourdier, s.d. (embaixo! LE T O U R S Eiffel de Robert Oelaunay. Paris/Bruxelles, Jacques Damase, 1974. p. 30. 31. Duas concepções distintas de um mesmo objeto: em cima, o olhar do século XIX, da simetria absoluta, da crença na racionalidade. Embaixo, a ordenação do mundo em xeque. É o olhar fragmentado do século XX, tempo do rompimento da unidade. 26 TEXTO COMENTADO O texto abaixo é um trecho de uma circular, datada de 1794, aos funcionários públicos da França. Nessa época na França, poucos anos depois da Revolução Fran- cesa (1789), procurava-se construir as novas instituições do Estado. 0 funcionário público, acima de tudo. deve desfazer-se da rou- pagem antiga e abandonar a polidez forçada, tão inconsistente com a postura de homens livres, e que é uma relíquia do tempo em que alguns homens eram ministros e outros, seus escravos. Sabemos 5 que as velhas formas de governo já desapareceram: devemos até esquecer como eram. As maneiras simples e naturais devem subs- tituir a dignidade artificial que freqüentemente constituía a única virtude de um chefe de departamento ou outro funcionário gradua- do. Decência e genuína seriedade são os requisitos exigidos de ho- 10 mens dedicados à coisa pública. A qualidade essencial do Homem na Natureza consiste em ficar de pé. 0 jargão ininteligível dos ve- lhos ministérios deve dar lugar ao estilo claro, conciso, isento de ex- pressões de servilismo, de formas obsequiosas, indiretas e pedan- tes, ou de qualquer insinuação no sentido de que existe autoridade 15 superior à razão e à ordem estabelecida pelas leis — um estilo que adote atitude natural em relação às autoridades subalternas. Não deve haver frases convencionais, nem desperdício de palavras. Apud LASSWELL, Harold & KAPLAN, Abraham. A linguagem da política. Brasília, EUB. 1979. p. 43. O texto trata da maneira de proceder do funcionário público fran- cês. Opõe o serviço público do novo regime ao do antigo. Ao fazer essa oposição, mostra como eram os funcionários públicos do antigo regime e como devem ser os do novo. Determina, assim, o que não devem e o que devem fazer os servidores públicos. O texto discute como devem ser os funcionários e o discurso usado nas repartições públicas dentro da nova ordem política. A polidez for- çada e a dignidade artificial devem ser substituídas pelas maneiras sim- ples e naturais, pela decência e genuína seriedade. O servilismo deve desaparecer, porque homem na natureza fica cm pé, numa atitude dig- na, e não curvado diante dos outros. No antigo regime, os subalter- nos eram servis, enquanto os funcionários graduados tinham uma dig- nidade artificial. Como todos os homens são, por natureza, livres e iguais, os funcionários do novo regime devem ter apenas a decência e a seriedade. 29 Ao afirmar que o homem na natureza fica em pé e não curvado e ao considerar isso como um traço definitório do ser humano, o tex- to mostra que os homens são iguais e que essa igualdade funda-se num fator biológico, sendo, portanto, natural. O discurso reflete as relações sociais. Quando a ordem social se baseia na desigualdade, os discursos apresentam jargões ininteligíveis, expressões de servilismo, frases convencionais, formas obsequiosas, in- diretas e pedantes, estilo empolado e prolixo. Esse discurso sempre insinua que há autoridades colocadas acima da lei e da razão, ou seja, autoridades cujos direitos decorrem do seu nascimento ou da vontade de Deus. A ordem social, fundada nos princípios da igualdade e da liberdade, produz um estilo claro, simples, conciso e textos sem ex- pressões de servilismo, jargões ininteligíveis, frases convencionais, for- mas obsequiosas, indiretas e pedantes. As relações sociais, fundadas na igualdade e na liberdade, são naturais porque decorrem de um fator biológico. Os homens são li- vres e iguais porque são "animais racionais". O homem subordina-se apenas à razão e à lei. Não há autoridade acima dessas coerções, e ninguém pode querer estar acima delas. Todos os homens são iguais perante a lei, ou seja, são formal- mente iguais. Por outro lado, ao dizer que um homem não é escravo de ninguém, o texto mostra que o homem é livre, isto é, não está su- jeito a laços de dependência pessoal, mas somente à razão e às leis. Aparecem nesse texto três elementos do ideário da burguesia re- volucionária, que acabara de assumir a hegemonia com a Revolução Francesa: igualdade, liberdade e naturalidade das relações sociais. EXERCÍCIOS E n t r e g a r a - s e . c o r p o e a l m a . à s e d u ç ã o d a l i n d a r a p a r i g a q u e l h e o c u p a r a o c o r a ç ã o . A s u a n a t u r e z a a r d e n t e e a p a i x o n a d a , e x t r e - m a m e n t e s e n s u a l , m a l c o n t i d a a t é e n t ã o p e l a d i s c i p l i n a d o S e m i n á - r i o e p e l o a s c e t i s m o q u e l h e d e r a a c r e n ç a n a s u a p r e d e s t i n a ç ã o , q u i - 5 s e r á s a c i a r - s e d o g o z o p o r m u i t o t e m p o d e s e j a d o , e s e m p r e i m p e d i - d o . N ã o s e r i a f i l h o d e P e d r o R i b e i r o d e M o r a i s , o d e v a s s o f a z e n d e i r o d o I g a r a p é - m i r i m , s e o s e u c é r e b r o n ã o f o s s e d o m i n a d o p o r i n s t i n - t o s e g o í s t i c o s , q u e a p r i v a ç ã o d e p r a z e r e s a ç u l a v a e q u e u m a e d u - c a ç ã o s u p e r f i c i a l n ã o s o u b e r a s u b j u g a r . E c o m o o s s e n h o r e s p a d r e s 30 10 do Seminário haviam pretendido destruir ou, ao menos, regular e conter a ação determinante da hereditariedade psicofisiológica so- bre o cérebro do seminarista? Dando-lhe uma grande cultura de es- pírito, mas sob um ponto de vista acanhado e restrito, que lhe exci- tara o instinto da própria conservação, o interesse individual, pondo- 15 -lhe diante dos olhos, como supremo bem, a salvação da alma, e co- mo meio único, o cuidado dessa mesma salvação. Que acontecera? No momento dado, impotente o freio moral para conter a rebelião dos apetites, o instinto mais forte, o menos nobre, assenhoreara-se daquele temperamento de matuto, disfarçado em padre de S. Sul- 20 pício. Em outras circunstâncias, colocado em meio diverso, talvez que Padre Antônio de Morais viesse a ser um santo, no sentido pu- ramente católico da palavra, talvez que viesse a realizar a aspira- ção da sua mocidade, deslumbrando o mundo com o fulgor das suas virtudes ascéticas e dos seus sacrifícios inauditos. Mas nos sertões 25 do Amazonas, numa sociedade quase rudimentar, sem moral, sem educação... vivendo no meio da mais completa liberdade de costu- mes, sem a coação da opinião pública, sem a disciplina duma autori- dade espiritual fortemente constituída... sem estímulos e sem apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacerdócio, sob 30 a influência enervante e corruptora do isolamento, e entregara-se ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e rebaixando-se ao nível dos indivíduos que fora chamado a dirigir. SOUZA, H. Inglês de. O missionário. Rio de Janei- ro. Ed. de Ouro. 1977. p. 383-4. Questão 1 Qual era a aspiração de Padre Antônio de Morais em sua mocidade? Questão 2 Mais tarde encontra uma linda rapariga, que lhe ocupa o coração. Que faz ele? Questão 3 O narrador mostra que três são os elementos que concorrem para fazer Padre Antônio abandonar seus ideais e entregar-se "à sedução da linda ra- pariga que lhe ocupara o coração". Procure identificá-los no texto. Questão 4 Esses elementos agem em conjunto ou isoladamente? 31 Este estudo nos mostra a estrutura geométrica escondida por trás de uma natureza-morta de Cézanne, na qual as frutas e os panos acham-se dispostos com aparente displicência. 34 IT T E N , Jo h an n es . T h e A rt o f C o lo r. N ew Y o rk . V a n N o s tr a n d R ei n h el d , s. d . p . 76 , 7 7 . Níveis de leitura de um texto o primeiro contato com um texto qualquer, por mais sim- ples que ele pareça, normalmente o leitor se defronta com a dificulda- de de encontrar unidade por trás de tantos significados que ocorrem na sua superfície. Numa crônica ou numa pequena fábula, por exemplo, surgem personagens diferentes, lugares e tempos desencontrados e ações as mais diversas. Na primeira leitura, parece impossível encontrar qual- quer ponto para o qual convirjam tantas variáveis e que dê unidade à aparente desordem. Mas, quando se trata de um bom texto, por trás do aparente caos, há ordem. Quando, após várias leituras, encontra-se o fio condutor, a primeira impressão de desorganização cede lugar à percepção de que o texto tem harmonia e coerência. Para exemplificar o que acaba de ser dito, vamos ler uma pe- quena fábula de Monteiro Lobato e tentar demonstrar que, a partir da observação dos dados concretos da superfície, pode-se chegar à com- preensão de significados mais abstratos, que dão unidade e organiza- ção ao texto. 0 galo que logrou a raposa U m v e l h o g a l o m a t r e i r o , p e r c e b e n d o a a p r o x i m a ç ã o d a r a p o - s a , e m p o l e i r o u - s e n u m a á r v o r e . A r a p o s a , d e s a p o n t a d a , m u r m u r o u c o n s i g o : " D e i x e e s t a r , s e u m a l a n d r o , q u e j á t e c u r o ! . . . " E e m v o z a l t a : — A m i g o , v e n h o c o n t a r u m a g r a n d e n o v i d a d e : a c a b o u - s e a g u e r r a e n t r e o s a n i m a i s . L o b o e c o r d e i r o , g a v i ã o e p i n t o , o n ç a e v e a - d o , r a p o s a e g a l i n h a s , t o d o s o s b i c h o s a n d a m a g o r a a o s b e i j o s , c o - m o n a m o r a d o s . D e s ç a d e s s e p o l e i r o e v e n h a r e c e b e r o m e u a b r a ç o d e p a z e a m o r . — M u i t o b e m ! — e x c l a m a o g a l o . N ã o i m a g i n a c o m o t a l n o t í - c i a m e a l e g r a ! Q u e b e l e z a v a i f i c a r o m u n d o , l i m p o d e g u e r r a s , c r u e l - d a d e s e t r a i ç õ e s ! V o u j á d e s c e r p a r a a b r a ç a r a a m i g a r a p o s a , m a s . . . c o m o l á v ê m v i n d o t r ê s c a c h o r r o s , a c h o b o m e s p e r á - l o s , p a r a q u e t a m b é m e l e s t o m e m p a r t e n a c o n f r a t e r n i z a ç ã o . 35 A Ao ouvir falar em cachorro. Dona Raposa não quis saber de histórias, e tratou de pôr-se ao fresco, dizendo: — Infelizmente, amigo Có-ri-có-có, tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa, sim? Até logo. E raspou-se. Contra esperteza, esperteza e meia. (LOBATO, Monteiro. Fábulas. 19 . ed. São Paulo, Brasiliense, s. d. p. 47 . ) Num primeiro nível de leitura, podemos depreender os seguintes significados: — um galo espertalhão, consciente de que a raposa é inimiga, coloca- -se sob proteção, fora do alcance das suas garras; — a raposa tenta convencer o galo de que não há mais guerra entre os animais e que se instaurou a paz; — o galo finge ter acreditado na fala da raposa, mostra-se alegre e convida-a a esperar três cães para que também eles participem da confraternização; — a raposa, sem negar o que dissera ao galo, alega ter pressa e vai embora. Num segundo nível, podemos organizar esses dados concretos num plano mais abstrato: — um dos personagens do texto (o galo) dá mostras de ter consciên- cia de que os animais estão em estado de guerra; — outro personagem (a raposa) dá mostras de que os animais estão em estado de paz; — no nível do fingimento, isto é, da aparência, ambos percebem ter entrado em acordo, mas, no nível da realidade, isto é, da essência, os dois continuam em desacordo. Num terceiro nível, podemos imaginar uma leitura ainda mais abstrata, que resume o texto todo: — afirmação da belicosidade (da guerra) — negação da belicosidade — afirmação da pacificação. 36 No nível da estrutura superficial, depreendem-se os seguintes dados: 1) há dois vizinhos que não se conhecem pelo nome e por isso se cha- mam pelos números dos respectivos apartamentos: 1003 e 903; 2) o 1003 responde uma carta ao 903, reconhecendo as reclamações deste contra o barulho que o 1003 faz em seu apartamento no ho- rário em que todos deveriam estar dormindo. Sinceramente, pro- mete atender às reclamações do 903; 3) apesar de dar razão ao seu vizinho, o 1003 se dá o direito de sonhar com um mundo onde não existam as imposições do mundo em que vive e seja possível uma vida mais livre e mais humana. No nível da estrutura narrativa, pode-se construir a seguinte organização: — o 1003 está em desacordo com o regulamento do prédio e com as leis da sociedade em que vive; está em acordo com a espontaneidade dos próprios impulsos; — o 903, por estar em acordo com o regulamento e as leis, exige que o 1003 também aja da mesma forma; — o 1003 passa, no nível do comportamento prático, a estar em acor- do com as leis da sociedade, mas, no nível da sua visão de mundo, continua em desacordo com essas leis e em acordo com a liberdade e autonomia. No nível da estrutura profunda, podemos organizar todo o tex- to em torno de uma oposição básica: submissão x autonomia. Assim, — num primeiro momento existe a afirmação da autonomia caracte- rizada pelo desacato às leis da sociedade; — num segundo momento, a negação da autonomia, caracterizada pela repressão do vizinho, do zelador, das leis e da polícia; — num terceiro momento, a afirmação da submissão, caracterizada pela promessa sincera de acatar a reclamação do vizinho. Deve-se notar, entretanto, que, apesar de submeter-se às deter- minações impostas pela organização social, o narrador preserva a sua visão crítica, ironizando o mundo em que vive e imaginando uma so- ciedade em que se possa viver liberto de imposições. 39 EXERCÍCIOS Inácio da Catingueira e Romano Li, há dias, numa revista a cantoria ou "martelo" que, há per- to de setenta anos, Inácio da Catingueira teve com Romano, em Pa- tos, na Paraíba. Inácio da Catingueira, um negro, era apenas Inácio; Romano, pessoa de família, possuía um nome mais comprido — era 5 Francisco Romano do Teixeira, irmão de Veríssimo Romano, canga- ceiro e poeta, pai de Josué Romano, também cantador, enfim, um Romano bem classificado, cheio de suficiência, até com alguns discípulos. Nessa antiga pendência, de que se espalharam pelo Nordeste 10 muitas versões. Inácio tratava o outro por "meu branco", declara- va-se inferior a ele. Com imensa bazófia, Romano concordava, achava que era assim mesmo, e de quando em quando introduzia no "mar- telo" uma palavra difícil com o intuito evidente de atrapalhar o ad- versário. O preto defendia-se a seu modo, torcia o corpo, inclinava- 15 -se modesto: "Seu Romano, eu só garanto é que ciência eu não tenho". Essa ironia, essa deliciosa malícia negra, não fez mossa na casca de Francisco Romano, que recebeu as alfinetadas como se elas fos- sem elogios e no fim da cantiga esmagou o inimigo com uma razoá- 20 vel quantidade de burrices, tudo sem nexo, à-toa: "Latona, Cibele, ísis, Vulcano. Netuno..." Jogou o disparate em cima do outro e pe- diu a resposta, que não podia vir, naturalmente, porque Inácio era analfabeto, nunca ouvira falar, em semelhantes horrores e fez o que devia fazer — amunhecou, entregou os pontos, assim: "Seu Roma- 25 no, desse jeito eu não posso acompanhá-lo. Se desse um nó em 'mar- telo', viria eu desatá-lo. Mas como foi em ciência, cante só, que eu já me calo". Com o entusiasmo dos ouvintes. Romano, vencedor, ofereceu umas palavras de consolação ao pobre do negro, palavras idiotas que 30 serviram para enterrá-lo. Isto aconteceu há setenta anos. E desde então, o herói de Pa- tos se multiplicou em descendentes que nos têm impingido com abundância variantes de Cibele, ísis, Latona, Vulcano, etc. 40 M u i t a g e n t e a c e i t a i s s o . N a u s e a d a , m a s a c e i t a , p a r a m o s t r a r 3 5 s a b e d o r i a , q u a n d o t o d o s d e v i a m g r i t a r h o n e s t a m e n t e q u e . t r a t a n - d o - s e d e " m a r t e l o " * . N e t u n o e M i n e r v a n ã o t ê m c a b i m e n t o . I n á c i o d a C a t i n g u e i r a , q u e h o m e m ! F o i u m a d a s f i g u r a s m a i s i n t e r e s s a n t e s d a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a , a p e s a r d e n ã o s a b e r l e r . Co - m o o s s e u s o l h o s b r i n d a d o s d e n e g r o v i a m a s c o i s a s ! É c e r t o q u e 4 0 t e m o s o u t r o s s a b i d o s d e m a i s . M a s h á u m a s a b e d o r i a a l a m b i c a d a q u e n o s t o r n a r i d í c u l o s . RAMOS. Graciliano. Viventes das Alagoas-, qua- dros e costumes do Nordeste. 4. ed. São Paulo. Martins. 1972. p. 137-8. Questão 1 O produtor do texto construiu uma narrativa onde aparecem, no nível da superfície, dois personagens com características diferentes. Situe os dois personagens e discrimine as diferenças básicas que, segundo o produtor do texto, distinguem um do outro. Questão 2 Num nível mais abstrato de leitura, pode-se afirmar que Inácio e Ro- mano cultivam valores diferentes. Basicamente, quais são os valores que caracterizam a cultura de um e de outro? Questão 3 Cite uma passagem do texto que sirva para ilustrar que Romano é mais reconhecido socialmente do que Inácio. Questão 4 O texto coloca em confronto dois tipos distintos de cultura, cada um valorizado de modo diferente segundo o ponto de vista de quem analisa. a) Segundo o ponto de vista da sociedade em que vivem Inácio e Romano, qual das duas formas de cultura é mais valorizada? b) Segundo o ponto de vista do narrador, que cultura tem mais valor? 41 "... só os roçados da morte compensam aqui cultivar..." Agrupando-se significados aparentemente dispersos num texto segundo o valor que recebem dentro dele, chega-se a sua estrutura profunda. 44 Estrutura profunda do texto Imagine um texto em que se falasse dos problemas acarretados pela urbanização intensa ocorrida em nosso século, que insistisse na deterioração da qualidade de vida nas grandes cidades: poluição, trân- sito caótico, precariedade dos transportes coletivos, violência crescente, ausência de relações interpessoais mais profundas... Imagine ainda que esse texto propusesse o abandono das cidades, advogando que a sal- vação da humanidade estaria na volta ao contato com a natureza, às delícias do ar puro, da vida em pequenas comunidades, onde não exis- tem os problemas que nos afligem, etc. Já vimos, na lição anterior, que o texto se estrutura em níveis de abstração crescente. Para chegar à estrutura profunda, o nível mais abstrato, você deve agrupar os significados aparentados, os significa- dos que têm algo em comum. No texto que imaginamos, percebemos que podem ser reunidos num bloco os problemas da vida urbana: poluição, trânsito caótico, precariedade dos transportes coletivos, violência crescente, ausência de relações interpessoais mais profundas. Noutro bloco, aglomeram- se elementos que indicam a negação dessa forma de vida: abandono das cidades. Um terceiro bloco agrupa os termos que se referem à vi- da em contato com a natureza — delícias do ar puro, da vida em pe- quenas comunidades. O último bloco remete à natureza; o primeiro, por oposição, à civilização. O segundo nega a civilização e implica a natureza. Isso significa que há uma oposição, natureza versus cultura, que regula e Ordena os significados do texto. O nível profundo de um texto constitui-se de uma oposição do tipo: liberdade versus submissão, vida versus morte, natureza versus civilização, unicidade versus multiplicidade, etc. A análise de um tex- to não consiste apenas em encontrar a oposição reguladora dos seus sentidos, pois, se somente isso for feito, reduziremos sua riqueza sig- nificativa a quase nada. No entanto, a importância de detectar a es- trutura fundamental de um texto reside no fato de que ela permite dar uma unidade profunda aos elementos superficiais, que, à primeira vista, p a r e c e m dispersos e caóticos. 45 Cada um dos pólos opostos da estrutura profunda vem investi- do de uma apreciação valorativa. No texto imaginado acima, a natu- reza recebe uma valorização positiva; a civilização, uma valorização negativa. Depreende-se essa valorização de vocábulos como "proble- mas" e "delícias". A valorização é dada pelo texto, e não cabe ao leitor alterá-la. Um outro texto que fizesse elogios à vida nas atuais metrópoles estaria considerando o termo civilização como o valor positivo e o termo natureza como o negativo. No texto imaginado no princípio desta lição, trabalha-se com a oposição civilização versus natureza. É preciso agora ver como se en- cadeiam esses termos ao longo do texto. Temos nele o seguinte esque- ma: apresentam-se os elementos relativos à civilização urbana, ou se- ja, afirma-se o termo civilização; propõe-se o abandono das cidades, isto é, nega-se a civilização; mostram-se os elementos concernentes à natureza, ou seja, afirma-se a natureza. Nos textos, a oposição fun- damental encadeia-se da seguinte maneira: afirma-se um dos termos da oposição; em seguida, nega-se o termo que fora afirmado; depois, afirma-se o outro. Assim, como a oposição de base regula os diferen- tes sentidos superficiais, esse esquema básico em que se nega um ter- mo da oposição e se afirma o outro explica o movimento do texto, ou seja, como se encadeiam seus significados. TEXTO COMENTADO Morte e vida severina — Muito bom dia. senhora, que nessa janela está; sabe dizer se é possível algum trabalho encontrar? 5 — Trabalho aqui nunca falta a quem sabe trabalhar; o que fazia o compadre na sua terra de lá? — Pois fui sempre lavrador, 10 lavrador de terra má; não há espécie de terra que eu não possa cultivar. — Isso aqui de nada adianta, pouco existe o que lavrar; 4 6 2) desqualificação do saber de Severino — "de pouco adianta", "pouco existe o que lavrar", "nem pedra há aqui que amassar", " já não quer financiar"; 3) saber útil naquele lugar — rezar benditos, cantar excelências, en- comendar defuntos, tirar ladainhas, enterrar mortos, ajudar a morte, "profissões que fazem da morte ofício ou bazar", etc. Os elementos do primeiro grupo afirmam a vida (ato de produ- zir), os do segundo negam a vida (não se pode produzir), os do tercei- ro afirmam a morte (ato de ajudar a morte). O texto constrói-se, pois, sobre a oposição semântica vida versus morte, mostrando que a mor- te suplanta a vida. Levando em conta o ofício que a mulher exerce e o lucro daí ad- vindo, o ofício de zelar pela vida é valorizado negativamente, pois mal-recompensado, enquanto o de cuidar da morte é valorizado posi- tivamente, pois lucrativo. Essa valorização é um paradoxo que ressal- ta o absurdo da situação relatada. EXERCÍCIOS Romance LIII ou das palavras aéreas Ai, palavras, ai. palavras, que estranha potência, a vossa! Ai. palavras, ai, palavras, sois de vento, ides no vento, 5 no vento que não retorna, e, em tão rápida existência, tudo se forma e transforma! Sois de vento, ides no vento, e quedais, com sorte nova! 10 Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa! Todo o sentido da vida principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza 15 seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota... 49 A liberdade das almas, ai! com letras se elabora... 20 E dos venenos humanos sois a mais fina retorta: frágil, frágil como o vidro e mais que o aço poderosa! Reis. impérios, povos, tempos, 25 pelo vosso impulso rodam... Detrás de grossas paredes, de leve, quem vos desfolha? Pareceis de tênue seda, sem peso de ação nem de hora... 30 — e estais no bico das penas. — e estais na tinta que as molha. — e estais nas mãos dos juizes, — e sois o ferro que arrocha, — e sois barco para o exílio, 35 — e sois Moçambique e Angola! Ai, palavras, ai, palavras, íeis pela estrada afora, erguendo asas muito incertas, entre verdade e galhofa, 40 desejos do tempo inquieto. promessas que o mundo sopra... Ai, palavras, ai, palavras, mirai-vos: que sois. agora? — Acusações, sentinelas, 45 bacamarte, algema, escolta; — o olho ardente da perfídia, a velar, na noite morta; — a umidade dos presídios, — a solidão pavorosa; 50 — duro ferro das perguntas, com sangue em cada resposta: — e a sentença que caminha, — e a esperança que não volta, — e o coração que vacila. 55 — e o castigo que galopa... Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa ! Perdão podíeis ter sido! — sois madeira que se corta, 50 60 — sois vinte degraus de escada, — sois um pedaço de corda... — Sois povo pelas janelas, cortejo, bandeiras, tropa... Ai, palavras, ai, palavras, 65 que estranha potência, a vossa! Éreis um sopro de aragem... — sois um homem que se enforca! MEIRELES. Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro. Nova Aguilar. 1985. p. 442-94. O poema trata do poder da palavra. Estruturado com antíteses, o texto mostra que a palavra encerra poderes contraditórios, pode li- bertar o homem ou oprimi-lo, destruí-lo. Questão 1 Aponte os termos que indicam o poder genérico da palavra, sem espe- cificar se esse poder é destruidor ou libertador. Questão 2 Indique versos que mostram o poder criador das palavras e versos que revelam seu poder destruidor. Questão 3 O texto contém elementos que indicam o poder criador (libertador) da palavra e elementos que mostram seu poder destruidor (opressor). Com base nessa constatação determine a oposição básica do texto. Questão 4 No encadeamento do texto, afirma-se um dos termos da oposição bási- ca, nega-se este termo e afirma-se o outro. Considerando que o último verso ("Sois um homem que se enforca") é uma afirmação da morte, qual é o ter- mo negado? Observe que a morte substituiu o sopro de aragem que a palavra representava ("Éreis um sopro de aragem.. .") . 51 Os textos narrativos, desde os mais simples, como, por exemplo, as fábulas de princesa e dragão, até os mais complexos, possuem uma estrutura comum, possível de ser estudada sistematicamente. 5 4 Estrutura narrativa (I) Observe o seguinte texto: E r a m o i t o h o r a s d a n o i t e q u a n d o o f o g o c o m e ç o u a s e a l a s t r a r p e l o p r é d i o o n d e h a v i a q u a t r o f a x i n e i r o s t r a b a l h a n d o . A c i o n a d o s o s a l a r m e s , i m e d i a t a m e n t e o s b o m b e i r o s f o r a m c h a - m a d o s e , a p ó s u m a h o r a d e t r a b a l h o , c o n s e g u i r a m r e t i r a r c o m v i d a o s q u a t r o o c u p a n t e s d o p r é d i o . Por baixo dos elementos concretos do texto (fogo, prédio, bom- beiros, faxineiros), podemos imaginar a seguinte representação de ní- vel mais abstrato: o texto relata uma transformação, isto é, uma pas- sagem de um estado inicial para um estado final. De fato, em virtude da ação de determinados personagens (os bombeiros), deu-se a seguinte mudança: de um estado inicial em que alguém (os faxineiros) estava em situação de perigo passou-se para um estado final em que os mes- mos personagens ganharam segurança. Essa característica, a transformação de estados, está presente em qualquer texto e define o que se costuma chamar narratividade, que constitui um dos níveis de estruturação do sentido do texto. Após essa pequena observação introdutória, podemos estudar os enunciados que ocorrem na estrutura narrativa. 1) Enunciados de estado: são aqueles em que se estabelece uma rela- ção de posse ou de privação entre um sujeito e um objeto qualquer. Incluem-se nesta classe de enunciados os dois que seguem: a ) 0 p a í s t e m c r é d i t o n o e x t e r i o r . Como se vê, um sujeito (o país) está de posse de um objeto (a confiabilidade). b ) 0 p a í s n ã o t e m c r é d i t o n o e x t e r i o r . Ocorre aí um sujeito (o país) que está privado de um objeto (a confiabilidade). 2) Enunciados de ação: são aqueles que, em razão da participação de um agente qualquer, indicam a passagem de um enunciado de esta- do para outro. Inclui-se na classe dos enunciados de ação o seguinte: O s b a n c o s e s t r a n g e i r o s c o r t a r a m o c r é d i t o d o p a í s n o e x t e r i o r . 55 Como se pode notar, esse enunciado relata a seguinte trans- formação: — de um enunciado de estado em que o país estava de posse do obje- to (confiabilidade), passou-se, pela intervenção de um agente (os banqueiros), — a outro enunciado de estado em que o país está privado do objeto (confiabilidade). Dizer, entretanto, que na estrutura narrativa ocorrem enuncia- dos de estado e enunciados de ação não é suficiente para explicar tu- do o que se passa no interior dela. Com efeito, raramente um texto é formado de um enunciado úni- co: nele se articulam, em geral, vários enunciados. É preciso, pois, entender o modo como os enunciados simples se articulam entre si, para formar seqüências narrativas. Dentro da estrutura narrativa, os enunciados podem ser agrupa- dos em quatro fases distintas: manipulação, competência, performance, sanção. Para entender cada uma dessas fases, tomemos um texto onde se procurou arrolar os episódios mais comuns das fábulas de princesa e dragão. sa n çã o p e rf o rm a n ce co m p e tê n ci a m a n ip u la çã o A f i l h a d o r e i e r a m u i t o b e l a . C e r t o d i a . u m d r a g ã o r a p t o u - a . l e v a n d o - a p a r a s u a c a v e r n a . D e s o l a d o , o r e i , j á a v a n ç a d o e m a n o s , r e c o r r e a u m p r í n c i p e , g e n e r o s o e f o r t e e l h e d e l e g a a i n c u m b ê n c i a d e l i b e r t a r a f i l h a . N o d o r s o d e i m p e t u o s o c a v a l o , s a i o p r í n c i p e c o m p r e s s a d e r e s g a t a r a p r i n c e s a . N o c a m i n h o , u m a v e l h a m a l t r a p i l h a , s e n t i n d o - s e p e r d i d a , r o - g a a o p r í n c i p e q u e a l e v e d e v o l t a p a r a c a s a . M o v i d o p e l a b o n d a d e d o c o r a ç ã o , a i n d a q u e a n g u s t i a d o p e l a p r e s s a , o p r í n c i p e d e s v i a - s e d o c a m i n h o e c o n d u z a p o b r e v e l h a a o l a r . E i s q u e , a n t e o s o l h o s s u r p r e s o s d o p r í n c i p e , a v e l h a r e v e l a - s e c o m o u m a b e l a f a d a d e v e s - t e s t r a n s l u z e n t e s . E n a l t e c e n d o a g e n e r o s i d a d e d o c a r á t e r d o h e r ó i - c o c a v a l e i r o , i n d i c a a c a v e r n a d o d r a g ã o , p r e s e n t e i a - o c o m r e l u z e n - t e e s p a d a d e o u r o , a d v e r t i n d o - o d e q u e s o m e n t e c o m a q u e l e i n s - t r u m e n t o c o n s e g u i r i a c o r t a r a c a b e ç a d o d r a g ã o . J u n t o c o m a e s p a - d a , a b o n d o s a f a d a l h e d á u m a â n f o r a d e p r a t a , c h e i a d e u m a p o ç ã o c a p a z d e t o r n á - l o i n v i s í v e l . S e g u i n d o a s i n d i c a ç õ e s d a f a d a , o p r í n c i p e a t r a v e s s a a f l o r e s - t a p o v o a d a d e p e r i g o s a s f e r a s e , s e m s e r v i s t o , p e n e t r a n a c a v e r n a d o d r a g ã o , d e c a p i t a n d o - o c o m u m s ó g o l p e d e e s p a d a . S a l v a a b e l a p r i n c e s a , o g e n e r o s o c a v a l e i r o d e v o l v e - a p a r a o r e i , q u e , r e c o n h e c i d o , d á - l h e a m ã o d a p r i n c e s a e f a z d e l e s e u s u c e s s o r . 56 Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou lo- go um namorado. 10 Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro. u m a facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado. Misael muda- va de casa. 15 Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra. Olaria. Ramos. Bom Sucesso. Vila Isabel. Rua Marquês do Sa pucaí. Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sen- 20 tidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi en- contrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. BANDEIRA. Manuel. Estrela da vida inteira. 4 . ed. Rio de Janeiro, J. Olympio. 1 9 7 3 . p. 146-7 . Há, no texto de Manuel Bandeira, dois programas narrativos bá- sicos: o de Misael e o de Maria Elvira. Aparece, inicialmente, uma performance de Misael: faz com que Maria Elvira passe a ter confor- to, boa aparência e saúde. Embora no texto não apareçam as fases da manipulação e da competência, elas estão pressupostas: Misael que- ria dar o que deu a Maria Elvira e podia fazê-lo (tinha dinheiro para tanto). Misael queria que Maria Elvira retribuísse com a fidelidade o que ele lhe dera. Ele pretendia que uma troca se realizasse. Está pressu- posto que ele quer que ela lhe seja fiel (manipulação). Ela não aceita a manipulação e começa a realizar outro programa narrativo: o da infidelidade. Ela quer e pode ser infiel. A cada ato de infidelidade, Misael não a sancionava negativa- mente, não lhe aplicava um castigo (surra, tiro, facada), mas afastava-a do namorado. Não realizava a sanção, porque o medo do escândalo o levava a não castigar. Realizava, então, a performance do afasta- mento. Está implícito que ele queria e podia separar Maria Elvira e o namorado. Essa performance repetiu-se inúmeras vezes. Isso está indicado pela relação de locais em que moraram e pelas reticências que mostram que a lista não terminou. Um dia, a privação dos sentidos e da inteligência suplanta o medo do escândalo, e Misael é levado a sancionar Maria Elvira, matando-a. O texto quer mostrar que o fazer de Misael, ao matar Maria El- vira, não foi uma performance, mas uma sanção, decorrente do fato de Misael não conseguir manipular Maria Elvira. É desse fato que de- rivam o seu desespero e a sua frustração. 59 Ao dar o nome de tragédia brasileira ao texto, o narrador quer mostrar o conservadorismo presente nas relações afetivas: se um ho- mem dá a uma mulher conforto se julga no direito de exigir dela fidelidade. EXERCÍCIOS 0 acendedor de lampiões Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem infatigavelmente, Parodiar o sol e associar-se à lua Quando a sombra da noite enegrece o poente! 5 Um, dois, três lampiões, acende e continua Outros mais a acender imperturbavelmente, À medida que a noite aos poucos se acentua E a palidez da lua apenas se pressente. Triste ironia atroz que o senso humano irrita: 10 Ele que doira a noite e ilumina a cidade, Talvez não tenha luz na choupana em que habita. Tanta gente também nos outros insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua! LIMA, Jorge de. Jorge de Lima: poesia. 3. ed. Rio de Janeiro. Agir. 1975. p. 25. (Nossos Clás- sicos. 26). Questão 1 No plano da estrutura narrativa, o poema relata uma transformação de estado operada pelo acendedor de lampiões. Explique qual a transforma- ção que se realiza. Questão 2 O poema começa já pelo relato de uma performance: o acendedor de lampiões que vem trazer luz para a cidade. Mas a realização de uma performance pressupõe a competência (saber e/ou poder) e a manipulação (querer e/ou dever). Procure responder: a) O texto dá elementos para pressupor que o acendedor queria e/ou devia executar a performance! b) O texto dá elementos para pressupor que ele sabia e/ou podia executar a performance! 60 Questão 3 Ao relatar uma performance que o acendedor é capaz de executar, o texto faz referência a outra que ele não é capaz de realizar. Qual é essa performance! Questão 4 O narrador deixa entrever que o acendedor de lampiões recebe uma san- ção positiva pela performance que executa e uma sanção negativa por não conseguir executar outra performance. a) Qual é a sanção positiva? b) Qual é a sanção negativa? Questão 5 No poema, há uma comparação que aproxima entre si o acendedor de lampiões e um certo tipo de gente. Qual a semelhança que o narrador aponta entre os dois elementos des- sa comparação? Questão 6 Levando ainda em conta a comparação presente no texto, pode-se con- cluir que a um lado irônico do acendedor de lampiões corresponde outro la- do irônico das pessoas a que se refere a última estrofe do poema. Qual é esse lado irônico? Questão 7 Levando em conta o sentido global do texto, pode-se concluir que: (a) o acendedor de lampiões, na verdade, não consegue imitar o sol nem a lua. (b) por ironia, há pessoas que carecem dos bens que pretendem doar aos outros. (c) não há quem seja capaz de fazer para si aquilo que faz para os outros. (d) as pessoas religiosas são hipócritas. (e) nem sempre, quem pretende fazer bem aos outros consegue realizar o seu desejo. PROPOSTA DE REDAÇÃO Procure redigir um texto narrativo em que dois personagens que- rem alcançar um mesmo objetivo; um deles procura adquirir o saber e o poder necessários para realizar o seu desejo enquanto o outro pre- fere usar da corrupção para conseguir realizar o que pretende. Imagine a performance de cada um deles e a sanção que vem após cada uma das performances. 61 Os segundos são aqueles que o sujeito quer ou deve, sabe ou po- de adquirir ou perder. Para exemplificar o que acaba de ser dito, podemos imaginar uma situação concreta como a que segue: 1) Dois ladrões vigiam durante um mês os hábitos de uma mansão com vistas a planejar um roubo. O fato de estarem vigiando faz pressupor que os ladrões já pos- suem o objeto querer fazer. 2) Após um mês de observação, verificam que, aos sábados, a família viaja. Nesse momento, os sujeitos adquirem um saber necessário para realizar o roubo, isto é, adquirem uma informação que não possuíam antes. 3) Num sábado marcado para o roubo, apropriam-se das chaves que estavam sob a guarda da empregada. Passam, assim, a possuir outro objeto necessário para roubar: o poder fazer, pois adquirem o instrumento com o qual podem entrar na casa. 4) Entram na casa e roubam jóias, dinheiro, aparelhos eletrônicos e roupas. Nesse momento, entram na posse do objeto a que realmente vi- savam, a riqueza, concretizado nos objetos adquiridos no roubo. Esse exemplo serve ainda para demonstrar que tanto o objeto necessário para adquirir outro quanto o objeto que se quer ou deve adquirir podem vir representados por diferentes formas concretas. O objeto saber, por exemplo, poderia vir representado pela pos- se da informação de como funciona o sistema de alarme da mansão; o objeto poder poderia vir concretizado sob a forma das credenciais de um fiscal da prefeitura com poderes para entrar no interior das ca- sas a fim de fazer inspeção do consumo de água. O objeto a que os ladrões de fato visavam (a riqueza) poderia vir representado sob a forma de um automóvel, uma moto, obras de arte, porcelanas finas. Desse modo, para perceber os valores representados pelos obje- tos concretos, é preciso analisar o contexto em que ocorrem. 64 TEXTO COMENTADO Mar português Ó m a r s a l g a d o , q u a n t o d o t e u s a l S ã o l á g r i m a s d e P o r t u g a l ! P o r t e c r u z a r m o s , q u a n t a s m ã e s c h o r a r a m , Q u a n t o s f i l h o s e m v ã o r e z a r a m ! 5 Q u a n t a s n o i v a s f i c a r a m p o r c a s a r P a r a q u e f o s s e s n o s s o , ó m a r ! V a l e u a p e n a ? T u d o v a l e a p e n a Se a a l m a n ã o é p e q u e n a . Q u e m q u e r p a s s a r a l é m d o B o j a d o r 1 0 T e m q u e p a s s a r a l é m d a d o r . D e u s a o m a r o p e r i g o e o a b i s m o d e u , M a s n e l e é q u e e s p e l h o u o c é u . PESSOA, Fernando. Mensagem. Intr. notas expli- cativas e bibliog. de Carlos Felipe Moisés. São Paulo, Difel, 1 9 8 6 . p. 5 3 . O belo poema de Fernando Pessoa afirma, de início, que muito do sal existente no mar é resultado das lágrimas de Portugal (ou do povo português). Em seguida, explica que para a conquista do mar foi necessário muito sofrimento do povo. Pode-se, então, dizer que: — um sujeito (Portugal), para entrar na posse do mar (que represen- ta a ampliação do espaço do território português), teve necessidade de passar pelo sofrimento e pela dor, representados pelo choro das mães, a prece dos filhos e a privação das noivas. O mar, no caso, representa o objeto (espaço ampliado) que os portugueses realmente buscavam; a dor representa um objeto sem o qual não se poderia possuir o mar. Em outras palavras, enfrentar a dor e o sofrimento impôs-se co- mo necessidade para o sujeito adquirir um objeto (o poder) para rea- lizar a conquista de um espaço maior. Se o sujeito (Portugal) dispôs-se a enfrentar a dor para conquis- tar o mar, é porque já estava previamente decidido (querer) a realizar essa transformação. Isso nos permite dizer que o sujeito estava tam- bém de posse do objeto querer. 65 Colocando linearmente essa seqüência, pode-se fazer a seguinte representação: 1) o sujeito (Portugal) quer adquirir um objeto; 2) para realizar essa performance, esse sujeito adquire um poder (= enfrentar a dor); 3) o sujeito realizou a performance (= a conquista do objeto): o pos- sessivo nosso do verso 6 não deixa dúvida de que o sujeito adquiriu efetivamente o objeto desejado. Na segunda estrofe, o poema coloca como indagação se valeu a pena tanto sacrifício, isto é, se esses objetos desejados são realmen- te positivos. A conclusão é que esse percurso todo valeu a pena por duas razões: — em primeiro lugar porque o querer do sujeito era grandioso, fruto de uma vontade que não vê apenas interesses restritos e imediatos; — em segundo lugar porque a performance (ampliação do território) não se daria sem dor e sofrimento, o que se depreende da leitura dos versos 3 e 4 da segunda estrofe. Como conclusão, os dois versos finais enfatizam que, se o mar é perigoso, na mesma medida, é o espelho da grandeza e da sublimi- dade, já que é nele que se reflete o céu. Em síntese, o poema de Fernando Pessoa não só descreve os ob- jetos que o povo português adquiriu como também valoriza positiva- mente a grandeza e a sublimidade desses objetos. EXERCÍCIOS Nasce um escritor 0 primeiro dever passado pelo novo professor de português foi uma descrição tendo o mar como tema. A classe inspirou, toda ela, nos encapelados mares de Camões, aqueles nunca dantes nave- gados, o episódio do Adamastor foi reescrito pela meninada. Prisio- 5 neiro no internato, eu vivia na saudade das praias do Pontal onde conhecera a liberdade e o sonho. 0 mar de Ilhéus foi o tema de mi- nha descrição. 66 PROPOSTA DE REDAÇÃO Procure elaborar um texto narrativo, obedecendo às indicações que seguem: 1) um personagem se vê diante de uma situação em que deve execu- tar uma tarefa para a qual não tem competência, isto é, não sabe e/ou não pode realizá-la; 2) no entanto ele deve necessariamente executar essa tarefa, pois, se não a realizar, sofrerá uma grande perda. Qual é a situação diante da qual está o personagem? Que tarefa deve realizar? Por que é incapaz de executá-la? Qual a perda que so- frerá se não realizar a tarefa? Como se sai ele dessa embaraçosa situação? Respondendo a essas perguntas, você terá construído sua narra- tiva. Agora, coloque-a no papel. 69 1 A singeleza da paisagem dos ambientes populares é traduzida, na pintura de Volpi, por elementos abstratos. No trabalho da fotógrafa Anna Mariani, a mesma mensagem aparece através de elementos concretos. 70 (V o lp i) P O N T U A L , R o b e rt o . E n tr e d o is s é c u lo s ; a rt e b ra s ile ir a n o s é c u lo X X n a c o le ç ã o G il b e rt o C h a te a u b ra n d . R io d e J a n e ir o , J B , 1 9 8 7 . p . 2 4 5 . (f o to s ) M A R IA N I, A . F a ç a d e s . R io d e J a n e ir o , N o v a F ro n te ir a , 1 9 8 8 . p . 1 2 , 2 7 , 1 3 8 . Temas e figuras: a depreensão do tema Leia os dois textos abaixo: a) U m a s n o , v í t i m a d a f o m e e d a s e d e , d e p o i s d e l o n g a c a m i n h a - d a , e n c o n t r o u u m c a m p o d e v i ç o s o f e n o a o l a d o d o q u a l c o r r i a u m r e g a t o d e l í m p i d a s á g u a s . C o n s u m i d o p e l a f o m e e p e l a s e d e , c o m e - ç o u a h e s i t a r , n ã o s a b e n d o s e a n t e s c o m i a d o f e n o e d e p o i s b e b i a d a á g u a o u s e a n t e s s a c i a v a a s e d e e d e p o i s a p l a c a v a a f o m e . A s s i m , p e r d i d o n a i n d e c i s ã o , m o r r e u d e f o m e e d e s e d e . ( F á b u l a d e B u r i - d a n , f i l ó s o f o d a I d a d e M é d i a ) b) U m i n d i v í d u o , c o l o c a d o d i a n t e d e d o i s o b j e t o s i g u a l m e n t e d e - s e j a d o s , p o d e f i c a r d e t a l f o r m a i n d e c i s o q u e a c a b a p o r p e r d e r a a m b o s . Esses dois textos querem dizer basicamente a mesma coisa. No entanto, são estruturados de maneiras diferentes. Qual a diferença exis- tente entre eles? O primeiro é mais concreto; o segundo, mais abstrato. Mas por quê? O primeiro remete a elementos existentes no mundo natural: as- no, campo, feno, regato, águas, etc. O segundo remete a elementos mais abstratos, que explicam certos aspectos da conduta humana: in- divíduo, objetos igualmente desejados, indeciso. Subjacente a esses dois textos há o mesmo esquema narrativo: a) um sujeito encontra-se privado de dois objetos e quer conquistar a posse de ambos; b) devendo optar por um deles e sendo igualmente atraído pelos dois, é incapaz de realizar a escolha; c) permanece privado de ambos. 71 No texto, aparecem dois pares: sapo cururu versus cascudinho e mosquito; serpente versus sapo cururu. O sapo devora o cascudinho e o mosquito e é engolido pela serpente. Essas figuras (sapo, cascudi- nho, mosquito, devorar, serpente, engolir) remetem ao tema da rela- ção de poder, que aparece numa estrutura social, em que o mais ca- paz domina o menos capaz. No entanto as duas formas de domina- ção são diferentes. No primeiro caso, as figuras "surgiu", "engoliu", e " t ragou" (ações rápidas e momentâneas) indicam um tipo de exer- cício de poder: o que é exercido de maneira primária e direta, sem re- curso a qualquer mecanismo de persuasão. É o exercício da lei da sel- va: o mais forte domina o mais fraco. É uma dominação brutal. No segundo caso, as figuras "olhos luminosos", "fosforescentes", "bo- nitos como um pecado", "grelou-os", "deslumbrado", "presos na- quela boniteza", etc. mostram um outro tipo de dominação: a que se exerce pela mediação de mecanismos de persuasão. A serpente in- duz o sapo em tentação, pois a tentação é a apresentação a alguém de um objeto valorizado positivamente. No caso, a luminosidade no meio da escuridão, a beleza no meio da feiúra. O sapo cai em tentação. O primeiro tipo de exercício de poder é mais primário, mas é evi- dente, sem hipocrisia. Todos percebem quando ele se exerce: se não se pode reagir contra ele, pode-se ao menos percebê-lo ("soou uma nota soturna do concerto interrompido"). O segundo tipo é mais efi- caz, porque é dissimulado. Ninguém percebe seus mecanismos ("o coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a um dos seus canto- res"). Quem exerce o poder, no segundo caso, é o que sabe e pode manejar os mecanismos de persuasão. Observe-se que quem tem essa competência domina até os que manejam o poder pela força (no ca- so, o sapo). No primeiro caso, se o dominado pressentisse a presença do dominador, fugiria. O segundo revela-se ainda uma vez mais efi- caz porque, nele, o dominado, mesmo pressentindo o perigo, é inca- paz de fugir (linhas 15-18). Além disso, a eficácia do segundo tipo re- sulta do consentimento e da conivência do dominado (linhas 20-22), que provém da ambigüidade entre prazer e perigo presentes (linhas 15-18) nesse tipo de dominação. EXERCÍCIOS O homem e a galinha E r a u m a v e z u m h o m e m q u e t i n h a u m a g a l i n h a . E r a u m a g a l i n h a c o m o a s o u t r a s . U m d i a a g a l i n h a b o t o u u m o v o d e o u r o . 0 h o m e m f i c o u c o n t e n t e . C h a m o u a m u l h e r : s — O l h a o o v o q u e a g a l i n h a b o t o u . 74 A m u l h e r f i c o u c o n t e n t e : — V a m o s f i c a r r i c o s ! E a m u l h e r c o m e ç o u a t r a t a r b e m d a g a l i n h a . T o d o s o s d i a s a m u l h e r d a v a m i n g a u p a r a a g a l i n h a . 1 0 D a v a p ã o - d e - l ó . d a v a a t é s o r v e t e . E t o d o s o s d i a s a g a l i n h a b o t a v a u m o v o d e o u r o . V a i q u e o m a r i d o d i s s e : — P r a q u e e s t e l u x o c o m a g a l i n h a ? N u n c a v i g a l i n h a c o m e r p ã o - d e - l ó . . . M u i t o m e n o s s o r v e t e ! 1 5 E n t ã o a m u l h e r f a l o u : — É , m a s e s t a é d i f e r e n t e . E la b o t a o v o s d e o u r o ! O m a r i d o n ã o q u i s c o n v e r s a : — A c a b a c o m i s s o . m u l h e r . G a l i n h a c o m e é f a r e l o . A í a m u l h e r d i s s e : 2 0 — E s e e l a n ã o b o t a r m a i s o v o s d e o u r o ? — B o t a s i m ! — o m a r i d o r e s p o n d e u . A m u l h e r t o d o s o s d i a s d a v a f a r e l o à g a l i n h a . E a g a l i n h a b o t a v a u m o v o d e o u r o . V a i q u e o m a r i d o d i s s e : 2 5 — F a r e l o e s t á m u i t o c a r o . m u l h e r , u m d i n h e i r ã o ! A g a l i n h a p o d e m u i t o b e m c o m e r m i l h o . — E s e e l a n ã o b o t a r m a i s o v o s d e o u r o ? — B o t a s i m ! — o m a r i d o r e s p o n d e u . A í a m u l h e r c o m e ç o u a d a r m i l h o p r a g a l i n h a . 3 0 E t o d o s o s d i a s a g a l i n h a b o t a v a u m o v o d e o u r o . V a i q u e o m a r i d o d i s s e : — P r a q u e e s t e l u x o d e d a r m i l h o p r a g a l i n h a ? E la q u e c a t e o d e - - c o m e r n o q u i n t a l ! — E se e la n ã o b o t a r m a i s o v o s de o u r o ? — a m u l h e r p e r g u n t o u . 35 — B o t a s i m ! — o m a r i d o f a l o u . E a m u l h e r s o l t o u a g a l i n h a no q u i n t a l . E l a c a t a v a s o z i n h a a c o m i d a d e l a . T o d o s o s d i a s a g a l i n h a b o t a v a u m o v o d e o u r o . U m d i a a g a l i n h a e n c o n t r o u o p o r t ã o a b e r t o . 4 0 F o i e m b o r a e n ã o v o l t o u m a i s . D i z e m , e u n ã o s e i , q u e e l a a g o r a e s t á n u m a b o a c a s a o n d e t r a t a m d e l a a p ã o - d e - l ó . ROCHA, Ruth. Enquanto o mundo pega fogo. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. p. 14-9. Questão 1 Todos os dias a galinha bota um ovo de ouro. Botar ovos é seu tra- balho. O ovo de ouro é o produto de seu trabalho. No entanto, ele não per- tence à galinha, mas ao dono, que, ao fim de um certo período, estará rico. Qual o tema que se pode extrair dessas figuras? 75 Questão 2 Em troca do ovo de ouro (produto do trabalho), a dona dá sucessiva- mente à galinha: mingau, pão-de-ló e sorvete, farelo, milho. No final, não lhe dá nada. A galinha tem de catar o de-comer no quintal. Que significam as figuras mingau, pão-de-ló, etc, considerando que elas constituem o que se recebe para produzir ovos de ouro? Questão 3 As figuras mingau, pão-de-ló, sorvete, farelo, milho mostram que a re- tribuição à galinha é cada vez menor, enquanto o fruto de seu trabalho per- manece constante (todos os dias bota um ovo de ouro). Como gasta cada vez menos com a galinha, o homem vai ficando mais rico. Qual o tema que apa- rece sob essas figuras? Questão 4 A galinha foi embora porque quase não lhe davam nada em troca do que produzia. Dizem que está numa casa onde a tratam a pão-de-ló. Essas figuras recobrem que sentido mais abstrato? Questão 5 A mulher estava preocupada com o bem-estar da galinha quando a tra- tava com mingau, sorvete e pão-de-ló? Questão 6 A respeito desse texto pode-se afirmar que: (a) o patrão está sempre interessado no bem-estar do trabalhador e não na sua produtividade. (b) o trabalhador mantém fidelidade total a uma empresa. (c) a diminuição do pagamento ao trabalhador ajuda a acumular riquezas. (d) que o trabalhador recebe de acordo com o trabalho que realiza. (e) que o homem é, por natureza, ambicioso e explorador. 76 Temas e figuras: o encadeamento de figuras Quando estamos diante de um texto figurativo, como achar o tema que está por baixo das figuras espalhadas ao longo desse texto? É preciso ter bem presente que uma figura não tem significado em si mesma. Isoladamente, ela pode sugerir idéias muito variadas e noções muito imprecisas. Seu sentido nasce do encadeamento com ou- tras figuras. Como se sabe, num texto, tudo é relação. O que dá senti- do às figuras é um tema. Por isso encontrar o sentido de um conjunto de figuras encadeadas é achar o tema que está subjacente a elas. É possível exemplificar esses dados teóricos com situações con- cretas simples de entender. Imagine que uma equipe de produção de vídeo tenha por meta construir um texto de propaganda que associe um produto qualquer (um refrigerante, por exemplo) com os temas saúde e juventude. As figuras para mostrar esses temas poderiam ser: — uma moça e um rapaz atléticos; — jogando tênis; — com vestes impecavelmente brancas e bem talhadas; — num clube coberto de vegetação verde com flores variadas; — o céu muito azul, o sol brilhante. Nos intervalos, enxugam o rosto suado, molham os cabelos e to- mam prazerosamente o refrigerante. Como se nota, todas as figuras se articulam de maneira coerente e, dessa associação, emerge o tema da saúde e da juventude. As figu- ras do texto formam uma rede, uma trama. Seria impossível, no caso, admitir a interpretação de um leitor fantasioso que, tendo observado a estatura mais avantajada do rapaz, teimasse em ver por trás dessa figura o tema da inferioridade femini- na. E por que não? Simplesmente porque não se consegue depreender uma rede coerente de figuras que aponte para esse tema. Para com- preender o tema de um texto figurativo, é preciso perceber primeiro as redes coerentes formadas pelas figuras. 79 No exemplo citado, teria cabimento depreender, além dos temas saúde/juventude, o tema do requinte e do privilégio de classe. Esses temas enquadram-se na rede figurativa arquitetada pelo texto. O que, na verdade, garante a depreensão dos temas por trás das figuras é exatamente a coerência da rede de figuras do texto, fruto da relação solidária que elas mantêm entre si. A quebra da coerência interna da rede de figuras pode tornar o texto inverossímil ou criar novos significados para ele. Suponhamos que você esteja fazendo um texto sobre a vida nos trópicos e coloque as figuras: praias de areia muito branca, mar azul, coqueiros, mulatas, abacaxis, mangas, etc. Até aí seu texto está coe- rente. Mas, se aí você adicionar às figuras já arroladas a figura neve, seu texto fica inverossímil. Imaginemos, por outro lado, que no texto de propaganda men- cionado no início os dois jovens aparecessem trajando roupas negras de mangas compridas enfeitadas com rendas roxas. Isso provocaria uma ruptura na rede figurativa, que não mais remeteria ao mesmo tema. É evidente que essas rupturas podem ser intencionais por parte do produtor do texto, e, assim, a própria ruptura ganha sentido a par- tir do confronto com as demais figuras. Nesse caso particular, as ves- tes negras provocariam, sem dúvida, estranhamento e dariam origem a novos efeitos de sentido. Poderia ser uma forma de ridicularizar es- se tipo de anúncio ou de revelar o exotismo dos dois rapazes. As figuras, apesar da oscilação possível dos seus significados, estão articuladas no interior de um texto estruturado, e, num texto, os significados são solidários. Desse modo, as múltiplas significações possíveis de uma figura isolada estão sob o controle de um contexto, no qual se encaixam com coerência apenas algumas dessas possibili- dades significativas. Em vista disso, a depreensão dos temas subja- centes a um texto figurativo só é possível a partir do confronto cuida- doso das figuras que se articulam e se encadeiam no interior dele, for- mando uma rede. Um mesmo tema pode ser manifestado por redes figurativas di- ferentes. Dois escritores podem usar figuras distintas para expressar o mesmo tema. O tema do abuso do poder pode ser manifestado pela articulação das seguintes figuras: um ditador que sobrecarrega o po- vo com impostos extorsivos, reduzindo-o ao estado da mais negra mi- séria, enquanto nos círculos do poder os altos funcionários desfru- tam todo o tipo de mordomia, distribuem verbas e favores a amigos. 80 O mesmo tema poderia ser expresso pelas atitudes do filho de um rico senhor cuja diversão consiste em montar a cavalo no filho da empregada, chicoteá-lo e feri-lo com as rédeas sob o olhar condoí- do da mãe impotente. No caso, o mesmo tema, abuso de poder, é expresso pela articu- lação de dois conjuntos distintos de figuras. TEXTO COMENTADO Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relató- rios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogan- do paciência na cama, um copo de uísque na mesa da cabeceira, dis- se, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os 5 sons da casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrafônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar. Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar iso- 10 lado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa. não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar? 15 A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gos- ta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancá- 20 ria conjunta. Vamos dar uma volta de carro? convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens 25 materiais, minha mulher respondeu. Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, im- pedindo que eu tirasse o meu carro. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem (...) FONSECA. Rubem. Passeio noturno — Parte I. In: —.Feliz ano novo. Rio de Janeiro, Artenova, 1975. p. 47. 81 Questão 2 O poeta afirma no verso 7 que aqui não é feliz. Caracterize, com subs- tantivos abstratos, aquilo que o poeta busca em Pasárgada. Questão 3 "Vou-me embora" indica o afastamento de um "aqui" e um "agora" que não têm aquilo que o poeta busca em Pasárgada, e a ida para um " lá " e um "então". Como poderia ser definido o tema da ida para Pasárgada? Questão 4 Uma passagem do poema faz referência ao fato de que, em Pasárgada, não prevalecem os princípios da lógica e do pensamento racional, já que lá coexistem certas relações absurdas e sem sentido. Indique os versos em que as figuras levam a deduzir esse tema. Questão 5 Pasárgada é um lugar e um tempo real ou imaginário? Questão 6 O verso " L á sou amigo do rei" significa que o poeta quer fugir para um espaço e um tempo que: (a) o regime político vigente seja monárquico; (b) ele adquira o poder de fazer tudo o que desejar sem qualquer restrição; (c) tudo seja menos moderno; (d) ele tenha um papel político a desempenhar; (e) a amizade seja bastante valorizada. Questão 7 O poeta, no texto, recusa todas as imposições sociais e afirma seu dese- jo de fazer o que quer, de expressar sua individualidade. Considerando essa afirmação, responda: a) Qual é a oposição semântica fundamental do texto? b) Qual dos termos dessa oposição é afirmado no "aqui" e qual é afirmado no " l á "? c) Que termo é negado quando o poeta diz "Vou-me embora"? d) Qual desses termos tem valor positivo? 84 PROPOSTA DE REDAÇÃO No texto "Vou-me embora pra Pasárgada", o poeta imagina um lugar e um tempo para onde ele possa fugir quando as imposições so- ciais de nosso mundo lhe pesarem muito. Nesse lugar, ele poderia ex- primir plenamente sua individualidade. O tema do texto é a evasão espacial e temporal. Você aprendeu, nesta lição, que o mesmo tema pode ser figura- tivizado de várias maneiras. Imagine um lugar e/ou um tempo para onde você gostaria de ir quando estivesse saturado de nosso mundo e/ou de nosso tempo. Seria a Europa da Idade Média, uma ilha nos mares do Sul, uma agi- tada cidade no futuro? Ou seria outro lugar? Redija um texto que fale da sua evasão espacial e/ou temporal. Mostre como é esse lugar e/ou esse tempo, conte o que você fa- ria nele, explique como ele se opõe ao nosso espaço e/ou ao nosso tempo. Observe se as figuras estão bem encadeadas. 85 Este Diagrama 7 é uma das possibilidades, buscadas pelo artista, de construções baseadas no encadeamento de elementos geométricos inteiramente abstratos: o ponto, a linha e o plano. Trata-se do rompimento com a tradição da pintura figurativa. KANDINSKY, Wassily. Poim and Une to Plane. New York, Dovor, 1979. p. 155. 86 s o c i e d a d e h u m a n a . M a s é t a m b é m o r e c u r s o ú l t i m o e i n d i s p e n s á v e l d o h o m e m , s e u r e f ú g i o n a s h o r a s s o l i t á r i a s e m q u e o e s p í r i t o l u t a c o m a e x i s t ê n c i a , e q u a n d o o c o n f l i t o s e r e s o l v e n o m o n ó l o g o d o p o e - 1 0 t a e n a m e d i t a ç ã o d o p e n s a d o r . A n t e s m e s m o d o p r i m e i r o d e s p e r - t a r d e n o s s a c o n s c i ê n c i a , a s p a l a v r a s j á r e s s o a v a m à n o s s a v o l t a , p r o n t a s p a r a e n v o l v e r o s p r i m e i r o s g e r m e s f r á g e i s d e n o s s o p e n s a - m e n t o e a n o s a c o m p a n h a r i n s e p a r a v e l m e n t e a t r a v é s d a v i d a , d e s - d e a s m a i s h u m i l d e s o c u p a ç õ e s d a v i d a q u o t i d i a n a a o s m o m e n t o s 1 5 m a i s s u b l i m e s e m a i s í n t i m o s d o s q u a i s a v i d a d e t o d o s o s d i a s r e t i - r a , g r a ç a s à s l e m b r a n ç a s e n c a r n a d a s p e l a l i n g u a g e m , f o r ç a e c a l o r . A l i n g u a g e m n ã o é u m s i m p l e s a c o m p a n h a n t e , m a s s i m u m f i o p r o - f u n d a m e n t e t e c i d o n a t r a m a d o p e n s a m e n t o ; p a r a o i n d i v í d u o , e l a é o t e s o u r o d a m e m ó r i a e a c o n s c i ê n c i a v i g i l a n t e t r a n s m i t i d a d e p a i 2 0 p a r a f i l h o . HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo, Perspectiva. 1975. p. 1. Esse texto é temático, porque procura interpretar, através de con- ceitos, certos aspectos de um fenômeno existente no mundo, a lingua- gem. O texto trabalha, pois, predominantemente com temas, que são termos abstratos. Para chegar ao tema geral do texto, é preciso ver o encadeamen- to dos diferentes temas disseminados ao longo do texto: a) a linguagem modela os pensamentos, sentimentos, emoções, esfor- ços, vontade e atos do ser humano; b) com ela, o homem influencia e é influenciado; c) com ela, o homem reflete quando está sozinho e constrói as obras literárias, filosóficas e científicas; d) a linguagem modela a consciência do homem; forja em sua mente preceitos e proibições, valores e preconceitos; e) as lembranças são constituídas lingüisticamente. Todos esses temas parciais mostram que o indivíduo pensa e age a partir da linguagem que incorporou. Com efeito, que é a consciên- cia senão uma linguagem assimilada? Nossa consciência impede-nos de matar, porque, desde crianças, ouvimos que não se pode matar e assimilamos esse discurso. Além disso, todo o pensamento conceptual é lingüístico. Não podemos pensar a liberdade senão por intermédio da linguagem. A linguagem não é acompanhante do pensamento, mas o pensamento é que é lingüístico. É com a linguagem que convencemos os outros a fazer determi- nadas coisas, a agir de certa maneira. É com ela também que os ou- tros nos fazem mudar de atitude, nos fazem alterar nossa maneira de pensar. 89 O tema central do texto é, pois: a linguagem tem um papel ativo na formação do indivíduo. EXERCÍCIOS No ensino, como em outras coisas, a liberdade deve ser ques- tão de grau. Há liberdades que não podem ser toleradas. Uma vez conheci uma senhora que afirmava não se dever proibir coisa algu- ma a uma criança, pois deve desenvolver sua natureza de dentro 5 para fora. "E se a sua natureza a levar a engolir alfinetes?" inda- guei; lamento dizer que a resposta foi puro vitupério. No entanto, toda criança abandonada a si mesma, mais cedo ou mais tarde en- golirá alfinetes, tomará veneno, cairá de uma janela alta ou doutra forma chegará a mau fim. Um pouquinho mais velhos, os meninos, 10 podendo, não se lavam, comem demais, fumam até enjoar, apanham resfriados por molhar os pés, e assim por diante — além do fato de se divertirem importunando anciãos, que nem sempre possuem a capacidade de resposta de Eliseu*. Quem advoga a liberdade da educação não quer dizer que as crianças devam fazer, o dia todo, 15 o que lhes der na veneta. Deve existir um elemento de disciplina e autoridade; a questão é até que ponto, e como deve ser exercido. RUSSELL, Bertrand. Ensaios céticos. 2. ed. São Paulo. Nacional, 1957. p. 146. Questão 1 Pode-se depreender da leitura do texto que o autor seja contrário à liberdade? Questão 2 O autor acha que só devem existir restrições à liberdade na escola? Questão 3 Quando afirma que " toda criança abandonada a si mesma, mais cedo ou mais tarde engolirá alfinetes, tomará veneno, cairá de uma janela alta ou doutra forma chegará a mau fim"; "um pouquinho mais velhos, os meni- nos, podendo,não se lavam, comem demais, fumam até enjoar, apanham res- friados por molhar os pés" , o autor usa uma série de figuras para mostrar o primeiro limite à liberdade de fazer o que quiser. Qual é esse limite? Eliseu é um profeta bíblico, discípulo de Elias. Um dia. um grupo de rapazes zombava dele. 0 profeta, en- tão, amaldiçoou-os em nome do Senhor. Imediatamente saíram da floresta dois ursos, que despedaçaram quarenta e dois daqueles rapazes. 0 episódio é relatado em II Reis, 2, 23-25. No texto, ao falar de anciãos que não possuem a capacidade de resposta de Eliseu. o autor quer dizer que há anciãos que não podem defender-se das zombarias das crianças. 90 Questão 4 Quando diz que muitos meninos se divertem importunando anciãos, o autor mostra um segundo limite à liberdade. Qual é ele? Questão 5 Para o autor, no ensino, deve haver liberdade. No entanto, devem es- tar presentes outros elementos. Quais são eles? Constituem eles valores abso- lutos, sem limites? Questão 6 Pode-se agora responder quais são as liberdades que não podem ser toleradas? Questão 7 O tema geral do texto é: (a) A liberdade é um vaior absoluto. (b) A autoridade e a disciplina são valores absolutos. (c) A liberdade é um valor que admite gradações. (d) A liberdade é sinônimo de fazer o que der na veneta. (e) As pessoas nunca sabem usar a liberdade. PROPOSTA DE REDAÇÃO No texto de Bertrand Russell que você acabou de estudar, o au- tor mostra que liberdade não significa fazer o que bem se entende, que a liberdade é uma questão de grau. O texto indica que há algumas situações em que se devem esta- belecer proibições às crianças. Assim, uma criança não pode ser livre para engolir alfinetes, importunar os velhos, etc. Para os adultos, a liberdade é um valor absoluto ou é também uma questão de grau? Redija um texto expondo seu ponto de vista, mostrando situações em que não se podem estabelecer proibições ou situações em que se podem. Para ajudá-lo a pensar vão aqui algumas situações: ouvir músi- ca a todo volume, num prédio de apartamentos, depois das 10 da noi- te; invadir as reservas ecológicas desmatando-as; dirigir embriagado; publicar num jornal qualquer boato não confirmado que atinja a honra das pessoas. Não se restrinja a essas situações. Imagine outras para fundamentar seu ponto de vista. Se seu ponto de vista for que a liberdade não deve ter restrições, explique bem o porquê; se for que a liberdade é uma questão de grau, deixe bem claros os limites desse direito. 91 Vejamos como Mário de Andrade explorou a seleção de vocá- bulos, analisando um fragmento do seu livro Macunaíma. Senhoras: Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endereço e a litera- tura desta missiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudade e muito amor, com desagradável nova. É bem verdade que na boa cidade de São Paulo — a maior do universo no dizer de seus prolixos habitantes — não sois conhecidas por "icamiabas"', voz es- púria, senão que pelo apelativo de Amazonas: e de vós se afirma, cavalgardes belígeros ginetes e virdes da Hélade clássica (...) Nem cinco sóis eram passados que de vós nos partíramos, quando a mais temerosa desdita pesou sobre Nós (...) O que vos in- teressará mais, por sem dúvida, é saberdes que os guerreiros de cá não buscam mavórticas damas para o enlace epitalâmico, mas an- tes as preferem dóceis e facilmente trocáveis por voláteis folhas de papel a que o vulgo chamará dinheiro o "curriculum vitae" da Civilização a que fazemos honra em pertencermos. [Macunaíma. o herói sem nenhum caráter. 18. ed. São Paulo. Martins: Belo Horizonte. Ita- tiaia. 1981. p. 59-60.) O trecho faz parte do capítulo "Carta pras Icamiabas". O re- metente dessa carta é o próprio herói do romance; o lugar em que es- tá é a cidade de São Paulo; o destinatário são as Icamiabas, que quer dizer amazonas, mulheres guerreiras que, segundo a lenda, viviam na região hoje denominada Amazônia. O texto surpreende no contexto do romance porque o herói rompe com a modalidade de linguagem espontânea que vem utilizando até então e adota um registro destacadamente formal, o que se manifesta sobretudo na escolha de um léxico sofisticado. Essa ruptura corresponde sem dúvida a uma intenção de ridicu- larizar o modo de vida da grande cidade e esse efeito de ridiculariza- ção é conseguido, no caso, não só pelo conteúdo significativo do que ele diz mas também pela escolha lexical. Vejamos mais pormenorizadamente o que o narrador está ridi- cularizando: a) ao escolher um léxico e uma sintaxe já desusados ele satiriza o ca- ráter anacrônico e ultrapassado de nossa cultura urbana em geral: "missiva" em lugar de carta; o tratamento " v ó s " em vez de vo- cês; " n ó s " (plural solene) em lugar de eu; a imitação da sintaxe 94 clássica, reproduzindo inclusive, quase literalmente, dois versos de Os Lusíadas, de Camões: "Porém já cinco sóis eram passados / Que dali nos partíramos, cortando..." (V, 37, 1-2) — uma soleni- dade e uma erudição descabidas no contexto de uma carta; b) além disso, observa-se a escolha de um léxico preciosista (termos de emprego muito raro), muito ao gosto dos parnasianos e pré- -modernistas em geral (Rui Barbosa, Bilac, Coelho Neto): "belíge- ros ginetes" em vez de cavalos guerreiros; "Hélade" em vez de Gré- cia; "mavórticas" em vez de guerreiros (mavórtico é adjetivo rela- tivo a Marte ou Mavorte, deus da guerra na mitologia romana); "enlace epitalâmico" em vez de casamento. Com isso, o narrador ridiculariza não só o parnasianismo e a literatura imediatamente anterior ao modernismo, mas também toda a cultura desse período no Brasil, pois o parnasianismo correspondia ao gosto da moda. A escolha de temas e figuras em determinadas regiões do léxico produz certos efeitos de sentido. Observemos alguns setores lexicais e efeitos de sentido que produzem: a) gírias: sobretudo em textos narrativos, caracterizar o personagem através da linguagem que utiliza; b) arcaísmos: recuperar certa época, ridicularizar certo personagem que ainda insiste em utilizá-los; c) neologismos: caracterizar personagens ou épocas; d) regionalismos ou estrangeirismos: caracterizar, por exemplo, a pro- cedência de um personagem; e) jargão: caracterizar a competência de quem o utiliza. Além disso, um autor pode fazer largo uso de clichês (expres- sões prontas, lugares-comuns, como, por exemplo, "ela completou quin- ze primaveras", "a vida é uma caixa de surpresas", "rápido como um raio", para demonstrar a incompetência criativa de quem os utiliza, para pôr em evidência a falta de originalidade de um personagem. A desmontagem de clichês, por outro lado, produz efeitos inte- ressantes. Guimarães Rosa, por exemplo, usa "pela calada do dia" na base de "pela calada da noite"; "de lua a lua" pelo modelo de "de sol a so l " ; "aqui-del-presidente" em vez de "aqui-del-rei". 95 Um autor pode ainda criar certos efeitos de sentido usando um léxico preciosista, como, por exemplo, rórido (orvalhado), perlejar (tor- nar como que recamado de pérolas), desalterar (matar a sede), caní- cula (grande calor). TEXTO COMENTADO Aristarco, sentado, de pé. cruzando terríveis passadas, imobi- lizando-se a repentes inesperados, gesticulando como um tribuno de meetings, clamando como para um auditório de dez mil pessoas, majestoso sempre, alçando os padrões admiráveis, como um leiloei- 5 ro, e as opulentas faturas, desenrolou, com a memória de uma últi- ma conferência, a narrativa dos seus serviços à causa santa da ins- trução. Trinta anos de tentativas e resultados, esclarecendo como um farol diversas gerações agora influentes no destino do País! E as reformas futuras? Não bastava a abolição dos castigos corporais, IO o que já dava uma benemerência passável. Era preciso a introdução de métodos novos, supressão absoluta dos vexames de punição, mo- dalidades aperfeiçoadas no sistema das recompensas, ajeitação dos trabalhos, de maneira que seja a escola um paraíso; adoção de nor- mas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia, perspicaz como as 15 águias. Ele havia de criar... um horror, a transformação moral da sociedade! Uma hora trovejou-lhe à boca, em sangüínea eloqüência, o gê- nio do anúncio. Miramo-lo na inteira expansão oral, como, por oca- sião das festas, na plenitude da sua vivacidade prática. Contemplá- 20 vamos (eu com aterrado espanto) distendido em grandeza épica — o homem sanduíche da educação nacional, lardeado entre dois mons- truosos cartazes. Às costas, o seu passado incalculável de trabalhos; sobre o ventre, para a frente, o seu futuro: a reclame dos imortais projetos. POMPÉIA, Raul. 0 Ateneu. Rio de Janeiro, Ed. de Ouro, 1971. p. 52. Neste fragmento de O Ateneu, de Raul Pompéia, descreve-se a figura de Aristarco, o diretor do colégio. Dois grupos lexicais entre- cruzam-se no texto: o da educação e o do comércio. O da educação subdivide-se em vocábulos que mostram o autoritarismo ("terríveis", "repentes inesperados", "clamando ... majestoso", "trovejou", "ater- rado espanto") e o liberalismo do educador ("abolição dos castigos corporais", "introdução de métodos novos", "supressão absoluta dos vexames de punição", "modalidades aperfeiçoadas no sistema de re- compensas", "ajeitação dos trabalhos", "paraíso"). O autoritaris- 96
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