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ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA - 1ª ED. 2014 (162 PÁG - MINISTÉRIO DA SAÚDE) (1), Notas de estudo de Farmácia

ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 08/11/2015

welliton-raimundo-de-matos-aleixo-8
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Tiragem: 1ª edição – 2014 – 50.000 exemplares Elaboração, distribuição e Informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica SAF Sul, Edifício Premium, Quadra 2 Lotes 5/6, bloco II, subsolo CEP: 70.070-600 – Brasília/DF Tel.: (61) 3315-9031 Site: www.dab.saude.gov.br E-mail: dab@saude.gov.br Departamento de Atenção Especializada e Temática SAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6 Edifício Premium, bloco II, 1º andar, sala 103 CEP: 70.070-600, Brasília – DF Telefone: (61) 3315-9052 E-mail: rede.cronicas@saude.gov.br Site: www.saude.gov.br/doencascronicas Editor geral: Hêider Aurélio Pinto Editor técnico: Patrícia Sampaio Chueiri Organização: Danusa Santos Brandão Mariana Carvalho Pinheiro Autores: Ana Rita Vieira de Novaes Claunara Schilling Mendonça Daniel Miele Amado Eliane Pinto Vieira Fernando Henrique Albuquerque Maia Itemar Maia Bianchini Iracema Benevides Lena Azeredo de Lima Margarita Silva Diercks Mariana da Silva Bauer Mary Anne Medeiros Bandeira Paulo Roberto Sousa Rocha Pablo de Lannoy Sturmer Rosane Glasenapp Silvia Maristela Pasa Takeda Tiago Pires de Campos Thaís Corrêa de Novaes Coordenação editorial: Marco Aurélio Santana da Silva Diagramação: Roosevelt Ribeiro Teixeira Revisão: Ana Paula Reis – DAB/SAS/MS Eveline de Assis – CGDI/Editora MS Khamila Silva – CGDI/Editora MS Tatiane Souza – CGDI/Editora MS Normalização: Marjorie Fernandes Gonçalves – MS Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalográfica Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 162 p. : il. (Cadernos de Atenção Básica, n. 35) ISBN 978-85-334-2114-1 1. Atenção básica. 2. Atenção à Saúde. 3. Doença Crônica. I. Título. CDU 614 Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2014/0117 Títulos para indexação: Em inglês: Strategies for the care of person with chronic disease Em espanhol: Estrategias para el cuidado de la persona con enfermedad crónica Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Lista de Figuras Figura 1 – Os determinantes sociais do processo saúde/doença ........................................................27 Figura 2 – As diferentes formas de prevenção no modelo relacional................................................29 Figura 3 – Condições crônicas, estratificação da população segundo riscos e recomendações para cada estrato de risco......................................................................30 Figura 4 – Os diferentes estratos de risco e correspondentes exemplos de ações predominantemente recomendadas para doenças crônicas cardiovasculares..................46 Figura 5 – A Escala Subjetiva de Percepção de Esforço (Borg – adaptada)...........................................82 Figura 6 – Diagrama: passo a passo metodológico do autocuidado ...............................................115 Figura 7 – Proposta para o processo de estabelecimento de metas....................................................106 Figura 8 – Diagrama: o Método Clínico Centrado na Pessoa e seus componentes ............................130 Figura 9 – Pensamentos automáticos e disfuncionais.......................................................................132 Figura 10 – Diagrama: Entrevista Motivacional....................................................................................133 Figura 11 – Organização dos grupos de autocuidado para as condições crônicas...............................142 Lista de tabeLas Tabela 1 – Classificação dos graus de recomendação da Oxford Centre for Evidence-Based Medicine e tipos de estudo que levam em consideração......................................................................13 Tabela 2 – Classificação da qualidade de evidência proposto pelo Sistema GRADE ............................14 Tabela 3 – Exemplo de organização implantada.................................................................................40 Tabela 4 – Classificação do Índice de Massa Corporal (IMC)...............................................................69 Tabela 5 – Parâmetros para circunferência abdominal.......................................................................69 Tabela 6 – Questionário de comportamento alimentar......................................................................128 sumário Graus de recomendação e níveis de evidência......................................................................................13 Apresentação............................................................................................................................................17 1 Atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no contexto das redes de atenção à saúde...................................................................................................................................21 Referências................................................................................................................................................25 2 Os determinantes da saúde e seu impacto na saúde da população brasileira.................................27 Referências................................................................................................................................................34 3 A organização dos serviços de atenção primária à saúde para responder às necessidades em saúde............................................................................................................................37 3.1 Os princípios que orientam a reorganização dos processos de trabalho...................................37 3.2 As atividades a serem aperfeiçoadas e/ou implementadas.......................................................39 3.2.1 Programação da assistência conforme necessidades da população...................................39 3.2.2 Recepção e acolhimento........................................................................................................40 3.2.3 O uso de diretrizes clínicas baseadas em evidências............................................................41 3.2.4 Estratificação segundo riscos................................................................................................42 3.2.5 A gestão de caso....................................................................................................................48 Referências................................................................................................................................................53 4 Promoção da saúde e prevenção de doenças: intervenções comuns às doenças crônicas...............55 4.1 Tabagismo......................................................................................................................................55 4.1.1 O tabagismo e a doença cardiovascular................................................................................56 4.1.2. O tabagismo e o diabetes mellitus.......................................................................................57 4.1.3 O tabagismo e a hipertensão arterial sistêmica...................................................................58 4.1.4 Tabagismo passivo..................................................................................................................59 4.1.5 Tratamento da dependência da nicotina..............................................................................60 4.1.6 Tratamento medicamentoso..................................................................................................61 4.1.7 Recomendações......................................................................................................................62 4.2 Uso abusivo do álcool....................................................................................................................62 4.3 Alimentação saudável....................................................................................................................63 4.3.1 O papel das equipes de Saúde na abordagem da alimentação saudável..........................64 4.3.2 Abordagem nutricional para adultos.....................................................................................68 4.3.3 Pessoa com doença crônica na consulta médica ou de enfermagem.................................68 4.3.4 Avaliação antropométrica e identificação do padrão alimentar........................................69 4.3.5 Orientação nutricional............................................................................................................71 4.3.6 Apoio do nutricionista ou de outro profissional da UBS e/ou do Nasf...............................76 4.4 Atividade física e práticas corporais............................................................................................77 4.4.1 Atividade física, exercício físico, aptidão física e práticas corporais...................................78 Referências................................................................................................................................................87 5 Práticas integrativas e complementares no SUS: cuidado das pessoas com doenças crônicas.......95 5.1 Medicina tradicional chinesa – MTC.............................................................................................96 5.2 Homeopatia....................................................................................................................................97 5.3 Fitoterapia e plantas medicinais...................................................................................................99 5.4 Medicina antroposófica..............................................................................................................101 Referências..............................................................................................................................................103 Bibliografia consultada..........................................................................................................................104 6 Abordagens para a mudança de comportamento e autocuidado apoiado no cuidado à pessoa com doença crônica.................................................................................................111 6.1 Educação para o autocuidado......................................................................................................112 6.2 Os pilares da educação para o autocuidado...............................................................................113 6.3 A percepção da pessoa na condição crônica: o autocuidado e como trabalhar com problemas e necessidades.........................................................................................................117 6.4 As evidências e as mudanças necessárias para uma melhor qualidade de vida nas pessoas com condições crônicas.................................................................................................122 6.5 As diferentes abordagens metodológicas utilizadas na educação para o autocuidado..........125 6.5.1 Metodologias e abordagens compreensivas......................................................................129 6.5.2 Abordagem cognitivo-comportamental..............................................................................131 6.5.3 A problematização – o empoderamento.............................................................................136 6.5.4 Abordagem familiar.............................................................................................................137 6.5.5 Educação para o autocuidado em grupos..........................................................................138 6.6 Outras recomendações importantes para o cuidado integral..................................................148 6.6.1 Aconselhamento..................................................................................................................148 6.6.2 A construção de vínculo.......................................................................................................149 Referências..............................................................................................................................................150 Bibliografia consultada..........................................................................................................................148 Anexo A – Técnicas educativas para ações coletivas...........................................................................153 13 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Graus de recomendação e níveis de evidência Um dos maiores desafios para os profissionais da Atenção Básica é manterem-se adequadamente atualizados, considerando a quantidade cada vez maior de informações disponíveis. A Saúde Baseada em Evidências, assim como a Medicina Baseada em Evidências, é uma ferramenta utilizada para instrumentalizar o profissional na tomada de decisão com base na epidemiologia clínica, na estatística e na metodologia científica. Nesta coleção, utilizaremos os graus de recomendação propostos pela Oxford Centre for Evidence-Based Medicine e os níveis de evidência propostos pelo Sistema GRADE (Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation) como embasamento teórico. Leia mais sobre Medicina Baseada em Evidências em: Cadernos de Atenção Básica, nº 29 – Rastreamento, disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_ atencao_primaria_29_rastreamento.pdf O grau de recomendação é um parâmetro, com base nas evidências científicas, aplicado a um parecer (recomendação), que é emitido por determinada instituição ou sociedade. Esse parecer leva em consideração o nível de evidência científica. Esses grupos buscam a imparcialidade na avaliação das tecnologias e condutas, por meio da revisão crítica e sistemática da literatura disponível (BRASIL, 2011). A Tabela 1 resume a classificação dos Graus de Recomendação propostos pela Oxford Centre for Evidence-Based Medicine. Tabela 1 – Classificação dos graus de recomendação da Oxford Centre for Evidence-Based Medicine e tipos de estudo que levam em consideração Grau de Recomendação Nível de Evidência Exemplos de Tipos de Estudo A Estudos consistentes de nível 1 Ensaios clínicos randomizados e revisão de ensaios clínicos randomizados consistentes. B Estudos consistentes de nível 2 ou 3 ou ex- trapolação de estudos de nível 1 Estudos de coorte, caso-controle e ecológicos e revisão sistemática de estudos de coorte ou caso-controle consistentes ou ensaios clínicos randomizados de menor qualidade. C Estudos de nível 4 ou extrapolação de es- tudos de nível 2 ou 3 Séries de casos, estudos de coorte e caso-controle de baixa qualidade. D Estudos de nível 5 ou estudos inconsistentes ou inconclusivos de qualquer nível Opinião de especialistas desprovida de avaliação crítica ou baseada em matérias básicas (estudo fisiológico ou estudo com animais) Fonte: (CENTRE FOR EVIDENCE – BASED MEDICINE, 2009). 17 Apresentação Os serviços de Saúde, em sua organização, têm a finalidade de garantir acesso e qua- lidade às pessoas. A Atenção Básica (AB), em sua importante atribuição de ser a porta de entrada do sistema de Saúde, tem o papel de reconhecer o conjunto de necessidades em Saúde e organizar as respostas de forma adequada e oportuna, impactando positivamente nas condições de saúde. Um grande desafio atual para as equipes de Atenção Básica é a Atenção em Saúde para as doenças crônicas. Estas condições são muito prevalentes, multifatoriais com coexistência de determinantes biológicos e socioculturais, e sua abordagem, para ser efetiva, necessariamente envolve as diversas categorias profissionais das equipes de Saúde e exige o protagonismo dos indivíduos, suas famílias e comunidade. Nesse contexto, o Ministério da Saúde vem desenvolvendo diretrizes, metodologias e instrumentos de apoio às equipes de Saúde e realizando um esforço para que se organize a Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas. Esta rede visa qualificar o cuidado integral, unindo e ampliando as estratégias de promoção da saúde, de prevenção do desenvolvimento das doenças crônicas e suas complicações, e de tratamento e recuperação. Entre as várias iniciativas, estão sendo oferecidos aos profissionais de Saúde dois cursos de educação a distância, autoinstrucionais: — Doenças Crônicas nas Redes de Atenção à Saúde, disponível na Comunidade de Práticas, no site: <http://atencaobasica.org.br/>. O curso está estruturado a partir de casos de usuários do SUS que percorrem o sistema, especialmente a Atenção Básica, em busca de cuidado. Os casos dos usuários são apresentados no formato de história em quadrinhos e, após cada trecho da história, são oferecidos materiais específicos sobre os mais diferentes assuntos; e — Autocuidado: como Apoiar a Pessoa com Diabetes, disponível na Comunidade de Prá- ticas, no site: <http://atencaobasica.org.br/>. O curso está estruturado em cinco unidades e tem como objetivo instrumentalizar e sensibilizar o profissional de Saúde no processo de apoiar a pessoa com diabetes no autocuidado. Outra ferramenta, desta vez voltada aos usuários, é o site de Apoio ao Autocuidado, com enfoque na pessoa com diabetes mellitus e seus familiares, disponível na página <http:// autocuidado.saude.gov.br>. Nele são disponibilizadas informações acerca da doença e da influência dos hábitos de vida na sua evolução. O usuário pode esclarecer mitos, conhecer 18 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica mais sobre os alimentos e sobre atividade física, bem como ver depoimentos de outras pessoas que vivem com diabetes. A compreensão de que os fatores de risco e proteção são, frequentemente, comuns às diversas doenças crônicas, de que comumente estão associados e de que as recomendações de tratamento não medicamentoso são muito semelhantes, somadas à necessidade de atualização das diretrizes de cuidado destes fatores de risco, levaram à revisão dos Cadernos de Atenção Básica relacionados ao tema. Este Caderno destaca a importância atual das condições crônicas, salienta a complexidade das doenças/fatores de risco de determinação múltipla, aborda conceitos comuns às diversas doenças crônicas e apresenta diretrizes para a organização do cuidado. Inclui ainda estratégias para mudança de hábitos, promoção da alimentação saudável e prática de atividade física, abordagens para construção e acompanhamento dos planos de cuidado e de apoio ao autocuidado. Estão sendo publicadas, simultâneo a este, as novas edições dos Cadernos de Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e Obesidade. Boa leitura! 21 Atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no contexto das redes de atenção à saúde 1 As redes de Atenção à Saúde (RAS) são fundamentais para a coordenação e a integração dos serviços e ações de Saúde, assim como para a integralidade e a qualidade do cuidado à saúde. A organização dos serviços e recursos em redes em diversos países tem demonstrado o alcance de melhores resultados em Saúde, menos internações, maior satisfação dos usuários, melhor uso dos recursos, serviços mais custo-efetivos e de melhor qualidade, maior cooperação entre gestores de diferentes serviços, entre outras vantagens (MENDES, 2011; OPAS, 2010). Uma RAS consiste na organização do conjunto de serviços e ações de Saúde de distintas densidades tecnológicas que, integrados por meio de estruturas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado às populações de uma região de Saúde (BRASIL, 2010). A região de Saúde é um espaço geográfico contínuo, preferencialmente delimitado a partir de identidades culturais, econômicas, sociais, de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de permitir a organização, o planejamento e a execução das ações e dos serviços necessários à população do território (BRASIL, 2011). Os serviços de Saúde são constituídos por pontos de Atenção à Saúde (locais de prestação de serviços) de igual hierarquia. Como exemplos de pontos de Atenção à Saúde, citam-se Unidades Básicas de Saúde, unidades de cuidados intensivos, hospitais-dia, ambulatórios de cirurgia, ambulatórios de Atenção Especializada e Serviços de Atenção Domiciliar. Os serviços de Atenção Primária são a porta de entrada do sistema e coordenam o conjunto de respostas às necessidades de saúde da população. Além dos pontos de Atenção à Saúde, a estrutura operacional de uma RAS é constituída por sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico, assistencial-farmacêutico e de informação em Saúde; sistemas logísticos de identificação dos usuários, de prontuário clínico, de acesso regulado à atenção e de transporte em Saúde; e sistemas de governança da rede (MENDES, 2011). 22 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Para a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), [...] as redes de serviços integrais e integrados são uma das principais expressões operativas do enfoque da Atenção Primária à Saúde no que se refere à prestação de serviços da saúde, contribuindo a efetivarem-se seus atributos, entre eles a cobertura e o acesso universal; o primeiro contato; a atenção integral, integrada e contínua; o cuidado apropriado; a organização e a gerência ótimas; a ação intersetorial (OPAS; OMS, 2007). Há evidências, provenientes de diferentes países, demonstrando que as redes de Aten- ção à Saúde contribuem de forma importante para a melhoria dos resultados sanitários e econômicos dos sistemas de Atenção à Saúde (MENDES, 2011; OPAS; OMS, 2009). A Portaria MS/GM nº 4.279, de 30 de dezembro, publicada em 2010, estabelece diretri- zes para a organização das redes de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2010). O Brasil destaca-se no cenário latino-americano pelo acúmulo teórico e pela diversidade de cenários no desenvolvimento de RAS, mas essas experiências estão dispersas no território nacional, não havendo ainda a necessária disseminação e reconhecimento dos aspectos que contribuem para o alcance de seus objetivos, e nem das dificuldades em de- senvolvê-las (BRASIL, 2012; EVANGELISTA et al., 2012). A partir dos conceitos norteadores, foram construídas as diversas redes temáticas de âmbito nacional, como a Rede Cegonha, a Rede de Atenção Psicossocial, a Rede de Urgência-Emergência, entre outras. Veja a seguir os atributos das RAS, no Quadro 1: Quadro 1 – Atributos da Rede de Atenção à Saúde 1. População e território definidos com amplo conhecimento de suas necessidades e preferências que determinam a oferta de serviços de Saúde. 2. Extensa gama de estabelecimentos de Saúde que prestam serviços de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, gestão de casos, reabilitação e cuidados paliativos e integram os programas focalizados em doenças, riscos e populações específicas, os serviços de Saúde individuais e os coletivos. 3. Serviços de Atenção Primária em Saúde estruturados como primeiro nível de atenção e porta de entrada ao sistema, constituídos de equipe multidisciplinar que cobre a população, integrando, coordenando o cuidado e atendendo às suas necessidades de saúde. 4. Prestação de serviços especializados em lugar adequado. 5. Existência de mecanismos de coordenação, continuidade do cuidado e integração assistencial por todo o contínuo da atenção. 6. Atenção à Saúde centrada no indivíduo, na família e na comunidade, tendo em conta as particularidades culturais, gênero, assim como a diversidade da população. 7. Sistema de governança único para toda a rede com o propósito de criar uma missão, visão e estratégias nas organizações que compõem a região de Saúde; definir objetivos e metas que devam ser cumpridos no curto, médio e longo prazos; articular as políticas institucionais; e desenvolver a capacidade de gestão necessária para planejar, monitorar e avaliar o desempenho dos gerentes e das organizações. Continua 23 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA 8. Participação social ampla. 9. Gestão integrada dos sistemas de apoio administrativo, clínico e logístico. 10. Recursos humanos suficientes, competentes, comprometidos e com incentivos pelo alcance de metas da rede. 11. Sistema de informação integrado que vincula todos os membros da rede, com identificação de dados por sexo, idade, lugar de residência, origem étnica e outras variáveis pertinentes. 12. Financiamento tripartite, garantido e suficiente, alinhado com as metas da rede. 13. Ação intersetorial e abordagem dos determinantes da Saúde e da equidade em Saúde. 14. Gestão baseada em resultados. Fonte: (BRASIL, 2010). Em 28 de junho de 2011, com a publicação do Decreto nº 7.508, que regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dá-se grande avanço para a construção das RAS nas regiões de Saúde. A criação do Contrato Organizativo de Ação Pública (Coap), enquanto instrumento jurídico para pactuação entre os gestores, e a constituição da Comissão Intergestores Regional (CIR), enquanto espaço legítimo para deliberações, propiciam que os diversos territórios no País se organizem para, de fato, estruturarem seus serviços de Atenção à Saúde dentro de uma rede. Região de Saúde: espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de Saúde (BRASIL, 2011) . A relevância das condições crônicas como “necessidades em saúde” levou à publicação da Portaria nº 252, de 19 de fevereiro de 2013, que institui a Rede de Atenção às Pessoas com doenças Crônicas no âmbito do SUS. O objetivo é promover a reorganização do cuidado, sua qualificação, ampliando as estratégias de cuidado e também para promoção da saúde e prevenção do desenvolvimento das doenças crônicas e suas complicações. O Capítulo 3 discute os elementos-chave da reorganização dos serviços para melhor responder às doenças crônicas. Essas redes temáticas podem ser realizadas a partir das Comissões Intergestores Bipartites (CIB) e das CIR. O diagnóstico situacional orienta a elaboração de planos de ação, de acordo com os princípios e diretrizes da rede (Quadro 2). Conclusão 27 Os determinantes da saúde e seu impacto na saúde da população brasileira 2 Saúde é “um fenômeno clínico e sociológico, vivido culturalmente” (MINAYO, 1992), ou seja, obra de complexa produção social, cujos resultados na qualidade de vida de uma sociedade estão relacionados às decisões sobre os determinantes sociais da Saúde. Em 1992, Dahlgren e Whitehead sistematizaram o conjunto de determinações do processo saúde/doença ou saúde/adoecimento a partir do paradigma da promoção da saúde e, no caso brasileiro, associada à perspectiva da mudança social (BUSS apud CZERESNIA; FREITAS, 2003) e da redução das iniquidades (Figura 1). Figura 1 – Os determinantes sociais do processo saúde/doença Fonte: (DAHLGREN; WHITEHEAD, 1992). 28 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica Os determinantes distais são as condições socioeconômicas, culturais e ambientais em que as pessoas, suas famílias e as redes sociais estão inseridas, são o desenvolvimento e a riqueza de um país, uma região ou um município, e a forma como essa riqueza é distribuída, resultando em distintas condições de vida de uma dada população. Os determinantes inter- mediários são representados pelas condições de vida e de trabalho, o acesso à alimentação, à educação, à produção cultural, ao emprego, à habitação, ao saneamento e aos serviços de Saúde (e a forma como se organizam). E os determinantes proximais são aqueles rela- cionados às características dos indivíduos, que exercem influência sobre seu potencial, sua condição de saúde (idade, sexo, herança genética) e suas relações, formais e informais, de confiança, de cooperação, de apoio nas famílias, na vizinhança e nas redes de apoio, onde acontecem as decisões dos comportamentos e estilos de vida, determinados socialmente pela interação de todos os níveis aqui apresentados. O Brasil, signatário da Comissão Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, pro- posta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, recomenda intervenções em todos os níveis, especialmente sobre crescimento econômico e distribuição de renda, educação, saneamento, habitação, emprego, trabalho e meio ambiente (COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SO- CIAIS DA SAÚDE, 2008). Do ponto de vista das intervenções no âmbito dos serviços locais de Saúde, deve-se incidir sobre a forma como os determinantes sociais produzem as iniquidades em Saúde, reduzindo-as e buscando melhorar sistematicamente o resultado nas condições de vida das pessoas. As intervenções recomendadas aos serviços de Saúde para os distintos níveis de determinação, principalmente os proximais e os intermediários, deverão se fundamentar na efetividade das práticas que irão produzir a redução das iniquidades e os melhores re- sultados de saúde na população. E essas intervenções serão distintas se considerados os indivíduos em seu cuidado singular (com seus fatores de risco clínicos, vulnerabilidades e potencialidades próprias) ou se considerada uma dada população. Leavell e Clarck, em 1976, sistematizaram os conceitos de promoção, prevenção, cura e reabilitação dentro de um modelo explicativo do processo saúde/doença denominado história natural da doença, e apresentaram a aplicação de medidas preventivas (LEAVELL; CLARCK, 1976). Na prevenção primária, ao sujeito que não apresenta doenças ou sofrimento, são feitas intervenções de promoção da saúde ou de proteção, como as imunizações. Na prevenção secundária, o sujeito também não apresenta sintomas, e faz-se uma intervenção à procura de doença (rastreamentos). E, na prevenção terciária, o sujeito encontra-se doente e a intervenção é para prevenir complicações (exemplo: o exame sistemático dos pés em pessoas com diabetes). Em 1995, Marc Jamoulle e Roland propõem novo conceito para a prática em Atenção Primária, a partir da reflexão sobre o encontro do profissional de Saúde e das pessoas, pro- blematizando os distintos objetivos desses encontros: enquanto o profissional de Saúde, em geral, sente-se atraído pelas doenças, as pessoas estão preocupadas com a experiência do sofrimento, da doença ou da morte (JAMOULLE; ROLAND, 1995). Nas situações onde o sujeito se sente doente e o médico não encontra doença, existe um risco de dano por intervenções desnecessárias. Na prevenção quaternária, o médico preocupa- se em “identificar os riscos de superprevenção, superdiagnóstico e supermedicalização, a 31 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Na proposta, as intervenções sobre os determinantes intermediários serão as ações intersetoriais que potencializam, no território, a melhoria nas condições de saneamento, habitação, geração de emprego e renda, escolaridade, infraestrutura urbana, transporte, cultura e lazer da comunidade. As macropolíticas influenciam os determinantes distais da Saúde e seu impacto será sempre mais evidente, pois são dirigidas a toda a sociedade. As ações de promoção da saúde que ocorrem nos territórios, coordenadas por serviços e comunidade, ou as que se estabelecem entre as equipes de Saúde e seus usuários e familiares são influenciadas pelas macropolíticas. O tabagismo é um exemplo: ainda que no nível individual as equipes de Saúde devam ofertar assistência comportamental sempre que seja manifesto o desejo de cessação do tabagismo, é no nível da macropolítica que se dá o maior impacto sobre o controle do ta- bagismo. Segundo a OMS, para se atingir a meta “Mundo Livre do Tabaco” nas próximas décadas, as intervenções incluem: 1. Políticas de preços: aumento de taxas e impostos que incidem sobre o custo para o consumidor. 2. Informação e comunicação: limites à publicidade e à promoção, à exposição de produtos e ao marketing e rotulagem obrigatória. 3. Embalagem: tamanho mínimo de maços de cigarro. 4. Distribuição: restrição das vendas a menores, máquinas de venda automática de cigarros com tecnologia para proteção da juventude. 5. Consumo: proibição de fumar em locais públicos, bares e locais de trabalho (GOULART, 2011). As intervenções sobre a população que não apresenta doenças, mas com fatores de risco para adoecer, precisam ser dirigidas a dar suporte e apoio às mudanças de estilo de vida e das “escolhas” determinadas socialmente. Podem ser estruturadas a populações ou a indivíduos, a partir da estratificação de risco, para que a rede de serviços da Saúde e dos outros setores possa ofertar a atenção correta às distintas necessidades das pessoas, com custo-efetividade e qualidade assistencial. Essas medidas precisam ser efetivas, seguras e aceitas pelos indivíduos, e seu custo deve ser possível tanto para os serviços de Saúde como para as pessoas (em termos emocionais, físicos ou sociais) (ROSE, 2010). A situação de saúde no Brasil, provocada pela transição demográfica e epidemiológica, exige que o sistema de Saúde brasileiro responda pela “tripla carga de doenças” (FRENK, 2006). Esta é caracterizada por: 1. Presença das doenças infecciosas e parasitárias: dengue, H1N1, malária, hanseníase, tuberculose; 2. Aumento das doenças crônicas pelo envelhecimento das pessoas e aumento dos fato- res de risco (fumo, sedentarismo, inatividade física, sobrepeso e má alimentação); e 3. Aumento da violência e morbimortalidade por causas externas. 32 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica O número temático da revista The Lancet sobre a Saúde no Brasil apresenta, em seu capítulo sobre doenças crônicas não transmissíveis, o enorme desafio para o controle dessas doenças e seus fatores de risco. Às doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, renais, diabetes e cânceres são atribuídos cerca de 70% dos óbitos em 2007 (SCHMIDT et al., 2011). Em termos de mortes atribuíveis, os grandes fatores de risco globalmente conhecidos são: pressão arterial elevada (responsável por 13% das mortes no mundo), tabagismo (9%), altos níveis de glicose sanguínea (6%), inatividade física (6%) e sobrepeso e obesidade (5%) (WHO, 2009). As taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas estão diminuindo, possivelmente como resultado do controle do tabagismo e do maior acesso à Atenção Primária (SCHMIDT et al., 2011). Os quatro grupos de doenças crônicas de maior impacto mundial (doenças do aparelho circulatório, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas) têm quatro fatores de risco em comum (tabagismo, inatividade física, alimentação não saudável e álcool). No Brasil, esses fatores de risco são monitorados por meio de diferentes inquéritos de Saúde, com destaque para o monitoramento realizado pelo Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) (BRASIL, 2011). A análise sobre os indicadores que apresentaram variação temporal significativa é apresentada no Quadro 4, enquanto que um resumo dos indicadores relacionados com os fatores de risco das doenças crônicas é apresentado no Quadro 5 (BRASIL, 2011). Quadro 4 – Indicadores do Vigitel que apresentaram variação temporal significativa no período – População adulta das capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal (2006-2011) Indicadores Sexo 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Variação anual média (em pontos percentuais)* % de fumantes Homens 20,2 21,3 20,5 19 17,9 18,1 -0,6** % de fumantes de ≥20 cigarros/dia Homens 6,3 * 6,8 6,5 6 5,6 5,4 -0,2* % de pessoas com excesso de peso (IMC ≥25 kg/m2) Homens 47,2 48,3 48,6 51 52,1 52,6 1,2** Mulheres 38,5 37,6 40 42,3 44,3 44,7 1,5** % de pessoas com obesidade (IMC ≥30 kg/m2) Homens 11,4 13,5 13,1 13,7 14,4 15,6 0,7** Mulheres 11,4 12 13,1 14,0 15,5 16 1** % de pessoas em inatividade física Homens 16 15 14,1 -0,7** % que referem diagnóstico médi- co de diabetes Homens 4,4 4,8 5 5,3 5,4 5,2 0,2** % que realizou exame de mamo- grafia nos últimos dois anos Mulheres 71,2 71,3 72,2 72,6 73,3 0,6** Fonte: (BRASIL, 2011, adaptado). *Correspondente ao coeficiente da regressão linear do valor do indicador sobre o ano do levantamento. **p <0,05. 33 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Quadro 5 – Prevalência de fatores de risco selecionados para doenças crônicas, segundo Vigitel – 2011 Homens Mulheres Total Tabagismo Fumante atual 18,1% 12% 14,8% Ex-fumante 25% 18,8% 21,7% Consumo de bebidas alcoólicas Consumo excessivo nos últi- mos 30 dias 26,2% 9,1% 17% Alimentação Consumo de carnes com gorduras 45,9% 24,9% 34,6% Consumo regular de frutas e hortaliças, conforme reco- mendado pela OMS 16,6% 23,3% 20,2% Atividade física Indivíduos fisicamente ina- tivos 14,1% 13,9% 14% Excesso de peso Excesso de peso 52,6% 44,7% 48,5% Obesidade 15,6% 16% 15,8% Fonte: (BRASIL, 2011, adaptado). Fatores de risco relacionados à carga de doenças têm sido acompanhados por siste- mas de vigilância para as doenças crônicas e seus fatores de risco. O Vigitel (BRASIL, 2011) soma-se a outros inquéritos como o da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) (BRASIL, 2010), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) (IBGE, 2010), Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) (IBGE, 2009) e Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Os principais fatores de risco para doenças crônicas, quais sejam, tabagismo, alcoolismo, alimentação não saudável, inatividade física e excesso de peso, serão abordados ao longo deste conjunto de Cadernos de Atenção Básica. O contexto atual clama pela estruturação do trabalho das equipes de Atenção Básica, cujos processos de trabalho devem responder às muito prevalentes e complexas doenças crônicas, que não “curam”, como as doenças agudas, mas permanecem ao longo da vida dos indivíduos. Recentes evidências mostram que equipes multidisciplinares atuando de forma coordenada, preparadas para orientar e apoiar as pessoas a lidar com suas condições e a responder às agudizações desses processos, alcançam melhores resultados. Entre as atividades a serem incorporadas destacam-se a estratificação das pessoas segundo riscos/vulnerabilidade, com intervenções individuais e coletivas conforme o estrato de risco; o cuidado compartilhado; o apoio ao autocuidado; a maior qualidade nos cuidados preventivos, inclusive na prevenção de uso desnecessário de tecnologias; a reformulação 37 A organização dos serviços de atenção primária à saúde para responder às necessidades em saúde 3 As evidências de que a Atenção Primária à Saúde (APS) é o melhor modelo de organização dos sistemas e serviços de Saúde são inúmeras e inequívocas. Da mesma forma, não há dúvidas sobre a complexidade do trabalho nas Unidades de Atenção Básica: o trabalho é difícil e exige que equipes multidisciplinares bem preparadas utilizem metodologias e ferramentas de comprovada eficiência para organizar os processos de trabalho (TAKEDA, 2013). Este capítulo explicita algumas diretrizes e um conjunto de aspectos da organização da assistência nas Unidades Básicas de Saúde, consoante com os princípios da Política Na- cional de Atenção Básica, publicados na Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011; sistematiza orientações com o propósito de apoiar as equipes de Saúde na reorganização das atividades assistenciais; e, apresenta ainda algumas orientações para a implementação de “novas” tecnologias em serviços de Atenção Primária. Saiba mais sobre a Política Nacional de Atenção Básica, pelo site: <http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_atencao_basica.pdf> . “Por que fazer mais do mesmo se não se está alcançando os objetivos esperados (melhores resultados de saúde das pessoas e maior satisfação do usuário)?” (MENDES, 2012). O texto é um convite a “fazer o novo!”, destacando que cada equipe de Saúde precisa observar as suas especificidades ao implementar as mudanças. 3.1 Os princípios que orientam a reorganização dos processos de trabalho A reorganização das atividades das equipes de Saúde para o alcance de melhores resul- tados nas doenças crônicas está dentro de um contexto (os princípios e os atributos da APS e do SUS), e são destacados a seguir aspectos que vêm sendo apontados como nós críticos em serviços de Atenção Primária (SSC-GHC, 2013; CEPAPS, 2012). 38 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica a) Ampliar o acesso da população aos recursos e aos serviços das Unidades Básicas de Saúde: a utilização dos serviços e dos recursos de Saúde nem sempre ocorrem de forma que quem mais precisa consiga acesso (HART, 1991). Frequentemente, pessoas com menores riscos à saúde têm número de consultas considerado maior que o necessário para o adequado acompanhamento de suas condições crônicas de saúde, enquanto outras com maiores riscos e vulnerabilidade não conseguem acesso ao cuidado. Ou, ao contrário, a grande maioria dos recursos é utilizado em uma minoria com doenças graves. A estratificação segundo riscos e as respostas das unidades básicas, conforme o estrato de risco, ajudam a adequar e a ampliar o acesso (MENDES, 2012). O acesso está diretamente relacionado à disponibilidade de consultas de cuidado continu- ado e de demanda espontânea, atividades coletivas, atendimentos em grupo, procedimentos de enfermagem, exames, medicamentos, entre outros. Sempre que possível, as atividades re- alizadas pelas equipes devem acontecer em todo o horário de funcionamento da unidade. A ampliação do horário de funcionamento tem se configurado como estratégia que aumenta o acesso de trabalhadores, especialmente os do sexo masculino. Além disso, cartazes e informa- ções sobre os serviços de Saúde a serem buscados fora do horário da unidade básica reforçam a preocupação da equipe em apoiar a população na resolução dos problemas. “Demanda espontânea” refere-se aos atendimentos não programados na Unidade Bá- sica de Saúde. Representa uma necessidade momentânea do usuário, podendo ser uma informação, uma condição aguda, a agudização de uma condição crônica, uma urgência ou uma emergência. b) Buscar maior qualidade da Atenção à Saúde: qualidade é a capacidade dos serviços de Saúde em responder de forma efetiva às necessidades de saúde, no momento em que as pessoas precisam. Isso quer dizer: acesso e efetividade das ações. O uso de diretrizes clínicas baseadas em evidências realizado conjuntamente com profissionais da Atenção Primária está relacionado à efetividade do cuidado. As melhores recomendações, muitas vezes com inequívocas evidências de melhores resultados, nem sempre são utilizadas. c) Persistir na busca à integralidade da atenção: a integralidade tem várias dimensões e depende de um conceito amplo de saúde. Integralidade compreende promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças e recuperação da saúde. Refere-se, ainda, à abordagem integral do indivíduo (todos os sistemas fisiológicos, bem como os aspectos psicológicos, e contexto familiar e social) e da população sob responsabilidade das equipes básicas. Assim, o indivíduo com diabetes frequentemente é também hipertenso, pode estar deprimido, talvez não tenha tido uma consulta odontológica há vários anos e muito provavelmente convive com familiares com as mesmas condições crônicas de saúde (CEPAPS, 2012). A integralidade tem uma terceira dimensão, relacionada à coordenação com outros serviços de Saúde e setores da sociedade. 41 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Acolher adequadamente uma consulta de demanda espontânea implica responder à necessidade atual e organizar (programar) o acompanhamento de sua condição crônica. De modo geral, a ocorrência de uma situação aguda deve ser avaliada investigando: • o uso das medicações prescritas, utilizadas, doses, horários; • a alimentação (recente, eventuais exageros ou dieta muito restritiva); • a atividade física (realização recente, muito intensa); • o uso de álcool, tabaco e outras drogas; • episódios de conflitos e outros estresses emocionais. Há muitas vantagens do primeiro atendimento das complicações agudas da hipertensão arterial sistêmica e do diabetes mellitus, por exemplo, ser realizado na Unidade Básicas de Saúde (UBS). A maior parte das agudizações das doenças crônicas pode ser mais bem manejada na UBS: o profissional/a equipe conhece o usuário, seus problemas de saúde, as medicações prescritas, sua história, seu contexto. Esse episódio pode servir de alerta para a possibilidade de tratamento não adequado ou não utilização das medicações prescritas. No decorrer da consulta por demanda espontânea, o profissional verifica e revisa o plano de acompanhamento, a periodicidade de contatos com a equipe de Saúde de acordo com seus riscos/vulnerabilidade. Caso necessário, o agendamento de consulta subsequente para avaliação clínica e solicitação de exames deve ser realizado. O papel das regras: regras têm o propósito de apoiar o alcance dos objetivos (maior e melhor acesso, qualidade e respeito aos usuários). Se a regra não está cumprindo este propósito, deve haver a sensibilidade, por parte da equipe, para observar como melhor responder às necessidades específicas de determinado contexto e flexibilizar, abrir as exceções que aquela situação demanda (não se trata de mudar a regra geral, mas flexibilizá-la com bom senso, quando necessário). 3.2.3 O uso de diretrizes clínicas baseadas em evidências O uso de diretrizes e protocolos assistenciais pelas equipes de Saúde está fortemente relacionado à melhor qualidade da assistência, resultando em diagnósticos mais precisos, em tratamentos mais adequados, em melhor uso de recursos e exames e em melhores resultados em Saúde. Para que os profissionais consultem e utilizem regularmente as recomendações das diretrizes para responder aos problemas do dia a dia nas Unidades Básicas de Saúde, algumas condições são fundamentais (SSC-GHC, 2013): • divulgação, para a equipe de Saúde, das diretrizes disponíveis para a Atenção Primária; • as diretrizes devem estar disponíveis em local de fácil consulta (por exemplo, em todos os consultórios/salas de atendimento); 42 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica • a diretriz deve explicitar as atribuições de cada integrante da equipe no cuidado aos indivíduos (o que é de cada um – e o que é de todos), nas diversas categorias de uma equipe multidisciplinar; • desenvolvimento de atividades de educação permanente, que iniciam com a familia- rização dos profissionais com as diretrizes e seguem com atualizações e aprofunda- mento dos temas. É fundamental que todos os integrantes da equipe as conheçam, as discutam e as critiquem (esta é a melhor forma de os profissionais se apropriarem das diretrizes e passarem a consultá-las ao fazer recomendações aos usuários); • monitoramento de como está a utilização das diretrizes no dia a dia. Os profissionais estão encontrando dificuldades? Quais? • lembrar à equipe que uma diretriz apresenta as melhores recomendações, segundo evidências (estudos que demonstraram quais são as melhores orientações para um grupo de pessoas). Mas cada indivíduo é único, não há ninguém igual a ele e, por isso, cada vez que estamos diante de um usuário, devemos usar o julgamento clínico para avaliar em que medida as recomendações são úteis para ele. “Uma diretriz assistencial é uma trilha, não um trilho.” Eugênio Vilaça Mendes 3.2.4 Estratificação segundo riscos Estratificar significa agrupar, segundo uma ordem, um critério. Estratificar, em doenças crônicas, significa reconhecer que as pessoas têm diferentes graus de risco/vulnerabilidade e, portanto, têm necessidades diferentes. Mas, para estratificar, é preciso identificar os riscos de cada indivíduo, que podem ser considerados como leve, moderado ou alto, segundo classificações diversas. Por exemplo, para avaliar o risco para problemas cardiovasculares, temos a Classificação de Framinghan2, que avalia e classifica o risco de ocorrer um evento cardiovascular nos próximos dez anos. 3.2.4.1 Por que estratificar? Essencialmente porque as pessoas têm diferentes necessidades, que variam confor- me seu risco. Hipertensos com baixo e médio risco cardiovascular, por exemplo, beneficiam- -se mais de ações de promoção, de prevenção e de autocuidado apoiado do que hiperten- sos de alto risco cardiovascular, que necessitam de mais cuidados clínicos e de apoio para adesão aos tratamentos. Conhecer os riscos de cada usuário ajuda as equipes de Atenção Básica a adequar as ações, tanto individuais como coletivas, conforme as necessidades da população adscrita, além de utilizar melhor os recursos do serviço. 2Leia mais sobre o escore de Framingham em: Cadernos de Atenção Básica, nº 37 - Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica - Hipertensão Arterial Sistêmica. 43 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA 3.2.4.2 Como estratificar Na atenção às condições crônicas, existem diferentes formas de estratificação. A seguir é apresentada proposta que busca identificar os grupos de pessoas com semelhantes necessidades, de acordo com dois critérios (MENDES, 2012): 1) a severidade da condição crônica estabelecida; e 2) a capacidade de autocuidado, que contempla aspectos socioeconômicos e culturais, o grau de confiança e o apoio que as pessoas têm para cuidar de si mesmas. Sturmer e Bianchini (2012) apresentam proposta que integra os dois aspectos e é descrita a seguir. 1) Severidade da doença crônica A severidade da condição crônica é resultado da complexidade do problema (e sua interferência na qualidade de vida da pessoa) e do risco de ocorrer um evento que cause morbidade ou mortalidade. No contexto das doenças cardiovasculares, podemos estabelecer quatro graus de severidade da condição crônica, em ordem crescente (Quadro 7). Quadro 7 – Graus de severidade das condições crônicas cardiovasculares e exemplos Graus de severidade da condição crônica Exemplos Grau 1: presença de fatores de risco ligados aos comportamentos e estilos de vida na ausência de doença cardiovascular. • Tabagismo • Excesso de peso • Sedentarismo • Uso de álcool Grau 2: condição crônica simples, com fatores biopsicológicos de baixo ou de médio risco. • DM e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) dentro da meta estabelecida, sem complicações, com baixo ou médio risco cardiovascular em avaliação por escores de risco, como o escore de Framingham Grau 3: condição crônica complexa ou presença de fatores de alto risco para complicações cardiovasculares. • Alto risco para doença cardiovascular em avaliação de escores de risco • Microalbuminúria/proteinúria • Hipertrofia ventricular esquerda • Uso de insulina • DM2 acima da meta glicêmica • HAS acima da meta pressórica Grau 4: condição crônica muito complexa ou de muito alto risco (complicação estabelecida com grande interferência na qualidade de vida). • Cardiopatia isquêmica • AVC prévio • Vasculopatia periférica • Retinopatia por DM • ICC classes II, III e IV • Insuficiência renal crônica • Pé diabético/neuropatia periférica Fonte: (STURMER; BIANCHINI, 2012, adaptado de MENDES, 2012). Na presença de situações de diferentes graus, considera-se aquela que caracteriza o maior grau. Por exemplo: pessoa tabagista (grau 1), com hipertensão fora da meta pressórica (grau 3): considera-se grau 3 de severidade. 46 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica Figura 4 – Os diferentes estratos de risco e correspondentes exemplos de ações predominantemente recomendadas para doenças crônicas cardiovasculares Nível de Atenção 5 4 3 2 1 Ação de Saúde Predominante Gestão de Caso Atenção individual Atenção individual / compartilhada em atividade de grupo Atenção compartilhada em atividade de grupo Grupos de Educação em Saúde Consulta Coletiva Consultas sequenciais, multidisciplinares. Consultas sequenciais, multidisciplinares e/ou consulta coletiva – Particularizar conforme a necessidade individual. Grupo de tabagismo, de caminhada, alimentação saudável. Discussão de caso, visitas domiciliares, abordagem familiar. Exemplos de Atividades Fonte: (STÜRMER; BIANCHINI, 2012). O estrato 1, a situação de menor risco/vulnerabilidade, equivalente à maioria da população, representa as pessoas que possuem apenas os fatores de risco ligados a comportamentos e a estilo de vida, não apresentando doença estabelecida. Nessa situação, o apoio ao autocuidado é uma estratégia fundamental. A principal ação de Saúde são atividades de educação em Saúde direcionadas à abordagem dos fatores de risco. O estrato 2, considerado baixo risco, corresponde às pessoas com fatores biopsicológicos estabelecidos e que exigem cuidado profissional mais dirigido; mas o apoio ao autocuidado ainda é a base da abordagem. A constatação de baixo risco recomenda ações de apoio ao autocuidado e cuidado compartilhado entre os diferentes profissionais da equipe de Saúde. A consulta coletiva pode ser um exemplo. O estrato 3 compreende um estrato intermediário, onde a condição crônica representa um risco maior, e a condição clínica determina o tipo de Atenção à Saúde a ser ofertado pela equipe. Por exemplo, quando a hipertensão não está controlada apesar do cumprimento do plano de cuidados, a atenção clínica precisa ser particularizada indo além das recomendações de protocolos, seja para investigação e/ou controle. O estrato 4 representa pessoas com alto risco e que apresentam insuficiente capacidade para o autocuidado, ou aquelas que já possuem enfermidade crônica muito complexa, mas 47 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA possuem capacidade suficiente de autocuidado. Esse grupo demanda atenção mais con- centrada e individual por parte dos profissionais, por exemplo, com consultas sequenciais realizadas pelos diferentes profissionais implicados no cuidado da condição de saúde. O estrato 5 corresponde às pessoas que necessitam da maior concentração de atenção profissional, pois, à gravidade da condição estabelecida soma-se a insuficiente capacidade de autocuidado. Essas pessoas devem ser cuidadas, prioritariamente, por meio da gestão de caso (ver a seguir). A estratificação de risco nas diferentes regiões e municípios do Brasil irá seguir critérios pactuados, de acordo com as especificidades de cada localidade. Como exemplo, podemos citar a estratificação de risco para diabetes mellitus da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba (Quadro 10): Quadro 10 – Estratificação de risco da população em relação ao DM tipo 2 Risco Critério Baixo Pessoa com glicemia de jejum alterada ou intolerância à sobrecarga de glicose Médio Pessoa com DM diagnosticado e: – controle metabólico e pressórico adequado – sem internações por complicações agudas nos últimos 12 meses – sem complicações crônicas Alto Pessoa com DM diagnosticado e: – controle metabólico ou pressórico inadequado ou – controle metabólico e pressórico adequados, mas com internações por complicações agudas nos últimos 12 meses ou complicações crônicas Muito alto Pessoa com DM diagnosticado e: – controle metabólico ou pressórico inadequado + internações por complicações agudas nos últimos 12 meses e/ou complicações crônicas Gestão de caso Pessoa com DM diagnosticado e: – controle metabólico e pressórico inadequado mesmo com boa adesão ao plano de cuidado (diabete de difícil controle) – múltiplas internações por complicações agudas nos últimos 12 meses – síndrome arterial aguda, há menos de 12 meses – AVE ou AIT, IAM, angina instável, DAP com intervenção cirúrgica – complicações crônicas severas – doença renal estágio 4 e 5, artropatia de Charcot, cegueira, múltiplas amputações, pés com nova ulceração, necrose, infecção e edema – comorbidades severas (câncer, doença neurológica degenerativa, doen- ças metabólicas, entre outras) – risco social – idoso dependente em instituição de longa permanência; pessoas com baixo grau de autonomia, incapacidade de autocuidado, dependência + ausência de rede de apoio familiar ou social Fonte: (CAVALCANTI, 2010). 48 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica 3.2.5 A gestão de caso A gestão de caso é o processo cooperativo que se desenvolve entre um profissional gestor de caso, uma pessoa portadora de uma condição de saúde muito complexa (estrato 5) e sua família. Tem os objetivos de propiciar atenção de qualidade, humanizada, diminuir a fragmentação da Atenção à Saúde, aumentar a capacidade funcional e preservar autonomia individual e familiar. Evidências de boa qualidade mostram que a gestão de caso apresenta resultados sanitários e econômicos positivos quando utilizada na Atenção Primária à Saúde (MENDES, 2012). O propósito da gestão de caso é integrar, coordenar e advogar pelos indivíduos, fa- mílias ou grupos que necessitam de cuidados de longo prazo. Os objetivos são, portanto, diminuir a fragmentação do cuidado; advogar (defender) as necessidades e expectativas de pessoas em situação especial; aumentar a qualidade do cuidado; facilitar a comunicação com os prestadores de serviços; coordenar o cuidado em toda a rede de Atenção à Saúde. A condição para acontecer a gestão de caso é a escolha de um profissional da equipe que irá coordenar o trabalho de um grupo de profissionais, em relação a um paciente/família. A situação onde a gestão de caso tem sua maior utilidade é nos casos complexos, em que diversos profissionais devem atuar de forma coordenada e grandes recursos e esforços são despendidos. Para integrar o cuidado, coordenar as ações e advogar para que o paciente receba o serviço certo na hora certa, é preciso que um profissional esteja a par de todas as recomendações e cuidados (exames a serem feitos em diferentes serviços em datas variadas; medicamentos a serem utilizados em horários e quantidades variadas; cuidados com dietas; horários de comparecimentos a serviços de Saúde; etc). E, justamente por serem casos complexos, nem sempre é fácil identificar recursos familiares/sociais que assumam o cuidado. Assistentes sociais e enfermeiros são, frequentemente, os profissionais que melhor realizam a gestão de casos, reunindo e coordenando a equipe multidisciplinar para a análise da situação, a elaboração do plano de cuidado, a utilização dos recursos, o acompanhamento e a avaliação, a periodicidade da discussão do caso, fornecendo subsídios sociais e dados que possam contribuir para o diagnóstico e para o acompanhamento. Assim, pode-se dizer que a gestão de caso é um processo de cuidado cooperativo que se desenvolve entre: a) o portador de uma condição de saúde complexa/e sua família; b) o profissional gestor de caso e sua equipe; c) a rede de suporte social. Para considerar que há gestão de caso, deve haver um plano conjunto de cuidado construído de forma multidisciplinar entre os componentes da equipe que estão comprometidos com a resolução dos problemas e o usuário/família. Na gestão de caso, trabalha-se para a obtenção de um objetivo comum (expresso pelo plano conjunto de cuidado). O gestor de caso responsabiliza-se por uma pessoa durante a duração da condição crônica de saúde e faz julgamentos sobre a necessidade e a propriedade dos serviços ofertados e recebidos. Um bom gestor de caso deve conhecer bem os recursos e serviços disponíveis na rede assistencial; ser bom negociador (habilidoso com o paciente, com a família, com os recursos sociais); ser hábil na comunicação. Esse profissional tem a incumbência de coordenar a atenção, utilizando-se de todos os serviços e de todas as instituições que compõem uma Rede de Atenção à Saúde (RAS), de verificar se os componentes do plano de cuidado estão sendo bem prescritos e cumpridos. 51 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Quadro 11 – Gestão de caso Um exemplo de gestão de caso O sr. João Adamastor, 75 anos, é viúvo, apresenta hipertensão arterial de difícil controle, tem dificuldade de deambular devido à gonartrose5 bilateral e tem sequelas motoras de AVC (hemiplegia à esquerda). É usuário de polifarmácia pela HAS e dor crônica. No último ano, foi hospitalizado duas vezes. Mora com a filha Joana, que é casada e tem dois filhos, de 9 e 15 anos, e trabalha um turno do dia. Seu marido trabalha dois turnos em indústria metalúrgica. Joana solicitou ajuda da equipe de Saúde, pois estava encontrando dificuldades para lidar com os problemas de saúde do pai. A assistente social e a enfermeira visitaram a família. Após a visita, a assistente social considerou tratar-se de uma situação para “gestão de caso” com base nos seguintes critérios: – presença de comorbidades: HAS, sequela de AVC, gonartrose bilateral com dificuldades de mobilidade; – utilização de polifarmácia, com indicação de vários medicamentos prescritos para uso contínuo por mais de seis meses, e dificuldade de cumprir horários e doses estabelecidos; – presença de familiares próximos, mas necessitando orientação para compor uma rede de apoio familiar. A conversa com o seu João, a filha e o neto de 15 anos permitiu conhecer melhor o contexto e as dificuldades: O sr. João Adamastor da Silva, pardo, viúvo há dez anos, ex-estivador, de escolaridade equivalente ao ensino médio completo, ex-sambista, agnóstico, portador de hipertensão arterial sistêmica diagnosticada há 20 anos e com sequelas de AVC ocorrido há cinco anos, com gonartrose bilateral, sem certeza da data do aparecimento de sintomas. Usuário de captopril 25 mg, 2 comprimidos (cp) 3x/dia, propranolol 40 mg, 2 cp 3x/dia, hidroclorotiazida 25 mg, 1x/dia, AAS 100 mg 1x/dia, sinvastatina 20 mg, 1x/dia, paracetamol 500 mg, 2 cp de 8 em 8 horas em caso de dor, intercalado com ibuprofeno 600 mg, 1 cp de 8 em 8 horas se dor persistente e omeprazol 20 mg, 1 cp ao dia. Pedrinho, o neto, é muito próximo ao avô, mas não entende “por que tanta receita”. Na rotina familiar, o sr. João fica cerca de quatro horas sozinho na casa e passa boa parte do dia assistindo à televisão e ouvindo rádio. Tem vontade de procurar dois vizinhos de pátio, mas não tem tido a iniciativa. A casa é plana, porém o acesso às portas de entrada se dá por meio de dois degraus sem corrimão. O piso da cozinha é de cerâmica e escorregadio quando molhado. Tapetes soltos trazem o risco de tropeços. Os banheiros não têm corrimão de apoio. É usuário eventual da UBS, alegando difícil locomoção. Na UBS, por meio da revisão de prontuário e de reunião da equipe, constatou-se a adesão parcial às recomendações terapêuticas; é atendido 5Doença reumática mais comum em indivíduos acima de 65 anos, acomete os joelhos e representa uma das maiores causas de dores articulares. Continua 52 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica por diferentes médicos, não sendo possível identificar o médico responsável pelo sr. João. Não tem avaliação odontológica, reumatológica e nutricional recentes. Não há menção de seu estado de ânimo e disposição para realizar as recomendações em saúde. Etapas a serem percorridas pela equipe de Saúde: 1. Definir o gestor do caso e estratégias para reforçar o vínculo entre um médico e o sr. João. Considerando que o sr. João tem um plano medicamentoso definido e as dificuldades estão mui- to relacionadas à organização da rede familiar e social, ficou estabelecido que o assistente social fosse o gestor do caso. Foi definido o médico que, a partir de então, cuidará do sr. João. 2. Elaborar a lista de problemas/necessidades e expectativas do sr. João e da família. 3. Definir e pactuar as metas clínicas e de mudanças de rotinas. 4. Elaborar, em conjunto (gestor do caso, profissionais da equipe envolvidos no cuidado, sr. João e família), um plano de ação. Os objetivos do plano foram assim definidos: – Melhorar a adesão às recomendações terapêuticas (tanto as medicamentosas quanto aquelas que dizem respeito à mudança de hábitos): avaliar a possibilidade de simplificar os esquemas medicamentosos; informar melhor a respeito da importância da medicação no controle da pressão arterial, envolvendo os familiares. – Diminuir riscos ambientais/do domicílio. – Melhorar a capacidade locomotora, aumentando a independência do sr. João e estimulando-o a buscar atividades sociais de seu interesse. – Realizar ações de educação em saúde e autocuidado, visando aumentar a autonomia e quali- dade de vida e evitar as agudizações clínicas e hospitalizações. 5. Definir responsabilidades: – Médico responsável: revisar as necessidades clínicas de acompanhamento na Atenção Primária e Especializada. Após avaliação clínica, apontar quais outros cuidados e profissionais de Saúde precisam ser envolvidos para uma atenção integral. – Enfermeira e farmacêutica: reavaliar os esquemas de medicamentos em acordo com o médico. – Assistente social/gestor do caso: combinar com o sr. João e família: horários, lembretes e o familiar responsável pelas administrações; definir quem acompanhará o sr. João às consultas com os especialistas e como se darão os deslocamentos; estabelecer com a família uma readequação da casa para facilitar os deslocamentos no seu interior e evitar acidentes (retirada dos tapetes, colocação de corrimãos nas escadas de acesso, evitar chão molhado na cozinha); definir a periodicidade das visitas domiciliares pelo agente comunitário de Saúde. Assegurar-se de que as combinações estão sendo realizadas e, se não, quais as dificuldades em realizá-las. – Monitorar o cumprimento dos acordos feitos no plano conjunto e o alcance dos resultados, avaliando sua adequação e o surgimento de novas necessidades. Fonte: (SSC-GHC, 2013). Conclusão 53 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Referências CAVALCANTI, Ana Maria. Diabete Melito Tipo 2: diretriz de atenção à pessoa com Diabete Melito Tipo 2. Curitiba, PR: Secretaria Municipal da Saúde, 2010. CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA EM ATENÇÃO PRIMÁRIA (CEPAPS). Serviço de Saúde Comunitária. Grupo Hospitalar Conceição. Avaliação da Atenção à Saúde em Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Melito em Atenção Primária à Saúde. Projeto de pesquisa em andamento, resultados preliminares. 2012. No prelo. HART, J. T. The inverse care law. Lancet, [S.l.], v. 297, n. 7696, p. 405-412, feb. 1991. MENDES, E. V. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia Saúde da Família. Brasília: OPAS, 2012. SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA-GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO (SSC-GHC). Diretrizes para o planejamento 2013: orientações para a organização da assistência nas unidades de saúde do SSC e Centros de Apoio Psicossocial (CAPS). Porto Alegre, 2013. No prelo. STÜRMER, P. L.; BIANCHINI, I. Atenção às condições crônicas cardiovasculares: uma proposta de estratificação baseada nas necessidades das pessoas. 2012. No prelo. TAKEDA, S. M. P. Organização de serviços de APS. In: DUNCAN, Bruce Bartholow; SCHMIDT, Maria Inês; GIUGLIANI, Elsa (Orgs.). Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseada em evidências. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2013. ZURRO, M. Atención primária: conceptos, organización y practica clínica. 6. Ed, v. 1. Madrid: Elsevier, 2008. 56 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica de bronquite crônica e enfisema pulmonar, 25% dos casos de cardiopatia isquêmica e doença cerebrovascular (ACHUTTI et al., 2004), além de inúmeras outras condições (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA et al., 2010). O uso de qualquer produto derivado do tabaco, mesmo em doses baixas, está relacionado com o aumento do risco cardiovascular (TEO et al., 2006), sendo que a cessação do tabagismo reduz significativamente a incidência de doença coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência renal (CRITCHLEY; CAPEWELL, 2003) [GRADE C]. O tabagismo é considerado, pela OMS, a principal causa de morte evitável em todo o mundo. O tabaco é um fator de risco para seis das oito principais causas de morte no mundo (doença isquêmica do coração, AVC, infecção respiratória baixa, DPOC, tuberculose, câncer de pulmão, brônquios e traqueia) e mata uma pessoa a cada seis segundos (WHO, 2008). A mortalidade decorrente do tabagismo, nos adultos, já é maior que o somatório de óbitos por HIV, malária, tuberculose, alcoolismo, causas maternas, homicídios e suicídios combina- dos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA et al., 2010). A cessação do tabagismo nos jovens, especialmente antes dos 40 anos, está associada a um maior declínio de mortalidade prematura (JACKSON; RUBENFIRE, 2010) [Grau de Recomendação A]. Entretanto, o benefício de parar de fumar acontece mesmo após o desenvolvimento de doenças relacionadas ao cigarro, como doenças cardiovasculares (DCV) e DPOC (JACKSON; RUBENFIRE, 2010). Portanto, nunca é tarde para incentivar as pessoas a deixarem esse hábito. A cessação do tabagismo antes dos 50 anos, após 16 anos de abstinência, provoca redução de 50% no risco de morte por doenças relacionadas ao tabagismo. O risco de morte por câncer de pulmão sofre redução de 30% a 50% em ambos os sexos após 10 anos sem fumar (INCA, 2001). O tratamento do fumante está entre as intervenções médicas que apresentam a melhor relação custo-benefício, com custo inferior ao tratamento da HAS, da dislipidemia e do infarto (INCA, 2001). Cabe aos profissionais de Saúde, especialmente na Atenção Primária, promover ações de informação e de incentivo ao abandono do tabaco a todos os fumantes que utilizam esse serviço, que podem ser particularmente efetivas devido ao vínculo habitualmente estabelecido entre esses profissionais e os usuários. Pesquisas confirmam que abordagens rápidas, repetidas em cada consulta e que reforçam a necessidade de parar com o uso do tabaco aumentam significativamente as taxas de abstinência (FIORE et al., 2009) [Grau de Recomendação A]. 4.1.1 O tabagismo e a doença cardiovascular O tabagismo é considerado um dos maiores fatores de risco para as doenças cardiovasculares (DCV) e a maior causa de doença coronariana, tanto em homens quanto em mulheres, assim como já está bem estabelecida a sua correlação com a doença cerebrovascular. Aqueles que fumam mais de 20 cigarros por semana aumentam em cinco vezes o risco de morte súbita (FERREIRA et al., 2009). Além disso, o tabagismo é o mais importante fator de risco para a doença arterial periférica, e até o fumo passivo já foi identificado como fator notável para a doença coronariana (LION, 2009). Mulheres fumantes têm risco relativo maior de desenvolver doenças cardiovasculares do que os homens. Os motivos para essa diferença ainda não são conhecidos, mas poderiam ser devidos a um efeito adverso da fumaça do tabaco sobre o estrogênio. 57 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA O risco de doença coronariana aumenta com o número de cigarros fumados por dia, o número total de anos de fumo e a precocidade da idade em que se começou a fumar. E reduz, significativamente, nos primeiros dois anos após a cessação (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). Mulheres que fumam e usam anticoncepcionais orais têm até 10 vezes mais chance de ter infarto do miocárdio, embolia pulmonar e tromboflebite do que aquelas que não fumam (INCA, 2010), assim como o hábito de fumar está associado a um risco maior de acidente vascular isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral primária. Entretanto, a maioria dos estudos aponta para significativa redução na incidência de doença coronariana e AVC após a cessação do tabagismo (ACHUTTI et al., 2004) e o risco de um AVC após 5 a 15 anos de abstinência é o mesmo de quem nunca fumou (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). Além disso, o tabagismo é um importante preditor da progressão e severidade da aterosclerose da carótida em mulheres, e a abstinência do tabaco parece diminuir as taxas de progressão dessa doença. Da mesma forma, mulheres que fumam têm risco aumentado de aterosclerose vascular periférica, bem como de morte por ruptura de aneurisma de aorta abdominal, e a cessação do tabagismo está relacionada com melhora dos sintomas, melhor prognóstico e sobrevida (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). A doença cardiovascular é a causa de morte mais comum entre fumantes. Os efeitos do fumo de cigarros no início e na progressão da aterosclerose, assim como de suas complicações, são os maiores responsáveis pelo aumento do risco cardiovascular em fumantes (LION, 2009). Dessa forma, não fumar – ou parar com o tabagismo – é um dos pilares da prevenção cardiovascular (ACHUTTI et al., 2004). 4.1.2 O tabagismo e o diabetes mellitus Os efeitos prejudiciais do tabagismo nas complicações diabéticas, particularmente na nefropatia e na morbidade e mortalidade macrovascular, estão bem estabelecidos, mas há poucos estudos correlacionando o tabagismo como uma das causas do diabetes (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). Como o diabetes tipo 1 frequentemente ocorre em crianças e adolescentes, nos quais o tabagismo ainda não é tão usual, não existem estudos estabelecendo essa correlação (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). O tabagismo parece estar associado a processos metabólicos relacionados com o diabetes, incluindo a homeostase da glicose, hiperinsulinemia e resistência à insulina. Tanto em homens quanto em mulheres com tolerância à glicose normal foram encontrados níveis de hemoglobina A1c mais altos entre fumantes que em não fumantes. O grau de resistência à insulina parece estar diretamente relacionado com o número de cigarros fumados, embora o seu mecanismo ainda não esteja claro. O tabagismo pode afetar diretamente a secreção pancreática de insulina, ou a sua associação com os hormônios contrarreguladores (cortisol e catecolaminas) pode desempenhar este papel (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2001). Nas pessoas com diabetes, o tabagismo causa aumento no risco de doença macro e microvascular. O tabagismo é um fator de risco independente para a mortalidade por todas as causas (INCA, 2010) [Grau de Recomendação A]. Existe uma relação dose-resposta entre 58 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica a quantidade de cigarros consumidos e o risco de doença coronariana – risco relativo6 (RR) de 1,7 e 2,68 para mulheres que fumam até 14 e mais de 15 cigarros ao dia, respectivamente. O mesmo estudo também mostrou uma mortalidade em mulheres com diabetes com RR de 1,4 para aquelas que fumam até 14 cigarros ao dia; RR de 1,64 para as que fumam de 15 a 35 cigarros ao dia; e RR de 2,1 para as que consomem mais de 35 cigarros ao dia. O risco diminui drasticamente dez anos após a cessação do tabagismo (GUPTA; SINGH; GUPTA, 2004). O cigarro também aumenta as concentrações de colesterol total e LDL, diminui o HDL e aumenta a resistência à insulina. Os fumantes, por um mecanismo ainda desconhecido, apresentam maiores níveis glicêmicos. Os fumantes que têm diabetes apresentam risco au- mentado para neuropatia e doença renal em estágio terminal (INCA, 2010). 4.1.3 O tabagismo e a hipertensão arterial sistêmica Embora fumar seja um fator de risco para o desenvolvimento de DCV, o papel do tabagismo como fator de risco para HAS não está, ainda, bem definido (GUPTA; SINGH; GUPTA, 2004). No entanto, sabe-se que fumar um cigarro eleva momentaneamente a pressão arterial, podendo o seu efeito manter-se por até duas horas (GUPTA; SINGH; GUPTA, 2004). A incidência de hipertensão é maior entre mulheres que fumam mais de 15 cigarros por dia, e a concomitância de hipertensão e tabagismo diminui a função ventricular esquerda em pessoas assintomáticas (KAPLAN, 2010). Estudos mostram aumento de até 20 mmHg na pressão sistólica após o primeiro cigarro do dia. Além disso, o cigarro aumenta a resistência às drogas anti-hipertensivas, fazendo com que elas funcionem menos que o esperado (FERREIRA et al., 2009; CHOBANIAN, 2003). O tabagismo também aumenta o risco de complicações cardiovasculares secundárias em hipertensos e aumenta a progressão da insuficiência renal. Além disso, a cessação do tabagismo pode diminuir rapidamente o risco de doença coronariana entre 35% e 40% (FERREIRA et al., 2009). Sabe-se que os fatores de risco cardiovasculares habitualmente apresentam-se de forma agregada: a predisposição genética alia-se aos fatores ambientais em famílias cujo estilo de vida é pouco saudável. Dessa forma, entre as principais recomendações não medicamentosas para a prevenção primária da HAS está, além da alimentação saudável, da atividade física regular e da restrição de consumo de sódio e de álcool, o combate ao tabagismo (SBC, SBH, SBN, 2010). Todos esses achados reforçam que a cessação do tabagismo deveria ser um importante componente da estratégia para o controle da HAS (GUPTA; SINGH; GUPTA, 2004; BRITISH HYPERTENSION SOCIETY, 2006). 6RR = risco relativo. Indica a probabilidade do risco de adoecer entre grupos de expostos e não expostos a um determinado fator em estudo. No estudo em questão, mulheres que fumam mais de 15 cigarros ao dia possuem risco 2,68 vezes maior de desenvolver doença coronariana em relação às que não fumam. 61 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Em relação ao tempo de abordagem, conclui-se que uma abordagem intensiva de 90 minutos é o ideal. Não há evidências que mais tempo aumente substancialmente as taxas de cessação do tabagismo (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008; FIORE et al., 2009) [Grau de Recomendação A]. Quanto ao número de sessões, as evidências sugerem uma forte dose-resposta entre o número de sessões e a efetividade do tratamento, sendo o mínimo de quatro sessões para que se obtenha resultado satisfatório (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008; FIORE et al., 2009) [Grau de Recomendação A]. A abordagem cognitivo-comportamental, com a farmacoterapia, é o método mais eficaz para a cessação do tabagismo (INCA, 2001) [Grau de Recomendação D]. Estudos de meta-análise demonstraram que a combinação do aconselhamento com o uso de medicação é mais efetiva do que a utilização de um dos dois isoladamente (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008; FIORE et al., 2009) [Grau de Recomendação A]. Leia mais sobre a abordagem cognitivo-comportamental no Capítulo 5 – Abordagens para a mudança de comportamento e autocuidado apoiado no cuidado à pessoa com doença crônica7. A avaliação clínica individual é fundamental e deve ser realizada pelo médico. Tem como objetivo avaliar o grau de motivação, a presença de patologias crônicas, o uso de medicações e possíveis contraindicações ao tratamento medicamentoso, assim como verificar a presença de sinais ou sintomas de alerta para a presença de complicações causadas pelo cigarro como emagrecimento, falta de ar, lesões orais etc. 4.1.6 Tratamento medicamentoso Recomenda-se o tratamento farmacológico para todo fumante acima de 18 anos, com consumo maior do que dez cigarros/dia que deseje parar de fumar e não apresente contraindicações. O uso de fármacos aumenta de duas a três vezes a chance de sucesso de acordo com a medicação prescrita (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008) [Grau de Recomendação A]. Os medicamentos mais eficazes dividem-se em duas categorias: • nicotínicos: são medicamentos de primeira linha e incluem adesivo de nicotina, goma de mascar e pastilha. Devem ser utilizados somente após o paciente parar de fumar (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008) [Grau de Recomendação A]; • não nicotínicos: representados pela bupropiona (INCA, 2001; U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES, 2008). A monoterapia é suficiente para a maioria dos pacientes. Não havendo contraindicações clínicas, a escolha da medicação deve levar em conta a preferência do paciente. 7Para mais detalhamentos também da proposta cognitivo-comportamental, o passo a passo, consulte o site do Inca: <http://www1.inca.gov.br/tabagismo>. 62 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica 4.1.7 Recomendações As recomendações a seguir foram extraídas e adaptadas do National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), Brief interventions and referral for smoking cessation in primary care and other settings (NICE, 2006): • Todas as pessoas precisam ser questionadas sobre a sua situação tabágica (se fu- mam ou se convivem com fumante) em uma consulta de rotina com qualquer pro- fissional de Saúde (dentista, psicólogo, enfermeiro, médico etc.) e, caso fumem, devem ser aconselhadas a parar. • Se forem fumantes passivas, devem ser orientadas sobre os riscos. As evidências científicas mostram que não existe nível seguro de exposição à fumaça do tabaco e que adultos expostos ao tabagismo passivo têm efeitos adversos no sistema cardio- vascular, apresentando prevalência aumentada de doença coronariana e também câncer de pulmão. • As pessoas que fumam devem ser questionadas sobre “como” gostariam de parar (qual o método); as orientações para parar de fumar devem ser sensíveis às prefe- rências, necessidades e circunstâncias das pessoas. • Todos os profissionais que atuam nas Unidades Básicas de Saúde devem aconselhar a todos os fumantes a pararem de fumar quando em um atendimento de rotina e, se necessário, encaminhá-los para o grupo de apoio à cessação do tabagismo. • A situação tabágica do fumante que não “está pronto” para parar precisa ser rea- valiada, anualmente, nas consultas de rotina. Em breve, haverá um Caderno de Atenção Básica específico sobre a abordagem da pessoa tabagista. Fique atento ao site do DAB, na parte de publicações. 4.2 Uso abusivo do álcool A exposição ao álcool também tem início precoce no Brasil: em pesquisa com alunos da 8ª série (14 anos em média) de escolas públicas e privadas das capitais brasileiras, 71% já haviam experimentado álcool e 27% o haviam consumido nos últimos 30 dias. Aproxima- damente 25% já haviam se embriagado pelo menos uma vez na vida. O problema vem se agravando, com um crescimento acentuado em mulheres, estimando-se que 25% dos adul- tos tenham, pelo menos uma vez na vida, problemas sociais, físicos, ocupacionais, familiares ou legais relacionados ao uso de álcool. As estimativas de dependência variam de 9% a 12% da população adulta. A relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e o risco para doenças crônicas não está esclarecida para baixos níveis de consumo. A partir do consumo diário médio de 30 g de etanol, quantia contida em duas doses de destilados, em duas latas de cerveja ou em dois copos de vinho, há definido e exponencial aumento da pressão arterial em homens. Para 63 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA as mulheres, a quantidade de etanol que provoca aumento exponencial da pressão arterial corresponde à cerca da metade daquela observada para os homens (MOREIRA et al., 1998). Em pessoas que já apresentam HAS, o consumo excessivo de álcool pode dificultar o controle da doença. A diminuição do consumo de álcool reduz discretamente a pressão arterial em 3,3 mmHg (IC95%: 2,5 – 4,1 mmHg) para pressão sistólica e 2,0 mmHg (IC95%: 1,5 – 2,6 mmHg) para diastólica (NICE, 2011; XIN et al., 2001). Pessoas com doenças crônicas, incluindo o diabetes, podem tomar álcool com modera- ção como parte de um estilo de vida saudável. O consumo deve ser dentro dos limites esta- belecidos para pessoas sem doenças, ou seja, menos de 210 g/semana para homens e menos de 140 g/semana para mulheres (HOWARD; ARNSTEN; GOUREVITCH, 2004). O abuso de álcool pode trazer prejuízos aos tratamentos das doenças crônicas. Além dos efeitos da bebida em si, usuários que abusam de álcool costumam ter dificuldade para uso regular das medicações, fato estimulado pela crença de que após o consumo de álcool não se deve fazer uso delas. Na elaboração de planos de cuidados desses usuários, o uso adequado das medicações deve ser enfatizado, esclarecendo as dúvidas e os reais riscos à saúde do uso e do não uso das medicações. Importante ressaltar que episódios de consumo excessivo de álcool podem levar a descompensações agudas das doenças crônicas, sendo fundamental avaliar nesses casos a pressão arterial e a glicemia desses usuários, pois podem ocorrer alterações significativas que necessitam de intervenções clínicas. Estratégias de prevenção e controle do uso excessivo do álcool podem ser desenvolvidas no âmbito da Atenção Básica. Existem evidências de que o rastreamento oportunístico e as intervenções breves na Atenção Primária à Saúde são efetivos e custo/efetivos em pessoas sem dependência severa (MENDES, 2012). Saiba mais sobre alcoolismo e intervenções breves em: Cadernos de Atenção Básica, nº 34 – Saúde Mental, disponível em: <http://dab.saude.gov.br/ portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes>; e Curso de educação a distância Supera (Sistema para detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento), disponível em: <http://www.supera.senad.gov.br/ > 4.3 Alimentação saudável O estilo de vida é claramente um dos maiores responsáveis pela morbidade e pela alta prevalência das doenças crônicas. Entre os aspectos associados estão, principalmente, os hábitos e as atitudes que contribuem para o aumento do sobrepeso corporal, especialmente associado ao aumento da obesidade visceral, alto consumo energético e excesso ou deficiência de nutrientes associados ao padrão alimentar baseado em alimentos industrializados (BRASIL, 2001; CANAAN et al., 2006). 66 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica • Para indivíduos com diabetes, as frutas podem influenciar negativamente no controle glicêmico (ADA, 2010). Sua quantidade diária e porção por refeição devem ser observadas. 4. Coma feijão com arroz todos os dias ou, pelo menos, cinco vezes por semana. Esse prato bra- sileiro é uma combinação completa de proteínas e bom para a saúde. • Os feijões, assim como a lentilha e a ervilha, são leguminosos. Ricos em proteína, car- boidrato do tipo complexo, fibra solúvel e ferro (DUTRA-DE-OLIVEIRA; MARCHINI, 1998, UNICAMP, 2004). • O estímulo a essa combinação, além de proporcionar fibras e ferro, garante que os indiví- duos façam refeições mais balanceadas com alimentos básicos em vez da substituição por refeições prontas ou fast food. 5. Consuma diariamente três porções* de leite e derivados e uma porção de carnes, aves, peixes ou ovos. Retirar a gordura aparente das carnes e a pele das aves antes da preparação torna esses alimentos mais saudáveis. • O consumo de alimentos de fonte animal deve ser restrito em função da quantidade de gordura do tipo saturada e de colesterol presente neles. • O consumo de ovos pode ser feito por todos, de preferência em substituição às carnes, peixes ou aves. • O leite pode auxiliar na manutenção do peso corporal. Para adultos, sempre recomendar o consumo de leites com quantidade de gordura reduzida (desnatado ou semidesnatado). • O consumo de carne vermelha não pode ser superior a duas vezes por semana. O consumo de peixes precisa ser incentivado (SBD, 2003). • Orientar sobre a maneira de preparo das carnes, aves, peixes e ovos. Sempre optar por pre- parações cozidas ou assadas. Evitar o consumo desses alimentos preparados como fritura e sempre retirar a gordura aparente e a pele. 6. Consuma, no máximo, uma porção* por dia de óleos vegetais, azeite, manteiga ou marga- rina. Fique atento aos rótulos dos alimentos e escolha aqueles com menores quantidades de gorduras trans. • A redução do consumo de gordura saturada e o aumento do consumo de gorduras insatu- radas melhoram o perfil lipídico (UNICAMP, 2004; SBEM; SBN, 2005; SBC, 2007). • O consumo excessivo de gorduras é uma das causas do aumento do ganho de peso entre adultos e crianças. • Uma família de quatro pessoas deve consumir, no máximo, uma lata de óleo por mês. Essa quantidade deve ser reduzida se a maior parte dos membros da família fizer as refeições fora de casa (BRASIL, 2006). • O consumo de gordura hidrogenada trans deve ser minimizado (SBEM; SBN, 2005; SBC, 2007; ADA, 2010). Continuação Continua 67 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA 7. Evite refrigerantes e sucos industrializados, bolos, biscoitos doces e recheados, sobremesas e outras guloseimas como regra da alimentação. • Os produtos alimentícios altamente processados são ricos em açúcar, gorduras e sódio e o seu consumo deve ser restringido ao máximo, em pequenas porções, não compondo a dieta habitual. • Ricos em carboidratos simples (principalmente açúcar e farinha refinada) e com elevada carga glicêmica, esses produtos devem ter seu consumo restringido ou até suspenso depen- dendo do controle glicêmico. • Para pessoas com hipertensão arterial sistêmica, alertar quanto à alta concentração de só- dio presente nesses alimentos e bebidas, incluindo aqueles denominados como light/diet. • Orientar quanto à importância da leitura e interpretação da informação nutricional e da lista de ingredientes nos rótulos dos alimentos. 8. Diminua a quantidade de sal na comida e retire o saleiro da mesa. Evite consumir alimentos industrializados com muito sal (sódio), como hambúrguer, charque, salsicha, linguiça, presunto, salgadinhos, conservas de vegetais, sopas, molhos e temperos prontos. • Redução do consumo de sal e dos alimentos ricos em sódio, mesmo para quem não é hiper- tenso, pois estudos apontam que o brasileiro, assim como boa parte da população mundial, consome o dobro da quantidade máxima de sal recomendada (SBC; SBH; SBN, 2010; CENTER OF DISEASE CONTROL, 2010). • A OMS recomenda que a quantidade de sódio ingerida seja inferior a 2.000 mg por dia, lem- brando que esse é o limite de consumo, e não a média, e que os hipertensos devem sempre consumir abaixo desse valor. 9. Beba pelo menos dois litros (seis a oito copos) de água por dia. Dê preferência ao consumo de água nos intervalos entre as refeições. • Orientar com relação ao consumo de água pura. Alguns indivíduos não cultivam esse há- bito, além da substituição do consumo por outros líquidos que geralmente são fontes de calorias, açúcar e sódio. 10. Torne sua vida mais saudável. Pratique, pelo menos, 30 minutos de atividade física todos os dias e evite as bebidas alcoólicas e o fumo. Mantenha o peso dentro de limites saudáveis. • A atividade física auxilia nos níveis pressóricos, glicêmicos e na manutenção do peso corporal. • O álcool, quando consumido em grande quantidade e frequência, é deletério tanto para pessoas com diabetes como para pessoas com hipertensão, além de interferir na manuten- ção do peso corporal. • Orientar que não há níveis seguros para consumo de tabaco e outras formas de fumo e que esse hábito precisa ser cessado por todos. Fonte: (BRASIL, 2006, adaptado). *No Guia Alimentar para a População Brasileira, as porções estão descritas, em tabelas anexas, para todos os grupos de alimentos, bem como a lista de substituições. No Cadernos de Atenção Básica nº 38 – Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica Obesidade, estão expostas técnicas e abordagens para o manejo de indivíduos que necessitem reduzir ou controlar o peso. Conclusão 68 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica A versão de bolso do Guia Alimentar para a População Brasileira está disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_alimentacao_saudavel.pdf> 4.3.2 Abordagem nutricional para adultos Como vimos, as modificações na alimentação são reconhecidas como um potencial para a perda de peso, o controle glicêmico e a redução do risco para doenças cardiovasculares (COPPELL et al., 2010). São objetivos da intervenção nutricional (ADA, 2007; ADA, 2010): • atender às necessidades nutricionais; • perder peso nos casos de sobrepeso e obesidade; • melhorar o controle glicêmico; • melhorar o perfil lipídico; • manter a pressão arterial em níveis adequados; • manter o prazer da alimentação, restringindo os alimentos indicados com base nas evidências; • prevenir e/ou retardar os agravos; • melhorar a saúde e o bem-estar geral. Os médicos e os enfermeiros das equipes de Atenção Básica realizam grande parte do acompanhamento das pessoas com doenças crônicas. Por isso, é fundamental que esses profissionais estejam preparados para identificar os fatores de risco relacionados com a alimentação e que saibam realizar orientações sobre alimentação saudável para um adequado controle metabólico e prevenção das complicações. As recomendações específicas para médicos e enfermeiros realizarem a abordagem nutricional para cada doença crônica serão apresentadas em cada caderno desta Coleção na forma de fluxograma. Na estrutura de cada fluxograma, serão apresentadas as etapas envolvidas no fluxo de cuidado do usuário com a doença crônica. 4.3.3 Pessoa com doença crônica na consulta médica ou de enfermagem Durante a consulta médica ou de enfermagem, todas as pessoas com diagnóstico re- cente ou em tratamento de doenças crônicas serão submetidas ao exame físico, à avaliação antropométrica para o diagnóstico do estado nutricional e à breve anamnese dos hábitos alimentares. Conhecer os hábitos de vida e o padrão alimentar pessoal e familiar é funda- mental para identificar os fatores que possam contribuir ou prejudicar o controle meta- bólico ou que possam, ao longo do tempo, agravar as doenças. Nesse acompanhamento, é necessário promover educação em Saúde com enfoque nos hábitos alimentares que, na maioria dos casos, se modificados, têm potencial para evitar e/ou retardar as complicações das doenças crônicas. 71 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA 4.3.4.1 Diagnóstico de obesidade, sobrepeso ou CA aumentada? A perda de peso é indicada para todas as pessoas com excesso de peso. A meta deve ser o peso saudável com IMC abaixo de 24,9 kg/m2, mas a redução de 7% do peso corporal mostra-se capaz de diminuir a resistência à insulina [Grau de Recomendação A] (SBD, 2003; SBEM, SBN, 2005; ADA, 2010). Além da perda de peso, a diminuição da gordura central com modificação no perfil de gordura corporal precisa ser objetivada (SBEM; SBN, 2005). O acúmulo de gordura na região do abdômen está relacionado ao maior risco para doença cardiovascular (SBC, 2007; SANTOS et al., 2009). A perda de peso acelerada não é indicada porque provoca a perda de massa magra e de líquidos, dificultando ainda mais o emagrecimento e influenciando negativamente o metabolismo (BRASIL, 2006; 2008). 4.3.5 Orientação nutricional A orientação alimentar é uma ferramenta útil tanto para a promoção de hábitos alimentares saudáveis quanto para a manutenção do peso desejável e um padrão alimentar adequado. As orientações precisam ser pautadas na incorporação de uma alimentação saudável, culturalmente aceitável e dentro das possibilidades financeiras dos indivíduos e seus hábitos culturais, além do resgate e reforço de práticas desejáveis. A atenção aos aspectos socioeconômicos, culturais, familiares e à motivação para mudanças no estilo de vida é fundamental para adesão à orientação (BRASIL, 2006). Ao orientar mudanças no consumo de alimentos com vistas à alimentação saudável, o profissional de saúde tem o desafio de transcender os seus valores e preferências pessoais e de respeitar a singularidade e as preferências de cada indivíduo, sem fazer juízo de valor. De modo geral, a Estratégia Global para Alimentação Saudável e Atividade Física (OPAS/OMS) traz as seguintes recomendações específicas sobre a alimentação, que podem ser orientadas aos usuários [Grau de Recomendação D] (OMS, 2003): • manter o equilíbrio energético e o peso saudável; • limitar a ingestão energética procedente de gorduras; substituir as gorduras satu- radas por insaturadas e eliminar as gorduras trans (hidrogenadas); • aumentar o consumo de frutas, legumes, verduras, cereais integrais e legumino- sas (feijões); • limitar a ingestão de açúcar livre; • limitar a ingestão de sal (sódio) de toda procedência. As orientações contidas no Guia Alimentar podem facilitar essa abordagem. Para tan- to, é importante conhecer e saber utilizar os Dez Passos para uma Alimentação Saudável, apresentados no início deste capítulo e adaptados com orientações específicas para cada condição crônica. Além disso, por serem extensas, não é possível, nem didático, realizar todas as recomendações em uma única consulta. O profissional precisa estar atento às re- comendações de maior impacto, considerando a situação clínica, os hábitos alimentares e a motivação do usuário, priorizando e/ou enfatizando as orientações de forma estratégica, 72 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica seguindo um plano terapêutico durante o acompanhamento em consultas individuais ou em grupos. O papel do profissional não é somente de repassar as informações, mas de estimular a problematização, fazendo com que o paciente se torne sujeito da ação, promovendo autonomia e autocuidado. Para isso, é importante que as metas sejam pactuadas, de comum acordo, entendendo que cada indivíduo apresenta diferentes barreiras à mudança de comportamentos e que metas fáceis para alguns podem ser desafiadoras para outros. 4.3.5.1 Consumo energético O consumo energético excessivo, independentemente da obesidade, está associado à hiperinsulinemia, à elevação dos níveis pressóricos e a um maior depósito de gorduras. A adequação do consumo energético, visando à redução do peso, se necessária, deve integrar os objetivos do tratamento nutricional [Grau de Recomendação A] (BRASIL, 2006; SAVICA; BELLINGHIERI; KOPPLE, 2010; SBEM, 2006). A redução do valor energético total (VET) diário é indicada (SANTOS et al., 2009; ADA, 2010; WHO, 2000; BRASIL, 2006), porém não deverá ser severa para não haver perda de massa magra (músculos e líquidos) (BRASIL, 2006). A distribuição dos macronutrientes (car- boidratos, proteína e lipídios), por não ter consenso na literatura, dependerá da situação de cada indivíduo (ADA, 2010; BRASIL, 2006; NIELD et al., 2008; ANDERSON et al., 2004)8. 4.3.5.2 Carboidrato (CHO) Há controvérsias na literatura quanto à proporção de CHO da dieta. A recomendação diária é de 50% a 60% do VET, idêntica à da população em geral (ANDERSON et al., 2004). Não são recomendadas dietas low carb, isto é, com menos de 130 g de carboidratos/dia, devido à falta de evidências científicas que garantam sua segurança e eficácia, além do impacto na função renal, perfil lipídico, risco de hipoglicemia e do seu efeito ter sido demonstrado apenas em curto prazo [Grau de Recomendação A] (ADA, 2007; SANTOS et al., 2009; ADA, 2010; ANDERSON et al., 2004). Questões específicas relacionadas ao consumo deste nutriente, especialmente para as pessoas com diabetes, são abordadas em Cadernos de Atenção Básica nº 36 - Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica - Diabetes Mellitus. 4.3.5.3 Fibras São carboidratos complexos presentes nas plantas e resistentes à digestão (SBC, 2007; COZZOLINO, 2007). São classificadas de acordo com sua solubilidade: solúveis (pectina nas frutas e gomas na aveia, cevada e leguminosas) e insolúveis (hemicelulose nos grãos e lignina nas hortaliças). O consumo de fibras solúveis está associado à melhoria do controle 8Para conhecer mais sobre o cálculo do VET, consulte Cadernos de Atenção Básica, n° 38 – Obesidade. 73 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA glicêmico [Grau de Recomendação A] (BRASIL, 2001; SBEM; SBN, 2005; ANDERSON et al., 2004; ANISHA et al., 2000; RODRIGUES SILVA et al., 2005) e à diminuição da concentração de lipídios no plasma em pessoa com diabetes do tipo 2 [Grau de Recomendação B] (SANTOS et al., 2009; ADA, 2010; SBC, 2007; ANDERSON et al., 2004; THOMAS; ELLIOTT; BAUR, 2008). As fibras insolúveis promovem retardamento do esvaziamento gástrico, o que prolonga a saciedade e produz efeito positivo na redução da ingestão calórica (SBS, 2007; ANDERSON et al., 2004; ANISHA et al., 2000). A recomendação diária de fibra é de 25 g para mulheres e de 38 g para homens ou 14 g a cada 1.000 kcal da dieta [Grau de Recomendação B] (ADA, 2013), a mesma da população em geral. O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis, portanto seu consumo deve ser estimulado. As fibras alimentares também estão relacionadas à melhoria do trânsi- to intestinal; porém seu consumo não pode exceder à recomendação, pois a fibra interfere na biodisponibilidade de minerais (ANDERSON et al., 2004). Quadro 13 – Quantidade média de fibra nos alimentos Porção do alimento Quantidade média de fibra Maçã com casca 3 g Banana 2 g Laranja média 3 g 1/2 xícara de brócolis 2 g Cenoura média 2 g Tomate médio 2 g 1 xícara de alface 1 g 1 fatia de pão integral 2 g 1/2 xícara de arroz integral 2 g Fonte: (BRASIL, 2006). 4.3.5.4 Proteína A recomendação da ingestão proteica diária para pessoas com doença crônica (sobre- peso ou obesidade, diabetes ou hipertensão) é a mesma utilizada para a população em geral, ou seja: 0,8 g/kg de peso para mulheres e 1 g/kg de peso para homens (BRASIL, 2006). 4.3.5.5 Gordura As gorduras totais deverão representar menos de 30% do VET, idêntico ao recomendado para a população em geral [Grau de Recomendação D] (BRASIL, 2006; ADA, 2010). Os ácidos graxos saturados (AGS), relacionados à disfunção endotelial, ao efeito coagulante e ao aumento da resistência à insulina, deverão corresponder, no máximo, a 10% do VET e, nos casos em que o LDL-c esteja acima de 100 mg/dl, abaixo de 7% do VET [Grau de Recomendação A] (SBD, 2005; ADA, 2010; SBEM; SBN, 2005). Portanto, devem ser evitados os alimentos ricos em AGS, como carnes gordas, embutidos, laticínios integrais, frituras, gordura de coco, molhos, cremes e doces ricos em gordura e alimentos refogados 76 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica O acompanhamento do processo de mudança nos hábitos alimentares para o controle adequado do peso, da glicemia e da pressão arterial deverá ser realizado até o momento em que a pessoa alcança a meta final pactuada. Esse processo de acompanhamento poderá ocorrer em consultas individuais, coletivas ou em grupos operativos, de acordo com a reali- dade do serviço de Saúde e das necessidades da pessoa. A incorporação e a consolidação dos novos hábitos alimentares no dia a dia não ocor- rem rapidamente e, mesmo após a obtenção da meta final pactuada, é importante que esse aspecto do tratamento seja observado durante o processo de acompanhamento clínico da pessoa com doença crônica, ao longo do tempo, pela equipe de Saúde. Se a pessoa com doença crônica está seguindo as orientações e apresenta resultados satisfatórios quanto ao controle metabólico, perfil lipídico, perda de peso e mudança no padrão alimentar, é importante pactuar novas metas, se necessário, ou reforçar os pactos realizados sobre metas e prazos a cada consulta, reforçar as orientações e ajudá-la em suas dificuldades, utilizando os recursos das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Se ela não estiver aderindo ao tratamento e continuar apresentando hábitos alimentares que comprometem o controle metabólico e/ou de outras complicações, solicitar apoio matricial da nutrição ou encaminhar para um nutricionista em um serviço de referência/especializado. Nesse caso, é importante que a atuação da equipe multiprofissional seja feita de forma compartilhada e que os fluxos desse acompanhamento sejam pactuados entre os serviços envolvidos, refor- çando a coesão da Rede de Atenção à Saúde e fortalecendo as ações mútuas de apoio ao autocuidado. Ainda, o conhecimento que um serviço possui sobre as ações e funcionamento do outro e vice-versa pode contribuir nessa coesão da Atenção à Saúde. 4.3.6 Apoio do nutricionista ou de outro profissional da UBS e/ou do Nasf Atualmente as equipes de Saúde da AB contam, na sua maioria, com o apoio matricial dos nutricionistas, por meio dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), que fornecem suporte assistencial, técnico e pedagógico para os profissionais nas UBS, contribuindo com o planejamento e a organização das ações de cuidado nutricional local, visando qualificar os serviços e melhorar a sua resolubilidade, atuando de forma efetiva sobre os determinantes dos agravos e problemas alimentares e nutricionais que acometem a população daquele território (BRASIL, 2009). As UBS que possuem nutricionistas no Nasf podem solicitar apoio matricial para discussão de como conduzir o caso, dependendo da situação identificada. Se não houver nutricionista no Nasf, encaminhar a pessoa com doença crônica para um serviço de referência com nutricionista para consulta de avaliação e acompanhamento compartilhado. A solicitação do apoio matricial do nutricionista poderá ser feita para a discussão de caso, de consultoria, de educação permanente ou de participação em grupos. É importante lembrar que o profissional que solicitou o matriciamento ou encaminhou a pessoa para consulta em um serviço de referência precisa deixar previamente agendado um espaço para o seu retorno. Recomenda-se, nesse momento, retomar os objetivos e as metas do acompanhamento e repactuação destes de acordo com as orientações realizadas pelo nutricionista. As orientações e o acompanhamento realizados por um nutricionista produzem resultados satisfatórios na perda e na manutenção do peso saudável dos usuários, sem o 77 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA comprometimento da sua saúde e do estado nutricional, aspectos que ficam mais difíceis e limitados quando ocorre a realização de “dietas da moda” (ADA, 2007; BRASIL, 2006). Dietas radicais são insustentáveis em longo prazo; em geral, podem causar o abandono do tratamento e, por isso, devem ser desencorajadas (BRASIL, 2006; SAVICA; BELLINGHIERI; KOPPLE, 2010; SBEM, 2006). Um plano alimentar personalizado, construído de acordo com a idade, sexo, estado metabólico e nutricional, situação biológica, atividade física, doenças intercorrentes, hábitos socioculturais, situação econômica e disponibilidade dos alimentos em sua região (BRASIL, 2001; 2006; 2008), com necessidades calculadas individualmente, deve ser elaborado em conjunto com o usuário e, se possível, com a participação dos familiares e/ou cuidadores (BRASIL, 2006; 2008). 4.4 Atividade física e práticas corporais O movimento corporal é uma necessidade inerente ao ser humano. É utilizado como forma de expressão, de trabalho, de lazer e é imbuído de significado e de valores culturais. As necessidades e os usos do movimento corporal transformaram-se ao longo da história, influenciados pela capacidade de desenvolver ferramentas, pelo modelo produtivo, pelas relações de trabalho e pelos significados atribuídos às práticas corporais, como lazer, arte, esportes, lutas, aptidão física e saúde. Essas transformações trouxeram mudanças no estilo de vida das populações, alterando significativamente o perfil alimentar e o nível de atividade física de forma global. As mudanças no estilo de vida trouxeram modificações no perfil epidemiológico da po- pulação, no qual as doenças crônicas passaram a estar entre as principais causas de morte. Os níveis de sedentarismo vêm crescendo em muitos países, trazendo um impacto na prevalência de doenças e agravos não transmissíveis e no estado geral de saúde da população mundial. Pessoas com níveis insuficientes de atividade física possuem de 20% a 30% maior risco de morte por qualquer causa, contabilizando um total de mortalidade próximo a 3,2 milhões de pessoas a cada ano. Os inativos ou sedentários possuem ainda risco 30% a 50% maior de desenvolver HAS. O sedentarismo é estimado como a principal causa de 21% a 25% de câncer de mama e de colo, 27% de diabetes e 30% de doenças isquêmicas do coração (WHO, 2010). Nesse sentido, a atividade física regular está associada à diminuição do risco de desenvolver condições crônicas como diabetes, hipertensão arterial, câncer de colo e retal (MENDES, 2012), câncer de mama e depressão. Com isso, a adoção de um estilo de vida ativo, com hábitos mais saudáveis, é considerada prevenção primária para as doenças crônicas e contribui para o controle de diversas doenças. Os efeitos positivos no metabolismo de lipídios e da glicose, na pressão arterial, na densidade óssea, na produção de hormônios e antioxidantes, no trânsito intestinal e nas funções psicológicas sugerem ser os principais mecanismos pelos quais a atividade física protege os indivíduos contra as doenças crônicas (PEDERSON; SALTIN, 2006). 78 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica No Brasil, no final da década de 1990, apenas 3,3% dos adultos brasileiros relataram nível mínimo de atividade física recomendada (MONTEIRO, 2003). Segundo o inquérito te- lefônico Vigitel, em 2011, 30,3% dos entrevistados referiram à prática de atividades físicas na quantidade recomendada e 17% foram considerados fisicamente ativos no deslocamen- to, por realizar deslocamentos de pelo menos 30 minutos diários a pé ou de bicicleta. Foram considerados inativos 14% dos entrevistados e 27,1% referiram o hábito de assistir à televi- são três ou mais horas por dia (BRASIL, 2012). Entre os adolescentes, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares (PeNSE), 43,1% dos alunos avaliados foram considerados suficientemente ativos (pelo menos 300 minutos de atividade física acumulada nos últimos sete dias), no entanto, 79,5% gastam mais de duas horas por dia em frente à televisão (BRASIL, 2011). No intuito de enfrentar o quadro crescente de morbimortalidade, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu uma estratégia de ampliação da alimentação saudável, níveis de atividade física e redução do uso de tabaco. Como parte dessa estratégia, a Recomendação Global de Atividade Física para Saúde é um instrumento orientativo para os Estados-membros terem parâmetros e adotarem estratégias de estímulo à atividade física. 4.4.1 Atividade física, exercício físico, aptidão física e práticas corporais O campo de estudo sobre o movimento corporal possui diversas vertentes como arte, educação, saúde, entre outras. Mas os estudos americanos sobre o treinamento militar e os dados epidemiológicos sobre as doenças crônicas influenciaram a visão e o enfoque dado ao movimento corporal, impactando diretamente na conceituação e nas estratégias de prevenção das doenças crônicas, de forma que essas outras vertentes são menos conhecidas. Um dos conceitos mais utilizados para o movimento corporal é o de atividade física, definido como “movimento corporal que produz gastos de energia acima dos níveis de repouso” (BRASIL, 2012). Essa definição considera os movimentos corporais apenas no sentido de gasto de energia, desconsiderando o contexto em que se realizam e os signifi- cados atribuídos a ele. Outro conceito importante é o de exercício físico, que pode ser entendido como “toda atividade física planejada, estruturada e repetitiva que tem por objetivo a melhoria e a manutenção de um ou mais componentes da aptidão física.” Esta vertente de estudo sobre o movimento corporal foi influenciada pela sistematização voltada ao treinamento militar e ao de atletas, com o intuito de ampliar o desempenho destes, conforme já apre- sentado. Os “programas” de exercício físico foram introduzidos nas escolas e em outros espaços para a preparação da população para o serviço militar e, aos poucos, estes se vol- taram para a manutenção da saúde geral da população (BRASIL, 2012). O conceito de aptidão física varia de acordo com o contexto utilizado: no esporte, na educação e na saúde. De forma geral, podemos entender que corresponde a 81 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA a) Resistência aeróbica Um dos componentes da aptidão física mais estudados é a resistência aeróbica, que consiste na capacidade de realizar esforço utilizando como principal fonte de energia o me- tabolismo aeróbico. Uma maior resistência no indivíduo significa que ele consegue realizar um esforço de maior intensidade sem “acionar” o metabolismo anaeróbico. Por exemplo, quando se realiza um esforço de intensidade mantido por mais de 20 minutos na mesma intensidade, como em uma corrida mais longa ou em andar de bicicleta, o indivíduo utiliza prioritariamente o metabolismo aeróbico. Quanto maior a intensidade do esforço, a parti- cipação anaeróbica aumenta até se tornar a principal fonte de energia (limiar anaeróbico). Como em uma corrida de cem metros, que dura poucos segundos, mas requer esforço de alta intensidade. As adaptações crônicas advindas da prática regular de atividade aeróbica incluem fortalecimento do músculo cardíaco, aumento da câmara do ventrículo esquerdo; diminuição da frequência cardíaca de repouso, com aumento do volume de ejeção; aumento do número e do tamanho das mitocôndrias (responsáveis pelo metabolismo aeróbico); e aumento do número de capilares, melhorando a vascularização dos músculos envolvidos no esforço. Essas características são apontadas como um dos principais fatores de proteção à saúde. São exemplos de atividade aeróbica: natação, andar de bicicleta, caminhada, corrida, dança, entre outros. De forma geral, as atividades esportivas de competição desenvolvem a resistência aeróbica, porém exigem um conjunto de esforços repetitivos de alta intensidade que dependem da resistência anaeróbica. Orientações: O controle da intensidade da atividade realizada é importante para que o usuário não realize esforços acima ou abaixo do desejado. Dessa forma, mantêm-se os objetivos estabe- lecidos e evitam-se riscos. Existem formas de avaliar a intensidade da atividade física/práticas corporais. As mais comuns envolvem a percepção do esforço e o acompanhamento da frequência cardíaca, a qual pode ser avaliada com uso de frequencímetro, caso o usuário disponha dele. A Escala Subjetiva de Percepção de Esforço (Borg – adaptada) pode ser uma ferramenta de controle da intensidade da atividade e de acompanhamento do usuário (VIVACQUA; HESPANHA, 1992). 82 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica Figura 5 – A Escala Subjetiva de Percepção de Esforço (Borg – adaptada) ESCALA PERCEPÇÃO 0 Descanso 1 Demasiado Leve 2 Muito Leve 3 Leve 4 5 Moderado 6 7 Intenso 8 9 Muito Intenso 10 Muito, Muito Intenso Fonte: (VIVACQUA; HESPANHA, 1992, adaptada). O usuário precisa ser orientado a quantificar o esforço que realiza durante uma ativida- de, a partir do uso da escala de 0 a 10 que permita a avaliação dessa percepção de esforço. Ainda, precisa ser orientado a manter o esforço dentro da faixa desejada. De forma geral, em atividades leves, é possível falar e conversar normalmente; em atividades moderadas, é possível falar com pausas e está pouco ofegante; e, em atividades intensas, a pessoa não consegue manter uma conversa ou está muito ofegante. Quando for possível o acompanhamento pela frequência cardíaca (FC), deve-se calcular a frequência cardíaca máxima e a frequência de repouso. A partir daí, é possível o cálculo da faixa percentual da frequência cardíaca a ser mantida durante o exercício. Homens – FC máxima = 220 - idade Mulheres – FC máxima = 226 - idade Cálculo para a FC de exercício: FC exercício = (FC máxima – FC repouso) x % desejado p/ intensidade do exercício + FC repouso Nota: A FC de repouso é medida após 5 minutos de repouso deitado. Assim, a intensidade do exercício é classificada considerando-se as seguintes faixas per- centuais: • abaixo de 50%: intensidade leve; • 50% a 80%: intensidade moderada; • acima de 80%: intenso ou vigoroso. 83 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA A FC de exercício, máxima ou de repouso não pode ser utilizada como parâmetro para indivíduos em uso de betabloqueadores e/ou inibidores de canais de cálcio não di-idropiridínicos. Indivíduos com cardiopatias como angina de esforço, insuficiência cardíaca, entre outras, podem necessitar de avaliações mais precisas, que requerem a realização de teste ergométrico, no qual são avaliadas as limitações de intensidade de esforço a que o usuário pode se submeter. A partir dessa avaliação, é possível orientá-lo sobre o grau de esforço que pode realizar, bem como adequar as atividades realizadas, buscando alternativas e hábitos saudáveis. b) Resistência anaeróbica Esse componente está ligado à capacidade de suportar, em um tempo, um esforço que utilize prioritariamente o componente anaeróbico, normalmente associado a esforços de alta intensidade. A resistência anaeróbica sofre adaptações, principalmente em atividades com valores acima de 8 na Escala Subjetiva de Esforço ou, ainda, em atividades com FC máxima de 80%. As atividades físicas/práticas corporais de alta intensidade precisam ser orientadas para que sejam realizadas com cautela, em virtude dos potenciais riscos de lesões que podem provocar. De modo geral, podem ser realizadas por pessoas com histórico de atividade física/ prática corporal, sendo aconselháveis a orientação e a avaliação de profissionais de apoio, principalmente para pessoas com maior risco cardiovascular. c) Força A força é um componente que envolve a capacidade de realizar um esforço e normal- mente é avaliada a partir de uma carga externa. Pode ser definida como força ou tensão a situação que um grupo muscular consegue exercer contra uma resistência. Esse é um componente importante para a saúde quando se considera a capacidade de autonomia dos indivíduos, principalmente em idosos. Esse grupo populacional apresenta redução da massa muscular causada, entre outros fatores, pela diminuição nos níveis de testosterona. Perdem força a ponto de limitar as capacidades de realizar atividades de vida diárias e de manter a postura corporal. Adaptações: A força é influenciada, principalmente, por dois componentes, um neural e outro mor- fológico. O componente neural depende da ativação neural de um conjunto de fibras mus- culares de forma coordenada. O segundo componente depende da secção transversal do músculo, ou seja, da quantidade de massa muscular que o usuário possui e que está envol- vida no movimento. 86 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção a Saúde | Departamento de Atenção Básica de intensidade moderada a vigorosa diariamente, nas quais volumes maiores podem trazer benefícios adicionais. Recomenda-se que a maior parte delas seja de atividades aeróbicas. Atividades que envolvam componentes de força muscular, não necessariamente com o objetivo de ganho de massa magra, podem ser incorporadas à rotina dessa população pelo menos três vezes por semana. Para os adultos (18 a 65 anos), o ideal é que as atividades físicas/práticas corporais realizadas para o lazer, no tempo livre, para transporte, no trabalho, nas tarefas domésticas, nos esportes e exercícios planejados componham ao menos 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada, ou pelo menos a soma de 75 minutos de atividade aeróbica intensa por semana. Essas atividades precisam ser realizadas em períodos com duração não menor que 10 minutos. As atividades aeróbicas de intensidade leve precisam fazer parte dos hábitos diários dos adultos e podem trazer benefícios adicionais, mas não trazem adaptações e proteção cardiovascular. De forma geral, são importantes no cálculo final do gasto energético diário do usuário. Atividades cujo foco é o fortalecimento muscular podem ser realizadas duas ou mais vezes por semana, e as práticas corporais que trabalhem aspectos que envolvem lazer, relaxamento, coordenação motora e socialização podem ser realizadas diariamente no sentido de trazer outros benefícios. É relevante considerar que recomendações específicas podem ser necessárias segundo as características individuais, como atividades voltadas à melhoria da postura, da flexibilidade e de ganho de massa óssea. As recomendações para adultos também se aplicam aos idosos. Além disso, aqueles com 65 anos ou mais precisam realizar atividades que melhorem o equilíbrio e previnam quedas, pelo menos três vezes por semana. Não podendo seguir essas recomendações por limitações de saúde, deve-se seguir conforme as possibilidades. Esse grupo pode ainda necessitar de atenção especial na avaliação de comorbidades, na orientação e na prescrição de atividades físicas/práticas corporais específicas que visem à melhoria da saúde e à manutenção da autonomia física e cognitiva, podendo ser necessário o acompanhamento por equipe de apoio como profissionais do Nasf ou da rede de serviços de Saúde. Recomenda-se que as consultas subsequentes considerem não só aspectos fisiológicos, como riscos, mas também psicológicos e motivacionais. As novas avaliações podem ser individuais ou em grupos, segundo a abordagem necessária no acompanhamento. Podendo ser de maior frequência, para um usuário que faz uso de insulina e que precisa ajustar a dosagem do medicamento ao nível de atividade física; ou de frequência média, em indivíduos que apresentem alguma comorbidade de baixo risco ou que necessitem de aporte motivacional; ou de longa duração, para aqueles que buscam promoção da saúde ou possuam autonomia sobre seu cuidado. Esse acompanhamento periódico não limita a possibilidade de a equipe de Saúde organizar grupos de convivência ou terapêuticos de periodicidade semanal, quinzenal ou outras, conforme avaliação da equipe. 87 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA Referências ACHUTTI, A. C. et al. Tabagismo. In: DUNCAN, B. B.; SCHMIDT, M. I.; GIUGLIANI, E. R. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 533-538. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION (ADA). Nutrition recommendations and interventions for diabetes. a position statement of the american diabetes association. Diabetes Care, [S.l.], v. 30, p. 48-65, jan. 2007. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/17192379>. Acesso em: jul. 2013. (Suplemento) AMERICAN DIABETES ASSOCIATION (ADA). Standards of medical care in diabetes – 2010. Diabetes Care, [S.l.], v. 33, n. 3, p. 11-61, jan. 2010. (Suplemento). Errata em v. 33, n. 3, p. 692, mar. 2010. 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Utiliza linguagem que retrata simbolicamente as leis da natureza e que valoriza a inter-relação harmônica entre as partes, visando à integralidade. Apresenta como uma de suas teorias fundamentais a Teoria do Yin-Yang, divisão em duas forças ou princípios fundamentais, interpretando os fenômenos em opostos complementares. Além desta, há a Teoria dos Cinco Elementos, que compreende e atribui a todas as coisas e fenômenos um dos cinco elementos, a saber: madeira, fogo, terra, metal e água. A MTC compreende que o equilíbrio do yin-yang e dos cinco elementos no indivíduo, e deste com o meio, é fundamental para a manutenção da saúde. E que o desequilíbrio destes desencadeia o processo de adoecimento do corpo e da mente. Utiliza como elementos diagnósticos, no intuito de avaliar essas desarmonias, a anamnese, segundo os preceitos da MTC, a palpação do pulso, a observação da face e da língua, entre outros elementos; e, como principais recursos terapêuticos, utiliza acupuntura, auriculoterapia, eletroacupuntura, moxaterapia, ventosaterapia, plantas medicinais, dietoterapia, práticas corporais e mentais da MTC. Consulte também a publicação O SUS de A a Z para conceitos adicionais acerca dos recursos terapêuticos da MTC, assim como as demais práticas previstas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/sus_3edicao_completo.pdf>. Leia mais sobre Práticas Corporais da MTC no Capítulo 4 – Promoção da saúde e prevenção de doenças: intervenções comuns às doenças crônicas deste Caderno de Atenção Básica. Tratando-se do cuidado à pessoa com doenças crônicas, é no tratamento e na prevenção que a MTC encontra sua vocação milenar e dispõe de competências específicas diferenciadoras da medicina convencional, com seu caráter abrangente e multidisciplinar, garantindo a complementariedade e a adequação do protocolo terapêutico a cada paciente, visando ao bem-estar e à saúde do indivíduo. Pessoas acompanhadas com alguma periodicidade pela MTC obtêm excelentes resultados na prevenção de doenças crônicas, com benefícios significativos em termos de longevidade, de qualidade de vida e de melhora dos sintomas. As duas teorias (Yin-Yang e a Teoria dos Cinco Elementos) ajudam a ampliar o olhar sobre o usuário e sobre as desarmonias que levam ao adoecimento do corpo físico, reconhecendo a diversidade de influências sobre os processos humanos e sua relação com o ambiente. Considerando os desequilíbrios de características yin-yang, assim como a Teoria dos Cinco Elementos, cada doença está ligada a determinados canais de energia, conjunto de órgãos e sistemas orgânicos. Este conjunto se influencia mutuamente, ou seja, desequilíbrios energéticos podem causar problemas orgânicos e desequilíbrios emocionais, assim como desequilíbrios emocionais podem causar desarmonias nos canais de energia e, consequentemente, problemas nos sistemas orgânicos. O nosso organismo tem uma energia orgânica que, como qualquer energia, tem bipolaridade: positivo e negativo, yin-yang, 97 ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA calor e frio, umidade e secura, excesso e deficiência, noite e dia. O ideal é que essas forças estejam sempre equilibradas, no entanto, quando ocorrem os desequilíbrios energéticos, o indivíduo pode desenvolver doenças. Por exemplo, doenças inflamatórias intestinais são consideradas doenças do elemento fogo, que tem relação com a energia do coração. O diabetes melittus pode ser causado por uma deficiência de yin do baço-pâncreas, levando à diminuição da produção de insulina, e uma deficiência do yin dos rins, levando à perda de energia vital. A hipertensão é causada pela desarmonia entre yin e o yang do fígado e dos rins. Quando encontramos a hipertensão causada pelo calor excessivo do fígado, o paciente se queixa de dor de cabeça, rubor facial, olhos avermelhados, sede, angústia, irritabilidade, constipação. Já na deficiência de yin de fígado e dos rins, a hipertensão está associada à vertigem e tontura, tinidos, lombalgia, lassidão nos membros inferiores, palpitações, insônia. Quando houver umidade/calor, o paciente sentirá também opressão torácica, taquicardia, intumescimento nos membros, e obesidade, que é um padrão de desarmonia do baço-pâncreas, que, segundo a MTC, possui funções de metabolização dos alimentos. Os recursos terapêuticos da MTC buscam harmonizar o yin-yang e os Cinco Elementos de diferentes formas. A acupuntura consiste no uso de agulhas filiformes colocadas em pontos específicos do corpo, seguindo a teoria dos canais energéticos (meridianos). A auriculoterapia é um dos microssistemas da acupuntura que possuem representação dos órgãos e de estruturas do corpo no pavilhão auricular. As orelhas possuem pontos ou áreas de reflexo que correspondem a todos os órgãos e funções do corpo e, quando são estimulados por sementes fixas por um pequeno esparadrapo, ou por microagulhas, o cérebro recebe um impulso que desencadeia uma série de fenômenos físicos, relacionados com a área do corpo, produzindo a cura. Já as práticas corporais e mentais (ex.: lian gong, chi gong, tai chi chuan, tuina, meditação) utilizam o movimento, a respiração, a concentração e as massagens com intuito semelhante, além de promoverem relaxamento, equilíbrio e percepção corporal de modo a favorecer a integralidade da saúde, estimulando o autocuidado e a corresponsabilização no processo terapêutico. Esses importantes recursos terapêuticos estão disponíveis para qualificar a oferta de serviços no cuidado à pessoa com doenças crônicas. A OMS publicou documentos específicos reconhecendo e recomendando o uso da acupuntura no cuidado a doenças, incluindo o cuidado a pessoas com doenças crônicas. Disponível em: <http:// apps.who.int/medicinedocs/en/d/Js4926e/5.html>. 5.2 Homeopatia A homeopatia é um sistema médico complexo desenvolvido por Samuel Hahnemann, médico alemão, no século XVIII. Está ancorado em três princípios fundamentais: a lei dos semelhantes, a experimentação no homem sadio e no uso de doses infinitesimais. A saúde e a doença são um processo complexo e dinâmico no qual interferem vários fatores em uma multicausalidade. Nesse sentido, a enfermidade é a reação do organismo susceptível ao 98 Ministério da Saúde | Secretaria de Atenção à Saúde | Departamento de Atenção Básica agente patógeno, de maneira peculiar e individual, utilizando seus mecanismos defensivos. Esses mesmos mecanismos são estimulados pelo medicamento para que o organismo dese- quilibrado retorne à sua homeostase (NOVAES, 2003). Essa racionalidade se caracteriza pela visão de unidade do binômio corpo/mente e por reconstruir o indivíduo em sua dimensão integral, vivo e dinâmico em suas relações sociais. Busca a compreensão e o alívio do sofrimento físico e mental em todas as etapas da vida. A prescrição do medicamento homeopático visa a atuar neste indissociável e complexo binômio psicofísico. Para isso, o medicamento deve ter a maior semelhança possível ao quadro que se busca tratar. Essas substâncias medicamentosas podem ser originadas nos reinos animal, mineral ou vegetal e devem ser prescritas a partir do método homeopático. Esse método implica conhecer a pessoa, por meio da sua história de vida, do exame físico e, quando necessário, de exames complementares. Essa propedêutica requer a definição do diagnóstico clínico, miasmático e do diagnóstico do medicamento homeopático. É fundamental estabelecer o prognóstico clínico-dinâmico, possibilitando melhor conhecer a evolução do tratamento. O plano terapêutico é singular, isto é, dependerá da complexidade e da necessidade de cada pessoa. Pautado no paradigma vitalista, observa-se que o processo de adoecimento ocorre a partir de um desequilíbrio em nível sutil, imaterial e que, no início, é comumente impercep- tível. Quando utilizada nesse estágio, pode ser uma medida preventiva ao ajustar o padrão de desarmonia, impedindo o avanço da patologia, restabelecendo a saúde. Posteriormente, poderá evoluir para uma entidade clínica, detectável pelas consequentes manifestações, tanto na esfera psíquica, pela presença de sintomas mentais, tais como medos, angústias, tristeza, ansiedades e demais sensações subjetivas, como pelos sintomas físicos. Em relação às doenças crônicas, a maior parte dos esforços tem se concentrado na identificação, compreensão e intervenção nos fatores de risco, que incrementam a probabilidade de adoecimento (ESPÍRITO SANTO, 2012). As doenças crônicas causam grande impacto na qualidade de vida dos indivíduos, com redução da produtividade no trabalho, no absenteísmo e na busca por serviços de Saúde. A homeopatia é uma das opções de tratamento voltadas para o cuidado de pessoas com doenças crônicas em vários países do mundo (JACOBS; CHAPMAN; CROTHERS, 1998; BECKER-WITT et al., 2004). No Brasil, vários serviços de homeopatia no SUS encontram entre seus principais motivos de busca de tratamento as doenças crônicas. Novaes (2007), em estudo no Espírito Santo, evidenciou entre os principais diagnósticos clínicos as ato- pias (19%), o transtorno fóbico-ansioso (11,6%), a cefaleia (6,3%), além de hipertensão arterial, diabetes mellitus e dores crônicas. Tal fato se deve aos efeitos adversos das dro- gas utilizadas por longos períodos, a busca por estilo de vida mais natural e o crescente interesse pela desmedicalização. Por exemplo, nos casos de diabetes, quando ainda há alguma possibilidade de produ- ção de insulina pelo pâncreas, o medicamento atuará no sentido de estimular o organismo a aumentar essa produção, levando a um ganho de qualidade de vida do paciente, que usará menor quantidade de medicamento ou mesmo substituirá a insulina injetável por hipoglicemiantes orais.
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