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Psicopedagogia em debate - Alessandra Tibursky Fink, Notas de estudo de Psicopedagogia

Psicopedagogia

Tipologia: Notas de estudo

2014

Compartilhado em 02/03/2014

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gabriela-de-amorim-10 🇧🇷

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Baixe Psicopedagogia em debate - Alessandra Tibursky Fink e outras Notas de estudo em PDF para Psicopedagogia, somente na Docsity! EDAGOGIA EM DEBATE Alessandra Tiburski Fink Rosane de Fátima Ferrari Silvia Regina Canan (Orgs) SÉRIE PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS PSICOPEDAGOGIA EM DEBATE SÉRIE PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS 2008 Organizadores: Alessandra Tiburski Fink Rosane de Fátima Ferrari Silvia Regina Canan FREDERICO WESTPHALEN, RS ISBN 978-85-7796-048-4 Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen Outubro 2008 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 5 ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM DE JEROME BRUNER PARA A APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS PEQUENAS Alessandra Tiburski Fink ..................................................................................................................... 9 ESCREVER CORRETAMENTE: A FUNÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA DESCOBERTA DO CAMINHO DA COMPETÊNCIA PARA O ENSINO E O APRENDIZADO DA ORTOGRAFIA Margarida Maria Huppes .................................................................................................................. 16 AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E O LÚDICO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Ivana Cescon Tramontina, Marosane Romio Cardozo ...................................................................... 29 DIFERENCIANDO E RECONHECENDO AS DIFICULDADES E OS TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM Catiane Regina da Rocha, Elisiane Menzen, Sandra Facco do Nascimento ..................................... 42 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DAS DIFICULDADES NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA - UM ESTUDO DE CASO Emanuele Froner 2 .............................................................................................................................. 56 LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DA ORTOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS Marisa de Fátima Piovesan Dal Piva ................................................................................................ 70 DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM RELACIONADAS AO LUTO: UM ESTUDO DE CASO Ana Lucia Gutkoski ............................................................................................................................ 84 ESCOLA E FAMÍLIA: UMA UNIÃO IMPRESCINDÍVEL Roberta Mainardi, Rosana Beatriz Manfio Pessotto ....................................................................... 101 DISLEXIA: SERÁ FÁCIL DIAGNOSTICÁ-LA? Jucineia da Silva .............................................................................................................................. 114 A ESCOLA E O PROFESSOR PERANTE O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE Adriana Maria Feltes, Leila Maria Prichula ................................................................................... 120 APRESENTAÇÃO Pensar em educação nos tempos atuais nos leva a refletir sobre questões que envolvem a instituição educativa como um agente ativo e transformador do processo de ensino aprendizagem e ao mesmo tempo como um espaço que precisa estar aberto à diversidade cultural, social e econômica da sua comunidade. Sabe-se que a cada dia a tarefa de educar torna-se mais complexa e desta maneira a área da Psicopedagogia tem surgido como um campo de interesse e de inúmeras discussões pelos profissionais envolvidos com a educação. A área da Psicopedagogia vem crescendo e ganhando destaque no campo educacional devido as suas inúmeras contribuições para a melhoria da aprendizagem, da prática pedagógica, das relações afetivo-emocionais, da organização do espaço escolar, na prevenção de dificuldades de aprendizagem, bem como no diagnóstico e intervenção dessas dificuldades de aprendizagem. É importante ressaltar que o trabalho Psicopedagógico tem caráter interdisciplinar e multidisciplinar, recebendo contribuições de diversas áreas do conhecimento e de estratégias pedagógicas que possibilitem sua atuação no processo de desenvolvimento e aprendizagem com o ser cognoscente 1 . A área da Psicopedagogia pode envolver tanto o trabalho de cunho preventivo na instituição escolar auxiliando os profissionais da educação no seu fazer diário com as questões que envolvem a comunidade escolar, como o trabalho de cunho terapêutico ou clínico, diagnosticando e intervindo nas dificuldades ou transtornos de aprendizagem. Sendo assim, é com convicção que defendemos a importância e a necessidade da valorização do profissional Psicopedagogo. E certos da grande preocupação da URI com a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, e também do seu reconhecimento pela importância da área da Psicopedagogia, que apresentamos com muita alegria e satisfação, mais uma edição da Revista Série Pesquisa, do Departamento de Ciências Humanas, na qual estarão contemplados os trabalhos de conclusão do Curso de Pós- Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional. 1 Sujeito em processo de construção do conhecimento, sujeito aprendente. O primeiro artigo, “Algumas contribuições da abordagem de Jerome Bruner para a aprendizagem das crianças pequenas”, traz algumas reflexões teóricas em torno dos estudos de Jerome Bruner, quem dedica grande parte de sua obra ao desenvolvimento e aprendizagem infantil. Seus estudos abordam a importância da interação entre o biológico e o cultural, dando ênfase ao papel da linguagem, da comunicação e da instrução no desenvolvimento do conhecimento e da compreensão, pautando-se numa criança enquanto sujeito ativo e capaz de interagir com seus pares, com a cultura e o meio em que está inserida, concepções estas de extrema relevância ao profissional que atua com crianças pequenas. O segundo artigo, “Escrever corretamente: a função do psicopedagogo na descoberta do caminho da competência para o ensino e o aprendizado da ortografia”, traz os resultados de uma pesquisa realizada com alunos da 4ª série do ensino fundamental. Os resultados apontam para o nível ortográfico desses alunos e as possíveis causas de defasagem dos mesmos, destacando a importância da atuação do psicopedagogo institucional na escola. Partindo da necessidade de conhecer quais são os tipos de dificuldades e transtornos de aprendizagem que os professores podem encontrar em suas salas de aula, o artigo, “As dificuldades de aprendizagem e o lúdico na construção do conhecimento”, aprofunda o estudo sobre as dificuldades de aprendizagem bem como esclarece a importância de atividades lúdicas no trabalho pedagógico com as crianças. O texto também apresenta alguns resultados da pesquisa realizada com professores e as ações articuladas a partir desses resultados, as quais contemplaram encontros de formação com os mesmos. Durante os encontros com os professores, foram discutidos em torno das dificuldades de aprendizagem, conceitos, características, causas, sugestões, estratégias de intervenção e também a necessidade de trabalhar a ludicidade na sala de aula. O quarto artigo, “Diferenciando e reconhecendo as dificuldades e os transtornos de aprendizagem”, além de discutir e diferenciar dificuldades e transtornos de aprendizagem pelo viés teórico, apresenta alguns resultados de um trabalho psicopedagógico realizado com professores. O objetivo do trabalho psicopedagógico realizado era de instrumentalizar esses profissionais para que eles pudessem estar realizando uma prática pedagógica que desenvolvesse as potencialidades dos educandos e que evitasse o fracasso escolar. O quinto artigo, “Causas e consequências das dificuldades no processo de aquisição da leitura e escrita - um estudo de caso”, traz alguns apontamentos referentes a um diagnóstico realizado com uma criança com queixa de dificuldades na aquisição da leitura Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 9-15, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM DE JEROME BRUNER PARA A APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS PEQUENAS Alessandra Tiburski Fink 1 A grande flexibilidade do pensamento da criança e seu constante desejo de exploração requerem a organização de contextos propícios de aprendizagem. A criatividade emerge das múltiplas experiências infantis, visto que ela não é um “dom”, mas se desenvolve naturalmente se a criança tiver liberdade para explorar as situações com parceiros diversos. Zilma Ramos de Oliveira Jerome Bruner nasceu em Nova Iorque em 1915, é professor e pesquisador de Psicologia em Nova Iorque, sendo um dos principais representantes da teoria cognitivista. Sua linha de pesquisa sofre influências dos estudiosos Lev Vygotsky e de Nelson Goodman. Do primeiro, além de aproveitar várias idéias, dá ênfase a estrutura de “andaime” 2 , que propõe que as crianças no seu processo de desenvolvimento, utilizem a linguagem e as histórias dos adultos para construírem suas próprias linguagens e histórias. Do segundo, traz a noção de que nenhum “mundo” criado e vivido pelo homem é mais “real” do que outro, nenhum deve ser considerado como o único mundo real 3 . A vida e o trabalho deste pesquisador no campo da Psicologia vem sendo construído por mais de sessenta anos, no qual trata de conceitos sobre cultura, intenção, significado, abordando temas como construtivismo, funcionalismo, construção social, entre outros, com o objetivo de contrapor-se à psicologia comportamentalista, em busca de uma psicologia que tivesse a construção cultural do significado como uma das questões centrais do processo de aprendizagem. 1 Professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen, RS, Graduada em Letras e Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen, RS e Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo UPF. 2 Os professores ou adultos em convívio com as crianças, num processo interativo com elas, podem ir construindo andaimes, termo este, utilizado para entender o conceito de scafolding usado por Bruner, que são os suportes que o adulto vai oferecendo à criança para que esta se desenvolva e contrua seu conhecimento de mundo. Este conceito se assemelha muito ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, no qual o professor ou adulto atua como um mediador na construção do conhecimento da criança, partindo da etapa em que ela está, dando-lhe suportes (perguntas, provocações, informações...) que possibilitam atingir níveis mais altos de desenvolvimento. 3 Nesta consideração está implícita a idéia de Bruner de que as pessoas têm contextos e realidades diferentes, e portanto, aprendem e se desenvolvem de formas e ritmos diferentes, não de uma forma padronizada. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 9-15, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 10 Estudar o papel mediador da psicologia do povo em todos os dias e a construção do seu significado é função da psicologia cultural, dominada por Jerome. Psicologia cultural exprime como os indivíduos fazem sentido do universo, de que forma são absorvidos os significados estabelecidos: com convicções, valores e símbolos de cultura. Como os indivíduos constroem realidades baseados em narrativas culturais comuns e símbolos, e como a realidade é “intersubjetiva” – cultivada por interação social (WILKE, 2004, p. 1). No início de seus estudos em Harvard, Bruner estudou as questões relacionadas à percepção e aprendizagem animal. Seu interesse pela psicologia social, começou a aflorar com sua experiência na Segunda Guerra Mundial. Em 1960, ele participou da Fundação do Centro de Estudos Cognitivos, da Universidade de Harvard, no qual suas pesquisas ajudaram a preparar o terreno para a Psicologia Cognitiva, estudando a relação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo no ambiente escolar, pois para ele, para entender como se dá a aquisição dos processos cognitivos é preciso estudar as crianças em sala de aula, em situação escolar. [...] o desenvolvimento intelectual da criança não é uma seqyuência regular e infalível de acontecimentos; reage também às influências do ambiente, sobretudo ao ambiente escolar. Assim, a aprendizagem de idéias científicas, mesmo a um nível elementar, não precisa seguir exatamente o curso natural do desenvolvimento cognitivo da criança. Pode também conduzir o desenvolvimento intelectual, fornecendo-lhe oportunidades úteis, que a desafiem a avançar (BRUNER, 1977 apud FERREIRA, 2003, p. 2). Mesmo seus estudos iniciais tendo sido realizados com adultos, relacionados às estratégias de resolução de problemas, dentro de uma perspectiva da teoria da informação, Bruner dedica grande parte de sua obra ao desenvolvimento e aprendizagem infantil, mostrando a importância da interação entre o biológico e o cultural, dando ênfase ao papel da linguagem, da comunicação e da instrução no desenvolvimento do conhecimento e da compreensão, entendendo que, o ser humano apresenta um dispositivo biológico/ inato, o LAD 4 , como é defendido por Noam Chomsky, para adquirir a linguagem, mas que de nada adianta a existência deste, se não tiver um sistema externo de suporte (formatos, culturas, interações, scafolding...) que possibilite o desenvolvimento destas estruturas internas, ou seja, a ideia do LAS 5 é central para ele, a ideia da interação social, do social, do sujeito dentro de um meio. Em meu próprio trabalho, concluí que qualquer Dispositivo de Aquisição da Linguagem, DAL, inato que auxilie os membros de nossa espécie a penetrar na linguagem não poderia ter possibilidade de êxito a não ser pela presença de um 4 LAD (Language Acquisition Device) é o mesmo que DAL (Dispositivo de Aquisição da Linguagem). 5 LAS (Language Acquisition System) é o mesmo que SAAL(Sistema de Apoio à Aquisição da linguagem). Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 9-15, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 11 Sistema de Apoio à Aquisição da Linguagem, SAAL, fornecido pelo mundo social, que se encontra associado ao DAL de algum modo regular. É o SAAL que ajuda a criança a navegar através da Zona de Desenvolvimento Proximal para chegar a um controle completo e consciente do uso da linguagem (BRUNER, 1997, p. 82-83). O ponto de interesse nos estudos de Bruner, é a sua grande contribuição para a área da educação infantil ao dar ênfase à criança como um sujeito ativo, que aprende e se desenvolve a partir das suas interações sociais, interações estas, que na instituição escolar, se dão de forma intencional, como um suporte para que a criança avance no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento. As suas ideias compartilham com a concepção que se tem de criança hoje, uma “criança-sujeito”, ativa, participativa, com direito a uma educação que possibilite o desenvolvimento dos seus aspectos afetivos, físicos, psicossociais, cognitivos e linguísticos. Seus estudos, com base na teoria da descoberta e na estrutura de suporte, presta uma grande contribuição para o fazer pedagógico frente ao cuidar e o educar infantil, no que diz respeito ao desenvolvimento e aprendizagem da criança, assegurando à ela, o direito de brincar, criar, descobrir, aprender e interagir em espaços de formação cultural, sendo tratada e respeitada como sujeito de cultura e história, como sujeito social ativo, mas que ainda precisa da ajuda e orientação do adulto. Para tanto, Bruner traz considerações a respeito da criança e do papel do professor como instigador da curiosidade desta criança. Através da teoria da descoberta, tenta explicar como a criança, em diferentes etapas da vida, representa o mundo em que vive e com o qual interage, sendo construtora de sua própria aprendizagem. O professor, neste processo, é um elemento desafiador e instigador, como já referido acima, que através de sua interação por meio dos suportes e da sua linguagem, interfere na ação da criança sobre o meio. Esta interferência do adulto sobre a criança se dá por meio da instrução 6 , na qual, num primeiro momento o adulto aparece como modelo, vai mostrar a criança como se faz, depois induz/motiva para que ela faça sozinha, mas de forma prazerosa, através de brincadeiras e jogos, a fim de diminuir o risco de fracasso. O adulto vai dando suporte à ação da criança, àquilo que ela ainda não consegue fazer sozinha, reduzindo a complexidade da tarefa e no momento em que parte desta é dominada, o adulto motiva a criança a fazer outra de ordem superior, empurrando assim o processo de desenvolvimento dela, que aos poucos, vai possibilitando que ela verbalize sobre o que faz, perceba que pode fazer sozinha, ampliando 6 Instrução para Bruner não quer apontar para um processo mecânico de aprendizagem e desenvolvimento, mas um processo de construção, no qual o professor ou o adulto pode auxiliar a criança neste processo de aquisição do conhecimento, levando em consideração os suportes, os formatos e a ZDP. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 9-15, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 14 diferentes ferramentas que possibilitem uma aprendizagem significativa e prazerosa para a criança. Assim, o autor propõe a ferramenta lúdica do brincar para ensinar as crianças pequenas, em situações estruturadas, com a mediação do professor, pois para ele, o brincar é uma forma de exploração da ação, da criação, da alegria, de estratégias para resolução de problemas sem opressão, através do prazer e motivação da ação, do desenvolvimento da linguagem como instrumento do pensamento e da ação. Enquanto a criança brinca, ela se desenvolve e aprende coisas sobre o mundo, sem ter que abandonar o seu “mundo infantil” e sem sentir-se pressionada e frustrada. A brincadeira aqui, não é vista só como um passatempo, mas como possibilidade de aprendizagem e interação, o lúdico promove a flexibilidade na busca de ferramentas culturais, permite que a criança seja agente de sua aprendizagem e que aprenda na interação com outras crianças. Desta maneira, o professor deve conhecer e respeitar as formas de representação do mundo da criança, favorecendo de forma lúdica e prazerosa o seu percurso pelo movimento ativo, icônico e simbólico, pois crianças que brincam aprendem a entender o pensamento dos colegas durante a brincadeira, desenvolvendo sua metacognição, substituindo significados e aprimorando sua cognição. Portanto, entre tantas contribuições deste teórico ao campo da educação infantil, faz-se o recorte sobre a importância que ele dá a criança como sujeito ativo de sua aprendizagem e de sua cultura, a ênfase sobre a contribuição da linguagem para a significação da ação da criança, de sua aquisição de conhecimentos e culturas e o papel do professor como um facilitador, aquele que através dos suportes vai interagindo com a criança para que esta vá conquistando patamares cada vez mais superiores. Pois acredita-se que na fase da educação infantil, a criança precisa de um ambiente que lhe possibilite fazer descobertas, interagir, conhecer sobre si, sobre os outros e o meio. Este ambiente, não diz respeito só ao espaço físico, mas principalmente aos estímulos e atividades que lhe são oferecidas nos momentos de interação, seja na hora do banho, da brincadeira, da alimentação, das histórias, entre outros. Sendo assim, somando aos processos internos de desenvolvimento da criança, os aspectos da cultura, da comunicação, da intersubjetividade presentes no ato de ensinar e aprender, Bruner traz importantes contribuições teóricas para a realização do binômio cuidar e educar na educação infantil. Fase esta em que a criança precisa dos formatos num primeiro momento, dos suportes no seu processo de ação e de um profissional que atue como mediador nos processos de descobertas, dúvidas, hipóteses, expectativas, certezas, incertezas que vão Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 9-15, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 15 aparecendo no percurso do desenvolvimento da criança, de forma a possibilitar que este aconteça de forma significativa e interessante, pois é desta fase que depende o sucesso de todas as outras. Referências BRUNER, J. A inspiração de Vygotsky. In: BRUNER, J. Realidade mental: mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed, 1997, p.75-83. ________. A linguagem da educação. In: BRUNER J. Realidade mental: mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 127-139. ________. El habla Del nino. Barcelona: Paidós, 1994, p. 19-63. ________. La Intencion En La Estrutura De La Accion Y De La Interacion. In: BRUNER J. Acción, pensamiento y lenguaje. Madrid: Alizanza, 1989, p. 101-115. ________.Los Formatos De La Adquisicion Del Lenguaje. In: BRUNER J. Acción, pensamiento y lenguaje. Madrid: Alizanza, 1989, p. 173-185. ________. 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WILKE, João Carlos. Jerome Bruner. Disponível em: <http://www.jcwilke.hpg.ig.com.br/jerome.htm>. Acesso em: 25 jul. 2004. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. ESCREVER CORRETAMENTE: A FUNÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA DESCOBERTA DO CAMINHO DA COMPETÊNCIA PARA O ENSINO E O APRENDIZADO DA ORTOGRAFIA 1 Margarida Maria Huppes 2 1 Introdução Palavras... Palavras faladas... Palavras escritas... Palavras não ditas... Nelas estão inclusos uma infinidade de significados, ideias, intenções, sentimentos e emoções, e, se a ela é atribuído todo esse poder, seu uso não pode ser banalizado. Pensando nisso, na ampla e complexa abrangência que a palavra encerra, o presente artigo abordará um dos aspectos relacionados à sua forma escrita, que é a questão ortográfica. A nossa língua que se baseia no sistema alfabético de escrita, no qual os sons da fala são representados através das letras, não pode ser considerada regular do ponto de vista ortográfico. Considerando isso, pelo estudo que segue pretende-se abordar alguns aspectos que dizem respeito ao ensino e ao aprendizado da ortografia e estabelecer uma relação entre a função do psicopedagogo e o redimensionamento das práticas pedagógicas voltadas aos aspectos ortográficos da nossa língua. Nesse contexto, inicialmente é feita uma abordagem teórica retomando um pouco da história da escrita do Brasil e, baseada em autores que tratam a questão ortográfica com a importância que lhe é devida, faz alguns esclarecimentos sobre o que é a ortografia e qual a sua função. Na sequência apresenta dados coletados em um trabalho de intervenção psicopedagógica institucional, no qual foi feito um trabalho justamente relacionado às 1 Artigo de conclusão do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional realizado na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen. 2 Aluna do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 19 simplesmente deve seguir o que foi estabelecido para todos nas convenções da escrita” (1998, p. 251). Considerando isso tudo, nossa atenção volta-se à escola que é o local em que formalmente esses conhecimentos ortográficos devem ser trabalhados e difundidos. Entretanto, o que se tem observado atualmente é um verdadeiro caos, uma confusão geral dos professores quando o assunto é ortografia, decorrente, talvez, dos próprios avanços da língua portuguesa no currículo escolar que tem priorizado a leitura e a produção de textos significativos. Porém, é preciso levar em conta que essa leitura e produção estão estreitamente ligados às questões ortográficas, portanto, não compete à escola apenas avaliar o conhecimento ortográfico de cada aluno, mas sim, investir mais no ensino da ortografia, oferecendo assim ao aluno, a oportunidade de avançar nas suas produções textuais uma vez que a ortografia nada mais é que uma convenção social cuja finalidade é justamente auxiliar na comunicação escrita. Nesse contexto é oportuno ressaltar que a ortografia passa a ser um recurso através do qual normatiza-se na escrita as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua, lembrando que “a forma correta de grafar as palavras é sempre uma convenção, algo que se define socialmente” (MORAIS, 1998, p. 19). A compreensão e a avaliação das funções sociais da escrita, é, segundo Morais (1998, p. 22), um aprendizado longo que precisa ter início nos primeiros momentos da vida escolar da criança e deve continuar nos demais anos da sua formação estudantil. Assim, aprender a escrever envolve construir conhecimentos em torno dos aspectos notacionais e discursivos da nossa língua. Considerando isso, continua Moraes (1998, p. 20) e também levando em conta a complexidade do processo de apropriação do sistema de escrita, é preciso ter a compreensão que o ato de escrever ampara-se no princípio da progressão, inclusive no que diz respeito às questões ortográficas da nossa língua. Partindo do preceito de que “a criança inicialmente se apropria do sistema alfabético e que isso ocorre de forma gradativa” (MORAES, 1998, p. 20), há de se convir que o conhecimento ortográfico não é algo que a criança possa descobrir, sozinha sem ajuda. Essa ajuda, ou seja, essa mediação entre o conhecimento que a criança já tem que é o sistema de escrita alfabética e o que ela ainda precisa conhecer que são as normas ortográficas, é de Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 20 competência do professor que precisa levar o aluno a perceber as peculiaridades de cada diferença ortográfica. Contudo é preciso estar atento para que o ensino do sistema ortográfico não se torne um obstáculo para a produção de textos espontâneos, pois é preciso levar em conta que ao escrever o seu texto, o aluno precisa atender várias exigências ao mesmo tempo, que vão desde a seleção do assunto, das ideias, sua organização e forma de expressão e além disso tudo, precisa expressar suas ideias grafando as palavras de forma correta, ou seja, seguindo as normas ortográficas. Assim sendo e levando em consideração o que Morais enfatiza: “... o conhecimento ortográfico é algo que a criança não pode descobrir sozinha, sem ajuda” (1998, p. 20), é preciso insistir no fato de que é de competência da escola, já desde os primeiros anos da formação, o desenvolvimento da escrita dentro dos padrões ortográficos vigentes, pois como já se apontou anteriormente, não se pode esperar que os alunos aprendam ortografia apenas “com o tempo” ou “sozinhos” e este trabalho deve ser conduzido de tal forma que garanta o avanço na capacidade de produção textual em simultaneidade com o registro correto dessas produções. Enfim, é preciso que certos conceitos sejam revistos para que a negligência e o preconceito com o ensino da ortografia sejam superados pois, ao contrário do que se pensa, não há oposição entre adotar uma postura construtivista e ensinar ortografia desde que uma remeta à outra e ambas nos levem a uma reflexão sobre a real função da escrita no contexto escolar. Segundo Morais (1997, p. 21) a ortografia tem muitas regras e é essencial que o aluno compreenda-as para que possa então produzir seus textos, de forma que a sociedade os tenham como corretos ortograficamente, facilitando assim, a comunicação escrita. Por isso é importante que o professor ensine a ortografia como um objeto de reflexão e não como forma de punição. Desta forma é essencial que o docente saiba como se organiza a norma ortográfica, para que possa transmiti-la a seus alunos de forma prática e eficiente, fazendo com que eles compreendam o conteúdo. Lembrando que a ortografia não é uma questão de memória, pois nem sempre é necessário decorar sua forma correta. Morais (1998) destaca na sua obra que aprender ortografia não é um processo passivo, pois este não é um simples “armazenamento” de formas corretas na memória de cada Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 21 indivíduo. Mesmo que ela seja uma convenção social, o sujeito a aprende e processa ativamente. Ao apropriar-se do sistema alfabético de escrita em que faz a correspondência grafema fonema, pode-se dizer que a criança incorpora esse conhecimento pela compreensão, entretanto, existem na nossa língua algumas irregularidades que exigem mesmo a memorização pelo aluno. Assim sendo, o entendimento do que é regular ou irregular em nossa língua, é pré-requisito básico para que o professor organize seu ensino e é justamente a partir da análise da origem dos erros ortográficos do aluno que o professor deve traçar suas estratégias de ensino-aprendizagem com o intuito de avançar na superação dos mesmos levando em conta também, os fatores culturais e contextuais que permeiam o processo educativo. 3 Ação psicopedagógica: descobrir caminhos, apontar estratégias e vislumbrar soluções Com o propósito de contemplar o objetivo relacionado à pesquisa de campo é preciso que se leve em conta a importância da função do psicopedagogo no âmbito institucional lembrando que o que caracteriza a sua identidade é a sua especificidade, ou seja, o seu campo de atuação voltado especificamente para o processo de aprendizagem e os fatores que interferem para o sucesso ou fracasso do mesmo. Considerando isso, e atendendo a uma solicitação do educandário em que se desenvolveu o trabalho iniciou-se a investigação através de entrevistas com os alunos, análise do material escolar e realização do Ditado Balanceado de Kiguel (1985) com a turma anteriormente identificada. Além disso, manteve-se um canal aberto de comunicação com a professora através do qual pode-se fazer uma investigação indireta sobre a metodologia e procedimentos da mesma na sua prática educativa. Neste trabalho de coleta de dados confirmou-se o que Morais (1998) escreve nos capítulos iniciais da sua obra ao referir-se às dúvidas dos professores em relação ao ensino da ortografia. No que se refere ao comprometimento do aluno com o estudo, infelizmente percebe-se que nem todos têm consciência da sua posição de sujeito nesse processo. Faz-se essa afirmação baseada nas respostas de 3 perguntas da entrevista realizada com os alunos. Nos três gráficos abaixo verificam-se as perguntas e respostas fornecidas pelos alunos ratificando a afirmação anterior. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 24 GRÁFICO 5 – PERFIL ORTOGRÁFICO Total de alunos: 26 Total de erros: 402 Fonte: Ditado balanceado realizado dia 06/05/2008 As melhoras que puderam ser observadas no 2º Ditado em relação ao 1º não dizem respeito ao percentual de erros em cada categoria de dificuldade ortográfica, mas sim, ao número total de erros que caiu de 761 no 1º Ditado para 402 no 2º. Essa constatação confirma as palavras de Morais (1998) que na sua obra diz que a ortografia precisa ser trabalhada na escola, precisa ser ensinada e não apenas cobrada e também, para que a criança se aproprie desse conhecimento, é preciso que haja a mediação do professor, ou seja, a criança não aprende ortografia “sozinha” ou “com o tempo”. Nos gráficos que seguem, pode-se observar o rendimento de cada aluno antes e após a intervenção psicopedagógica. GRÁFICO 6 – RENDIMENTO DE CADA ALUNO ANTES E APÓS A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Nº DE ERROS 1º DITADO – BALANCEADO 100 a mais 90 a 100 80 a 90 70 a 80 60 a 70 50 a 60 40 a 50 30 a 40 20 a 30 10 a 20 0 a 10 Nº de aluno 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Fonte: Ditado balanceado realizado dia 06/05/2008 34% 57% 9% Regras contextuais Irregularidades da língua Conversor fonema/grafema Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 25 GRÁFICO 7 – RENDIMENTO DE CADA ALUNO ANTES E APÓS A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Nº DE ERROS 2º DITADO – BALANCEADO 100 a mais 90 a 100 80 a 90 70 a 80 60 a 70 50 a 60 40 a 50 30 a 40 20 a 30 10 a 20 0 a 10 Nº de alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Fonte: Ditado balanceado realizado dia 05/06/2008 De acordo com o que pode ser observado nos 4 últimos gráficos, percebe-se que apesar da melhora acentuada na escrita dos alunos, o número de erros ainda é bem elevado, ficando muito aquém do nível ideal, contudo, partindo do entendimento que toda a ação deve remeter a uma reflexão para uma ação posterior, esses resultados práticos além de confirmar os estudos bibliográficos sobre essa temática passam a apontar um novo ritmo para os professores comprometidos com a melhoria da qualidade da escrita dos alunos destacando que se um dos objetivos da educação é melhorar a comunicação escrita, é preciso ensinar ortografia sim, e não apenas cobrar que o aluno escreva corretamente, pois se adultos muitas vezes têm dúvidas na questão ortográfica, não se pode esperar que as crianças “... aprendam sozinhas ou com o tempo” (MORAIS, 1998, p. 22). Contudo, a incorporação das normas ortográficas não pode de forma alguma, transformar-se em um “freio” que bloqueie a criatividade e o gosto pela produção escrita, para isso, é preciso que o professor proponha atividades prazerosas que instiguem o aluno a melhorar cada vez mais e que ambos acrescentem mais “sabor” ao “saber” acreditando que a mudança é possível, basta querer. Fazendo uma reflexão sobre tudo o que até aqui foi apresentado, ocorreu-me uma mensagem da sabedoria chinesa que em algum momento da minha formação eu ouvi. Esta mensagem referia-se ao que era preciso para ser um bom mestre e em síntese dizia que o bom mestre é aquele capaz de ouvir o inaudível e perceber o imperceptível. Penso que no exercício da função do psicopedagogo aplique-se também um pouco desse saber, pois este profissional deve ter o seu olhar e a sua escuta bem aguçados para não ver apenas o que lhe é mostrado, Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 16-28, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 26 mas também o que está nas entrelinhas e ouvir o que lhe é falado e também o silêncio e é justamente a partir desse exercício que se pretende contribuir com o processo de aprendizagem e mais especificamente, com a melhoria dos aspectos deficitários na escrita dessa turma na qual desenvolveu-se o projeto e de outras turmas que venham a apresentar dificuldades semelhantes. A pretensão não é de dar receitas, mas sim, de apontar algumas estratégias que conduzam a caminhos a partir dos quais se possa vislumbrar uma educação de qualidade e atender um dos princípios básicos do desenvolvimento da linguagem escrita que é de acordo com os PCNs “... possibilitar a plena participação social..., e garantir acesso aos saberes lingüísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos” (1997, v. 2, p. 23). Neste contexto sugere-se às escolas: - Oportunizar aos docentes um momento de discussão e reflexão sobre o ensino e o aprendizado dos aspectos ortográficos da nossa língua. - Discutir e fazer um planejamento do que deverá ser trabalhado e exigido em cada série/ano para que de forma gradativa o aluno se aproprie do conhecimento sobre os aspectos ortográficos da escrita. - Estimular a leitura e as produções textuais dos alunos através de eventos que valorizem essas duas habilidades. - Desenvolver atividades de valorização do indivíduo, aumentando assim, a autoestima dos alunos. - Organizar e realizar concursos que incentivem o uso correto da língua portuguesa. - Envolver os alunos no planejamento de algumas atividades levando-os a se responsabilizarem e se comprometerem mais com a aprendizagem. Considerando os apontamentos anteriores bem como, o leque de fatores que podem estar direta ou indiretamente ligados aos problemas de/na aprendizagem, é preciso ter em mente as palavras de Moojen “... o que se espera de um psicopedagogo na escola, antes de mais nada, é uma sensibilidade especial para integrar agilmente componentes básicos em um processo educativo bem sucedido” (1997, p. 40). Diante disso, evidencia-se o fato de que neste trabalho não há de se colocar um ponto final uma vez que os problemas não foram resolvidos na sua íntegra, entretanto, caminhos foram apontados e coordenadas foram traçadas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E O LÚDICO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 1 Ivana Cescon Tramontina 2 Marosane Romio Cardozo 3 1 Introdução Identificar as causas dos problemas de aprendizagem escolar, necessita uma intervenção especializada, segundo Bossa, “existe atualmente uma área do conhecimento que se dedica exclusivamente ao estudo do processo de aprendizagem e como os diversos elementos envolvidos nesse processo podem facilitar ou prejudicar o seu desenvolvimento” (2000, p. 12). Essa área é conhecida como a Psicopedagogia e busca em diversas áreas os conhecimentos necessários para a compreensão do processo de aprendizagem. O psicopedagogo institucional vai atuar na escola junto aos professores, melhorando as condições para a construção do processo de ensino-aprendizagem e para auxiliar na prevenção dos problemas de aprendizagem. Sendo assim este trabalho tem o objetivo de aprofundar estudo sobre as dificuldades de aprendizagem, bem como esclarecer a importância de atividades lúdicas, a fim de auxiliar o desempenho dos professores através da fundamentação teórico-prática das dificuldades, seus fatores e a forma de trabalhá-las, buscando a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Optamos por adotar, assim como Fonseca (1995), o termo dificuldades de aprendizagem, por abrir a possibilidade de progresso, mudança, sucesso. Neste estudo, nos detemos nas dificuldades de aprendizagem mais reconhecidas que a criança pode apresentar e que estão ligadas ao desempenho escolar: as dificuldades de aquisição da leitura-escrita (dislexia e disortografia), as dificuldades de aprendizagem da matemática (discalculia) e o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Por ainda concordar com Bossa em sua afirmação; “é assim que deve ser a aprendizagem escolar: um processo natural e espontâneo, mais até, um processo prazeroso. 1 Artigo de conclusão do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional realizado na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen. 2 Aluna do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen. 3 Aluna do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 30 Descobrir e aprender deve ser um grande prazer. Se não é, algo está errado” (2000, p. 11); que trouxemos um breve estudo sobre o lúdico, sobre a necessidade de estímulos e oportunidades que alimentam o impulso natural da curiosidade e que possibilitam à criança a construir habilidades para resolver situações do dia a dia, desenvolvendo a percepção, autoconfiança, independência e construindo uma aprendizagem realmente significativa e prazerosa. 2 Dificuldades de Aprendizagem Uma maneira de auxiliar tanto alunos como educadores, é esclarecer aos professores o modo de trabalhar com esses alunos que apresentam dificuldades e mostrar como o lúdico pode auxiliar para uma aprendizagem efetiva. E quem pode realizar este trabalho nas escolas é o Psicopedagogo Institucional. Os testes CID – 10 e DSM-IV, citados por Ohlweiler (2006, p. 129), apresentam basicamente três tipos de transtorno específicos: o transtorno da leitura, o transtorno da matemática e o transtorno da expressão escrita. A caracterização geral desses transtornos não difere muito entre os dois manuais. 2.1 Dislexia O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV (1995), caracteriza a dislexia como comprometimento acentuado no desenvolvimento das habilidades de reconhecimento das palavras e da compreensão da leitura. A leitura oral no disléxico é caracterizada por omissões, distorções e substituições de palavras e pela leitura lenta e vacilante. Nesse distúrbio, a compreensão da leitura também é afetada. “Os estudos com pacientes disléxicos têm mostrado que dentro da etiologia devem ser considerados sempre dois aspectos, que podem estar isolados, mas que em geral são complementares: causas genéticas e causas adquirida” (ROTTA, PEDROSO, 2006, p. 154). Segundo Rotta e Pedroso (2006), dividiram a dislexia em auditiva e visual. O mais frequente é uma associação das duas formas. 2.1.1 Diagnóstico Para o diagnóstico deve-se, ainda, considerar outros aspectos como: o histórico familiar, que com frequência é dominante; a clara modificação para melhor, com a idade, permanecendo na maior parte das vezes dificuldades sutis; a presença de comorbidades Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 31 neuropsicológicas que não são infrequentes, como déficit de atenção, de memória, dificuldades visoespaciais, além de falta de motivação. Ainda segundo Rotta e Pedroso (2006), é importante destacar que a presença dessas características, particularmente na pré-escola e séries iniciais, não determina um quadro disléxico por si só. Servem contudo, de sinal de alerta para problemas presentes ou futuros no desenvolvimento da linguagem escrita em geral. Na educação infantil ( 0 a 6 ) anos observa-se:  certa lentidão no desenvolvimento das habilidades da fala;  dificuldades em tarefas que exijam habilidades fonológicas;  dificuldades para conhecer as letras e evocar palavras (vocabulário restrito). No período escolar observa-se:  desempenho inferior nas tarefas de habilidades fonológicas;  déficits na nomeação rápida;  dificuldades em aprender a ler e a escrever;  memória verbal de curto prazo deficiente;  dificuldades de aprender sequências comuns (dias da semana, meses do ano);  dificuldades em língua estrangeira;  dificuldades na matemática para interpretar o problema lido. Também segundo Rotta e Pedroso (2006), é importante avaliar a produção textual da criança, observando os cadernos e pedindo para que escreva algo espontaneamente, não é necessário que seja um texto, assim já se pode observar:  Leitura e escrita, muitas vezes incompreensíveis;  Confusões de letras com pequenas diferenças de grafia: (e/c, i/j, u/v);  Confusões de letras com diferente orientação espacial (p/q; b/d, e/c, i/j, u/v);  Confusões de letras com sons semelhantes (b/p; d/t; g/j);  Inversões de sílabas ou palavras (par/pra; lata/alta);  Substituições de palavras com estrutura semelhante (contribuiu/construiu);  Supressão ou adição de letras ou de sílabas (caalo/cavalo; berla/bela);  Repetição de sílabas ou palavras (eu jogo jogo bola; bolo de chococolate);  Fragmentação incorreta (querojo garbola/ quero jogar bola);  Dificuldade de decodificação e para entender o texto lido. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 34 2.3 Disortografia O transtorno da expressão escrita ou Disortografia, corresponde a habilidades de escrita acentuadamente abaixo do nível esperado considerando-se: QI médio ou acima da média; e escolaridade própria da idade do indivíduo (DISORTOGRAFIA, 2007). Geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade do indivíduo de compor textos escritos evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro das frases, má organização dos parágrafos, múltiplos erros de ortografia e caligrafia ruim. A disortografia pode estar ligada a Déficits de Linguagem e/ou Déficits Percepto Motores. Em geral é encontrada em combinação com quadro de Dislexia e/ou Discalculia, mas pode ocorrer isoladamente, porém o transtorno é raro quando não associado a outros Transtornos de Aprendizagem. O diagnóstico pode ser feito no final da educação infantil e no 2° ano do Ensino Fundamental, sendo que até este período é comum que as crianças façam confusões ortográficas porque a relação com os sons e palavras impressas ainda não estão dominadas por completo, porém após estas séries, se as trocas ortográficas persistirem repetidamente, é importante que o professor esteja atento já que pode se tratar de uma disortografia; sinais sugestivos, em faixa etária menor, classificam o paciente como em “situação de risco” para o desenvolvimento da Disortografia; quanto mais precoce será melhor o prognóstico, em idade adulta também é feito o diagnóstico e o tratamento. Somente dificuldade na ortografia e caligrafia, sem outras alterações da expressão escrita, não encerra o diagnóstico. Entre as causas, suspeita-se: de uma aprendizagem incorreta da leitura e da escrita; alterações na linguagem devido a um atraso na aquisição e/ou no desenvolvimento e utilização da linguagem; erros na percepção, tanto visual como auditiva; falhas de atenção. 2.3.1 Características das Disortografias (DISORTOGRAFIA, 2007)  Troca de grafemas: Geralmente as trocas de grafemas acontecem por problemas de discriminação auditiva. Quando a criança troca fonemas na fala, a tendência é que ela escreva apresentando as mesmas trocas, mesmo que os fonemas não sejam auditivamente semelhantes, faca/vaca, chinelo/jinelo, porta/borta;  Falta de apetite para escrever;  Dificuldade em perceber as sinalizações gráficas (parágrafos, travessão, pontuação e acentuação); Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 35  Dificuldade no uso de coordenação/subordinação das orações;  Textos muito reduzidos;  Aglutinação ou separação indevida das palavras;  Confusões de sílabas como : encontraram/encontrarão;  Adições: ventitilador;  Omissões: cadeira/cadera, prato/pato;  Fragmentações: em saiar, a noitecer;  Inversões: pipoca/picoca;  Junções: no diaseguinte, sairei maistarde; 2.4 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Atualmente define-se o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) como uma síndrome neurocomportamental com sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Portanto, o TDAH se caracteriza por um nível inadequado de atenção em relação ao esperado para a idade, o que leva a distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comportamentais (ROTTA, 2006). No DSM-IV são mencionados três subtipos de TDAH: com predomínio de desatenção, com predomínio de hiperatividade e uma combinação de ambos. O TDAH é considerado um distúrbio do desenvolvimento que começa na primeira infância e que pode continuar até a idade adulta. “A etiologia do TDAH é multifatorial e fazem parte dela os fatores genéticos e os ambientais em diferentes combinações” (ROTTA, 2006, p. 303). Não existe nenhum teste psicométrico, neurológico ou laboratorial que por si só dê o diagnóstico de TDAH. O diagnóstico deve ter embasamento clínico em várias evidências derivadas da história, da observação, do exame clínico e neurológico e das escalas de comportamento (ROTTA, 2006). Segundo o DSM-IV, os sintomas devem ocorrer em diferentes ambientes, como por exemplo, em casa e na escola, com prejuízo no desempenho acadêmico e também no relacionamento interpessoal e nas atividades sociais. 2.4.1 Critérios diagnósticos para TDAH-DSM-IV Desatenção (6 ou + dos seguintes critérios durante pelo menos 6 meses): Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 36  Falta de atenção na escola, com erros frequentes em tarefas simples,  Dificuldade para manter a atenção em atividades em grupo,  Falta de atenção à fala direta,  Erros em seguir instruções, com dificuldade para finalizar tarefas,  Dificuldade para organizar atividades escolares e tarefas,  Falta de êxito na execução de tarefas escolares que requerem atenção sustentada,  Distração fácil aos estímulo externos. Hiperatividade (6 ou + dos seguintes critérios durante pelo menos 6 meses)  Movimentos constantes de braços e pernas,  Frequentemente levanta durante a aula,  Hábito de correr em situações inadequadas,  Dificuldade de permanecer sentado ou participar de atividades em grupo,  Hábito de falar em excesso. Impulsividade  Dificuldade para esperar a sua vez,  Interrupções ou intromissões na conversa dos outros. Critérios diagnósticos DSM-IV  Sintomas presentes por mais de 6 meses,  Algum sintoma presente antes dos 7 anos,  Algum problema relacionado aos sintomas presentes em 2 ou mais lugares (casa e escola),  Problemas significativos (sociais, acadêmicos ou ocupacionais),  Excluídas outras desordens mentais. Deve ficar claro para a família que se trata de um problema crônico, e que o objetivo do tratamento não é curá-lo, mas reorganizá-lo e viabilizar um comportamento funcional satisfatório na família, na escola e na sociedade (ROTTA, 2006). “O manejo no caso de TDAH é, portanto, dividido em quatro importantes itens: modificação do comportamento; ajustamento acadêmico; atendimento psicoterápico e terapia farcomacológica” (ROTTA, 2006 p. 309). Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 39 a) Fase 1: Levantamento do ponto crítico com a direção da escola e solicitação de autorização da diretora para realização do estágio institucional. b) Fase 2: Realização de uma pesquisa descritiva para verificação das hipóteses levantadas com relação à concepção sobre as dificuldades de aprendizagem e a ludicidade como ferramenta indispensável para o trabalho. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se uma entrevista com as professoras. c) Fase 3: Aprofundamento do Referencial Teórico. Estudo bibliográfico acerca do que são dificuldades de aprendizagem e sobre as que têm ligação específica com o desempenho escolar: Dislexia, Discalculia, Disortografia, e Transtorno de Déficit de Atenção /Hiperatividade, bem como sobre o papel fundamental do Lúdico no processo ensino- aprendizagem. d) Fase 4: Realização de quatro encontros de formação com os sujeitos da pesquisa para auxiliá-los no trabalho diário com alunos com dificuldades de aprendizagem. Os encontros aconteceram nas dependências da escola, durante quatro segundas feiras, entre os dias vinte e seis de maio a vinte e seis de junho, no horário das dezessete horas e quinze minutos às dezenove horas e quinze minutos. Iniciamos todas as sessões com a visualização, leitura e debate de uma mensagem. Cada professora recebeu uma apostila que continha o conteúdo dos encontros, para facilitar o acompanhamento e entendimento das exposições que eram dadas com o auxílio do computador. No primeiro encontro, além da acolhida, falamos sobre as dificuldades de aprendizagem e a dislexia - seu conceito, causas, tipos, características e diagnóstico; as atitudes, as propostas de ação pedagógica, a aprendizagem de língua estrangeira e avaliação. No segundo encontro falamos sobre discalculia - seu conceito, causas, sintomas, a intervenção, conteúdos e metodologia que podem auxiliar a construção de uma aprendizagem mais efetiva. No terceiro encontro abordamos o tema disortografia - seu conceito, causas, diagnóstico, características. No quarto encontro o tema foi Transtorno de Déficit de Atenção /Hiperatividade. O lúdico esteve presente em todos os encontros, através de modelos de jogos, seus objetivos e como poderiam ser usados para a construção de uma aprendizagem mais significativa. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 40 4 Apresentação e Análise dos Resultados Ao analisar as entrevistas, percebemos que os professores resumem dificuldades de aprendizagem, em não assimilar conceitos que são “ensinados” às crianças. As maiores e mais frequentes dificuldades de aprendizagem encontradas pelos professores em alunos são: erros ortográficos, dificuldades em interpretar textos e enunciados, dificuldades de memória, quantidades, problemas, troca de letras na fala e na escrita, leitura não fluente, dificuldades em aplicar conceitos, técnicas para resolução de algoritmo, decorar tabuada, compreensão e elaboração de conceitos, falta de atenção, de concentração, de motivação, de acompanhamento familiar, transtornos neurológicos e falta de psicomotricidade. Constata-se assim, que a maioria das dificuldades citadas estão relacionadas às áreas da leitura, escrita, matemática e atenção. Através das entrevistas, podemos perceber que os professores não são omissos, mas lhes falta conhecimento sobre o que são dificuldades de aprendizagem, suas características, sugestões de atividades, esclarecimentos para saberem a quais profissionais a criança deve ser encaminhada e sobre atividades lúdicas que possam ser trabalhadas, seus objetivos e principalmente sua importância na construção do conhecimento. 5 Considerações Finais Sempre defendemos e acreditamos muito no poder do lúdico e acredito que conseguimos plantar essa semente nos sujeitos de nossa pesquisa, pelo entusiasmo, pela solicitação da descrição do material, do modo de utilizar e pelo relato das participantes. Sabemos que nosso público alvo foi pequeno, mas que os beneficiados ao longo dos anos serão muitos. Acreditamos ter conseguido aprofundar nossos estudos sobre dificuldades de aprendizagem, bem como esclarecer a importância das atividades lúdicas, a fim de auxiliar o desempenho dos professores, através da fundamentação teórico-prática das dificuldades, seus fatores e a forma de trabalhá-las, buscando a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Referências BOSSA, N. A. Dificuldades de aprendizagem: o que são? Como tratá-las? Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. BASTOS, J. A. Discalculia: transtorno específico da habilidade m matemática. In: ROTTA, Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 29-42, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 41 N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 196-206. DISORTOGRAFIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Disortografia>. Acesso em: 03 maio 2008. DSM – IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. FERNÁDEZ, A. Os idiomas do aprendente: análise de modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios de comunicação. Tradução Neusa Kern e Regina Orgler Sordi. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. FONSECA, V. D. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Rev. Aument. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MOOJEN, S.; FRANÇA, M. Dislexia: visão fonoaudiológica e psicopedagógica. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 165-180. OHLWEILER, L. Introdução. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 127-130. REGO, T. C. Vigotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. ROTTA, N. T.; PEDROSO, F. S. Transtornos da linguagem escrita-dislexia. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre:Artmed, 2006, p. 151-164. ROTTA, N. T. Transtornos de atenção: aspectos clínicos. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos de aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 301-313. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 44  Fatores orgânicos, que vão desde a integridade dos órgãos dos sentidos até os problemas de desnutrição;  Fatores específicos de adequação percepto-motriz e os problemas de análise e síntese, todos com íntima relação com a situação de lateralidade mal estabelecida e conhecimento do esquema corporal;  Fatores psicógenos;  Fatores ambientais; Para chegar a um diagnóstico eficaz é necessário observar a criança em sua totalidade através de uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar e após a detecção dos principais problemas que estão interferindo na aprendizagem para só assim poder encaminhá-la para um tratamento específico. Vale lembrar que é importante para o êxito do tratamento a integração da equipe que atende à criança com a escola e com a família e, além disso, é necessário uma comunicação eficiente entre todos os envolvidos sendo para isso imprescindível o uso de uma terminologia uniforme entre os profissionais. É importante que se tenha claro a diferença entre uma dificuldade de aprendizagem e um transtorno de aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem primárias podem ocorrer numa determinada matéria, numa determinada fase da vida estudantil, em consequência de algum aspecto evolutivo, inadequadas metodologias pedagógicas, problemas familiares ou problemas psicológicos. As dificuldades também podem ser secundárias a outros quadros diagnósticos, tais como: deficiência mental, problemas sensoriais, transtornos emocionais e doenças neurológicas (TDAH). Já os transtornos de aprendizagem compreendem uma inabilidade permanente e específica, como de leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. Deve haver um grau significativo de comprometimento na habilidade escolar especificada através de textos padronizados adequados à cultura ( no mínimo dois anos abaixo do desempenho esperado de uma criança da mesma idade, nível mental e de escolaridade). O transtorno de aprendizagem pode ser suspeitado naquela criança que apresenta algumas características como: inteligência normal, ausência de alterações motoras ou sensoriais, bom ajuste emocional e nível socioeconômico e cultural aceitável. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 45 De acordo com a CID-10 (1993) e a DSM- IV (1996) existem basicamente três tipos de transtornos específicos: - Transtornos de leitura: caracterizada por uma dificuldade específica de compreender palavras escritas; - Transtornos da matemática conhecido como discalculia: é a dificuldade que a criança pode apresentar ao usar conceitos matemáticos que exigem raciocínio nas situações diárias. - Transtornos de expressão escrita: refere-se à ortografia ou caligrafia (dificuldade de compor textos escritos, apresentando erros gramaticais, pontuação, organização, erros de ortografia). 2.1 Transtornos da Linguagem Escrita Os transtornos de linguagem escrita podem ser disotrografia, disgrafia ou dislexia. 2.1.1 Disortografia Muitas vezes acompanha a dislexia, mas pode também vir sem ela. É a impossibilidade de transcrever corretamente a linguagem oral, a criança escreve seguindo o som da fala, havendo trocas ortográficas e confusão de letra. Essa dificuldade não diminui a qualidade da escrita. Os principais tipos de erros que a criança com disortografia apresenta são: Confusão de letras; consoantes surdas por sonoras (f/v) ; vogais nasais por orais;na/ã; confusão de sílabas com tonicidade semelhante ao/am; confusão de letras(trocas visuais); Simétricas; b/d; uso de palavras com mesmo som para várias letras (azar/asar). Além dessas trocas, pode acontecer omissão, adição, inversões, fragmentações de palavras. Para identificar uma criança com disortografia é necessário considerar o nível de escolaridade da criança, a frequência e o tipo de erro. No momento que o psicopedagogo realiza a avaliação da escrita, ele tem que examinar o material escolar de anos anteriores e atual da criança, realizar ditados e composições com a mesma. Muitas vezes a análise desses materiais não são suficientes para fazer um diagnóstico, teria que conversar com a professora sobre o desempenho do aluno e dos colegas, e quais os erros mais frequentes. A partir dessa análise o professor pode considerar os erros apresentados pelo aluno como normais ou evolutivos. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 46 2.1.2 Disgrafia É a dificuldade que a criança tem de passar para a escrita a palavra impressa visualmente, e com isso o traçado das letras, geralmente são ilegíveis. O aluno com disgrafia não é portador de problema visual nem motor, não tem comprometimento intelectual nem neurológico, isso quer dizer que ele até esforça-se para escrever com letra legível, porém não consegue. Existem vários níveis de disgrafias: incapacidade de segurar o lápis, traçar uma linha, de fazer desenhos simples, copiar figuras ou letras mais complexas. Os principais erros de uma criança disgráfica são: apresentação desordenada do texto; margens malfeitas ou inexistentes; a criança ultrapassa ou para muito antes da margem, não respeita limites, amontoa letras na borda da folha; espaço irregular entre palavras e linhas; distorção da forma das letras o e a; traçado de má qualidade; tamanho pequeno ou grande, pressão leve ou forte, letras irregulares; substituição de curvas por ângulo; movimentos contrários aos da escrita convencional; separação inadequada das letras; direção da escrita oscilando para cima ou para baixo. 2.1.3 Dislexia A dislexia é um transtorno da linguagem que se manifesta geralmente em crianças com nível de inteligência normal, mas que apresentam dificuldades para ler, escrever, reconhecer e compreender palavras impressas. Giacheti e Capellini (2000) citado por Rotta e Pedroso (2006) nos definem a dislexia como: Um distúrbio neurológico, de origem congênita, que acomete crianças com potencial intelectual normal, sem déficits sensoriais, com suposta instrução educacional apropriada, mas que não conseguem adquirir ou desempenhar satisfatoriamente a habilidade para a leitura e/ ou escrita (p. 153). No período escolar observa-se: desempenho inferior nas tarefas de habilidades fonológicas, déficits de nomeação rápida, dificuldade em aprender a ler e escrever, pouco memória verbal de curto prazo, entre outros. Na fase adulta ocorre leitura lenta, dificuldade com a ortografia e produção textual, etc. Para que um transtorno de leitura e escrita possa ser considerado como Dislexia, deve-se observar as seguintes características que dizem respeito a este transtorno: A dislexia é um transtorno específico das operações implicadas no reconhecimento das palavras (precisão e rapidez) que compromete em maior ou menor grau a compreensão da leitura. Há um considerável atraso (aproximadamente 2 anos) nas habilidades de escrita ortográfica e produção textual, condicionando o diagnóstico para o fim da segunda série ou Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 49 Rotta define o Transtorno de Déficit de Atenção/ hiperatividade (TDAH) como: Uma Síndrome neurocomportamental com sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Portanto, o TDAH se caracteriza por um nível inadequado de atenção em relação ao esperado para a idade o que leva a distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comportamentais. No DSM-IV são mencionados três subtipos de TDAH: com predomínio de desatenção, com predomínio de hiperatividade e uma combinação de ambos. Disso resulta significativo comprometimento funcional em diversas áreas, seja acadêmica, profissional ou social (2006, p. 302). De acordo com Rohde o TDAH caracteriza-se por dois grupos de sintomas: (1) desatenção e (2) hiperatividade (agitação) e impulsividade. Os seguintes sintomas fazem parte do grupo de desatenção: a) não prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido. b) ter dificuldade para concentrar-se em tarefas e/ou jogos; c) não prestar atenção ao que lhe é dito (estar no mundo da lua); d) ter dificuldade em seguir regras e instruções/ou não terminar o que começa; e) ser desorganizado com as tarefas e materiais; f) evitar atividades que exijam um esforço mental continuado; g) perder coisas importantes; h) distrair-se facilmente com coisas que não têm nada ver com o que está fazendo; i) esquecer compromissos e tarefas (1999, p. 39-40). Os seguintes sintomas fazem parte do grupo de hiperatividade/impulsividade: a) ficar remexendo as mãos e/ou os pés quando está sentado; b) não parar sentado por muito tempo; c) pular, correr excessivamente em situações inadequadas, ou ter uma sensação interna de inquietude (ter bicho carpinteiro por dentro); d) ser muito barulhento para jogar ou divertir-se; e) ser muito agitado (a mil por hora, ou um foguete) f) falar demais; g) responder às perguntas antes de terem sido terminadas; h) ter dificuldade de esperar sua vez; i) intrometer-se em conversas ou jogos dos outros (ROHDE, 1999, p. 40). É importante salientar que a desatenção, a hiperatividade ou a impulsividade como sintomas isolados podem resultar de muitos problemas na vida de relação das crianças (com os pais e/ou com colegas e amigos), de sistemas educacionais inadequados, ou mesmo estarem associados a outros transtornos comumente encontrados na infância e adolescência. Portanto, para o diagnóstico do TDAH é sempre necessário contextualizar os sintomas na história de vida da criança. Algumas pistas que indicam a presença do transtorno são: a) duração dos sintomas de desatenção e/ou de hiperatividade/impulsividade: Normalmente, as crianças com TDAH apresentam uma história de vida desde a idade pré- escolar com a presença de sintomas. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 50 b) frequência e intensidade dos sintomas: As pesquisas têm demonstrado que sintomas de desatenção, de hiperatividade ou de impulsividade acontecem mesmo em crianças normais, uma vez ou outra ou até mesmo frequentemente em intensidade menor. c) persistência dos sintomas em vários locais e ao longo do tempo: Os sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade precisam ocorrer em vários ambientes da vida da criança (por exemplo, escola e casa) e manterem-se constantes ao longo do período avaliado. Sintomas que ocorrem apenas em casa ou somente na escola devem alertar o clínico para a possibilidade de que a desatenção, a hiperatividade ou a impulsividade possam ser apenas sintomas de uma situação familiar caótica ou de um sistema de ensino inadequado. d) prejuízo clinicamente significativo na vida da criança: Sintomas de hiperatividade ou de impulsividade sem prejuízo na vida da criança podem traduzir muito mais estilos de funcionamento ou de temperamento do que um transtorno psiquiátrico; e) entendimento do significado do sintoma: Para o diagnóstico de TDAH, é necessário uma avaliação cuidadosa de cada sintoma e não somente a listagem de sintomas. Por exemplo, uma criança pode ter dificuldade de seguir instruções por um comportamento de oposição e desafio aos pais e professores, caracterizando muito mais um sintoma de transtorno opositor desafiante do que de TDAH. Em relação a avaliações complementares, normalmente se sugere: a) Contato com a escola; b) avaliação neurológica; e c) testagem psicológica. A avaliação neurológica é fundamental para a exclusão de patologias neurológicas que possam mimetizar o TDAH e, muitas vezes, é extremamente valiosa como reforço para o diagnóstico. Os dados provenientes do exame neurológico evolutivo, principalmente a prova de persistência motora, somados aos dados clínicos, são importantes. Além disso, no diagnóstico diferencial da síndrome, é preciso descartar a presença de retardo mental, visto que essa patologia pode causar problemas de atenção, hiperatividade e impulsividade. Realizado o diagnóstico de TDAH, é importante que sejam esclarecidos aos pais e professores que este transtorno não é passível de cura e que o tratamento ajudará a criança a ter um comportamento funcional satisfatório na família, na escola e na sociedade e melhorando sua autoimagem. Intervenções no âmbito escolar também são importantes. Nesse sentido, idealmente, os professores devem ser orientados para a necessidade de uma sala de aula bem estruturada. O tratamento psicofarmacológico do TDAH varia conforme a presença ou não de comorbidades Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 51 como transtornos de humor, transtorno de conduta, transtorno opositor desafiante e quando há consequências emocionais secundárias. 2.3 Discalculia Define-se o transtorno da matemática como uma capacidade para a realização de operações aritméticas acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo. A criança pode ter dificuldades em matemática a partir de: trauma de crânio moderado; epilepsias; crianças que nascem com o peso abaixo do normal; síndrome fetal alcoólica; crianças gêmeas, com fortes indícios de fator hereditário que ainda exige novos estudos. Discalculia é a dificuldade em aprender matemática, com falhas para adquirir proficiência adequada neste domínio cognitivo. Os sintomas mais frequentes são: Erro na formação dos números; dislexia; inabilidade para efetuar somas simples; inabilidade para reconhecer sinais operacionais e para usar separações lineares; dificuldade para ler corretamente o valor numérico com multidígitos; memória pobre para fatos numéricos básicos; dificuldade de transportar números para local adequado na realização de cálculos; ordenação e espaçamento inapropriado dos números em multiplicações e divisões. Para poder identificar o problema e ajudar na reeducação da criança o professor deve, primeiramente, conhecer as dificuldades que ela enfrenta, evitando rótulos e distinguindo seus comportamentos como oriundos de vários aspectos, entre eles o emocional, o afetivo e o cognitivo. Após uma análise criteriosa, o professor juntamente com os especialistas da escola (coordenador, orientador, psicopedagogo, psicólogo e diretor) encaminhará a criança para um tratamento específico para a sua deficiência. Além do trabalho feito com a criança pelo especialista ao qual ela foi encaminhada, cabe ainda ao professor realizar um atendimento individualizado, exigindo do aluno uma participação de acordo com os seus limites. Mas o ponto crucial da resolução dos problemas de aprendizagem fica restrito à relação professor-aluno. A criança com discalculia poderá ter uma intervenção bem sucedida quando as noções de números elementares de 0 a 9, a produção de novos números, as noções de quantidade, ordem, tamanho, espaço, distância, hierarquia, os cálculos com as quatro operações e o raciocínio matemático forem trabalhados, primeiramente como experiências não verbais Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 54 havia nenhum dos copos iguais. Explicamos então que nosso objetivo com essa atividade é refletir as diferenças individuais e a necessidade da compreensão para atender e respeitar a individualidade de cada um de nossos alunos. Para finalizar, entregamos a todas uma mensagem exaltando o compromisso e a grandeza de cada uma delas em buscar compreender seus alunos e ajudá-los em suas dificuldades. Percebemos no decorrer dos encontros que o grande desafio da educação hoje é trabalhar com o diferente. Os professores ainda não se encontram preparados para enfrentar sozinhos as dificuldades de aprendizagem presentes em sala de aula, necessitando da ajuda de outro tipo de profissional que lhe dê suporte e segurança para assumir a responsabilidade de superar as dificuldades em aprender de seus alunos, ou seja, o Psicopedagogo. 4 Considerações Finais Ao longo da trajetória como acadêmicas e principalmente como educadoras observamos nas experiências vivenciadas que uma das causas que mais provocam angústia nos educadores são as dificuldades de aprendizagem. Vimos diariamente professores desistirem de seus alunos ou sofrerem junto com eles por não poder desencadear a aprendizagem. Assim, ao sermos requisitadas a realizar um estágio institucional optamos por abordar as dificuldades na aprendizagem, o que são e como trabalhá-las para que pudéssemos mostrar o quanto é importante reconhecê-las a fim de não pecar pela rotulação. Desta forma, ao concluirmos o Estágio Institucional verificamos que o mesmo foi uma importante etapa de nossa caminhada que nos possibilitou refletir sobre inúmeros aspectos que se referem à atuação do profissional Psicopedagogo no âmbito institucional, sobre as dificuldades e os transtornos de aprendizagem, não só no que abrange esta temática, mas também a nossa formação enquanto seres humanos e também enquanto profissionais no sentido de pedagoga/psicopedagoga. Para concluir, podemos salientar que não foram apenas os conhecimentos teóricos que adquirimos e possibilitamos conhecer, nosso Estágio nos mostrou com maior nitidez a necessidade de que todo educador deveria passar pelos bancos de um Curso de Pós- Graduação em Psicopedagogia ou que pelo menos as escolas tivessem a seu dispor um Psicopedagogo, para mostrar a importância de sermos mais sensíveis ao ouvir, observar e agir com aqueles que de nós depende a aprendizagem. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 42-55, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 55 Referências CID-10 (1992). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. DSM-IV (1994). Manual de diagnóstico e estatísticas das perturbações mentais. Lisboa: Climepsi, 1996. MOOJEN, Sônia; COSTA, Adriana Côrrea, Semiologia Psicopedagógica. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 103-112. MOOJEN, Sônia; FRANÇA, Marcio. Dislexia: visão fonoaudióloga e psicopedagógica. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 165-180. ROHDE, Luís A; BENCZIK, Edyleine B. P. Transtorno de déficit de atenção hiperatividade. O que é? Como ajudar?. Porto Alegre: Artmed, 1999. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. ROTTA, N. T.; PEDROSO, F. Transtornos da linguagem escrita – dislexia. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da aprendizagem. Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DAS DIFICULDADES NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA - UM ESTUDO DE CASO 1 Emanuele Froner 2 1 Introdução O trabalho em apreciação apresenta a prática de Estágio Supervisionado Clínico que tem o objetivo de oferecer aos pós-graduandos de Psicopedagogia um espaço de reconstrução e reflexão dos conhecimentos adquiridos durante o curso, culminando o aporte teórico com a prática psicopedagógica clínica. Vale salientar que a psicopedagogia estuda o processo de aprendizagem e suas dificuldades, tendo, portanto, um caráter preventivo e terapêutico. Preventivamente, a psicopedagogia deve atuar não só no âmbito escolar, mas alcançar a família e a comunidade, esclarecendo sobre as diferentes etapas do desenvolvimento, para que possam compreender e entender suas características, evitando assim cobranças de atitudes ou pensamentos que não são próprios da idade. Terapeuticamente, tem o objetivo de identificar, analisar, planejar e intervir através das etapas de diagnóstico e tratamento. Sendo assim, o psicopedagogo, através do diagnóstico clínico, irá identificar as causas dos problemas de aprendizagem, utilizando instrumentos diversificados e adequados. Fernández (1990) afirma que o diagnóstico, para o terapeuta, deve ter a mesma função que a rede para um equilibrista. É ele, portanto, a base que dará suporte ao psicopedagogo para que este faça o encaminhamento necessário. É um processo que permite ao profissional investigar, levantar hipóteses provisórias que serão ou não confirmadas ao longo do processo, recorrendo, para isso, a conhecimentos práticos e teóricos. Esta investigação permanece durante todo o trabalho através de intervenções e da... “escuta psicopedagógica...”, para que “...se possa decifrar os processos que dão sentido ao observado e norteiam a intervenção” (BOSSA, 2000, p. 24). 1 Artigo de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia, realizado na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen, oriundo do estudo de caso referente ao Estágio Supervisionado Clínico, pelo Departamento de Ciências Humanas. 2 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia e graduada no Curso de Pedagogia - Educação Infantil pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões -URI- Campus de Frederico Westphalen. Professora de Educação Infantil (4 e 5 anos) no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora em Frederico Westphalen. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 59 visuais, bem como examinar a ocorrência de problemas semelhantes em familiares. Este procedimento é fundamental em um estudo de caso. A história pessoal de D.S., obtida por meio da entrevista com a mãe, revelou alguns antecedentes indicativos para dificuldades específicas de leitura e escrita, tais como:  Atraso considerável no desenvolvimento da linguagem, na articulação das palavras.  Desleixo, desânimo, baixa autoestima e desinteresse em sala de aula.  Existem pessoas na família que já apresentaram as mesmas dificuldades que D.S apresenta atualmente.  A gestação foi de 42 semanas, ao invés de 36, revelando hipermaturidade.  Apresentou doença infecto-contagiosa, com período febril e vômito quando tinha 5 anos. Estes antecedentes raramente aparecem na totalidade, mas, basta a presença de um ou mais para se suspeitar de uma disfunção neurológica. Algumas pessoas acham que a criança que começa a falar depois da época considerada normal será pouco inteligente. Essa afirmação, no entanto, pode não ser verdadeira porque certas crianças têm sua fala atrasada por motivos diversos, às vezes transitórios. A partir dos 14 meses a criança torna-se capaz de pronunciar palavras com significado, sendo esperado que por volta dos 3 anos sua linguagem já esteja estruturada (JOSÉ, COELHO, 1996). Com base nestes dados, pode-se afirmar que D.S. realmente apresentou um significativo atraso na aquisição da linguagem. Na anamnese realizada com D.S percebeu-se que o mesmo sempre evita a leitura e a escrita, afirmou que não gosta de copiar do quadro ou de livros e tem um estilo de escrita manual inadequado. Estas são algumas características que fazem parte do distúrbio chamado “dislexia”. Já na terceira sessão, o principal objetivo foi avaliar a produção textual de D.S, bem como, verificar a relação que o mesmo estabelece com a aprendizagem, através da técnica projetiva do par educativo. Ao pedir para D.S relatar o desenho que fez, o mesmo disse: “Há uma professora passando um texto de português no quadro e o aluno está copiando rápido para poder ir para a Educação Física”. Percebe-se em sua fala a semelhança com sua própria realidade, pois há por parte de D.S uma desmotivação na hora de escrever, procurando sempre fazer rápido e de qualquer jeito para poder ir brincar. Em seu texto escrito D.S destaca o que contou oralmente, Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 60 porém com muitas dificuldades ortográficas, sendo que, após este momento, nem ele mesmo conseguia entender o que havia escrito. Analisando os aspectos gerais da produção textual de D.S, constatou-se que existe coerência e coesão de ideias, sendo que o texto apresenta início, meio e fim. Entretanto, há pouquíssima criatividade e clareza, pois é muito difícil compreender o que D.S escreve. D.S não demonstra vontade em escrever, pelo contrário, transparece muito desgosto. Observando a estrutura de seu texto, percebe-se que ele escreveu apenas um parágrafo, com muita repetição de palavras e sem usar letra maiúscula até mesmo em nomes próprios. Seu texto possui muitos erros de pontuação e principalmente de ortografia. No momento de brincar com o alfabeto móvel, D.S demonstrou conhecer a maioria das letras do alfabeto pelo nome, ficando em dúvida nas letras H, G, J, W e Y, sendo que reconhece pouquíssimas letras pelo som. Ele conseguiu falar o alfabeto em sequência, pulando algumas letras, como L e K. Em se tratando da brincadeira de soletração, D.S apresentou muitas dificuldades, principalmente em palavras com duas consoantes juntas, como “prateleira”. “Existem crianças que são incapazes de revisualizar e reorganizar auditivamente as letras, ou seja, têm dificuldade de soletrar. A limitação na escrita será resultado da incapacidade de ler” (ASSUNÇÃO, COELHO, 1996). Na 5ª sessão, realizou-se o teste de Consciência Fonológica, que é fundamental que seja aplicado com crianças que podem ser disléxicas. D.S. se saiu muito bem nas atividades de brincar como um robô, unindo as sílabas, como por exemplo: lan – che = lanche. Porém, quando se tratou de unir os fonemas, D.S sentiu dificuldades, pois não conhece a maioria dos sons das letras. Na 3ª atividade de dizer quais as palavras que rimam, dentre 3 palavras pré- estabelecidas, D.S foi bem. Ex: Mão - pão - só (mão-pão). Contudo, quando questionado para falar aleatoriamente palavras que rimam, D.S. sentiu dificuldades. Por exemplo: O que rima com formiga? Ele não soube responder. Portanto, nesta sessão, constatou-se que D.S. possui dificuldades com relação às rimas, à soletração e principalmente, quanto ao reconhecimento dos sons das letras. Todas essas dificuldades fazem parte do quadro de crianças que apresentam dislexia. No teste de grafia, D.S. apresentou um nível baixíssimo, visto que conseguiu escrever apenas 12 palavras em letra cursiva no tempo previsto, o que é esperado para uma criança de 1ª série. Para um aluno de 4ª série a média é de no mínimo 50 palavras. D.S. também Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 61 apresentou dificuldade no desafio matemático, pois não conseguiu compreender e interpretar o que leu, por outro lado, conseguiu numerar a gravuras da história na ordem correta. No sexto encontro com D.S foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar. Neste teste, o aluno obteve uma classificação inferior em todos os níveis. Analisando os três níveis que compreendem a escrita, a aritmética e a leitura, D.S aproximou-se mais da média esperada no teste de aritmética, sendo que, quando deveria alcançar classificação 18, alcançou 15. Já no teste de leitura, a diferença foi de 34 com relação à média. Entre estes dois testes se encontra o teste de escrita que D.S teve o total de 15 acertos, sendo que deveria acertar no mínimo 26 palavras. No teste de leitura D.S apresentou as principais características da dislexia, segundo descrição de Michael Farrell (2008):  hesitar nas palavras;  confundir letras com formas semelhantes, como u e n; palavras visualmente semelhantes, como was e saw; palavras pequenas, como it e is;  omitir palavras pequenas, como it e is, outras palavras, os finais das palavras;  cometer erros referentes a palavras semanticamente relacionadas, por exemplo, ler gato em vez de cão; palavras polissílabas como animal, corredor e assim por diante;  gramática, incluindo o uso inadequado dos tempos verbais. Entre as intervenções para melhorar a leitura com o uso de métodos multisensoriais estão as enciclopédias faladas. Elas fornecem informações complementares por outros recursos, incluindo ilustrações e videoclipes. É uma ótima ideia explorar outras formas de aprender, que não seja pela via da leitura, mas sim incentivando a audição e a visualização de gravuras. Em outros momentos, realizou-se também a leitura de livros infantis, histórias em sequências, fichas de leitura, bem como, realizou-se a bateria psicomotora com o objetivo de avaliar os aspectos psicomotoros, a capacidade de equilíbrio, noções de direita e esquerda, lateralidade, estruturação espácio-temporal, estruturação rítmica, coordenação viso-motora e coordenação óculopedal, identificando se há falhas nas competências psicomotoras necessárias à aprendizagem e ao desenvolvimento. Com o propósito de avaliar as noções de conservação de elementos, de líquido, de matéria, de comprimento e de volume aplicaram-se algumas provas do Diagnóstico Operatório (Piaget). Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 64  Adição ou omissão de sons, sílabas ou palavras: famoso substituído por fama.  Repetição de sílabas, palavras ou frases: paipai;  Acompanhamento, com o dedo, do que está sendo lido.  Problemas de compreensão do texto por motivo da leitura ser muito lenta, sem ritmo, sem domínio da compreensão e interpretação.  Caligrafia defeituosa, com irregularidades no desenho das letras, perda de concentração e fluidez de raciocínio, letra ilegível, leitura decifratória e analítica. A dislexia é um distúrbio de linguagem, que ocorre no processo de leitura, escrita, soletração e ortografia. Caracteriza-se pela dificuldade em decodificar palavras simples por insuficiência no processo fonológico, é hereditária e congênita e mesmo que a pessoa apresente inteligência adequada para a idade e oportunidades de ensino e aprendizagem, não consegue aprender como as outras. É importante destacar que a dislexia não é doença, mas um distúrbio com uma série de características. Vicente Martins afirma que uma criança com dislexia não é portadora de deficiência mental, física, auditiva, visual ou múltipla. O disléxico, também, não é uma criança de alto risco. Uma criança não é disléxica porque teve seu desenvolvimento comprometido em decorrência de fatores como gestação inadequada, alimentação imprópria ou nascimento prematuro. A dislexia tem um componente genético, exceto em caso de acidente cerebral (2003). Em 1971, Elena Boder e Myklebust propuseram a seguinte classificação com relação aos tipos de dislexia: 1ª) Dislexia disfonética: dificuldades de percepção auditiva na análise e síntese de fonemas, dificuldades temporais, e nas percepções da sucessão e da duração. Exemplos: a) trocas de fonemas (sons) e grafemas (letras) diferentes: moto - modo b) dificuldades no reconhecimento e na leitura de palavras que não têm significado: duepo, pebape. c) alterações na ordem das letras e sílabas: azedo – adezo d) omissões e acréscimos: escola – ecola; nem – neim. e) maior dificuldade na escrita do que na leitura; f) substituições de palavras por sinônimos ou trocas de palavras por outras visualmente semelhantes: infâmia – infância; Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 65 2ª) Dislexia diseidética: dificuldade na percepção visual, na percepção gestáltica, na análise e síntese de fonemas Exemplos: a) leitura silábica, sem conseguir a síntese das palavras: comigo – com – migo. b) aglutinações e fragmentações de palavras: fazer isso – fazerisso. c) troca por equivalentes fonéticos: vaca – faca. d) maior dificuldade para a leitura do que para a escrita. 3ª) Dislexia visual: deficiência na percepção visual; na coordenação visomotora (não visualiza cognitivamente o fonema). Exemplo: m – n 4ª) Dislexia auditiva: deficiência na percepção auditiva, na memória auditiva (não audiabiliza cognitivamente o fonema). Exemplos: gato – bato 5ª) Dislexia mista: que seria a combinação de mais de um tipo de dislexia. Já para Moojen apud Rotta (2006), é possível classificar a dislexia em apenas três tipos: 1º) Dislexia fonológica (sublexical ou disfonética): caracterizada por uma dificuldade seletiva para operar a rota fonológica durante a leitura, apresentando, não obstante, um funcionamento aceitável da rota lexical; com frequência os problemas residem no conversor fonema-grafema e/ou no momento de juntar os sons parciais em uma palavra completa. Sendo assim, as dificuldades fundamentais residem na leitura de palavras não familiares, sílabas sem sentido ou pseudopalavras, mostrando melhor desempenho na leitura de palavras já familiarizadas. Subjacente a essa via, encontram-se dificuldades em tarefas de memória e consciência fonológica. Considerando o grande esforço que fazem para reconhecer as palavras, portanto, para manter uma informação na memória de trabalho, são obrigados a repetir os sons para não perdê-los definitivamente. Como consequência, toda essa concentração despendida no reconhecimento das palavras acarreta dificuldades na compreensão do que foi lido. 2º) Dislexia lexical (de superfície): as dificuldades residem na operação da rota lexical (preservada ou relativamente preservada a rota fonológica), afetando fortemente a leitura de palavras irregulares. Nesses casos, os disléxicos leem lentamente, vacilando e errando com frequência, pois ficam escravos da rota fonológica, que é morosa em seu funcionamento. Diante disso, os erros habituais são silabações, repetições e retificações, e quando pressionados a ler rapidamente, cometem substituições e lexicalizações; às vezes situam incorretamente o acento prosódico das palavras. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 66 3º) Dislexia Mista: nesse caso, os disléxicos apresentam problemas para operar tanto com a rota fonológica quanto com a lexical. São assim situações mais graves e exigem um esforço ainda maior para atenuar o comprometimento das vias de acesso ao léxico. Entre as consequências da dislexia encontramos a repetência e evasão, pois se o problema não é detectado e acompanhado, a criança não aprende a ler e escrever. Acontece também o desestímulo, a solidão, a vergonha, implicações em seu autoconceito e rebaixamento de sua autoestima, porque o aluno perde o interesse em aprender, se acha incapaz e desprovido de recursos intelectuais necessários para tal. Pode apresentar uma conduta inadequada com o grupo, gerando problemas de comportamento, como agressividade e até envolvimento com drogas. Como podemos constatar, as sequelas de um distúrbio como a dislexia são as mais abrangentes. Inicia com uma dificuldade de leitura e escrita e acaba com um problema que pode durar a vida inteira, como depressão e desvio de conduta, caso a criança não receba o tratamento adequado. Tendo em vista que as dificuldades na aprendizagem, causadas pela dislexia, podem causar implicações emocionais e problemas na personalidade, é fundamental que se faça um diagnóstico e acompanhamento adequado que tornarão as implicações emocionais quase inexistentes e a criança mais confiante e segura frente a sua realidade e necessidades. Todos os indicativos acima listados convergem para um quadro de dislexia. No entanto, a localização do dano na rota fonológica e rota visual/lexical deverá ser investigada em estudo a ser desenvolvido com um neurologista. Sendo assim, sugere-se também intervenção específica em leitura e escrita com D.S, orientação para sua família e sua professora, bem como, é importante que D.S faça uma consulta a um fonoaudiólogo para que o mesmo avalie a sua percepção além de destacar possíveis lesões nos órgãos fonoarticulatórios que podem ser na musculatura bucal, bochecha, lábio e língua. E, por fim, um psicólogo que aplique testes para saber como está o cognitivo (capacidade de aquisição de conhecimento), e o emocional de D.S. Cabe salientar que é muito delicado para um psicopedagogo fechar um quadro de dislexia isoladamente. Com certeza o processo diagnóstico não se encerrou ao término da aplicação e análise das provas de avaliação. Certamente, as sessões de intervenção possibilitarão lapidar a compreensão do déficit em leitura e/ou escrita. Este trabalho não esgota a possibilidade de novas investigações por meio de provas e/ou instrumentos recentemente desenvolvidos em Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 56-69, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 69 IANHEZ, M. E; NICO, M. A. Nem sempre é o que parece: como enfrentar a dislexia e os fracassos escolares. São Paulo: Alegro, 2002. JOSÉ, E; COELHO, M. Problemas de aprendizagem. São Paulo: Ática, 1996. KAPPES, Dany et al. Dislexia. Disponível em: <http://www.profala.com/artdislexia18.html> . Acesso em: agosto 2007. PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. PERFEITO, D. M. Olhar clínico e sintoma na prática psicopedagógica: considerações importantes. Disponível em <www.psicopedagogiabrasil.com.br>. Publicado no em 07 dezembro 2004. WEISS, M.L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DA ORTOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS 1 Marisa de Fátima Piovesan Dal Piva 2 1 Introdução O presente trabalho resulta da prática de Estágio Institucional que visava oportunizar ao pós–graduando de Psicopedagogia uma situação para aplicação dos conhecimentos adquiridos durante o curso, proporcionando assim a vivência concreta da relação entre teoria e prática. Reportar-se para a “psicopedagogia”, é falar de uma área de conhecimento e de atuação dirigida que tem como foco o processo de ensino-aprendizagem. Nesse caso, seu objeto de estudo é o ser cognoscente, ou seja, o sujeito que é capaz de aprender e reaprender, construir e reconstruir. Nesse sentido, a aprendizagem não é estudada pela psicopedagogia no espaço restrito da escola, ou num determinado momento da vida, visto que ocorre em todos os lugares, durante toda a existência do ser humano, sendo por isso muito complexa. Conforme o artigo 1º do Código de Ética da ABPp: A Psicopedagogia é um campo de atuação em Educação e Saúde que lida com o processo de aprendizagem humana: seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio – família, escola e sociedade – no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da Psicopedagogia. Portanto, o desafio do psicopedagogo é trabalhar justamente com esta complexidade do ser humano, auxiliando-o e buscando formas de ajudá-lo a constituir-se enquanto um sujeito autônomo, construtor de sua própria história. Considerando a escola responsável por grande parte da formação do ser humano, o trabalho do psicopedagogo na instituição escolar tem um caráter preventivo no sentido de procurar criar competências e habilidades para solução dos problemas. Com esta finalidade e em decorrência do grande número de crianças com dificuldades de aprendizagem e de outros 1 Artigo de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia, realizado na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Frederico Westphalen, oriundo de um trabalho realizado com os professores de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Frederico Westphalen, referente ao Estágio Institucional A, pelo Departamento de Ciências Humanas. 2 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia e graduada no Curso de Pedagogia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões -URI- Campus de Frederico Westphalen. Professora de Séries Iniciais na Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Falcon em Frederico Westphalen. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 71 desafios que englobam a família e a escola, a intervenção psicopedagógica ganha, atualmente, espaço nas instituições de ensino. O estágio institucional realizado numa Escola da Rede Municipal de Ensino de Frederico Westphalen surgiu a partir de um ditado balanceado de autoria da professora Sonia Moojen com a finalidade de verificar o perfil ortográfico de uma turma da escola. Após a realização do ditado e em face da quantidade de erros cometidos, surgiu como queixa da direção e coordenação pedagógica que se realizasse um trabalho voltado para a necessidade que havia sido diagnosticada através do ditado, ou seja, a questão ortográfica. A partir disso sugeriu-se para cada professor que aplicasse também com suas turmas este ditado e com a 2ª série um ditado diferenciado, para alfabéticos. Diante dos resultados obtidos, constatou-se que as dificuldades ortográficas encontravam-se em todas as turmas, caracterizando-se assim um problema institucional. Surgiu então o desafio de realizar o estágio, tendo como enfoque o tema: “Limites e Possibilidades do Ensino de Ortografia nas séries iniciais”. O objetivo em hipótese nenhuma era encontrar culpados, tampouco julgar o trabalho que os professores realizam, mas sim buscar alternativas juntamente com a equipe escolar para amenizar as dificuldades apresentadas pelos alunos, construindo formas concretas de melhorar este quadro que agrava-se ano após ano, não apenas na referida escola, mas na maioria das escolas do país, visto que é cada vez mais acentuado o número de pessoas que cometem erros ortográficos, chegando muitas vezes até as universidades com dificuldades que poderiam ter sido sanadas no ensino fundamental. Diante disso, o assunto abordado no presente artigo, enfoca as dificuldades ortográficas, a maneira como os professores trabalham com as mesmas e como encaram os erros cometidos pelos alunos, buscando um olhar diferenciado para estes erros, sistematizando e diminuindo as dificuldades a partir da reflexão sobre as normas de nossa língua. Tendo em vista a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre o tema “Limites e Possibilidades do Ensino de Ortografia nas séries iniciais”, realizou-se um estudo minucioso com base no livro “Ortografia: ensinar e aprender” de Artur Gomes de Morais, sendo apresentado e discutido em forma de seminário juntamente com os professores, coordenação e direção da escola. Já no início do seu livro, Morais demonstra nítida indignação pelo modo como a questão ortográfica é trabalhada nas escolas desde os tempos mais remotos até os dias de hoje. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 74 a) Regulares diretas: São trocas letra-som geralmente entre p/b, t/d, f/v, que ocorrem em decorrência do som entre elas serem muito parecidos. b) Regulares contextuais: Nesse caso, como o próprio nome já indica, é o contexto que vai dizer qual letra deve ser usada. c) Regulares morfológico-gramaticais: Este aspecto se refere à questão gramatical das palavras que acaba definindo as regras. Além das regularidades acima citadas existem as irregularidades para as quais não há regras que possam ajudar e dar mais segurança ao aprendiz no momento de escrever. Sendo assim, é necessário utilizar o dicionário e estimular a memória. Entretanto, o professor pode e deve auxiliar o aluno neste processo, fazendo com que o mesmo internalize primeiro as palavras mais corriqueiras através da memória visual. Em face do exposto, cabe ressaltar que no caso das regularidades da língua é preciso construir as regras junto com os alunos para que haja reflexão e compreensão, visto que a simples “decoreba” não leva a aprendizagem alguma. Em contrapartida, se tratando das irregularidades da língua, sabemos que não há o que compreender, portanto é fundamental que os educadores não se apavorem quando as crianças erram tais palavras, visto que até os adultos às vezes ficam com dúvidas na questão ortográfica quando vão escrever palavras que são raras e pouco utilizadas. No capítulo seguinte, Morais retrata de que maneira a criança aprende ortografia. O referido autor faz referência a algumas experiências (ditado, transgressões e entrevistas) que realizou com crianças de classe média e classe média baixa. A partir dessas práticas ficou evidente que, infelizmente, as crianças de escolas particulares tinham um conhecimento ortográfico superior aos da escola pública. Alguns aspectos foram ressaltados pelo autor:  Quanto maior forem as situações de contato da criança com materiais impressos (ex: dicionário, livros literários, etc) na escola e em casa, menos erros ortográficos ela vai ter.  Conforme as crianças vão evoluindo de série os erros vão diminuindo.  Geralmente as crianças de 2ª, 3ª e 4ª série possuem mais dificuldades nas irregularidades da língua, o que é absolutamente normal, visto que elas irão aprofundar essas questões a partir da 5ª série.  Os alunos com melhor ortografia conseguiram criar mais erros propositais na atividade de transgressão, bem como os alunos com pior rendimento não Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 75 conseguiam inventar muitos erros. Não se trata apenas da quantidade de erros, mas o tipo de erro que cometiam. Os alunos que possuíam um conhecimento maior erravam propositalmente justamente nos problemas mais graves da norma ortográfica, ao contrário daqueles de menor rendimento que inventavam erros sem uma explicação lógica, como trocas aleatórias, adição ou omissão de letras. Na entrevista realizada pelo autor, os alunos demonstraram que o valor e a importância da ortografia em sua vida dependem da maneira como a mesma é vista e trabalhada na escola. Portanto, se a questão ortográfica é encarada como mero recurso para avaliar os erros e que a criança deve conhecer apenas para passar de ano, será praticamente impossível que a mesma compreenda a verdadeira necessidade de saber escrever corretamente. No entanto, no capítulo 4 do livro mencionado, infelizmente ainda observamos como realidade em muitas escolas que não há o estabelecimento de metas para o ensino da ortografia, sendo que essa questão ainda é pouco explorada, apenas é rigorosamente cobrada em ditados, nas produções textuais, pedindo muitas vezes às crianças que preencham linhas com as palavras que erraram. O erro mais crucial ocorrente nessas escolas é que na maioria das vezes não há uma discussão e reflexão sobre os erros cometidos. Cabe ressaltar que aprender ortografia é um processo ativo, portanto, o sujeito aprende construindo e não decorando as regras. Porém, as atividades mencionadas acima se preocupam apenas com a verificação do erro, enfatizando apenas a memorização por parte da criança. Por esse motivo, muitas vezes, as crianças pensam que entender a norma ortográfica é saber copiar corretamente o que a professora faz, bem como, acreditam que escrever corretamente é importante para passar de ano. Todo esse panorama tradicional de ensino pode ser modificado com uma mudança de atitude do professor perante o erro da criança. Geralmente, o professor tenta evitar o erro ou camuflar situações em que o erro possa ocorrer, impedindo que a criança observe palavras escritas erroneamente e reflita sobre elas. Por trás dessas atitudes está a concepção de que a criança aprende naturalmente, com o tempo. Sendo assim, muitas vezes em nome do falso construtivismo deixamos de auxiliar a criança na escrita correta das palavras, tendo como desculpa que é preciso respeitar o erro da criança. Nesse sentido, Morais apresenta alguns princípios para guiar o trabalho didático do professor com relação ao ensino da norma ortográfica. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 76 1. É fundamental que a criança tenha na escola a oportunidade de conviver, diariamente, com bons modelos de escrita sobre os quais possa refletir. O autor se refere a esse item como o primeiro mandamento para o desenvolvimento da competência ortográfica. Entretanto, deve haver uma dosagem entre a leitura de bons textos e a produção de textos espontâneos, sempre fazendo a criança refletir sobre as palavras que vê e escreve. 2. O bom ensino precisa levar o aprendiz a elaborar, num nível consciente, seus conhecimentos ortográficos e para que esse propósito se concretize, o professor precisa assumir a tarefa de “semear a dúvida” entre seus alunos. Diante disso, além de responder as dúvidas que os alunos possuem, o professor deve lançar mais dúvidas, questionando-os permanentemente quando estão escrevendo suas produções. Além disso, o autor coloca a ideia de proporcionar atividades em que os alunos possam escrever errado de propósito, ou seja, realizar transgressões intencionais. Com certeza ao realizar a contradição entre o certo e o errado eles irão perceber mais facilmente as razões por tal palavra ser escrita dessa forma e não de outra. O mais interessante e significativo nesse trabalho é o momento em que a criança irá justificar o porquê dos erros inventados. Dessa forma a criança irá tomando consciência e construindo as regras da norma ortográfica. 3. É extremamente necessário que a escola e o professor estabeleçam metas com relação ao avanço na competência ortográfica de seus alunos. Nesse viés, o planejamento deve ser claro e objetivo. Com o intuito de planificar nossa ação nas escolas é preciso saber quando o professor deve começar a ensinar ortografia a seus alunos. Em face do exposto, Morais ( 1998, p. 68) escreve: “Penso que o ensino sistemático só cabe quando as crianças já estiverem compreendendo o sistema de escrita alfabética, isto é, quando aprenderem o valor sonoro das letras e já puderem ler e escrever sozinhas.” Um dos aspectos fundamentais que o autor salienta é que o professor jamais deve omitir respostas ou fugir das perguntas sobre as dúvidas que a criança possui com relação à ortografia. Pelo contrário, ele precisa obrigatoriamente ser honesto e natural, discutindo juntamente com a criança sobre tais questionamentos. O educador deve trabalhar em cima da curiosidade da criança. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 79 apresenta em seu livro uma realidade que infelizmente ainda ocorre nas instituições, que em sua maioria costumam cobrar que os alunos escrevam corretamente sem proporcionar situações para que isso ocorra. 3 Intervenção Psicopedagógica Visando o Redimensionamento das Práticas Pedagógicas no Ensino da Ortografia Com o intuito de analisar como se dá o envolvimento e comprometimento dos professores com a questão ortográfica em sala de aula, primeiramente realizou-se um questionário com os mesmos a fim de perceber quais são as suas concepções diante desse tema, suas propostas e possíveis dificuldades. Sendo assim, os professores foram convidados a responder cinco perguntas referentes ao tema em pauta. Estas questões serviriam como base para posteriormente abordar-se a questão ortográfica nas séries iniciais e ter maior clareza de como o quadro de professores visualiza este assunto, qual o grau de importância que depositam na ortografia e o modo como trabalham com a mesma. Diante da primeira questão, referindo-se ao grau de importância que a ortografia exercia na série em que eles trabalhavam, a maioria dos professores respondeu que a ortografia era fundamental para aprender a ler e escrever corretamente, apenas um professor referiu-se que era importante para a coordenação da escrita, para a leitura, produção de frases e de textos. No que diz respeito a essa questão, Morais afirma que a comunicação escrita é algo que faz parte do nosso cotidiano e que o uso correto da ortografia é uma questão que jamais deixará de ser cobrada pela sociedade, que de certa forma, exerce grandes preconceitos para com os desprovidos do uso correto da língua falada ou escrita e é enfático ao afirmar: “Penso que, ao negligenciar sua tarefa de ensinar ortografia, a escola contribui para a manutenção das diferenças sociais, já que ajuda a preservar a distinção entre bons e maus usuários da língua escrita ( MORAIS, 1998, p. 24). Além disso, enfatiza que a automatização do ensino ortográfico permite à criança expressar-se melhor no momento de escrever, minimizando assim seu sofrimento em pensar se a grafia das palavras está correta ou não. Quando questionados sobre a forma utilizada para realizar a correção dos erros ortográficos de seus alunos, alguns disseram que faziam a correção juntamente com o aluno, fazendo-o verificar onde havia errado e corrigindo. Outros faziam o confronto da escrita Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 80 errada com a correta no quadro ou nos materiais impressos. Em contrapartida, a minoria mostrava ao aluno onde estava o seu erro, pedindo para o mesmo escrever novamente até acertar. Em face disso, o autor Artur Gomes de Morais reforça que é pouco útil corrigir na ausência dos alunos, dando-lhes em seguida as formas corretas e pedindo apenas que as copiem. Além de constituir um fardo para o professor, essa estratégia não leva o aluno a refletir sobre suas dificuldades ortográficas. A correção deve ser feita nos momentos em que a criança está produzindo seus textos, através de indagações feitas pelo educador. O autor considera que “não corrigir”, “nunca revisar” é dizer ou transmitir ao aluno que a correção ortográfica e o aprimoramento da linguagem escrita como um todo não é importante. Com relação à questão sobre em qual série deveria se iniciar o trabalho com as regras ortográficas, praticamente todos os professores afirmam que o trabalho deve iniciar desde a alfabetização, ou seja, a partir do momento que a criança já sabe ler e escrever, posto que esse é um processo que se estenderá até as série finais. Percebe-se diante dessas respostas, total coincidência com as ideias do autor, pois segundo Morais, a criança deve ter acesso a tudo o que diz respeito a nossa língua, desde os primeiros contatos com o mundo das letras. Entendo, porém, que a curiosidade sobre questões ortográficas deve ser estimulada e transformada em objeto de discussão eventual sempre que os alunos atentem para as “complexidades” de nossa escrita alfabética, desde a etapa de educação infantil ( MORAIS,1998, p. 68). Na questão que abordava qual a maneira que os professores trabalham as questões ortográficas em sala de aula, alguns destes responderam que sistematizam através de atividades de completar, ditados, construção de frases, enquanto outros buscam trabalhar a partir de um texto com a realização de atividades e através de pesquisas. Houve ainda quem respondesse que sempre retoma o erro juntamente com a criança procurando mostrar a grafia correta e também fazendo o aluno descobrir onde errou através da comparação das palavras escritas em livros e revistas. No livro, Ortografia: Ensinar e Aprender, o autor faz algumas críticas com relação às atividades desenvolvidas pelos professores em sala de aula e pelos materiais didáticos trabalhados no cotidiano escolar. Enfatiza que as tarefas ou exercícios propostos pelos educadores não permitem que o aluno desenvolva seu potencial cognitivo, sendo que as mesmas não exigem nenhum esforço em fazê-los pensar e muito menos refletir sobre a Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 70-83, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 81 questão ortográfica, “Veja-se que nessas “tarefinhas” o trabalho cognitivo ao aluno é muito pobre. Ele é solicitado a preencher lacunas com alternativas que lhe foram dadas” (MORAIS, 1998, p. 54). Quando foram questionados se a escola em que eles atuam possue um planejamento com objetivos específicos de ortografia para cada série, alguns professores citaram que estes estão inseridos nos planos de estudo, outros responderam que não existe e que seria muito importante definir as metas que se quer alcançar em cada série, alegando que assim o professor teria mais segurança e as dificuldades poderiam ser sanadas com mais rapidez e precisão. Em face disso, o autor salienta que na maioria das vezes os professores não planejam e nem definem o que querem alcançar com suas turmas até o final de cada ano letivo. Morais reforça a idéia de que se não há metas claras a respeito do que se deseja ensinar, a ortografia continuará sendo um objeto de avaliação e de verificação do que o aluno aprendeu ou não, deixando de ser um objeto de ensino. Após a análise das respostas chegou-se à conclusão de que realmente os professores sentiam a necessidade de conhecer mais sobre os limites e as possibilidades de se trabalhar com a ortografia, visto que para alguns este assunto não estava claro e nem possuía metas definidas que pudessem orientar o processo de ensino-aprendizagem. O grupo de professores demonstrou muito interesse pelo tema escolhido, sendo que gostariam de ter mais sugestões de atividades práticas, bem como, ter certeza do que deveriam cobrar de seus alunos em cada série. A partir disto decidiu-se realizar na instituição, com o intuito de auxiliar os professores e amenizar as angústias percebidas, um seminário envolvendo os mesmos, a coordenação e direção da escola. O objetivo neste seminário foi teorizar sobre as ideias estudadas a partir do livro de Artur Gomes de Morais, “Ortografia: Ensinar e Aprender”, apresentando o conteúdo do mesmo, contextualizando ideias, sugerindo atividades e planejando com os professores metas de trabalho a serem desenvolvidas em cada turma, em face dos ditados aplicados anteriormente nas turmas. Após o término do seminário e diante de tantas dúvidas e questionamentos, realizou-se um novo encontro com o grupo de professores e direção, no qual apresentaram-se algumas sugestões de atividades que iriam culminar o trabalho, juntamente com o planejamento Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM RELACIONADAS AO LUTO: UM ESTUDO DE CASO 1 Ana Lucia Gutkoski 2 1 Introdução Este artigo é resultante de uma experiência prática do Estágio Clínico no Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia para investigar as possíveis causas para a dificuldade de aprendizagem das quatro operações matemáticas, especialmente multiplicação e divisão, em um aluno pré-adolescente, com doze anos de idade, da 4ª Série de uma escola pública, destacando a importância da atuação do psicopedagogo clínico. O presente estudo justifica-se, assim, como a possibilidade de uso concreto de bases teóricas adquiridas no Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional e Clínica, possibilitando a reelaboração do conhecimento adquirido ao longo do curso e a vinculação desse conhecimento com a prática psicopedagógica permitindo a prática do olhar e da escuta diferenciados ligados a essa área, incorporando, assim, novas habilidades ao profissional psicopedagogo ao realizar intervenção clínica individual, orientação e contato com a família e escola em relação ao processo de aprendizagem de aspectos evidenciados no diagnóstico e/ou tratamento. No caso em evidência, a família e a escola alegavam a dificuldade diante do histórico de duas reprovações consecutivas e notas abaixo da média em matemática e geografia. O aluno, por sua vez alegava não saber pensar, tendo consciência de sua dificuldade de aprendizagem, revelando sentir-se incomodado com o fato; além disso, havia a dificuldade de relacionamento com as irmãs, especialmente a mais velha, a confirmação da vivência do luto, ainda, pela família, o sentimento de ausência do pai e a codependência do menino em relação à mãe e irmãs. A mãe do menino referia que este não aprendia por ser: desatento, muito teimoso e tímido, além de isolar-se em determinados momentos, ressaltando a condição de luto ainda vivida pela família, especialmente por ele, que, quando ocorreu o fato contava com sete anos 1 Trabalho de conclusão no Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional e Clínica na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen, RS. 2 Terapeuta Floral e aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional e Clínica na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus Frederico Westphalen, RS. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 85 aproximadamente, ressaltando que as dificuldades na aprendizagem tiveram início após a vivência desse trauma. A escola julgava que, além da falta de atenção da criança, esta era superprotegida pela mãe, que não cobrava dela atitudes responsáveis e nem impunha limites, impossibilitando assim a efetivação da aprendizagem. A professora referiu ainda, a dependência do menino na realização das atividades e a dificuldade para o atendimento individualizado desse, pois na turma havia vinte e cinco alunos, sendo seis com casos semelhantes a ele. A pesquisa foi realizada dentro de uma abordagem qualitativa compondo-se de estudos bibliográficos para embasar teoricamente a temática em pauta e a investigação da história de vida da criança, da realidade familiar, escolar e o envolvimento do aluno no processo de apropriação e internalização do conhecimento, bem como seu comprometimento em relação à aprendizagem e posteriormente a avaliação psicopedagógica da mesma, abordando os aspectos afetivo, emocional, comportamental, psicolinguístico, de desempenho escolar, cognitivo e psicomotor. Para a realização e efetivação do diagnóstico psicopedagógico referido foram realizadas doze sessões, com atividades diversificadas, destacando-se o uso de jogos, quebra- cabeças, sequências lógicas, fábulas e desenhos, além de entrevista com a mãe, a criança e a professora, separadamente, para posterior intervenção psicopedagógica. Sabe-se da importância das emoções, da afetividade e de interrelações familiares afetivas sólidas, bem estruturadas e saudáveis, aliadas a um bom raciocínio lógico como condição para que a aprendizagem aconteça, entretanto quando relacionada a uma condição de luto do aprendente, vislumbrando-se como possível causa da dificuldade de aprendizagem, evidencia-se uma nova possibilidade de enfoque e interpretação. Por isso, optou-se por discorrer sobre um dos diversos temas evidenciados, no caso, o luto, considerando-se a relevância do assunto. Para a reflexão desse tema discute-se inicialmente um panorama geral sobre aprendizagem e respectivas dificuldades, estabelecendo-se relações entre essas e aspectos emocionais, dentre eles o luto, ali envolvidos, bem como os aspectos intrínsecos e extrínsecos envolvidos no ato de aprender, destacando diferentes concepções teóricas, bem como os processos cognitivos da construção do conhecimento sob a perspectiva piagetiana, fundamentação teórica do presente estudo, relacionando-a aos estudos de Jorge Visca, Bowlby e Kübler-Ross. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 86 Porém, antes de ser enfocada a dificuldade, se faz necessário falar sobre o processo de aprendizagem: como acontece e por que surgem as dificuldades e ao que estão relacionadas. 2 Aprendizagem A aprendizagem é um processo de mudança de comportamento obtido através da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais. Assim, aprender é o resultado da interação entre estruturas mentais e o meio interno e externo. Nesse enfoque centrado na aprendizagem, o conhecimento é construído e reconstruído continuamente. Também, dentro dessa ótica, a aprendizagem e a construção do conhecimento são processos naturais e espontâneos do ser humano que desde o início da vida aprende: a mamar, falar, andar, pensar, garantindo assim, a sua sobrevivência. Com aproximadamente três anos, as crianças são capazes de construir as primeiras hipóteses e já começam a questionar sobre a existência. Nesse sentido, o aprender envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidade, habilidades e potencialidades do ser humano sejam físicas ou mentais e afetivas. Também, por ser uma atividade interna, mental e emocional daquele que aprende envolvendo a participação total e global do indivíduo em todos os seus aspectos, inclusive a reação dos alunos aos livros, ao professor e ao ambiente social da escola; além disso, a aprendizagem é intransferível de um indivíduo para outro, assim sendo, ninguém pode aprender por ninguém, envolvendo a singularidade do ser e do aprender. Aprender é, assim, um processo que envolve mudança de comportamento para que todos os aspectos constitutivos da personalidade do ser aprendente entrem em atividade nesse momento, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio vital, rompido pelo aparecimento de uma situação problemática; além disso, é um processo que se realiza através de operações crescentemente complexas e que, em cada nova situação envolve o maior número de elementos numa série gradativa e ascendente. Além da maturação a aprendizagem resulta da aprendizagem anterior, ou seja, da aprendizagem individual, que envolve auto-modificação e evolução, levando o sujeito à progressiva adaptação e integração de sua personalidade ou ao ajustamento social. A aprendizagem escolar também é considerada um processo natural, que resulta de uma complexa atividade mental, na qual o pensamento, a percepção, as emoções, a memória, a motricidade e os conhecimentos prévios estão envolvidos e onde a criança deva sentir o prazer em aprender. Ainda, segundo Maria Lúcia Weiss, “a aprendizagem normal dá-se de Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 89 autor apontava que tais problemas eram provocados, especialmente, por desordens internas ou fatores intrínsecos aos indivíduos. As dificuldades de aprendizagem raramente têm origem apenas cognitiva; assim não é possível atribuir somente ao aluno o fracasso escolar sendo possível haver algum comprometimento no seu desenvolvimento psicomotor, cognitivo, lingüístico, emocional, (conversa muito, é lento, não faz a lição de casa, não tem assimilação, entre outros) ou desestruturação familiar, sem considerar as condições de aprendizagem que a escola oferece ao aluno, bem como os outros fatores intraescolares ou extraescolares que favorecem a não aprendizagem. É importante a observação e análise do sistema familiar, escolar e social em que o ser aprendente está inserido, além do seu próprio processo de aprendizagem, para ser possível detectar o que pode estar obstaculizando esta aquisição. Conforme apresentado em Saravali (2005), diferentes perspectivas ora apontam para tendências médicas e orgânicas, ora para tendências psicológicas e pedagógicas, sem, no entanto, haver consenso sobre o que caracteriza uma dificuldade de aprendizagem: [...] as teorias das dificuldades de aprendizagem são controversas, conceitualmente confusas e raramente apresentam dados de aplicação educacional imediata. Mesmo com uma grande panorâmica e com um grande potencial de investigação, as teorias das DA continuam a ser muito complexas e muito pouco consistentes (FONSECA, 1995, p. 57-58). Assumindo a perspectiva interacionista-construtivista de Jean Piaget, diferentes autores identificam os problemas de aprendizagem como resultantes de falhas no processo de relação e interação do sujeito com o meio no qual vive, pressuposto básico do interacionismo- construtivista. Sabe-se que, dentre as dificuldades de aprendizagem que incluem problemas mais localizados nos campos da conduta e da aprendizagem, indicando a presença de perturbações estão a atividade motora (hiperatividade ou hipoatividade, dificuldade de coordenação); atenção (baixo nível de concentração, dispersão); área matemática (problemas em seriações, inversão de números, reiterados erros de cálculo); área verbal (problemas na codificação/decodificação simbólica, irregularidades na lectoescrita, disgrafías); emoções (desajustes emocionais leves, baixa autoestima); memória (dificuldades de fixação); percepção (reprodução inadequada de formas geométricas, confusão entre figura e fundo, inversão de letras; sociabilidade (inibição participativa, pouca habilidade social, agressividade). Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 90 Entretanto, as perturbações são fundamentais na medida em que há compensação pelo sujeito como forma de regulação, ou seja, a reação à perturbação é fundamental para o desenvolvimento, para a evolução. Nesse sentido, uma dificuldade de aprendizagem não é vista como patogenia e sim como um obstáculo que pode estar dificultando este processo. Uma das possibilidades à disposição do educador e do psicopedagogo para vislumbrar as possíveis dificuldades pode ser encontrada na utilização de jogos de regras que, além de favorecer a construção do pensamento, representam um desafio ou perturbação, e, assim, possibilitam intervenções que maximizam a aprendizagem dos alunos, exercendo papel fundamental no desenvolvimento da criança. Ao jogar, a criança descobre a importância da antecipação, do planejamento e do pensar antes de agir. Por sentir-se desafiada a vencer aprende a persistir, aprimora-se e melhora seu desempenho. Os jogos de regras serviram de inspiração para muitos trabalhos fundamentados na teoria psicogenética de Piaget, identificando os jogos como importantes auxiliares na compreensão da estruturação cognitiva das crianças e aprimoramento dos processos de construção do pensamento e da aprendizagem. Neste processo a família e a escola também desempenham papéis fundamentais para possibilitar o repensar e o redimensionar da aprendizagem na escola e na vida. Percebe-se assim, que as explicações para uma não aprendizagem não recaem somente sobre incapacidades cognitivas do aluno; também recaem sobre sua família ou sobre questões emocionais e afetivas, inclusive traumas e luto. Por isso há que se perguntar: quando ocorre a ausência de um dos pares, no caso o pai, como isso é vivenciado pela criança? Conforme Bouwlby (1998), citado por Rachel Schlindwein, no artigo “Aspectos psicológicos da terminalidade, do luto e do morrer” (p. 23), que reações de luto constatadas nas infâncias iniciais vão constituir o luto patológico do adulto e que: As atitudes da criança variam, seja experimentando o isolamento, o afastamento silencioso ao pranto convulsivo, podendo substituir um objeto amado. Ela sente também remorso e culpa, por não fazer a diferenciação entre ação e desejo. Em contrapartida, ela pode encarar a perda com considerável aceitação. Mas se os adultos, já em estado perturbado, não entenderem a criança e a repreenderem, ela pode intimamente viver seu pesar, resultando futuramente distúrbios emocionais (KÜBLER-ROSS, 1977, p. 23). E distúrbios emocionais são perturbações que interferem na relação de aprendizagem e interação com o meio social e familiar, pois, uma pessoa quando morre, ao partir, deixa os que a amam em uma circunstância de dor e sofrimento, e nessa ausência dolorosa encontra-se o luto. Essa circunstância de dor e sofrimento pode acompanhar a pessoa pela vida toda, Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 91 interferindo em seu modo de se relacionar e se inserir no mundo, quando não elaborado adequadamente. Na concepção Freudiana o processo de identificação com a figura perdida é o ponto principal de sua Teoria sobre o Luto (BOWLBY, 1998), enquanto que pesquisas psicanalíticas frisam a identificação da figura perdida como o mais significativo processo ligado ao luto, onde a identificação é considerada como compensação pela perda sofrida (SCHLINDWEIN, 2001). Segundo a teoria de Piaget, é importante deixar as crianças seguir seu próprio ritmo, garantindo-lhes quantidade suficiente de experiências não específicas, que se associam ao conhecimento já adquirido e integram-se ao ambiente, construindo-se, assim, a conceituação. Quando isso acontece, a estrutura mental se redefine e torna-se capaz de aprendizagens mais complexas (FERREIRA, 2001, p. 11). Tais aprendizagens envolvem a superação de traumas, inclusive. Nesse sentido, é viável a posição de Fonseca (1995), ao referir que: para se definir ou mesmo pensar em dificuldades de aprendizagem deve-se adotar uma postura interacional e dialética, ou seja, procurar integrar os déficits no indivíduo, na escola, na família, pois “... as condições internas (neurobiológicas) e as condições externas (sócio-culturais) desempenham funções dialéticas (psicoemocionais) que estão em jogo na aprendizagem humana” (1995, p. 12). Dessa forma, o ambiente escolar também pode ser ou não estimulante, oferecendo ou não as oportunidades apropriadas para a aprendizagem sendo as ligações afetivas a nível inconsciente bastante relevante. Nesse sentido, vale ressaltar as contribuições da perspectiva construtivista para as dificuldades de aprendizagem, trazendo referências, sustentabilidade e fundamentação para muitas interpretações, avaliações e intervenções em relação aos problemas para aprender. Identificados os aspectos que poderão estar obstaculizando a aprendizagem, inicia-se o processo de modificação destes obstáculos, inclusive pela atuação do psicopedagogo. Atuação esta que se diferencia na valorização do que o aprendiz traz e faz em situações de jogos de regras, na manifestação espontânea do fazer lúdico e na pesquisa e consequente construção de situações relacionadas com a leitura de mundo deste aprendiz. O que leva a se interrogar, que tipo de leitura de mundo está sendo feita por esse menino? Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 94 vivência do luto, pela situação traumática de perda para toda a família, embora cada um deles reaja à sua maneira: a mãe, triste, porém guerreira para manter a família unida e consistente, a mais velha com agressividade, a mais nova com apatia e o menino também com apatia e possivelmente com dificuldades na aprendizagem revelando que esse sentimento de perda e ausência de diferentes maneiras estão afetando a família. O menino demonstra o sentimento de ausência do pai, pelas referências verbais feitas ao fato e também pela expressão corporal, mãos trêmulas, corpo curvado, não querer tirar o boné, tímido, retraído, solitário ao recolher-se sistematicamente a um espaço somente seu, a palidez, o fato de parecer ausente e desinteressado do momento presente, não demonstrar grande curiosidade ou interesse pelas atividades, revelando medo de encontrar “professora braba”, o fato de não comparecer sozinho à primeira sessão revelando a dependência referida pela mãe. Algo que está guardado dentro dele e ninguém tem acesso, revelado por seus momentos de isolamento e quietude e porque não, em sua relutância ou sua limitação de raciocínio que se revela nas dificuldades matemáticas. Nesse sentido, algumas atividades realizadas revelaram-se enriquecedoras na medida em que foi possível avaliar o nível de leitura e atitudes no enfrentamento de novas situações. Entretanto, no seguimento das sessões ficou demonstrado que ele não lia os livros retirados na biblioteca nem os outros com leituras iniciadas e sem continuidade, sendo esse o procedimento normal: iniciar as tarefas e não concluir, a menos que alguém muito atento e próximo o incentivasse ao seguimento e à conclusão. É como se ele tivesse medo de avançar no tempo e estivesse estacionado num momento, lembrando um gramofone voltando sempre ao mesmo ponto, não permitindo avançar, como se o fato de permanecer estagnado no tempo e limitando-se no espaço lhe devolveria o que, de forma tão abrupta lhe foi tirado, faltando-lhe, assim, base intuitiva e sabedoria para perceber-se como pessoa que, para aprender, precisa acumular e reavaliar experiências do passado, mesmo sendo dolorosas. Tais afirmações podem ser comprovadas pela reação demonstrada às atividades propostas como desafios, especialmente os jogos de quebra-cabeça com crescentes dificuldades: (de doze, quinze e trinta peças). Numa primeira proposição de jogo, o menino retraiu-se, não quis sequer tentar jogar nem montar um quebra-cabeças com doze peças grandes; em outras situações preferiu dizer que não sabia enfrentar o desafio ou, ainda, preferia jogar sozinho; no prosseguimento das sessões foi percebendo que podia jogar e que era capaz de, ao enfrentar os desafios, sozinho, podia sair-se bem. Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 95 No andamento das sessões houve evolução nesse sentido: ao desafio de montar o quebra-cabeça com doze peças inicialmente mostrou-se inseguro, na segunda tentativa conseguiu montar e ficou feliz; nas sessões posteriores foram feitas propostas para a construção, desconstrução e reconstrução de quebra-cabeça com quinze e trinta peças e embora crescente a dificuldade, a cada novo desafio reagia com mais segurança, tranquilidade e até mesmo entusiasmo, descobrindo-se capaz de vencer os desafios e superar as dificuldades daí decorrentes, num processo evolutivo e crescente de seu conhecimento. No jogo de varetas inventou um jeito diferente de pegar as varetas sem mexer; no jogo de sequências lógicas o fez numa lógica diferenciada, particular. Quanto aos desenhos, revelam-se geometrizados e especialmente os seres humanos, de tamanho minúsculo e sempre utilizando régua, monocromáticos no início, de cor verde ou amarela, com escassa criatividade, revelando as pedras da construção (o que está faltando para ocupar um espaço vazio?) demonstrando ainda uma falta de base, sem “chão”, sendo a folha explorada apenas parcialmente, de forma horizontal, porém, com grande espaço em branco. O luto sadio, apesar de característico, pode ser confundido com outras manifestações, por exemplo, a melancolia, o luto patológico, etc. Anna Freud definiu o luto sadio como: um esforço bem sucedido de um indivíduo para aceitar o acontecido de uma alteração no seu meio externo e a necessidade de fazer mudanças correspondentes sem seu mundo interno e representativo, organizando novamente (com a possibilidade de nova orientação) sua conduta de apego de forma correspondente (BOWLBY, 1998. In: SCHLINDWEIN, 2001, p. 22). Falta-lhe o pai e a confiança de que ele tem capacidade, preferindo dizer não sei, quando lhe foi proposta alguma tarefa. E, nessas condições revela-se a conduta de apego ao luto, pois a referência à morte do pai, e a situações que mudaram após a morte desse são uma constante. Isso foi percebido também pelo fato de ter preferido jogar sozinho e na maioria das vezes não interagir, revelando uma solidão e um desejo de voltar no tempo. A adolescência por sua própria característica revela conflitos escondidos, aliado a isso ele está “atrasado” em dois anos no ensino fundamental, o que por si só gera tristeza e/ou conflitos. Ressalte-se que: Para adolescentes, a perda é uma carga demasiadamente pesada para superar, tendo em vista que a adolescência já traz o peso de seus conflitos característicos. Terapeuticamente, busca-se possibilitar que manifestem suas emoções, desde a ira à tristeza (KÜBLER-ROSS, 1997. In: SCHLINDWEIN, 2001, p. 25). Pode-se dizer que o menino reflete a ausência do pai em tristeza guardada, no olhar marejado de lágrimas, em necessidade não suprida, falta de autoconfiança, no andar curvado e cabisbaixo, na realização das tarefas, deixando-as incompletas; essa lacuna da perda Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Psicopedagogia em Debate. Série Pesquisa em Ciências Humanas Frederico Westphalen, pp. 84-100, outubro de 2008. ISBN 978-85-7796-048-4. 96 prematura do pai, ainda o mantém num luto contido, por lhe ter sido tirado seu herói de uma forma tão brusca e traumática, o que possivelmente está interferindo em sua relação com o mundo externo, em suas atitudes presentes e também em sua aprendizagem escolar. Além disso, o menino, pré-adolescente, não se relaciona muito bem com as irmãs, especialmente a mais velha, tendo excluído-as de sua lista no jogo de memória da família permanecendo apenas a mãe, o pai, tio e tia e avós. Vale referir o que diz Maria Teresa Coelho nesse sentido: “Para que uma criança se desenvolva bem, ela precisa de um ambiente efetivamente equilibrado, onde ela receba amor autêntico e onde lhe permitam satisfazer as necessidades próprias do seu estado infantil” (COELHO, 2001). No caso em questão, um dos vínculos mais importantes foi rompido e os que existem na atualidade, no caso a mãe e as irmãs não são fortes o bastante para envolvê-lo e devolver- lhe a segurança e a autoestima necessárias para o seu pleno desenvolvimento como pessoa e como aprendiz. Pode-se afirmar que: “a educação é o ato mais profundo de transformação que existe, porque, nesta interação de sistemas endógenos e exógenos, parâmetros sociais, culturais e grupais se ressignificam” (FERREIRA, 2001, p. 95). Por isso, o desenvolvimento é tarefa árdua que exige empenho pessoal, por melhor que seja o ambiente. É uma luta interna com o mundo externo, num equilíbrio oscilante. E por isso, todo o ser humano precisa encontrar um lugar a partir do qual elabore seu próprio método pessoal de lidar com as dificuldades e com seus próprios impulsos para assim, praticar a aprendizagem consigo mesmo. Ou seja, buscando superar suas dificuldades internas, encontrará solução para as dificuldades externas que se apresentam; mas o que se revela é mais profundo do que não conseguir realizar adição, subtração, multiplicação e divisão, pois todas essas operações, a nível mais profundo revelam o modo como é feita a interrelação do sujeito com o mundo que o cerca. Para Piaget, nenhum desenvolvimento é possível senão a partir de certas estruturas prévias que se completam e diferenciam. Sob a influência de determinados fatores, estas estruturas iniciadas se transformam naquelas de que se pretende dar contra (In: FERREIRA, 2001, p. 95). Quando, no decorrer desse processo algum fato interfere no relacionamento da criança com o mundo e a perda de alguém muito próximo, o luto, é uma delas, a dificuldade na aprendizagem revela-se como uma reação ao fato. É necessário uma dinâmica familiar saudável, uma relação positiva de cooperação, de alegria, motivação e pertencimento, para
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