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Download-Conceitos-Chave da Museologia, Notas de estudo de Museologia

Conceitos chave da museologia

Tipologia: Notas de estudo

2014

Compartilhado em 14/03/2014

diego-jah-2
diego-jah-2 🇧🇷

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Baixe Download-Conceitos-Chave da Museologia e outras Notas de estudo em PDF para Museologia, somente na Docsity! Conceitos-chave de museologia Sob a direção de André Desvallées e François Mairesse Conceitos-chave de Museologia Com os apoios de Musée Royal de Mariemont www.musee-mariemont.be Comitê Internacional para Museologia do ICOM Comitê Nacional Português do ICOM Fotos da capa: © Auckland Museum, Nova Zelândia © Pinacoteca do Estado de São Paulo (Eugenio Vieira), Brasil © National Heritage Board, Singapura © Museu da Língua Portuguesa (Eugenio Vieira), Brasil © Armand Colin, 2010 ISBN: 978-2-200-25396-7 (edição francesa) ISBN: 978-85-8256-025-9 (edição brasileira) P O R T U G A L 5 Co m i t ê d e Re d a ç ã o François Mairesse, André Desvallées, Bernard Deloche, Serge Chaumier, Martin Schärer, Reymond Montpetit, Yves Bergeron, Noémie Drouguet, Jean Davallon. Com a colaboração de: Philippe Dubé, Nicole Gesché-Koning, André Gob, Bruno Brulon Soares, Wan Chen Chang, Marilia Xavier Cury, Blondine Desbiolles, Jan Dolak, Jennifer Harris, Francisca Hernández Hernández, Diana Lima, Pedro Mendes, Lynn Maranda, Mónica Risnicoff de Gorgas, Anita Shah, Graciela Weisinger, Anna Leshchenko (que contribuíram ativamente com o Simpósio do ICOFOM dedicado a este tema, em 2009, ou leram este documento). 9 mu s e o l o g i a e s e u s C o n C e i t o s n a lí n g u a po Rt u g u e s a O Comitê Brasileiro do ICOM, em parceria com o ICOM Portugal, tem buscado traduzir para o português importantes edições do ICOM e de seus comitês internacionais, visando a ampliar o acesso de leitores de língua portuguesa a conteúdos de interesse no campo da museologia. A ideia de viabilizar a edição em português de Conceitos-chave de Museologia, publicado originalmente em outros idiomas pelo ICOFOM, ganhou força a partir da definição do Brasil como sede da 23ª Conferência Geral do ICOM, realizada em 2013, no Rio de Janeiro. O então presidente do ICOM Brasil, Carlos Roberto Brandão, convidou Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier Cury – dois museólogos brasileiros que atuam junto ao ICOFOM e que haviam participado de processos relacionados à edição original do livro –, que logo aceitaram o desafio de traduzir o texto para o português, voluntariamente. Agradecemos portanto aos colegas brasileiros pelo árduo trabalho realizado, que certamente muito contribuirá para a disseminação desse conteúdo para toda a comunidade museológica lusófona. Como em outras ocasiões, contamos com a ativa participação do ICOM Portugal, por meio das colegas Marta Lourenço, Graça Filipe e Paula Menino Homem, o que possibilitou a realização de uma edição adequada aos vários países de língua portuguesa. Assim, a tradução proposta pelos colegas brasileiros ganhou inclusões de novos termos 10 específicos e exaustivas revisões, tanto no Brasil como em Portugal, salvaguardando as nuances e regras gramaticais próprias dos países envolvidos. Somos gratos portanto ao ICOM Portugal pela parceria nesta edição e aos colegas portugueses que a ela se dedicaram. Registramos um agradecimento muito especial à vice-presidente do ICOM Brasil, Adriana Mortara Almeida, que coordenou esta publicação em português e orquestrou todos os contatos bilaterais entre os colegas brasileiros e portugueses, assim como as demais tratativas institucionais e editoriais necessárias para sua viabilização. Destacamos ainda o apoio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, por meio de sua Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico, bem como à Pinacoteca do Estado, por tornarem viável este projeto editorial. Este livro integra o conjunto de ações de apoio do Governo do Estado de São Paulo ao ICOM Brasil, por ocasião da 23ª Conferência Geral do ICOM, que abrangeu ainda a realização, em São Paulo, do importante seminário pós-conferência – o Diálogo Sul-Sul de Museus – e do intenso programa de estágios de colegas africanos e latino-americanos em museus paulistas. Agradecemos ao Secretário da Cultura Marcelo Araújo, às equipes da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e Pinacoteca do Estado por esse significativo apoio. Maria Ignez Mantovani Franco Presidente do ICOM Brasil 11 pR ó l o g o O desenvolvimento de normas profissionais é um dos objetivos centrais do ICOM, particularmente no que concerne ao avanço, ao compartilhamento1 e à comunicação de conhecimento para a ampla comunidade museal do mundo, mas também para aqueles que desenvolvem políticas em relação ao trabalho em museus, aos responsáveis pelos aspectos legais e sociais da profissão, bem como para aqueles aos quais o museu é dirigido e dos quais se espera que participem e se beneficiem do trabalho realizado nestas instituições. Lançado em 1993, sob a supervisão de André Desvallées, e com a colaboração de François Mairesse a partir de 2005, o Dicionário de Museologia é um trabalho monumental, que resulta de muitos anos de pesquisa, interrogação, análise, revisão e debate realizados pelo Comitê Internacional de Museologia do ICOM (ICOFOM), que se dedica particularmente ao processo de desenvolvimento de nossa compreensão da prática e da teoria dos museus e do trabalho realizado por essas instituições diariamente. O papel, o desenvolvimento e a gestão dos museus modifica- ram-se enormemente nas últimas décadas. As instituições museais centraram-se cada vez mais nos visitantes, e alguns dos grandes museus estão-se voltando, com mais frequência, para os modelos de gestão empresarial em suas operações cotidianas. A profissão museal e seu meio transformaram-se inevitavelmente. Países como a China 1 Em Portugal, partilha. 14 pR e f á C i o Desde as suas origens, em 1977, o ICOFOM, seguindo as linhas de pensamento do ICOM, considera que o seu principal objetivo aponta para a transformação da museologia em uma disciplina científica e acadêmica destinada ao desenvolvimento dos museus e da profissão museológica, por meio da investigação, do estudo e da difusão das principais correntes museológicas. Surgiu assim, no seio do ICOFOM, um grupo de trabalho multidisciplinar, concentrado na análise crítica da terminologia museológica, que localiza as suas reflexões nos conceitos fundamentais da museologia. Durante quase vinte anos, este grupo, denominado de Thesaurus, produziu notáveis trabalhos científicos de investigação e síntese. Convencidos hoje da necessidade de oferecer ao público um registro5 de termos museológicos que constitua um verdadeiro material de referência, decidimos, com o apoio do Conselho Interna- cional de Museus, tornar conhecida, em Xangai, durante a 22ª Conferência Geral do ICOM, a presente publicação – que inclui vinte e um artigos – como uma versão preliminar da publicação do Dicionário de Museologia. Gostaríamos de destacar que esta publicação, fase introdutória de uma obra muito mais ampla, não pretende ser exaustiva, mas apenas possibilitar ao leitor distinguir entre os diferentes conceitos a que 5 Em Portugal, registo. 15 cada termo se refere, descobrindo novas conotações e suas relações com o campo museológico como um todo. Hoje compreendemos que o Dr. Vinoš Sofka não trabalhava em vão quando, no início do ICOFOM, lutava para transformar este Comitê Internacional em uma tribuna de reflexão e de debate, capaz de alicerçar as bases teóricas de nossa disciplina. A bibliografia internacional resultante retrata fielmente a evolução do pensamento museológico no mundo há mais de trinta anos. A partir da leitura dos artigos da presente publicação, fica evidente a necessidade de se renovar a reflexão sobre os fundamentos teóricos da museologia a partir de uma perspectiva plural e integradora, ancorada na riqueza conceitual de cada palavra. Os termos apresentados inicialmente constituem um exemplo claro do trabalho contínuo de um grupo de especialistas que foram capazes de compreender e valorizar a estrutura da linguagem – patrimônio6 cultural imaterial por excelência – e o alcance da terminologia museológica, que nos permite reconhecer até que ponto a teoria e a prática se encontram indissoluvelmente ligadas. Com o objetivo de afastar-se de caminhos já muito transitados, cada autor introduziu suas observações onde julgou necessário chamar a atenção sobre a característica específica de um termo. Não se trata de construir pontes nem de reconstruí-las, mas de encontrar outras concepções mais precisas, na busca de novos significados culturais que permitam enriquecer uma disciplina tão ampla como a museologia, destinada a afirmar o papel do museu e dos profissionais de museus no mundo inteiro. É para mim uma honra e uma grande satisfação, como presidente do ICOFOM, apresentar esta publicação como uma versão preliminar do Dicionário de Museologia, obra que constituirá um marco na extensa bibliografia museológica produzida por membros do ICOFOM de diversas origens geográficas e disciplinares, unidos por um ideal comum. Gostaria de expressar o meu mais sincero reconhecimento àqueles 6 Em Portugal, património. 16 que colaboraram generosamente, a partir de suas diferentes instâncias, tornando possível a realização destas obras fundamentais, que nos enchem de orgulho: - ao ICOM, nosso organismo diretor, por ter entendido, por meio da sensibilidade de Julien Anfruns, seu Diretor Geral, a importância de um projeto que foi gerido silenciosamente através do tempo e que hoje pôde ser concretizado graças à sua intervenção; - ao conselheiro permanente do ICOFOM, André Desvallées, mestre dos mestres, iniciador, artífice e força motora de um projeto que alcançou uma magnitude inesperada e merecida; - a François Mairesse, que em plena juventude iniciou a sua trajetória no ICOFOM, aportando o seu talento como investigador e estudioso da museologia, enquanto coordenava com êxito as atividades do grupo Thesaurus e que, juntamente com André Desvallées, foi responsável pela presente publicação e pela preparação da primeira edição do Dicionário de Museologia; - aos autores dos diferentes artigos, reconhecidos internacio- nalmente como especialistas em museologia e em suas respectivas disciplinas. A todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para a concretização de um sonho que hoje começa a se converter em realidade, nosso mais sincero e respeitoso agradecimento. Nelly Decarolis Presidente do ICOFOM7 7 Gestão 2007-2010. 19 A francofonia museal no ‘concerto’ do ICOM Por que razão se escolheu um comitê composto quase exclusi- vamente por francófonos? Muitas razões, que não são apenas práticas, explicam tal escolha. Sabemos que a ideia de um trabalho coletivo, internacional e perfeitamente harmonioso representa uma utopia, uma vez que nem todos compartilham de uma língua comum (científica ou não). Os comitês internacionais do ICOM conhecem bem essa situação, que, para evitar o risco de uma Babel, leva-os geralmente a privilegiar uma língua – o inglês, atualmente reconhecido como a lingua franca mundial. Naturalmente, essa escolha do menor denominador comum se opera para o benefício de alguns que a dominam perfeitamente, e, com frequência, em detrimento de muitos outros menos familiarizados com a língua de Shakespeare, que são forçados a se apresentar exclusivamente por meio de uma versão caricatural de seu pensamento. O uso de uma das três línguas oficiais do ICOM (o inglês, o francês ou o espanhol) se provaria inevitável, mas, então, qual delas escolher? A nacionalidade dos primeiros colaboradores, reunidos em torno de André Desvallées (que trabalhou durante um longo período com Georges Henri Rivière, primeiro diretor do ICOM), levou rapidamente à seleção do francês, mas outros argumentos colaboraram igualmente para tal escolha. A maior parte dos autores lê ao menos duas das línguas do ICOM, ainda que não as domine com perfeição. Embora se reconheça a riqueza das contribuições anglo-americanas para o campo museal, é preciso sublinhar o fato de que a maior parte de seus autores – com algumas exceções notórias, como as figuras emblemáticas de Patrick Boylan ou de Peter Davis – não leem nem o espanhol, nem o francês. A escolha do francês, ligada, como esperamos, a um bom conhecimento da literatura estrangeira, nos permite adotar, se não todas as contri- buições no setor de museus, ao menos alguns de seus aspectos que, em geral, não são explorados, mas que são de extrema importância para o ICOM. Somos, entretanto, muito conscientes dos limites de nossas pesquisas e esperamos que este trabalho dê a outras equipes a ideia de apresentar, em sua própria língua (o alemão ou o italiano, entre outras), um olhar diferente sobre o campo museal. 20 Por outro lado, certo número de consequências ligadas à estruturação do pensamento resulta da escolha de uma língua – como ilustra uma comparação entre as definições do museu pelo ICOM, de 1974 e de 2007, a primeira originalmente pensada em francês, a segunda em inglês. Temos consciência de que essa obra não seria a mesma se houvesse sido escrita originalmente em espanhol, em inglês ou em alemão, tanto no nível de sua estrutura e na escolha dos termos, quanto do ponto de vista da perspectiva teórica adotada! Não surpreende ver que o maior número de guias práticos sobre os museus são escritos em inglês (como testemunha o excelente manual dirigido por Patrick Boylan, Como Gerir um Museu: Manual Prático10), enquanto que estes são muito mais raros na França ou nos antigos países do Leste Europeu, onde privilegiamos o ensaio e a reflexão teórica. Seria, entretanto, muito caricatural dividir a literatura museal entre uma parte prática, estritamente anglo-americana, e uma parte teórica, mais próxima do pensamento latino: o número de ensaios teóricos redigidos por pensadores anglo-saxônicos11 no campo museal condena totalmente tal visão. Permanece o fato de que certo número de diferenças existe, e diferenças sempre enriquecem o conhecimento e a apreciação. Nós tentamos levar em consideração esta perspectiva. Finalmente, é importante saudar, pela escolha do francês, a memória do trabalho fundamental de teorização que foi conduzido por muitos anos pelos dois primeiros diretores franceses do ICOM, Georges Henri Rivière e Hugues de Varine, sem o qual uma grande parte do trabalho museal, tanto na Europa continental quanto na América ou na África, não poderia ser compreendido. Uma reflexão fundamental sobre o mundo dos museus não pode ignorar a sua história, do mesmo modo que é preciso lembrar que suas origens estão ancoradas no século do Iluminismo e que sua transformação (isto é, sua institucionalização) ocorreu no período da Revolução Francesa, 10 Boylan, P. (coord.). Como Gerir um Museu: Manual Prático. Paris: ICOM/Unesco, 2006. Dis- ponível em: http://www.icom.org.br/Running%20a%20Museum_trad_pt.pdf. Acesso em: maio de 2012. (Nota dos Autores.) 11 Em Portugal, anglo-saxónicos. 21 mas também que as fundações teóricas, no contexto europeu, foram elaboradas do outro lado do muro de Berlim, a partir dos anos 1960, no momento em que o mundo ainda estava dividido em blocos antagônicos. Ainda que a ordem geopolítica tenha sido comple- tamente transformada há quase um quarto de século, é importante que o setor museal não esqueça a sua história – o que seria um absurdo no caso de um instrumento transmissor de cultura para os públicos do presente e para as futuras gerações! Todavia, existe sempre o risco de uma memória curta que, da história dos museus, preserve apenas a maneira pela qual estas instituições devem ser geridas e os meios de atrair os visitantes. Uma estrutura em constante evolução Desde o início, o objetivo dos autores não foi o de escrever um tratado “definitivo” sobre o mundo dos museus, um sistema teórico ideal separado da realidade. A fórmula relativamente modesta de uma lista de vinte e um termos foi escolhida para tentar enfatizar uma reflexão contínua sobre o campo museal, com apenas estes marcos seletos. O leitor não se surpreenderá ao encontrar aqui alguns termos de uso comum que lhe são familiares, tais como “museu”, “coleção”, “patrimônio”, “público”, etc., nos quais esperamos que ele descubra certo número de sentidos ou de reflexões que lhe são menos familiares. Ele se surpreenderá, possivelmente, ao não encontrar alguns outros termos, como, por exemplo, o vocábulo “conservação”, que se vê inserido no verbete PRESERVAÇÃO. Neste termo, entretanto, nós não retomamos todo o investimento feito pelos membros do Comitê Internacional de Conservação (ICOM-CC), cujo trabalho se estende para muito além de nossas pretensões neste campo. Alguns outros termos, mais teóricos, parecerão, à primeira vista, mais exóticos para o profissional voltado para a prática em museus, entre eles: “museal”, “musealização”, “museologia”, etc. Nosso objetivo era, de certo modo, o de apresentar a visão mais aberta possível daquilo que se pode observar no mundo dos museus, compreendendo experiências numerosas, mais ou menos incomuns, suscetíveis de influenciar 24 ainda está em vias de se transformar: se o homo turisticus parece ter substituído o visitante como alvo principal do marketing dos museus, não podemos deixar de nos interrogar, todavia, sobre as perspectivas deste último. O mundo dos museus, como o conhecemos, ainda terá um futuro? A civilização material, cristalizada pelo museu, não está em vias de conhecer, ela mesma, mudanças radicais? Nós não pretendemos responder aqui a questões deste tipo, mas esperamos que aqueles que se interessam pelo futuro dos museus, ou, de maneira mais prática, pelo futuro de seu próprio estabelecimento, encontrem nestas páginas alguns elementos capazes de enriquecer a sua reflexão. François Mairesse e André Desvallées 25 mu s e o l o g i a – um a d i s C i p l i n a, m u i t o s C o n C e i t o s, i n ú m e R a s a p l i C a ç õ e s Co n s i d e R a ç õ e s s o b R e a t R a d u ç ã o d o s Co n C e i t o s-C h a v e d e mu s e o l o g i a Uma tradução requer atenção e esta deve ser redobrada quando se trata de um texto conceitual com viés acadêmico, pois, no plano das ideias, inúmeras abordagens são possíveis, nos distintos contextos, considerando a origem de um dado artigo, onde a tradução se faz e onde ela deve fazer sentido. Fazer uma tradução é, portanto, encontrar o sentido dos termos entre os falantes de uma dada língua, e, no caso presente, entre os atores de um campo de conhecimento ainda em construção. No caso da tradução dos Conceitos-chave de Museologia, a dificuldade ampliou-se tendo em vista, além das questões inerentes à tradução de textos acadêmicos, o fato de a museologia ser uma disciplina em formação, em processo, como tantas vezes mencionado no âmbito do ICOFOM e do ICOM. A museologia está se construindo como campo de conhecimento em distintas localidades – núcleos de formação e pesquisa em vários países – e instituições museais que constituem o universo de sua aplicação, instituições estas marcadas por seus contextos sociocul- turais. Ela vem ganhando importância e se renovando como uma (possível) ciência humana que ainda carece de maior precisão termino- lógica, para assim ser reconhecida nas interfaces com outras ciências – e esta é uma realidade tanto brasileira, como mundial. O Comitê de Redação dos Conceitos-chave de Museologia levou em consideração a diversidade dos contextos culturais nos quais a museologia se faz e suas particularidades, de modo que na Introdução 26 os autores “jogam” com palavras usando o termo “francofonia” – ao se referirem à fala francesa – e “francófonos” – para cercar a origem de seus colaboradores: Bélgica, Canadá, França e Suíça. O comitê se explica mencionando, o que reconhecemos, a dificuldade de um trabalho desta envergadura com participantes de diversos países e com diferentes línguas maternas, mesmo considerando que as línguas oficiais do ICOM sejam três: inglês, francês e espanhol. Sem, contudo, conseguir se justificar, o comitê adotou um procedimento que, pragmaticamente falando, resultou na obra que ora apresentamos no contexto brasileiro e português. Um dos argumentos dos autores é que nem todos falam todas as línguas oficiais do ICOM (nem todos falam espanhol, por exemplo, ou, talvez, nem todos falem francês, como eventualmente gostariam), como se o problema fosse esse e como se a realidade dos atores que compõem o ICOM fosse simples. O que queremos dizer é que o texto original em francês, que aqui nós traduzimos para o português, representa uma “francovisão” que, na tradução, nos gerou alguns pontos de hesitação, resultantes da distância cultural que enfrentamos. Dessa forma, gostaríamos de registrar13 o nosso mais profundo respeito pelos nossos colegas e pelo árduo trabalho que realizam, do mesmo modo que manifestamos o nosso compromisso com o que realizamos no Brasil há décadas. Nesse sentido, recorremos muitas vezes a extensas notas de rodapé – que aqui nos abstivemos de identificar uma a uma como “Nota dos Tradutores”, pois todas o são, com exceção de uma identificada como “Nota dos Autores” –, com a preocupação de que o leitor fosse informado de que há outras visões e que, no Brasil, construímos uma museologia alicerçada e situada cultural e socialmente. Também nos preocupamos que esta publicação fosse um referencial para ser usado criticamente, evitando-se meras repetições de termos que, como procuramos dizer, correspondem à visão de um outro contexto. Dessa forma, convidamos os leitores a uma leitura crítica, refletindo sobre seus museus e sobre a melhor maneira de participar dos processos museais, da mesma forma que queremos estimular os 13 Em Portugal, registar. A 29 ARQUITETURA s. f. – Equivalente em francês: architecture; inglês: architecture; espanhol: arquitectura; ale- mão: Architektur; italiano: architettura. A arquitetura (museal) define-se como a arte de conceber, de projetar e de construir um espaço destinado a abrigar as funções específicas de um museu e, mais particularmente, as de uma exposição, da conservação pre- ventiva e ativa, do estudo, da gestão e do acolhimento de visitantes. Desde a invenção do museu moderno, a partir do final do século XVIII e início do XIX, e, parale- lamente, a partir da reconversão de antigos prédios patrimoniais, desenvolveu-se uma arquitetura específica que, especialmente pelas suas exposições temporárias ou de longa duração14, vincula-se às con- dições de preservação, de pesquisa e de comunicação das coleções. Esta arquitetura ficou evidente tanto nas primeiras construções desse tipo quanto nas mais contemporâneas. O vocabulário arquitetônico condicio- nou, ele mesmo, o desenvolvimento da noção de museu. Assim, a forma do templo com cúpula e fachada com pórtico colunado impôs-se ao mesmo tempo em que se impôs a da galeria, concebida como um dos principais modelos para os museus de Belas Artes, e que deu origem, por extensão, aos termos galerie, galleria, Galerie e gallery, respectivamente na França, na Itália, na Alemanha e nos países anglo-americanos. Ainda que a forma das constru- ções museais tenha, geralmente, se centrado na salvaguarda das cole- ções, ela evoluiu na medida em que se desenvolveram novas funções. Deste modo, pela busca de soluções para uma melhor iluminação das exposições (Soufflot e Brébion, 1778; J.-B. Le Brun, 178715), para a melhor distribuição das coleções pelo edifí- cio do museu (Mechel, 1778-1784), e para melhor estruturar o espaço de exposições (Leo von Klenze, 1816- 1830), tomou-se consciência, no início do século XX, da necessidade de se reduzir as coleções permanen- 14 No texto original, “exposição permanente”. Embora ainda usado no Brasil, assim como em Portugal, o termo atualizado é “exposição de longa duração”, para evitar a conotação de permanência. Adotaremos este termo daqui em diante. 15 Referências obtidas no Dictionnaire encyclopédique de muséologie (Paris: Armand Colin), 2011: Le Brun J.-B.-P. Réflexions sur Le Muséum national [1793], Paris, RMN, 1992 (édition et postface par Edouard Pommier). 30 tes. Com esse objetivo foram criados espaços de reservas técnicas, fosse sacrificando salas de exposição, fosse utilizando espaços de subsolo, fosse pela construção de novos edifícios. Por outro lado, tentava-se, o máximo possível, neutralizar o ambiente expositivo, sacrificando-se uma parte ou a totalidade dos elementos de decoração histórica existentes. A invenção da eletricidade facilitou estas melhorias, permitindo que os modos de iluminação fossem com- pletamente repensados. Novas funções apareceram durante a segunda metade do século XX, conduzindo, especialmente, a modificações arquiteturais maiores: multiplicação das exposições tempo- rárias, permitindo uma distribuição diferente das coleções entre os espa- ços de exposição de longa duração e os das reservas técnicas; desenvolvi- mento de estruturas de acolhimento, espaços de criação (ateliês pedagó- gicos) e áreas de descanso, o que se deu particularmente com a criação de espaços multiuso; e desenvolvi- mento de livrarias e restaurantes, além da criação de lojas para a venda de produtos derivados. Contudo, paralelamente, a descentralização por reagrupamento e por subcon- tratação de algumas funções dos museus demandou a construção ou a instalação de espaços especializados autônomos: primeiramente os ateliês de restauração16 e laboratórios, que podiam se especializar, colocando-se a serviço de vários museus, depois as reservas técnicas implantadas fora dos espaços de exposição. O arquiteto é aquele que concebe e planeja17 um edifício e dirige a sua execução; mais amplamente, aquele que produz o “envelope” em torno das coleções, da equipe do museu e do seu público. A arquitetura, nesta perspectiva, toca o conjunto dos elementos ligados ao espaço e à ilu- minação no seio do museu, aspectos aparentemente secundários, que aca- bam se revelando determinantes para a significação pretendida (ordenação cronológica, visibilidade para todos, neutralidade do fundo, etc.). Os prédios de museus são, então, con- cebidos e construídos segundo um programa arquitetural definido pelos responsáveis científicos e administra- tivos do estabelecimento. Entretanto, as decisões sobre a definição do pro- grama e dos limites da intervenção do arquiteto nem sempre se distri- buem desta maneira. A arquitetura, como arte ou como método para a construção e implantação de um museu, pode ser vista como uma obra completa, que integra todo o meca- nismo do museu. Esta perspectiva, por vezes defendida por arquitetos, pode ser considerada apenas quando o programa arquitetônico leva em conta todas as questões e reflexões museográficas, o que não costuma ser o caso na maioria das instituições. 16 Em Portugal, utiliza-se restauro, como também no Brasil. 17 Em Portugal, planeia (forma pouco adotada no Brasil). 31 Pode acontecer de os programas dados aos arquitetos incluírem o design interior, atribuindo a estes últimos – se nenhuma distinção for feita entre as instalações gerais e a museografia – a possibilidade de uma “liberdade criativa” que, mui- tas vezes, se dá em detrimento do museu. Alguns arquitetos são espe- cializados na realização de expo- sições e se tornam cenógrafos ou “expographes”18. Raros são aqueles que podem reivindicar o título de “muséographes”19, a menos que sua prática e sua formação incluam este tipo de competência. As dificuldades atuais da arqui- tetura museal repousam sobre o conflito lógico existente entre, de um lado, os interesses do arquiteto (que hoje é valorizado pela visibi- lidade internacional deste tipo de construções), e, de outro, aqueles que estão ligados à preservação e à valorização da coleção; finalmente, ainda precisa ser levado em conta o conforto dos diferentes visitantes. Esta problemática já foi ressaltada pelo arquiteto Auguste Perret: “Para um navio navegar, este não deve ser projetado de modo muito diferente de uma locomotiva? A especificidade de um edifício de museu recai sobre o arquiteto, que será inspirado por sua função para criar tal órgão” (Per- ret, 1931). Um olhar sobre as cria- ções arquitetônicas atuais permite perceber que se a maior parte dos arquitetos leva em conta as exigên- cias do programa do museu, muitos continuam a privilegiar o objeto belo em detrimento do bom instrumento museológico. DerivaDos: arquitetura de interior, programa de arquitetura. FCorrelatos20: decoração, iluminação, expografia, museografia, cenografia, programa museográfico. 18 Como não há correspondentes no Brasil e em Portugal, manteremos os termos expographe e muséographe como no original em francês. Nesta publicação, expographe aparece, também, em museografia e em profissão. Muséographe é tratado nos verbetes museu, museogra- fia e profissão. 19 Os autores usam aqui expographe entre aspas. Acreditamos que seja para distinguir enfa- ticamante do muséographe, aquele com formação para as funções museográficas mais amplas que aquela para o desenho de exposições. No Brasil não existem estas duas deno- minações. O especialista em exposições é o designer expográfico ou de expografia ou de exposição, embora outros profissionais atuem no processo ou o liderem. O especialista do conjunto de ações de museografia é o museólogo, embora outros participem com especia- lizações específicas. Considerando outras particularidades, há outros especialistas como o conservador e o educador de museu, para citar dois exemplos. 20 Em Portugal, correlacionados. 34 perfeitamente científico, do mesmo modo que, por vezes, o museu chega a adquirir coleções privadas desen- volvidas, eventualmente, com uma intenção pouco científica. É, então, o caráter institucional do museu que prevalece para circunscrever o termo. Segundo Jean Davallon, num museu “os objetos são sempre elementos de sistemas ou de catego- rias” (Davallon, 1992). Logo, entre os sistemas ligados a uma coleção, além do inventário escrito, que é a exigência primordial de uma coleção museal, outra obrigação essencial é a da adoção de um sistema de classifi- cação que permita descrever e locali- zar rapidamente qualquer item entre os milhares ou milhões de objetos (a taxonomia, por exemplo, é a ciên- cia que classifica organismos vivos). Os usos modernos da classificação foram amplamente influenciados pela informática, mas a documen- tação de coleções permanece uma atividade que requer um saber espe- cífico e rigoroso, fundado na cons- tituição de um thesaurus capaz de descrever as relações entre diversas categorias de objetos. 2. A definição da coleção pode igualmente ser vista segundo uma perspectiva mais geral, que inclui tanto as coleções privadas quanto os museus, mas que toma como ponto de partida a sua suposta materiali- dade. Partindo do princípio de que a coleção constitui-se essencialmente de objetos materiais – como era o caso, muito recentemente, para a definição de museus do ICOM –, ela está circunscrita no local em que se encontra. Krysztof Pomian define a coleção como “todo conjunto de objetos naturais ou artificiais, man- tidos temporariamente ou definitiva- mente fora do circuito de atividades econômicas, submetido a uma pro- teção especial em um lugar fechado, mantido com este propósito, e exposto ao olhar” (Pomian, 1987). Pomian define, assim, a coleção por seu valor simbólico, na medida em que o objeto perde a sua utilidade ou o seu valor de troca para se tornar portador de sentido (“semióforo” ou portador de significado) (ver OBJETO). 3. A evolução recente do museu – e, especialmente, a tomada de cons- ciência sobre o patrimônio imaterial – atribuiu um novo valor ao caráter mais geral da coleção, fazendo com que aparecessem novos desafios. As coleções mais evidentemente ima- teriais (de conhecimentos locais, de rituais e mitos na etnologia, bem como de performances, gestos e ins- talações efêmeras em arte contem- porânea) incitam o desenvolvimento de novos dispositivos de aquisição. Por vezes, a mera composição mate- rial dos objetos torna-se secundária, e a documentação do processo de coleta23 – que sempre foi importante na arqueologia e na etnologia – agora se torna a informação de maior importância, a qual acompanhará não apenas a pesquisa, mas também os dispositivos de comunicação com 23 Em Portugal, recolha. 35 o público. A coleção do museu sem- pre teve de ser definida em relação à documentação que a acompanha e pelo trabalho que resultou dela, para ter a sua relevância reconhecida. Esta evolução levou a uma acepção mais ampla da coleção, como uma reunião de objetos que conservam sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma lógica específica. Esta última acep- ção, a mais aberta das que foram cita- das, engloba tanto as coleções mais específicas quanto as coleções tra- dicionais dos museus, mas também coleções de testemunhos da história oral, de memórias ou de experimen- tos científicos. DerivaDos: coleta (br), recolha (pt), colecionar, colecionador, colecionismo.24 FCorrelatos: aquisição, estudo, preservação, catalogação, documentação, pesquisa, conservação, restauração, exposição, gestão de coleções, valorização de coleções, alienação, restituição.25 COMUNICAÇÃO s. f. – Equivalente em francês: communication; inglês: communication; espanhol: comunicación; alemão: Kommunikation; italiano: communica- zione. A comunicação (C) é a ação de se vei- cular uma informação entre um ou vários emissores (E) e um ou vários receptores (R), por meio de um canal (segundo o modelo ECR de Lasswell, 1948). Esse conceito é tão geral que não está restrito aos processos huma- nos portadores de informação de caráter semântico, mas encontra-se também nas máquinas, tanto quanto no mundo animal ou na vida social (Wiener, 1948). O termo possui duas acepções usuais, que encontramos em diferentes níveis nos museus, que variam se o fenômeno for recíproco (E↔C↔R) ou não (E→C→R). No pri- meiro caso, a comunicação é dita interativa, no segundo ela é unilate- ral e dissipada no tempo. Quando a comunicação é unilateral e opera no tempo, e não apenas no espaço, é chamada de transmissão (Debray, 2000). No contexto dos museus, a comu- nicação aparece simultaneamente como a apresentação dos resultados da pesquisa efetuada sobre as cole- ções (catálogos, artigos, conferên- cias, exposições) e como o acesso aos objetos que compõem as cole- ções (exposições de longa duração e informações associadas). Esta pers- pectiva vê a exposição não apenas como parte integrante do processo de pesquisa, mas, também, como ele- mento de um sistema de comunica- ção mais geral, compreendendo, por exemplo, as publicações científicas. Esta é a lógica que prevaleceu no sis- tema PPC (Preservação – Pesquisa – Comunicação)26 proposto pela 24 No Brasil e em Portugal, coletor é outro derivado. 25 No Brasil e em Portugal, encontramos outros correlatos como acervo, catálogo, formação de coleção, documentação museológica, curador, curadoria. 26 Em francês, PRC (Préservation – Recherche – Communication); em inglês, PRC (Preservation – Research – Communication). 36 Reinwardt Academie de Amsterdam, que inclui no processo de comuni- cação as funções de exposição, de publicação e de educação exercidas pelo museu. 1. A aplicação do termo “comu- nicação” aos museus não é óbvia, apesar do uso que o ICOM faz dela em sua definição de museu ado- tada até 2007, que determina que o museu “adquire, conserva, estuda, comunica e expõe o patrimônio tan- gível e intangível da humanidade e de seu meio ambiente, para fins de educação, estudo e lazer.” Até a segunda metade do século XX, a função principal de um museu era a de preservar as riquezas culturais ou naturais acumuladas, podendo eventualmente expô-las, sem que fosse formulada explicitamente uma intenção de comunicar, isto é, de fazer circular uma mensagem ou uma informação a um público receptor. Se, nos anos 1990, nós nos perguntávamos se o museu era, de fato, uma mídia27 (Davallon, 1992; Rasse, 1999), é porque a função de comunicação do museu não apa- recia a todos como evidente. Por um lado, a ideia de uma mensagem museal só surgiu muito tarde, espe- cialmente com as exposições temáti- cas nas quais prevaleceu, por muito tempo, a intenção didática; por outro, o receptor permaneceu por muito tempo desconhecido e apenas recentemente se desenvolveram os estudos de visitação e as pesquisas de público. Na perspectiva da definição do ICOM para os museus, a comuni- cação museal aparecia como a parti- lha, com os diferentes públicos, dos objetos que fazem parte da coleção, bem como das informações resultan- tes da pesquisa efetuada sobre esses objetos. 2. Podemos definir a especifici- dade da comunicação, a partir de como esta é praticada pelos museus, em dois pontos: (1) ela é geralmente unilateral, isto é, sem possibilidade de resposta da parte do público receptor, cuja extrema passivi- dade foi fortemente enfatizada por McLuhan, Parker e Barzun (1969), o que não quer dizer que o visitante não deseje se envolver, de maneira interativa ou não, neste modo de comunicação (Hooper-Greenhil, 1995); (2) ela não é essencialmente verbal, e não pode ser comparada com a leitura de um texto (Davallon, 1992); diferentemente, ela opera pela apresentação sensível dos objetos expostos: “Como sistema de comu- nicação, o museu depende, então, da linguagem não verbal dos obje- tos e dos fenômenos observáveis. Ele é, antes de tudo, uma linguagem visual que pode se tornar uma lin- guagem audível ou tátil. Seu poder de comunicação é tão intenso que, eticamente, sua utilização deve ser uma prioridade para os profissionais de museus” (Cameron, 1968). 3. De maneira mais geral, a comu- nicação foi-se tornando progressi- vamente, no fim do século XX, o princípio motor do funcionamento 27 Em Portugal, um média. 39 relacionados com o museu, visando ao desenvolvimento e ao floresci- mento dos indivíduos, principal- mente por meio da integração desses saberes, bem como pelo desenvolvi- mento de novas sensibilidades e pela realização de novas experiências. “A pedagogia museal é um quadro teó- rico e metodológico que está a serviço da elaboração, da implementação e da avaliação de atividades educativas em um meio museal, atividades estas que têm como objetivo principal a aprendizagem dos saberes (conheci- mentos, habilidades e atitudes) pelo visitante” (Allard e Boucher, 1998). A aprendizagem é definida como “um ato de percepção, de interação e de integração de um objeto por um sujeito”, o que conduz a uma “aqui- sição de conhecimentos ou ao desen- volvimento de habilidades ou de atitudes” (Allard e Boucher, 1998). A relação de aprendizagem refere- -se à maneira própria do visitante de integrar o objeto de aprendizagem. Ciência da educação ou da formação intelectual, se a pedagogia se refere principalmente à infância, a noção de didática, por sua vez, é pensada como a teoria da difusão de conhecimen- tos, uma maneira de apresentar um saber a um indivíduo seja qual for a sua idade. A educação é mais ampla e visa à autonomia da pessoa. Outras noções relacionadas podem ser evocadas para criar sutilezas e enriquecer essas abordagens. As noções de animação e de ação cul- tural, bem como a de mediação são correntemente evocadas para carac- terizar o trabalho com os públicos no ato de transmissão do museu. “Eu te ensino”, diz um professor; “Eu te faço aprender”, diz o media- dor (Caillet e Lehalle, 1995) (ver MEDIAÇÃO). Essa distinção reflete a diferença entre um ato de forma- ção e uma tentativa de sensibiliza- ção, levando o indivíduo a terminar o trabalho pela apropriação que fará dos conteúdos propostos. O pri- meiro subentende uma coação e uma obrigação, enquanto que o contexto museal supõe a liberdade (Schouten, 1987). Na Alemanha, fala-se mais em pedagogia, que se chama Pädagogik, e quando se fala em pedagogia no seio dos museus, se diz Museumspä- dagogik. Esta diz respeito a todas as atividades que podem ser propos- tas em um museu, indistintamente da idade, da formação e da origem social do público em questão. DerivaDos: ciências da educação, educação continuada, educação informal ou não formal, educação museal, educação permanente, educação popular, serviço educativo.30 FCorrelatos: ação cultural, animação, aprendizagem, desenvolvimento, despertar, didática, ensinar, ensino, formação, instrução, mediação, pedagogia, transmissão. 30 No Brasil e em Portugal, os derivados seriam, para além dos referidos: educação em museus e educação patrimonial. Os correlatos são: democracia, desenvolvimento humano, interpre- tação, lúdico, processo de socialização. 40 ÉTICA s. f. (do grego èthos: hábito, caráter) – Equiva- lente em francês: éthique; inglês: ethics; espa- nhol: etica; alemão: Ethik; italiano: etica. Em geral, a ética é uma disciplina filosófica que trata da determina- ção de valores que irão guiar a con- duta humana tanto pública quanto privada. Longe de ser um simples sinônimo, como se tende a acre- ditar atualmente, a ética opõe-se à moral, na medida em que a escolha dos valores não é mais imposta por uma dada ordem, tratando-se, dife- rentemente, de uma livre escolha do sujeito ativo. A distinção é essencial quanto às suas consequências para o museu, na medida em que ele é uma instituição, isto é, um fenômeno con- vencional e sujeito a revisão. A ética, no seio do museu, pode ser definida como o processo de dis- cussão que visa a determinar os valo- res e os princípios de base sobre os quais se apoia o trabalho museal. É a ética que engendra a redação dos princípios apresentados nos códigos de deontologia dos museus, como aquele proposto pelo ICOM. 1. A ética visa a guiar a conduta do museu. Na visão moral do mundo, a realidade é submetida a uma ordem que decide o lugar que cada indi- víduo ocupa. Essa ordem constitui uma perfeição que todo ser deve lutar para alcançar, buscando reali- zar perfeitamente a sua função – o que se conhece como virtude (Pla- tão, Cícero, etc.). Por outro lado, a visão ética do mundo é sustentada pela referência a um mundo caótico e desordenado, relegado ao acaso e desprovido de qualquer orienta- ção estável. Diante desta desorga- nização universal, cada um é o juiz daquilo que lhe convém (Nietzsche, Deleuze), e é o indivíduo que decide por si mesmo aquilo que é bom ou mau. Entre essas duas posições radi- cais, que constituem a ordem moral e a desordem ética, uma via inter- mediária é concebível na medida em que é possível que os homens entrem em acordo livremente para reconhe- cer o conjunto de valores comuns (como o princípio do respeito pelo ser humano). Este é um ponto de vista ético, e é ele que, globalmente, rege a determinação dos valores nas democracias modernas. Essa distin- ção fundamental condiciona ainda hoje a divisão entre dois tipos de museus ou dois modos de funcio- namento. Alguns, muito tradicio- nais, como certos museus de Belas Artes, parecem inscrever-se em uma ordem pré-estabelecida: as coleções aparecem como sagradas e definem uma conduta modelo por parte de diferentes atores (museólogos e visitantes) e um espírito cruzado na execução das tarefas. Por outro lado, outros museus, talvez mais atentos à vida concreta das pessoas, não se consideram como submetidos a valo- res absolutos e os reexaminam recor- rentemente. Estes podem ser museus mais voltados para a vida concreta, como os museus de antropologia, que buscam apreender uma reali- dade étnica geralmente flutuante, ou 41 os museus ditos “de sociedade”31, para os quais as interrogações e as escolhas concretas (políticas ou sociais) vêm antes do culto às cole- ções. 2. Se a distinção entre ética e moral é particularmente clara em francês, em espanhol, e mesmo em português, o termo em inglês tende a gerar certa confusão (ethic se traduz por ético, mas também por moral). Assim, o código de deontologia do ICOM (2006) (Código de deontología, em espanhol) é traduzido como Code of ethics em inglês32. Trata-se, entre- tanto, de uma visão claramente pres- critiva e normativa que se exprime pelo código (e que encontramos, de maneira idêntica, nos códigos da Museums Association da Grã-Bre- tanha ou da American Association of Museums33). Sua leitura, estrutu- rada em oito capítulos, apresenta as medidas de base que permitem um desenvolvimento (supostamente) harmonioso da instituição do museu no seio da sociedade: (1) Os museus preservam, interpretam e promovem o patrimônio natural e cultural da humanidade (recursos, estes, institu- cionais, materiais e financeiros para a abertura de um museu). (2) Os museus mantêm acervos em benefí- cio da sociedade e de seu desenvol- vimento (questão que diz respeito às aquisições e à alienação de acervos). (3) Os museus mantêm referências primárias para construir e aprofun- dar conhecimentos (deontologia da pesquisa ou da coleta de testemu- nhos). (4) Os museus criam condi- ções para fruição, compreensão e promoção do patrimônio natural e cultural (deontologia da exposição). (5) Os recursos dos museus possibili- tam a prestação de outros serviços de interesse público (questão de exper- tise). (6) Os museus trabalham em estreita cooperação com as comuni- dades das quais provêm seus acervos, assim como com aquelas às quais ser- vem (restituição de bens culturais). (7) Os museus funcionam de acordo com a legislação (referente ao quadro jurídico). (8) Os museus atuam com profissionalismo (referente à conduta adequada da equipe de profissionais e aos conflitos de interesse). 3. O terceiro impacto do conceito de ética sobre o museu reside na sua contribuição para a definição da museologia como ética museal. Nesta perspectiva, a museologia não seria concebida como uma ciência em construção (Stránský, 1980), já que o estudo do nascimento e da evolução 31 Mais comumente conhecidos no Brasil como “museus sociais”. Este último termo, entre- tanto, difere do termo “museus de sociedade”, por ter sido proveniente de uma tradição museológica distinta da francesa, estando mais diretamente ligado à “museologia social” praticada e debatida no contexto português e na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972. O termo francês “museus de sociedade”, por sua vez, foi usado, a partir de meados do século XX, para ressaltar a especificidade de certos museus que não se caracterizavam como museus de arte e que não tinham coleções de Belas Artes. 32 No Brasil denominou-se Código de Ética do ICOM. Em Portugal, Código Deontológico do ICOM. 33 Atualmente, American Alliance of Museums. 44 dos meios de apresentação, utiliza- dos como signos” (Shärer, 2003). Suportes como a vitrine ou molduras, que servem como separadores entre o mundo real e o mundo imaginário do museu, são apenas marcadores de objetividade, que servem para garan- tir a distância (para criar “um dis- tanciamento”, como dizia Berthold Brecht sobre o teatro) e para assina- lar que estamos em um outro mundo de artifício, de imaginação. 3. A exposição, quando enten- dida como o conjunto de coisas expostas, compreende, assim, tanto as musealia, objetos de museu ou “objetos autênticos”36 , quanto os substitutos (moldes, réplicas, cópias, fotos, etc.), o material expográfico acessório (os suportes de apresen- tação, como as vitrines ou as divi- sórias do espaço), os suportes de informação (os textos, os filmes ou os multimídias), como a sinaliza- ção utilitária. A exposição, nessa perspectiva, funciona como um sistema de comunicação particular (McLuhan, Parker e Barzun, 1969; Cameron, 1968), fundado sobre os “objetos autênticos” e acompanhado de outros artefatos que permitem ao visitante melhor identificar a sua sig- nificação. Nesse contexto, cada um dos elementos presentes no seio da exposição (objetos de museu, substi- tutos, textos, etc.) podem ser defini- dos como expôt37. Em tal contexto, não se trata, com efeito, de recons- tituir a realidade, que não pode ser transferida a um museu (um “objeto autêntico”, em um museu, já é um substituto da realidade e uma expo- sição tem a função de abrir e propor imagens análogas a essa realidade), mas de comunicá-la por esse dispo- sitivo. Os expôts em uma exposição funcionam como signos (semiologia), e a exposição se apresenta como um processo de comunicação, na maior parte do tempo unilateral, incom- pleto e suscetível a interpretações divergentes. O termo “exposição”, usado nesse sentido, difere do termo “apresentação”, na medida em que o primeiro corresponde, se não a um discurso físico e didático, então, ao menos, a um amplo complexo de itens colocados à vista, enquanto o segundo pode evocar a exibição de bens em um mercado ou loja de departamento, que pode se dar de modo passivo, ainda que em ambos os casos um especialista (cenógrafo ou designer de exposições) seja necessário para se alcançar o nível de qualidade desejado. Esses dois níveis – a apresentação e a exposi- ção – permitem precisar as diferen- ças entre cenografia e expografia. No primeiro caso, o cenógrafo parte do espaço e tende a utilizar os expôts para mobiliar esse espaço, enquanto 36 Coisas verdadeiras. Ver objeto [de museu] ou musealia. 37 No Dictionnaire encyclopédique de muséologie (Paris: Armand Colin), 2011, p. 601, André Desvallées e François Mairesse apresentam o termo expôt como uma unidade elementar da exposição, a exemplo do exhibit usado na língua inglesa. O termo não tem tradução para português e aqui será mantido em francês. Ver, também, o verbete objeto [de museu] ou musealia. 45 no segundo, o designer de exposi- ções ou museólogo parte dos expôts e realiza pesquisas sobre o melhor modo de expressão, a melhor lingua- gem para fazer com que eles falem. Essas diferenças de expressão tive- ram variações ao longo das diversas épocas, segundo o gosto e a moda, e em função da importância respectiva dos agentes que operam no espaço (decoradores, designers, cenógrafos, museólogos, arquitetos). Tais varia- ções se dão, ainda, em função das disciplinas e da finalidade de pes- quisa. O campo muito vasto consti- tuído pelas respostas formuladas à questão do “mostrar” e do “comuni- car” permite o esboço de uma histó- ria e de uma tipologia de exposições que se pode conceber a partir das mídias utilizadas (objetos, textos, imagens em movimento, ambientes, recursos digitais; exposições “mono- midiáticas” e “multimidiáticas”), a partir do caráter lucrativo ou não da exposição (exposição de pesquisa, exposição blockbuster, exposição espetáculo, exposição comercial), a partir da concepção geral do muséographe (expografia do objeto, da ideia ou do ponto de vista), etc. A toda essa gama de possibilidades ainda é possível acrescentar a impli- cação, cada vez mais marcante, do visitante-observador. 4. Em francês, o termo exposition distingue-se parcialmente do termo exhibition, tendo este último, atu- almente, um sentido pejorativo. Em torno de 1760, o mesmo termo (exhibition) podia ser utilizado em francês e em inglês para designar exposições de pintura. Todavia, o sentido da palavra, de certa maneira, degradou-se ao longo do tempo, em francês, e ela passou a designar as atividades que apresentam caráter nitidamente ostentatório (as “exibi- ções esportivas”38, por exemplo) aos olhos da sociedade na qual se desen- volvem as exposições. Este também é o caso dos derivados exibicionista e exibicionismo, em português, que se referem, de maneira ainda mais específica, a atos indecentes. É, então, nesta perspectiva que a crítica das exposições se faz de forma mais virulenta, já que ela rejeita aquilo que, segundo ela, não advém de uma exposição – e, por metonímia, da atividade de um museu – mas de um espetáculo, com um caráter comer- cial muito acentuado. 5. O desenvolvimento das novas tecnologias e do design por com- putadores popularizou a criação de museus na internet e a realização de exposições que podem ser visita- das na tela ou por meio de suportes digitais. Mais do que utilizar o termo “exposição virtual” (que designa, mais precisamente, uma exposição em potência, isto é, uma resposta potencial à questão do “mostrar”), preferimos os termos “exposição digital” ou “ciberexposição” para evocar essas exposições particula- res que se desenvolvem na internet. Estas oferecem possibilidades que não permitem exposições clássicas 38 Em Portugal, desportivas. 46 de objetos materiais (agrupamentos de objetos, novos modos de apresen- tação, de análise, etc.). Mas se, por enquanto, elas são apenas concor- rentes das exposições com objetos reais nos museus clássicos, não é impossível, por outro lado, que o seu desenvolvimento influencie os méto- dos atualmente empregados no seio desses museus. DerivaDos: ciberexposição, design de exposição, expôt, expografia, expographe, expologia, expor.39 FCorrelatos: abertura, afixar, apresentação, apresentar, catálogo de exposição, cenografia, cenógrafo, comunicação, conceito da exposição, coordenador de exposição, decorador, demonstração, diorama, dispositivo, espacialização, espaço, espaço social, expositor, feira, galeria, instalação, meios, mensagem, metáfora, mídia, moldura, montar, mostração, mostrar, objeto didático, projeto expositivo, realidade, realidade fictícia, realização, reconstituição, recursos de apresentação, representação, sala de exposição, salão, visitante, visualização, vitrine.40 39 Como termo derivado, no Brasil, usa-se também desenho de exposição tal qual design de exposição. Os correlatos usados no Brasil: curadoria de exposição, narrativa da exposição, prática expositiva, dialógica, discurso expositivo, interpretação, público de exposição, sen- tido, significado. Em Portugal, os termos relacionados são idênticos, à exceção de dialó- gica, que não existe. 40 Alguns dos correlatos, aceitos no Brasil e em Portugal, são: exposição a céu aberto, expo- sição in situ, exposição internacional, exposição itinerante, exposição agrícola, exposição comercial, exposição nacional, exposição de longa duração e exposição de curta duração, exposição temporária, exposição universal. I 49 INSTITUIÇÃO s. f. (do latim institutio: convenção, estabeleci- mento, disposição, arranjo) – Equivalente em francês: institution; inglês: institution; espanhol: institución; alemão: Institution; italiano: istitu- zione. De modo geral, a instituição designa uma convenção estabelecida por um acordo mútuo entre os homens, e logo arbitrário, mas também histo- ricamente datado. As instituições constituem elementos diversificados criados pelo Homem para solucio- nar os problemas colocados pelas necessidades naturais vividas em sociedade (Malinowski, 1944). De modo mais específico, a instituição designa notadamente o organismo público ou privado estabelecido pela sociedade para responder a uma determinada necessidade. O museu é uma instituição, no sentido em que ele é um organismo regido por um sistema jurídico determinado, de direito público ou direito pri- vado (ver os verbetes GESTÃO ou PÚBLICO). O fato de o museu estar ligado à noção de domínio público (a partir da Revolução Francesa) ou àquela de public trust44 (no direito anglo-saxônico) demonstra que, para além das divergências, um acordo mútuo e convencional entre os cida- dãos de uma sociedade constitui uma instituição. Este termo, uma vez que associado ao qualitativo geral de “museal”45 (no sentido comum de “relativo ao museu”), é frequentemente utilizado como sinônimo de “museu”, princi- palmente para evitar a repetição do termo. O conceito de instituição é, entretanto, central no que se refere à problemática do museu, na qual se apresentam três acepções precisas. 1. Existem dois níveis de ins- tituições, segundo a natureza da necessidade a que satisfazem. Esta necessidade pode ser biológica e pri- meira (necessidade de se alimentar, de se reproduzir, de dormir, etc.), ou pode ser secundária e resultante de exigências da vida em sociedade (necessidade de organização, de defesa, de saúde, etc.). A estes dois níveis correspondem dois tipos de instituições que são restritivas de formas diferentes: a refeição, o casa- mento, a habitação, de um lado, o Estado, o exército, a escola, o hospi- 44 Optamos por manter a expressão em inglês, como consta no original em francês. 45 No Brasil é recorrente o uso de “museológico” (como instituição que pratica atividades “museológicas”). 50 tal, de outro. Como resposta a uma necessidade social (aquela da relação sensível com os objetos), o museu pertence à segunda categoria. 2. O ICOM definiu o museu como uma instituição permanente, a ser- viço da sociedade e de seu desenvol- vimento. Nesse sentido, a instituição constitui um conjunto de estrutu- ras criadas pelo Homem no campo museal (ver esse verbete), e organi- zadas com o fim de que este possa estabelecer uma relação sensível com os objetos. A instituição do museu, criada e mantida pela sociedade, repousa sobre um conjunto de nor- mas e de regras (medidas de conser- vação preventiva, interdição de tocar nos objetos ou de expor substitutos apresentados como originais, etc.), elas mesmas fundadas sobre um sis- tema de valores: a preservação do patrimônio, a exposição de obras- -primas e de espécimes únicos, a difusão de conhecimentos científicos modernos, etc. Sublinhar o caráter institucional do museu é também, portanto, reafirmar seu papel nor- mativo e a autoridade que ele exerce sobre a ciência ou as Belas Artes, por exemplo, ou a ideia de que ele está “a serviço da sociedade e de seu desen- volvimento”. 3. Ao contrário do inglês, que não faz distinção precisa entre os termos “instituição” e “estabelecimento” (e que, de maneira geral, não distingue o seu uso nos diferentes contextos geográficos), estes não são sinôni- mos. O museu, como instituição, distingue-se do museu concebido como estabelecimento, lugar parti- cular, concreto: “O estabelecimento museal é uma forma concreta de ins- tituição museal” (Maroević, 2007). Podemos notar que a contestação da instituição, ou a sua negação pura e simples (como no caso do museu imaginário de Malraux [1947] ou do museu fictício do artista Marcel Broodthaers), não resulta na ruptura com o campo museal, na medida em que este pode ser concebido fora do quadro institucional (em sua acepção mais estrita, a expressão “museu vir- tual”, ou museu em potencial – que existe na essência, mas não de fato – dá conta dessas experiências museais à margem da realidade institucional). É por esta razão que na maio- ria dos países, e principalmente no Canadá e na Bélgica, recorre-se à expressão “instituição museal” para distinguir um estabelecimento que não apresenta o conjunto de caracte- rísticas de um museu clássico. “Por instituições museais entendemos os estabelecimentos sem fins lucrativos, museus, centros de exposição e luga- res de interpretação, que, à exceção das funções de aquisição, de con- servação, de pesquisa e de gestão de coleções assumidas por alguns, têm em comum o fato de serem locais de educação e de difusão consagrados à arte, à história e às ciências” (Obser- vatoire de la Culture et des Communi- cations du Québec46, 2004). 4. Enfim, o termo “instituição museal” pode ser definido, no mesmo 46 Observatório da Cultura e das Comunicações de Quebec. 51 sentido que “instituição financeira” (o FMI ou o Banco Mundial), como o conjunto (uma vez que se trata de um conceito plural) de organismos nacionais ou internacionais ligados às operações dos museus, tais como o ICOM ou a antiga Direction des Musées de France47. DerivaDos: institucional, instituição museal 48. FCorrelatos: domínio público, estabelecimento, museu virtual, public trust. 47 Direção de Museus da França. Sucedida, a partir de 2009, pelo atual Service des Musées de France (Serviço dos Museus da França), a Direction des Musées de France (DMF) era um ser- viço de administração central do Ministério da Cultura, encarregado da aplicação da política de museus francesa nos museus nacionais, isto é, nas instituições ligadas ao Estado francês. 48 No Brasil, e em Portugal, também instituição museológica. Mantivemos a tradução direta do original, para não intervirmos no pensamento dos autores sobre o uso do termo “museal”. 54 visita a museus e sítios. Ela também se define como uma revelação e um desvelar que orienta os visitantes à compreensão, depois à apreciação, e enfim à proteção dos patrimônios que ela toma como objeto. Conclui-se que a mediação com- preende uma noção central na perspectiva de uma filosofia herme- nêutica e reflexiva (Paul Ricœur, [1986, 1995]51): ela desempenha um papel fundamental no projeto de compreensão de si em cada visitante – compreensão que o museu facilita. Com efeito, pela mediação dá-se o encontro com as obras produzidas por outros humanos, o que permite que se atinja uma subjetividade tal que promova autoconhecimento e a compreensão da própria aventura humana que cada um vive. Tal abor- dagem faz do museu detentor de tes- temunhos e signos da humanidade, um dos lugares por excelência dessa mediação inevitável que, ao oferecer um contato com o mundo das obras da cultura, conduz cada um pelo caminho de uma maior compreensão de si e da realidade por inteiro. DerivaDos: mediador, midiatização, midiatizar. FCorrelatos: animação, educação, experiência de visita, interpretação, públicos, vulgarização.52 MUSEAL s. m. e adj. (neologismo construído por con- versão em substantivo de um adjetivo que é, ele mesmo, recente) – Equivalente em francês: muséal; inglês: museal; espanhol: museal; ale- mão: Musealität (s. f.), museal (adj.); italiano: museale. Sendo considerada como adjetivo ou como substantivo, a palavra apre- senta duas acepções: (1) O adjetivo “museal” serve para qualificar tudo aquilo que é relativo ao museu, fazendo a distinção entre outros domínios (por exemplo: “o mundo museal” para designar o mundo dos museus); (2) Como substantivo, “o museal” designa o campo de refe- rência no qual se desenvolvem não apenas a criação, a realização e o fun- cionamento da instituição “museu”, mas também a reflexão sobre seus fundamentos e questões. Esse campo de referência se caracteriza pela especificidade de sua abordagem e determina um ponto de vista sobre a realidade (considerar uma coisa sob o ângulo museal é, por exemplo, per- guntar se é possível conservá-la para expô-la a um público). A museolo- gia pode, assim, ser definida como o conjunto de tentativas de teorização ou de reflexão crítica sobre o campo museal, ou ainda como a ética ou a filosofia do museal. 1. Sublinharemos agora a impor- tância do gênero masculino, pois a denominação dos diferentes campos 51 Referências obtidas no Dictionnaire encyclopédique de muséologie (Paris: Armand Colin), 2011: Ricoeur P. Du text à l´actions. Essais d´herméneutique, II, Paris, Éditions du Seuil, 1986. Ricoeur, P. Réflexion faite. Autobiographie intellectuelle, Paris, Éditions Esprit, 1995. 52 No Brasil e em Portugal, são correlatos discussão e problematização, imprimindo um sentido crítico que buscamos nos processos de educação em museus. 55 (aos quais pertence o campo museal) distingue-se, tanto no francês quanto no português, pelo artigo definido masculino, precedendo um adjetivo substantivado (ex.: o político, o reli- gioso, o social, subentendido como o domínio político, o domínio reli- gioso, etc.), por oposição às práticas empíricas que se referem mais comu- mente a um substantivo (e, logo, diríamos a religião, a vida social, a economia, etc.). É possível, ainda, recorrer ao mesmo termo, utilizando o artigo definido feminino (como em a política). Sendo assim, o campo de exercício do museu, compreen- dido como uma relação específica do homem com a realidade, será desig- nado como o museal. 2. O museal designa uma “rela- ção específica com a realidade” (Stránský, 1987; Gregorová, 1980). Ele ocupa a mesma posição que o político e tem o mesmo sentido que o social, o religioso, o escolar, o demo- gráfico, o econômico, o biológico, etc. Trata-se, em cada caso, de um plano ou de um campo original sobre o qual serão colocados problemas a serem respondidos pelos conceitos. Assim, um mesmo fenômeno poderá se encontrar no ponto de cruzamento entre diferentes campos ou, falando- -se em termos da análise estatística multidimensional, ele se projetará sobre diversos planos heterogêneos. Por exemplo, os OGM (organismos geneticamente modificados) serão considerados simultaneamente um problema técnico (para as biotec- nologias), um problema sanitário (quanto aos riscos à biosfera), um problema político (questões ecológi- cas), etc., mas também um problema museal: alguns museus de sociedade decidiram expor os riscos e as ques- tões dos OGM. 3. Essa posição do museal como campo teórico de referência alarga consideravelmente as perspectivas de reflexão, pois o museu institu- cional aparece somente como uma ilustração ou uma exemplificação do campo (Stránský, 1987). Isso aponta para duas consequências: (1) não é o museu que suscitou o aparecimento da museologia, mas foi a museologia que fundou propriamente o museu (revolução copernicana53); (2) esta acepção permite compreender como as experiências que escapam às características tradicionais do museu (coleções, prédio, instituição) fazem parte do mesmo problema, e torna possível que se aceitem os museus sem coleções, os museus “extramu- ros”, as cidades-museus (Quatremère de Quincy, 1796), os ecomuseus ou ainda os museus virtuais. 4. A especificidade do campo museal ou, em outras palavras, aquilo que caracteriza a sua irredutibilidade em relação aos outros campos vizi- nhos, consiste em dois aspectos: (1) A apresentação sensível, que distin- gue o museal do textual gerado pela biblioteca, que oferece uma docu- mentação transmitida pelo suporte escrito (e principalmente impresso: o livro) e requer não somente o conhe- 53 Coperniciana, em Portugal. 56 cimento de uma língua mas, igual- mente, o domínio da leitura, o que conduz a uma experiência ao mesmo tempo mais abstrata e mais teórica. O museu, por sua vez, não reivin- dica nenhuma dessas aptidões, pois a documentação que ele apresenta é principalmente sensível, isto é, per- ceptível pela visão e pela audição, e mais raramente pelos outros três sen- tidos – o tato, o gosto e o odor. Tal distinção permite a um analfabeto ou mesmo a uma criança retirar sempre algum fruto de uma visita ao museu, ainda que sejam incapazes de explo- rar os recursos de uma biblioteca. Essa constatação explica, ainda, as experiências de visitas adaptadas aos cegos, que utilizam os seus outros sentidos (a audição e principalmente o tato) para descobrir os aspectos sensíveis do que está exposto. Um quadro ou uma escultura são feitos para serem vistos em primeiro lugar, e a referência ao texto (a leitura de um painel, quando disponível) se dá posteriormente e não é, de fato, indispensável. Falamos, então, sobre o museu de “função documental sensível” (Deloche, 2007). (2) A marginalização da realidade, pois “o museu especifica-se separando-se” (Lebensztejn, 198154). Diferente- mente do campo político, em que é possível teorizar sobre a gestão da vida concreta dos homens em socie- dade pela mediação das instituições, tais como o Estado, o museal serve, ao contrário, para teorizar a maneira pela qual uma instituição cria, pela separação e descontextualização, ou pela produção de imagens, um espaço de apresentação sensível, “à margem de toda a realidade” (Sar- tre), o que é próprio de uma utopia, ou seja, um espaço totalmente ima- ginário, simbólico, mas não neces- sariamente imaterial. Esse segundo ponto caracteriza aquilo que pode- mos chamar de função utópica do museu, já que, por poder transfor- mar o mundo, precisa ser capaz de imaginar algo diferente, isto é, pre- cisa ser capaz de se distanciar dele, razão pela qual a ficção da utopia não é necessariamente uma falha ou uma deficiência. DerivaDos: musealia, musealidade, musealização.55 FCorrelatos: apreensão sensível, apresentação sensível, campo, museologia, museu, realidade, relação específica. MUSEALIZAÇÃO s. f. – Equivalente em francês: muséalisa- tion; inglês: musealisation; espanhol: muse- alisación; alemão: Musealisierung; italiano: musealizazione. Segundo o sentido comum, a musea- lização designa o tornar-se museu ou, de maneira mais geral, a transforma- ção de um centro de vida, que pode ser um centro de atividade humana ou um sítio natural, em algum tipo 54 Referências obtidas no Dictionnaire encyclopédique de muséologie (Paris: Armand Colin), 2011: Lebensztejn J.-Cl., Zig zag, Paris, Flammarion, 1981. 55 No Brasil e em Portugal, também musealizável é um derivado. 59 muito tempo, utilizada em concor- rência com o termo “museologia”, para designar as ações, intelectuais ou práticas, da responsabilidade do museu. O termo é regularmente empregado no mundo francófono, mas raramente nos países anglo- -americanos, onde a expressão museum practice é preferida. Muitos museólogos do Ocidente utilizaram, por sua vez, o conceito de museolo- gia aplicada para se referir à aplica- ção prática dos resultados obtidos pela museologia, como ciência em formação. 2. A palavra “museografia”, em português (assim como muséographie, no francês), tende a ser usada, com frequência, para designar a arte da exposição58. Durante alguns anos, na França, o termo expographie (expografia) foi proposto para designar as técnicas ligadas às exposições, estejam elas situadas dentro de um museu ou em espaços não museais. De maneira mais geral, aquilo que intitulamos de “programa museográfico” engloba a definição dos conteúdos da expo- sição e os seus imperativos, assim como o conjunto de relações funcio- nais entre os espaços de exposição e os outros espaços do museu. Essa definição não implica que a museo- grafia se limite aos aspectos visíveis do museu. O muséographe59, como profissional de museu, leva em conta as exigências do programa científico e de gestão das coleções, e busca uma apresentação adequada dos objetos selecionados pelo conservador. Ele conhece os métodos de conserva- ção ou de inventário dos objetos de museu. Ele participa da cenografia a partir dos conteúdos, propondo uma construção discursiva que inclui as mediações complementares que possam auxiliar a compreensão, além de se preocupar com as exi- gências dos públicos, mobilizando técnicas de comunicação adaptadas à boa recepção das mensagens. O seu papel como chefe ou encarregado de um projeto é, sobretudo, o de coor- denar o conjunto das competências (científicas e técnicas), trabalhando no seio do museu para organizá-las e, por vezes, confrontá-las e arbi- trá-las. Outras funções específicas foram criadas para realizar tais tare- fas60: a gestão de acervos é muitas vezes conferida aos especialistas em documentação, o chefe de segurança é responsável pela segurança e super- visão dos espaços, o responsável pela conservação é o especialista na con- servação preventiva e nas medidas de conservação reparadora61 e de 58 Esta afirmação não pode ser generalizada, pois, no Brasil, muitos profissionais usam o termo “expografia”, justamente para especificá-la dentro da museografia. 59 Não há termo correspondente no Brasil. No contexto do texto original, o uso mais ade- quado nos parece ser “museólogo”, embora acreditemos que caibam outros especialistas na museografia. Com referência ao termo muséographe, ver também nota em arquitetura, museu e profissão. 60 Outras ações são cabíveis, como a do educador. 61 Em Portugal, conservação curativa. 60 restauração. É neste contexto, e em inter-relação com diferentes depar- tamentos, que o muséographe62 se preocupa particularmente com a exposição. A museografia63 distin- gue-se da cenografia, aqui entendida como o conjunto de técnicas de orga- nização do espaço expositivo, assim como se distingue da arquitetura de interiores. Há traços da cenografia e da arquitetura na museografia, o que aproxima o museu de outros métodos de visualização, mas outros elemen- tos também devem ser considera- dos no caso dos museus, tais como o conhecimento sobre o público, a sua apreensão intelectual e a preser- vação do patrimônio. Esses aspectos fazem dos muséographes (ou expo- graphes64) os intermediários entre os conservateurs65, os arquitetos e o público66. Esses papéis variam, no entanto, e dependem de o museu ou o espaço da exposição ter ou não um conservateur liderando o projeto. O desenvolvimento do papel de alguns especialistas dentro dos museus (arquitetos, artistas, curadores, etc.) levou a um refinamento do papel do muséographe como intermediário. 3. Antigamente, e por sua etimo- logia, a museografia designava o conteúdo de um museu. Do mesmo modo que a bibliografia se constitui numa das etapas fundamentais da pesquisa científica, a museografia foi concebida para facilitar a pesquisa das fontes documentais de obje- tos, com o fim de desenvolver o seu estudo sistemático. Essa acepção, que permaneceu ao longo de todo o século XIX, persiste ainda em algumas línguas, particularmente na russa. DerivaDos: muséographe67, museográfico. FCorrelatos: arquitetura de interiores, cenografia, design de exposição, expografia, funções museais, organização do espaço.68 62 Pela descrição apresentada, o uso do termo “museólogo” seria apropriado, devido ao cará- ter de coordenação de processo institucional, embora outros profissionais que se especiali- zam em processos expográficos no Brasil atuem nessa dimensão. 63 Acreditamos tratar-se aqui de “expografia”. 64 Não há um correspondente a esta função no Brasil. Ver também verbetes arquitetura e profissão. 65 Mantemos o termo conservateur, por falta de um termo em uso no Brasil para este profissio- nal. Embora na tradução inglesa encontremos curator, o termo mais ajustado seria “pesqui- sador de coleção”. No entanto, em Portugal existe o termo “conservador”, sendo aplicado a um profissional distinto do “conservador-restaurador”. Sobre esta discussão, ver também notas em coleção e profissão. 66 Há nesta descrição uma concepção de exposição e um método centralizado no pesquisador de coleção. Considerando outras concepções, a tradução para “curador” torna-se difícil e mesmo imprecisa. Sobre “expographe”, termo não utilizado no Brasil, ver em arquitetura. 67 No Brasil, museólogo. 68 Outros correlatos para o verbete: salvaguarda, comunicação, gestão. 61 MUSEOLOGIA s. f. – Equivalente em francês: muséologie; inglês: museology, museum studies; espa- nhol: museología; alemão: Museologie, Museumswissenschaft, Museumskunde; ita- liano: museologia. Etimologicamente, a museologia é “o estudo do museu” e não a sua prática – que remete à “museografia” –, mas tanto o termo, confirmado nesse sen- tido amplo ao longo dos anos 1950, como o seu derivado “museológico” – sobretudo em sua tradução literal em inglês (museology e seu derivado museological) – apresentam cinco acepções bem distintas. 1. A primeira acepção, e a mais disseminada, visa a aplicar, muito amplamente, o termo “museologia” a tudo aquilo que toca ao museu e que remete, geralmente, no dicio- nário, ao termo “museal”. Pode- mos, assim, falar em departamentos museológicos de uma biblioteca (a reserva técnica ou os gabinetes de numismática), e ainda de ques- tões museológicas (relativas ao museu), etc. É, com frequência, essa a acepção que se adota nos países anglo-saxônicos e, igualmente, por influência, em alguns países latino- -americanos. Assim, nos países onde não existe a profissão específica reco- nhecida – ao contrário do que se tem na França69 com os conservateurs, e no Brasil com os museólogos – o termo “museólogo” pode se aplicar a toda profissão museal (como no caso de Quebec), e, em particular, aos consultores responsáveis por esta- belecer um projeto de museu ou por realizar uma exposição. Essa acep- ção não é privilegiada na França, por exemplo70. 2. A segunda acepção do termo é geralmente utilizada em grande parte do meio universitário ociden- tal e aproxima-se da etimologia do termo que remete ao “estudo do museu”. As definições mais corren- temente utilizadas se aproximam daquela que foi proposta por Geor- ges Henri Rivière: “Museologia: uma ciência aplicada, a ciência do museu. Ela o estuda em sua história e no seu papel na sociedade, nas suas formas específicas de pesquisa e de conser- vação física, de apresentação, de ani- mação e de difusão, de organização e de funcionamento, de arquitetura nova ou musealizada, nos sítios her- dados ou escolhidos, na tipologia, na deontologia” (Rivière, 1981). A museologia opõe-se, de certo modo, à museografia, que designa o conjunto de práticas ligadas à museologia. Os meios anglo-americanos, geralmente reticentes face à invenção de novas “ciências”, costumam privilegiar a expressão museum studies, particu- larmente usada na Grã-Bretanha, onde o termo museology é, ainda atualmente, pouco empregado. É indispensável ressaltar que, de modo geral, apesar de o termo ter sido 69 Assim como em Portugal. 70 No Brasil, a profissão específica de museólogo, com formação em graduação ou pós- graduação, é reconhecida e regulamentada. 64 sofia do museal, investida de duas funções: (1) Serve de metateoria à ciência documental intuitiva con- creta; (2) É também uma ética reguladora de toda instituição encar- regada de gerar a função documental intuitiva concreta” (Deloche, 2001). DerivaDos: museológico, museólogo. FCorrelatos: museal, musealia, musealizar, musealidade, musealização, museificar (termo pejorativo), museografia, museu, objeto de museu, realidade. MUSEU s. m. (do grego mouseion: templo das musas) – Equivalente em francês: musée; inglês: museum; espanhol: museo; alemão: Museum; italiano: museo. O termo “museu” tanto pode desig- nar a instituição quanto o estabe- lecimento, ou o lugar geralmente concebido para realizar a seleção, o estudo e a apresentação de teste- munhos materiais e imateriais do Homem e do seu meio. A forma e as funções do museu variaram sensivel- mente ao longo dos séculos. Seu con- teúdo diversificou-se, tanto quanto a sua missão, seu modo de funciona- mento ou sua administração. 1. A maioria dos países definiu o museu, pelos textos legislativos ou por meio de suas organizações nacio- nais, de formas variadas. A definição profissional de museu mais conhecida atualmente continua sendo a que se encontra nos estatutos do Conselho Internacional de Museus (ICOM), de 2007: “o museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desen- volvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio, com fins de estudo, educação e deleite”. Essa definição substitui, então, aquela que serviu de referên- cia ao mesmo Conselho durante mais de trinta anos: “o museu é uma insti- tuição permanente, sem fins lucrati- vos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, e que realiza pesquisas sobre os tes- temunhos materiais do homem e seu meio, que ele adquire, conserva, investiga, comunica e expõe, com fins de estudo, educação e deleite” (Estatutos de 1974). As diferenças entre as duas defi- nições, pouco significativas a priori – uma referência ao patrimônio ima- terial e algumas mudanças na estru- tura –, testemunham, por um lado, a preponderância da lógica anglo- americana no seio do ICOM, e, por outro, um papel menos importante conferido à pesquisa no seio da insti- tuição. A definição de 1974 foi, desde a sua origem, objeto de uma tradução um tanto livre, em inglês, refletindo melhor a lógica anglo-americana das funções do museu, ou seja, aquela da transmissão do patrimônio. A língua de trabalho mais difundida nos con- selhos do ICOM, como também na maior parte das organizações inter- nacionais, é o inglês, e é com base na tradução inglesa que se desenvolvem os trabalhos que visam à concepção 65 de uma nova definição. A estrutura particular da definição francesa de 1974 enfatizava a função da pes- quisa, presente, de certo modo, como o princípio motor da institui- ção. Esse princípio foi relegado, em 2007, como uma das funções gerais do museu. 2. Para muitos museólogos, par- ticularmente aqueles que de algum modo foram influenciados pela museologia ensinada nos anos 1960- 1990 pela escola tcheca71 (Brno e a International Summer School of Museology72), o museu constitui um meio, entre outros, pelo qual se dá uma “relação específica do Homem com a realidade”73, sendo esta rela- ção determinada pela “coleção e a conservação, consciente ou siste- mática, e [...] a utilização científica, cultural e educativa de objetos inani- mados, materiais, móveis (sobretudo tridimensionais) que documentam o desenvolvimento da natureza e da sociedade” (Gregorová, 1980). Antes de o museu ser definido como tal, no século XVIII, segundo um conceito emprestado da Antiguidade grega e a sua ressurgência durante o Renascimento ocidental, existia em quase todas as civilizações certo número de lugares, de instituições e de estabelecimentos que se aproxi- mavam mais ou menos diretamente daquilo que englobamos atualmente com esse vocábulo. A definição do ICOM é analisada, neste sentido, como fortemente marcada por sua época e seu contexto ocidental, mas também como uma definição muito normativa, visto que o seu fim é essencialmente corporativo. Uma definição “científica” de museu deve, assim, distanciar-se de alguns dos elementos aportados pelo ICOM, tais como, por exemplo, o caráter não lucrativo do museu: um museu lucrativo (como o Museu Grévin, em Paris, por exemplo) ainda assim é um museu, mesmo que não seja reconhecido pelo ICOM. É possível, assim, definir o museu, de maneira ampla e mais objetiva, como “uma instituição museal permanente, que preserva as coleções de ‘documen- tos físicos’ e produz conhecimento a partir deles” (van Mensch, 1992). Schärer, por sua vez, define o museu como “um lugar em que as coisas e os valores que se ligam a elas são sal- vaguardados e estudados, bem como comunicados enquanto signos para interpretar fatos ausentes” (Schärer, 2007) ou, de maneira à primeira vista tautológica, o lugar onde se realiza a musealização. De modo mais amplo ainda, o museu pode ser apreendido como um “lugar de memória” (Nora, 1984-1987; Pinna, 2003), um “fenô- meno” (Scheiner, 2007), englobando as instituições, os lugares diversos ou os territórios, as experiências, ou mesmo os espaços imateriais. 71 Em Portugal, checa. 72 Escola de verão Internacional em Museologia. 73 A museóloga brasileira Waldisa Russio Camargo Guarnieri participou ativamente dessa dis- cussão, adotando essa tendência e inclusive adequando-a. 66 3. Nessa mesma perspectiva, e ultrapassando o caráter limitado do museu tradicional, o museu é defi- nido como um instrumento ou fun- ção concebida pelo Homem em uma perspectiva arquivística, de compre- ensão e de transmissão. Podemos assim, acompanhando o pensamento de Judith Spielbauer (1987), conce- ber o museu como um instrumento destinado a favorecer “a percepção da interdependência do Homem com os mundos natural, social e esté- tico, oferecendo-lhe informação e experiência, e facilitando a compre- ensão de si mesmo em um contexto mais amplo”. O museu pode ainda se apresentar como “uma função espe- cífica, que pode tomar a forma ou não de uma instituição, cujo objetivo é garantir, por meio da experiência sensível, o acúmulo e a transmissão da cultura entendida como o con- junto de aquisições que fazem de um ser geneticamente humano, um homem” (Deloche, 2007). As últi- mas definições englobam tanto os museus que chamamos inapropria- damente de “virtuais” (e particular- mente aqueles que se apresentam em suporte de papel, CD-ROM e internet), quanto os museus institu- cionais mais clássicos, incluindo até mesmo os museus antigos, que eram, de fato74, mais escolas filosóficas do que coleções no sentido habitual do termo. 4. Essa última acepção remete, notadamente, aos princípios do ecomuseu na sua concepção ini- cial, como uma instituição museal que associa ao desenvolvimento de uma comunidade a conservação, a apresentação e a explicação de um patrimônio natural e cultural per- tencente a esta mesma comunidade, representativo de um modo de vida e de trabalho, sobre um dado terri- tório, bem como a pesquisa que lhe é associada. “O ecomuseu, [...] sobre um território, exprime as relações entre o homem e a natureza atra- vés do tempo e através do espaço desse território; ele se compõe de bens, de interesses científicos e cul- turais reconhecidos, representativos do patrimônio da comunidade que serve: bens imóveis não construídos, espaços naturais selvagens, espaços naturais humanizados; bens imóveis construídos; bens móveis; e bens integrados. Ele compreende um centro de gestão, onde estão locali- zadas as suas estruturas principais: recepção, centros de pesquisa, con- servação, exposição, ação cultural, administração, abrangendo ainda os seus laboratórios de campo, outros órgãos de conservação, salas de reu- nião, um ateliê sociocultural, mora- dias, etc., percursos e estações para a observação do território que ele compreende, diferentes elementos arquitetônicos, arqueológicos, geoló- gicos, etc., assinalados e explicados” (Rivière, 1978). 5. Com o desenvolvimento da informática e do mundo digital se impôs progressivamente uma noção de museu impropriamente denomi- 74 Em Portugal, de facto. 69 geralmente chamadas de primitivas: trata-se de uma relação de “utensi- lidade”, como no caso de uma fer- ramenta adaptada para ter a forma da mão. Por contraste, o objeto será sempre aquilo que o sujeito coloca em face de si como distinto de si; ele é, logo, aquilo de que se está “diante” e do qual é possível se dife- renciar. Nesse sentido, o objeto é abstrato e morto, pois fechado em si mesmo, como é evidenciado em uma série de objetos que formam uma coleção (Baudrillard, 1968). Esse estatuto do objeto é reconhecido hoje como um produto puramente ocidental (Choay, 1968; Van Lier, 1969; Adotevi, 1971), uma vez que o Ocidente foi responsável por romper com o modo de vida tribal e por pen- sar a lacuna entre sujeitos e objetos pela primeira vez (Descartes, Kant e, depois, McLuhan, 1969). 2. Pelo seu trabalho de aquisição, de pesquisa, de preservação e de comunicação, é possível apresentar o museu como uma das grandes ins- tâncias de “produção” de objetos, isto é, de conversão das coisas que nos rodeiam em objetos. Nessas con- dições, o objeto de museu – musealia – não apresenta uma realidade intrín- seca, mesmo não sendo o museu o único instrumento a “produzir” objetos. Com efeito, outros pontos de vista são “objetificáveis”, como é o caso, particularmente, do desen- volvimento científico que estabelece normas de referência (ex.: as escalas de medidas) totalmente indepen- dentes do sujeito e que, como con- sequência, têm dificuldade em tratar aquilo que é vivo como tal (Bergson), pois tendem a transformá-lo em objeto, o que gera, por exemplo, a dificuldade da fisiologia em relação à anatomia. O ponto de vista museal, mesmo se este é, por vezes, colocado a serviço do desenvolvimento cientí- fico, diferencia-se pelo ato primeiro de expor os objetos, isto é, de mos- trá-los concretamente a um público de visitantes. O objeto do museu é feito para ser mostrado, com toda a variedade de conotações que lhe estão intrinsecamente associadas, uma vez que podemos mostrar para emocionar, distrair ou instruir. Essa operação de “mostração”, para utili- zar um termo mais genérico que o de “exposição”, é tão importante que cria a distância, faz da coisa o objeto, enquanto que no desenvolvimento científico a prioridade é a exigência do reconhecimento das coisas em um contexto universalmente inteligível. 3. Os naturalistas e os etnólogos, assim como os museólogos, selecio- nam geralmente aquilo que eles já intitulam como “objetos” em função de seu potencial de testemunho, ou seja, pela qualidade das informações (indicadores) que eles podem trazer para a reflexão dos ecossistemas ou das culturas que se deseja preservar. “Os musealia (objetos de museu) são objetos autênticos móveis que, como testemunhos irrefutáveis, revelam os desenvolvimentos da natureza ou da sociedade” (Schreiner, 1985). É a riqueza de informações que eles portam que conduziu etnólogos 70 como Jean Gabus (1965) ou Georges Henri Rivière (1989) a lhes atribuir a qualificação de objetos-testemu- nhos, que eles retêm uma vez que são expostos. Georges Henri Rivière até utilizou a expressão objeto-símbolo para designar certos objetos-teste- munhos, cheios de conteúdo, que poderiam servir para sintetizar toda uma cultura ou toda uma época. Essa objetivação sistemática das coi- sas permite estudá-las muito mais a fundo do que se elas permaneces- sem em seus contextos de origem (campo etnográfico, coleção pri- vada ou galeria), mas também pode apresentar uma tendência fetichista: uma máscara ritual, uma vestimenta cerimonial, uma ferramenta de arar, etc. mudam bruscamente de status ao entrarem no museu. Os artifí- cios da vitrine ou dos expositores, que servem de separadores entre o mundo real e o mundo imaginário do museu, são responsáveis por garantir a objetividade, assegurar a distância e nos assinalar que aquilo que nos é apresentado não pertence à vida, mas ao mundo fechado dos objetos. Por exemplo, não devemos nos sen- tar sobre uma cadeira em um museu de arte decorativa, o que pressupõe a distinção convencional entre a cadeira funcional e a cadeira-objeto. Os objetos no museu são desfuncio- nalizados e “descontextualizados”, o que significa que eles não servem mais ao que eram destinados antes, mas que entraram na ordem do sim- bólico que lhes confere uma nova sig- nificação (o que conduziu Krzysztof Pomian a chamar esses “portadores de significado” de semióforos) e a lhes atribuir um novo valor – que é, primeiramente, puramente museal, mas que pode vir a possuir valor eco- nômico. Tornam-se, assim, testemu- nhos (con)sagrados da cultura. 4. O mundo da exposição reflete essas escolhas. Para os semiólogos, como Jean Davallon, “os musealia são considerados menos como coi- sas (do ponto de vista de sua reali- dade física) do que como seres de linguagem (eles são definidos, reco- nhecidos como dignos de serem conservados e apresentados) e como suportes de práticas sociais (eles são coletados79, catalogados, expostos, etc.)” (Davallon, 1992). Os objetos podem, então, ser utilizados como signos, do mesmo modo que as pala- vras de um discurso, quando são utilizados em uma exposição. Mas os objetos não são mais do que sig- nos, uma vez que, meramente pela sua presença, eles podem ser perce- bidos diretamente pelos sentidos. É por esta razão que vem sendo recor- rentemente utilizado o termo anglo- -americano real thing – traduzido para o francês como vraie chose80 para designar o objeto de museu apresentado a partir de seu poder de “presença autêntica”, isto é, “as coi- sas que nós apresentamos como elas 79 Em Portugal, recolhidos. 80 Coisa real, em português, embora seja recorrente o uso de “objeto autêntico”, quer no Brasil quer em Portugal. 71 são e não como modelos, imagens ou representações de alguma outra coisa” (Cameron, 1968). Ela supõe, por razões variadas (sentimentais, estéticas, etc.), uma relação intuitiva com aquilo que é exposto. O termo expôt81 designa os objetos autênticos expostos, bem como todo elemento passível de ser exposto (um docu- mento sonoro, fotográfico ou cine- matográfico, um holograma, uma reprodução, uma maquete, uma ins- talação ou um modelo conceitual82) (ver EXPOSIÇÃO). 5. Uma certa tensão opõe o objeto autêntico ao seu substituto. Neste sentido, convém destacar que, para alguns, o objeto semióforo só apa- rece como portador de significado quando se apresenta por si mesmo e não por um substituto. Por mais ampla que possa parecer, essa con- cepção puramente realista não advém das origens do museu até o Renascimento (ver MUSEU), nem da evolução e diversidade que alcan- çou a museologia no século XIX. Também não leva em conta o tra- balho de certo número de museus cujas atividades são essencialmente semelhantes, como por exemplo na internet ou sobre suportes duplica- dos e, mais frequentemente, todos os museus feitos de substitutos, como os museus com acervos de moldes, as coleções de maquetes, os museus de cera ou os centros de ciência (que expõem principalmente modelos). Com efeito, a partir do momento em que os objetos foram considerados como elementos de linguagem, eles permitem construir exposições-dis- cursos, mas não são suficientes para sustentar tais discursos em todos os casos. É preciso, então, imagi- nar outros elementos de linguagem de substituição. Do mesmo modo, visto que a função da natureza do expôt pretende substituir um objeto autêntico, atribuímos a ele a qua- lidade de substituto. Este pode ser uma fotografia, um desenho ou um modelo de objeto autêntico. Assim, o substituto supostamente se opõe ao objeto “autêntico”, mas também não se confunde totalmente, por outro lado, com a réplica (como os moldes de esculturas ou cópias de pintu- ras), na medida em que ele pode ser criado diretamente a partir de ideias ou de processos e não somente pela cópia. Segundo a forma do original e segundo o uso que dele deve ser feito, este pode ser executado com duas ou três dimensões. A noção de autenti- cidade, particularmente importante nos museus de Belas Artes (onde se encontram obras-primas, verda- deiras ou falsas), condiciona uma grande parte das questões ligadas ao estatuto e ao valor dos objetos de museu. Notamos, entretanto, que existem museus em que as coleções não são compostas de substitutos e 81 Expôt, termo sem paralelo no Brasil, por isso não traduzido. Ver também verbete exposição e no Dictionnaire Encyclopédique de Muséologie (Paris: Armand Colin), 2011, p. 601, André Desvallées e François Mairesse. 82 Conceptual, em Portugal. 74 determinada por nossas preferências subjetivas” [monumentos históri- cos], e, enfim, “todas as criações do homem, independentemente de sua significação ou de sua destinação originais” [monumentos antigos] (Riegl, 1903). As duas últimas cate- gorias irão convergir, essencialmente, segundo os princípios da história, da história da arte e da arqueologia, na concepção de patrimônio imóvel. Até uma data muito recente, a Dire- ção do Patrimônio, na França, cujo objetivo principal era a preservação de monumentos históricos, estava dissociada da Direção de Museus da França. Não é raro encontrar, ainda nos dias de hoje, aqueles que compartilham dessa diferenciação que é, no mínimo, restritiva. Mesmo que mundialmente disseminada, sob a égide da UNESCO, essa é, à primeira vista, uma visão essencial- mente fundada sobre o monumento, os conjuntos monumentais e os sítios que são valorizados, particularmente no seio do ICOMOS, o equivalente do ICOM para monumentos his- tóricos. Assim, a Convenção sobre a proteção do patrimônio mundial cultural e natural estipula ainda que: “Para os fins da presente Convenção, são considerados como ‘patrimônio cultural’: – os monumentos: obras arquiteturais, de escultura ou de pin- tura monumentais, [...]; – os conjun- tos: grupos de construções isolados ou reunidos, [...] em razão de sua arquitetura, [...]; – os sítios: obras do homem ou obras compostas pelo homem e a natureza [...]. Para os fins da presente Convenção, são consi- derados como ‘patrimônio natural’: – os monumentos naturais [...]; – as formações geológicas e fisiográficas [...]; – os sítios naturais ou as zonas naturais [...]” (UNESCO, 1972). 2. A partir de meados dos anos 1950, a noção de patrimônio foi consideravelmente ampliada, de modo a integrar, progressivamente, o conjunto de testemunhos materiais do homem e do seu meio. Assim, o patrimônio folclórico, o patrimônio científico e, mais recentemente, o patrimônio industrial, foram pro- gressivamente integrados à noção de patrimônio. A definição de patri- mônio no Quebec francófono, por exemplo, testemunha essa tendência geral: “Pode ser considerado como patrimônio todo objeto ou conjunto, material ou imaterial, reconhecido e apropriado coletivamente por seu valor de testemunho e de memória histórica e que deve ser protegido, conservado e valorizado” (Arpin, 2000). Essa noção remete ao con- junto de todos os bens ou valores, naturais ou criados pelo Homem, materiais ou imateriais, sem limite de tempo nem de lugar, que sejam sim- plesmente herdados dos ascendentes e ancestrais de gerações anteriores ou reunidos e conservados para serem transmitidos aos descendentes das gerações futuras. O patrimônio é um bem público cuja preservação deve ser assegurada pelas coletividades, quando não é feita por particulares. A inclusão das especificidades natu- rais e culturais de caráter local con- 75 tribui à concepção e à constituição de um patrimônio de caráter univer- sal. O conceito de patrimônio se dis- tingue do de herança na medida em que os dois termos repousam sobre temporalidades sensivelmente dife- rentes: enquanto a herança se define logo após uma morte ou ao momento da transmissão intergeracional, o patrimônio designa o conjunto de bens herdados dos ascendentes ou reunidos e conservados para serem transmitidos aos descendentes. De certa maneira, o patrimônio se define por uma linha de heranças. 3. Depois de alguns anos, a noção de patrimônio, essencialmente defi- nida sobre as bases de uma concepção ocidental da transmissão, foi ampla- mente afetada pela globalização de ideias, cujo testemunho é o princípio relativamente recente do patrimônio imaterial. Essa noção, originária dos países asiáticos (notadamente do Japão e da Coreia), funda-se sobre a ideia de que a transmissão, por ser efetiva, repousa essencialmente sobre a intervenção humana, da qual provém a ideia de tesouro humano vivo: “uma pessoa que tenha domi- nado a prática da música, da dança, dos jogos, de manifestações teatrais e de ritos de valor artístico e histó- rico excepcional em seu país, como definidos na recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular” (UNESCO, 1993). Esse princípio encontrou repercussão mundial recentemente e foi apro- vado em 2003 na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. “Entende-se por patrimônio cul- tural imaterial as práticas, represen- tações, expressões, conhecimentos e saber-fazer – assim como os instru- mentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reco- nhecem como fazendo parte de seu patrimônio cultural. Esse patrimô- nio cultural imaterial transmitido de geração em geração é recriado permanentemente pelas comunida- des e grupos em função de seu meio, de sua interação com a natureza e de sua história, e lhes confere um senti- mento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, só será levado em consideração o patrimônio cultu- ral imaterial conforme os instrumen- tos internacionais existentes relativos aos direitos do homem, e de acordo com a exigência do respeito mútuo entre comunidades, grupos e indiví- duos, e de um desenvolvimento sus- tentável” (UNESCO, 2003). 4. O campo mais complexo que constitui a problemática da transmis- são – o campo patrimonial – induziu, nos últimos anos, uma reflexão mais precisa sobre os mecanismos de cons- tituição e de extensão do patrimô- nio: a patrimonialização. Para além da abordagem empírica, numerosas pesquisas atualmente tentam analisar a instituição, a fábrica do patrimô- nio, como a resultante de interven- 76 ções e de estratégias enfocando a marcação e a sinalização (enquadra- mento). A ideia de patrimonialização impõe-se também à compreensão do estatuto social daquilo que é o patri- mônio, assim como alguns autores se referem à ideia de “artificação” (Shapiro, 2004) para compreender a valorização das obras de arte. “O patrimônio é o processo cultural ou o resultado daquilo que remete aos modos de produção e de negocia- ção ligados à identidade cultural, à memória coletiva e individual e aos valores sociais e culturais” (Smith, 2006). O que significa que, se acei- tamos que o patrimônio representa o resultado de um processo fundado sobre certo número de valores, isso implica que são esses mesmos valo- res que fundam o patrimônio. Tais valores justificam a análise, bem como – por vezes – a contestação do patrimônio. 5. A instituição do patrimônio também conhece os seus detratores, aqueles que se questionam sobre suas origens e a valorização abusiva e “fetichizante” dos suportes da cul- tura que ele sustenta, em nome dos valores do humanismo ocidental. No sentido estrito, isto é, no sen- tido antropológico, nossa herança cultural é feita das práticas e do saber-fazer modestos, e reside na aptidão para fabricar instrumentos e para utilizá-los, sobretudo quando esses últimos são cristalizados como objetos em uma vitrine de museu. Com frequência, esquecemos que o instrumento mais elaborado e o mais potente que o homem inven- tou é o conceito, instrumento do desenvolvimento do pensamento, que dificilmente pode ser colocado em uma vitrine. O patrimônio cultu- ral, compreendido como a soma dos testemunhos comuns à humanidade, tornou-se objeto de uma crítica forte que o aproxima de ser um novo dogma em uma sociedade que perdeu suas referências religiosas (Choay, 1992). É possível enumerar as eta- pas sucessivas da formação desse produto recente: a reapropriação patrimonial (Vicq d’Azyr e Poirier, 1794), a conotação espiritual (Hegel, 1807), a conotação mística e desin- teressada (Renan, 1882) e, enfim, a humanista (Malraux, 1947). A noção de patrimônio cultural coletivo, que transpõe ao campo moral o léxico jurídico-econômico, aparece como suspeita, e pode ser analisada como parte daquilo que Marx e Engels chamaram de ideologia, isto é, um subproduto do contexto socioeconô- mico destinado a servir a interesses particulares. “A internacionalização do conceito de patrimônio da huma- nidade não é [...] apenas falsa, mas perigosa na medida em que se impõe um conjunto de conhecimentos e preconceitos que têm como critérios as expressões de valores elaborados a partir de dados estéticos, morais, cul- turais, da ideologia de uma casta em uma sociedade na qual as estruturas são irredutíveis àquelas do Terceiro Mundo em geral e da África em par- ticular” (Adotevi, 1971). Isto é ainda mais suspeito dado que tal categoria 79 PRESERVAÇÃO s. f. – Equivalente em francês: préservation; inglês: preservation; espanhol: preservación; alemão: Bewahrung, Erhaltung; italiano: preservazione. Preservar significa proteger uma coisa ou um conjunto de coisas de diferentes perigos, tais como a des- truição, a degradação, a dissociação ou mesmo o roubo; essa proteção é assegurada especialmente pela reu- nião, o inventário, o acondiciona- mento, a segurança e a reparação. Na museologia, a preservação engloba todas as operações envol- vidas quando um objeto entra no museu, isto é, todas as operações de aquisição, entrada em inventá- rio, catalogação, acondicionamento, conservação e, se necessário, restau- ração. Em geral, a preservação do patrimônio conduz a uma política que começa com o estabelecimento de um procedimento e critérios de aquisição do patrimônio material e imaterial da humanidade e seu meio, cuja continuidade é assegurada com a gestão das coisas que se tornaram objetos de museu, e finalmente com sua conservação. Neste sentido, o conceito de preservação representa aquilo que é fundamental para os museus, pois a construção das cole- ções estrutura o seu desenvolvimento e a missão do museu. A preservação constitui-se em um eixo da ação museal, sendo o outro eixo o da difu- são aos públicos. 1. A política de aquisição constitui um elemento fundamental do modo de funcionamento da maior parte dos museus. A aquisição congrega o conjunto de meios com os quais um museu se apropria do patrimônio material e imaterial da humanidade: coleta, escavação arqueológica, doa- ções, troca, compra, e, como não podemos deixar de lembrar, por vezes também o roubo ou a pilha- gem (combatidos pelo ICOM e pela UNESCO – Recomendação de 1956 e Convenção de 1970). A gestão e o regimento86 das coleções constituem o conjunto das operações ligadas ao tratamento administrativo dos objetos de museu, considerando a sua inscrição no catálogo ou no registro de inventário do museu, de maneira a certificar o seu estatuto museal – o que, particularmente em alguns países, lhes confere um esta- tuto legal específico, uma vez que os objetos entram no inventário, especialmente em museus públicos, em que esses bens são inalienáveis e imprescritíveis. Em países como os Estados Unidos ou a Grã-Breta- nha, os museus podem excepcional- mente alienar objetos, dispondo-os para serem transferidos para outra instituição, para serem vendidos ou destruídos. O acondicionamento em reservas técnicas e a classificação também fazem parte das atividades próprias à gestão das coleções, assim como a supervisão da mobilidade dos objetos dentro do museu e fora dele. Enfim, as atividades de con- servação têm por objetivo fornecer 86 Em Portugal, apesar de o termo existir, neste contexto usa-se o termo “administração”. 80 os meios necessários para garantir o estado de um objeto contra toda forma de alteração, a fim de man- tê-lo o mais intacto possível para as gerações futuras. Essas atividades, em sentido amplo, condensam as operações de segurança geral (pro- teção contra roubo ou vandalismo, incêndios ou inundações, terremotos ou tumultos), as disposições ditas de conservação preventiva, ou seja, “o conjunto de medidas e ações que têm por objetivo evitar e minimizar futuras deteriorações ou perdas. Elas se inscrevem em um contexto ou ambiente de um bem cultural, porém, mais comumente no contexto de um conjunto de bens, seja qual for a sua antiguidade e o seu estado. Essas medidas e ações são indiretas – não interferem com os materiais e estruturas dos bens. Também não modificam a sua aparência” (ICOM- -CC87, 2008). Há ainda a conservação curativa, que é “o conjunto de ações diretamente empregadas sobre um bem cultural ou um grupo de bens, com o objetivo de interromper um processo ativo de deterioração ou de introduzir um reforço estrutural. Essas ações só são colocadas em prá- tica quando a existência dos bens é ameaçada a curto prazo, devido à sua extrema fragilidade ou rapidez de sua deterioração. Essas ações modifi- cam por vezes a aparência dos bens” (ICOM-CC, 2008). A restauração é “o conjunto de ações diretamente empregadas sobre um bem cultural, singular e em estado estável, tendo como objetivo o de melhorar a apre- ciação, a compreensão e o uso. Essas intervenções só são colocadas em prática quando o bem tiver perdido uma parte de sua significação ou função devido a deteriorações ou a alterações passadas. Elas se baseiam no respeito pelos materiais originais. Comumente tais ações modificam a aparência do bem” (ICOM-CC, 2008). Para conservar o quanto for possível a integridade dos objetos, os restauradores optam por interven- ções reversíveis e facilmente identifi- cáveis. 2. Em sua prática, o conceito de “conservação” é comumente prefe- rido em detrimento do de “preserva- ção”. Para diversos profissionais de museus, a conservação, que concerne ao mesmo tempo à ação e à intenção de proteger um bem cultural, seja ele material ou imaterial, constitui o coração da atividade do museu – o que testemunha o vocábulo mais antigo usado para definir, na França ou na Bélgica, a profissão museal, como o corpo de conservateurs, que aparece a partir da Revolução Fran- cesa. Logo, há muito tempo – ao longo do século XIX, ao menos – esse parece ser o vocábulo que melhor caracteriza, nesses países, a função do museu. É possível assinalar ainda que a definição atual de museu do ICOM (2007) não recorre ao termo “preservação” para evidenciar as noções de aquisição e de conserva- ção. Sem dúvida, nessa perspectiva, a noção de conservação deve ser vista 87 Comitê Internacional do icom de Conservação. 81 de maneira mais ampla, compreen- dendo as questões de inventário ou de reserva. Esta última concepção está ligada a uma realidade diferente daquela da conservação (como é entendida no seio do ICOM-CC), mais claramente ligada às atividades de conservação e de restauração, como foram descritas acima, do que à gestão ou ao regimento de cole- ções. É nesse contexto que se desen- volveu progressivamente um campo profissional distinto, o dos arquivis- tas e gestores de coleções. O conceito de preservação serve para dar conta desse conjunto de atividades. 3. O conceito de preservação tende, ainda, a objetivar tensões ine- vitáveis que existem entre cada uma dessas funções (sem contar as que concernem às fronteiras entre preser- vação e comunicação ou pesquisa), que sofrem críticas frequentes: “A ideia de conservação do patrimônio remete às pulsões naturais de toda a sociedade capitalista” (Baudrillard, 1968; Deloche, 1985-1989). Nessa ótica mais geral, certo número de políticas de aquisição, por exem- plo, integra em paralelo as políticas de alienação do patrimônio (Neves, 2005). A questão das escolhas do res- taurador e, de maneira geral, as esco- lhas efetuadas no nível das operações de conservação (o que conservar e o que rejeitar?) constituem, com a alienação, algumas das questões mais polêmicas da organização de um museu. Enfim, os museus adquirem e conservam cada vez mais regular- mente objetos patrimoniais imate- riais, o que acarreta novos problemas e os compelem a encontrar novas téc- nicas de conservação que se adaptem a esses novos patrimônios. FCorrelatos: aquisição, bem(ns), cessão, coisa, comunidade, conservador, conservação preventiva ou curativa, inventário, gestão de coleções, gestor de coleções, regimento de coleções, material, imaterial, monumento, obra, documento, objeto, patrimônio, realidade, relíquia, restauração, restaurador, semióforo, alienação, restituição, cessão, salvaguarda, ambiente (controle ambiental).88 PROFISSÃO s. f. – Equivalente em francês: profession; inglês: profession; espanhol: profesión; alemão: Beruf; italiano: professione. A profissão define-se, primeira- mente, em um quadro socialmente determinado e não por definição do acaso. A profissão não constitui um campo teórico: um museólogo pode se intitular um historiador da arte ou um biólogo por profissão, mas ele também pode se considerar – e ser socialmente aceito – como um profissional da museologia. Para que uma profissão exista, ela deve ser definida como tal, e também ser reconhecida como tal por outros, o que nem sempre é o caso no mundo dos museus. Não existe uma, mas várias profissões ligadas ao campo dos museus (Dubé, 1994), o que sig- nifica dizer que existe uma gama de atividades ligadas ao museu, pagas ou não, pelas quais uma pessoa pode 88 No Brasil, acrescentaríamos um derivado: preservacionista. 84 aquele que possui todas as compe- tências para realizar as exposições, estejam elas situadas em um museu ou em um espaço não museológico, bem como do “cenógrafo de expo- sição” (ou designer de exposição), na medida em que esse último, uti- lizando técnicas de administração do espaço cênico, pode ser igualmente apto para conceber exposições (ver MUSEOGRAFIA). Os profissionais de expografia e de cenografia foram, por muito tempo, aproximados ao “decorador”, responsável pela deco- ração dos espaços. Contudo, a obra de decoração realizada nos espaços funcionais e que derivam das ativida- des normais da decoração de interio- res difere das intervenções feitas nas exposições, que advém da expogra- fia. Nas exposições, o trabalho é mais o de administrar os espaços a partir da utilização de expositores como elementos de decoração, e não tanto o de partir dos expositores para colocá-los em evidência e assinalar a sua presença no espaço. Numerosos expographes ou cenógrafos de expo- sição caracterizam-se igualmente, em primeiro lugar, como arquitetos ou arquitetos de interiores, o que não quer dizer que todo arquiteto de interiores possa passar como expo- graphe ou “cenógrafo” no seio de um museu, e menos ainda como muséo- graphe. É em um contexto tal que a figura do “coordenador de exposi- ção”97 (comumente desempenhada pelo conservateur, mas, por vezes, também por uma figura externa ao museu) adquire sentido, pois este último concebe o projeto científico da exposição e assume a coordena- ção do conjunto do projeto. 3. Com o desenvolvimento do campo museológico, certo número de profissionais emergiu progres- sivamente para assumir a sua auto- nomia, mas também para afirmar a sua importância e a sua vontade de participar do destino dos museus. É essencialmente nos domínios da pre- servação e da comunicação que pode- mos observar esse fenômeno. No que concerne à preservação, é primeira- mente para o restaurador98 – como profissional dotado de competências científicas, e, sobretudo, de técnicas necessárias para o tratamento físico dos objetos em coleções (para sua restauração, mas também para a conservação preventiva e curativa) –, que se impôs a necessidade de uma formação altamente especializada (por tipos de materiais e de técni- cas), voltada para competências das quais o conservateur99 não dispõe. Do mesmo modo, as funções ligadas 97 Commissaire d’exposition (no original), que, na França, tem o sentido de comissário de expo- sição. No Brasil não temos um profissional para a função de coordenar exposições. A coor- denação do processo expográfico pode ser de responsabilidade de diversos profissionais, como o “pesquisador de coleção” ou o “museólogo”. Traduzimos para “coordenador de exposição”. Ver o termo no Dictionnaire Encyclopédique de Muséologie (Paris: Armand Colin), 2011, p, 579, de André Desvallées e François Mairesse. 98 Em Portugal, conservador-restaurador. 99 Ou o museólogo, no caso brasileiro. 85 ao inventário, que dizem respeito à gestão das reservas, mas também à mobilidade dos objetos, favorece- ram a criação relativamente recente da posição de gestor de coleções, responsável pela mobilidade das obras e pelas questões de segurança, de gestão das reservas técnicas, mas também, por vezes, de preparação e montagem de uma exposição (fala-se aqui do gestor de exposição). 4. No que concerne à comunica- ção, as pessoas ligadas ao serviço educativo, assim como o conjunto de pessoas interessadas pela ques- tão dos públicos, beneficiaram-se da emergência de certo número de pro- fissionais específicos. Sem dúvida, uma das mais antigas dessas profis- sões é aquela constituída pela figura do educador encarregado de acom- panhar os visitantes (geralmente os grupos) nas salas de exposição, forne- cendo certo número de informações ligadas ao dispositivo da exposição e aos objetos apresentados, essen- cialmente segundo o princípio das visitas guiadas. A esse primeiro tipo de acompanhamento acrescentamos a função do animador, encarregado da organização de ateliês e de outras experiências que dependem do dis- positivo de comunicação do museu, e aquela do mediador, destinado a servir de intermediário entre as cole- ções e a conduzir o público a se inte- ressar e a instruí-lo sistematicamente sobre um conteúdo previamente estabelecido. Além disso, cada vez mais, o responsável pelo site na web desempenha um papel fundamental nas funções de comunicação e de mediação do museu. 5. A esses diferentes profissionais são acrescentados outros, trans- versais ou auxiliares, entre os quais estão o responsável pelo projeto (que pode ser um cientista, bem como um muséographe), responsável pelo conjunto de dispositivos para a rea- lização das atividades museais, que reúne em torno de si especialistas da preservação, da pesquisa e da comu- nicação, visando a elaborar projetos específicos, como a realização de uma exposição temporária, a orga- nização de uma nova sala, de uma reserva técnica visitável, etc. 6. De modo mais geral, é muito provável que os administradores ou gestores do museu, já reunidos em um comitê no seio do ICOM, venham a elencar as especificidades de suas funções, distinguindo-se de outras organizações lucrativas ou não. Eles desempenham numerosas funções classificadas no nível da administra- ção, como a logística, a segurança, a informática, o marketing ou as rela- ções midiáticas, que têm sua impor- tância cada vez mais evidenciada. Os diretores de museus (reunidos em associações, principalmente nos Estados Unidos) apresentam perfis que combinam uma ou várias das competências evocadas – símbolos de autoridade no seio do museu, seu perfil (de gestor ou de conservateur, por exemplo) é comumente apresen- tado como revelador das estratégias de ação do museu. 86 FCorrelatos: museologia, expologia, designer de exposição, encarregado de projeto, conservação, museografia, conservador- restaurador (pt), restaurador, expografia, gestão, arquiteto de interior, cenógrafo, agente de entretenimento, guia, educador, conferencista, animador, mediador, pesquisador, avaliador, comunicador, tecnólogo, técnico, mecenas, guarda, agente de segurança.100 PÚBLICO s. m. e adj. (do latim publicus, populus: povo, população) – Equivalente em francês: public; inglês: public, people, audience; espanhol: público; alemão: Publikum, Besucher; italiano: pubblico. O termo possui duas acepções, segundo a forma pela qual ele é empregado, como adjetivo ou como substantivo. 1. O adjetivo “público” – museu público – traduz a relação jurídica entre o museu e o povo do território sobre o qual ele se situa. O museu público é, em sua essência, a pro- priedade do povo; ele é financiado e administrado por esse último, por meio de seus representantes e, por delegação, por sua administração. É sobretudo nos países latinos que essa lógica se exprime de maneira mais forte: o museu público é essen- cialmente financiado pelo imposto, suas coleções pertencem ao domí- nio público e seguem a sua lógica (elas são por princípio imprescri- tíveis e inalienáveis, e não podem ser desclassificadas a não ser excep- cionalmente). Suas regras de funcio- namento mostram-se de acordo com as regras gerais dos serviços públicos e, principalmente, segundo o princí- pio de continuidade (o serviço deve funcionar de maneira contínua e regular, sem interrupções outras que aquelas previstas por regulamento), o princípio de mutabilidade (o ser- viço deve se adaptar à evolução das necessidades do interesse geral e qualquer obstáculo jurídico não deve se opor às mudanças alcan- çadas nesta ordem), o princípio de igualdade (assegurar a igualdade dos tratamentos para cada cidadão). Por fim, o princípio de transparên- cia (comunicação de documentos relativos ao serviço prestado a cada particular que faz uma demanda e respondendo a certas decisões), o que significa que o estabelecimento museal é aberto a todos ou que per- tence a todos e que está a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. No direito anglo-americano, é menos a noção de serviço público e mais a de public trust101 (confiança pública) que prevalece, o que se dá em virtude de princípios que exi- gem um compromisso muito estrito por parte dos trustees que o museu, geralmente organizado de maneira privada – sob o estatuto de non-profit organisation, cujo conselho adminis- trativo é o board of trustees –, destina suas atividades a um certo público. O museu, particularmente nos Esta- dos Unidos, refere-se menos à noção 100 No Brasil, inclui-se também conservador. 101 No original em francês as expressões estão em inglês, por isso as mantivemos nessa língua. S 89 SOCIEDADE s. f. – Equivalente em francês: société; inglês: society, community; espanhol: sociedad; ale- mão: Gesellschaft, Bevölkerung; italiano: società. Em sua acepção mais geral, a socie- dade é o grupo humano compre- endido como um conjunto mais ou menos coerente no qual se estabele- cem sistemas de relações e de trocas. A sociedade à qual se dirige o museu pode ser definida como uma comu- nidade de indivíduos organizada (em um espaço e em um momento defini- dos) em torno de instituições políti- cas, econômicas, jurídicas e culturais comuns, entre as quais está o museu e com as quais ele constrói a sua ati- vidade. 1. O museu se apresenta para o ICOM, desde 1974 – após a declara- ção de Santiago do Chile – como uma instituição “a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”. Essa pro- posição, historicamente determinada pelo nascimento do conceito de “país em vias de desenvolvimento”, e sua qualificação, durante os anos 1970, como um terceiro conjunto que englobava tanto países do Oriente quanto do Ocidente, apresenta o museu como um agente de desenvol- vimento da sociedade – tanto quanto se trata da cultura (estando o uso do termo ainda parcialmente ligado ao seu sentido literal do desenvol- vimento agrário, naquela época) ou do turismo e da economia, como é o caso atualmente. Nesse sentido, a sociedade pode ser entendida como o conjunto de habitantes de um ou de vários países, quando não do mundo inteiro. É este o caso para a UNESCO, particularmente, como o órgão promotor mais comprome- tido, em escala internacional, com a manutenção e o desenvolvimento das culturas, o respeito à diversidade cultural, assim como com o desen- volvimento de sistemas educativos – nos quais o museu é voluntariamente categorizado. 2. Se, à primeira vista, a sociedade pode se definir como uma comuni- dade estruturada por instituições, o conceito de comunidade ele mesmo difere do de sociedade, já que uma comunidade se apresenta como um conjunto de pessoas vivendo em coletividade ou formando uma associação, compartilhando certo número de pontos comuns (lin- guagem, religião, costume) sem, portanto, se reunirem em torno de estruturas institucionais. De maneira mais geral, tanto um termo quanto o outro são diferenciados, sobretudo, 90 em razão de sua dimensão suposta: o termo “comunidade” é geralmente mais utilizado para designar os gru- pos mais restritos, mas também mais homogêneos (a comunidade judaica, a comunidade gay, etc., ou a comu- nidade de uma cidade ou de um país), enquanto que o termo “socie- dade” é frequentemente evocado no caso de conjuntos mais amplos e, a priori, mais heterogêneos (a socie- dade desse país, a sociedade bur- guesa). De maneira mais precisa, o termo community, no sentido em que é regularmente usado nos países anglo-americanos, não possui real- mente um equivalente em francês, pois ele representa o “conjunto de pessoas e instâncias considerando diferentes títulos: 1) os públicos, 2) os especialistas, 3) [as] outras pes- soas que desempenham um papel na interpretação (imprensa, artis- tas...), 4) aqueles que contribuem com o programa educativo como, por exemplo, os grupos artísticos, 5) [os] depósitos e lugares de con- servação, particularmente as biblio- tecas, os organismos encarregados de armazenamento, os museus” (American Association of Museums, 2002). O termo é traduzido em fran- cês tanto por collectivité [coletivi- dade], quanto por population locale [população local] ou communauté [comunidade], ou mesmo milieu professionnel [meio profissional]. 3. Nessa perspectiva, duas cate- gorias de museus – os museus de sociedade e os museus comunitários – desenvolveram-se depois de algumas décadas, a fim de sublinhar o laço específico que certos museus buscam estabelecer com o seu público. Esses museus, incluindo tradicionalmente os museus etnográficos, apresen- tam-se como estabelecimentos que desenvolvem uma relação forte com seus públicos, integrando-os no cen- tro de suas preocupações. Apesar das congruências na natureza do questio- namento social inerente a esses dife- rentes tipos de museus, seu modo de gestão difere, assim como a sua relação com os públicos. A nomen- clatura museus de sociedade reúne “os museus que compartilham de um mesmo objetivo: estudar a evolução da humanidade em seus componen- tes sociais e históricos, e transmitir os marcos e pontos de referência, para o entendimento da diversidade das culturas e das sociedades” (Barroso e Vaillant, 1993). Esses objetivos fun- dam o museu como um lugar real- mente interdisciplinar e podem levar à formulação, entre outras coisas, de exposições que tratam de temas tão variados como a crise da vaca louca, a imigração, a ecologia, etc. O fun- cionamento do museu comunitário, que pode participar do movimento mais amplo dos museus de socie- dade, é mais diretamente ligado ao grupo social, cultural, profissional ou territorial que ele apresenta e que é levado a animar103. Comumente gerido de maneira profissional, ele 103 O termo ‘animação’ (‘animation’), recorrentemente usado na França, tem o sentido de ‘dar vida’ a um museu ou a um patrimônio, e é constantemente empregado para se referir às atividades realizadas nos ecomuseus. 91 pode também repousar unicamente sobre a iniciativa local e basear-se na lógica das doações. As questões que ele debate referem-se diretamente ao funcionamento e à identidade dessa comunidade; este é o caso particular- mente dos museus de vizinhança ou dos ecomuseus. DerivaDo: museu de sociedade. FCorrelatos: comunidade, museu comunitário, desenvolvimento comunitário, programa de desenvolvimento, ecomuseu, identidade, público, local. 94 referênCi a s deloche b., 2001. Le musée virtuel, Paris, Presses universitaires de France. deloche b., 2007. “Définition du musée”, in MAireSSe f. et deSvAlleeS A., Vers une redéfinition du musée?, Paris, L’Harmattan. deotte J.-l., 1986. “Suspendre – Oublier”, 50, Rue de Varenne, no2, p. 29-36. deSvAlleeS A., 1992 et 1994. Vagues. Une anthologie de la nouvelle muséologie, Mâcon, Éd. 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