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Guias e Dicas
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Tese Gilmar de carvalho, Teses (TCC) de Educação Física

TESE INTEGRA

Tipologia: Teses (TCC)

2016

Compartilhado em 11/07/2016

tiago-marques-85
tiago-marques-85 🇧🇷

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe Tese Gilmar de carvalho e outras Teses (TCC) em PDF para Educação Física, somente na Docsity! i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM AMBIENTE ESCOLAR INCLUSIVO GILMAR DE CARVALHO CRUZ Campinas 2005 v FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA BIBLIOTECA FEF - UNICAMP Cruz, Gilmar de Carvalho. C889f Formação continuada de professores de educação física em ambiente escolar inclusivo / Gilmar de Carvalho Cruz. - Campinas, SP: [s.n], 2005. Orientador: Julio Romero Ferreira Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas. 1. Educação física. 2. Educação permanente. 3. Inclusão. 4. Ambiente escolar. 5. Professores de educação fisica. 6. Formação profissional. I. Ferreira, Julio Romero. II. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física. III. Título. vii COMISSÃO JULGADORA Prof. Dr. Júlio Romero Ferreira FEF/UNICAMP Profª. Drª. Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes FE/UERJ Prof. Dr. José Augusto Victoria Palma CEFD/UEL Prof. Dr. José Júlio Gavião de Almeida FEF/UNICAMP Prof. Dr. Paulo Ferreira de Araújo FEF/UNICAMP xi AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Júlio Romero Ferreira... A quem não cabem adjetivos de ordem acadêmica, profissional ou pessoal. Qualquer um que eu pense estará anos luz de traduzir a admiração e o respeito construídos ao longo dessa travessia. Espero que no caminho do seu rastro eu possa algum dia fazer jus à honra de sua companhia. Muito Obrigado! Ao Prof. Dr. Paulo Ferreira de Araújo. e ao Prof. Dr. José Júlio Gavião de Almeida, pelas valiosas considerações na qualificação e por me acompanharem até o momento da defesa; À Profª. Drª Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes e ao Prof. Dr. José Augusto Victoria Palma, por me permitirem as preciosas companhias no momento da defesa e por o fazerem já há algum tempo em minha vida acadêmica e profissional; Ao Prof. Dr. Apolônio Abadio do Carmo e ao Prof. Dr. Edison Duarte, pela pronta e atenciosa disponibilidade em tomar parte de meu processo de doutoramento; Aos Professores Doutores: Lígia Assumpção Amaral (in memorian), Maria Aparecida Trevizan Zamberlan, Edison de Jesus Manoel, Sadao Omote e Sérgio Carvalho pela prestimosa leitura das idéias iniciais do que hoje é uma tese; À Faculdade de Educação Física – FEF – da Unicamp, particularmente Márcia, Tânia, e Kleber da secretaria da pós-graduação e o pessoal da biblioteca da FEF. À Universidade Estadual de Londrina, particularmente Antônio e Márcia da Divisão de Capacitação Docente; Ao Núcleo Regional de Educação e à Secretaria Municipal de Educação de Londrina; Aos Professores participantes da pesquisa, sem os quais nada faria sentido; À Profª Paula Evelise Fávaro pelo auxílio nas transcrições das gravações; À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. xv LISTA DE QUADROS QUADRO 1 ................................................................................................................…........ 82 QUADRO 2 ................................................................................................................…........ 82 QUADRO 3 ................................................................................................................…........ 83 QUADRO 4 ................................................................................................................…........ 84 QUADRO 5 ................................................................................................................…........ 94 QUADRO 6 ................................................................................................................…........ 98 QUADRO 7 ................................................................................................................…........ 99 QUADRO 8 ................................................................................................................…........ 100 QUADRO 9 ................................................................................................................…........ 102 QUADRO 10 ..............................................................................................................…........ 102 QUADRO 11 ..............................................................................................................…........ 103 QUADRO 12 ..............................................................................................................…........ 104 QUADRO 13 ..............................................................................................................…........ 105 QUADRO 14 ..............................................................................................................…........ 105 QUADRO 15 ..............................................................................................................…........ 106 QUADRO 16a ............................................................................................................…........ 110 QUADRO 16b ...........................................................................................................…........ 111 QUADRO 16c ............................................................................................................…........ 112 QUADRO 16d ....................................................................................................................... 113 QUADRO 16e ........................................................................................................................ 114 QUADRO 16f ........................................................................................................................ 115 QUADRO 17a ........................................................................................................................ 117 QUADRO 17b ....................................................................................................................... 118 QUADRO 17c ........................................................................................................................ 119 QUADRO 17d ....................................................................................................................... 120 QUADRO 17e ........................................................................................................................ 121 QUADRO 17f ........................................................................................................................ 122 xvii QUADRO 18a ............................................................................................................…........ 124 QUADRO 18b ...........................................................................................................…........ 124 QUADRO 18c ............................................................................................................…........ 125 QUADRO 18d ....................................................................................................................... 125 QUADRO 18e ........................................................................................................................ 126 QUADRO 18f ........................................................................................................................ 126 QUADRO 19a ........................................................................................................................ 130 QUADRO 19b ....................................................................................................................... 131 QUADRO 19c ........................................................................................................................ 132 QUADRO 19d ....................................................................................................................... 133 QUADRO 19e ........................................................................................................................ 134 QUADRO 19f ........................................................................................................................ 135 xxi 4 MÉTODO ........................................................................................................................ 54 4.1 Primeiras aproximações: rede pública estadual de ensino ........................... 4.2 Participantes e contexto da pesquisa ............................................................... 4.3 Procedimentos e instrumentos ......................................................................... 59 64 67 5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................ 74 5.1 Transição para a rede municipal de ensino .................................................... 5.2 Construção da dinâmica do Grupo ................................................................. 5.3 Desenvolvimento dos instrumentos para coleta de dados ............................. 5.4 Fotografia do Grupo ......................................................................................... 5.5 Radiografia do Grupo ....................................................................................... 5.6 Cinematografia do Grupo ................................................................................. 5.6.1 Observação/Análise das aulas filmadas ........................................... 5.6.2 Diários de Campo Reflexivos ............................................................ 74 81 86 93 95 108 108 128 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM AMBIENTES ESCOLARES QUE SE PRETENDEM INCLUSIVOS ........................................................................ 142 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 149 APÊNDICES ......................................................................................................................... 162 ANEXO .................................................................................................................................. 228 xxv ABSTRACT CONTINUING FORMATION OF PHYSICAL EDUCATION TEACHERS IN AN INCLUSIVE SCHOOL ENVIRONMENT To reflect and to act upon Education in the transition between millenniums poses a challenge for us to face the heritage of a reality built during a long historical process. Besides all the knowledge accumulated, we lack propositions that may contribute to the overcoming of insistent socio-educative contradictions. Thinking about some of them, we can mention the existence of the youth unassisted by our teaching system and questionable schooling processes to which people who present special educational needs are submitted. The school – presented in the social actors who give it life – must strengthen itself in this journey aiming at perfecting its way of dealing with individual and social demands. In that sense, the need to project a school that is able to overcome its own contradictions comprises the specific contribution that each discipline – Physical Education included – provides to the accomplishment of the pedagogical project built and implemented by the school itself. So, the present study is based on the implementation of a continuing formation program designed to Physical Education teachers in the city of Londrina, Paraná, and aims at: a) accompanying the modes in which teachers of the Physical Education curricular component deal in their classes with the proposal of school inclusion of students who present special educational needs; and b) pointing out how a continuing formation program can perfect the instrumental component of the Physical Education teacher, aiming the answers to provocations presented by an inclusive educational perspective. The research is based on the action-research and focalization group methodological suppositions. Sixteen Physical Education teachers belonging to the public educational system of Londrina constituted the Study/Work Group focusing on the issues related to the intervention of the Physical Education teacher in inclusive school environments. The meetings were carried out every other week during the years 2002 and 2003. Data collection was carried out by means of: collective interviews, observation and analysis of classes recorded in VHS, and reflective field diaries. The treatment given to the data collected included Group photography, radiography, and cinematography. The results verified indicate important contradictions to be overcome in the school environment, reflecting on the educational assistance given by teachers of Physical Education to students with special needs in educational contexts that intend to be inclusive. Final considerations suggest procedures related to the implementation of continuing formation programs as well as the accomplishment of research in a relational perspective. Thus, it is of fundamental importance that professional autonomy be exercised to strengthen the authorship of pedagogical projects that guarantee the schooling process of our students. Such conjugation of responsible exercise of autonomy with the authorship of effective pedagogical projects may support the authority of the teacher of Physical Education in the school environment. School inclusion of students who present special needs is, in that sense, a provocation that cannot be ignored. Key-Words: Physical Education, Permanent Education, Inclusion, School Environment, Physical Education Teachers, Professional Formation. 1 APRESENTAÇÃO O texto que por ora apresento reflete a caminhada rumo ao amadurecimento de minhas reflexões e ações acadêmicas e profissionais. Ela tem início com o processo de formação profissional vivenciado por ocasião da realização do curso de graduação em Educação Física, na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, em meados da década de 80. A obtenção do grau de Licenciado em Educação Física, naquele momento histórico, me colocou no meio de uma geração de professores que presenciou o início de uma transição paradigmática importante na área. A área de atuação profissional/conhecimento denominada Educação Física encerra elementos que por si só sugerem um exercício constante de reflexão sobre as ações realizadas. A tradição biológico-esportiva, hegemônica até então, passa a dividir espaço com uma perspectiva sócio-cultural, implicando no imperativo de reunir mais informações à formação em nível superior. Há avanços em termos de complexidade, mas sem a correspondente profundidade no tratamento dos conteúdos curriculares. A preocupação com a participação da Educação Física no cenário educacional nacional – particularmente naquilo que diz respeito ao atendimento de pessoas que apresentam necessidades especiais – me acompanha efetivamente desde meu ingresso, no ano de 1992, em uma instituição municipal do Rio de Janeiro, prestadora de assistência aos sujeitos mencionados. O fato de pertencer a uma instituição pública possuidora de um quadro profissional multidisciplinar – aliado a uma formação profissional pouco atenta às questões relacionadas às demandas específicas de parcela da população – colaborou para que as situações vivenciadas apontassem a necessidade de investir em uma formação acadêmica que incrementasse os instrumentos disponíveis para a intervenção profissional solicitada. 2 Este cenário conduziu-me ao ingresso no curso de mestrado em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1993, na linha de pesquisa em Educação Especial. O fato de atuar também na rede municipal de ensino com classes especiais de deficiência mental e deficiência auditiva motivou a elaboração da pesquisa intitulada Classe especial e regular no contexto da Educação Física: segregar ou integrar? Investigar a possibilidade de otimizar o processo ensino-aprendizagem de alunos de classe especial de deficiência mental – por intermédio da organização de um ambiente nos quais estes alunos compartilhassem situações de aprendizagem integradas aos alunos de classe regular – constituiu-se num passo importante na busca de respostas aos desafios profissionais até então enfrentados. No ano de 1996 fui para a Universidade Estadual de Londrina, na condição de professor responsável pela disciplina Educação Física Especial. Assumir a responsabilidade de instrumentalizar acadêmicos para desempenhar a contento suas atribuições profissionais futuras, junto a pessoas que apresentem necessidades especiais, impôs o estabelecimento de um diálogo constante entre aspectos acadêmicos e profissionais, sem perder de vista o dinâmico inter- relacionamento com o contexto social, em seu sentido mais amplo. Em 2000, com a entrada no programa de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas e como conseqüência das exigências inerentes a um processo de doutoramento, questões de ordem acadêmico-científica passam a ocupar lugar central em minhas reflexões. Todavia, o desenvolvimento acadêmico se deu sem desgarrar da problemática profissional definida pelo atendimento de pessoas com necessidades especiais em aulas de Educação Física. A propósito, essa continuou sendo a motivação para o investimento na formação acadêmica em nível de stricto sensu, já existente desde a época do mestrado. 5 Capítulo 6 – Aqui se apresentam as considerações finais conseqüentes à pesquisa. A discussão feita durante o estudo, sobre o processo de formação de professores de Educação Física em ambientes escolares inclusivos, é resgatada à luz dos resultados apresentados. São feitos apontamentos relacionados a contradições observadas no transcorrer do estudo e sobre a formação continuada de professores de Educação Física em contextos educacionais inclusivos. Termina o capítulo com considerações sobre procedimentos metodológicos da pesquisa e algumas sugestões para trabalhos com a mesma natureza. Após os capítulos acima elencados, seguem as referências que deram sustentação teórica ao estudo e por último um conjunto de apêndices e um anexo, com documentos que se fizeram necessários à implementação da pesquisa: Cartas de Apresentação; Termos de Consentimento para Realização da Pesquisa; Proposta de Constituição do Grupo; Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa. Também constam dos apêndices os instrumentos utilizados para coleta de dados, com seus respectivos dados – entrevistas, observações/análises das aulas, diários de campo reflexivo – já submetidos a um tratamento preliminar. Os apêndices estão organizados de acordo com a ordem de apresentação no texto. 6 1 A IDÉIA DE INCLUSÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O AMBIENTE ESCOLAR O apelo à ampliação do espaço de relação de pessoas que apresentam necessidades especiais em nosso cenário social suscita inquietações traduzidas por questões tanto de ordem moral quanto, em nível mais específico, da oferta de serviços que vão ao encontro de seus interesses. Pode-se entender a idéia de ampliação do espaço de relação de pessoas com necessidades especiais como um processo histórico que acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Neste primeiro lustro do século 21 INCLUSÃO é a palavra de ordem ao se referir a quaisquer pessoas desprovidas de condições de acesso a bens e serviços culturalmente produzidos. Todo o planeta se debruça, de certo modo, sobre o desafio de estender a toda população humana os benefícios decorrentes de avanços científicos e tecnológicos até então alcançados. Tudo isso sem perder de vista, contraditória e lamentavelmente, que condições básicas para a existência humana – trabalho, habitação, saúde e educação, a título de exemplo – permanecem um sonho distante para muitas pessoas. Dentre as esferas nas quais se promovem discussões sobre a inclusão de pessoas que no âmbito das necessidades especiais apresentam algum tipo de deficiência – seja ela física, mental, sensorial ou múltipla – encontra-se a escola. É necessário delimitar o campo de atuação da escola para que não haja um superdimensionamento das reflexões e ações implementadas em seu interior. A escola colabora na educação das pessoas que compõem um determinado quadro social, e essa colaboração reúne-se à de outras instituições sociais como, por exemplo, a família e a igreja. Mas o ambiente escolar possui limitações objetivas quanto à sua participação no processo educacional de todas as pessoas. Podemos assumir que cabe à escola o provimento da educação escolarizada de seus alunos, no sentido de lhes enriquecer o suporte para as relações estabelecidas e por se estabelecer com seu entorno físico e social. Tudo isso se aplica 7 às pessoas com necessidades especiais, colorindo de maneira peculiar os debates educacionais em voga. A referência a ambiente escolar inclusivo pretende circunscrever a discussão sobre educação escolarizada de pessoas com necessidades especiais a contextos educacionais inclinados à perspectiva inclusiva, isto é, receptivos à idéia de reunir alunos que apresentam e não-apresentam necessidades especiais em um mesmo ambiente de aprendizagem. O que significa dizer da possibilidade de se encontrar focos de disponibilidade para participar dos debates referentes à inclusão escolar, assim como focos de resistência e mesmo rejeição sobre este tema dentro da mesma esfera educacional. Seja na rede municipal ou estadual de ensino, seja no conjunto de escolas públicas ou privadas, teremos na mesma cidade perspectivas conflitantes quanto ao atendimento educacional de alunos com necessidades especiais. Pensar em ambiente escolar inclusivo está longe da visualização de unanimidade em nosso sistema de ensino. Trata-se ao contrário de mais um ponto de tensão, e por vezes de contradição, na paisagem educacional brasileira. Com o intuito de desvelar o pano de fundo sobre o qual desenvolveu-se o presente estudo, dois dilemas presentes em contextos educacionais que se pretendem inclusivos mereceram destaque. Uma das contradições que se pôde observar nesse cenário é a que diz respeito aos objetivos escolares quando do atendimento a pessoas que apresentam necessidades especiais, particularmente aquelas com algum tipo de deficiência. Há uma espécie de polarização nos pontos de vista acerca da vida escolar de pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. Se esses alunos devem freqüentar a escola regular em função das interações sociais que serão estabelecidas, ou se a prioridade deve ser que eles apreendam o conteúdo por ela veiculado é um desses dilemas. O outro se refere à tensão entre o direito constitucional de todo cidadão à educação, e a responsabilidade que cabe aos profissionais da própria educação de formar as 10 portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo” (BRASIL, 1993, p.71). Ou seja, o debate não foi disparado a partir da publicação de uma política educacional (ainda que em caráter preliminar) por um órgão estadual. Ele é anterior, anterior mesmo à Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994a) e suas linhas de ação sobre as necessidades educativas especiais. Os documentos oficiais mencionados sugerem a tentativa de encaminhamento de demandas concretas presentes em nosso sistema de ensino. O que não significa o esgotamento das possibilidades de se abordar o tema INCLUSÃO. Antes do rebuliço causado pelo que pretende ser uma política estadual de educação inclusiva, já era possível presenciar no próprio estado paranaense, profissionais que em suas práticas pedagógicas reuniam alunos portadores e não- portadores de deficiência. Ao mesmo tempo, e nutrindo o modo contraditório de lidar com a educação escolarizada de pessoas que possuem necessidades educacionais especiais, ainda é incipiente a indicação de ações objetivas sobre o tratamento dessa questão nos projetos pedagógicos das unidades escolares. Em estudo realizado sobre a Educação Inclusiva no Brasil Glat e Ferreira (2004) nos permitem uma visão panorâmica sobre o tema. Eles indicam a necessária confluência dos aspectos de ordem legal, das políticas públicas e das condições concretas nas quais se materializa a intervenção profissional – considerando desde os recursos humanos às instalações físicas, passando pela organização do tempo escolar destinado ao investimento dos professores em sua própria capacitação. No que toca ao encaminhamento de uma política educacional inclusiva no Paraná, a Deliberação 02/03 “fixa normas para a Educação Especial, modalidade da Educação Básica, para o Sistema de Ensino do Estado do Paraná” (PARANÁ, 2003). Em seu artigo 9º, consta que “o estabelecimento de ensino regular de qualquer nível ou modalidade garantirá em 11 sua proposta pedagógica o acesso e o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais”. No rastro da supracitada Deliberação as Instruções 01/04 e 02/04 estabelecem, respectivamente, critérios “para solicitação de Professor de Apoio Permanente em Sala de Aula” e “para o funcionamento de Centro de Atendimento Especializado – área de deficiência física no ensino regular” (PARANÁ, 2004a; 2004b). No município de Londrina, no Paraná, um documento preliminar – intitulado: Propostas de Ações Para uma Política Educacional Inclusiva no Município de Londrina (LONDRINA, 2002a) – sugere a disposição de se fomentar, em nível de políticas públicas, as condições favorecedoras de uma orientação educacional efetivamente inclusiva. Essa disposição deve, contudo, expressar-se também no cotidiano escolar. Os documentos mencionados guardam intenções que, espera-se, sejam materializadas no interior de cada escola. Ao se mencionar ESCOLA, não se pode perder de vista os modos como ela se configura para alcançar seus propósitos. Neste caso, o atendimento a pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais colore de modo peculiar o quadro da educação brasileira. A respeito da instituição escolar – socialmente determinada – Canivez (1991, p.156-157) menciona que “a escola deve educar cidadãos ativos. [...] dar-lhes a cultura e o gosto pela discussão, que lhes permitirão compreender os problemas, as políticas pretendidas e debater sobre isso”. Na opinião de Silva (1991, p.62), a escola é “uma instituição que deveria preocupar-se fundamentalmente com a transmissão/aquisição de conhecimentos, de técnicas e instrumentos de trabalho, de valores e normas de comportamento etc., visando à educação das novas gerações”. É oportuno ainda nos aproximarmos de seus apontamentos ao abordar as implicações educacionais das pressões político-sociais contra a ditadura no final da década de 70. Ao tratar da “metodologia de ensino como uma das dimensões da prática pedagógica” (SILVA, 1991, p.66) ele destaca que: 12 Se por um lado a recuperação do teor político do ato pedagógico foi necessária e produtiva em termos de conscientização e avanço, por outro, ela gerou algumas conseqüências desastrosas para as nossas escolas devido, principalmente, à radicalidade de sua interpretação por muitos professores. [...] O ato de ensinar foi tomado como sinônimo de “fazer política”, no sentido mais estreito da expressão; então, era necessário a todo custo e por todos os meios, politizar os educandos através de exposições e trabalhos, versando sobre as injustiças presentes na sociedade brasileira. Com isso, [...] os conteúdos e as práticas específicas de cada disciplina escolar foram deixados de lado (SILVA, 1991, p.75-76, grifo nosso). No que diz respeito à especificidade de cada uma das disciplinas convém ressaltar que a devida articulação de suas práticas específicas leva a termo os objetivos gerais presentes no projeto pedagógico escolar. É a partir do reconhecimento das especificidades e dos limites de atuação de cada disciplina escolar que se pode pensar em uma ação coletiva motivada pelo estabelecimento de objetivos comuns. O diálogo entre disciplinas acontece à medida que cada uma delas reconhece as outras e a si própria dentro de suas particularidades e delimitações. Cabe, nesse sentido, reportarmo-nos a Saviani (2002) que, ao discorrer sobre a natureza e especificidade do fenômeno educativo, menciona os conteúdos específicos de cada disciplina como ferramentas que vão instrumentalizar os alunos à problematização da prática social. Ele reúne às suas idéias a tese de que “a função política da educação cumpre-se na medida em que ela se realiza como prática especificamente pedagógica” (SAVIANI, 2002, p.90). É importante não perdermos de vista que “o propósito fundamental de qualquer programa educacional é promover a aprendizagem [...] É tarefa do professor tomar cuidado para que as várias influências que rodeiam o estudante sejam selecionadas e organizadas para promover a aprendizagem” (GAGNÉ, 1980, p.1-2, grifo nosso). Esta assertiva se refere a quaisquer programas de educação escolarizada, inclusive os que pretendem incluir pessoas com necessidades educacionais especiais. Há pessoas que apresentam dificuldades concretas no relacionamento com seu ambiente físico-social e, por conseguinte, requerem mais atenção no que diz respeito ao incremento de suas vivências escolares. Porém, paradoxalmente essas pessoas 15 1.2 Do imperativo social à responsabilização da escola A garantia de educação a todos os homens e mulheres, de quaisquer idades, é preocupação mundial. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, resultante da Conferência Mundial sobre Educação para Todos (BRASIL, 1993) ilustra essa afirmação. Do mesmo modo, o Marco de Ação de Dakar reafirma no ano de 2000 – em Dakar, no Senegal – o compromisso mundial assumido com a educação de todas as pessoas, como conseqüência de reunião da Cúpula Mundial de Educação (UNESCO, 2004). Em nível mais específico a Declaração de Salamanca, aprovada na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais – acontecida em Salamanca, na Espanha, no ano de 1994 –, focaliza desde pessoas que apresentam algum tipo de deficiência, àquelas com altas habilidades (BRASIL, 1994b). O princípio fundamental desta Declaração é a responsabilização da escola no acolhimento de todas as crianças, quaisquer que sejam as diferenças que as caracterizem. Esta escola integradora, capaz de reconhecer e atender às necessidades de seus alunos – respeitando e se adaptando a seus ritmos e estilos de aprendizagem – preconiza, portanto, a inclusão escolar. Todavia, há algumas contradições presentes nos debates realizados em nível nacional. O que, a propósito, não causa estranheza, à medida que seria enorme equívoco esperar que os encontros acima mencionados refletissem em todas as nações do planeta o mesmo conjunto de indefectíveis ações pedagógicas. Em nosso caso, não raro se funde à idéia de inclusão escolar os anseios pela inclusão social. O que novamente não é de se estranhar, haja vista a desesperadora desigualdade sócio-econômica brasileira que amiúde se manifesta, dentre outros ambientes, em nossas escolas. 16 Essa situação pode deflagrar uma confusão de papéis que por vezes leva a escola, na figura de seus atores sociais, a se debruçar sobre questões como: segurança pública, emprego/desemprego, saúde, assistência social e alimentação, por exemplo. Todas essas questões definem contextos específicos que de maneira mais ou menos explícita estabelecem conexões com o contexto escolar, mas que não podem implicar na desfocalização do propósito específico da escola. No que diz respeito à inclusão escolar importa compreendê-la como a oferta de um efetivo processo de escolarização a todos os alunos – inclusive aqueles que apresentam algum tipo de deficiência, seja ela física, mental, sensorial ou múltipla. Faz-se necessária a devida (re)elaboração do conteúdo das discussões de caráter mais global, para que se possa apropriar daquilo que de fato se aplica às peculiaridades de cada nação, de cada cidade. Neste sentido, a simples reprodução dos resultados de debates, internacionais, nacionais, ou mesmo estaduais, provavelmente não será suficiente para garantir coerência entre discurso e ação sustentadores de uma escola que se pretende inclusiva. A inclusão escolar de todas as pessoas que compõem nosso cenário social – a despeito do quão específicas sejam suas necessidades especiais – demanda um esforço coletivo que vai da reflexão teórica à intervenção pedagógica, e deve guardar como foco a educação escolarizada de todos os alunos. Em nosso cenário educacional – repleto de incoerências – almeja-se que todas as crianças tenham assegurado seu direito à educação, a despeito da diversidade refletida em suas demandas educacionais específicas. Todas as crianças – quer apresentem ou não algum tipo de deficiência – vivenciam um processo de desenvolvimento. No caso das crianças com deficiência, cada fase deste processo é vivenciada com ritmo e intensidade distintos dos comumente verificados em crianças sem deficiência. Exatamente devido à peculiaridade do seu processo de desenvolvimento, pessoas que apresentam algum tipo de deficiência devem receber mais 17 oportunidades e estímulos no processo ensino-aprendizagem ao qual serão submetidas, com especial atenção para a adequação didático-pedagógica da intervenção proposta. Neste sentido, merece destaque estudo realizado por Costa (1991), ao alertar para a possibilidade de infantilização de alunos com necessidades especiais. Tal fato se dá devido à utilização de procedimentos metodológicos inadequados a um processo de educação escolarizada que leve em consideração demandas específicas de alunos inseridos em determinados contextos. Por conseqüência, cabe por em relevo que: Num contexto escolar, o objetivo primeiro na integração de alunos deficientes deve, a princípio, ser o de favorecer a aprendizagem acadêmica. Isto constitui uma maneira mais realista de conceber a integração, pois a ênfase é dada diretamente às necessidades do aluno no contexto de vida que ele ocupa, a escola (BEAUPRÉ, 1997, p.162-163). Almejar uma escola inclusiva significa busca constante de coerência no relacionamento entre questões particulares e gerais, entre o indivíduo e a coletividade, entre os componentes curriculares e a escola, enfim, a fim de que se potencialize a ampliação do espaço de participação social de uma parcela da população sumária e indevidamente excluída do nosso sistema de ensino. O relacionamento entre as características da pessoa, o ambiente físico-social e as tarefas que lhe são propostas não pode ser ignorado quando da implementação de programas escolares, sejam eles direcionados para pessoas portadoras ou não de deficiência. Kirk e Gallagher (1987, p.9) nos falam já há algum tempo, sobre a “mudança do modelo médico, que implica uma condição ou doença física do paciente, para o modelo ecológico, que vê a criança excepcional em interações complexas com as forças ambientais”. Ao elucidar-nos sua perspectiva ecológica do desenvolvimento humano – “mudança duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com seu ambiente” (BRONFENBRENNER, 1996, p.5) – Bronfenbrenner permite que se amplie o entendimento convencional de ambiente (muitas vezes relacionado exclusivamente a espaço físico e material) e 20 UnidadeEscolar Conselho Escolar Gerenciamento Pedagógico e Administrativo Componentes Curriculares SOCIEDADE Bronfenbrenner com a discussão em questão, sem a pretensão de apontar uma representação exaustiva dos referidos contextos, desenvolveu-se a seguinte figura (Figura 1): FIGURA 1: Representação do ambiente escolar a partir de uma perspectiva ecológica No que tange à problemática da inclusão, é mister que a escola como um todo, na condição de um sistema mais amplo, se debruce sobre este tema. Isso significa dizer que desde a servente e o zelador até a associação de pais e mestres e a direção da escola, todos têm que estar mobilizados quanto à oferta desse atendimento educacional específico, que a propósito deve ser objetivamente contemplado no projeto pedagógico elaborado pela escola. Ou se assume essa interconexão dentro do ambiente escolar ou o aluno que apresenta algum tipo de deficiência será Lazer Trabalho dos pais Família Atendimento médico Políticas Educacionais Secretaria de Educação Unidade Escolar 21 considerado o aluno da professora “fulana de tal”, ou daquela equipe de “especialistas” do núcleo (delegacia) de ensino. Como diria Paulo Freire, “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 2000, p.16). Reflexão de todos os envoltos na aventura de ensinar, quer atuem direta ou indiretamente com o aluno, quer o aluno apresente ou não algum tipo de deficiência. Era o próprio Freire (1994, p.16) quem outrora discorria sobre o compromisso profissional que o professor tem com a sociedade da qual faz parte, sinalizando que “a primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir”. Ação e reflexão estas que não podem ignorar a interdependência de cada contexto específico presente em nosso sistema de ensino e manifesto também em cada uma de nossas unidades escolares. Dentro de uma perspectiva ecológica, quanto mais cada componente curricular se reconheça em seus conteúdos e práticas específicos, tanto mais contribuirá para que se alcancem as metas escolares. Só é possível reunir competências diversas, se antes de qualquer coisa cada área de atuação profissional reconhecer os limites e a especificidade que a caracterizam. Nessa mesma perspectiva, a Educação Especial – como modalidade de ensino integrante de um sistema mais amplo – não deve cessar a ampliação de interfaces com o sistema regular de ensino, e muito menos desgarrar ou descomprometer-se dele e de seus alunos. O entendimento da Educação Especial como modalidade de ensino, conforme explicitado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, (BRASIL, 2001) vai além de sua dimensão legal. Ao levar em conta a Educação Especial como parte integrante do sistema de ensino, considerando sua efetiva participação no processo de escolarização desenhado ao longo da educação básica, pode-se romper com sua condição de apêndice educacional e visualizar seu aporte à educação comum. 22 A escola é uma instituição social com função e objetivos específicos apesar de não raro confundir-se seu papel com a educação da população, ignorando-se, dessa maneira, a complexidade da qual se faz acompanhar o termo educação – que a propósito não se dá em uma instituição única, mesmo que esta seja a escola – e as limitações referentes à repercussão das ações implementadas no seio escolar. Nessa equivocada perspectiva, naquilo que diz respeito ao atendimento educacional de pessoas que apresentam algum tipo de deficiência, o ensino passa a ser visto como redentor da própria deficiência e de todas as suas implicações. É como se a presença física na escola garantisse automaticamente o alcance das metas educacionais estabelecidas, como se as barreiras arquitetônicas, por exemplo, fossem as grandes vilãs da história. Como se procedimentos didático-pedagógicos não necessitassem ser vistos, como se o tempo escolar não carecesse ser revisto, como se angústias profissionais não pudessem ser previstas. A inclusão escolar deve traduzir um conjunto de reflexões e ações que garantam ingresso, permanência e saída de todos os alunos, devidamente instrumentalizados para a vida em sociedade. Caso contrário, pode-se, a pretexto de promoção da inclusão, confirmar práticas pedagógicas excludentes ou, no mínimo, dissimuladoras de uma realidade que prima pela exclusão. A articulação do sistema de ensino como um todo – educação básica, educação superior e a educação especial, na condição de modalidade de ensino – possibilita a reunião de competências necessárias ao enfrentamento dos desafios presentes no cotidiano escolar. Desafios estes que se tornam inequívocos numa perspectiva educacional inclusiva e nos permitem focar a inclusão escolar, antes, como expressão da responsabilidade e do compromisso social da escola. 25 aprendizagem de conteúdos específicos que reunidos irão corroborar a função social e os objetivos da escola. No que diz respeito à intervenção da Educação Física – junto a pessoas que no âmbito das necessidades especiais apresentam algum tipo de deficiência – nos vemos às voltas com questões que vão desde a especificidade do comportamento motor dos indivíduos atendidos, até o processo de formação de profissionais para atuarem nessa área. Numa primeira aproximação, tendemos a nos precipitar na constatação da incompatibilidade, quase paradoxal, de se relacionar Educação Física e deficiência. Isso acontece em parte devido às lentes com as quais se enxerga, preponderantemente na Educação Física, o movimento corporal humano – as “bicicletas” no futebol, os saques “viagem ao fundo do mar” no voleibol, as “enterradas” no basquetebol, por exemplo, não raro nos servem como referência de competência motora. Mesmo considerando a possibilidade aberta pelo esporte adaptado de tornar espetacular o movimento realizado por pessoas que apresentam deficiência, é preciso salientar que em ambiente escolar essa perspectiva não se apresenta como a mais adequada. No entanto, se nos acautelamos diante de precipitadas visões podemos observar a mesma situação por outro ângulo. Termos como individualidade biológica ou personal trainner, a título de exemplo, são corriqueiros no campo da Educação Física. Observando atentamente as características de seus programas, notamos que se trata de um campo de atuação profissional que todo o tempo lida com a diferença das pessoas – quer possuam ou não necessidades especiais. Esta assertiva impõe que admitamos a heterogeneidade manifesta em suas possibilidades de movimentos corporais (CRUZ; RADIGONDA; MANGABEIRA, 2003). Este talvez seja, dentre outros, o mais inquietador dos desafios: dar conta de cada um num grupo de 5, 15, 45 pessoas. 26 2.1 Educação Física e inclusão escolar: limites e limitações Todos os componentes curriculares – e dentre eles a Educação Física – se encontram instados a dar sua contribuição na tarefa de garantir a educação escolarizada de todo e qualquer aluno. Além da complexidade inerente à articulação entre temas como pessoas com necessidades especiais, inclusão escolar e Educação Física, é necessário tratar com profundidade as questões decorrentes da referida articulação. É preciso levar em conta que a escola e seus integrantes, todos, devem ter uma expectativa de progresso em relação a todos os seus alunos – mesmo aqueles que possuem demandas educacionais específicas. Caso contrário, a profecia se auto-realiza e os alunos com necessidades especiais vêem-se excluídos do acesso ao currículo escolar, apesar de incluídos em ambientes regulares de escolarização. Não obstante a especificidade da Educação Física, dentro de um modelo ecológico de ordenação dos dados da realidade, todas as questões presentes no sistema escolar lhe dizem respeito. O processo de inclusão escolar de alunos que apresentam algum tipo de deficiência não deve prescindir de sua participação. A preocupação com a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais em aulas de Educação Física vem sendo alvo de pesquisas de campo já há algum tempo. Neste sentido, pesquisa realizada por Block e Zeman (1996) indica que, havendo suporte adequado, a inclusão de alunos com deficiência mental em uma turma regular de Educação Física não tem efeito negativo sobre os alunos que não apresentam deficiência. Com foco no desempenho motor de alunos de classes especiais, portadores de deficiência mental – submetidos a ambientes de aprendizagem segregado e integrado (junto com alunos de classe regular) – Cruz (1997) constatou que o ambiente integrado favoreceu a melhora no desempenho dos alunos das classes especiais, além de identificar interações destes com alunos das classes regulares. Por outro lado Lopes (1999, p.128) ao investigar a participação de um aluno com 27 deficiência física em aulas comuns/regulares de Educação Física observou que atividades individualizadas favoreceram mais sua participação efetiva do que atividades em grupo, sinalizando a necessidade de criação de espaço escolar – envolvendo professores e alunos – destinado a discutir “questões referentes à deficiência”. A despeito das discussões em torno de se incluir ou não um aluno com necessidades educacionais especiais em uma turma regular, é notória a dificuldade de se equacionar a situação escolar que envolve dois encontros semanais de pouco mais de 40 minutos cada, cerca de 30 alunos (com diferenças entre si que vão desde a questão de gênero à história de vida), e recursos materiais e instalações freqüentemente marcados pela precariedade. Mas, paradoxalmente, ao se deslocar para uma escola especial, com número reduzido de alunos por turmas – pretensamente homogêneas – e material/instalações relativamente satisfatórios, chega-se a um ambiente educacional com insistentes dificuldades para garantir a efetiva escolarização de seus alunos. Além de aspectos de ordem social, questões internas a cada componente curricular podem levar ao enfraquecimento de sua participação na dinâmica escolar. No caso da Educação Física, em particular, a justificativa de sua importância no processo de escolarização se dá, por vezes, mais em função do que se ensina/aprende por intermédio dela do que sobre ela mesma. Por exemplo, relacionar atividades pertinentes à Educação Física ao desempenho na leitura e escrita de crianças que apresentam deficiência mental (GOMES; ALMEIDA, 2001) representa uma salutar interação dos componentes curriculares presentes na escola. Todavia, deve-se atentar para que o caráter ímpar da contribuição da Educação Física no processo de educação escolarizada não seja negligenciado devido à opção de participação no ambiente escolar na condição exclusiva de apoio a outros componentes curriculares. 30 deficiência da pessoa, quando nos propormos a abordar este tema. Não nos compete reverter alterações morfológico-funcionais constitutivas de uma pessoa. Entretanto, proporcionar-lhe condições de movimentar-se para interagir com seu ambiente físico-social de modo cada vez mais satisfatório às suas necessidades é tarefa que nos cabe. 2.2 Especificidade do componente curricular Educação Física A intervenção da Educação Física em ambiente escolar, leva ao relacionamento com grupos heterogêneos, constituídos por crianças com diferentes níveis de habilidade e vivência no tocante ao movimento corporal. Se considerarmos que lidamos todo o tempo com a diferença, podemos nos assumir com a faca e o queijo nas mãos. Se constituirmos uma turma de alunas da mesma faixa etária, residentes na mesma rua constataremos suas dessemelhanças. O mesmo ocorrerá com uma turma composta por crianças com a síndrome de Down, ou qualquer outra característica que queiramos destacar. As diferenças entre alunos em nossas quadras de aula podem ser expressão da contribuição ímpar que o componente curricular Educação Física tem a dar no processo de inclusão escolar de pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. É a partir da assunção de que o processo ensino-aprendizagem deflagrado em aulas de Educação Física diz respeito à construção de um ambiente que proporcione ao aluno vivências motoras significativas ao seu processo de desenvolvimento e capazes de corroborar o projeto pedagógico da escola, que se deve considerar a possibilidade de intervenção na realidade de alunos que apresentem deficiência. As contínuas e progressivas mudanças que ocorrem no comportamento motor de uma pessoa são analisadas em estudos sobre o desenvolvimento motor. O desenvolvimento motor é imanente a todas as pessoas e no caso de um padrão de movimento, como andar, por exemplo, é possível observar que algumas pessoas andam mais cedo, outras um pouco mais tarde. 31 O tempo para se chegar a determinado estágio de movimento recebe a influência da interação de aspectos constitutivos e ambientais pertinentes ao indivíduo. Cabe ressaltar, no entanto, que ao mencionarmos padrão de movimento não nos referimos a macdonaldização, ou padronização da/na resposta motora de uma pessoa em virtude de determinada solicitação do ambiente. Ao contrário, trata-se padrão de movimento como sendo o modo particular que cada indivíduo possui de organizar as ações motoras necessárias à resolução de problemas decorrentes de sua interação com seu ambiente físico-social. Em sua proposição de estratégias para a aprendizagem motora – com foco no esporte – de pessoas cegas e com deficiência visual, Almeida (1995) ressalta a necessária conjunção de fatores intrínsecos (relacionados ao aluno) e extrínsecos (relacionados ao meio externo) a fim de que os objetivos estabelecidos em um programa de atividades esportivas sejam alcançados. O relacionamento entre a pessoa que apresenta deficiência, o seu ambiente físico- social e as restrições impostas pelas tarefas que lhe são propostas, não pode ser ignorado na avaliação das possibilidades de intervenção junto a esses indivíduos. Do ponto de vista do comportamento motor pode-se dizer que uma pessoa – com algum tipo de deficiência – possui desenvolvimento diferente, podendo, inclusive, manifestar um alto nível de competência motora (MANOEL, 1994, 1996b). Deste modo, as interações dinâmicas entre sujeito, ambiente e tarefa motora (MANOEL, 1996a, 1998) se apresentam como sendo ponto crucial nas investigações/intervenções referentes ao comportamento motor de pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais. Em função das características peculiares de pessoas com necessidades especiais, o ramo da Educação Física que assume a responsabilidade de atende-las vem sendo denominado Educação Física Adaptada. Trata-se da adoção de uma terminologia que melhor traduza os propósitos que a orientam, não obstante questionamentos sobre o caráter adaptado da Educação 32 Física acompanharem algumas das discussões conceituais da área. Afinal de contas a Educação Física comum deve estar, todo o tempo, atenta às inevitáveis diferenças que se expressam no movimento corporal daqueles que dela tomam parte. A esse respeito vamos nos fazer acompanhar por Pedrinelli e Verenguer (2005, p.4) ao indicarem a possibilidade de se considerar a Educação Física Adaptada: Uma parte da Educação Física, cujos objetivos são o estudo e a intervenção profissional no universo das pessoas que apresentam diferentes e peculiares condições para a prática das atividades físicas. Seu foco é o desenvolvimento da cultura corporal de movimento. Atividades como ginástica, dança, jogos e esporte, conteúdos de qualquer programa de atividade física, devem ser consideradas tendo em vista o potencial de desenvolvimento pessoal (e não a deficiência em si). É preciso termos claro que o propósito da Educação Física Adaptada é potencializar a participação ativa de pessoas com necessidades especiais nas variadas possibilidades de intervenção do profissional de Educação Física (SEAMAN et al., 2003). Neste sentido, o conceito de necessidades especiais deve ser refinado para indicar de modo objetivo as mudanças que se fazem necessárias à efetiva participação de uma pessoa em uma determinada atividade motora. A Educação Física Adaptada pode se deparar com a necessidade de reorganizar sua proposta de intervenção para atender – a contento – um aluno obeso ou com atraso em seu desenvolvimento motor, por exemplo. Essas características provavelmente não vão indicar necessidades educacionais especiais em outros componentes curriculares, mas o farão na aula de Educação Física (WINNICK, 2004). É possível observar que a Educação Física Adaptada está para a Educação Física Comum – assim como esta está para a Educação – como fonte instigante na busca de aprimoramento das intervenções pedagógicas implementadas. Pode-se ainda avançar nessa relação sugerida entre a Educação Física Adaptada e a Comum – assentada no entendimento de que a ampliação do repertório corporal de movimento de seus alunos é sua inequívoca responsabilidade – e repensar a idéia de adaptar uma determinada atividade para que um aluno 35 3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS: A PREPARAÇÃO PARA A DOCÊNCIA NO CENTRO DA DISCUSSÃO Abordar o tema inclusão escolar de alunos que apresentam necessidades especiais na intervenção profissional do professor de Educação Física impõe-nos não perdermos de vista os sistemas ou contextos que, em uma perspectiva ecológica, configuram o ambiente escolar. Essa não é uma tarefa simples, tanto em função da complexidade e do dinamismo próprios da instituição escolar, quanto das demandas sociais que a envolvem, tão dinâmicas e complexas quanto da própria escola. A propósito, estabelecer um relacionamento harmonioso entre aspectos particulares e gerais intra e inter institucionais, parece ser um dos principais desafios a ser enfrentado na esfera educacional. Nada obstante as contradições e os conflitos que a acompanham, a área de intervenção profissional denominada Educação Física – como um dos componentes curriculares participantes do nosso sistema de ensino – deve concorrer para a consecução dos objetivos estabelecidos pela escola. As preocupações – concebidas como “enredamento do indivíduo no conjunto das relações que se lhe apresentam como mundo prático-utilitário” (KOSIK, 1976, p.60) – que nos atingem no que se refere à efetiva participação na paisagem escolar, não podem focalizar exclusivamente questões de ordem social, no sentido lato da expressão, em detrimento da dimensão prático-utilitária do conjunto de relações nas quais estamos enredados. Se por um lado causa desconforto o modo como se dá a distribuição de renda entre os cidadãos brasileiros, por outro lado há que se resolver, em duas sessões semanais de 50 minutos, a equação envolvendo: uma bola (quaisquer que sejam suas características ou a modalidade esportiva em foco), uma 36 turma que pode chegar a 40 alunos (heterogênea desde a questão de gênero até às experiências motoras fora da escola e as demandas individuais de movimento) e o pátio/quadra (de aula) da escola. Esta responsabilidade é dos professores de Educação Física. Em se tratando das implicações da inclusão de pessoas que apresentam necessidades especiais – deficiência física, mental ou sensorial; condutas típicas; altas habilidades; obesidade; cardiopatia; asma; etc. – por ocasião da participação em programas de Educação Física, há de se perceber o quão inapropriado é pensar nessa atuação da Educação Física sem a companhia de criteriosa reflexão a respeito do processo de preparação profissional. A esse respeito vale a pena aproximarmo-nos dos apontamentos feitos por Bueno (1999) sobre a formação profissional em Educação Especial. Para ele é necessário que se avance no relacionamento estabelecido entre professores do ensino regular – despreparados para o atendimento de alunos que apresentam deficiências – e professores do ensino especial – que além de assentar a intervenção profissional nas deficiências de seus alunos, se colocam distantes do trabalho pedagógico realizado no ensino regular. Esta afirmação é corroborada pelo estudo realizado por Ferreira et al. (2002) sobre a formação de recursos humanos para a Educação Especial. Eles analisaram teses de doutorado e dissertações de mestrado sobre educação especial defendidas em programas de educação e psicologia. Os resultados encontrados pelos autores indicam a necessidade de ampliação da compreensão da realidade educacional brasileira por parte dos profissionais da Educação Especial, “uma vez que grande parte das dificuldades encontradas na formação e na prática reflete problemas que atingem a educação como um todo” (FERREIRA et al., 2002, p.255-256). 37 Esse suposto embate entre generalistas e especialistas é para Bueno (1999) uma falsa dicotomia. Em sua opinião tanto o ensino regular quanto o especial, devem prover o devido atendimento escolar de pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais (BRASIL, 1994a, 1994b, 1997, 2001). Porém, fazendo coro à afirmação de Ferreira (1998, p.7), “o registro legal, por si, não assegura direitos, especialmente numa realidade em que a educação especial tem reduzida expressão política no contexto da educação geral”. A questão da formação profissional ocupa posição de destaque em discussões acadêmicas, profissionais e políticas que se referem à inclusão escolar de pessoas com necessidades especiais. Não reside nesta assertiva a intenção de aumentar o peso nos ombros dos formadores – em nível de ensino superior – de professores que atuarão na Educação Básica. Mas ao contrário, importa por em relevo o que pode se chamar de raro consenso acerca da inclusão escolar de pessoas com necessidades especiais, qual seja: a necessidade de preparação adequada para atender demandas específicas de alunos, em contextos complexos e dinâmicos como uma sala ou quadra de aula. Em boa parte das discussões e textos elaborados sobre este assunto a formação/preparação dos professores é invocada. Cumpre, entretanto, perceber que essa preparação não encerra ao final de um curso de graduação. Muito menos se deve ter em mente que a pós-graduação (seja em nível lato ou stricto) será redentora de uma formação lacunar, assim como a experiência profissional, por si só, não o fará. Por mais que percebamos avanços no campo de atuação profissional definido pela Educação Física, não podemos perder de vista a distância que persiste em se manter entre o conhecimento produzido academicamente e os serviços ofertados para pessoas com necessidades especiais. Esta afirmação é particularmente preocupante ao levarmos em conta que a Educação Física Adaptada é um campo de atuação profissional que se apóia em conhecimento básico de natureza multidisciplinar (REID; STANISH, 2003), assim como a própria Educação Física 40 afirmar que, do ponto de vista do desenvolvimento profissional do professor, “criar oportunidades para reflexão e discussão é essencial na implementação de qualquer tipo de inovação”. Cabe aqui reportarmo-nos ao estudo de Rangel-Betti e Galvão (2001) sobre um modelo de ensino reflexivo. Elas propuseram aplicar o referido modelo em uma disciplina de um curso de graduação em Educação Física. Seus objetivos diziam respeito à condução dos graduandos a reflexões antes, durante e depois do processo ensino-aprendizagem do qual participavam. Os resultados alcançados sugerem a aquisição de uma postura reflexiva por parte dos alunos envolvidos no estudo, que atuaram como co-autores de sua própria formação profissional. É possível encontrar em Palma (2002) e Lima (2005) propostas de formação profissional com professores e graduandos de Educação Física, respectivamente, que também adotam uma linha reflexiva na condução de seus trabalhos. Tardif (2000) é um dos autores para quem os conhecimentos acadêmicos e profissionais devem se articular com vistas à formação do professor, rumo ao estreitamento da relação entre professores do ensino básico e do ensino superior. Nessa mesma linha de pensamento Schön (1997, 2000), ao elucidar-nos sobre a prática reflexiva na formação de professores – reflexão na e sobre a prática – aponta como obstáculo para sua implementação a desarticulação promovida na universidade entre o conhecimento científico e sua aplicabilidade na prática cotidiana. Como contraponto a esta constatação, o dia-a-dia do professor deve ser percebido como palco para o desenvolvimento de um tipo de conhecimento pouco explorado em nível acadêmico. Neste sentido Pérez Gómes (1997, p.107) afirma que “as ciências consideradas básicas para a prática profissional docente produzem normalmente um conhecimento molecular e sofisticado, cada vez mais fraccionado, incapaz de regular ou orientar a prática docente e de 41 descrever ou explicar a riqueza e complexidade dos fenômenos educativos”. Cabe recorrer novamente a Schön, que bem ilustra, metaforicamente, o dilema da relação entre educação superior e educação básica – ou conhecimento acadêmico e conhecimento prático – em um contexto de angústias quanto à preparação profissional do professor. Ele nos diz que: Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam as soluções técnicas [...] O profissional deve fazer suas escolhas. Ele permanecerá no alto, onde pode resolver problemas relativamente pouco importantes, de acordo com padrões de rigor estabelecidos, ou descerá ao pântano dos problemas importantes e da investigação não rigorosa? (SCHÖN, 2000, p.15). À luz de seu envolvimento em programas de formação de professores do ensino básico – com ênfase no espaço ocupado pela prática pedagógica na formação inicial do professor, sem perder de vista seu aporte à formação continuada – Zeichner (1997) alerta para limitações de práticas pedagógicas orientadas na ótica da prática reflexiva. Para ele esta prática pode significar “um perigo, já que pode conduzir à perpetuação de um modelo conhecido de mudança em que tudo continua na mesma [...], em que as reformas servem justamente para legitimar as práticas que deveriam ser transformadas” (ZEICHNER, 1997, p.127). Pode-se reunir à consideração anterior as reflexões de Alarcão (2000a, 2000b) a respeito da formação reflexiva de professores. Para ela essa “coqueluche” crescente em torno das idéias propaladas por Schön, faz sentido se considerarmos, entre outros aspectos, anseios por uma formação profissional superadora da dicotomia teoria X prática. No entanto, de acordo com a mesma autora, é preciso estar alerta para que o caráter reflexivo na formação de professores não se reduza a reivindicações que os situem à margem das necessárias transformações educacionais. Ela prossegue seu raciocínio destacando que “educar para a autonomia implica fazer um ensino 42 reflexivo que, por sua vez, se baseia numa postura reflexiva do próprio professor” (ALARCÃO, 2000b, p.187). O caráter sedutor das idéias veiculadas pela expectativa de formação de um professor reflexivo, capaz de problematizar o cotidiano escolar e encontrar soluções adequadas aos conflitos que dele emergem, é alvo de críticas que merecem ser observadas. Isso por se tratarem de análises criteriosas das proposições reflexivas anteriormente comentadas. Uma dessas críticas é feita por Pimenta (2002), ao demonstrar sua preocupação com o esvaziamento do conceito de professor reflexivo, que por sua vez pode sucumbir a mais uma temporada de moda nos grandes salões da Educação brasileira. Ela aponta a “excessiva (e mesmo exclusiva) ênfase nas práticas” (PIMENTA, 2002, p.43) como um dos problemas que deve ser superado na perspectiva de formação do professor reflexivo.Para a autora é preciso colocar “sob suspeita” propostas educacionais formuladas em contextos estranhos à nossa realidade. Em sua opinião a idéia de professor reflexivo representa um “conceito político- epistemológico que requer o acompanhamento de políticas públicas conseqüentes para sua efetivação. Caso contrário, se transforma em mero discurso ambíguo, falacioso e retórico” (PIMENTA, 2002, p.47). Uma análise crítica mais contundente é feita por Duarte (2003), para quem a prática reflexiva no campo da formação de professores enaltece o conhecimento prático, desenvolvido na atuação profissional, em detrimento do conhecimento acadêmico. O fato de haver contradições na atuação docente em nível de Educação Superior não deve implicar na desvalorização do conhecimento teórico. Segue o autor afirmando que, ao invés de buscar a superação da incoerência entre as dimensões teórica e prática presentes na formação do professor, o que se propõe é abandonar o conhecimento acadêmico-científico. Autores com Pérez Gómez, Perrenoud, Schön e Tardif, são submetidos ao olhar atento de Duarte que alerta: 45 esfera da formação contínua, continuada ou permanente do professor, Imbernón (2000), por sua vez, destaca na formação permanente do professor: a reflexão sobre sua prática educativa, a troca de experiências entre os pares e a formação atrelada a um determinado projeto de trabalho. Vale ressaltar nos trabalhos mencionados (PERRENOUD, 1998, 1999, 2002; COLLARES; MOYSÉS; GERALDI, 1999; IMBERNÓN, 2000) a formação do professor entendida como um processo dinâmico longe de ter um ponto final pré-estabelecido por ocasião de uma formação prévia, inicial ou básica. Na Educação Especial, os debates em torno da formação do professor responsável pelo atendimento educacional escolarizado de alunos que apresentam necessidades especiais vão desde reuniões pedagógicas realizadas nas unidades escolares, até a definição de políticas públicas de educação, passando por reflexões teóricas e proposições acadêmicas. Denari (2001), Glat, Magalhães e Carneiro (1998) são algumas das autoras que ao desferirem seus olhares sobre a formação / capacitação de professores em uma perspectiva educacional inclusiva, sinalizam a importância da experiência profissional cotidiana do professor em sua formação continuada. Ferreira (1999) contribui à discussão sobre a elaboração de um projeto pedagógico para a formação de professores que atuam na Educação Especial apontando para uma formação inicial generalista – afinada com preceitos de atendimento à diversidade na educação escolarizada – devidamente articulada a uma formação continuada incumbida da formação específica do “educador especial”. Nesta linha de pensamento pode-se reunir Jannuzzi (1995), ao sugerir como ponto de partida para uma escola inclusiva uma formação comum para todos os professores, reservando para cursos extracurriculares, de aperfeiçoamento ou de formação em serviço, os conteúdos específicos pertinentes às demandas educacionais dos alunos que apresentam necessidades especiais. 46 Cabe reunir às reflexões e proposições anteriores as ponderações de Fusari (1999) ao sinalizar que a proposição de programas de formação contínua, ou em serviço, não deve ignorar circunstâncias históricas que podem agir como deformadoras do professor em seu exercício profissional. Avançando em suas considerações sugere ainda que tais proposições “sejam mais próximas de um paradigma que propicie a formação do educador como um processo permanente, composto pela articulação entre a formação inicial e a contínua”, levando o professor à produção de conhecimento amparado pela “prática profissional coletiva reflexiva” (FUSARI, 1999, p.223). Ele nos alerta também para o fato de que: As modalidades de educação contínua são meios, portanto subordinados a determinados princípios e objetivos. A experiência mostra que, numa avaliação das nossas vivências com modalidades de formação contínua, sejam elas quais forem, algumas foram muito importantes, propiciando, de fato, desenvolvimento pessoal profissional, e outras não (FUSARI, 1999, p.224). Toda essa discussão é potencializada pela expectativa criada sobre o processo de inclusão de alunos com necessidades especiais em nosso sistema de ensino. Ao investigar o processo de inclusão no município de Maringá-PR, Miranda (2001) menciona que ações governamentais como organização de cursos e eventos de capacitação de professores para atuarem no ensino especial – particularmente em situações de inclusão – podem estar apoiadas mais na perspectiva da racionalidade financeira do que na efetivação da inclusão escolar dessa parcela de nossa população estudantil, haja vista, de acordo com a própria autora, o movimento de esvaziamento das classes especiais a partir de 1997. De qualquer modo, seja em ambiente integrado ou segregado, The Council for Exceptional Children (2000) ao se referir à preparação para atuar em Educação Especial, destaca a importância do contínuo crescimento profissional. Contudo, cabe analisar em profundidade a capacitação/formação do professor. Deve-se cuidar para que essa capacitação/formação não transfigure professores em espantalhos à busca do Mágico de Oz. Papéis assinados estão longe de garantir qualidade na atuação profissional. 47 É oportuno observarmos, neste momento, as implicações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 2001) no atendimento educacional de pessoas que apresentam necessidades especiais. Em seu artigo 58 a Educação Especial é tida como modalidade de educação escolar a ser ofertada, preferencialmente, na rede regular de ensino. Na seqüência o artigo 59, em seu inciso terceiro, indica que os sistemas de ensino assegurarão “professores do ensino regular capacitados para a integração” de alunos com necessidades especiais nas classes regulares. Neste caso, não podemos perder de vista que os avanços desejados na esfera educacional dizem respeito a amplas e profundas transformações em nosso sistema de ensino, do qual faz parte a Educação Especial como espaço responsabilizado pela escolarização de alunos que apresentem demandas educacionais específicas. Vale, portanto, destacar que: [...] as perspectivas político-institucionais da educação especial [...] dependem de sua inserção no âmbito das várias reformas que estão ocorrendo e vão ocorrer num prazo relativamente curto, contexto no qual a LDB é mais um momento importante dos embates políticos, do que a expressão da síntese possível dos mesmos (FERREIRA, 1998, p.9). Seja por intermédio da iniciativa pública (MIRANDA; CARMO, 2001; PARANÁ, 2002) ou privada (UNIVERSIDADE GAMA FILHO, 1994), algumas ações vêm sendo fomentadas com o intuito de oferecer o devido suporte para o enfrentamento das tensões decorrentes das implicações de uma perspectiva educacional inclusiva na Educação Física. Parte do que pode se chamar de encaminhamentos objetivos à problemática da inclusão diz respeito à formação profissional. Nesta direção pode-se citar trabalhos que apesar de não focalizarem especificamente a formação do professor de Educação Física em uma perspectiva educacional inclusiva indicam a relevância de programas de formação continuada na formação profissional deste mesmo professor, nos permitindo pensar sobre o aporte de seus estudos em contextos educacionais inclusivos. 50 diz respeito à aplicabilidade e exeqüibilidade da inclusão de portadores de deficiência no sistema regular de ensino. A relação entre inclusão escolar e Educação Física também é alvo dos trabalhos de Palla e Mauerberg-deCastro (2004) que ao investigarem atitudes de professores e alunos de Educação Física sobre o atendimento a pessoas com deficiência em ambientes segregados e inclusivos, apontam a fragilidade no processo de formação profissional relacionado a pessoas com necessidades especiais. Por sua vez, Lima (2005) apresenta uma proposta de formação em Educação Física Adaptada, de caráter reflexivo, com base em um projeto de extensão realizado em ambiente universitário. Já Mandarino (2004) alerta para o equívoco presente no entendimento de que a Educação Física contribuirá no processo de inclusão escolar apoiada em ações isoladas. Do ponto de vista teórico-metodológico é importante que se alcance coerência entre discurso e ação no processo ensino-aprendizagem sob uma orientação educacional inclusiva. Deve-se, portanto, atentar às observações de Sánchez Bañuelos (1986) sobre o ensino em grupo e individual, já que numa perspectiva inclusiva a heterogeneidade dos alunos torna-se inegavelmente explícita e, conseqüentemente, lança-nos o desafio de optarmos por orientações metodológicas arrojadas e diversificadas, como reflexo de programas de Educação Física que estejam apoiados em projetos pedagógicos complexos. A competência necessária para atuar junto a esses alunos passa pela organização de ambientes que permitam a execução de tarefas motoras adequadas ao seu processo de desenvolvimento. Além dos conhecimentos relativos especificamente ao assunto deficiência, também aqueles relacionados à aprendizagem motora, ao desenvolvimento motor e à metodologia do ensino da Educação Física, para citar alguns, são importantes neste processo de 51 formação profissional. Emergem aqui mais uma vez elementos relacionados ao contexto da formação/atuação profissional do professor. O modelo ecológico de desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996) cabe na visualização do sistema de desenvolvimento do professor de Educação Física. Isto é, os ambientes de formação profissional (inicial/continuada) e de trabalho – sem mencionar o familiar –, assim como as áreas de conhecimento e disciplinas que definem o componente curricular Educação Física, assumem uma relação dinâmica e de interdependência geradora de tensões que vão interferir na perspectiva do professor no que concerne ao atendimento – em suas aulas e na própria escola – de alunos com necessidades educacionais especiais, seja numa ótica inclusiva ou não. Focalizar o movimento corporal e não a deficiência da pessoa é a posição que deve ser assumida desde a graduação, para que se possa proporcionar às pessoas com necessidades especiais condições satisfatórias de interação com seu ambiente físico-social. A competência necessária para tanto deve traduzir a reunião de conceitos, procedimentos e atitudes – obtidos durante o processo de formação profissional – essenciais à atuação profissional do professor de Educação Física. Tudo isso sem perder de vista sua responsabilidade na apresentação de respostas exeqüíveis às solicitações de seu entorno social. De acordo com estudos de Rizzo e Vispoel (1992), Kowalski e Rizzo (1996), uma atitude favorável à possibilidade de atuação profissional junto a pessoas que apresentam algum tipo de deficiência é fator importante para que se obtenha êxito na intervenção proposta. Na condição de uma das dimensões do conhecimento que constitui a competência profissional adquirida nos cursos de graduação, a atitude do professor de Educação Física pode e deve ser positivamente influenciada no que diz respeito ao atendimento de pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. 52 Neste sentido, Winnick (1986), ao abordar numa perspectiva histórica a preparação profissional, e Craft (1994), ao discutir as implicações da inclusão para a Educação Física, mencionam a importância de que o assunto necessidades especiais – deficiência, seja incutido na formação profissional, em nível de graduação, do professor de Educação Física. A eles reúnem-se DePauw e Karp (1994), ao discorrerem sobre o papel da educação superior na preparação de professores para atuarem numa perspectiva inclusiva, e Kowalski (1995), quando aponta para a atenção necessária à noção de infusão na preparação profissional. Note-se ainda que o envolvimento nessas discussões daqueles que assumem em seus cotidianos a responsabilidade de implementar programas educacionais efetivos – os atores sociais protagonistas das tão propaladas mudanças –, incrementa sobremaneira o processo de formação profissional do professor. Além disso, rompe-se com a visão mitificada/mitificadora de universidade como sendo a redentora das mazelas sociais e, no caso, educacionais. Ao contrário, passa-se a perceber como alternativa efetiva ao enfrentamento/superação do estado de coisas que nos afligem no ambiente escolar a reunião de competências acadêmicas e profissionais, conforme indicam Lawson (1990, 1999) e Betti (1996). Diante do quadro exposto, a constituição de um espaço propício à sistematização de ações/reflexões de professores de Educação Física naquilo que diz respeito ao enfrentamento dos desafios postos pela, na ocasião iminente4, implantação de uma política inclusiva no estado do Paraná (PARANÁ, 2000; 2001) e no município de Londrina (LONDRINA, 2002a) sugere pertinência. A participação efetiva/ativa de professores de Educação Física em programas de formação continuada possibilita o adensamento de aspectos atitudinais, conceituais e procedimentais presentes na competência profissional almejada em sua formação, principalmente 4 Vale lembrar a Deliberação 02/03 que “fixa normas para a Educação Especial, modalidade da Educação Básica, para o Sistema de Ensino do Estado do Paraná” (PARANÁ, 2003) 55 O confronto entre aspectos de ordem teórica e prática, como conseqüência das incursões iniciais feitas no dia-a-dia escolar, sugeriu um encaminhamento metodológico que levasse em conta a dinâmica escolar e não prescindisse do envolvimento dos atores principais de quaisquer propostas de avanço em nosso sistema educacional – os professores. O contato inicial com a realidade a ser focada afina com a idéia de que: A prática científica não é redutível a uma seqüência de operações, de procedimentos necessários e imutáveis, de protocolos codificados. [...] a complexidade das problemáticas em ciências sociais exige interpenetrações e voltas constantes entre os pólos epistemológico, teórico, morfológico e técnico da pesquisa. [...] As escolhas metodológicas não são colocadas umas após as outras, mas formam sistema, isto é, supõem voltas constantes e interpenetrações recíprocas dos pólos epistemológico, teórico, morfológico e técnico (BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE, 1982, p.30- 31). Do ponto de vista da investigação proposta, observar e apreender uma situação dinâmica como a que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem deflagrado em um ambiente destinado à educação escolarizada de crianças, implica em considerar procedimentos metodológicos que não engessem o fenômeno em questão a ponto de empobrecê-lo em sua complexidade e profundidade. A propósito, o rigor científico não se traduz pela rigidez ou ultra- simplificação do objeto estudado, até porque algumas distorções podem assim ser geradas. Na busca de alternativa metodológica capaz de dar conta da complexidade que envolve a prática docente cotidiana, Caldeira (1998, p.44) afirma que “los métodos de investigación no son simples operaciones externas, procedimientos formales que se agregan mecánicamente y desde fuera a aquello que es objeto de investigación”. O necessário aprimoramento da convivência entre reflexão e ação, sem preterir uma em relação à outra, numa perspectiva de mudança de certo aspecto da realidade conduziu a apontamentos realizados acerca da pesquisa-ação. Em sua discussão sobre projeto realizado nos anos de 1989 e 1990 nos Centros específicos de Aperfeiçoamento do Magistério no estado de São Paulo, André (1995) afirma a existência de estreita relação entre a formação de professores em 56 serviço e a pesquisa-ação. Outra indicação sobre a possibilidade de utilização da pesquisa-ação no desenvolvimento de professores em serviço pode ser encontrada no trabalho de Cohen e Manion (1994). Mais uma reflexão de interesse é feita por Reche ao mencionar que: A possibilidade de aplicar os resultados de pesquisa em sala de aula, está relacionada ao fato de que os sujeitos envolvidos pelas inovações propostas sejam considerados como interlocutores e participantes da investigação. A estratégia de parceria e a reflexão sobre as práticas pedagógicas aportariam grandes vantagens, tanto para a credibilidade do pesquisador quanto para a valorização das pesquisas no campo da educação (RECHE, 2001, p.101). A pesquisa-ação é tida por Bruyne, Herman e Schoutheete (1982) como um dos modos de investigação de campo com foco nas experiências vivenciadas pelos sujeitos que dela tomam parte. Por guardar como objeto de investigação “a mudança e o desenvolvimento da organização sob um aspecto significativo de suas estruturas ou de seus modos de funcionamento [...] ela não pode negligenciar as dimensões do contexto social e do ambiente no qual a ação se desenrola” (BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE, 1982, p.239). Seguem os mesmos autores dizendo que “o objetivo da pesquisa não está especificado definitivamente no início e não permanece absolutamente constante do começo ao fim; a pesquisa descobre progressivamente as questões que a orientam” (p.239). Para Thiollent (1986, p.14) a pesquisa-ação é “um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. Ele sugere na organização da pesquisa a existência de uma fase exploratória, na qual se procede a um levantamento inicial da situação e seus problemas, além da identificação do campo de pesquisa, dos sujeitos interessados em tomar parte dela e suas expectativas. 57 Tanto Thiollent (1986), quanto Bruyne, Herman e Schoutheete (1982) e Cohen e Manion (1994) indicam alguns procedimentos comuns que configuram o plano de ação a ser implementado na pesquisa-ação: identificação do problema, definição de procedimentos de investigação e avaliação do processo de reflexão-ação. Bracht et al. (2002) indicam a pesquisa- ação como adequada ao processo de formação continuada de professores de Educação Física, do mesmo modo que percebem seu potencial para a promoção de mudanças em suas práticas pedagógicas e apontam limitações e problemas a serem superados em função de sua implementação. O envolvimento que se estabelece entre pesquisador e participantes, sugerido na pesquisa-ação, conduz a uma atenção especial no que tange à penetração no ambiente que se propõe investigar. Adentrar o ambiente de trabalho de outro professor significa mais do que obter uma autorização da direção da escola ou do núcleo/delegacia/coordenadoria de ensino. Essa situação pode causar um desconforto comprometedor dos procedimentos estabelecidos para a coleta de dados, haja vista o caráter imprescindível da franca colaboração dos participantes do estudo. A esse respeito Thomas e Nelson (2002, p.325) afirmam que “os sujeitos devem sentir que podem confiar em você, ou não darão a informação procurada. Obviamente, o consentimento formal informado deve ser obtido e as estipulações contidas no conceito total de consentimento informado devem ser observadas”. O ambiente de investigação deve considerar além do espaço físico, as interações sociais que nele acontecem – e que no caso da escola dizem respeito ao relacionamento entre alunos, seus responsáveis e os funcionários docentes e administrativos. Essas interações, que ocorrem de modo dinâmico e interdependente, tornam o ambiente da pesquisa deveras complexo. Por conta disso, observações participantes, diários de campo e entrevistas (THIOLLENT, 1986) são instrumentos destinados à coleta de dados que podem ser combinados para a reunião de 60 marcado pelas seguintes ações, e seus respectivos desdobramentos, apresentados no fluxograma abaixo (Fluxograma 1): Ações Desdobramentos Data 20/02 Contato com Núcleo Regional de Educação de Londrina (Coordenação de Educação Especial). Indicação de Centro de Atendimento Especializado (Escola Estadual Nilo Peçanha – EENP) devido à inclusão de alunos com deficiência física no ensino regular (1º ano do ensino médio; 6ª série). 07/03 Visita a Escola Estadual Nilo Peçanha – EENP. Conversa com professoras de Educação Física. 13/03 Novo contato com Núcleo de Educação (área de deficiência física). Indicação de Centro de Atendimento Especializado (Instituto Estadual de Educação de Londrina – IEEL) devido à inclusão de aluno com deficiência física no ensino regular (4ª série). Mar/Abr Mai/Jun Jul Acompanhamento das aulas de Educação Física em situação de inclusão nas duas escolas estaduais indicadas (EENP; IEEL). Revisão da proposta inicial de pesquisa. 04/07 Contato com Núcleo Regional de Educação (área de deficiência física). Mapeamento dos deficientes físicos nas escolas de Londrina5. FLUXOGRAMA 1 – Ações / Desdobramentos realizadas em 2001 (primeiro semestre): contato com rede pública estadual de ensino. Diante do redimensionamento dos propósitos do estudo – conseqüente do contato com o cotidiano de professores de Educação Física de duas escolas estaduais, que possuíam alunos com deficiência física incluídos em turmas regulares6 – novas questões foram se 5 Levantamento realizado naquele ano pela Equipe de Ensino/Educação Especial do Núcleo Regional de Educação de Londrina indicava a existência de 51 alunos com deficiência física no ensino regular. Esses alunos – distribuídos entre as escolas estaduais e municipais (na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio) – apresentavam: paraplegia (3), paralisia cerebral (22), distrofia muscular (1) e outros tipos de deficiência física (25) (LONDRINA, 2001). 6 Um aluno na 4ª série em uma escola; um aluno na 6ª série e uma aluna no 1º ano do ensino médio em outra. 61 desenhando ao longo desta fase de aproximação do campo de investigação (segundo semestre de 2001). Reflexões de ordem teórica e metodológica levaram a uma revisão da proposta de investigação. O conflito entre a opção por um estudo comparativo ou participativo passou a ocupar lugar central neste momento do trabalho. Se Campbell e Stanley (1979, p.62) já sinalizavam, desde a década de sessenta, que “do ponto de vista da interpretação final de um experimento e da tentativa de inseri-lo na ciência em curso, todo experimento é imperfeito”, o conflito relacionado à condução ou não de uma pesquisa genuinamente experimental não tem justificativa. O impacto da pesquisa na realidade social na qual está inserido o fenômeno de interesse não decorre, a priori, da utilização dessa ou daquela orientação metodológica. Entretanto, o modo como se articulam os pólos da pesquisa – epistemológico, teórico, morfológico e técnico (BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE, 1982) – permite menor ou maior aproximação à dinâmica e complexidade do fenômeno a ser pesquisado. A elaboração de proposta para organização de Grupo de Estudo/Trabalho com professores da rede pública de ensino de Londrina que se interessassem pelo tema inclusão, passou a ser o canal potencial para o estabelecimento de diálogo entre interesses de ordem acadêmica e profissional. Essa mudança na estratégia de aproximação dos professores, que deixaram de ser – na perspectiva do pesquisador – coadjuvantes para assumirem a condição de protagonistas dessa história permitiu ainda a transposição do muro que separa educação básica e superior. Afinal de contas ambas constituem o sistema de ensino brasileiro e estão, quer queiram quer não, envolvidas na problemática da educação escolarizada de pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais. 62 Após avaliação da proposição preliminar acerca da pesquisa as conversações com o Núcleo Regional de Educação foram retomadas no início de 2002. Seguem abaixo (Fluxograma 2) ações/desdobramentos referentes ao primeiro semestre de 2002, cabendo destacar contato formal com a rede municipal de ensino a partir do dia 27 de março. Data Ações Desdobramentos 24/01 Contato com Núcleo Regional de Educação (Coordenação de Educação Especial e Educação Física). Discussão sobre proposta de constituição de Grupo de Estudo/Trabalho sobre inclusão em aulas de Educação Física. 15/02 Retorno ao Núcleo Regional de Educação. Entrega de proposta para organização de Grupo de Estudo/Trabalho sobre inclusão em aulas de Educação. 01/03 Retorno ao Núcleo de Educação (Coordenação de Educação Física). Sugere-se: “aguardar reunião com professores da rede estadual para apresentar proposta de estudo”. 08/03 Retorno ao Núcleo de Educação (Coordenação de Educação Especial). Sugere-se que a proposta de constituição de Grupo de Estudo/Trabalho seja apresentada durante Curso Descentralizado de Educação Física Adaptada – promovido pela Secretaria do Estado da Educação de 25 a 27 de março. 25/03 a 27/03 Apresentação da proposta de constituição de Grupo de Estudo/Trabalho sobre ORGANIZAÇÃO DE AMBIENTES INCLUSIVOS DE APRENDIZAGEM MEDIANTE PRÁTICA REFLEXIVA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA7 durante Curso Descentralizado de Educação Física Adaptada. Marcado para dia seis de abril encontro com os professores interessados. 27/03 Contato com Secretaria Municipal de Educação de Londrina (Coordenação de Educação Especial e Educação Física). Transição da relação com a rede estadual para a rede municipal: Ponto de partida para a constituição efetiva do Grupo. 7 Nesse momento a pesquisa tinha como foco a organização de ambientes de aprendizagem em contextos educacionais inclusivos. Essa intenção de pesquisa foi amadurecida como conseqüência do envolvimento com a rede pública de ensino de Londrina. 65 Os 93 estabelecimentos de ensino que configuram a rede municipal de ensino de Londrina – 66 localizados em zona urbana, 03 em zona rural e 10 em distritos; contando também com 12 Centros de Educação Infantil e 02 Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente - CAIC – são responsáveis pela escolarização de alunos da educação infantil até as séries iniciais do ensino fundamental (1ª à 4ª). As séries finais do ensino fundamental (5ª à 8ª) são atendidas pela rede municipal de ensino apenas nas zonas rurais. Como o demonstrativo estatístico (LONDRINA, 2003) com o quadro de alunos não registrava na ocasião da consulta informações relacionadas à inclusão, foi possível mapear a situação no município obtendo informações via Gerência de Apoio Educacional da Secretaria Municipal de Educação. Os alunos com necessidades especiais incluídos em turmas regulares distribuíam-se da seguinte forma, quanto a suas características específicas: cerca de 50 alunos apresentavam deficiência física; 25 apresentavam deficiência auditiva; 23 apresentavam deficiência visual; 05 a deficiência mental; 20 a síndrome de Down e 34 apresentavam condutas típicas/quadros de hiperatividade. O processo ensino-aprendizagem realizado com esses alunos conta com apoio proveniente de sala de recursos e de atendimento psicopedagógico. Uma peculiaridade deste sistema é que os alunos que apresentam deficiência mental (cerca de 120) e condutas típicas/hiperatividade (algo em torno de 15) – assistidos em classes especiais – são encaminhados para a realização de aulas de Educação Física em conjunto com alunos de classes regulares. O referido componente curricular participa do processo de escolarização dos alunos de todas as séries do ensino fundamental, o que não acontece na educação infantil. Como não há ainda uma política municipal de inclusão sancionada – apesar de “documento preliminar” produzido pelo Fórum Permanente de Educação Inclusiva, intitulado: “Propostas de Ações para uma Política Educacional Inclusiva no Município de Londrina” (LONDRINA, 2002a) – as diretrizes pedagógicas no que toca à educação escolarizada de pessoas 66 que apresentam necessidades especiais são consoantes ao estabelecido em termos de política estadual e federal. Deste modo, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2003), assim como a Deliberação 02/03 que fixa normas para a Educação Especial no Paraná (PARANÁ, 2003) sugerem ser referência de peso na definição de ações municipais acerca de alunos com necessidades educacionais especiais. A essas informações – obtidas junto à Gerência de Apoio Educacional, responsável pelo gerenciamento da Educação Especial na Secretaria Municipal de Educação de Londrina – reúnem-se dados que ilustram o contexto da inclusão neste município. Em se tratando da proposta curricular do município de Londrina (LONDRINA, [199-]) para o componente Educação Física, pode-se perceber a estreita relação com a proposição da Secretaria do Estado da Educação (PARANÁ, 1997), sendo percebidas alusões às vertentes da motricidade humana, do esporte, da saúde e crítico-superadora – todas presentes nos debates acadêmicos da área reconhecida como Educação Física. Até este momento da pesquisa não era possível encontrar um posicionamento explícito sobre a questão da inclusão escolar de alunos que apresentassem necessidades educacionais especiais. Este fato – assim como aquele referente a uma política municipal de inclusão – pode estar relacionado, entre outros fatores, ao caráter neste momento incipiente de uma política educacional – em nível estadual – preconizadora da inclusão (PARANÁ, 2000, 2001). Ao longo do ano letivo de 2002, quatro alunos com deficiência física – dois meninos e duas meninas de turmas distintas, com idades compatíveis às turmas, cursando da pré- escola à 2ª série – tiveram o processo ensino aprendizagem que lhes foi oferecido em aulas de Educação Física registrado em fitas VHS (pelo pesquisador) e levado para discussão nos encontros do Grupo de Estudo/Trabalho. Essa opção pelo foco nos alunos que apresentassem deficiência física foi definida em discussão do Grupo. As aulas dos participantes do estudo que 67 foram filmadas serviram como texto – vivo e vivido – destinado à leitura/releitura da intervenção profissional de professores de Educação Física, em face de um contexto educacional inclusivo. Os responsáveis pelos alunos filmados e as direções de suas respectivas escolas consentiram (Apêndice b) que fosse feito o registro das aulas de Educação Física em fitas de vídeo. Havia ao final de 2002 o indicativo de manutenção do grupo para 2003, com possibilidade de ingresso de novos participantes. Deixaram de participar do Grupo 01 professor e 01 professora, enquanto 03 novos professores (01 professor e 02 professoras) passaram a integrá- lo e 02 professoras que interromperam as atividades em 2002 retornaram, perfazendo um total de 16 professores participantes da pesquisa em 2003. Excetuando-se duas professoras, todos os demais atendiam algum aluno com deficiência mental, ou física, ou sensorial ou condutas típicas. 4.3 Procedimentos e instrumentos A confirmação da participação dos professores no Grupo deu-se por intermédio da assinatura de consentimento esclarecido (Termo de Participação em Pesquisa Científica – Apêndice c). Por se tratar de “pesquisa envolvendo seres humanos” (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2003) o termo de consentimento foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, 2003 – Anexo a). Para efeito de preservação da identidade dos participantes da pesquisa eles serão todos identificados pela letra “P” seguida de numeração de 1 a 16, que os diferenciará entre si (P1, P2,... P16). Para se chegar à constituição do Grupo foi necessário percorrer algumas etapas que devem ser esclarecidas. Transitar em parte da rede pública de ensino operante no município de Londrina foi de fundamental importância para o arranjo de condições que favorecessem o desenvolvimento da pesquisa, principalmente se considerarmos seu pendor relacional. Isto é, o 70 O outro componente da cinematografia do Grupo foi chamado de Diário de Campo Reflexivo. Ele se constituiu de anotações dos professores sobre suas próprias aulas, seguindo um conjunto de questões norteadoras para tais anotações. Foram anotados 88 diários de campo, que se agruparam em 9 quadros (Apêndice f) referentes a 9 participantes que realizaram suas respectivas anotações. Os diários de campo não retornavam necessariamente ao Grupo, mas serviam como uma espécie de memória da quinzena de aula de cada um dos participantes, ao se proporem relatar algo de interesse coletivo. Em 2002 foi feita uma fotografia do Grupo (instrumento utilizado para esse fim encontra-se no apêndice g), com informações relacionadas à formação, experiência no magistério e intervenção com pessoas que apresentassem algum tipo de deficiência, por exemplo. Essa fotografia foi atualizada em 2003 devido à saída de dois participantes no final de 2002 e o ingresso de 3 novos professores, assim como o retorno de duas participantes que ingressaram no Grupo em 2002 mas não permaneceram naquele ano. A composição dos quadros na radiografia e cinematografia do Grupo seguiu sugestão de Goodwin e Watkinson (2000), que utilizaram um quadro de análise adaptado de Feldman (1995) para investigar programas de Educação Física inclusiva na perspectiva de alunos com deficiência. O que Feldman (1995) nos apresenta é um olhar da semiótica sobre expressões mais superficiais e a estrutura subjacente que dá significado a essas manifestações. Seriam respectivamente os significados denotativo e conotativo – termos mais freqüentemente utilizados para se referir às expressões e seus significados subjacentes. Esse quadro de análise permite a reunião de aspectos distintos de um determinado fenômeno de modo que eles façam sentido para o pesquisador e participantes, tornando claras as conexões entre determinadas características culturais, além de explicitar os temas a elas relacionados. 71 O quadro de análise elaborado a partir do referencial anteriormente mencionado constitui-se de três colunas. A primeira diz respeito às opiniões expressas pelos participantes a respeito de determinado assunto, ou provocada por uma pergunta específica. Essa expressão pode ser tanto oral (as entrevistas na radiografia do Grupo) quanto escrita (as análises das aulas observadas em VHS e os Diários de Campo Reflexivos, na cinematografia do Grupo). A segunda coluna aponta a idéia subjacente à opinião expressa por cada participante da pesquisa. Não há, conforme indicação de Feldman (1995), uma maneira certa para elaborar essa segunda coluna, senão uma busca de conexões entre significados que certamente são influenciados por elementos contextuais assim como pelo referencial teórico utilizado ao longo do estudo. A terceira coluna identifica os temas que se relacionam aos significados atribuídos nas colunas anteriores. Nessa linha de organização das informações obtidas junto aos participantes da pesquisa, procedeu-se ao tratamento dos dados. O conteúdo bruto das informações, referente a cada instrumento destinado à coleta de dados (entrevistas, análises das aulas e diários de campo), foi reunido separadamente, transcrito e analisado linha a linha. Neste momento, foram destacadas (iluminadas) as expressões que apareceram com freqüência, sugerindo certa redundância, ao longo da análise. Convém mencionar, entretanto, que algumas expressões singulares – mas de impacto aos propósitos do estudo – também o foram. Os dados, depois de salientados nas transcrições, eram confrontados com anotações realizadas, pelo pesquisador, durante o processo de coleta (no caso das entrevistas e análise das aulas) e/ou no momento que algumas das informações referentes ao respectivo instrumento eram transmitidas ao Grupo (particularmente no caso dos diários de campo). Esse procedimento buscou captar elementos do contexto que aumentavam a compreensão do significado atribuído a cada expressão. Essas opiniões, que foram expressas pelos participantes – 72 oralmente ou por escrito – na forma de palavras isoladas e frases, foram reunidas em um novo conjunto de dados por instrumento utilizado (entrevistas, análise das aulas e diários de campo). As expressões de cada participante foram ordenadas em categorias estabelecidas de acordo com: tema disparador, questão do roteiro de observação e questão norteadora das anotações de campo – nas entrevistas, análises das aulas e diários de campo, respectivamente. Desse novo conjunto de informações (expressão do participante) depreendeu-se o sentido conotativo (idéia subjacente) referente a cada categoria de análise. Por fim, a partir da conjugação da expressão do participante com a idéia subjacente – confrontadas com anotações do contexto da coleta ou exposição dos dados – chegou-se ao aspecto substancial (tema de focalização) da opinião emitida. É importante reforçar a idéia de que o refinamento na coleta e tratamento de dados, observável na Fase 2 da pesquisa, se deu como conseqüência do investimento feito na Fase 1. O caráter relacional assumido desde a organização do Grupo foi crucial na preparação do terreno para a Fase 2. É necessário mencionar ainda que a conciliação dos papéis de pesquisador e mediador dos interesses do Grupo constituído impôs um vai-vem entre questões de ordem acadêmica e de intervenção profissional que exigiu grande atenção para que – como em um continuum – um pólo não se sobrepusesse prejudicialmente ao outro. O caráter qualitativo da pesquisa, que se assentou sobre uma perspectiva ecológica e enalteceu seu aspecto relacional, indicou os procedimentos elencados como sendo adequados aos propósitos do estudo. A coerência teórico-metodológica, portanto, foi buscada à medida que tanto a implementação de um programa de formação continuada quanto exigências intrínsecas à elaboração de um trabalho de cunho acadêmico foram respeitadas no decorrer da pesquisa. Sua característica colaborativa, sustentada por interações com os integrantes do Grupo, foi fundamental para que se desenvolvesse a pesquisa em conjunto com um programa de
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