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Guias e Dicas
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Carl Sagan - Bilhões e Bilhões, Manuais, Projetos, Pesquisas de Ecologia

Um livro sobre as grandezas da vida e do universo

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2016

Compartilhado em 29/07/2016

henrique-bezerra-3
henrique-bezerra-3 🇧🇷

4.8

(5)

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Baixe Carl Sagan - Bilhões e Bilhões e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Ecologia, somente na Docsity! Bilhões e Bilhões Na Virada do Milênio Carl Sagan Bilhões e Bilhões na virada do milênio Tradução: ROSAIKA LK H.MB1-.R Copyright © 1997 by Espólio Carl Sagan Título original: Billions & billions Thoughts on life and death at lhe hrink ofthe millennium Capa: João Baptista da Costa Aguiar Foto da capa: Urano crescente visto pela Voyager 2 a caminho de Netuno Cortesia de SPLNASA Índice remissivo: Cristina Yamaaki Preparação: Célia Regina Rodrigues de Lima Revisão: Ana Paula Castellani Eliana Antonioti Dados Intencionais de Catalogação na Publicação na (Câmara Brasileira do Livro. ,SP. Brasil) Título original: Billions and billions : thoughts on life and death ai he hrink of the milienniuin Bibiografia. SBN 85-7164-764-X 1999 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA. Rua Bandeira Paulista, 702, q. 72 04532-002 - São Paulo - SP Telefone: (011)866-0801 Fax: (011)866-0814 e-mail: coletras@mtecnetsp.com.br expressão, mesmo quando me pediam. Mas superei essa fase. Assim, para ficar registrado, aqui vai: "Bilhões e bilhões." O que toma "bilhões e bilhões" tão popular? Antes era "milhões" a alcunha para um número grande. Os imensamente ricos eram milionários. A população da Terra na época de Jesus consistia talvez em 250 milhões de pessoas. Havia quase 4 milhões de norte-americanos na época da Convenção Constituinte de 1787: no início da Segunda Guerra Mundial, havia 132 milhões. Existem 93 milhões de milhas (150 milhões de quilômetros) da Terra até o Sol. Aproximadamente 40 milhões de pessoas foram mortas na Primeira Guerra Mundial; 60 milhões na Segunda Guerra Mundial. Há 31,7 milhões de segundos num ano (como é bastante fácil verificar). Os arsenais nucleares globais no fim da década de 80 continham um poder explosivo suficiente para destruir 1 milhão de Hiroshimas. Para muitos fins e por um longo tempo, o "milhão" era a quintessência dos números grandes. Mas os tempos mudaram. Agora o mundo tem um grupo de bilionários - e não somente por causa da inflação. A idade da Terra está bem determinada em 4,6 bilhões de anos. A população humana está se aproximando de 6 bilhões de pessoas. Cada aniversário representa outros bilhões de quilômetros ao redor do Sol (a Terra gira ao redor do Sol muito mais rapidamente do que a nave espacial Voyager se afasta da Terra). Quatro bombardeiros B-2 custam 1 bilhão de dólares. (Alguns dizem 2 ou até 4 bilhões.) Quando se computam os custos secretos, o orçamento de defesa dos Estados Unidos importa em mais de 300 bilhões de dólares por ano. A estimativa das mortes imediatas numa guerra nuclear total entre os Estados Unidos e a Rússia é de mais ou menos 1 bilhão de pessoas. Algumas polegadas são 1 bilhão de átomos lado a lado. E há todos aqueles bilhões de estrelas e galáxias. Em 1980, quando a série de televisão Cosmos foi ao ar pela primeira vez, as pessoas estavam preparadas para os bilhões. Meros milhões tinham se tomado um pouco diminutos, fora de moda, mesquinhos. Na realidade, as duas palavras têm um som tão parecido que é preciso fazer um grande esforço para distingui-las. É por isso que, em Cosmos, eu pronunciava "bilhões" com um "b" bastante explosivo, o que algumas pessoas tomaram por um sotaque idiossincrático ou defeito de fala. A alternativa, proposta pioneiramente por comentadores de TV - dizer "É bilhões com", parecia mais incômoda. Há uma antiga piada sobre o expositor de planetário que relata à sua plateia que, em 5 bilhões de anos, o Sol vai aumentar até se tomar um gigante vermelho inchado, que engolfará os planetas Mercúrio e Vênus e finalmente engolirá até a Terra. Mais tarde, um ansioso membro da plateia o aborda: "Desculpe-me, doutor, o senhor disse que o Sol vai arrebentar a Terra em 5 bilhões de anos?" "Sim, mais ou menos." "Graças a Deus. Por um momento pensei que tivesse dito 5 milhões." Sejam 5 milhões ou 5 bilhões, isso tem pouca importância para nossas vidas pessoais, por mais interessante que possa ser o destino final da Terra. Mas a distinção entre milhões e bilhões é muito mais vital em questões como orçamentos nacionais, população mundial e mortes na guerra nuclear. Embora a popularidade de "bilhões e bilhões" ainda não tenha desaparecido completamente, esses números também estão se tomando um pouco diminutos, estreitos e passes. Um número muito mais elegante está agora aparecendo no horizonte, ou perto dele. O trilhão está quase entre nós. Os gastos militares mundiais são, hoje em dia, de quase 1 trilhão de dólares por ano. O endividamento total de todas as nações subdesenvolvidas para com os bancos ocidentais está chegando aos 2 trilhões de dólares (era de 60 bilhões em 1970). O orçamento anual do governo dos Estados Unidos também se aproxima de 2 trilhões de dólares. A dívida nacional é de cerca de 5 trilhões. A estimativa de custo do plano tecnicamente duvidoso da Guerra nas Estrelas na era Reagan ficava entre 1 trilhão e 2 trilhões de dólares. Todas as plantas na Terra pesam 1 trilhão de toneladas. As estrelas e os trilhões têm uma afinidade natural: a distância do nosso sistema solar até a estrela mais próxima, a Alfa do Centauro, é de 25 trilhões de milhas (cerca de 40 trilhões de quilômetros). A confusão entre milhões, bilhões e trilhões ainda é endêmica na vida diária, e rara é a semana que se passa sem uma dessas trapalhadas no noticiário da TV (em geral, uma confusão entre milhões e bilhões). Assim, eu talvez possa ser desculpado por perder algum tempo distinguindo: 1 milhão é mil milhares, ou o número 1 seguido de seis zeros; 1 bilhão é mil milhões, ou o número 1 seguido de nove zeros; e 1 trilhão é mil bilhões (ou, equivalentemente, 1 milhão de milhões), que é o número 1 seguido de doze zeros. Essa é a convenção norte-americana. Por muito tempo, a palavra britânica "bilhão" correspondia ao "trilhão" norte- americano, os britânicos usando - com bastante razão - "mil milhões" para 1 bilhão. Na Europa. "miliard" era a palavra para 1 bilhão. Como colecionador de selos desde a infância, tenho um selo de correio não carimbado, do auge da inação alemã de 1923. em que se lê "50 miliarden. Enviar uma carta custava 50 trilhões d marcos. (Era na época em que as pessoas levavam um carrinho de mão cheio de moedas para a padaria ou a mercearia.) Mas, devido à presente influência mundial dos Estados Unidos essas convenções alternativas estão em retirada, e milliard" quase desapareceu. Um modo inequívoco de determinar o número grande que está em discussão é simplesmente contar os zeros depois do número 1. Mas se há muitos zeros isso pode se tomar aborrecido. É por essa razão que colocamos pontos ou espaços depois de cada grupo de três zeros. Assim, 1 trilhão é 1.000.000.000.000 ou 1.000 000.000.000. (Nos Estados Unidos, colocam-se vírgulas no lugar dos pontos.) Para números maiores que 1 trilhão, é preciso contar quantos grupos de três números existem. Seria ainda mais fácil se, ao nomear um número grande, pudéssemos apenas dizer diretamente quantos zeros existem depois do número 1. Como são pessoas práticas, os cientistas e os matemáticos fazem exatamente isso. Chama-se notação exponencial. Você escreve o número 10; depois um número pequeno, alçado à direita do 10 como um sobrescrito, informa quantos zeros existem depois do número 1. Assim, 10 1000000; 10= l 000000000; 000.000.000.000; e assim por diante. Esses pequenos sobrescritos são chamados expoentes ou potências; por exemplo, 1 09 é descrito como " 1 0 elevado à potência 9" ou, equivalentemente," 1 0 elevado à nona" (à exceção de 02 e 1 03, que são chamados " 1 0 ao quadrado" e " 1 0 ao cubo", respectivamente). Essa expressão, "à potência" - como "parâmetro" e vários outros termos científicos e matemáticos -, está entrando na linguagem de todos os dias, mas com o significado cada vez mais obscuro e distorcido. Além da clareza, a notação exponencial tem um maravilhoso benefício colateral: é possível multiplicar dois números quaisquer simplesmente somando-se os expoentes apropriados. Assim, 1000 x 1000000000 é IO3 x IO9 = IO12. Ou vamos tomar alguns números maiores: se existem 10" estrelas numa galáxia típica e 10" galáxias, há IO22 estrelas no cosmos. Porém, ainda há resistência à notação exponencial por parte de pessoas um pouco assustadas com a matemática (embora a notação não complique, mas simplifique, a nossa compreensão) e por parte dos compositores de texto, que parecem ter uma necessidade compulsiva de imprimir 1 09 como 109. Os primeiros seis números grandes que têm seus próprios nomes são mostrados no quadro da página 18. Cada um é mil vezes maior que o anterior. Acima de 1 trilhão, os nomes quase nunca são usados. Contando-se um número a cada segundo, dia e noite, levaríamos mais de uma semana para contar de um a 1 milhão. Um bilhão nos custaria metade da vida. E não se conseguiria contar 1 quintilhão. nem que se tivesse a idade do universo para fazê-lo. Depois de se dominar a notação exponencial, pode-se lidar sem esforço com números imensos, como o número aproximado de micróbios numa colher de chá cheia de terra (1 08); de grãos de areia em todas as praias da Terra (talvez IO20); de seres vivos sobre a Terra (IO29); de átomos em toda a vida sobre a Terra (1 04); de núcleos atômicos no Sol (IO57); ou o número de partículas elementares (elétrons, prótons, nêutrons) em todo o cosmos (IO80). 18,5 quintilhões de grãos de trigo? Se cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas, o que é muito mais do que poderia ser armazenado nos celeiros do xá. Na verdade, esse número equivale cerca de 150 anos da produção de trigo mundial no presente. O relato do que aconteceu a seguir não chegou até nós. Se o rei, inadimplente, culpando-se pela falta de atenção nos seus estudos de aritmética, entregou o reino ao vizir, ou se o último experimentou as aflições de um novo jogo chamado vizi er mat, não temos o privilégio de saber. A história do Tabuleiro de Xadrez Persa pode ser apenas uma fábula. Mas os persas e indianos antigos foram brilhantes pioneiros na matemática e conheciam muito bem os enormes números resultantes, quando se continua a dobrar os valores. Se o xadrez tivesse sido inventado com cem ( 10 x 10) quadrados em vez de 64 (8 x 8), a dívida resultante em grãos de trigo teria pesado o mesmo que a Terra. Uma seqüência de números desse tipo, quando cada número é um múltiplo fixo do anterior, é chamada progressão geométrica, e o processo se chama aumento exponencial. As exponenciais aparecem em todo tipo de áreas importantes, familiares e não familiares - por exemplo, no juro composto. Se, por exemplo, um antepassado seu tivesse depositado dez dólares no banco para você há duzentos anos, isto é, logo depois da Revolução Americana, e o depósito acumulasse um juro anual constante de 5%, a essa altura o dinheiro valeria dez dólares x ( 1,05)z°°, isto é, 172 925,81 dólares. Mas poucos antepassados são tão solícitos quanto à fortuna de seus descendentes remotos, e dez dó1 ares era muito dinheiro naqueles dias. [( 1,05)2°~ significa simplesmente 1 ,05 multiplicado por si mesmo duzentas vezes.) Se o antepassado tivesse conseguido uma taxa de 6%, você teria agora um milhão de dólares; a uma taxa de 7%, mais de 7,5 milhões; e a uma taxa extorsiva de 10°~0, a soma considerável de 1,9 bilhão. Vale o mesmo para a inflação. Se a taxa é de 5% ao ano, um dólar vale 0,95 cents depois de um ano; (0,95)Z =0,91 cents depois de dois anos; 0,61 depois de dez anos; 0,37 depois de vinte; e assim por diante. É uma questão muito prática para os aposentados que recebem pensões equivalentes a um número fixo de dólares por ano sem reajuste da inflação. A circunstância mais comum em que ocorrem repetidas duplicações, e portanto crescimento exponencial, é na reprodução biológica. Vamos considerar primeiro o simples caso de uma bactéria que se reproduz dividindo-se em duas. Depois de certo tempo, cada uma das duas bactérias filhas também se divide. Desde que exista bastante alimento e não haja nenhum veneno no ambiente, a colônia de bactérias vai crescer exponencialmente. Em circunstâncias muito favoráveis, pode haver uma duplicação a cada quinze minutos aproximadamente. Isso significa quatro duplicações numa hora e 96 duplicações num dia. Embora uma bactéria só pese aproximadamente um trilionésimo de grama, as suas descendentes, depois de um dia de selvagem abandono sexual, vão pesar coletivamente o mesmo que uma montanha; em pouco mais que um dia e meio, o mesmo que a Terra; em dois dias, mais que o Sol... Em breve tudo no universo será composto de bactérias. Não é uma perspectiva muito agradável, e felizmente nunca acontece. Por que não? Porque o crescimento exponencial desse tipo sempre bate em algum obstáculo natural. Os micróbios ficam sem alimento, ou se envenenam mutuamente, ou têm vergonha de se reproduzir quando não têm privacidade. As exponenciais não podem continuar para sempre, porque vão engolir tudo. Muito antes disso, encontram algum impedimento. A curva exponencial se horizontaliza (veja a ilustração). Essa é uma distinção muito importante no que diz respeito à epidemia da AIDS. No momento, em muitos países o número de pessoas com sintomas de AIDS está crescendo exponencialmente. O tempo de duplicação é mais ou menos de um ano. Isto é, a cada ano há duas vezes mais casos de AIDS do que havia no ano anterior. Essa doença já nos cobrou um tributo desastroso em mortes. Se fosse continuar exponencialmente, seria uma catástrofe sem precedentes. Em dez anos, haveria mil vezes mais casos de AIDS, e em vinte anos, um milhão de vezes mais. Mas um milhão de vezes o número de pessoas que já contraíram AIDS é muito mais que o número de pessoas sobre a Terra. Se não houvesse impedimentos naturais à duplicação contínua da AIDS a cada ano e a doença fosse invariavelmente fatal (e não se encontrasse a cura), todo mundo sobre a Terra morreria de AIDS, e muito em breve. No entanto, algumas pessoas parecem ser naturalmente imunes à AIDS. Além disso, segundo o Centro de Notificação de Doenças do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, no início a duplicação nos Estados Unidos estava restrita, quase em sua totalidade, a grupos vulneráveis, sexualmente bem isolados do resto da população - em especial homossexuais masculinos, hemofílicos e usuários de drogas intravenosas. Se não se encontrar a cura para a AIDS, a maioria dos usuários de drogas intravenosas que partilham agulhas hipodérmicas vai morrer- nem todos, porque há uma pequena porcentagem de pessoas que são resistentes por natureza, mas vamos dizer quase todos. O mesmo vale para os homossexuais masculinos que têm muitos parceiros e não se previnem ao fazer sexo - mas não vale para os que usam preservativos adequadamente, para os que têm relações monógamas de longo prazo e, mais uma vez, para a pequena fração dos que possuem natureza resistente. Casais heterossexuais com relações monógamas duradouras desde o início dos anos 80, ou que têm o cuidado de prevenir-se ao praticar sexo e não partilham agulhas - e são muitos - estão essencialmente a salvo da AIDS. Depois que as curvas dos grupos demográficos de maior risco se horizontalizarem, outros grupos vão tomar o seu lugar - hoje em dia, nos Estados Unidos parecem ser os heterossexuais jovens que vêem a prudência ser dominada pela paixão e se dedicam a práticas sexuais pouco seguras. Muitos deles vão morrer, alguns terão sorte, outros são naturalmente imunes ou abstermos, e serão substituídos por outro grupo de maior risco - talvez a próxima geração de homossexuais masculinos. Espera-se que, por fim. A curva #exponencial se horizontalize para todos nós, depois de ter matado muito menos gente do que todo o mundo sobre a Terra. (Pequeno consolo para as muitas vítimas da doença e seus entes queridos.) As exponenciais também constituem a idéia central por trás da crise da população mundial. Durante a maior parte da existência humana sobre a Terra, a população era estável, com os nascimentos e as mortes quase em equilíbrio. Essa situação é chamada "estado estacionário". Depois da invenção da agricultura - incluindo o plantio e a colheita daqueles grãos de trigo que o grão-vizir tanto desejava a população humana deste planeta começou a aumentar, entrando numa fase exponencial, que está muito longe do estado estacionário. No presente, o tempo de duplicação da população mundial é de cerca de quarenta anos. A cada quarenta anos haverá o dobro de seres humanos. Como o clérigo inglês Thomas Malthus apontou em 1798, uma população que cresce exponencialmente - Malthus a descreveu como uma progressão geométrica vai superar qualquer aumento concebível de alimentos. Nenhuma Revolução Verde, nenhum cultivo de plantas fora do solo, nenhum método que faça os desertos florescerem, nada disso poderá dar conta de um crescimento populacional exponencial. Não há tampouco solução extraterrestre para esse problema. Atualmente, há mais 240 000 seres humanos nascendo do que morrendo a cada dia. Estamos muito longe de poder enviar 240000 pessoas para o espaço a cada dia. Nenhuma colônia na órbita da Terra, na Lua ou em outros planetas pode provocar uma diminuição perceptível da explosão da população. Mesmo que fosse possível enviar todo o mundo sobre a Terra para planetas de estrelas distantes em naves que viajassem a uma velocidade maior que a da luz, quase nada mudaria - todos os planetas habitáveis na galáxia da Via Láctea estariam lotados em aproximadamente um milênio. A menos que diminuamos nossa taxa de reprodução. Nunca subestime uma exponencial. O crescimento da população da Terra ao longo do tempo é mostrado na figura seguinte. Estamos claramente numa (ou prestes a sair de uma) fase de crescimento exponencial elevado. Mas muitos países - os Estados Unidos, a Rússia e a China, parentes colaterais. Mas é muito mais que a população da Terra, então ou agora; é muito mais que o número total de seres humanos que já viveram. Alguma coisa está errada com o nosso cálculo. O quê? Bem, supusemos que todos esses ancestrais em linha direta fossem pessoas diferentes. Mas, claro, não é o caso. O mesmo ancestral está relacionado conosco por muitas linhas diferentes. Somos repetida e multiplamente ligados a cada um de nossos parentes - um imenso número de vezes no caso dos parentes mais distantes. Algo parecido vale para toda a população humana. Se retrocedermos o bastante, quaisquer duas pessoas sobre a Terra têm um ancestral comum. Sempre que um novo presidente americano é eleito, é quase certo que alguém - geralmente na Inglaterra descubra que o novo presidente tem um certo parentesco com a rainha ou o rei da Inglaterra. E uma forma de supostamente unir os povos de língua inglesa. Quando duas pessoas provêm da mesma nação ou cultura, ou do mesmo pequeno canto do mundo, e suas genealogias estão bem registradas, é provável que o último antepassado comum seja descoberto. Mas, descobertas ou não, as relações são claras. Somos todos primos todo o mundo sobre a Terra. Outra manifestação comum das exponenciais é a idéia da meia-vida. Um elemento radioativo "pai" - plutônio ou rádio - se desintegra, formando um outro elemento "filho", talvez mais seguro, mas isso não se dá de repente. Ele se desintegra estatisticamente. Há um certo tempo em que metade do elemento se desintegrou, e esse é chamado de sua meia-vida. A metade do que resta se desintegra, formando outra meia-vida, e metade do restante forma ainda outra meia-vida, e assim por diante. Por exemplo, se a meia-vida fosse de um ano, metade se desintegraria num ano, metade da metade ou tudo menos um quarto desapareceria em dois anos, tudo menos um oitavo em três anos, tudo menos um milésimo em dez anos etc. Elementos diferentes têm meias vidas diferentes. A meia-vida é uma idéia importante quando se tenta decidir o que fazer com o lixo radioativo das usinas nucleares ou quando se pensa sobre a precipitação radioativa na guerra nuclear. Representa uma desintegração exponencial, assim como o Tabuleiro de Xadrez Persa representa um aumento exponencial. A desintegração radioativa é um método importante para datar o passado. Se conseguimos medir numa amostra a quantidade do material radioativo pai e a quantidade do produto de desintegração filho, podemos determinar há quanto tempo a amostra existe. Foi assim que descobrimos que o assim chamado Sudário de Turim não é a mortalha de Jesus, mas uma fraude piedosa do século XIV (quando foi denunciada pelas autoridades da Igreja); que os humanos faziam acampamentos ao redor do fogo há milhões de anos; que os fósseis mais antigos da vida sobre a Terra têm pelo menos 3,5 bilhões de anos; e que a própria Terra tem 4,6 bilhões de anos. O cosmos claro, ainda tem muitos outros 28 bilhões de anos. Quando compreendemos as exponenciais, a chave para muitos dos segredos do universo está em nossas mãos. Se conhecemos um objeto apenas qualitativamente, nós o conhecemos apenas de maneira vaga. Se o conhecemos quantitativamente - entendendo alguma medida numérica que o distingue de um número infinito de outras possibilidades -, começamos a conhecê-lo profundamente. Percebemos parte da sua beleza e temos acesso ao seu poder e à compreensão que ele propicia. Ter medo da quantificação equivale a renunciar aos nossos direitos civis, abrindo mão de uma das esperanças mais potentes de compreender e transformar o mundo. O CALCULO QUE O REI DEVIA TER SOLICITADO AO SEU VIZIR \ Não se apavore. É muito fácil. Queremos calcular quantos grãos de trigo havia sobre todo o Tabuleiro de Xadrez Persa. Um cálculo elegante (e perfeitamente exato) é o seguinte: O expoente simplesmente indica quantas vezes multiplicamos 2 por si mesmo. 22 = 4. 24 = 16. 210 1024, e assim por diante. Vamos chamar de S o número total de grãos no tabuleiro de xadrez, desde o 1, no primeiro quadrado, até o 263 no 64" quadrado. Depois, simplesmente, Duplicando ambos os lados dessa equação, encontramos 25= 2 + 22 + 23 + 24 + ... + 263 + 264 Subtraindo a primeira equação da segunda, obtemos 2S-S=S=264-, que é a resposta exata. Quanto é isso aproximadamente, em notação decimal comum? 210 é quase 1000, ou IO3 (dentro de uma margem de 2,4%).Assim, = (20)2 = aproximadamente (IO3)2 = IO6, que é 10 multiplicado por si mesmo seis vezes, ou 1 milhão. Da mesma forma, damcntedO3) O8. Assim, 2= 24 x aproximadamente 16x IO. ou 16 seguido por 18 eros que são 16 quintilhões de grãos. Lm cálculo mais preciso produz a resposta de 18,6 quintilhões de grãos. 03 OS CAÇADORES DESEGUNDA-FEIRA Á NOITE “O instinto de caça tem uma (...) origem remota na evolução da raça. Os instintos de caça e pesca se combinam em muitas manifestações (...). A sede de sangue humana faz parte de nosso lado primitivo, e é justamente por isso que é tão difícil de ser erradicada, especialmente quando uma luta ou uma caçada é prometida como pare do divertimento.” William James, Psicologia, XIV(1890). Não podemos evitar. Nas tardes de domingo e nas noites de segunda-feira, no outono de cada ano, abandonamos tudo para observar as pequenas imagens em movimento de 22 homens - colidindo uns com os outros, caindo, levantando e chutando um objeto alongado feito com a pele de um animal. De vez em quando, tanto os jogadores como os espectadores sedentários são levados ao êxtase ou ao desespero pela evolução do jogo. Em toda parte, nos Estados Unidos, as pessoas (quase exclusivamente homens), paradas diante das telas de vidro, torcem ou resmungam em uníssono. Descrito dessa forma, parece estúpido. Mas, quando se adquire o gosto pela coisa, é difícil resistir, e falo por experiência própria. Os atletas correm, saltam batem deslizam lançam chutam, derrubam - e há uma emoção em ver os humanos fazerem tudo isso tão bem. Eles brigam entre si até caírem no chão. Gostam de agarrar, tacar ou chutar um veloz objeto marrom ou branco. Em alguns jogos, tentam levar o objeto para o que é chamado de "gol"; em outros, os jogadores se afastam e depois retomam "para casa". O trabalho de equipe é quase 30 tudo, e admiramos como as partes se encaixam para formar um todo triunfante. Mas essas não são as habilidades com as quais a maioria de nós ganha o pão diário. Por que nos sentiríamos compelidos a observar pessoas correndo ou dando golpes? Por que essa necessidade aparece em todas as culturas? (Os egípcios, persas, gregos, romanos, maias e astecas antigos também jogavam bola. O pólo vem do Tibete.) Há craques dos esportes que ganham cinquenta vezes o salário anual do presidente; outros que são eleitos para altos cargos depois de aposentados. São heróis nacionais. Porque exatamente? Há algo nessa questão que transcende a diversidade dos sistemas político social e econômico. Algo primevo nos atrai. A maioria dos esportes mais importantes está associada a uma nação ou cidade, e eles contêm elementos de patriotismo e orgulho cívico. O nosso time nos representa o lugar onde vivemos, o nosso povo - contra aqueles outros sujeitos de um lugar diferente, habitado por um pessoal desconhecido, talvez hostil. (É verdade, a maioria dos "nossos" jogadores não são realmente do lugar onde jogam. São mercenários, que em sã consciência regularmente abandonam cidades adversárias por vencimentos mais rendosos. Um Pirata de Pittsburgh se regenera e passa a ser um Anjo da Califórnia; um Padre de San Diego é promovido a Cardeal de St. Louis; um Guerreiro de Golden State é coroado Rei de Sacramento. De vez em quando, todo um time decide migrar para outra cidade.) Os esportes competitivos são conflitos simbólicos, mal disfarçados. Isso não é uma idéia nova. Os cherokees chamavam sua antiga forma de lacrasse de "o irmão pequeno da guerra". Ou. passando a palavra a Max Rafferty, ex-superintendente da Instrução Pública na Califórnia, que, depois de chamar os críticos do futebol universitário de "malucos, desmiolados, comunistas, beatniks cabeludos e falastrões". declara: "Os jogadores de futebol (... possuem um espírito de luta claro e uminoso que é os próprios Estados Unidos". agricultura não são tempo suficiente para que essas predisposições tenham evoluído e desaparecido. Se quisermos entendê-las, devemos retroceder ainda mais. A espécie humana tem centenas de milhares de anos (a família humana tem vários milhões de anos). Levamos uma vida sedentária - baseada no cultivo da terra e na domesticação dos animais - apenas nos últimos 3% desse período, no qual se encontra registrada toda a nossa história. Nos primeiros 97% de nossa existência sobre a Terra, quase tudo o que é caracteristicamente humano veio a ser. Assim, um pouco de aritmética sobre a nossa história sugere que podemos aprender alguma coisa sobre aqueles tempos com as poucas comunidades de caçadores-coletores que ainda restam sem terem sido corrompidas pela civilização. Andamos por aí. Com nossos filhos e todos os nossos pertences nas costas, seguimos em frente perseguindo a caça, procurando os buracos de água. Armamos um acampamento por algum tempo, depois partimos de novo. Para providenciar os alimentos para o grupo, os homens em geral caçam, as mulheres em geral colhem. Came e batatas. Um típico bando itinerante, geralmente uma família extensa de parentes de sangue e de afinidade que chega a algumas dúzias. Anualmente muitos de nós com a mesma língua e cultura, se reúnem para cerimonias religiosas para comerciar; arranjar casamentos. contar histórias. E sou me atendo aos caçadores e são homens. Mas as mulheres tem poder social cultural e econômico. Elas colhem os produtos essenciais - as castanhas. as frutas os tubérculos as raízes -. bem como as ervas medicinais caçam pequenos animais e fornecem informações estratégicas sobre os movimentos dos animais grandes. Os homens também colhem alguma coisa e fazem grande parte do "trabalho doméstico " (mesmo que não existam casas). Mas a caça - separa o ter alimento nunca por esporte - é a ocupação constante de todo macho capaz.. Os meninos pré-adolescentes caçam pássaros e pequenos mamíferos com arcos e flechas. Já adultos, são peritos em conseguir armas; em aproximar-se furtivamente da presa, matá-la e abatê-la: e em carregar os pedaços de came de volta para o acampamento. O primeiro abate bem-sucedido de um grande mamífero indica que o jovem se tomou adulto. Em sua iniciação, incisões rituais são feitas em seu peito ou braços, e uma erva é esfregada nos cortes para que. quando cicatrizados, apareça uma tatuagem desenhada. É como as fitas de campanha - só de olhar para o seu peito, já se sabe alguma coisa de sua experiência de combate. Dentre uma confusão de marcas de casco podemos dizer com precisão quantos animais passaram; a espécie, os sexos e as idades; se algum estava manco; há quanto tempo passaram: a que distância estão agora. Alguns animais jovens podem ser capturados por luta em campo aberto; outros, com arremessos de estilingue ou bumerangues ou apenas por um lançamento de pedras preciso e forte. É possível abordar animais que ainda não aprenderam a temer o homem e matálos apauadas. Em distâncias maiores, contra presas mais cautelosas, tiramos lanças ou flechas envenenadas. Às vezes temos sorte e, com um ataque habilidoso, conseguimos forçar um bando de animais a cair numa emboscada ou a se precipitar de um penhasco. O trabalho de equipe entre os caçadores é essencial. Para não assustar a caça, devemos nos comunicar por uma linguagem de sinais. Pela mesma razão, precisamos manter nossas emoções sob controle; tanto o medo como o júbilo são perigosos. Somos ambivalentes a respeito da presa. Respeitamos os animais reconhecemos nosso parentesco comum nos identificamos com eles. Mas se refletimos muito sobre sua inteligência ou sua dedicação aos filhotes, se sentimos pena deles se reconhecemos profundamente que são nossos parentes, nossa dedicação à caçada esmorece. Levamos para casa menos alimentos. e nosso bando pode se ver mais uma vez em perigo. Somos obrigados a criar uma distância emocional entre nós e eles. Por isso, considerem o seguinte: durante milhões de anos, nossos ancestrais masculinos andaram correndo por toda parte, atirando pedras nos pombos, perseguindo filhotes de antílopes e agarrando-os em luta corpo a corpo, formando uma única linha de caçadores a correr e a gritar contra o vento para aterrorizar um bando de javalis perplexos. Imaginem que a vida deles depende de seu talento de caçador e do trabalho em equipe. Grande parte da sua cultura é tecida no tear da caçada. Bons caçadores são bons guerreiros. Então, depois de um longo período - digamos, alguns milhares de séculos -, uma predisposição natural tanto para a caça como para o trabalho em equipe vai aparecer em muitos meninos recém-nascidos. Por quê? Porque caçadores incompetentes e pouco entusiasmados têm prole menor. Não acho que a maneira de lascar uma pedra para formar a ponta de uma lança ou o modo de emplumar uma flecha esteja em nossos genes. Tudo isso é ensinado ou inventado. Mas o gosto pela caçada... aposto que isso/ parte de nosso hardware. A seleção natural ajudou a transformar nossos ancestrais em caçadores magníficos. A evidência mais clara do sucesso do estilo de vida caçador-coletor é o simples fato de que se espalhou para seis continentes e durou milhões de anos (para não falar das tendências à caça dos primatas não humanos). Esses números têm um profundo significado. Depois de 10 mil gerações em que a matança de animais foi a nossa defesa contra a ameaça de morrer de fome, essas inclinações ainda devem estar conosco. Sentimos vontade de empregá-las, mesmo vicariamente. Os esportes de equipe nos fornecem um meio de satisfazer esse desejo. Alguma parte de nosso ser deseja se juntar a um pequeno grupo de irmãos para realizar uma aventura ousada e intrépida. Podemos observar essa característica nos jogos de computador e nos RPGS que fazem sucesso entre os meninos pré-púberes e adolescentes. As virtudes viris tradicionais - a taciturnidade, a engenhosidade, a modéstia, a precisão. a coerência o profundo conhecimento dos animais o trabalho em equipe o amor pela vida ao ar livre - eram todas comportamento de adaptação nos tempos dos caçadores-coletores. Ainda admiramos essas características embora quase tenhamos nos esquecido da razão. Além dos esportes há poucas saídas para dar vazão a essas tendências. Nos meninos adolescentes, ainda podemos reconhecer o jovem caçador o aspirante a guerreiro - pulando pêlos telhados das casas: andando sem capacete em motocicletas; criando encrenca para 36 o time vencedor numa celebração depois do jogo. Na ausência de um controle moderador, esses antigos instintos podem ter conseqüências um pouco desastrosas (embora a nossa taxa de homicídios seja mais ou menos igual à dos caçadores-coletores que ainda existem). Tentamos assegurar que qualquer gosto residual pela matança não se volte contra os humanos. Nem sempre temos sucesso. Penso no poder desses instintos de caça e me preocupo. A minha preocupação é que o futebol das noites de segunda-feira não seja suficiente para o caçador moderno, vestido de macacão, jeans ou um temo de três peças. Penso naquele antigo legado de não expressar os nossos sentimentos, de manter uma distância emocional daqueles que matamos, e isso tira do jogo parte da diversão. Os caçadores-coletores em geral não representavam perigo para si mesmos, por vários motivos: suas economias tendiam a ser saudáveis (muitos dispunham de mais tempo livre do que nós); tinham poucas posses por serem nômades, assim, quase não havia roubo e experimentavam muito pouca inveja; a ganância e a arrogância eram consideradas não só mães sociais, mas também quase doenças mentais; as mulheres tinham um poder político reatendiam a ser uma influência estabilizadora e moderadora, antes que os meninos começassem a se ocupar das flechas envenenadas; e, se crimes sérios fossem cometidos – vamos dizer, assassinato -, o bando, coletivamente, julgava e punia o criminoso. Muitos caçadores-coletores organizaram democracias igualitárias. Não tinham chefes. Não havia hierarquia política ou corporativa que sonhassem galgar. Não havia ninguém contra quem se revoltar. Assim, se estamos a algumas centenas de séculos do período em que gostaríamos de estar - se (por nenhuma falha nossa) nos descobrimos numa era de poluição ambiental, hierarquia social, desigualdade econômica, armas nucleares e perspectivas em declínio, com emoções do Plistoceno, mas sem as salvaguardas sociais do Plistoceno -, talvez possamos ser desculpados por um pouco de futebol nas noites de segunda-feira. representação eletrônica do dó central não seja emocionalmente igual ao que uma pessoa experiência ouvindo, mas até isso pode ser uma questão de experiência. Mesmo deixando de lado gênios como Beethoven, é possível ser surdo como uma porta e perceber a música. Essa é também a solução para o velho enigma de saber se um som é produzido, quando uma árvore cai na floresta e não há ninguém para escutar. É claro que, se definirmos o som em termos de alguém que o escuta por definição não há som. Mas essa é uma definição excessivamente antropocêntrica. É evidente que se a árvore cai ela forma ondas sonoras que logo podem ser detectadas vamos dizer por um gravador de CD. e quando se toca o CD. o som seria reconhecivelmente o de uma árvore caindo na floresta. Não há mistério nisso. Mas o ouvido humano não é um detector perfeito de ondas sonoras. Há freqüências (menos de vinte ondas a cada segundo) que são baixas demais para serem percebidas por nós, embora as baleias se comuniquem facilmente nesses tons baixos. Da mesma forma há freqüências (mais de 20 mil ondas a cada segundo) demasiado elevadas para os ouvidos humanos detectarem, embora os cães não tenham dificuldade (e respondam, quando chamados nessas freqüências por um apito). Existem campos sonoros - vamos dizer, 1 milhão de ondas por segundo - que são, e sempre serão, desconhecidos para a percepção humana direta. Os nossos órgãos dos sentidos, por mais maravilhosamente adaptados que sejam, têm limitações físicas fundamentais. É natural que nos comuniquemos pelo som. É o que certamente faziam os nossos parentes primatas. Somos gregários e mutuamente interdependentes - há uma necessidade real por trás de nossos talentos de comunicação. Assim, como os nossos cérebros cresceram num ritmo sem precedentes nos últimos milhões de anos, e como regiões especializadas do córtex cerebral a cargo da linguagem evoluíram, o nosso vocabulário proliferou. Sempre havia mais elementos que podíamos traduzir em sons. Quando éramos caçadores-coletores, a linguagem se tomou essencial para planejar as atividades do dia, ensinar as crianças, fortalecer as amizades, alertar os outros sobre perigos e sentar-se ao redor da fogueira depois do jantar para olhar as estrelas e contar histórias. Por fim, inventamos a escrita fonética para que pudéssemos colocar os nossos sons no papel e, com um rápido olhar pela página, escutar alguém falando em nossas cabeças - uma invenção que se tomou tão difundida nos últimos milhares de anos que quase nunca paramos para considerar o quanto é espantosa. O discurso não é realmente comunicado de forma instantânea. Quando produzimos um som, estamos criando ondas que viajam no ar à velocidade do som. Para fins práticos, esse processo é quase instantâneo. Mas o problema é que o grito de um ser humano vai apenas até uma certa distância. E muito raro que uma pessoa consiga manter uma conversa coerente com alguém que se encontre mesmo a cem metros de distância. Até épocas relativamente recentes, as densidades da população humana eram muito baixas. Não havia razão para se comunicar com alguém a mais de cem metros de distância. Quase ninguém – exceto membros de nosso grupo familiar itinerante - chegava bastante perto para se comunicar conosco. Nas raras ocasiões em que alguém se aproximava, éramos geralmente hostis. O etnocentrismo - a ideia de que nosso pequeno grupo, seja qual for, é melhor do que todos os 44 outros - e a xenofobia - o medo de estranhos na base de "atire primeiro. pergunte depois" estão profundamente incorporados em nossos seres. Não são de modo algum peculiarmente humanos. Todos os nossos primos macacos e chimpanzés se comportam de forma semelhante, bem como muitos outros mamíferos. Essas atitudes são pelo menos favorecidas e incitadas pelas curtas distâncias em que é possível a fala. Se ficamos isolados por longos períodos daqueles outros sujeitos, nós e eles progredimos lentamente em direções diferentes. Por exemplo, os seus guerreiros começam a usar peles de jaguatirica em vez de cocares de penas de águia - que todo o mundo ao nosso redor sabe que são elegantes, apropriados e sensatos. A sua linguagem acaba se tomando diferente da nossa, seus deuses têm nomes estranhos e exigem cerimónias e sacrifícios bizarros. O isolamento gera a diversidade, e o nosso pequeno número e o alcance limitado de comunicação garantem o isolamento. A família humana - que se originou numa pequena localidade no leste da África há alguns milhões de anos errou pela Terra, se separou, se diversificou e se tomou estranha entre si. A inversão dessa tendência - o movimento em direção ao reconhecimento e reunificação das tribos perdidas da família humana, a uni ao da espécie - só tem ocorrido em tempos bastante recentes e apenas por causa dos progressos tecnológicos. A domesticação do cavalo nos permitiu enviar mensagens (e nossas próprias pessoas) a lugares que se encontram a centenas de milhas de distância em poucos dias. Os progressos na tecnologia do barco a vela possibilitaram viagens aos pontos mais distantes do planeta - mas eram lentas. No século XVIII uma viagem da Europa à China levava quase dois anos. A essa altura, as comunidades humanas extensas podiam enviar embaixadores às cortes umas das outras e permutar produtos de importância econômica. Entretanto para a grande maioria dos chineses do século xvm. os europeus não poderiam ser mais exóticos, se vivessem na Lua, e vice-versa. A verdadeira união e desprovincianização do planeta requer uma tecnologia que estabeleça comunicações mais rápidas que as do cavalo e barco a vela, que transmita informações por todo o mundo e seja bastante barata para poder estar à disposição, pelo menos ocasionalmente, do indivíduo médio. Essa tecnologia começou com a invenção do telégrafo e a instalação de cabos submarinos; foi muito expandida pela invenção do telefone que usa os mesmos cabos: e depois proliferou enormemente com a criação do rádio da televisão e da tecnologia de comunicação via satélite. Hoje em dia nós nos comunicamos - rotineira, casualmente, sem nem pensar duas vezes - à velocidade da luz. Da velocidade do cavalo e barco a vela para a velocidade da luz é um melhoramento multiplicado por um fator de quase 100 milhões. Por razões fundamentais no âmago do funcionamento do mundo codificado na teoria especial da relatividade de Einstein, sabemos que não há como enviar informações a uma velocidade mais rápida que a da luz. Em um século, alcançamos o limite de velocidade máximo. A tecnologia é tão poderosa, suas implicações tão importantes, que evidentemente nossas sociedades não acompanharam o progresso. Ao fazermos uma ligação internacional sentimos aquele breve intervalo entre o momento em que acabamos de fazer uma pergunta e o momento em que a pessoa com quem falamos começa a responder. Essa demora é o tempo que leva para que o som produzido pela nossa voz entre no telefone, corra eletricamente ao longo dos fios, atinja uma estação de transmissão, seja emitido por microondas para um satélite de comunicações em órbita geossincrônica, seja emitido de volta para uma estação receptora de sinais de satélites, corra ao longo dos fios mais uma vez, agite um diafragma num fone de mão (existente, talvez. na metade do mundo) crie ondas sonoras num omprimento muito curto de ar, entre no ouvido de alguém, leve uma mensagem eletroquímica do ouvido ao cérebro e seja compreendido. O tempo da viagem de ida e volta da luz entre a Terra e uma altitude geossincrônica é um quarto de segundo. Quanto mais distantes estiverem o transmissor e o receptor, mais tempo leva. Em conversas com os astronautas da Apollo sobre a Lua, a demora entre a pergunta e a resposta era maior. Isso porque o tempo da viagem de ida e volta da luz (ou rádio) entre a Terra e a Lua é 2.6 segundos. Receber uma mensagem de uma nave espacial siuada em posição favoravel na órbita marciana leva vinte minutos. Em agosto de recebemos fotografias tiradas pela nave espacial Vyager 2. de Netuno. suas luas e anéis dados que nos foram enviados das fronteiras planetárias do sistema solar levando cinco horas para chegar até nós à velocidade da luz. Foi um dos mais demorados telefonemas de longa distância já feitos pela espécie humana. 46 Em muitos contextos a luz se comporta como uma onda. Por exemplo, imaginem a uz que passa por duas fendas paralelas num quarto escurecido. Que imagem ela projeta numa tela atrás das fendas? Resposta: a imagem das fendas - mais exatamente, uma série de imagens paralelas brilhantes e escuras das fendas - um "padrão de interferência". Em vez de se deslocar como um projétil em linha reta, as ondas se espalham a partir das duas fendas em vários ângulos. Onde crista incide sobre crista, temos uma imagem brilhante da tenda: interferência "construtiva"; e onde crista incide sobre depressão, temos a escuridão: interferência "destrutiva". Esse é o comportamento característico de uma onda. Você pode observar que a mesma coisa acontece com as ondas de água e dois buracos vêm do espaço, atravessando um caminho muito mais longo pela atmosfera da Terra seriam inteiramente absorvidos antes que chegassem ao chão. Aqui na Terra, é muito escuro em raios gama - exceto ao redor de objetos como armas nucleares. Se quisermos ver os raios gama que vêm do centro da galáxia, devemos levar nossos instrumentos para o espaço. Pode-se dizer algo semelhante dos raios X, da luz ultravioleta e da maioria das frequências infravermelhas. COMPRIMENTO DE ONDA (EM CENTÍMETROS) IO- IO-9 10- IO-7 IO-6 IO-5 IO-4IO-3 ||K)-' 10100100010000100000 RAIO GAMA i: RAIO X ULTRAVIOLETA RADIO IO20 IO9 10" IO7 IO6 FREQUÊNCIA (NÚMERO DE ONDAS POR SEGUNDO) 10" 10" 10 Por outro lado, a maioria dos materiais absorve pouco a luz visível. Por exemplo, o ar é geralmente transparente à luz visível. Assim, uma das razões para vermos à luz de frequências visíveis é que esse é o tipo de luz que passa pela nossa atmosfera até o ponto em que nos encontramos. Olhos de raios gama teriam emprego limitado numa atmosfera que toma tudo negro como breu no espectro dos raios gama. A seleção natural é sábia. A outra razão para vermos à luz visível é que o Sol produz a maior parte de sua energia nessa frequência. Uma estrela muito quente emite grande parte de sua luz na frequência ultravioleta. Uma estrela muito fria emite principalmente na frequência infravermelha. Mas o Sol, sob alguns aspectos uma estrela média, emite a maior parte de sua energia na luz visível. Na realidade, com uma precisão extraordinariamente alta, o olho humano é mais sensível à freqüência exata da parte amarela do espectro, na qual o Sol é mais brilhante. Os seres de algum outro planeta veriam sobretudo em frequências muito diferentes? Não me parece nem um pouco provável. Virtualmente todos os gases abundantes no cosmos tendem a ser transparentes à luz visível e opacos nas freqüências próximas. À exceção das estrelas muito frias todas emitem grande parte se não a maior parte de sua energia nas freqüências visíveis. Parecserá apenas uma coincidência que a transparência da matéria e a luminosidade das estrelas prefiram a mesma faixa estreita de frequências. Essa coincidência não se aplica apenas ao nosso sistema solar mas a todo o universo. Deriva das leis fundamentais da radiação mecânica quântica e física nuclear. Poderia haver exceções 50 ocasionais mas acho que os seres de outros mundos, se existirem, enxergarão provavelmente mais ou menos nas mesmas frequências que nós.* A vegetação absorve a luz vermelha e azul, reflete a luz verde e por isso nos parece verde. Poderíamos traçar um quadro da quantidade de luz refletida em cores diferentes. Algo que absorve a luz azul e reflete a vermelha nos parece vermelho; algo que absorve a luz vermelha e reflete a azul nos parece azul. Vemos um objeto como branco, quando ele reflete a luz de forma mais ou menos igual nas cores diferentes. Mas isso também vale para os materiais cinza e pretos. A diferença entre o preto e o branco não é uma questão de cor, mas de quanta luz eles refletem. Os termos são relativos, e não absolutos. Talvez o material natural mais brilhante seja a neve recém-caída. Mas ela reflete apenas cerca de 75% da luz do Sol que a atinge. O material mais escuro com que comumente temos contato - vamos dizer, o veudo preto - reflete apenas uma pequena porcentagem da luz que o atinge. "Tão diferentes quanto preto e branco" é um erro conceitual: preto e branco são fundamentalmente a mesma coisa; a diferença está apenas nas quantidades relativas de luz refletida. E não na sua cor. Entre os humanos, a maioria dos "brancos" não são tão brancos como a neve recém-caída (nem mesmo como uma geladeira branca): a (*) Ainda me preocupo com a possibilidade de essa afirmação abrigar algum tipo de chauvinismo da luz visível: seres como nós que só vêem à luz visível deduzem que todos no uni verso devem ver à luz visível. Sabendo o quanto nossa história é pródiga em chauvinismos não posso deixar de suspeitar da minha conclusão. Mas pelo que posso observar ela é tirada da lei física e não da vaidade humana. Maioria dos "negros" não são tão negros como o veludo preto. Os termos são relativos, vagos, desorientadores. A fração de luz incidente que a pele humana reflete (a reflexividade) varia muito de indivíduo para indivíduo. A pigmentação da pele é produzida principalmente por uma molécula orgânica chamada melanina, que o corpo produz da tirosina, um aminoácido comum nas proteínas. Os albinos sofrem de uma doença hereditária que impede a produção de melanina. Sua pele e seus cabelos são brancos como leite. As íris de seus olhos são cor-de-rosa. Os animais albinos são raros na natureza, porque suas peles fomecem pouca proteção contra a radiação solar e porque eles ficam sem camuflagem protetora. Os albinos tendem a morrer cedo. Nos Estados Unidos, quase todo o mundo é moreno. Nossa pele reflete um pouco mais de luz em direção à ponta vermelha do espectro da luz visível do que em direção à azul. Não tem mais sentido descrever indivíduos com elevado teor de melanina como "negros" do que descrever indivíduos com baixo teor de melanina como "brancos". Só nas freqüências visíveis e nas imediatamente adjacentes é que se tomam manifestas diferenças significativas na reflexividade da pele. Os povos vindos do norte da Europa e os povos provenientes da África central são igualmente negros na ultravioleta e na infravermelha, quando quase todas as moléculas orgânicas, e não apenas a melanina, absorvem a luz. Só na luz visível, quando muitas moléculas são transparentes, é que a anomalia da pele branca se toma até possível. Na maior parte do espectro, todos os humanos são negros.* A luz do Sol é composta de uma mistura de ondas com freqüências correspondentes a todas as cores do arco-íris. Há um pouco mais de luz amarela do que vermelha ou azul, o que é em parte a razão de o Sol parecer amarelo. Todas essas cores incidem, digamos, sobre a pétala de uma rosa. Então por que a rosa parece vermelha? Porque todas as cores que não sejam vermelho são preferencialmente absorvidas dentro da pétala. Uma mistura de ondas de luz atinge a rosa. As ondas são ricocheteadas de forma confusa abaixo da superfície da pétala. Assim como acontece com uma onda na banheira, depois de cada ricochete a onda fica mais fraca. Mas, em cada reflexão, as ondas azuis e amarelas são mais absorvidas do que as vermelhas. O resultado líquido depois de muitos (*) E uma das razões pelas quais "afro-americano" ou palavras compostas equivalentes em outros pases) é um termo descritivo mais apropriado do que "preto" ou - a mesma palavra em espanhol |e português) - "negro". Ricochetes interiores é o fato de ser refletida mais luz vermelha do que a uz de qualquer outra or, e por essa razão é que percebemos a beleza de uma rosa vermelha. Nas flores azuis e violetas, acontece exatamente a mesma coisa, só que agora as luzes vermelha e amarela são preferencialmente absorvidas depois de múltiplos ricochetes interiores, e as luzes azul e violeta são preferencialmente refletidas. Há um pigmento orgânico específico responsável pela absorção da luz em flores como rosas e violetas - flores tão extraordinariamente coloridas que têm o nome de seus matizes. É chamado antociano. De forma visível, um antociano típico é vermelho quando colocado em ácido, azul em álcali, e violeta em água. Assim, as rosas são vermelhas porque contêm antociano e são levemente acidíferas; as violetas são azuis porque contêm antociano e são levemente alcalinas. (Tenho tentado falar sobre esses fenômenos em versos de pé-quebrado, mas sem sucesso.) É difícil encontrar pigmentos azuis na natureza. A raridade de rochas azuis ou areias azuis na Terra e em outros mundos é uma ilustração desse fato. Os pigmentos azuis têm de ser bastante complicados; os antocianos são compostos de aproximadamente vinte átomos, cada um mais pesado que o hidrogênio, arranjados numa estrutura específica. Os seres vivos foram inventivos no uso que fizeram da cor - para absorver a luz do Sol e, por meio da fotossíntese, produzir alimentos do ar e da água; para lembrar às mães pássaros onde ficam as goelas de seus filhotes; para despertar o interesse de um parceiro; para atrair um inseto polinizador: para se camuflar e se disfarçar; e pelo menos entre os humanos, pelo prazer da beleza. Mas tudo isso só foi possível graças à física das estrelas, à química do ar e ao mecanismo elegante do processo evolucionário, que nos levou a uma harmonia tão magnífica com nosso ambiente físico. E quando estudamos outros mundos e examinamos a composição química de suas atmosferas ou superfícies - quando lutamos para compreender e exploração do espaço em todo o mundo - uma triste possibilidade que não é de modo algum impensável -, eis quatro questões* muito promissoras: 1. JÁ HOUVE VIDA EM MARTE? O planeta Marte é hoje um deserto congelado inteiramente seco. Mas em todo o planeta existem, claramente preservados, antigos vales de rios. Há também sinais de antigos lagos e até, quem sabe, de oceanos. Pela quantidade de crateras no terreno, podemos estimar aproximadamente a época em que Marte era mais quente e mais úmido. (O método tem sido calibrado pela formação de crateras em nossa Lua e pela datação radioativa das meias-vidas de elementos em amostras lunares recolhidas pêlos astronautas da Apollo.) A resposta é cerca de 4 bilhões de anos atrás. Mas 4 bilhões de anos atrás é justamente a época em que a vida estava surgindo sobre a Terra. Será possível que havia dois planetas vizinhos com ambientes muito semelhantes, e que a vida surgiu num deles, mas não no outro? Ou será que a vida nasceu no (*) Uni a quinta questão é descrita no captulo seguinte. Marte primitivo só para ser eliminada quando o clima misteriosamente mudou? Ou talvez haja oásis ou refúgios, quem sabe embaixo da superfície onde algumas formas de vida subsistem até os nossos dias. Assim, Marte nos propõe dois enigmas importantes - a possível existência de vida passada ou presente e a razão de um planeta semelhante à Terra ter se fechado numa era glacial permanente. Essa última questão pode ter interesse prático para nós, uma espécie que está diligentemente agredindo seu próprio meio ambiente com muito pouca compreensão das consequências. Quando a Vikin pousou em Marte em 1976, cheirou a atmosfera e descobriu muitos dos mesmos gases que existem na atmosfera da Terra - dióxido de carbono, por exemplo - e uma escassez de gases também prevalecente na atmosfera da Terra - ozônio, por exemplo. Além do mais, a variedade particular das moléculas, sua composição isotópica, foi determinada, sendo em muitos casos diferente da composição isotópica das moléculas comparáveis na Terra. Tínhamos descoberto a marca característica da atmosfera marciana. Ocorreu então um fato curioso. Meteoritos - rochas do espaço – tinham sido encontrados na camada de gelo daAntártida, pousados em cima da neve congelada. Alguns já haviam sido descobertos na época da Viking, outros foram descobertos mais tarde; todos tinham caído na Terra antes da missão Viking, muitas vezes dezenas de milhares de anos antes. Na limpa camada de gelo antártica, não foi difícil discemi-los. A maioria dos meteoritos assim coletados foi levada para o que nos dias da Apolo fora o Laboratório Receptor Lunar, em Houston. Mas os fundos de financiamento são muito escassos na NASA nos dias de hoje, e durante anos não se fez nem mesmo um exame preliminar em todos esses meteoritos. Alguns mostraram ser da Lua - um meteorito ou cometa causa impacto na Lua, espalhando rochas lunares pelo espaço uma ou algumas das quais pousaram na Antártida. Um ou dóis dsses meteoritos provêm de Vénus. E espantosamente, alguns deles a julgar pela marca atmosférica marciana oculta em seus minerais. provêm de Marte. Em 1995-6. cientistas do Centro de Vôo Espacial Johnson da NASA finalmente conseguiram examinar um dos meteoritos - AI-H84001 -. que mostrou ser de Marte. Não parecia de algum extraordinário. assemelhando-se a uma batata amarronzada. Quando a microquímica foi examinada descobriram-se certas espécies de moléculas orgânicas. 58 sobretudo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHS). Em si. eles não são assim tão excepcionais. Estruturalmente, parecem os padrões hexagonais dos pisos de banheiro, com um átomo de carbono em cada vértice. Os PAHS são encontrados em meteoritos comuns, em grãos interestrelares. e há suspeitas de que existam em Júpiter e Titã. Absolutamente não indicam vida. Mas os PAHS estavam arranjados de tal modo que havia maior quantidade deles nas partes mais profundas do meteorito antártico, sugerindo que não era contaminação de rochas terrestres (nem de gases de automóveis), mas algo intrínseco ao meteorito. Ainda assim, os PAHS em meteoritos não contaminados não indicam vida. Outros minerais também associados com a vida na Terra foram igualmente encontrados. Mas o resultado mais provocador foi a descoberta do que alguns cientistas estão chamando de nanofósseis minúsculas esferas ligadas entre si, como coónias de bactérias muito pequenas sobre a Terra. Mas podemos ter certeza de que não existem minerais terrestres ou marcianos que tenham forma semelhante?A evidência é adequada? Há anos venho frisando, em relação aos UFOS, que afirmações extraordinárias requerem evidência extraordinária. A evidência de vida em Marte ainda não é bastante excepcional. Mas é um primeiro passo. Que nos aponta outras partes desse meteorito marciano específico. Que nos guia para outros meteoritos marcianos. Que sugere a busca de meteoritos bem diferentes no campo de gelo da Antártida. Que nos indica que não deveríamos buscar apenas outras rochas profundamente enterradas, obtidas de ou sobre Marte, mas rochas bem pouco profundas. Que nos impõe uma reconsideração dos resultados enigmáticos dos experimentos biológicos na Viking, alguns dos quais foram interpretados por certos cientistas como sinais da presença de vida. Que sugere o envio de missões espaciais para locais especiais em Marte, que podem ter sido os últimos a perder o calor e a umidade. Que abre todo o campo da exobiologia marciana. E se tivermos a sorte de encontrar até mesmo um simples micróbio em Marte teremos a maravilhosa circunstância de dois planetas vizinhos, ambos com vida na mesma época primitiva. É verdade, talvez a vida tenha sido transportada de um mundo para o outro por impacto de meteoritos e não tenha tido origem independente em cada um deles. Deveríamos ser capazes de verificar essa hipótese, examinando a química orgânica e a morfologia das formas de vida descobertas. Talvez a vida tenha surgido apenas num desses mundos, evoluindo separadamente em ambos. Teríamos então um exemplo de vários bilhões de anos de evolução independente, um tesouro biológico que de outra maneira seria inatingível. E se tivermos ainda mais sorte, vamos descobrir formas de vida realmente independentes. Os ácidos nucléicos são a base de seu código genético? As proteínas são a base de sua catálise enzimática? Que código genético usam? Sejam quais forem as respostas para essas perguntas, quem ganha é toda a ciência da biologia. E seja qual for o resultado, a implicação é que a vida pode ser muito mais difundida do que a maioria dos cientistas imaginara. Na próxima década, muitas nações têm planos vigorosos de enviar a Marte naves robótica que orbitem ao redor do planeta e pousem na sua superfície, levando veículos exploradores e penetradores do subsolo, com o objetivo de estabelecer os fundamentos necessários para responder a essas perguntas; e - talvez - em 2005 parta uma missão robótica para trazer de volta para a Terra amostras do solo e do subsolo de Marte. 2.TITÃ É UM LABORATÓRIO PARA A ORIGEM DA VIDA ? Titã é a grande lua de Saturno, um mundo extraordinário com uma atmosfera dez vezes mais densa que a da Terra e composta principalmente de nitrogénio (como aqui) e metano (CHJ. As duas naves espaciais norte-americanas Voyger detectaram um certo número de moléculas orgânicas simples na atmosfera de Titã compostos químicos com estrutura baseada em átomos de carbono que estão ligados à origem da vida sobre aTerra. Essa lua é circundada por uma camada opaca de névoa avermelhada, que tem propriedades idênticas às de um sólido vermelho-marrom fabricado em laboratório, quando se aplica energia a uma atmosfera simulada de Titã. Quando analisamos do que é feito esse material, descobrimos muitos dos tijolos essenciais da vida na Terra. Como Titã está muito longe do Sol, qualquer água ali deve ser congelada - assim é de se pensar que na melhor das hipótess a lua é um equivalente incompleto da Terra na época da origem da vida. Entretanto, impactos ocasionais de cometas são capazes de derreter a superfície e parece que boa parte de Titã esteve debaixo da água durant um milênio mais ou menos, na sua história de 4,5 bilhes de anos. No ano 2004, a nave espacial da NASA Cassini vai chegar ao sistema de Satumo: uma sonda de entrada que é difícil imaginar vida ali - mesmo uma vida muito diferente da nossa. Alguns cientistas, entre os quais me incluo, tentaram, só de brincadeira, imaginar uma ecologia que pudesse evoluir na atmosfera de um planeta como Júpiter, algo parecido com os micróbios e os peixes nos oceanos da Terra. A origem da vida seria difícil num ambiente desses mas agora sabemos que impactos de asteróides e cometas transferem material da superfície de um mundo para outro, sendo até possível que impactos na história primeva da Terra tenham transferido vida primitiva de nosso planeta para Júpiter. No entanto, isso é mera especulação. Júpiter está a cinco unidades astronômicas do Sol. Uma unidade astronômica (abreviada como UA) é a distância entre a Terra e o Sol, cerca de 93 milhões de milhas, ou 150 milhões de quilômetros. Se não fosse pelo calor interior e pelo efeito estufa na imensa atmosfera de Júpiter, as temperaturas no planeta estariam a cerca de 160° abaixo de zero Celsius. Essa é aproximadamente a temperatura na superfície das luas de Júpiter muito frias para abrigarem vida. Júpiter e a maioria dos outros planetas em nosso sistema solar giram em tomo do Sol no mesmo plano, como se estivessem confinados em sulcos separados de um disco fonográfico ou compacto. Por que deve ser assim? Porque os planos das órbitas não são inclinados em todos os ângulos? Isaac Newton, o gênio matemático que foi o primeiro a compreender como a gravidade cria o movimento dos planetas, ficou perplexo com a ausência de inclinações nos planos das órbitas dos planetas, e deduziu que, no início do sistema solar Deus devia ter posto todos os planetas a funcionar no mesmo plano. Mas o matemático Pierre Simon, o marquês de Laplace, e mais tarde o famoso filósofo Immanuel Kant, descobriram como isso teria acontecido sem recorrer à intervenção divina. unicamente eles se basearam nas próprias leis da física que Newton tinha descoberto. Um breve resumo da hipótese Kant-Laplace é o seguinte: imaginem uma nuvem irregular de gás e poeira, em rotação lenta posicionada entre as estrelas. Há muitas dessas nuvens. Se a sua densidade é suficientemente elevada, a atração gravitacional mútua das várias partes da nuvem vai esmagar o movimento aleatório interno e começará a se contrair. Ao fazê-lo, ela vai girar mais rapidamente, como uma patinadora que ao dar uma pirueta encolhe os braços. O giro não retardará o colapso da nuvem ao longo do eixo de rotação, mas diminuirá a contração no plano de rotação. A nuvem, inicialmente irregular, se converte num disco chato. Assim, os planetas que se incorporam ou condensam a partir desse disco vão todos girar mais ou menos no mesmo plano. As leis da física são suficientes, sem intervenção sobrenatural. Mas predizer que essa nuvem em forma de disco existia antes de os planetas serem formados é uma história; confirmar a predição vendo realmente esses discos ao redor de outras estrelas é outra bem diferente. Quando outras galáxias espirais como a Via Láctea foram descobertas, Kant achou que esses eram os discos pré-planetários preditos, e que a "hipótese nebular" da origem dos planetas fora confirmada. (Nebula vem da palavra grega para "nuvem".) Mas essas formas espirais se revelaram galáxias distantes salpicadas de estrelas, e não campos vizinhos para o nascimento de estrelas e planetas. Os discos circunstrelares vieram a ser difíceis de encontrar. Foi só mais de um século depois, usando equipamento que incluía observatórios em órbita, que a hipótese nebular foi confirmada. Quando examinamos jovens estrelas semelhantes ao Sol, como o nosso Sol de 4 ou 5 bilhões de anos atrás, descobrimos que mais da metade estão rodeadas por discos chatos de poeira e gás. Em muitos casos, as partes próximas à estrela parecem estar esvaziadas de poeira e gás, como se planetas alija tivessem se formado, engolindo a matéria interplanetária. Não é evidência definitiva, mas sugere com bastante força que estrelas como a nossa são freqüentemente, se não invariavelmente, acompanhadas de planetas. Essas descobertas expandem o provável número de planetas na galáxia da Via Láctea até pelo menos bilhões. Mas e quanto a detectar realmente outros planetas? Certo, as estrelas estão muito distantes - a mais próxima está quase a 1 milhão de UA -, e à luz visível elas brilham apenas como reflexo. Mas a nossa tecnologia está se aperfeiçoando a passos largos. Não seríamos capazes de detectar pelo menos grandes primos de Júpiter ao redor das estrelas vizinhas, talvez na luz infravermelha, se não na luz visível? Nos últimos anos, inauguramos uma nova era na história humana em que somos capazes de detectar os planetas de outras estrelas. O primeiro sistema planetário confiavelmente descoberto acompanha uma estrela muito improvável: a B 1257 + 12éumaestreladenêutronsem rápida rotação, os restos de uma estrela, outrora maior que o Sol, que explodiu numa colossal explosão de supernova. O campo magnético dessa estrela de nêutrons capta os elétrons, forçando-os a se mover por tais caminhos que como um farol, eles emitem um raio de rádio pelo espaço interestrelar. Por acaso, o raio intercepta a Terra a cada 0,0062185319388187 segundo. É por isso que a B 1257 + 12 é chamada de pulsar. A constância de seu período de rotação é espantosa. Graças à alta precisão das medições, Alex Woisczan, atualmente em Penn State University, foi capaz de descobrir "glitches mudanças repentinas no período de rotação de uma estrela de nêutrons) - irregularidades nas últimas casas decimais. O que as causa? Abalos estelares ou outros fenômenos na própria estrela de nêutrons? Ao longo dos anos, essas irregularidades têm variado exatamente como seria de esperar, se houvesse planetas girando em tomo da B 1257 +12, puxando de leve, primeiro para um lado e depois para o outro. A concordância quantitativa é tão exata que a conclusão é imperiosa: Woisczan descobriu os primeiros planetas conhecidos que não giram ao redor do Sol. Além do mais, eles não são planetas grandes do tamanho de Júpiter. Dois deles são provavelmente apenas um pouco maiores que a Terra, e suas órbitas ao redor da estrela estão a distâncias que não são muito diferentes da distância entre a Terra e o Sol, 1 UA. Seria de esperar que exista vida nesses planetas? Infelizmente, sai da estrela de nêutrons uma rajada de partículas carregadas colidindo entre si, o que vai aumentar a temperatura de seus planetas semelhantes à Terra muito acima do ponto de ebulição da água. A 1300 anos-luz de distância, não vamos viajar para esse sistema em breve. É um mistério atual saber se esses planetas sobreviveram à explosão da supernova que formou o pulsar, ou se foram formados com os escombros da explosão da supernova. Pouco depois do achado de Woisczan, que marcou época, vários outros objetos de massa planetária foram descobertos (principalmente por Geoff Marcy e Paul Butier, da Universidade do Estado de San Francisco) girando em tomo de outras estrelas - nesse caso, estrelas comuns como o nosso Sol. A técnica usada foi diferente e muito mais difícil de ser aplicada. Esses planetas foram descobertos por telescópios ópticos convencionais que monitoravam as mudanças periódicas nos espectros de estrelas vizinhas. As vezes uma estrela pode estar se movendo por algum tempo em direção a nós, e depois afastando-se de nós, conforme determinado pelas mudanças no comprimento de onda de suas linhas espectrais, o Efeito Doppier- semelhante às mudanças na freqüência da buzina de um carro, quando ele se aproxima ou se afasta de nós. Algum corpo invisível está puxando a estrela. Mais uma vez, um mundo não visto é descoberto por uma concordância quantitativa - entre os leves movimentos periódicos que se observam na estrela e o que seria de esperar se a estrela tivesse um planeta próximo. Os planetas responsáveis giram em tomo das estrelas 51 Pegasi, 70 Virginis e 47 Ursa Majoris, respectivamente nas constelações Pégaso, Virgem e Ursa Maior. Em 1996, outros planetas foram também descobertos girando em tomo da estrela 55 Cancri na constelação de Câncer, o Caranguejo: Tau Bootis e Upsilon Andromeda. Tanto a 47 Ursa Majoris como a 70 Virginis podem ser vistas a olho nu no céu noturno da primavera. Elas estão muito próximas em termos de estrelas. As massas desses planetas parecem estar na faixa de um pouco menores que Júpiter ou várias vezes maiores que Júpiter. O que é muito surpreendente a seu respeito é o fato de estarem muito perto da sua estrela, uma distância de 0,05 UA, para a 51 Pegasi, e pouco mais que 2 UAS, para Ursa Majoris. Esses sistemas também podem conter planetas menores semelhantes à Terra, ainda não descobertos, mas o seu traçado não é igual ao nosso. Em nosso sistema solar, temos os pequenos planetas semelhantes à Terra na parte interna e os grandes planetas semelhantes a Júpiter na parte externa. Para essas quatro estrelas, os planetas com a massa de Júpiter parecem estar na parte interna. Como isso é Evidentemente, os animais rosa eram camarões de uma variedade apropriadamente despretensiosa. Eles logo atraíam a atenção, porque estavam muito ocupados. Alguns tinham pousado nos ramos e estavam caminhando sobre dez patas e abanando muitos outros apêndices. Um deles estava dedicando toda a sua atenção, além de um considerável número de patas, ao ato de comer um lamento de planta. Entre os ramos, cobertos de algas assim como as árvores na Geórgia e no norte da Flórida se cobrem de barbas-de-pau, podia-se ver outro camarão movendo-se como se tivesse um compromisso urgente em algum outro lugar. Às vezes eles mudavam de cor, ao passarem nadando de um ambiente para outro. Um era pálido, quase transparente; outro laranja, com um constrangido rubor vermelho. Sob alguns aspectos, é claro, eram muito diferentes de nós. Tinham seus esqueletos de fora, respiravam água, e uma espécie de ânus estava desconcertadoramente localizado perto de suas bocas. (Mas eram exigentes no que dizia respeito à aparência e limpeza, possuindo um par de patas especializadas com cerdas semelhantes a escovas. De vez em quando, um camarão dava em si mesmo uma boa esfregadela.) Mas, sob outros aspectos, eles eram como nós. Era difícil não perceber. Tinham cérebros, corações, sangue e olhos. Aquela agitação de apêndices natatórios impulsionando-os pela água traía o que parecia ser um evidente sinal de propósito. Quando chegavam ao seu destino, atiravam-se aos filamentos de alga com a precisão, delicadeza e diligência de um gourmet aficionado. Dois deles, mais aventureiros que o resto, erravam pelo oceano desse mundo, nadando bem acima das algas, explorando languidamente o seu domínio. Depois de algum tempo, começamos a poder distinguir os indivíduos. Um camarão está na muda, abandonando seu velho esqueleto para criar espaço para o novo. Mais tarde, podemos ver o que restou - a casca transparente, como uma mortalha, pendendo rigidamente de um ramo, seu antigo ocupante cuidando de seus afazeres com uma nova carapaça luzidia. Eis um ao qual está faltando uma pata. Teria havido um furioso combate pata a pata. talvez por causa do afeto de uma devastadora beldade casadoura? De certos ângulos, o topo da água é um espelho, e um camarão vê o seu próprio reflexo. Será que consegue se reconhecer? Mais provavelmente, apenas vê o reflexo como mais um camarão. De outros ângulos. a espessura do vidro curvo os amplifica, e então posso ver como eles realmente são. Observo, por exemplo, que têm bigodes. Dois deles correm para o topo da água e, incapazes de romper a tensão da superfície, batem no menisco. Depois, aprumados – um pouco espantados, imagino -, afundam suavemente para o fundo da esfera. Suas patas estão cruzadas de modo casual, pelo menos é o que quase parece, como se a façanha fosse rotina, nada digno de contar na carta para a família. Eles são senhores de si. Se consigo ver claramente um camarão pelo cristal curvo, imagino que ele deve ser capaz de me ver, ou pelo menos o meu olho - um grande disco preto avultando, com uma coroa marrom e verde. Na verdade, às vezes, quando estou observando um que mexe agitadamente nas algas, ele parece se enrijecer e olhar para mim. Temos feito contato ocular. Eu me pergunto o que ele acha que vê. Depois de um ou dois dias de preocupações com o trabalho, acordo, dou uma olhada no mundo de cristal... Todos parecem ter desaparecido. Eu me censuro. Não preciso alimentá-los, dar-lhes vitaminas, mudar a sua água, nem levá-los ao veterinário. Tudo o que tenho de fazer é cuidar para que não fiquem muito na luz, nem muito tempo no escuro, e que estejam sempre a temperaturas entre 40° e 85° F. (Acima dessas temperaturas, acho que eles viram sopa, deixando de ser um ecossistema.) Por falta de atenção, eu os teria matado? Mas então vejo um deles colocando a antena para fora atrás de um ramo, e compreendo que eles ainda estão com boa saúde. São apenas camarões, porém depois de algum tempo começamos a nos preocupar com eles, a torcer por eles. Se ficamos a cargo de um pequeno mundo como esse, e conscienciosamente nos preocupamos com a sua temperatura e níveis de luz, então - fosse qual fosse a nossa intenção no início - acabamos por nos importar com aqueles que estão lá dentro. No entanto, se estiverem doentes ou morrendo, não podemos fazer muita coisa para salvá-los. De certo modo, somos mais poderosos que eles, mas eles fazem coisas - como respirar água - que não fazemos. Somos limitados, poderosamente limitados. Até nos perguntamos se não é cruel colocá-los nessa prisão de cristal. Mas nos tranqüilizamos com o pensamento de que pelo menos ali eles estão a salvo das baleias com barbatanas na boca, dos vazamentos de óleo e do molho de coquetel. As fantasmagóricas cascas mortalhas e o raro corpo morto de um camarão não permanecem por muito tempo. São comidos, em parte pêlos outros camarões, em parte pêlos microorganismos invisíveis que proliferam no oceano desse mundo. E assim nos lembramos de que essas criaturas não trabalham sozinhas. Elas precisam umas das outras. Elas cuidam umas das outras - de um modo que não sou capaz de fazê-lo. Os camarões tiram oxigênio da água e exalam dióxido de carbono. As algas tiram dióxido de carbono da água e exalam oxigênio. Eles respiram mutuamente os gases que são refugos dos outros. Seus refugos sólidos também passam pelas plantas, animais e microorganismos. Nesse pequeno Éden, os moradores têm um relacionamento extremamente íntimo. A existência dos camarões é muito mais tênue e precária que a de outros seres. As algas podem viver muito mais tempo sem os camarões do que os camarões podem viver sem as algas. Os camarões comem as algas, mas as algas se alimentam principalmente de luz. Por fim - até hoje não sei a razão -, os camarões começaram a morrer, um a um. Chegou o momento em que restava apenas um deles, mordiscando mal-humorado - assim parecia - um raminho de alga até morrer. Um pouco para minha surpresa, eu me peguei chorando a morte de todos eles. Acho que foi em parte porque eu chegara a conhecê-los um pouco. Mas em parte, eu sabia, foi porque eu temia um paralelismo entre o seu mundo e o nosso. Ao contrário de um aquário, esse pequeno mundo é um sistema ecológico fechado. A luz entra no mundo, mas ele não recebe nada mais nem alimento, nem água, nem substâncias nutritivas. Tudo deve ser reciclado. Exatamente como na Terra. Em nosso mundo maior, nós também - plantas, animais e microorganismos - vivemos uns dos outros, respiramos e comemos os refugos uns dos outros, dependemos uns dos outros. A vida em nosso mundo é também energizada pela luz. A luz do Sol, que passa pelo ar claro, é colhida pelas plantas e lhes dá força para combinar dióxido de carbono com água e assim formar carboidratos e outros materiais comestíveis, que por sua vez constituem a dieta principal dos animais. O nosso mundo grande é muito semelhante a esse mundo pequeno. E somos muito parecidos com os camarões. Mas há, pelo menos, uma diferença importante: ao contrário dos camarões, somos capazes de mudar o nosso meio ambiente. Podemos fazer conosco o que um dono descuidado daquela esfera de cristal pode fazer com os camarões. Se não cuidarmos, podemos aquecer o nosso planeta pelo efeito estufa atmosférico ou esfriá-lo e escurecê-lo com as conseqüências de uma guerra nuclear ou de um grande incêndio num campo petrolífero (ou 7 ignorar o perigo de um impacto causado por um asteróide ou um cometa). Com a chuva ácida, a diminuição da camada de ozônio, a poluição química, a radioatividade, a destruição das florestas tropicais, e uma dúzia de outros ataques ao meio ambiente, estamos puxando e esticando o nosso pequeno mundo em direções bem pouco compreendidas. A nossa civilização pretensamente avançada pode estar alterando o delicado equilíbrio ecológico que evoluiu com dificuldade ao longo do período de 4 bilhões de anos da vida sobre a Terra. Os crustáceos, como os camarões, são muito mais antigos que as pessoas, os primatas ou até os mamíferos. As algas remontam a 3 bilhões de anos atrás, muito antes dos animais, quase até a origem da vida sobre a Terra. Todos têm trabalhado juntos - plantas, animais, micróbios – por muito tempo. O arranjo de organismos na minha esfera de cristal é antigo, muito mais antigo que as instituições culturais que conhecemos. A tendência a cooperar tem sido dolorosamente extraída por meio do processo evolucionário. Aqueles organismos que não cooperaram, que não trabalharam uns com os Não são aviões. Construímos máquinas que giram ao redor da Terra a cada hora e meia. Se as são especialmente grandes ou refletoras, podemos vê-las a olho nu. Estão muito acima da atmosfera, na escuridão do espaço próximo. Estão numa altitude tão elevada que podem ver o Sol, mesmo quando já está escuro como breu aqui embaixo. Ao contrário dos aviões, não têm luz própria. Como a Lua e os planetas, e as brilham apenas por refletirem a luz do Sol. O céu começa num ponto não muito acima de nossas cabeças. Abrange tanto a fina atmosfera da Terra como toda a imensidão do cos- 80 mós mais além. Temos construído máquinas que voam nesses domínios. Estamos tão acostumados com essa realidade, tão aclimatizados, que freqüentemente deixamos de reconhecer a façanha mítica que realizamos. Mais do que qualquer outra característica de nossa civilização técnica, esses vôos ora prosaicos são símbolos dos poderes que agora possuímos. Mas grandes poderes vêm sempre acompanhados de grandes responsabilidades. A nossa tecnologia tem se tomado tão poderosa que - não só consciente, mas também inadvertidamente - estamos nos tomando um perigo para nós mesmos. A ciência e a tecnologia têm salvo bilhões de vidas, melhorado o bem-estar de muitas mais, ligado o planeta numa união lentamente anastomosante - e ao mesmo tempo têm mudado o mundo de tal forma que muitas pessoas já não se sentem em casa na Terra. Criamos uma gama de novos males: difíceis de ver, difíceis de entender, problemas que não podem ser resolvidos imediatamente - e que, sem dúvida, não poderão ser solucionados sem desafiarmos aqueles que detêm o poder. Nesse ponto, mais do que em qualquer outro, a compreensão pública da ciência é essencial. Muitos cientistas alegam que há perigos reais em continuarmos a fazer o que temos feito, que a nossa civilização industrial é uma armadilha. Mas se fôssemos levar esses alertas medonhos muito a sério, seria dispendioso. As indústrias afetadas perderiam lucros. A nossa própria ansiedade aumentaria. Há muitas razões naturais para tentar rejeitar os alertas. Talvez o grande número de cientistas que avisa sobre catástrofes iminentes seja formado de pessimistas. Talvez sintam um prazer perverso em assustar as pessoas restantes. Talvez seja um modo de conseguir tirar dinheiro do governo para pesquisas. Afinal, há outros cientistas que afirmam não haver motivo para preocupação, que as afirmações não foram provadas, que o meio ambiente vai se curar por si. Naturalmente, queremos acreditar neles. quem não desejaria? Se estiverem certos, nossa carga vai ser muito aliviada. Assim, não vamos nos precipitar. Vamos ser cautelosos. Vamos agir com calma. Vamos nos certificar. Por outro lado, talvez aqueles que nos tranqüilizam sobre o meio ambiente sejam Polianas, tenham medo de enfrentar os que estão no poder ou sejam sustentados por aqueles que lucram depredando o meio ambiente. Portanto, é preciso que nos apressemos. Vamos reparar os erros antes que se tomem irreparáveis. Como decidir? Há argumentos e contra-argumentos a respeito de abstrações, invisibilidades, conceitos e termos desconhecidos. Às vezes até palavras como "fraude" ou "trapaça" são pronunciadas sobre os roteiros terríveis. De que serve a ciência nesse ponto? Como a pessoa comum pode ser informada de quais são as questões em discussão? Não poderíamos manter uma neutralidade aberta, mas desapaixonada, deixando os grupos contenciosos decidirem a questão, ou esperar até que as evidências sejam absolutamente inequívocas? Afinal, afirmações extraordinárias requerem evidência extraordinária. Em suma, por que aqueles que, como eu, pregam o ceticismo e alertam sobre algumas alegações extraordinárias afirmam que outras alegações extraordinárias devem ser levadas a sério e consideradas urgentes? Toda geração acha que seus problemas são únicos e potencialmente fatais. No entanto, toda geração tem sobrevivido na próxima. Qualquer que seja o mérito que esse argumento possa ter tido no passado - e ele certamente fornece um contrapeso útil à histeria, a sua força convincente está muito diminuída hoje em dia. Às vezes ouvimos falar sobre o "oceano" de ar que circunda a Terra. Mas a espessura da maior parte da atmosfera- inclusive toda a atmosfera envolvida no efeito estufa - é de apenas 0,1% do diâmetro da Terra. Mesmo incluindo a alta estratosfera, a atmosfera não chega a 1% do diâmetro da Terra. "Oceano" parece grande, imperturbável. Mas, comparada com o tamanho da Terra, a espessura do ar é como a espessura da película de goma-laca num grande globo escolar, comparada com o próprio globo. Se a camada protetora de ozônio fosse trazida da estratosfera para a superfície da Terra, sua espessura, comparada com o diâmetro da Terra, seria uma parte em 4 bilhões. Seria totalmente invisível. Muitos astronautas têm relatado que, ao verem a aura fina. delicada e azul no horizonte do hemisfério iluminado pela luz do dia que representa a espessura da atmosfera inteira. logo pensam espontaneamente na sua fragilidade e vulnerabilidade. Eles se preocupam com a atmosfera. Têm razão em se preocupar. Hoje enfrentamos uma circunstância absolutamente nova, sem precedentes em toda a história humana. Quando começamos, há centenas de milhares de anos, com uma densidade populacional média de um centésimo de pessoa por quilômetro quadrado ou menos, os triunfos de nossa tecnologia eram os machados de mão e o fogo; éramos incapazes de provocar mudanças importantes no meio ambiente global. A idéia nunca teria nos ocorrido. Éramos poucos, e nossos poderes eram fracos. Mas com o passar do tempo, à medida que a tecnologia se aperfeiçoava, os nossos números cresciam exponencialmente, e temos agora uma média de umas dez pessoas por quilômetro quadrado, nossos números estão concentrados nas cidades, e temos à mão um terrível arsenal tecnológico cujos poderes compreendemos e controlamos apenas imperfeitamente. Como nossas vidas dependem de quantidades minúsculas de gases como o ozônio, um estrago ambiental importante pode ser provocado até numa escala planetária - pelas máquinas da indústria. As proibições impostas ao uso irresponsável da tecnologia são fracas, freqüentemente tíbias, e quase sempre, em todo o mundo, subordinadas ao interesse nacional ou corporativo de curto prazo. Somos agora capazes de, intencional ou inadvertidamente, alterar o meio ambiente global. Até que ponto já chegamos na trajetória rumo às várias catástrofes planetárias profetizadas, é ainda uma questão de debate acadêmico. Mas que somos capazes de provocá-las, já não há mais dúvida. Talvez os produtos da ciência sejam simplesmente poderosos demais, perigosos demais para nós. Talvez ainda não estivéssemos suficientemente crescidos para recebê-los. Seria prudente dar um revólver de presente a um bebê de berço? E a uma criança que está aprendendo a andar, a uma criança pré-adolescente ou a um adolescente? Ou talvez, como alguns têm afirmado, não se deva dar arma a ninguém na vida civil, porque todos nós experimentamos paixões cegas, ainda que infantis, num ou noutro momento. Se ao menos a arma não estivesse por perto, assim parece muito freqüentemente, a tragédia não teria acontecido. (É claro que as pessoas apresentam razões para ter revólveres, e pode haver circunstâncias em que essas razões são válidas. O mesmo se pode dizer dos perigosos produtos da ciência.) Agora mais uma complicação: vamos imaginar que, ao se puxar o gatilho de uma pistola, décadas se passem antes que a vítima ou o agressor reconheça que alguém foi atingido. Nesse caso, é até mais difícil compreender o perigo de ter armas por perto. A analogia é imperfeita, mas algo parecido se aplica às conseqüências ambientais globais da moderna tecnologia industrial. Na minha opinião, há boas razões para questionar, falar claro, projetar novas instituições e novas maneiras de pensar. Sim, a civilidade é uma virtude e pode convencer um adversário surdo às súplicas filosóficas mais fervorosas. Sim, é absurdo tentar converter todos a uma nova maneira de pensar. Sim, poderíamos estar errados e nossos adversários certos. (Já aconteceu antes.) E sim, é raro que uma das partes numa discussão convença a outra. (Thomas Jefferson disse que nunca vira tal coisa acontecer, mas sua conclusão parece severa demais. Acontece na ciência o tempo todo.) Mas essas não são razões adequadas para fugir ao debate público. Pelas melhorias na prática médica, nos produtos farmacêuticos, na agricultura, nos métodos anticoncepcionais, pelo progresso no transporte e nas comunicações, pelas novas e devastadoras armas de guerra pêlos efeitos colaterais involuntários da indústria e pêlos desafios inquietantes a visões de mundo há muito tempo adotadas, a ciência e a tecnologia têm alterado dramaticamente as nossas vidas. Muitos de nós estamos suando para acompanhar o ritmo do progresso, às vezes como organizamos a nossa política. Tendo mostrado dois lados das questões. mas - admito abertamente - tenho um ponto de vista determinado pela minha avaliação do peso das evidências. Se os humanos criam problemas. os humanos podem encontrar soluções, e tentei indicar como alguns de nossos problemas poderiam ser resolvidos. O leitor talvez ache que um grupo diferente de problemas deveria ter maior prioridade, ou que há um conjunto diferente de problemas. Mas espero que, ao ler esta parte do livro, o leitor se sinta provocado a pensar um pouco mais sobre o futuro. Não quero acrescentar desnecessariamente novos elementos à nossa carga de ansiedades - quase todos nós já temos uma carga suficiente -, mas há algumas questões que, a meu ver, não estão sendo examinadas por um número suficiente de pessoas. O ato de pensar sobre as consequências futuras das ações presentes tem uma linhagem orgulhosa entre nós, primatas, sendo um dos segredos do que ainda é, de modo geral, a história espantosamente bem-sucedida dos humanos sobre a Terra. 09 CRESO E CASSANDRA “É preciso coragem para sentir medo.” Montaigne, £ao.s,lll,6(1588). Apolo, um olímpico, era o deus do Sol. Ele também se encarregava de outras questões, entre as quais a profecia. Era uma de suas especialidades. Todos os deuses olímpicos podiam ver um pouco do futuro, mas Apolo era o único que sistematicamente oferecia esse dom aos humanos. Ele estabeleceu oráculos, sendo o mais famoso o de Delfos, onde santificou a sacerdotisa. Ela era chamada de pítia, em referência ao píton, que era uma de suas encarnações. Reis e aristocratas - e de vez em quando pessoas comuns - iam a Delfos e suplicavam para saber o que estava por vir. Entre os suplicantes estava Creso, rei da Lídia. Nós o lembramos na expressão "rico como Creso", que ainda é quase corrente. Talvez tenha se tomado sinônimo de riqueza, porque foi na sua época e reinado que as moedas foram inventadas - cunhadas por Creso no século VI a.C. (Lídia ficava na Anatólia, a atual Turquia.) Dinheiro de argila foi uma invenção sumeriana muito mais antiga. A ambição de Creso não podia ser contida dentro dos limites de sua pequena nação. E assim, segundo a História de Heródoto, ele imaginou que seria uma boa idéia invadir e subjugar a Pérsia então a superpotência da Ásia ocidental. Ciro unira os persas e os medas, forjando o poderoso Império Persa. Naturalmente, Creso tinha alguns temores. Para julgar a conveniência da invasão mandou emissários consultarem o oráculo de Delfos. Podemos imaginá-los carregados de presentes opulentos que, por sinal, ainda estavam expostos em Delfos um século mais tarde, na época de Heródoto. A pergunta que os emissários fizeram em nome de Creso foi: "O que acontecerá, se Creso declarar guerra à Pérsia?". Sem hesitar, a pítia respondeu: "Ele vai destruir um poderoso império". "Os deuses estão conosco", pensou Creso, ou alguma outra coisa nesse sentido. "É hora de invadir!" Lambendo os beiços e contando as suas satrapias, ele reuniu os seus exércitos de mercenários. Creso invadiu a Pérsia - e foi humilhantemente derrotado. Não só o poder Lídio foi destruído, mas ele próprio se tomou, no resto da sua vida, um patético funcionário na corte persa, oferecendo pequenos conselhos a autoridades quase sempre indiferentes - um ex-rei parasito. E um pouco como se o imperador Hiroíto fosse viver o resto de seus dias como consultor na área de Washington, DC. Bem, ele acabou realmente sentindo a injustiça de toda a situação. Afinal, observara as regras do jogo. Tinha pedido o conselho da pítia, pagara generosamente, e ela lhe causara danos. Por isso, mandou outro emissário ao oráculo (com presentes muito mais modestos dessa vez, apropriados às suas circunstâncias mais mesquinhas) e perguntou: "Como você pôde fazer isso comigo?". Eis a resposta, tirada da História de Heródoto: A profecia dada por Apolo dizia que, se declarasse guerra à Pérsia, Creso destruiria um poderoso império. Ora, diante dessa resposta, se tivesse sido bem aconselhado, ele deveria Ter mandado emissários fazer mais perguntas, para saber se a sacerdotisa se referia ao seu próprio império ou ao de Ciro. Mas Creso não compreendeu o que foi dito, nem fez novas perguntas. Por isso não deve culpar ninguém a não ser a si mesmo. Se o oráculo de Delfos fosse apenas um embuste para espoliar monarcas crédulos é claro que precisaria de desculpas para explicar os erros inevitáveis. Ambigüidades disfarçadas eram a sua principal mercadoria. Ainda assim a lição da pítia é pertinente: mesmo a oráculos devemos fazer perguntas, perguntas inteligentes - mesmo quando eles parecem nos dizer exatamente o que queremos ouvir Os traçadores de políticas não devem aceitar cegamente; devem compreender. E não devem permitir que suas próprias ambições criem obstáculos para o entendimento. A conversão da profecia em política deve ser feita com cuidado. Esse conselho é perfeitamente aplicável aos oráculos modernos: os cientistas, os grupos Think tank, as universidades, os institutos financiados pela indústria e os comitês consultivos da Academia Nacional de Ciências. Os traçadores de políticas enviam, às vezes relutantemente, as perguntas aos oráculos e recebem de volta a resposta. Nos dias de hoje, os oráculos muitas vezes oferecem voluntariamente as suas profecias, mesmo quando ninguém pergunta. Seus pronunciamentos são, em geral, muito mais detalhados que as perguntas envolvendo o brometo de metila ou o vórtice circumpolar, os hidroclorofluorcarbonetos ou a geleira da Antártida ocidental. As estimativas são às vezes expressas em termos de probabilidades numéricas. Parece quase impossível que o político honesto consiga ouvir um simples sim ou não. Os traçadores de políticas devem decidir o que fazer em resposta, se é que devem agir. A primeira coisa a fazer é compreender. E devido à natureza dos oráculos modernos e suas profecias, os traçadores de políticas precisam - mais do que nunca - compreender a ciência e a tecnologia. (Em resposta a essa necessidade, o Congresso Republicano aboliu tolamente o seu Departamento de Avaliação de Tecnologia. E quase não há cientistas entre os membros do Congresso dos Estados Unidos. Situação muito semelhante acontece nos outros países.) Mas há outra história sobre Apolo e os oráculos, ao menos igualmente famosa, ao menos igualmente relevante. É a história de Cassandra, a princesa de Tróia. (Começa pouco antes de os gregos micênicos invadirem Tróia, dando início à Guerra de Tróia.) Ela era a mais inteligente e a mais bela das filhas do rei Príamo. Apolo, sempre à espreita de humanas atraentes (como aliás todos os deuses e deusas regos) apaixonou-se por ela. Estranhamente - isso quase nunca acontece nos mitos gregos -, ela resistiu às suas propostas amorosas. Por isso, ele tentou suborná-la. Mas o que poderia lhe dar? Ela já era uma princesa. Era rica e bela. Era feliz. Mesmo assim Apolo tinha uma ou duas coisinhas a oferecer. Ele lhe prometeu o dom da profecia. A oferta era irresistível. Ela concordou. Quiproquó. Apolo fez tudo o que os deuses fazem para transformar meros mortais em videntes, oráculos e profetas. Mas então, escandalosamente, Cassandra roeu a corda. Ela recusou as propostas de um deus. Apolo ficou furioso. Mas não podia retirar o Dom da profecia, porque, afinal, ele era um deus. (Digam o que disserem deles, os deuses cumprem as promessas.) Em vez disso, condenou Cassandra a um destino cruel e astucioso: que ninguém acreditaria nas suas profecias. (O que estou contando é tirado em grande parte da peça Agamenon, de Esquilo.) Para seu próprio povo, Cassandra profetiza a queda de Tróia. Ninguém lhe dá atenção. Ela prediz a morte do principal invasor grego, Agamenon. Ninguém lhe dá atenção. Ela até prevê a sua própria morte prematura, e mais uma vez ninguém lhe dá atenção. Eles não queriam ouvir. Riam dela. Eles a chamavam - tanto os gregos como os troianos - "a dama das muitas tristezas". Hoje talvez a desconsiderassem como "uma profetiza do abismo e das trevas". Há um belo momento, quando ela não consegue compreender como é que essas profecias de catástrofe iminente - algumas das quais, se levadas a sério, poderiam ser evitadas - eram ignoradas. Ela diz para os gregos: "Como é que vocês não me compreendem? Conheço muito bem a sua língua". Mas o problema não era a sua pronúncia do grego. A resposta (estou parafraseando) foi: "Veja, é o seguinte. Até o oráculo de Delfos às vezes comete erros. As vezes as suas profecias são ambíguas. Não podemos ter certeza. E se não podemos ter certeza a respeito de Delfos, certamente não podemos ter certeza a respeito do que você diz". É o máximo que ela consegue como resposta substantiva. Acontecia o mesmo com os troianos: "Profetizei a meus conterrâneos", diz ela, "todos os seus desastres". Mas eles ignoraram as suas previsões e trem. Se alguém tivesse me pedido que descrevesse a sua função, acho que eu teria dito que ele convertia o tipo de eletricidade existente nas paredes de nosso apartamento no tipo de eletricidade de que a locomotiva precisava. Só muito mais tarde é que aprendi que o cheiro era produzido por uma substância química específica - gerada pela eletricidade quando passava pelo ar - e que a substância química tinha um nome: ozônio. O ar ao nosso redor, o material que respiramos, é composto de aproximadamente 20% de oxigênio - não o átomo, simbolizado por O, mas a molécula, simbolizada por O, significando dois átomos de oxigênio quimicamente unidos. Esse oxigênio molecular é o que nos põe em movimento. Nós o aspiramos e misturamos com os alimentos, extraindo daí nossa energia. O ozônio é uma combinação muito mais rara dos átomos de oxigênio. E simbolizado por O, significando três átomos de oxigênio quimicamente unidos. O meu transformador tinha uma imperfeição. Andava cuspindo uma minúscula faísca elétrica, que rompia as ligações das moléculas de oxigênio que encontrava da seguinte maneira: 0 + energia0+0 (A flecha significa é transformado em.) Mas os átomos solitários de oxigênio (O) são infelizes, quimicamente reativos, ansiosos para se combinar com as moléculas adjacentes - e eles o fazem da seguinte maneira: 0+0+MO+M Nesse caso, M significa qualquer terceira molécula. Ela não é consumida na reação, mas é necessária para propiciá-la. M é um catalisador. Há muitas moléculas M ao redor, principalmente nitrogênio molecular. Era isso o que estava acontecendo no meu transformador para ele produzir ozônio. Acontece também nos motores de carros e nos fomos da indústria, produzindo ozônio reativo aqui embaixo perto do solo, contribuindo para o nevoeiro enfumaçado e a poluição industrial. O seu aroma já não me parece assim tão doce. O maior perigo do ozônio não é haver ozônio demais aqui embaixo, na terra, mas ozônio de menos lá em cima, no céu. Foi tudo feito responsavelmente, cuidadosamente, com atenção ao meio ambiente. Pela década de 20, os refrigeradores eram tidos em toda parte coo algo muito bom. Por razões de conveniência e saúde pública, para que os produtores de frutas, legumes e laticínios pudessem negociar seus produtos a distâncias consideráveis, e para que os indivíduos pudessem desfrutar refeições saborosas, todo mundo queira ter um. (Nada mais de arrastar blocos de gelo; o que poderia haver de ruim nisso). Mas o fluido ativo, cujo aquecimento e esfriamento fornecia a refrigeração, era amônia ou dióxido de enxofre - gases venenosos e de cheiro ruim. Um vazamento era um negócio muito feio. Havia grande necessidade de um substituto - um que fosse líquido nas condições corretas, que circulasse dentro do refrigerador, mas não causasse danos, se o refrigerador vazasse ou fosse convertido em ferro velho. Para esse fim, seria ótimo encontrar um material que não fosse venenoso, nem inflamável, que não oxidasse, não queimasse os olhos, não atraísse insetos, nem mesmo incomodasse o gato. Mas, em toda a natureza, não parecia haver esse material. Assim, os químicos dos Estados Unidos, da República de Weimare da Alemanha nazista inventaram uma classe de moléculas que nunca existira antes na Terra. Eles lhes deram o nome de clorofluorcarbonetos (CFCS), compostos de um ou mais átomos de carbono a que eram ligados alguns átomos de cloro e/ou flúor. Eis um deles: Cl l Cl - C - Cl (C para carbono, Cl para cloro, F para flúor.) O sucesso foi espetacular, indo muito além das expectativas dos inventores. Os fluorcarbonetos não só se tomaram o principal fluido ativo nos refrigeradores, mas também nos condicionadores de ar. Encontraram aplicações amplas em latas de spray, espuma isolante, solventes industriais e produtos de limpeza (especialmente na indústria microeletrônica). O nome da marca mais famosa é Freon, marca registrada da DuPont. Foram usados durante décadas não pareciam causar dano algum. O máximo de segurança, todo o mundo imaginava. É por isso que, depois de algum tempo, uma quantidade surpreendente dos recursos com que contamos na indústria química dependia dos CFCS. No início da década de 70, 1 milhão de toneladas do material era manufaturado a cada ano. Assim, vamos supor que estamos no início 96 da década de 70 e que você está de pé no banheiro, aspergindo desodorante nas axilas. O aerossol CFC sai uma fina névoa que contém o desodorante. As moléculas CFC propulsoras não aderem ao seu corpo. Elas batem em você e voltam para o ar, redemoinham perto do espelho, adornam junto às paredes. Por fim, algumas delas saem pouco a pouco pela janela e pelo vão debaixo da porta, até que com o passar do tempo - a operação pode levar dias ou semanas - elas se vêem ao ar livre. Os CFCS colidem com outras moléculas no ar, com prédios e postes de telefone, e, carregados por correntes de convicção e pela circulação atmosférica global, são espalhados ao redor de todo o planeta. Com raras exceções, não se desfazem e não se combinam quimicamente com as outras moléculas que encontram. São praticamente inertes. Depois de alguns anos, eles se vêem no alto da atmosfera. O ozônio é naturalmente formado lá no alto, a uma altitude de cerca de 25 quilômetros. A luz ultravioleta (uv) do Sol - que corresponde à faísca no meu transformador do trem elétrico, que não estava perfeitamente isolado - divide as moléculas O em átomos O. Elas voltam a se combinar e a formar ozônio, assim como no meu transformador. Uma molécula CFC sobrevive nessas altitudes durante mais ou menos um século, até que a uv a obrigue a abrir mão de seu cloro. O cloro é um catalisador que destrói as moléculas de ozônio, mas não é ele próprio destruído. São necessários alguns anos para que o cloro seja levado de volta para a atmosfera mais baixa e eliminado na água da chuva. Nesse meio tempo, um átomo de cloro pode presidir à destruição de 100 mil moléculas de ozônio. A reação se passa da seguinte maneira: O, + luz uv » 20 2C1 [de CFCS) + 20 2C10 + 20 2C10 + 20 2C1 [regenerando o Cl) + 20 Assim, o resultado básico é: 20 - 30 Duas moléculas de ozônio foram destruídas; três moléculas de oxigênio foram geradas; e os átomos de cloro estão prontos para causar mais danos. E daí? Quem se importa? Algumas moléculas invisíveis, em algum lugar no alto do céu, estão sendo destruídas por outras moléculas invisíveis manufaturadas aqui embaixo, na terra. Por que deveríamos nos preocupar com isso? Porque o ozônio é o nosso escudo contra a luz ultravioleta do Sol. Se todo o ozônio na camada superior do ar fosse baixado à temperatura e à pressão existentes ao nosso redor neste momento a camada teria apenas três milímetros de espessura - mais ou menos a altura da cutícula de seu dedo mínimo, se a sua manicure não limpa exageradamente as suas unhas. Não é muito ozônio. Mas esse ozônio é só o que se interpõe entre nós e as longas ondas violentas e cauterizadoras da uv do Sol. O perigo da uv de que ouvimos falar com freqüência é o câncer de pele. Pessoas de pele clara são especialmente vulneráveis; pessoas de pele escura têm um suprimento abundante de melanina que as protege. (O bronzeado é uma adaptação por meio da qual os brancos desenvolvem mais melanina protetora, quando expostos à uv.) Parece haver uma remota justiça cósmica no fato de pessoas de pele clara terem inventado os CFCS, que causa câncer de pele de preferência nas pessoas de pele clara, enquanto pessoas de pele escura, que pouco tiveram a ver com essa maravilhosa invenção, são naturalmente protegidas. Hoje em dia são notificados dez vezes mais casos de câncer de pele do que na década de 50. Embora parte desse aumento possa ser atribuído ao fato de os casos serem mais bem notificados, a perda do ozônio e a maior exposição à uv parecem implicadas no processo. Se a situação piorar ainda mais, talvez se exija que as pessoas de pele clara usem roupas protetoras especiais nas suas saídas rotineiras, pelo menos nas altitudes e latitudes mais elevadas. Mas, embora seja uma conseqüência direta da uv intensificada e uma ameaça de milhões de mortes, o aumento do câncer de pele não é o pior de tudo. Tampouco é o índice mais elevado de casos de catarata. Mais sério é o fato de que a uv causa danos ao sistema imunológico - o mecanismo do corpo para lutar contra as doenças - mas. novamente, só para as pessoas que saem desprotegidas à luz do Sol. No entanto por mais serio que tudo isso pareça o perigo real reside em outra parte. Quando expostas à luz ultravioleta as moléculas orgânicas que constituem o da a vida sobre a Terra se desfazem ou formam ligações químicas nocivas. Entre os seres que habitam os oceanos, os mais difundidos são minúsculas plantas unicelulares que flutuam perto da 98 superfície da água – os fitoplânctons. Eles não podem se esconder da uv mergulhando mais fundo, porque se sustentam colhendo luz. Vivem ao deus- dará (uma metáfora apenas - pois não têm deus). Os experimentos mostram que até um Rowland, outros cientistas e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais com base em Washington insistiram na proibição dos CFCS. Em 1978, os propulsores CFC em latas de spray foram considerados ilegais nos Estados Unidos, Canadá, Noruega e Suécia. Mas a maior parte da produção mundial dos CFCS não estava nas latas de spray. A preocupação pública foi temporariamente tranqüilizada, a atenção se desviou para outros assuntos, e o volume de CFCS no ar continuou a aumentar. A quantidade de cloro na atmosfera se tomou duas vezes maior do que era quando Rowland e Molina soaram o alarme, e cinco vezes maior do que era em 1950. Durante anos, o Levantamento Antártico Britânico, uma equipe de cientistas postados em Halley Bay, no extremo sul do continente, andara medindo a camada de ozônio no alto da atmosfera. Em 1985, anunciaram a notícia desconcertante que o ozônio na época da primavera diminuíra era agora quase a metade do que tinham medido alguns anos antes. A descoberta foi confirmada por um satélite da NASA. Agora estão faltando dois terços do ozônio sobre a Antártida na época da primavera. Há um buraco na camada de ozônio sobre a Antártida. Tem aparecido a cada primavera desde o fim da década de 70. Embora se reconstitua no inverno, o buraco parece durar mais tempo a cada primavera. Nenhum cientista o tinha previsto. Naturalmente, o buraco provocou mais pedidos de proibição dos CFCS (bem como a descoberta de que os CFCS contribuem para o aquecimento global causado pelo efeito estufa do dióxido de carbono). Mas os industriais pareciam ter dificuldade em compreender a natureza do problema. Richard C. Bamett, presidente da Aiança para uma Política Responsável em relação aos CFCS - formada por fabricantes de CFC -, se queixava: "A interrupção rápida e total da produção de CFCS, que algumas pessoas estão exigindo, teria conseqüências terríveis. Algumas indústrias teriam de fechar por não conseguirem obter produtos alternativos - a cura poderia matar o paciente". Mas o paciente não são "algumas indústrias"; o paciente talvez seja a vida sobre a Terra. A Associação dos Produtores Químicos acreditava "ser altamente improvável" que o buraco antártico "tivesse importância global (...J Na outra região semelhante do mundo, o Ártico, a meteorologia até descarta uma situação semelhante". Mais recentemente, níveis mais elevados de cloro reativo têm sido encontrados no buraco de ozônio, ajudando a estabelecer a conexão CFC. E medições perto do pólo Norte sugerem que um buraco de ozônio também está se desenvolvendo sobre o Ártico. Um estudo de 1996, chamado "Confirmação por satélite da preponderância de clorofluorcarbonetos no estoque estratosférico global de cloro", apresenta a conclusão inusitadamente forte (para um trabalho científico) de que os CFCS estão "sem dúvida" implicados na diminuição da camada de ozônio. O papel do cloro proveniente de vulcões e dos borrifos do mar - proposto por alguns comentaristas de direita nas rádios - é quando muito responsável por 5% do ozônio destruído. Nas latitudes médias do Norte, onde vive a maior parte da população da Terra a quantidade de ozônio parece estar diminuindo constantemente, pelo menos desde 1969. Há flutuações, é claro, e os aerossóis vulcânicos na estratosfera contribuem para diminuir os níveis de ozônio por um ou dois anos. antes de se acomodarem. Mas descobrir (segundo a Organização Meteorológica Mundial) 30% de depressão relativa sobre as latitudes médias durante alguns meses de cada ano, e 45% em algumas áreas, é motivo de alarme. Bastam alguns anos consecutivos desse tipo para ser provável que a vida abaixo dessa camada de ozônio cada vez mais fina vá enfrentar dificuldades. 702 Berkeley, Califórnia, proibiu o material isolante branco com espuma inflada por CFCS, usado para conservar quentes as refeições rápidas. A McDonald's se comprometeu a substituir os CFCS mais nocivos em suas embalagens. Diante da ameaça de regulamentações governamentais e boicote dos consumidores, a DuPont finalmente anunciou em 1988, catorze anos depois da identificação do perigo dos CFCS, que descontinuaria por etapas a fabricação de CFCS - processo a ser completado apenas no ano 2000. Outros fabricantes norte-americanos não prometeram nem mesmo isso. Mas os Estados Unidos eram responsáveis por apenas 30% da produção de CFCS em todo o mundo. Evidentemente, como a ameaça de longo prazo à camada de ozônio é global, a solução também teria de ser global. Em setembro de 1987, muitas das nações que produzem e usam CFCS se reuniram em Montreal para considerar um possível acordo no sentido de limitar o uso dos CFCS. A princípio, a Grã-Bretanha, a Itália e a França, influenciadas por suas poderosas indústrias químicas (e a França pela sua indústria de perfumes), participaram das discussões apenas relutantemente. (Temiam que a DuPont tivesse um substituto na manga, preparado durante todo o tempo em que impedira a decisão sobre os CFCS. Receavam que os Estados Unidos estivessem forçando a proibição dos CFCS para aumentar a competitividade global de uma de suas maiores empresas.) Nações como a Coréia do Sul nem compareceram. A delegação da China não assinou o tratado. Noticiou-se que o secretário do Interior, Donald Odei, um conservador nomeado por Reagan e avesso a controles governamentais, teria sugerido que, em vez de limitar a produção dos CFCS, nós todos deveríamos usar óculos escuros e chapéus. Essa opção não existe para os microorganismos na base das cadeias alimentares que sustentam a vida sobre a Terra. Apesar desse conselho, os Estados Unidos assinaram o protocolo de Montreal. Que isso tenha ocorrido durante o espasmo anti- ambiental do final do governo Reagan foi algo na verdade inesperado (a menos, é claro, que o temor dos concorrentes europeus da DuPont fosse verdade). Somente nos Estados Unidos, 90 milhões de condicionadores de ar de veículos e 100 milhões de refrigeradores teriam de ser substituídos. Isso representava um sacrifício considerável para preservar o meio ambiente. Deve-se dar um crédito substancial ao embaixador Richard Benedick. que chefiou a delegação norte-americana em Montreal. e à primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que, por ter estudado química, compreendeu o problema. O Protocolo de Montreal foi ainda mais reforçado pelas emendas ao acordo assinadas em Londres e Copenhague. No momento em que escrevo, 156 nações, inclusive as repúblicas da antiga União Soviética, a China, a Coréia do Sul e a Índia assinaram o tratado. (Embora algumas nações perguntem por que, se o Japão e o Ocidente se beneficiaram com os CFCS. elas devem renunciar aos refrigeradores e condicionadores de ar, exatamente quando as suas indústrias estão acertando o passo. E uma pergunta justa, mas muito mesquinha.) Uma interrupção total da produção de CFCS foi acertada para o ano 2000, e depois retificada para 1996. A China, cujo consumo de CFCS tinha um aumento de 20% ao ano na década de 80, concordou em cortar a sua dependência dos CFCS e não se aproveitar de um adiamento de dez anos que o acordo permitia. A DuPont se tomou um líder no corte dos CFCS, e tem se comprometido a interromper a sua produção mais depressa que muitas nações. A quantidade de CFCS na atmosfera está mensuravelmente diminuindo. O problema é que teremos de interromper a produção de todos os CFCS e depois esperar um século até que a atmosfera volte a ficar limpa. Quanto mais tempo perdermos, quanto maior o número de nações omissas, maior o perigo. Evidentemente, o problema será resolvido, se pudermos encontrar um substituto mais barato e mais eficaz dos CFCS que não nos faça mal, nem ao meio ambiente. Mas e se não houver esse substituto? E se o melhor substituto for mais caro que os CFCS? Quem paga a pesquisa, e quem compensa a diferença de preço - o consumidor, o governo ou a indústria química que nos meteu nessa encrenca (e lucrou com ela)? As nações industrializadas que se beneficiaram com a tecnologia dos CFCS estão dando ajuda significativa aos Estados industrializados emergentes que não se beneficiaram? E se precisarmos de vinte anos para nos assegurarmos de que o substituto não causa câncer? E que fazer com a v que está incidindo sobre o oceano antártico? E que fazer com os CFCS recém- manufaturados que subirem para a camada de ozônio no período entre o momento atual e seja qual for a data em que o material será completamente proibido? Foi encontrado um substituto – ou melhor um quebra-galho provisório. Os CFCS estão sendo temporariamente substituídos dos CFCS é questionável", e que o Protocolo de Montreal é "o resultado de um susto dado pela mídia". John Doolittie, outro congressista republicano, insistia em que a ligação causal entre a diminuição da camada de ozônio com os CFCS é "ainda uma questão em aberto". Em resposta a um repórter que lhe lembrou a revisão crítica e cética de especialistas a que foram submetidos os trabalhos que estabeleceram essa ligação, Doolittie disse: "Não vou me envolver com essa asneira de revisão crítica feita pêlos pares". Seria melhor para o país, se ele o fizesse. A revisão crítica feita pêlos pares é, na verdade, um grande detector de asneiras. O julgamento da *Continuação da nota anterior (*(e mais ou menos a metade disso nas latitudes médias do Norte onde vive a maior parte da população da Terra.) Um novo programa de satélite da NASA chamado Missão para o Planeta Terra vai continuar monitorando o ozônio e outros fenômenos atmosféricos afins numa escala ambiciosa durante uma década ou mais. Enquanto isso, a Rússia, o Japão, os membros da Agência Espacial Européia e outros estão contribuindo com seus próprios programas e suas próprias naves espaciais. Também por esses critérios vê-se que a espécie humana está levando a sério a ameaça de esvaziamento da camada de ozônio. Comissão do Nobel foi diferente. Ao conferir o prêmio a Rowland e Molina - cujos nomes deviam ser conhecidos por toda criança na escola -, elogiou-os por terem "contribuído para nos salvar de um problema ambiental global que poderia ter conseqüências catastróficas". E difícil compreender como os "conservadores" puderam se opor a salvaguardar o meio ambiente de que todos nós - inclusive os conservadores e seus filhos - dependemos para viver. O que é exatamente que os conservadores estão conservando? Os elementos centrais da história do ozônio são como muitas outras ameaças ambientais: introduzimos alguma substância na atmosfera (ou estamos nos preparando para introduzi-la). De algum modo não examinamos completamente o seu impacto ambiental - porque o exame seria caro, ou retardaria a produção e diminuiria os lucros; porque os encarregados não querem ouvir contra- argumentos; porque os melhores talentos científicos não foram empregados para estudar a questão; ou simplesmente porque somos humanos e falíveis, e deixamos de perceber alguma coisa. Então, de repente, nos vemos cara a cara com um perigo totalmente inesperado de dimensões mundiais, que talvez tenha as suas conseqüências mais nefastas daqui a décadas ou séculos. O problema não pode ser resolvido localmente, nem a curto prazo. Em todos esses casos, a lição é clara: nem sempre somos bastante inteligentes ou prudentes para prever todas as conseqüências de nossas ações. A invenção dos CFCS foi uma realização brilhante. Mas, por mais inteligentes que fossem aqueles químicos, sua inteligência não foi suficiente. Precisamente por serem tão inertes, os CFCS sobreviveram o bastante para atingir a camada de ozônio. O mundo é complicado. O ar é fino. A natureza é sutil. A nossa capacidade de causar danos é grande. Devemos ser muito mais cuidadosos e muito menos indulgentes com a poluição de nossa frágil atmosfera. Devemos desenvolver padrões mais elevados de higiene planetária e recursos científicos significativamente maiores para monitorar e compreender o mundo. E devemos começar a pensar e agir, não apenas em termos da nossa nação e geração (muito menos dos lucros de uma indústria em particular), mas em termos de todo o vulnerável planeta Terra e das gerações futuras. O buraco na camada de ozônio é uma espécie de escrita no céu. A princípio, parecia falar de nossa continuada complacência com um caldeirão de perigos mortais. Mas talvez realmente nos fale de um recém-descoberto talento de cooperação para proteger o meio ambiente global. O Protocolo de Montreal e suas emendas representam um triunfo e uma glória para a espécie humana. 11 EMBOSCADA: O AQUECIMENTO DO MUNDO “Eles armam ciladas contra o seu próprio sangue”. Provérbios 1:18 Há 300 milhões de anos, a Terra era coberta por imensos pântanos. Quando as samambaias, as cavalinhas e os licopódios morriam, eram enterrados na lama. Eras se passaram; os resíduos foram carregados para debaixo do solo e ali transformados, por lentas etapas, num sólido orgânico duro que chamamos de carvão. Em outros locais e épocas, um imenso número de plantas e animais unicelulares morreram, tombaram até o fundo do mar e foram cobertos por sedimentos. Fervendo durante eras, seus resíduos foram convertidos, por etapas imperceptíveis, em líquidos e gases orgânicos soterrados que chamamos de petróleo e gás natural. (Parte do gás natural pode ser primordial - não de origem biológica, mas incorporado na Terra durante a formação de nosso planeta.) Depois que os humanos evoluíram, houve alguns primeiros encontros casuais com esses estranhos materiais, quando eles afloravam na superfície da Terra. Atribui-se a origem da chama eterna" central para as religiões que cultuavam o fogo na antiga Pérsia a vazamentos de óleo e gás e à sua combustão por um raio. Marco Polo foi amplamente desacreditado, quando relatou aos especialistas europeus de sua época a história absurda de que na China se extraía uma pedra preta que queimava quando acesa. Por fim, os europeus reconheceram que esses materiais ricos em energia e de fácil transporte podiam ser úteis. Eram muito melhores que a madeira. Podia-se aquecer a casa com eles, alimentar uma fornalha. Fazer funcionar uma máquina a vapor, gerar eletricidade, impulsionar a indústria e pôr em movimento trens, carros, navios e aviões. E havia aplicações militares potentes. Assim, aprendemos a extrair o carvão da Terra e a fazer buracos profundos no solo para que o gás e o óleo profundamente soterrados, comprimidos pela sobrecarga de pedras, pudessem jorrar para a superfície. Finalmente, essas substâncias passaram a dominar a economia. Elas propiciaram a propulsão para a nossa civilização tecnológica global. Não é exagero dizer que num certo sentido elas regem o mundo. Como sempre, há um preço a pagar. O carvão, o óleo e o gás são chamados combustíveis fósseis, porque são compostos principalmente dos resíduos fósseis de seres remotos. A energia química que existe dentro deles é uma espécie de luz do Sol armazenada, originalmente acumulada pelas plantas antigas. A nossa civilização funciona pela queima dos resíduos de criaturas humildes que habitaram a Terra centenas de milhões de anos antes que os primeiros humanos aparecessem na cena. Como num terrível culto canibal, subsistimos dos corpos mortos de nossos ancestrais e parentes distantes. Se voltarmos o pensamento para o tempo em que nosso único combustível era a madeira, adquiriremos uma noção dos benefícios que os combustíveis fósseis nos proporcionaram. Eles também criaram enormes indústrias globais, com imenso poder financeiro e político - não apenas os conglomerados de óleo, gás e carvão, mas também indústrias subsidiárias inteiramente (automóveis, aviões) ou parcialmente (produtos químicos, fertilizadores, agricultura) dependentes dessas fontes de energia. Essa dependência significa que as nações tudo farão para preservar suas fontes de suprimento. Os combustíveis fósseis foram fatores importantes na condução das duas guerras mundiais. A agressão japonesa no início da Segunda Guerra Mundial foi explicada e justificada pelo fato de os japoneses terem sido obrigados a salvaguardar suas fontes de óleo. Como a Guerra do Golfo Pérsico em 1991 nos lembra, a importância política e militar dos combustíveis fósseis continua em alta. Cerca de 30% de todas as importações de óleo dos Estados Unidos vêm do golfo Pérsico. Em alguns meses, mais da metade do óleo dos Estados Unidos é importada. O óleo constitui mais da metade de todos os déficits da balança de pagamentos norte-americana. Os Estados Unidos gastam mais de 1 bilhão de dólares por semana com a importação de óleo do exterior. A conta da importação de óleo japonesa é mais ou menos igual A China - com uma demanda crescente de automóveis - pode atingir o mesmo nível no início do século XXI. Números semelhantes se aplicam à Europa ocidental. Os economistas apresentam roteiros em que aumentos nos preços do óleo provocam inflação, taxas de juros mais elevadas, menos investimentos em novas indústrias, menos empregos e recessão econômica. Essas previsões podem não acontecer, mas são uma conseqüência possível de sermos viciados em óleo. O óleo força as nações a adotarem políticas que do contrario seriam consideradas inescrupulosas ou temeraírias. Considere-se, por exemplo, o seguinte comentário ( 1 ï)90) do colunista de vários periódicos, Jack Anderson, expressando comuns (exceto em lugares como Denver e Los Angeles), é muito mais opaco na parte infravermelha térmica do espectro, em que a Terra gosta de irradiar para o espaço. E isso faz toda a diferença do mundo. Acontece que alguns dos gases no ar à nossa frente - dióxido de carbono, vapor de água, alguns óxidos de nitrogênio, metano, clorofiuorcarbonetos - são bastante absorventes no espectro infravermelho, mesmo quando são completamente invisíveis na luz visível. Se uma camada desse material é colocada acima da superfície da Terra, a luz solar ainda penetra até o solo. Mas quando a superfície tenta irradiar de volta para o espaço, o caminho é bloqueado por esse cobertor de gases absorventes no espectro infravermelho. É transparente na luz visível, semi-opaco na infravermelha. O resultado é que a Terra tem de aquecer um pouco para atingir o equilíbrio entre a luz solar que recebe e a radiação infravermelha emitida. Se calcularmos o grau de opacidade desses gases na infravermelha, a quantidade de calor do corpo da Terra que eles interceptam, conseguiremos a resposta correta. Descobriremos que, em média - uma média que leva em conta as estações, a atitude e a hora do dia -, a superfície da Terra deve estar a uns 13°C acima de zero. É por isso que os oceanos não congelam, que o clima é adequado para a nossa espécie e para a nossa civilização. A nossa vida depende de um equilíbrio delicado de gases invisíveis que são componentes secundários da atmosfera da Terra. Um pouco de efeito estufa é muito bom. Mas se acrescentamos mais gases-estufa - como temos feito desde o início da Revolução Industrial - absorvemos mais radiações infravermelhas. Tomamos o cobertor mais espesso. aquecemos ainda mais a Terra. Para o público e os traçadores de políticas, tudo isso pode parecer um pouco abstrato - gases invisíveis, cobertores infravermelhos, cálculos de físicos. Se decisões difíceis quanto a gastos monetários devem ser tomadas, não precisamos de mais evidências de que existe realmente um efeito estufa e de que uma quantidade exagerada desse efeito pode ser perigosa'7 A natureza bondosamente nos forneceu na figura do planeta mais próximo uma advertência. O planeta Vénus está um pouco mais próximo do Sol que a Terra, mas suas nuvens sem brechas são tão brilhantes que o planeta, na realidade absorve menos luz solar que a Terra. Sem considerar o efeito estufa a sua superfície deveria ser mais fria que a da Terra. Vénus tem mais ou menos o mesmo tamanho e massa da Terra e por tudo isso poderíamos concluir ingenuamente que tem um meio ambiente agradável semelhante ao da Terra até apropriado para o turismo. No entanto, se mandássemos uma nave espacial que penetrasse nas nuvens - por sinal, compostas em grande parte de ácido sulfúrico -, como a União Soviética fez na sua série pioneira Venera de exploração do espaço, descobriríamos uma atmosfera extremamente densa composta em grande parte de dióxido de carbono com uma pressão na superfície noventa vezes maior do que a da Terra. Se agora colocássemos para fora um termômetro, como fez a nave espacial Venera descobriríamos que a temperatura é de aproximadamente 470°C (cerca de 900F) - quente o suficiente para derreter o estanho ou o chumbo. As temperaturas da superfície, mais quentes que a do forno caseiro mais quente, são devidas ao efeito estufa, causado em grande parte pela grande atmosfera de dióxido de carbono. (Há também pequenas quantidades de vapor de água e outros gases absorventes na radiação infravermelha.) Vénus é uma demonstração prática de que um aumento na abundância dos gases-estufa pode ter conseqüências desagradáveis. É um bom exemplo para se dar aos entre visitadores de programas de rádio dominados pela ideologia, que insistem em dizer que o efeito estufa é uma "fraude". À medida que aumenta a população da Terra e que nossos poderes tecnológicos se tomam ainda maiores, estamos lançando na atmosfera uma quantidade cada vez maior de gases absorventes no espectro infravermelho. Há mecanismos naturais que eliminam esses gases do ar, mas nós os estamos produzindo num tal ritmo que superamos os mecanismos de remoção. Entre a queima de combustíveis fósseis e a destruição das florestas (as árvores eliminam o CO e o convertem em madeira), nós, humanos, somos responsáveis pela introdução de cerca de 7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono no ar a cada ano. Na figura da página 117, pode-se ver o aumento do dióxido de carbono na atmosfera da Terra ao longo do tempo. Os dados são do observatório atmosférico Mauna Loa. no Havaí. O Havaí não é altamente industrializado, nem é um lugar onde grandes áreas de florestas estejam sendo queimadas (introduzindo mais CO no ar). O aumento de dióxido de carbono ao longo do tempo, detectado no Havaí provém de atividades sobre toda a Terra. O dióxido de carbono é simplesmente carregado pela circulação geral da atmosfera por todo o mundo - inclusive sobre o Havaí. Pode-se observar que a cada ano há um aumento e uma queda de dióxido de carbono. O fenômeno é devido a árvores decíduas que, no verão, quando cobertas de folhagem, tiram CO da atmosfera, mas no inverno, sem folhas não cumprem essa missão. Mas superposta a essa oscilação anual está uma tendência de aumento a longo prazo, que é totalmente inequívoca. A relação de mistura de CO já ultrapassou 350 partes por milhão - está mais elevada do que jamais foi durante toda a existência dos humanos sobre a Terra. Os aumentos de clorofiuorcarbonetos têm sido mais rápidos - cerca de 5% ao ano - por causa do crescimento mundial da indústria dos CFCS, mas estão começando a diminuir gradualmente.* Outros gases-estufa, metano, por exemplo, estão também aumentando graças à nossa agricultura e à nossa indústria. Bem, se sabemos o índice de aumento dos gases-estufa na atmosfera e afirmamos compreender o que é a resultante opacidade infravermelha, não poderíamos calcular o aumento da temperatura em décadas recentes como conseqüência do aumento de CO e outros gases? Sim, podemos. Mas temos de ser cuidadosos. Devemos lembrar que o Sol passa por um ciclo de onze anos, e que a quantidade de energia por ele emitida muda um pouco durante o seu ciclo. Devemos lembrar que os vulcões de vez em quando entram em erupção e injetam finas gotinhas de ácido sulfúrico na atmosfera, refletindo desse modo mais luz solar de volta para o espaço e resfriando um pouco a Terra. Como já se calculou, uma explosão de monta pode diminuir a temperatura mundial em quase C durante alguns anos. Devemos lembrar que, na baixa atmosfera, há uma nuvem de pequenas partículas contendo enxofre proveniente da poluição das chaminés industriais que - por mais nociva que seja às pessoas ao redor – também resfria a Terra, além da poeira mineral de solos revoltos carregada pêlos ventos, que tem um efeito semelhante. Se levarmos em conta esses fatores e muitos mais, se fizermos o melhor trabalho de que os climatologistas são atualmente capazes, vamos chegar à seguinte conclusão: durante o século XX, devido à queima de combustíveis fósseis, a temperatura média da Terra deve ter aumentado alguns décimos de l "C. Naturalmente, gostaríamos de comparar essa predição com os fatos. A temperatura da Terra aumentou especialmente nessa proporção. durante o século XX? Mais uma vez temos de ser cuidadosos. Mais uma vez. Como os CO’s esvaziam a camada de ozônio e contribuem para o aquecimento global tem havido alguma contusão entre esses dois resultados ambientais muito diferentes. Devemos usar medições de temperatura feitas longe de cidades, porque as cidades, pela sua indústria e relativa falta de vegetação, são na realidade mais quentes do que as áreas ao seu redor. Devemos tirar apropriadamente a média das medições feitas em diferentes latitudes, altitudes, estações e horas do dia. Devemos levar em conta a diferença entre as medições feitas em terra e as medições feitas na água. Mas, feito tudo isso, os resultados parecem coerentes com a expectativa teórica. A temperatura da Terra tem aumentado um pouco, menos que 1°C, no século XX. Há perturbações substanciais nas curvas, ruído no sinal climático global. Os dez anos mais quentes desde 1860 ocorreram todos na década de 1980 e no início da década de 1990 - apesar do resfriamento da Terra pela explosão do vulcão filipino Monte Pinatubo em 1991. Esse vulcão introduziu vinte a trinta megatoneladas de dióxido de enxofre e aerossóis na atmosfera da Terra. Esses materiais circularam ao redor de toda a Terra durante cerca de três meses. Depois de apenas dois meses, tinham coberto cerca quilômetros quadrados da barreira de gelo Larsen caiu no oceano Antártico. Tem ocorrido um notárcuo das geleiras nas montanhas em todo o mundo. Os extremos do clima estão aumentando em muitas partes do mundo. O nível do mar continua a subir. Nenhuma dessas tendências é, em si, uma prova convincente de que a responsabilidade das mudanças cabe à nossa civilização e não se deve à variabilidade atual. Mas, juntas elas são muito preocupantes. Um número crescente de especialistas em clima concluiu recentemente que já foi detectada a "marca" do aquecimento global provocado pelo homem. Em 1995, depois de um estudo exaustivo, representantes dos 25 mil cientistas do Painel Intergovemamental sobre Mudanças Climáticas concluíram que "o equilíbrio das evidências sugere que há uma discernível influência humana no clima". Embora ainda não seja "sem sombra de dúvida", diz Michael MacCracken, diretor do Programa de Pesquisa das Mudanças Globais dos Estados Unidos, a evidência "está se tomando bastante convincente". "É improvável que o aquecimento observado seja causado pela variabilidade natural", diz Thomas Kari, do Centro Nacional de Dados Climáticos dos Estados Unidos. "Há uma chance de 90 a 95% de que não estejamos enganados." No esboço seguinte, é apresentada uma perspectiva ampla. À esquerda, a situação é a de 150 mil anos atrás; temos machados de pedra e estamos realmente orgulhosos de ter domesticado o fogo. As temperaturas globais variam ao longo do tempo entre profundas eras glaciais e períodos interglaciais. A amplitude total das flutuações, da mais fria à mais quente, é de aproximadamente 5°C (quase 10"F). Assim, a curva segue coleando, e depois do fim da última era glacial temos arcos e flechas, animais domesticados, a origem da agricultura, a vida sedentária, armas metálicas, cidades, forças policiais, impostos, crescimento exponencial da população, a Revolução Industrial e as armas nucleares (toda essa última parte é inventada apenas na extrema direita da curva sólida). As linhas pontilhadas mostram algumas projeções do que pode nos acontecer por causa do aquecimento pelo efeito estufa. Essa figura deixa muito claro que as temperaturas que temos atualmente (ou que teremos em breve, se as tendências presentes continuarem) não são apenas as mais quentes no último século, mas as mais quentes nos últimos 150 mil anos. Essa é outra medida da magnitude das mudanças globais que nós, humanos, estamos gerando. bem como de sua natureza sem precedentes. Por si só o aquecimento global não gera um clima ruim. Mas intensifica a possibilidade de haver um clima ruim. O mau tempo certamente não requer aquecimento global porém todos os modelos computacionais mostram que o aquecimento global deve ser acompanhado d aumentos significativos de mau tempo secas rigorosas no interior. sistemas de tempestades violentas e enchentes perto das costas. tempo mais quente e mais frio em certas regiões tudo provocado por um aumento relativamente modesto na temperatura média planetária. É por isso que um tempo extremamente frio em, digamos, Detroit em janeiro não é a refutação poderosa do aquecimento global que os editoriais de alguns jornais alegam. O mau tempo pode ser muito caro. Para dar um único exemplo, só a indústria de seguros norte- americana sofreu uma perda líquida de uns 50 bilhões de dólares na esteira de um único furacão (Andrew) em 1992, e essa é apenas uma pequena fração das perdas totais de 1992. Os desastres naturais custam mais de 100 bilhões de dólares por ano aos Estados Unidos. Além disso, as mudanças no clima afetam os animais e os micróbios que carregam as doenças. Suspeita-se que as recentes irrupções de cólera, malária, febre amarela, dengue e a síndrome pulmonar do hantavirus tenham todas relação com a mudança do clima. Uma estimativa médica recente é que o aumento na área da Terra ocupada pêlos trópicos e subtrópicos, e a resultante população florescente de mosquitos portadores da malária, provocariam, no final do próximo século, 50 a 80 milhões de casos adicionais de malária por ano. A menos que se faça alguma coisa. Um relatório científico das Nações Unidas de 1996 afirma: "Se é provável que impactos adversos para a saúde da população resultem da mudança climática, não temos a opção usual de procurar evidências empíricas definitivas antes de agir. Uma abordagem de esperar para ver seria imprudente na melhor das hipóteses, e um disparate no pior dos casos". O clima predito para o próximo século depende de estabelecermos se vamos introduzir gases- estufa na atmosfera no ritmo atual, num ritmo acelerado ou num ritmo diminuído. Quanto mais gases-estufa, mais quente fica. Mesmo supondo apenas aumentos moderados, as temperaturas vão Ter aparentemente uma elevação significativa. Mas essas são médias globais; alguns lugares serão muito mais frios e outros muito mais quentes. São previstas grandes áreas de seca crescente. Muitos modelos predizem que grandes áreas mundiais de produção de alimentos no Sul e Sudeste da Ásia, na América Latina e na África sub saariana, vão se tomar quentes e secas. Algumas nações exportadoras de produtos agrícolas nas latitudes médias e elevadas (os Estados Unidos o Canadá, a Austrália por exemplo) a princípio podem ganhar com isso. aumentando muitíssimo as suas exportações. O impacto sobre as nações pobres será mais severo. Neste como em muitos outros aspectos a disparidade global entre os ricos e os pobres pode crescer dramaticamente no século XXI. 24 Milhões de pessoas, com os filhos morrendo de fome, com muito pouco a perder representam um problema prático e sério para os ricos - como ensina a história das revoluções. A possibilidade de uma crise agrícola global provocada pela seca começa a se tomar significativa perto do ano 2050. Alguns cientistas acham que a possibilidade de um grande fracasso agrícola em todo o mundo no ano 2050 por causa do aquecimento estufa é baixa talvez apenas 10%. Mas, é claro, quanto mais esperarmos, maior será a possibilidade. Por algum tempo, alguns lugares - Canadá, Sibéria – podem melhorar (se o solo for apropriado para a agricultura), mesmo que as latitudes mais baixas piorem. Se esperarmos muito tempo, o clima vai se deteriorar em todo o mundo. Enquanto a Terra esquenta, o nível do mar sobe. No final do próximo século, o nível do mar terá talvez subido algumas dezenas de centímetros e, possivelmente, um metro. Em parte, isso se deve ao fato de que a água do mar se expande quando é aquecida, e em parte à liquefação do gelo polar e glacial. Com o passar do tempo, o nível do mar sobe ainda mais. Ninguém sabe quando vai acontecer, mas muitas ilhas habitadas na Polinésia, Melanésia e no oceano Índico vão acabar sendo inteiramente submersas, segundo as projeções, e desaparecer da face da Terra. Bastante compreensivelmente, formou-se uma Aliança dos Estados das Pequenas Ilhas, que se opõe militantemente contra mais aumentos nos gases-estufa. Impactos devastadores também são preditos para Veneza, Bancoc, Alexandria, Nova Orleans, Miami, para a cidade de Nova York e, mais em geral, para as áreas altamente povoadas dos rios Mississippi, Yang-Tsé, Amarelo, Reno, Ródano. Pó, Nilo, Indo, Ganges, Niger e Mekong. O nível do mar cada vez mais elevado vai deslocar dezenas de milhões de pessoas só em Bangladesh. Haverá um novo e imenso problema de refugiados ambientais - à medida que as populações crescem, os meios ambientes se deterioram e os sistemas sociais se tomam cada vez mais incompetentes para lidar com as mudanças rápidas. Aonde deveriam ir? Problemas semelhantes podem ser previstos para a China. Se continuarmos a exercer as nossas atividades como de costume a Terra será cada vez mais aquecida a cada ano. as secas e as enchentes serão endêmicas; muito mais cidades, províncias e nações inteiras ficarão submersas sob as ondas - a menos que sejam tomadas heróicas contramedidas de engenharia em todo o mundo. A longo prazo, podem ocorrer conseqüências ainda mais terríveis, inclusive o colapso da geleira na região oeste da Antártida, o seu rolar para dentro do mar um aumento global significativo no nível do mar e a inundação de quase todas as cidades costeiras no planeta. Os modelos do aquecimento global mostram efeitos diferentes - mudanças na temperatura, secas, mau tempo e a elevação do nível do mar, por exemplo - tomando-se visíveis em diferentes escalas de tempo, desde décadas a um ou dois séculos. Essas conseqüências parecem tão desagradáveis e sua correção tão dispendiosa que naturalmente se tem feito um sério esforço para descobrir alguma coisa de errado na história. Alguns dos esforços são motivados por nada mais que o ceticismo científico padrão a respeito de todas as novas idéias; outros são motivados pelo lucro nas indústrias afetadas. Uma questão-chave é a realimentação. Há realimentações positivas e se beneficiariam se essas alegações fossem verdadeiras. Mas, como indicam os programas dos encontros científicos essa é provavelmente uma esperança vã. A nossa civilização técnica propõe um problema real para si mesma. Por toda parte os combustíveis fósseis mundiais estão degradando simultaneamente a saúde respiratória a vida nas florestas as linhas da costa, os oceanos e o clima mundial. Ninguém pretendia causar danos certamente. Os capitães da indústria dos combustíveis fósseis estavam simplesmente tentando conseguir o máximo de lucro para si mesmos e seus acionistas. oferecer um produto que todos queriam e dar o seu apoio ao poder econômico e militar das nações que por acaso estavam implicadas no processo. O lato de que o dano foi involuntário, as intenções eram boas. a maioria das pessoas no mundo desenvolvido se beneficiou da nossa civilização movida a combustíveis fósseis, muitas nações e gerações contribuíram para o problema - tudo sugere que não é hora de apontar o culpado. Nenhuma nação, geração ou indústria sozinha nos meteu nessa encrenca e nenhuma nação, geração ou indústria vai sozinha nos livrar do apuro. Se quisermos evitar que esse problema climático tenha as piores conseqüências, devemos simplesmente trabalhar juntos e por um longo período. O principal obstáculo é certamente a inércia a resistência à mudança - o imenso estuhlishinent industrial econômico e político inter-relacionado em todo o mundo dependente dos combustíveis fósseis quando estes é que são o problema. Nos Estados Unidos, ã medida que crescem as evidências da seriedade do aquecimento global, a vontade política de fazer alguma coisa a respeito parece estar se atrofiando. 12 FUGA DA EMBOSCADA “E dum que não sente medo aquele que acredita que nada lhe pode acontecer (...\ Sentem medo aqueles que acreditam ser provável que alguma coisa lhes aconteça (...) As pessoas não acreditam nisso quando estão, ou pensam estar, no meio de grande prosperidade, e são por isso insolentes, desdenhosas e temerárias (...). [Mas se) chegarem a sentir a angústia da incerteza, deve haver alguma tênue esperança de salvação.” Aristóteles (384-22 a.C.) Retórica, 138 O que devemos fazer? Como o dióxido de carbono que introduzimos na atmosfera vai permanecer ali por décadas, até importantes esforços de autocontrole tecnológico só surtirão efeito para a próxima geração, no futuro - embora as contribuições de alguns outros gases para o aquecimento global possam ser reduzidas mais rapidamente. Precisamos distinguir entre mitigar o problema a curto prazo e soluciona-lo a longo prazo, embora as duas medidas sejam necessárias. Ao que parece devemos criar por etapas o mais rápido possível uma nova economia energética mundial que não gere tantos gases-estufa e outros poluentes. Mas "o mais rápido possível" vai levar pelo menos décadas para se concretizar, e devemos nesse meio tempo diminuir os danos, cuidando para que a transição cause os menores estragos possíveis no tecido social e econômico do mundo, e para que os padrões de vida não se deteriorem, em conseqüência. A única questão é saber se vamos manipular a crise ou se ela vai nos manipular. Aproximadamente dois dentre três norte-americanos se denominam ambientalistas - segundo uma pesquisa Gallup de 1995 – e dariam prioridade à proteção do meio ambiente em detrimento do crescimento econômico. A maioria concordaria com aumento de impostos, se fossem destinados à proteção ambiental. Ainda assim. pode acontecer que seja impossível - que os interesses industriais investidos sejam tão poderosos e a resistência dos consumidores tão fraca que não ocorra nenhuma mudança significativa em nosso modo habitual de agir até que seja tarde demais, ou que a transição para uma civilização não dependente de combustíveis fósseis tensione de tal modo aja frágil economia mundial que venha a causar o caos econômico. Evidentemente, devemos escolher o nosso caminho com cuidado. Há uma tendência natural para contemporizar: a questão é território desconhecido. Não deveríamos avançar lentamente? Mas então damos uma olhada nos mapas das mudanças climáticas projetadas e reconhecemos que não podemos contemporizar, que é imprudência avançar muito lentamente. O maior emissor de CO no planeta são os Estados Unidos. O segundo maior emissor de CO é a Rússia e as outras repúblicas da antiga União Soviética. O terceiro maior emissor, se os considerarmos em conjunto, são todos os países em desenvolvimento. Esse é um fato muito importante: não é apenas um problema para as nações altamente tecnológicas - por meio da agricultura das queimadas, do uso da lenha, e assim por diante, os países em desenvolvimento também estão dando uma contribuição importante para o aquecimento global. E os países em desenvolvimento têm a maior taxa de crescimento populacional no mundo. Mesmo que não consigam atingir o padrão de vida do Japão, do Crescente do Pacífico e do Ocidente, essas nações vão constituir uma parte cada vez maior do problema. O emissor seguinte, em ordem de cumplicidade, é a Europa ocidental, depois a China e só então o Japão, uma das nações com o emprego mais eficiente de combustíveis fósseis na Terra. Mais uma vez, assim como o aquecimento global é causado por todo o mundo, qualquer solução também deve vir de todo o mundo. A escala de mudança necessária para tratar do âmago do problema é quase desanimadora - especialmente para aqueles traçadores de políticas que estão interessados sobretudo em tomar medidas que lhes trarão benefícios durante os seus mandatos. Se a ação exigida para melhorar a situação pudesse ser incluída em programas de dois quatro ou seis anos, os políticos dariam mais apoio porque então os benefícios políticos poderiam aparecer na época da reeleição. Mas programas de vinte, quarenta ou sessenta anos, quando os benefícios aparecem não só quando os políticos já não tem o seu mandato mas quando estão mortos são politicamente menos atraentes. Sem dúvida, devemos ser cuidadosos para não agir prematura- mente como Creso e descobrir a um alto custo que fizemos algo desnecessário, estúpido ou perigoso. Mas ainda mais irresponsável é a atitude de ignorar uma catástrofe iminente ou esperar ingenuamente que ela desapareça. Não poderíamos encontrar um meio termo de resposta política, que seja apropriada à seriedade do problema, mas que não nos arruine em caso de termos de algum modo - uma realimentação negativa deus ex-machina, por exemplo - superestimado a gravidade da questão? Vamos imaginar que estamos projetando uma ponte ou um arranhacéu. É costume, por exigência, projetar com uma margem de tolerância a colapsos catastróficos muito maior que as prováveis tensões. Por quê? Como as conseqüências do colapso da ponte ou arranhacéu são muito sérias, temos de estar seguros. Precisamos de garantias muito confiáveis. Acho que a mesma abordagem devia ser adotada para os problemas ambientais locais, regionais e globais. E sobre esse ponto, como disse, há uma grande resistência, em parte porque grandes somas de dinheiro são exigidas do governo e da indústria. Por essa razão, vemos cada vez mais tentativas para desacreditar o aquecimento global. Mas é também preciso dinheiro para escorar pontes e reforçar arranha-céus. Isso é considerado uma parte normal do custo de construir grandes obras. Os projetistas e construtores que economizam e não tomam essas precauções não são considerados capitalistas prudentes, porque não gastam dinheiro com aquelas contingências implausíveis. São considerados criminosos. Há leis para assegurar que as pontes e os arranha-céus não caiam. Não deveríamos ter também leis e proscrições morais a respeito das questões ambientais potencialmente muito mais sérias? Quero apresentar agora algumas sugestões práticas sobre como lidar com as mudanças climáticas. Acredito que representam o consenso de um grande número de especialistas, embora sem dúvida não sejam unanimidade. Constituem apenas um começo, apenas uma tentativa de mitigar o problema, mas num nível apropriado de seriedade. Será muito difícil desfazer o aquecimento global e fazer o clima da Terra voltar ao que era, digamos, na década de 60. As propostas também são modestas sob um outro aspecto - todas têm excelentes razões para serem adotadas, independentemente da questão do aquecimento global. Com um monitoramento sistemático do Sol, atmosfera nuvens terra e oceanos, realizado no espaço em aviões em navios e na terra com uma ampla gama de sistemas de sensores, devemos ser capazes de diminuir o espectro de político. Deriva, a meu ver, diretamente do aquecimento pelo efeito estufa. Os três grandes fabricantes de carros com base em Detroit - estimulados e em parte financiados pelo governo federal - estão lenta mas cooperativamente tentando desenvolver um carro que consiga fazer quilômetros por galão, ou o seu equivalente para o caso de carros que são movidos de outra forma que não seja por gasolina. Se os impostos da gasolina fossem elevados, aumentariam as pressões sobre os fabricantes de carros para que construíssem mais carros com uso eficiente de combustível. Ultimamente algumas atitudes têm mudado. A General Motors vem desenvolvendo um automóvel elétrico. "Devemos incorporar nossas diretivas ambientais em nossos negócios", aconselhava Dennis Minano. O vice-presidente comercial na GM em 1996. "As empresas norte-americanas estão começando a perceber que é claramente bom para os negócios (...) Há um mercado mais sofisticado hoje em dia. As pessoas vão nos avaliar se tomarmos iniciativas ambientais e as incorporarmos para obter sucesso em nossos negócios. Vão afirmar: 'Não podemos chamá-los de verdes, mas vamos dizer que vocês têm um baixo teor de emissões ou um bom programa de reciclagem. Vamos dizer que são ambientalmente responsáveis'." Sob o aspecto retórico, é pelo menos algo novo. Mas ainda estou esperando por aquele carro de bom preço da GM que faz 128 quilômetros por galão. O que é um carro elétrico? Você o liga, carrega a sua bateria e sai dirigindo. Os melhores desses carros, feitos de materiais compostos, atingem algumas centenas de quilômetros por carga elétrica e passaram nos testes-padrão de choques. Se quiserem ser ambientalmente saudáveis, vão ter que empregar alguma outra coisa que não as grandes baterias com ácido de chumbo - chumbo é um veneno mortal. E, sem dúvida, a carga que põe o carro elétrico em movimento tem de vir de algum lugar; se, digamos, vem de uma usina elétrica a carvão, nada fez para mitigar o aquecimento global, qualquer que tenha sido a sua contribuição para reduzir a poluição das cidades e rodovias. Melhoramentos semelhantes podem ser introduzidos em todo o resto da economia dependente de combustíveis fósseis: podem-se tornar as usinas a carvão mais eficientes; podem-se projetar as grandes máquinas industriais rotativas para velocidades variáveis; pode- se tornar mais difundido o uso de lâmpadas fluorescentes no lugar das incandescentes. Em muitos casos, as inovações vão poupar dinheiro a longo prazo e ajudar a nos livrar de uma arriscada dependência do óleo estrangeiro. Há razões para aumentar a eficiência com que usamos nossos combustíveis, independentemente de nossa preocupação com o aquecimento global. Mas aumentar a eficiência com que extraímos energia dos combustíveis fósseis não basta a longo prazo. Com o passar do tempo, vai haver mais humanos sobre a Terra e maiores demandas de energia. Não poderíamos encontrar alternativas para os combustíveis fósseis. meios de gerar energia que não produzam gases-estufa, que não aqueçam a Terra? Uma dessas alternativas é bem conhecida - a fissão nuclear que não libera a energia química presa nos combustíveis fósseis. mas a energia nuclear trancada no coração da matéria. Não há carros, nem aviões nucleares, mas há navios nucleares, e há certamente usinas nucleares. Em circunstâncias ideais, o custo da eletricidade da usina nuclear é quase igual ao das usinas que funcionam à base de carvão ou óleo, e essas usinas não geram gases- estufa. Absolutamente nenhum. Porém... Como Three Mile Island e Cheernobyl nos lembram, as usinas nucleares podem desprender radioatividade perigosa ou até derreter. Geram um caldeirão de lixo radioativo de longa vida que deve ser descartado. "De longa vida'' significa realmente longa vida: as meias-vidas de muitos radioisótopos têm uma duração de séculos ou milênios. Se quisermos enterrar esse material temos de nos assegurar de que não vai vazar nem entrar na água subterrânea ou nos surpreender de algum outro modo - e não apenas por um período de anos, mas por um período muito mais longo do que aqueles que no passado fomos capazes de planejar com segurança. Do contrário, estamos dizendo aos nossos descendentes que o lixo que lhes legamos são a sua carga, a sua preocupação o seu perigo - porque não conseguimos descobrir um meio mais seguro de gerar energia. (Na verdade, é exatamente isso o que fazemos com os combustíveis fósseis.) E há um outro problema: a maioria das usinas nucleares usa ou gera urânio e plutônio, que podem ser empregados para fabricar armas nucleares. Elas são uma constante tentação para nações desonestas e grupos terroristas. Se essas questões de segurança operacional, controle do lixo radioativo e desvio para armas nucleares fossem resolvidas, as usinas nucleares poderiam ser a solução para o problema dos combustíveis fósseis – ou pelo menos um importante quebra-galho, uma tecnologia de transição até encontrarmos algo melhor. Mas essas questões não têm sido solucionadas com grande segurança, e não parece haver uma forte perspectiva de que venham a ser. As constantes violações dos padrões de segurança pela indústria de energia nuclear, o encobertamento sistemático dessas violações e o fracasso da Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos em fazer cumprir suas disposições (provocado em parte por restrições orçamentarias) não inspiram confiança. O ônus da prova fica com a indústria de energia nuclear. Algumas nações como a França e o Japão realizaram uma conversão importante para a energia nuclear apesar dessas preocupações. Por outro lado, outras nações - como a Suécia -, que tinham previamente autorizado a energia nuclear decidiram agora eliminá-la por etapas. Devido à ampla inquietação pública a respeito da energia 138 nuclear, todos os pedidos de usinas nucleares apresentados depois de 1973 foram cancelados, e não foi autorizada nenhuma nova usina desde 1978. As propostas para novos armazenamentos ou cemitérios de lixo radioativo são rotineiramente rejeitadas pelas comunidades envolvidas. O caldeirão das bruxas se acumula. Há um outro tipo de energia nuclear - não a fissão quando os núcleos atômicos são divididos mas a fusão quando são unidos. Em princípio, as usinas nucleares de fusão poderiam funcionar com água do mar - um estoque virtualmente inesgotável – sem gerar gases-estufa, sem criar perigos de lixo radioativo e sem que o processo estivesse envolvido com urânio e plutônio. Mas "em princípio" não conta. Estamos com pressa. Com enormes esforços e uma tecnologia muito desenvolvida, estamos talvez no ponto em que um reator de fusão vai mal e mal gerar um pouco mais de energia além daquela que consome. A perspectiva para a energia de fusão é uma perspectiva de sistemas de alta tecnologia, caros, enormes e hipotéticos, que nem mesmo seus defensores imaginam estar funcionando em escala comercial por muitas décadas. Nós não temos muitas décadas. É provável que as primeiras versões gerem quantidades colossais de lixo radioativo. E, de qualquer modo, é difícil imaginar esses sistemas como a resposta para o mundo em desenvolvimento. O que comentei no último parágrafo é a fusão quente - assim chamada por uma boa razão: é preciso elevar os materiais a temperaturas de milhões de graus ou mais, como no interior do Sol, para fazer a fusão funcionar. Houve afirmações de que existe algo chamado fusão fria, anunciada pela primeira vez em 1989. O aparelho fica em cima de uma mesa; introduzem-se alguns tipos de hidrogênio, um pouco de metal paládio, faz-se passar uma corrente elétrica e, assim dizem, surge mais energia do que a introduzida, bem como nêutrons e outros sinais de reações nucleares. Se fosse verdade, poderia ser a solução ideal para o aquecimento global. Muitos grupos científicos em todo o mundo examinaram a fusão fria. Se houvesse qualquer mérito na afirmação, as recompensas, é claro, seriam enormes. O julgamento esmagador da comunidade dos físicos de todo o mundo é que a fusão fria é uma ilusão, uma mistura de erros de medição, ausência de experimentos de controle apropriados e uma confusão entre reações químicas e nucleares. Mas há alguns grupos de cientistas em várias nações que continuam a examinar a fusão fria - o governo japonês, por exemplo, tem dado um pequeno apoio a esse tipo de pesquisa - e cada uma dessas afirmações deveria ser avaliada numa base de caso a caso. Talvez esteja prestes a ser descoberta alguma nova tecnologia sutil e engenhosa – inteiramente imprevista no momento atual - que vai fornecer a energia de amanhã. Houve surpresas antes. Mas seria imprudente apostar nisso. Por muitas razões os países em hidrogênio simplesmente regenera a água. Há muitos desertos no mundo que podem ser empregados com proveito de forma ecologicamente responsável. para colher a luz solar. Há décadas, a energia elétrico-solar ou "foto-voltaica" tem sido usada rotineiramente para impulsionar as naves espaciais perto da Terra e por todo o sistema solar interno. Fótons de luz atingem a superfície da célula e ejetam elétrons, cujo fluxo cumulativo é uma corrente de eletricidade. Essas são tecnologias práticas existentes. Mas quando se é que isso será possível algum dia, a tecnologia elétrico-solar vai ser competitiva com os combustíveis fósseis na geração de energia para as casas e os escritórios? As estimativas modernas, inclusive as do Departamento de Energia, são que a tecnologia solar vai sair do atras o na década seguinte a 2001. É cedo o bastante para fazer uma real diferença. Na verdade, a situação é muito mais favorável que essas estimativas. Quando se faz esse tapo de comparação, os contadores mantêm dois conjuntos de livros - um para consumo público e outro que revela os verdadeiros custos. O custo do óleo cru nos últimos anos tem sido cerca de vinte dólares por barril. Mas as forças militares dos Estados Unidos receberam a missão de proteger as fontes estrangeiras de óleo, e concede-se considerável ajuda financeira a algumas nações em grande parte por causa do óleo. Por que devemos fingir que isso não faz parte do custo de óleo? Toleramos vazamentos de petróleo ecologicamente desastroso (como o do Valde., da Exxon) por causa de nosso apetite por petróleo. Por que fingir que isso não faz parte do custo do óleo? Se acrescentarmos essas despesas adicionais, o preço estimado se tornará cerca de oitenta dólares por barril. Se então adicionarmos os custos ambientais, o preço real será talvez centenas de dólares por barril. E quando a tentativa de proteger o óleo provoca uma guerra, como por exemplo a do golfo Pérsico, o custo se torna mais elevado, e não apenas em dólares. Quando se tenta fazer uma conta que seja aproximadamente justa, torna-se claro que para muitos fins a energia solar (bem como a eólica e a de outros recursos; renováveis) já é muito mais barata do que o carvão o óleo ou o gás natural. Os Estados Unidos e as outras nações industriais deveriam estar fazendo investimentos importantes para aperfeiçoar ainda mais essa tecnologia e instalar grandes conjuntos de conversores de energia solar. Mas todo o orçamento anual do Departamento de Energia para essa tecnologia tem sido aproximadamente o custo de um ou dois aviões de alto desempenho, estacionados no exterior para proteger as fontes estrangeiras de óleo. Se investirmos agora em uso eficiente dos combustíveis fósseis ou em fontes alternativas de energia, colheremos bons resultados no futuro. Mas a indústria, os consumidores e os políticos, como já mencionei, parecem freqüentemente interessados apenas no aqui e agora. enquanto isso, empresas norte-americanas pioneiras de energia solar estão sendo vendidas para firmas estrangeiras. Sistemas elétrico-solares estão sendo provados na Espanha, Itália, Alemanha e Japão. Até a maior usina comercial norte-americana de energia solar, no deserto Mojave, gera apenas algumas centenas de megawats de eletricidade, que ela vende para a Southem Califórnia Edison. Em todo o mundo, os planejadores dos serviços públicos estão evitando investimentos em turbinas eólicas e geradores elétrico-solares. Apesar de tudo, há alguns sinais encorajadores. Os dispositivos elétrico-solares de pequena escala fabricados nos Estados Unidos estão começando a dominar o mercado mundial. (Das três maiores companhias, duas são controladas pela Alemanha e pelo Japão; a terceira, pelas empresas norte-americanas de combustíveis fósseis.) Os pastores tibetanos estão usando painéis solares para acender lâmpadas e ligar rádios; médicos da Somália armaram painéis solares em camelos para manter resfriadas vacinas preciosas nas suas caminhadas pelo deserto; 50 mil pequenas casas na Índia estão sendo convertidas para usar a energia elétrico-solar. Como esses sistemas estão ao alcance da classe média baixa nos países em desenvolvimento, e como são quase isentos de manutenção, o mercado potencial de eletrificação rural solar é imenso. Nós podemos e deveríamos estar fazendo mais esforços. Deveria haver um grande compromisso federal com o aperfeiçoamento dessa tecnologia e incentivos para que cientistas e inventores entrassem nessa área pouco explorada. Por que a "independência de energia" é mencionada com tanta frequência como uma justificativa para s usinas nucleares ou para as perfurações ao largo da costa que são ambientalmente arriscadas – mas tão raramente lembrada para justificar a insolação. carros eficientes ou a energia solar e eólica? Muitas dessas novas tecnologias também podem ser usadas no mundo em desenvolvimento para melhorar a indústria e os padrões de vida. sem que se cometam os erros ambientais do mundo desenvolvido. Se os Estados Unidos pretendem ser o primeiro do mundo em novas indústrias básicas, eis uma que está prestes a decolar. Talvez essas alternativas possam ser rapidamente desenvolvidas numa economia de livre mercado. Ou então, as nações poderiam considerar a possibilidade de impor um pequeno imposto aos combustíveis fósseis, destinado ao desenvolvimento das tecnologias alternativas. A Grã-Bretanha determinou um "Ônus para o Emprego de Combustíveis Fósseis" em 1991, que chega a 11% do preço de compra. Só nos Estados Unidos, isso importaria em muitos bilhões de dólares por ano. Mas, em 1993-6. O presidente Clinton não conseguiu aprovar nem a legislação para um imposto de 5% por galão. Talvez os futuros governos consigam melhores resultados. O que espero que aconteça é a introdução paulatina, num ritmo respeitável, das tecnologias de conversão elétrico-solar, turbinas eólicas e biomassa, bem como do combustível de hidrogênio, ao mesmo tempo que aperfeiçoamos bastante a eficiência com que empregamos os combustíveis fósseis. Ninguém está falando em abandonar completamente os combustíveis fósseis. E improvável que as necessidades de alta intensidade da energia industrial - por exemplo, em fundições de aço e alumínio - sejam fornecidas pela luz solar ou por moinhos de vento. Mas se conseguirmos cortar a nossa dependência dos combustíveis fósseis pela metade ou mais, teremos feito muito. É improvável que tenhamos tecnologias muito diferentes a tempo de acompanhar o ritmo do aquecimento global. Mas já será ótimo se em algum período do próximo século, tivermos disponível uma nova tecnologia - barata, limpa, sem gerar gases-estufa, algo que possa ser construído e consertado nos países pequenos e pobres em todo o mundo. Mas não há nenhum modo de remover o dióxido de carbono da atmosfera, para desfazer parte do estrago que já causamos? O único modo de resfriar o efeito estufa que não só parece seguro como confiável é plantar árvores. As árvores em crescimento retiram CO do ar. Depois de já plenamente desenvolvidas seria remar contra a corrente queimá-las, pois isso anularia o benefício que estamos procurando. Ao contrário deveríamos plantar florestas e as árvores quando plenamente desenvolvidas deveriam ser derrubadas e usadas, por exemplo, para construir casas ou mobília. Ou apenas enterradas. Mas a extensão de terra em todo o mundo que deve ser reflorescida para que o plantio de árvores represente uma contribuição importante é enorme, aproximadamente a área dos Estados Unidos. Isso só pode ser feito com a cooperação de toda a espécie humana. Porém, em vez disso, a espécie humana está destruindo um acre de floresta a cada segundo. Todos podem plantar árvores - indivíduos, nações, indústrias. Mas especialmente a indústria. Os Serviços de Energia Aplicada em Arlington, Virgnia, construíram uma usina de carvão em Connecticut; também estão plantando árvores na Guatemala que vão retirar da atmosfera da Terra mais dióxido de carbono do que a nova usina injetará no ar durante o seu tempo de vida operacional. As madeireiras não deveriam plantar mais florestas - árvores copadas e de crescimento rápido, úteis para mitigar o efeito estufa - do que derrubam? E que dizer das indústrias de carvão óleo, gás natural, petróleo e automóveis? Toda companhia que introduz CO na atmosfera não deveria também se comprometer a retirá-lo? Não é o que todo cidadão deveria fazer? E que dizer de plantar árvores na época do Natal? Ou nos aniversários, casamentos e jubileus? Os nossos ancestrais vieram das árvores, e temos uma afinidade natural com elas. É perfeitamente apropriado que plantemos árvores. Ao extrair sistematicamente da Terra os cadáveres de antigos seres e queimá-los, criamos um perigo para nós mesmos. Podemos mitigar o perigo melhorando a
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