Baixe Biologia Evolutiva Douglas J Futuyma e outras Notas de estudo em PDF para Biologia, somente na Docsity! A Origem e Impacto
do Pensamento
Evolutivo
Capítulo Um
“Idéias antigas são lentamente abandonadas, pois são mais que categorias e formas lógicas
abstratas. São hábitos, predisposições, atitudes de aversão e preferência profundamente enraizadas.
Além disso persiste a convicção - embora a história mostre que se trata de uma alucinação
= de que todas as questões que a mente humana formulou podem ser respondidas em lermos
das alternativas que as próprias questões apresentam. Entretanto, na verdade, o progresso
intelectual normalmente ocorre através do completo abandono das questões, juntamente com
as alternativas que elas pressupõem - um abandono que resulta de sua vitalidade enfraquecida
e de uma mudança do interesse mais urgente, Nós não resolvemos os problemas, passamos
por cima deles. Velhas questões são resolvidas pelo desaparecimento, volatilização, enquanto
os novos problemas, correspondentes às atitudes de iniciativa e preferência modificadas, tomam
seu lugar. Sem dúvida, a revolução científica que teve seu climax em 4 Origem das Espécies
é a maior dissolvente das velhas questões, a maior precipitadora de novos métodos, novas
intenções, novos problemas dentro do pensamento contemporâneo.”
Esta foi a conclusão do filósofo John Dewey em seu ensaio “The Influence of Darwin
on Philosophy" (1910). Um século depois da publicação do livro de Darwin, os filósofos
continuaram afirmando que “não existem ciências atuais, atitudes humanas ou poderes
institucionais que permaneçam não afetados pelas idéias que foram cataliticamente
liberadas pelo trabalho de Darwin” (Collins, 1959).
A teoria da evolução biológica é a expressão amadurecida de duas correntes
revolucionárias de pensamento antitético a uma visão de mundo que prevaleceu por
muito tempo. Em primeiro lugar, o conceito de um universo em constante mudança foi
substituindo a visão, até então não questionada, de um mundo estático, idêntico em sua
essência à criação perfeita do Criador. Mais do que ninguém, Darwin estendeu aos seres
vivos e à própria espécie humana a conclusão de que a mutabilidade, não a estase, é
a ordem natural,
Em segundo lugar, as pessoas buscaram por muito tempo as causas dos fenômenos
em pré-determinações: a vontade de Deus ou as causas finais aristotélicas (os propósitos
pelos quais os eventos ocorrem) ao invés das causas efetuadoras (os mecanismos que
fazem com que os eventos ocorram). Darwin, entretanto, mostrou que as causas materiais
são uma explicação suficiente não apenas para os fenômenos físicos, como Descartes e
Newton haviam feito, mas também para os fenômenos biológicos, com toda a sua
aparente evidência de desígnio e propósito. Ao juntar a variação não finalista, e não
dirigida, ao processo de seleção natural, cego e desvinculado, Darwin tomou supérfluas
as explicações teológicas ou espirituais dos processo vitais. Juntamente com a teoria
materialística da história e sociedade de Marx, e a atribuição do comportamento humano
a influências sobre as quais temos pouco controle, feita por Freud, a teoria da evolução
de Darwin foi um elemento crucial na plataforma do mecanicismo e materialismo - em
grande parte da ciência - a qual tem sido, desde então, o palco da maior parte do
pensamento ocidental.
ORIGENS DO PENSAMENTO EVOLUTIVO
Em toda disciplina científica, as idéias predominantes e mesmo as questões formuladas
são produtos do desenvolvimento histórico. Assim, para entender as preocupações da
biologia evolutiva modema, é essencial conhecer algo de sua história.
Embora a noção de um mundo dinâmico não fosse estranha aos antigos gregos, a
explicação não estática, grandemente mitológica, das origens dos seres vivos de Empédocles
e Anaximandro deu lugar à filosofia de Platão, que foi incorporada à teologia cristã e
JEAN-BAPTISTE DE LAMARCK
Em parte devido a Lamarck, a evolução era um tópico de
discussão comum em meados do século XIX (Lovejoy 1959)
O livro Vestiges of the Natural History of Creation, publicado
anonimamente por Robert Chambers (1844), por exemplo, foi
um trabalho sobre evolução, algo fantasioso, que empregava
as idéias de Lamarck e que foi amplamente lido. Entretanto
as evidências favoráveis à evolução ainda não haviam sido
completamente agrupadas e ordenadas e, uma vez que Lamarck
tinha sido desacreditado, nenhum mecanismo evolutivo
satisfatório era reconhecido. Curiosamente, o conceito de “luta
pela existência” foi utilizado para explicar a extinção, mas
ninguém reconheceu que poderia explicar a modificação das
espécies, exceto William Wells (1818) e Patrick Matthew (1831),
que descreveram o conceito de seleção natural, quase que de
passagem, em publicações pouco lidas e devotadas a outros tópicos.
A carreira de Charles Robert Darwin (1809-1882) começou com sua viagem a bordo
do FL.M.S. Beagle (27 de dezembro de 1831 - 2 de outubro de 1836) como naturalista
do barco. Membro ortodoxo da Igreja Anglicana durante a viagem, ele aparentemente
não aceitou a noção de evolução até março de 1837, quando o omitólogo John Gould
lhe indicou que seus espécimes de tordos-dos-remédios (e não tentilhões) das ilhas
Galápagos eram tão distintos de uma ilha para outra que chegavam a representar espécies
diferentes (Sulloway, 1979). Esta revelação parece ter levado Darwin a duvidar da
imutabilidade das espécies e a começar a ajuntar evidências sobre sua “transmutação”.
Ele estava preocupado não somente em agrupar evidências de evolução, mas também
em conceber um mecanismo que pudesse ser responsabilizado por ela. A teoria da
seleção natural começou a emergir em 28 de setembro de 1838 quando, como Darwin
rememora em sua autobiografia, “aconteceu de eu ler, como entretenimento, o ensaio
de Malthus sobre população e, estando bem preparado para avaliar a luta pela existência
que prossegue em toda parte pela longa e continuada observação dos hábitos de animais
e plantas, imediatamente percebi que, sob estas condições, variações favoráveis tenderiam
a ser preservadas e as desfavoráveis, destruídas.” A leitura de Essay on the Principle
ALFRED RUSSEL WALLACE
é Capítulo Um
of Population (1798) de Malthus, que argumentava que o crescimento sem controle da
população humana deve levar à fome, pode muito bem ter sido parte integral da busca
de Darwin por um mecanismo de evolução, ao invés de um “entretenimento” (M. Kotiler,
comunicação pessoal).
Vinte anos se passaram entre esse memorável evento é a primeira publicação de
Darwin sobre o assunto. Talvez por medo da hostilidade que as especulações de Lamarck
e Chambers tinham encontrado, Darwin se ocupou em adquirir evidências sobre evolução
e trabalhou por oito anos em uma monografia taxonômica de quatro volumes sobre
cirripédios. Em 1844 ele escreveu, mas não publicou, um ensaio sobre seleção natural
e, em 1856, começou a trabalhar naquilo que seria o seu "grande livro”, Narural Selection.
Esse livro, entretanto, nunca foi completado porque, em junho de 1858, Darwin recebeu
um manuscrito entitulado “Sobre a Tendência das Variedades de se Afastarem
Indefinidamente a Partir do Tipo Original”, de autoria de um jovem naturalista, Alfred
Russel Wallace (1823-1913). Tendo se sustentado coletando espécimes biológicos na
América do Sul e no arquipélago malaio, Wallace tinha concebido, independentemente,
a seleção natural. Darwin, por intervenção de seus amigos Charles Lyell e Joseph Hooker,
fez com que partes de seu ensaio de 1844 fossem apresentados juntamente com o
manuscrito de Wallace em uma reunião da Linnacan Society de Londres em 1º de julho
de 1858; nem a apresentação ou a publicação dos ensaios teve muita resposta, Seguindo
o conselho de seus amigos, Darwin publicou então um “resumo” de seu grande livro
em 24 de novembro de 1859, sob o titulo de A Origem das Espécies por meio da
Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida - um livro
que esgotou sua primeira impressão em um dia e pôs em movimento uma controvérsia
que ainda não desapareceu inteiramente,
A ORIGEM DAS ESPÉCIES
A teoria da seleção natural de Wallace era tão cuidadosamente ponderada quanto a de
Darwin, assim ele merece inteiro crédito como co-descobridor do principal mecanismo
da evolução, Entretanto, embora Wallace continuasse a trabalhar sobre tópicos evolutivos
na maior parte de sua vida, especialmente biogeografia, ele nem apresentou uma sintese
de amplo alcance, como Darwin fez em A Origem das Espécies, nem explorou as
ramificações da evolução como Darwin o fez em seus numerosos trabalhos posteriores.
Tem-se convincentemente argumentado (por exemplo Ghiselin 1969) que todos o livros
de Darwin, desde The Curious Conirivances by which Orchids are Fertilised by Insects
até The Formation of Vegetable Mould, through the Action of Wortns, exploram as idéias
e princípios inerentes em A Origem das Espécies.
A Origem das Espécies contém duas teses separadas: que todos os organismos
descenderam com modificação a partir de ancestrais comuns, e que o principal agente
de modificação é a ação da seleção natural sobre a variação individual. Darwin foi o
primeiro a ordenar em grande escala a evidência da primeira tese, a realidade histórica
da evolução, recorrendo a todas as fontes relevantes de informação: à registro fossilifero,
a distribuição geográfica das espécies, anatomia e embriologia comparadas e a modificação
de organismos domesticados. Boa parte de sua argumentação consiste em mostrar o quão
naturalmente observações nessas áreas, tais como as asas vesligiais de besouros não
voadores, podem ser compreendidas a partir da suposição de ancestralidade comum, e
o quão improváveis elas são sob a hipótese da criação especial, Ao desenvolver seus
A Origem e Impacto do Pensamento 7
argumentos, Darwin esteve entre os primeiros a utilizar o que veio a ser denominado
o MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO, pelo qual uma hipótese é testada, determinando-se se
as deduções dela obtidas se coadunam com a observação. Este não era um método de
aceitação geral na época de Darwin, quando se supunha que a ciência devesse ser feita
por indução (obtendo-se conclusões como se elas fossem auto-evidentes, a partir da
acumulação de observações individuais), mas é agora geralmente considerado como o
método mais poderoso da ciência (veja Ghiselin 1969 e Hull 1973 sobre o assunto
complexo dos aspectos filosóficos dos métodos de Darwin).
Como vimos, a idéia de evolução não era original de Darwin, entretanto a evidência
por ele fornecida era tão poderosa que provocou uma reação violenta (especialmente de
base religiosa) e converteu a todos em cerca de vinte anos, exceto alguns poucos cien-
tistas proeminentes. Por outro lado o mecanismo de seleção natural, a idéia verdadeiramente
original de Darwin, convenceu poucos e, na realidade, caiu cada vez mais em descrédito
até o final dos anos vinte deste século. O conceito de “luta pela existência” tinha sido
empregado para explicar a extinção de espécies, mas, enquanto as espécies fossem vistas
como essências platônicas ou “tipos”, a seleção apenas poderia eliminar o inferior, não
dar origem ao novo. À percepção de Darwin e Wallace estava no reconhecimento de
que a variação entre organismos individuais de uma espécie não era mera imperfeição
mas, sim, o material a partir do qual a seleção podia moldar formas de vida mais bem
adaptadas. Darwin modificou o princípio malthusiano de competição aplicando-o não
apenas à competição entre espécies, mas também à competição entre organismos individuais
dentro de uma espécie. A substituição do essencialismo pela ênfase sobre a variação,
feita por Darwin - que Mayr (1976, Capítulos 3 e 19, 1982 a) chamou de pensamento
populacional - foi a base de sua teoria e sua mais revolucionária contribuição à biologia.
CONCEPÇÕES CORRETAS E ERRÔNEAS A RESPEITO DA EVOLUÇÃO
Como todos os conceitos importantes, a evolução gera controvérsia; como muitos conceitos
importantes, ela tem sido usada como uma base ou fundamento intelectual para pontos
de vista filosóficos, éticos ou sociais. Em seu sentido mais amplo, a evolução é meramente
tmudança e, deste modo, é uma idéia de ampla penetração - galáxias, linguagens e
sistemas políticos evoluem. EVOLUÇÃO BIOLÓGICA (ou EVOLUÇÃO ORGÂNICA) é à mudança |
nas propriedades das populações dos organismos que transcendem o período de vida de,
um único indivíduo. A ontogenia de um indivíduo não é considerada evolução; organismos,
individuais não evoluem. As mudanças nas populações que são consideradas evolutivas
são aquelas herdáveis via material genético, de uma geração para a outra. A evolução
biológica pode ser pequena ou substancial; ela abrange tudo, desde pequenas mudanças
na proporção de diferentes alelos dentro de uma população (tais como aqueles que
determinam o tipo sanguíneo), às alterações sucessivas que levaram os primeiros
proto-organismos a se transformarem em caramujos, abelhas, girafas e dentes-de-leão.
Os diversos mecanismos de evolução incluem a seleção natural, que é responsável
pelas adaptações dos organismos a diferentes ambientes. Nem a seleção natural, nem
qualquer dos outros mecanismos são providenciais, a seleção natural, por exemplo, é
meramente a sobrevivência ou reprodução superior de algumas variantes genéticas em
comparação com outras, sob quaisquer condições ambientais que estejam prevalecendo
no momento. Deste modo a seleção natural não pode equipar uma espécie para encarar
novas contigências futuras e não tem propósito ou direção - nem mesmo a sobrevivência
10 Capítulo Um
do trabalho de Mendel. Ainda assim, as idéias Lamarckistas tiveram seus advogados no
século vinte, e não desapareceram por completo ainda hoje (veja Fitch 1982 e Pollard
1984, para pontos de vista contrastantes).
A descoberta, em 1900, da demonstração de Gregor Mendel da herança particulada
deveria ter levado à imediata aceitação da teoria da seleção natural de Darwin. Com a
teoria de Mendel, o “problema” da herança por mistura não tinha mais força - a
recombinação entre locos pode amplificar a variação e novas variantes estáveis podem
surgir por mutação, Ao invês disso, a genética Mendeliana foi interpretada inicialmente
como um golpe mortal para a teoria de Darwin. Super-simplificando uma história
complexa (uma discussão completa pode ser encontrada em Provine 1971), Hugo deVries,
William Bateson e outros mendelianos pioneiros descartaram a variação contínua entre
individuos como sendo inconsequente e principalmente não genética, enfatizando o papel
das variantes descontínuas que mostravam frequências mendelianas e herança particulada
distinta. Uma vez que eles encaravam “espécies” como sendo formas que diferiam de
modo discreto em morfologia, acreditavam que estas surgem em um ou poucos passos
como mutações descontinuas. Se a espécie pode surgir puramente através de mutação,
sua origem não requer a seleção natural. Deste modo, os principios-chave de Darwin,
a seleção natural e a mudança gradual, foram descartados. (Uma extensão importante
deste ponto de vista foi a alegação de Richard Goldschmidt em seu trabalho de 1940,
The Material Basis of Evolution, de que novas espécies ou mesmo táxons superiores
surgem instantaneamente através de “mutações sistêmicas”, não de genes individuais,
mas do complemento cromossômico inteiro.) Portanto, no começo do século vinte, a
teoria da mudança evolutiva de Darwin estava em seu ocaso; ela era rejeitada não
somente pelos geneticistas mendelianos, mas também por muitos paleontólogos que
esposavam teorias “ortogeréticas”, ou direcionais, que se apoiavam ou em princípios de
aperfeiçoamento intrínsecos, dirigidos (como Lamarck tinha feito), ou na premissa de
que a constituição genética dos organismos os limita a evoluir apenas em certas direções,
A SÍNTESE MODERNA
Desde, aproximadamente, 1930, muitos dos destaques da teoria evolutiva - a grande
importância da seleção natural, a natureza da especiação como a aquisição gradual do
isolamento reprodutivo entre populações e a evolução gradual dos táxons superiores -
não podem ser compreendidas exceto à luz do descrédito no qual havia caído o
darwinismo. A teoria evolutiva modema tem sua fundação na SÍNTESE EVOLUTIVA ou
SÍNTESE MODERNA que, aproximadamente de 1936 a 1947, moldou as contribuições da
genética, sistemática e paleontologia em uma nova TEORIA NEO-DARWINISTA, que reconciliou
a teoria de Darwin com os fatos da genética (Mayr e Provine, 1980).
Entre as informações que contribuíram para este desenvolvimento estavam as
demonstrações decisivas, feitas por geneticistas, de que as características adquiridas não
são herdáveis, e que a variação contínua tem precisamente a mesma base Mendeliana
que a variação descontínua, assegurando a segregação de numerosos genes particulados,
cada um com um pequeno efeito fenotípico. Alguns naturalistas e sistematas fomeceram
evidências de que a variação dentro e entre raças geográficas tinha uma base genética,
e que algumas formas de variação geográfica são adaptativas, No final dos anos vinte,
Sergei Chetverikov e seus colaboradores na Rússia começaram a revelar a ampla variação
genética oculta em populações naturais de Drasophila, um programa de pesquisa que
RONALD A. FISHER 18.8. HALDANE SEWALL WRIGHT
Theodosius Dobzhansky (1900-1975) ampliou grandemente depois que se mudou da
Rússia para os Estados Unidos, em 1927. Sistematas desenvolveram a compreensão de
que espécies não são tipos morfológicos mas, sim, populações variáveis que são isoladas
reprodutivamente de outras tais populações.
A Sintese Evolutiva emergiu não tanto a partir de novas informações quanto de
novos conceitos. A teoria de genética de populações, iniciada em 1908 por G. Hardy e
W. Weimberg, provando independentemente o “teorema de Hardy-Weimberg”, foi
vislumbrada por Chetverikov em 1926 mas desenvolvida por completo por Ronald A.
Fisher (1890-1962) e John B. S. Haldane (1892-1964) na Inglaterra, e Sewall Wright
(1889*) nos Estados Unidos. Fisher, em The Genetical Theory of Natura! Selection
(1930), e Haldane, em The Causes of Evolution (1932), desenvolveram de modo completo
* Sewvall Wright faleceu em 1988 (N.T).
JULIAN HUXLEY
ERNST MAYR
12 Capítulo Um
a teoria da mudança de frequência gênica sob seleção natural, e mostraram que até
mesmo pequenas diferenças seletivas poderiam ocasionar a mudança evolutiva, De 1917
em diante, Wright (notavelmente Wright 1931, 1932) desenvolveu uma teoria genética
ampla, que abarcava não apenas seleção, mas endocruzamento, fluxo gênico e os efeitos
do acaso (deriva genética casual). O conteúdo e o poder dessas teorias não eram
completamente evidentes para a maioria dos biólogos, mas suas principais conclusões
tiveram impacto.
Os elementos teóricos da genética de populações e os numerosos dados sobre a
variação genética e a genética das diferenças entre espécies foram magistralmente
sintetizadas em 1937 em um dos mais influentes livros do período, Genetics and the
Origin of Species, de Dobzhansky. Emest Mayr (1904-) elucidou, em Systematics and
the Origin of Species (1942), a natureza da variação geográfica e da especiação,
incorporando muitos dos princípios genéticos que Dobzhansky articulou. George Gaylord
Simpson (1902-1984), em Tempo and Mode in Evolution (1944) e The Major Features
of Evolution (1953), se baseou igualmente em Dobzhansky e Wright para mostrar que
os dados paleontológicos eram completamente consistentes com a teoria neo-darwinista.
Evolution: the Modern Synthesis, de Julian Huxley (1942), talvez a sintese mais abrangente
da genética e da sistemática, contribuiu muito para estabelecer o neo-darwinismo na
Inglaterra. O zoólogo Bernhard Rensch (1900-), na Alemanha, desenvolveu
independentemente uma interpretação neo-darwinista da evolução em Neuere Probleme
der Abstammnungslehre (1947), cuja segunda edição foi traduzida para o inglês em 1959
como Evolution above the Species Level, A sistemática e genética vegetal foram sintetizadas
ai
G. LEDYARD STEBHINS GEORGE GAY LORD SIMPSON THEODOSIUS DOBZHANSKY
A Origem e Impacto do Pensamento 15
prevêem eventos futuros em detalhe; as equações da genética de populações não prevêem
o caminho evolutivo detalhado de uma população mais do que qualquer equação de
fisica pode prever o clima de daqui a um ano. Ao invés disso, o papel dos modelos
na biologia evolutiva é especificar as condições sob as quais eventos concebiveis têm
maior ou menor probabilidade de ocorrer e, deste modo, fornecer uma gama restrita de
explicações possíveis para as observações (Lewontin 1985). Modelos formulados
matematicamente também estipulam as relações quantitativas entre as forças em interação,
que irão permitir que um evento ou outro venha a ocorrer. Por exemplo, um modelo
simples mostrará que uma mutação que é deletéria em heterozigose não poderá aumentar
sua frequência em uma população grande, mesmo se a mutação é altamente vantajosa
quando em homozigose. Um modelo mais complexo mostra que tal mutação pode,
realmente, tornar-se mais frequente em uma população pequena é que, quanto menor a
população, a mutação, mesmo sendo deletéria, ainda assim pode apresentar uma apreciável
probabilidade de incremento. Desse modo, se observamos diferenças entre populações,
em alelos que se encaixam nesta descrição, estaremos inclinados a inferir que as
populações foram pequenas em algum período no passado.
Os modelos são extremamente importantes na teoria evolutiva, mas o estudo empírico
é, obviamente, igualmente importante. Em primeiro lugar a observação e os experimentos
são necessários para descrever os fenômenos que requerem explicação e levantar questões.
Em segundo lugar, apenas os estudos empíricos podem nos informar a respeito de quais
das condições que um teórico pode conceber realmente ocorrem, e com que frequência;
nós podemos imaginar mutações que são deletérias quando em heterozigose e, vantajosas,
quando em homozigose, mas apenas as observações podem nos dizer se tais mutações
existem e se são comuns. Do mesmo modo, a observação pode nos indicar quais das
inumeráveis complexidades que podem existir são importantes e quais podem ser ignoradas.
Além disso, a teoria frequentemente fornecerá diversas explicações alternativas para uma
dada observação: o estudo empírico é necessário, então, para se decidir qual explicação
é a mais provável.
Finalmente, a observação tem outra função além de oferecer apoio à nossa busca
intelectual da compreensão das leis da natureza: é o veiculo pelo qual alcançamos a
satisfação estética de conhecer a natureza. Alguns biólogos têm motivações puramente
intelectuais para estudarem orquídeas, borboletas ou bactérias, alguns também descobrem
beleza na polinização de orquídeas ou na estrutura de uma célula. Descrever a história
e a diversidade dos seres vivos, fornecer o conhecimento pelo conhecimento, é enriquecer
a humanidade.
A EVOLUÇÃO COMO FATO E TEORIA
Umas poucas palavras devem ser ditas sobre “a teoria da evolução”, que a maioria das
pessoas entendem ser a proposição de que os organismos evoluiram a partir de ancestrais
comuns. Na linguagem do dia-a-dia, “teoria” muitas vezes significa uma hipótese ou
mesmo uma mera especulação. Em ciência, entretanto, “teoria” significa “uma proposição
do que é sustentado como sendo as leis gerais, princípios ou causas de algo conhecido
ou observado”, como define o Oxford English Dictionary. A teoria da evolução é um
conjunto de afirmações interligadas sobre seleção natural e outros processos que, conforme
tó Capítulo Um
se pensa, causam a evolução, assim como a teoria atômica da quimica e a teoria da
imecânica newtoniana são conjuntos de afirmações que descrevem causas de fenômenos
químicos e físicos. Diferentemente, a afirmação de que organismos descenderam, com
modificações, a partir de ancestrais comuns - a realidade histórica da evolução - não é
uma teoria. É um fato, tanto quanto o fato das revoluções da Terra ao redor do Sol.
Assim como o sistema solar heliocêntrico, a evolução começou como uma hipótese e
atingiu o status de “fato” à medida que evidências a seu favor se tornaram tão poderosas
que nenhuma pessoa destituida de preconceitos e munida de conhecimento pode negar
sua realidade. Nenhum biólogo, hoje, pensaria em apresentar um artigo para publicação
entitulado “Nova Evidência para a Evolução” - faz um século que, simplesmente, isto
não é questionável,
Os oponentes atuais da evolução, quase sem exceção, sustentam suas posições não
com base em argumentação lógica, mas em emoções e crenças religiosas. Recentemente
o criacionismo ressurgiu nos Estados Unidos é em outros lugares, não como um fenômeno
científico, mas como uma questão social, parte de uma ideologia reacionária mais ampla
que constitui uma ameaça real à integridade e qualidade do ensino público. A alternativa
dos criacionistas à evolução é simplesmente uma interpretação literal dos primeiros
capítulos do livro bíblico do Gênese, constantemente travestido na linguagem da biologia,
mas carente de substância científica.
Não apresentei, neste livro, análises do criacionismo ou uma discussão explícita das
evidências da evolução; tratei desses assuntos amplamente em outra publicação (Futuyma,
19834). Outros livros sobre o assunto incluem o de Kitcher (1982), que trata a matéria
principalmente sob um ponto de vista filosófico; Newell (1982), que enfatiza o registro
fossilifero, e Godfrey (1983), que compilou ensaios de diversos autores sobre as várias
facetas do conflito.
RESUMO
A evolução, um fato e não uma hipótese, é o conceito central e unificador da biologia.
Ela afeta, por extensão, quase todos os outros campos do conhecimento e deve ser
considerado um dos conceitos mais influentes do pensamento ocidental. Seus principios
têm sido frequentemente mal interpretados (“evolução", por exemplo, geralmente é
igualada a “progresso") e a ciência objetiva da biologia evolutiva tem sido muitas vezes
estendida para o reino subjetivo da ética e, ilegitimamente, utilizada como justificativa
tanto para políticas pemniciosas quanto humanitárias nos campos social e científico.
Era amplamente difundido, antes de Darwin, o reconhecimento da ocorrência da
evolução e, juntamente com outros avanços da ciência, foi uma grande mudança da
visão no mundo ocidental, que acreditava em uma Grande Cadeia dos Seres, estática e
ordenada, que era natural e, pocanto, boa. Oferecendo a idéia da seleção natural, Darwin
e Wallace transformaram a especulação em teoria científica. A maior parte de suas idéias
tem sido validadas por mais de um século de pesquisa subsegiente, na qual a biologia
evolutiva, especialmente através do crescimento da genética, se transformou cada vez
mais em um conjunto de princípios explanatórios intrincados, abrangentes e sofisticados.
PARA DISCUSSÃO E REFLEXÃO
1. Analise é avalie o verso de Emerson:
A Origem e Impacto do Pensamento 17
“Striving to be man, the worm
Mounts through all the spires of form.”
“Lutando para se tomar humano, o verme
ascende por toda a espiral da forma”.
2. Embora este ponto de vista tenha se tornado cada vez mais indefensável à luz do conhecimento
histórico, alguns autores postulam que, apesar de Darwin ser um bom observador, ele não era
muito original ou criativo. Contraste e avalie os pontos de vista antitéticos deste assunto
sustentados por Himmelfarb (1959) e Ghiselin (1969).
3. Uma conclusão perturbadora que algumas pessoas retiram da evolução é que os humanos não
são mais do que animais. Este é um exemplo do que tem sido chamado de filácia reducionista.
Em que sentido é uma falácia? O falo de que um organismo consiste de um conjunto de
sistemas bioquímicos que evoluiu significa que a vida nada mais é do que moléculas em
movimento, e que toda a biologia pode ser explicada em termos bioquímicos? Nossa relação
evolutiva com outros animais significa que todas as nossas características é atividades têm as
mesmas causas que as deles?
4. Compare as posições dos darwinistas sociais com a da afirmação de T.H. Huxley, feita em
1893: "Compreghdemos, de uma vez por todas, que o progresso ético da sociedade depende
não de se iniciar o processo cósmico [da seleção natural], e menos ainda de fugir dele, mas
de combatê-lo.”
5. Os biólogos sustentam que a evolução não tem um propósito. Assim não há sentido em se
perguntar que propósito é atendido pela existência de solitárias, porcos-da-terra ou humanos,
Muitas pessoas igualam a ausência de propósito com “acaso”. Analise o conceito de “acaso”
ou “casualidade”, Em que sentido é o acaso responsável pela evolução?
6. O ideal do progiesso é uma parte tão integrada de nosso pensamento que pode-se tornar uma
autêntica revelação perceber que é, principalmente, um conceito ocidental, e que mesmo no
ocidente é um ponto de vista recente, tendo se originado não anteriormente ao século dezesseis.
Por que este conceito é tão atraente? É possível determinar objetivamente se a história da
evolução, ou da sociedade, tem sido uma história de progresso?
7. Discuta a proposição de que não é possível, mesmo em princípio, determinar-se as causas de
um evento histórico singular (único).
8. Quais são os argumentos pró e contra as reivindicações de criacionistas de que o criacionismo
seja ensinado como uma teoria alternativa à evolução? Todas as teorias altemativas sobre um
assunto necessitam igualmente de nossa atenção?
9. O filósofo da ciência Karl Popper (1968) propós que uma teoria não é científica a menos que
possa ser refutada se estiver errada, Algumas pessoas têm argumentado que a teoria evolutiva
é tão flexivel que ela pode ser ampliada a fim de explicar qualquer observação imaginável;
deste modo, ela não seria refutável ou testável, e assim não seria uma teoria científica. É
verdade que nenhuma evidência concebível poderia falsear a realidade da evolução? O critério
de Popper é válido para teorias científicas? Pode ser feita uma distinção entre teorias científicas
e não cientificas? (veja a discussão de Kiteher, 1982, sobre este assunto em relação à evolução.
REFERÊNCIAS PRINCIPAIS
As referências no final de cada capítulo normalmente incluem algumas que fornecem uma estrutura
básica sobre o assunto, mas a maioria compreende os principais trabalhos que oferecem um
tratamento abrangente e uma introdução à literatura técnica.
Greene, 1.€, 1959. The death of Adam: Evolution and its impact on Western thoughu. lowa State University
Press, Ames, 368 pp. Uma descrição acadêmica, mas de fácil leitura, da história do pensamento
evolutivo até “A Origem das Espécies" e seu impacto.
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Muitas das características dos organismos são adaptações a seu ambiente. Grande parte
da biologia, seja bioquímica, fisiologia ou ecologia consiste, na realidade, do estudo das
adaptações, aquelas características que, tendo evoluído através da seleção natural, capacitam
os organismos a sobreviver e a se reproduzir frente às inumeráveis contingências que
os assediam. Entretanto, o ambiente de um organismo, a totalidade dos fatores que
influenciam suas atividades, seus feitos e destino final, podem ser difíceis de serem
caracterizados. Meu objetivo, neste Capítulo, é rever aqueles aspectos da ecologia - o
estudo das interações entre os organismos e seu ambiente - mais pertinentes à evolução
e caracterizar O conceito de ambiente.
ADAPTAÇÃO E AMBIENTE
É importante ter em mente que nem toda a evolução consiste no desenvolvimento de
adaptações através de seleção natural; muitos outros fatores, incluindo o acaso, influenciam
a evolução. Mas mesmo que restrinjamos nossa atenção à evolução através da seleção
natural, existem numerosos fatores seletivos além daqueles impostos pelo mundo ecológico
extemo, Dentre esses fatores destacam-se as relações intemas entre caminhos bioquimicos
e do desenvolvimento, e as relações intemas entre diferentes órgãos, o que organiza a
seleção por exigir que as novas características sejam compatíveis com o restante da
organização interna do organismo. +
O ambiente ecológico inclui tanto fatores bióticos quanto abióticos. O clima, salinidade,
tipo do solo, disponibilidade de água e outras características fisicas e químicas são
importantes. Outras espécies também - incluindo presas, predadores, agentes patogênicos,
competidores e mutualistas, são parte importante do ambiente de cada espécie. Além
disso, outros membros da espécie de um indivíduo, com os quais o indivíduo pode
acasalar, competir por recursos ou parceiros reprodutivos ou interagir em vários contextos
sociais, são também peças importantes de seu ambiente. Deste modo, as propriedades
da população tais como densidade, proporção sexual ou composição genética podem se
impor de modo decisivo sobre as perspectivas de cada individuo de sobreviver e de se
reproduzir.
As características do ambiente que mais importam variam de espécie para espécie
devido às suas histórias evolutivas diferentes, não é exagero dizer que, em virtude de
sua evolução passada, as espécies criam seus próprios ambientes (Lewontin 1983). Para
um besouro predador, a composição química das plantas entre as quais forrageia é, em
grande parte, irrelevante, mas se um besouro desenvolve o hábito da herbivoria, os
compostos químicos vegetais que agem como toxinas, repelentes ou estimulantes alimentares
se tomam extremamente importantes. Espécies de besouros cujas larvas se alimentam
nas superfícies superiores das folhas, enfrentam um ambiente muito mais quente e seco
que aqueles que se alimentam nas superfícies inferiores; as larvas de besouros que
perfuram os ramos das plantas habitam um ambiente inteiramente diferente. Não somente
a evolução passada de uma espécie determina o seu ambiente; assim também o faz suas
atividades atuais, uma vez que espécies escasseiam recursos, liberam metabólitos tóxicos
e alteram suas vizinhanças de numerosas outras maneiras. Ássim, espécies e ambiente
alteram um ao outro de maneira recíproca. É errôneo pensar em espécies como simples
recipientes passivos de um rigoroso destino extemo; elas são participantes ativas numa
troca dialética entre organismos e ambiente.
Tamanho da presa
Temperatura
B Tamanho da presa
Temperatura
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 21
FIGURA 1
(A) Duas dimensões do nicho ecológico para cada
uma de duas espécies, A e B; talvez elas sejam
bivalves estuarinos, cada uma restrita a uma gama
de temperaturas e de tamanhos de partículas que
podem ingerir. Cada ponto no espaço representa
um ambiente possível, uma combinação de tamanho
de partícula e temperatura, Se uma localidade
apresenta apenas ambientes nas vizinhanças do
ponto 3, as espécies competem intensamente. Se
existem alguns microhábitats mais quentes (próximo
do ponto 1) para o qual A está adaptada e algumas
presas grandes (próximo do ponto 2) assim como
menores (pontos 1, 3), às espécies devem ser capazes
de coexistir. Se os únicos microhábitats estão
próximos do ponto 4, nenhuma das espécies irá
ocorrer. (B) Três dimensões do nicho de uma espécie
são representados Se uma Jocolidade contém
combinações das três variáveis que se situam dentro
da figura sólida (o nicho da espécie), a espécie pode
sobreviver, Note que a combinação de altas
temperatura e salinidade é adversa para a espécie.
ONICHO ECOLÓGICO
Dentre um grande número de fatores, cada um individualmente afeta a capacidade de
uma espécie de sobreviver é se reproduzir e, deste modo, determina parcialmente se ela
pode persistir em um determinado local. Por exemplo, um bivalve pode tolerar uma
certa gama de temperaturas e se alimentar numa faixa de plâncton de um determinado
tamanho. Seguindo Hutchinson (1957), nós podemos desenhar um gráfico bi-dimensional
ho qual um único ponto represente um ambiente com uma temperatura e tamanho de
Presa particulares. Parte desse espaço representa, então, a gama de possibilidades na
qual uma espécie pode persistir (Figura 1A). Podemos adicionar um terceiro eixo
correspondendo, digamos, à salinidade, definindo deste modo um espaço tri-dimensional
(Figura 1B) que contém a região que representa combinações toleráveis de temperatura,
tamanho de presa e salinidade. Para levar em consideração outros fatores ambientais,
teriamos que desenhar muitos outros eixos (o que só podemos fazer na imaginação).
Nós concebemos um espaço n-dimensional, com um eixo para cada um dos n fatores
ambientais. Dentro desse espaço está uma região que consiste em uma nuvem de pontos,
cada um representando uma combinação particular de temperatura, tamanho de presa,
salinidade, concentração de cobre, abundância de estrelas-do-mar e assim por diante, e
que juntos constituem ambientes que conduzem à sobrevivência e reprodução da população
de bivalves. Hutchinson denominou esta região, constituída de um conjunto de ambientes
Possíveis no qual uma espécie pode subsistir, de NICHO ECOLÓGICO fundamental da
espécie, Devido a diferentes fenólipos poderem apresentar limites de tolerância diferentes
Para vários dos eixos do nicho, o nicho ecológico pode evoluir e, na realidade, irá
frequentemente variar entre as diferentes populações geográficas de uma espécie.
22 Capítulo Dois
Com relação a qualquer variável ambiental, uma população pode ter um nicho amplo
ou estreito; ela pode ser relativamente ESPECIALIZADA (OU ESTENOTÓPICA) ou
GENERALIZADA (DU EURITÓPICA). Normalmente, uma espécie é especializada em alguns
aspectos e generalizada em outros. Por exemplo, as larvas da mariposa Alsophila pometaria
se alimentam de várias espécies de árvores mas o fazem somente na primavera; larvas
de outra mariposa geometrídea, ame pustularia, se alimentam somente das folhas de
bordo mas passam por diversas gerações durante a primavera e verão. Ao invés de se
referir a uma espécie como especializada, é melhor especificar sob que aspecto ela é
especializada.
Em algumas situações, é útil focalizar apenas um ou dois eixos do nicho. Por
exemplo, quando os ecólogos se referem ao grau de “sobreposição de nicho” de duas
espécies de aves, eles frequentemente estão se referindo ao uso comum de uma única
variável pelas espécies, como o tamanho das sementes que comem,
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
A distribuição de uma espécie pode ser descrita em termos geográficos (por exemplo,
a tartaruga do pântano, Clemmys muhlenbergi, está restrita ao leste da América do Norte)
e em termos ecológicos (a tartaruga do pântano está restrita aos pântanos de esfagno e
ambientes similares). Distribuições geográficas estão frequentemente limitadas pela história
- a espécie pode não ter ainda se dispersado para áreas potencialmente adequadas. Alguns
limites geográficos também são fixados por fatores ecológicos tais como clima e
competição com outras espécies (Krebs 1978; Brown e Gibson 1983). O estudo das
distribuições geográficas das espécies, a bivgeografia, é assunto do Capitulo 13.
Dentro de sua área geográfica, a distribuição de cada espécie é irregular em graus
diversos devido à variação espacial das caracteristicas físicas, a disponibilidade de
recursos, e outras espécies que agem como competidoras, predadoras ou parasitas. Muitas
espécies, particularmente aquelas que possuem necessidades bem precisas, consistem de
algumas a muitas populações pequenas que estão, com frequência, amplamente separadas.
O reconhecimento de que uma espécie está dividida em populações locais que geralmente
consistem de apenas algumas dezenas ou centenas de individuos, teve um impacto
importante sobre nosso entendimento dos processos evolutivos (Capítulo 5). Além do
mais, as populações pequenas são muito susceptíveis de extinção, e a persistência de
uma espécie em um local particular depende muitas vezes do influxo continuo de
migrantes de outras populações. Por exemplo, o que parecia ser uma única população
de borboletas "checkerspot” provou ser, na realidade, três subpopulações cujo tamanho
flutuava independentemente; ao longo de dez anos, subpopulações se extinguiram em
diversas ocasiões e foram restabelecidas por novos imigrantes (Brussard et al, 1974).
Para uma espécie com pequena capacidade de dispersão, habitats podem estar desocupados
porque não foram recolonizados.
CRESCIMENTO POPULACIONAL
A densidade e permanência da população de uma espécie em qualquer local depende
de sua capacidade de aumentar numericamente e dos fatores que limitam sua abundância.
A compreensão dessa dinâmica de populações é essencial para uma apreciação correta
da teoria evolutiva (veja Wilson e Bossert 1971; Ricklefs 1979).
O Contexto Ecológico da Mudança Evodwtina 25
FIGURA 4
A função Vi para Drosophila serrata a 20C (linha
continua) e a 25% (linha tracejada). Vi é à
contribuição de uma fêmea de idade + à taxa de
crescimento populacional. Apesar da diferença de
dez vezes pa produção tola) de descendentes nessas
duas temperaturas, ambas as funções Vi dão o
mesmo valor de rm devido à importância das
ninhadas produzidas precocemente à 25'C. (De
Lewontin 1965)
onde L é a idade máxima atingida,
A taxa de aumento potencial de uma população é, com frequência, diferente de sua
taxa real. A taxa de mortalidade à pode ser grande o suficiente para igualar a taxa de
natalidade b, de maneira que r = 0 e o tamanho de população é constante. À taxa real
de crescimento, r, é diferente da TAXA INTRÍNSECA DE CRESCIMENTO NATURAL, Fm, à
qual é a taxa per capita de crescimento que uma população, com uma distribuição etária
estável, teria num dado ambiente se fosse absolutamente livre de fatores, tais como
predação e escassez de alimento, que reduzem o crescimento populacional. Esta rm difere
de um ambiente para outro; uma cultura de bactérias que não lenha limitação de nutrientes
cresce mais rapidamente em temperaturas mais altas. Quando uma população está
crescendo e a sua taxa intrínseca de crescimento natural (Fm) é específica para aquele
dado ambiente, diz-se que seu crescimento é INDEPENDENTE DA DENSIDADE.
O EFEITO DA DENSIDADE SOBRE O CRESCIMENTO POPULACIONAL
À medida que uma população cresce, as taxas de natalidade e mortalidade específicas
de cada idade alteram-se, de tal modo que a taxa real de crescimento r não é constante,
Em densidades muito baixas, 7 pode ser menos que a máxima porque a sobrevivência
e reprodução podem depender de interações sociais favoráveis ou da necessidade de
encontrar parceiros. Mas à medida que a densidade aumenta, à população pode esgotar
seus recursos, envenenar seu ambiente com restos metabólicos ou propiciar o crescimento
de predadores ou agentes patogênicos. O crescimento populacional torna-se, então,
DEPENDENTE DA DENSIDADE. Nos modelos de crescimento dependentes da densidade mais
frequentemente utilizados (e irrealisticamente simples), supõe-se que, à medida que a
densidade cresce, a taxa de natalidade declina e/ou a taxa de mortalidade aumenta
linearmente, de tal modo que o crescimento real r declina com uma inclinação c de
seu valor intrinseco rm, de acordo com a equação:
remo eN
26 Capítulo Dois
Um pouco de álgebra e a relação rm/c = K produz a EQUAÇÃO LOGÍSTICA do crescimento
populacional em um ambiente limitado;
aN/dt = rmN(K - NYE
De acordo com esta equação, o crescimento populacional comporta-se sigmoidalmente,
diminuindo e finalmente estacionando quando a densidade de equilibrio N = K é atingida
(Figura 2). De modo mais apropriado, K é meramente a densidade de equilíbrio, a qual
pode ser fixada através de, digamos, predação; entretanto é frequentemente referida como
a CAPACIDADE DE SUPORTE do ambiente, Esta expressão é adequada se a densidade é
limitada pela escassez de recursos tais como alimento ou espaço.
Todas as espécies têm a capacidade de crescer exponencialmente, mas nenhuma o
faz indefinidamente. Na realidade, a aproximação ao equilíbrio raramente é uma curva
sigmóide perfeita, por diversas razões. Uma destas é que o efeito da densidade sobre
as taxas de natalidade pode não se fazer sentir até algum tempo após a densidade ter
aumentado (isto é, existe um atraso). Quando isto ocorre, a população pode oscilar em
seus números à medida que se aproxima do equilibrio e, até mesmo, oscilar violentamente
e de modo imprevisível ao redor de sua densidade teórica de equilíbrio, ao invés de se
assentar em um valor constante (May é Oster 1976).
Na maioria das populações naturais existe um EXCESSO REPRODUTIVO considerável:
nascem mais indivíduos que aqueles que sobrevivem até se reproduzir Essa percepção
foi critica na formulação, por Darwin, da idéia de seleção natural - como ele disse em
A Origem das Espécies, *..como são produzidos mais individuos do que aqueles que
podem sobreviver, deve haver em cada caso uma luta pela existência, ou de um indivíduo
contra outro da mesma espécie, ou com indivíduos de espécies distintas, ou com as
condições físicas de vida... devido a esta luta, as variações, não importando o quão
pequenas ou quaisquer sejam suas origens, se de algum modo são lucrativas para os
indivíduos de uma espécie em suas relações infinitamente complexas com outros seres
orgânicos e suas condições físicas de vida, favorecerão a preservação de tais indivíduos,
e serão geralmente herdadas por seus descendentes.” A redução do crescimento populacional
dependente da densidade não é necessária para a operação da seleção natural (Capítulo
6), mas ela oferece oportunidades consideráveis para que a seleção ocorra.
A natureza dos limites à densidade
Os fatores que limitam a densidade de populações na natureza são o assunto de uma
antiga controvérsia (Cold Spring Harbor Symposium 1957, Den Boer e Gradwell 1970;
veja qualquer dos diversos livros de ecologia para um resumo, por exemplo Krebs 1978,
Ricklefs 1979), Andrewariha e Birch, entre outros, argumentaram que muitas populações
se encontram em estado efetivo de crescimento exponencial continuo, o qual é interrompido
por mudanças ambientais, tais como clima inclemente, antes que elas se tomem
suficientemente densas a ponto de causar a escassez de recursos ou permitir o crescimento
de inimigos naturais. Fatores controladores, tais como o clima, não respondem à densidade
da população e, por isso, são chamados de independentes da densidade, Uma escola de
pensamento oposta (p. ex., Lack 1954, Nicholson 1958, Slobodkin et al. 1967) negou
a importância dos fatores limitantes independentes da densidade e argumentou que a
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 27
maior parte das populações são mantidas normalmente próximas do equilíbrio por fatores
dependentes da densidade, tais como escassez de energia, nutrientes, pontos de nidificação
ou outros recursos, predação e doenças ou, em alguns animais, através de interações
comportamentais como a territorialidade.
O ponto de vista mais comum atualmente é, provavelmente, que a maioria das
populações experimenta crescimento tanto independente quanto dependente da densidade
em épocas diferentes, com as proporções relativas variando entre populações e espécies.
Existe abundante evidência experimental de que plantas e invertebrados sésseis da zona
entre-marés são limitados frequentemente pela competição por espaço (e luz e água no
caso das plantas), que muitas populações de predadores são limitadas pela escassez de
alimento e que predadores podem atuar como fatores limitantes dependentes da densidade
de suas presas, como no caso de insetos fitófagos e outros herbivoros. Entretanto também
ocorre o caso em que o clima pode causar flutuações nas populações independentemente
da densidade. O crescimento independente da densidade pode ser com frequência
experimentado pelas ESPÉCIES FUGITIVAS, que ocupam recursos muito temporários e
persistem apenas através de dispersão continua a partir de uma mancha de recursos para
outra. As larvas de mosca que se desenvolvem em frutas podres ou cogumelos ocupam
um recurso que pode tornar-se inabitável antes que a densidade de larvas se torne muito
grande, Mas, mesmo neste caso, há evidência de que moscas que se alimentam de
cogumelos são limitadas pelo alimento e competem por recursos (Grimaldi e Jaenike
1984). Parece provável que a maior parte das populações que persistem por muito tempo
são, ao menos ocasionalmente, limitadas por fatores dependentes da densidade.
Respostas à densidade
Os organismos têm muitas respostas que atenuam os efeitos maléficos das altas densidades.
A mais notável é a tendência à dispersão. Virtualmente todas as plantas, por exemplo,
possuem adaptações para dispersar suas sementes - um dos piores lugares para uma
semente germinar é próximo à planta mãe, a qual não é apenas um competidor maior,
mas também um foco de atividade de herbívoros e agentes patogênicos (Janzen 1970).
Em algumas espécies de animais, altas densidades disparam um complexo de respostas
adaptativas que incluem a dispersão. Muitas espécies de afideos que não possuem asas
sob condições favoráveis produzem descendentes alados se a densidade é alta ou a
qualidade do alimento vegetal se deteriora, como normalmente acontece quando a planta
está fortemente infestada, À medida que sucessivas gerações do gafanhoto Schistocerea
aregaria, uma praga, experimentam maior e maior aglomeração, estes animais sofrem
uma mudança hormonal que afeta sua fisiologia, morfologia e comportamento. Eles
acumulam gordura, desenvolvem asas compridas e aumento de pigmentação, tornam-se
mais grepários e, finalmente, partem em enormes enxames para aterrisar, se tiverem
sorte, em pastagens mais verdes.
| Uma população esparsa demais pode, entretanto, ser também inimiga do sucesso
reprodutivo individual, Assim, peixes encontram proteção dos predadores nos cardumes,
aves podem encontrar, mais efetivamente, alimentos observando outros membros de um
bando ao invês de forragear sozinhas e as larvas de Drosophila promovem o crescimento
do fungo de que se alimentam à medida que escavam seu meio de cultura, Existem
muitas vantagens na agregação e no comportamento social (Wilson 1975) as quais podem
30 Capítulo Dois
aposematicamente são, com frequência, modelos em sistemas de mimetismo por
convergência a um padrão de coloração comum em espécies que, de resto, não são
semelhantes. Em alguns casos, uma espécie palatável se disfarça como uma impalatável
(MIMETISMO BATESIANO), enquanto em outros casos diversas espécies impalatáveis
convergem na aparência, cada uma ganhando proteção derivada de sua similaridade com
as outras espécies (MIMETISMO MÚLLERIANO, Figura 7),
Uma comunidade de organismos exibe uma espantosa variedade de mecanismos de
defesa, cuja diversidade evolui continuamente, Se duas espécies compartilham o mesmo
sistema de defesa, a população de um predador adaptado a vencer esta defesa cresce
em função da abundância combinada das duas espécies de presa, Uma espécie de presa
pode, portanto, se extinguir porque a outra mantém o predador em densidade alta. Deste
modo, a dinâmica de duas tais populações de presas, vistas sem referência ao predador,
têm a aparência de competição entre elas, mesmo se elas não estejam competindo, na
realidade, por quaisquer recursos limitantes (Holt 1977, Bender et al. 1984). Além disso,
pelo fato dos indivíduos de cada espécie de presa sofrerem com a presença do outro,
a evolução de sistemas de defesa diferentes é favorecida (Slobodkin 1974, Levin e Sepgel
1982). O complexo assunto das mudanças co-evolutivas nos sistemas predador-presa é
um dos tópicos discutidos no Capítulo 16.
Parasitismo
A maioria das espécies são recursos não apenas para predadores, mas para espécies
de micróbios, fungos ou animais que são parasitas. A ecologia dos parasitas tem sido
insuficientemente estudada, mas eles constituem uma grande fração das espécies do
mundo e têm tido, sem dúvida, uma notável influência sobre a evolução de seus
hospedeiros (Price 1980, Holmes 1983, May e Anderson 1983). Dois dos aspectos mais
importantes da ecologia dos parasitas são sua capacidade reprodutiva é sua dispersão.
Enquanto um indivíduo presa pode ser apenas um dos muitos que um predador deve
comer antes que possa se reproduzir, um único hospedeiro individual pode manter um
número enorme de filhotes de parasitas. Deste modo, a taxa intrínseca de crescimento
natural de um parasita é frequentemente muitas vezes maior que a de seu hospedeiro.
Para muitos parasitas, a dispersão para um novo hospedeiro é repleta de dificuldades
e pode ser conseguida através de um vasto número de adaptações, tais como a infestação
de um hospedeiro secundário que é consumido pelo hospedeiro primário (no qual o
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 31
FIGURA 7
Duas formas de mimetismo em borboletas da
América tropical. As espécies 1-4 têm, todas, gosto
desagradável e são similares umas às outras
(mimetismo mulleriano). As espécies 5 e 6 são
palatáveis mas se assemelham às espécies de gosto
desagradável (mimetismo batesiano). (Redesenhado
a partir de Wickler 1968)
parasita se reproduz sexualmente). A densidade populacional do hospedeiro afeta, com
frequencia, a probabilidade de encontro e, portanto, a taxa de crescimento da população
do parasita. A estrutura genética de uma população de parasitas é geralmente diferente
de sua estrutura ecológica: a população parasita pode ser uma única unidade em termos
reprodutivos, contudo pode estar ecologicamente subdividida em grupos de indivíduos
que interagem uns com os outros dentro de seus hospedeiros individuais (Wilson 1980).
Parasitas, em geral, são altamente especificos com relação ao hospedeiro e, neste sentido,
são mais especializados que a maioria dos predadores, que normalmente predam uma
variedade considerável de espécies.
INTERAÇÕES BENÉFICAS ENTRE ESPÉCIES
O coMENSALISMO é uma relação na qual uma espécie se beneficia de outra que não é
afetada pela interação. Exemplos podem incluir a dispersão de sementes no pêlo de
mamíferos ou o uso de buracos de pica-paus por corujas e outras aves. Em muitos
casos, a evolução de uma espécie pode ser afetada pela outra, mas não vice-versa, O
MUTUALISMO é uma interação na qual os indivíduos de cada espécie exploram a outra
como um recurso e assim lucram da interação. Exemplos incluem plantas e animais
polinizadores, legumes e bactérias fixadoras de nitrogênio e a associação entre muitas
plantas vasculares e fungos que formam uma micorriza, uma combinação raiz-fungo em
que o fungo utiliza carboidratos sintetizados pela planta e esta se beneficia de uma
absorção mais rápida de água e nutrientes,
Algumas vezes o mutualismo pode evoluir a partir de relações comensais, mas
frequentemente parece evoluir de relações parasita-hospedeiro (Boucher et al. 1982,
Capitulo 16). Na realidade, a divisão entre antagonismo e mutualismo é frequentemente
bem tênue; o mesmo fungo que favorece o crescimento de uma planta em determinados
ambientes pode reduzi-lo em outros (Boucher et al. 1982). Alguns mutualismos envolvem
conjuntos de espécies mais ou menos intercambiáveis; assim, a maioria das abelhas
acumula pólen de diversas espécies vegetais e a maioria das plantas polinizadas por
abelhas pode ser polinizada por diversas espécies de abelhas. Outros mutualismos, com
frequência obrigatórios, são específicos para cada espécie, por exemplo, as saúvas (Atta)
alimentam-se exclusivamente de um fungo em particular que elas cultivam em seus
ninhos. O fungo não é encontrado em nenhum outro lugar.
32 Capítulo Dois
COMPETIÇÃO ENTRE ESPÉCIES
A competição entre espécies pode assumir uma dentre duas formas gerais. A competição
por EXPLORAÇÃO ocorre quando um indivíduo consome um recurso e o torna não
disponível a outros; os indivíduos que competem podem realmente nunca se encontrar.
A competição por INTERFERÊNCIA ocorre quando dois indivíduos interagem diretamente
e um sai derrotado do encontro, Eles podem lutar por alimento ou espaço territorial;
um individuo pode envenenar outro (o fenômeno da alelopatia) ou podem comer um
ao outro (o que pode ser tratado matematicamente como um tipo de competição).
Indivíduos competidores podem ser membros da mesma espécie (COMPETIÇÃO
INTRA-ESPECÍFICA) ou de espécies diferentes (COMPETIÇÃO INTERESPECÍFICA).
O modelo mais comum de competição inter-específica é uma extensão da equação
logistica de crescimento populacional, na qual o termo K-N é extendido para
Ki — Ni cn:
adNi/di = rmiN(k = Ni= ayND/K
Isto expressa a taxa de crescimento da espécie i (dNi/ dt) como uma função da relação
entre a capacidade de suporte para aquela espécie (Ki) e o número de indivíduos de
ambas as espécies, ! (Ni) e sua competidora j (Ni); à medida que Nj e Nj aumentam,
o termo entre parênteses decresce e dNiydt declina. O COEFICIENTE DE COMPETIÇÃO cry
expressa o impacto de um indivíduo da espécie j sobre a taxa de crescimento da
população i relativamente ao impacto de um indivíduo adicional da espécie i sobre sua
própria população; cy iguala-se a | se as duas espécies são equivalentes em sua
interação competitiva e é menor que 1 se um individuo da espécie j é um competidor
menos importante, do ponto de vista da população i, que um indivíduo coespecífico. A
espécie j pode ser uma competidora menos séria se, por exemplo, ela tender a utilizar
recursos diferentes, de tal modo que, na média, a competição por recursos é menos
intensa entre espécies que dentro de uma mesma espécie.
Simplificando muito o resultado desse modelo, pode-se dizer que espécies coexistem
de modo estável se a competição intra-específica é mais intensa que aquela entre espécies
(isto é, ay < 1 and aj < 1). Se uma espécie é uma competidora mais forte que a
outra (por exemplo, q; > 1, aj < 1), a competidora inferior será extinta. Se as espécies
são competilivamente idênticas, as suas proporções relativas irão flutuar ao acaso até
que uma ou outra se extinga (o equivalente ecológico da deriva genética, veja Capítulo
5). Assim, essa teoria expressa o “axioma de Gause”, também conhecido como PRINCÍPIO
DA EXCLUSÃO COMPETITIVA, em que espécies competidoras não podem coexistir
indefinidamente se são limitadas precisamente pelos mesmos recursos. Se elas utilizam
apenas alguns dos mesmos recursos, então poderão ser capazes de coexistir.
Esse princípio é comumente invocado para explicar a observação de que espécies
coexistentes tipicamente diferem nos recursos que utilizam. Por exemplo, diversas espécies
de lagartos anolíneos que coexistem nas ilhas das Índias Ocidentais forrageiam em
microhábitats um tanto diferentes (Schoener 1968), espécies de platelmintos tricladidos
coabitam apenas onde a diversidade de presas é alta o bastante para fomecer a cada
espécie um suprimento alimentar que lhe seja próprio (Reynoldson 1966), A exclusão
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 35
Ciridops anna
1 Himatione
- sanguinea
Loxops
coccinea
vo Loxops
- Vestiaria sagiltirostris
coccinsa
FA Loxops virens
Ҽ stegnegeri
::- Hemignathus
fo lucidus
% « Psoudonestor
' «anthoptvys
ii
Rigo
Hemignathus
wilson!
us : Psitirostra
trt, “balleut
Hemignathus
obscurus
as
mM
bl, Psittirastra
1 palmer'
36 Capítulo Dois
>
FIGURA 9 z
Um dos casos de deslocamento de carúter entre os 5
tentilhões terrestres das Ilhas Galápagos. A »
profundidade do bico das espécies alopátricas g
Geospiza fortis e G. fuliginasa (nas Ilhas Daphne e o
Crossman) é semelhante, mas difere nas ilhas onde Bscupica Caiana Qaoapies 5
ambas as espécies ocorrem. (Modificado de Lack fuúginosa fonts. gde
1947)
LELLO LL LLELI LI LLLLLLLL ALL LS
COM DESLOCAMENTO
50%
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ABINGOOM BINOLDE JAMES JERVIS
50 |
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CHARLES CHATHAM re SPPRERS
SEM DESLOCAMENTO ERARLER
50%
o o: É fora
DAPANE
PORCENTAGEM DE PÁSSAROS
so 1 f
n% & figimosa .
CROSSIMAM
7 o 15 27 3
PATTI
ALTURA DO BICO EM MILÍMETROS
Teoricamente (veja o Capítulo 16), a competição interespecifica pode favorecer a
evolução de divergência, de modo que as espécies venham a diferir nos recursos que
utilizam. Respostas evolutivas deste tipo podem gerar a radiação adaptativa, mas não
são necessariamente responsáveis pelas radiações adaptativas que ocorreram. Evidências
de que espécies evoluem em resposta à competição interespecifica são fomecidas por
casos de DESLOCAMENTO DE CARACTERES (Brown e Wilson, 1956), definido como a
major diferença entre populações SIMPÁTRICAS (que habitam a mesma localidade peográfica)
que nas populações ALOPÁTRICAS (ver acima) de duas espécies. São conhecidos alguns
exemplos desse fenômeno (Figura 9), mas não muitos (Grant 1972; veja Capítulo 4).
INTERAÇÕES COMPLEXAS ENTRE ESPÉCIES
Nós estamos acostumados a pensar em termos lineares, simplistas: quanto mais
abundantes são os camundongos, mais abundantes são os furões que deles se alimentam,
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 37
Entretanto, as interações entre espécies raramente são tão simples (Price er al. 1980).
A predação pode evitar, algumas vezes, que um competidor superior elimine um inferior.
A intensidade da competição entre as duas espécies pode ser modificada pela presença
de um terceiro competidor (Vandermeer 1969, Neill 1974). Dois consumidores podem
favorecer o crescimento das populações uns dos outros evitando a exclusão competitiva
entre as espécies das quais se alimentam (Vandermeer 1980) Uma espécie pode ter
tanto um efeito líquido benéfico quanto deletério sobre outra, dependendo da presença
ou ausência de uma terceira. Por exemplo, as oropendolas (grandes “papa-figos" da
América tropical, Zarhynchus wagleri) são frequentemente agressivas para com as aves
Scaphidura oryzivora, que botam ovos em ninhos de oropendolas. Essa resposta não é
surpreendente, pois os Scaphidura jovens competem com os filhotes de papa-figos.
Entretanto, os jovens Scaphidura podem favorecer a sobrevivência de filhotes de oropendola
pegando com os bicos as larvas de “moscas-pica-boi”. Contudo, ninhos de oropendolas
em árvores com grandes vespeiros são livres dessas moscas, porque as vespas as espantam.
É notável gue as oropendolas sejam hostis aos Scaphidura quando nidificam na vizinhança
de vespeiros, mas tolerantes na ausência de vespas. É ainda mais notável que Scaphidura
que botam em ninhos de papa-figos associados com vespeiros, botam ovos miméticos,
enquanto os que parasitam oropendolas não associados com vespas tendem a botar ovos
não miméticos (Smilh 1968).
Algumas espécies têm um impacto profundo na distribuição e na dinâmica populacional
de outras simplesmente através de seu efeito fisico sobre o ambiente. Littorina littorea,
por exemplo, um caramujo herbívoro introduzido na costa americana a partir da Europa,
atua como uma “máquina de terraplanagem” quando pasta. Quando os caramujos são
removidos, a comunidade de mexilhões e algas incrustantes é substituída por uma
comunidade de algas filamentosas e vermes e caramujos bentônicos que vivem no
sedimento que se acumula (Bertness 1984).
Finalmente, devemos ter em mente que muitas espécies subsistem da interação entre
outras espécies. Numerosos parasitas, por exemplo, dependem das relações predador-presa,
como alguns tremátodos que se desenvolvem sequencialmente, primeiro em caramujos,
depois em peixes que se alimentam de caramujos e, finalmente, em aves piscívoras. O
desenvolvimento da diversidade de espécies em uma comunidade se auto-reforça à medida
que as interações entre espécies criam novos nichos ecológicos.
DIVERSIDADE E ESTABILIDADE DE COMUNIDADES
Os ecólogos têm devotado muita atenção à questão do que determina o número de
espécies (diversidade de espécies) nas comunidades e se existem forças que as organizam
em uma estrutura previsível (p. ex., MacArthur 1972, Cody e Diamond 1975, Brown
1981). O número de espécies (de aves, por exemplo) está frequentemente relacionado
à área abrangida, mais ou menos de acordo com a relação S = cA”, onde 5 é o número
de espécies, À é a área e c e z são constantes; z têm, frequentemente, um valor de
aproximadamente 1,2. A teoria de biogeografia de ilhas (MacArthur e Wilson 1967)
explica a relação fazendo notar que o número de espécies numa região será determinado
pelo equilíbrio entre a taxa de extinção e a taxa de imigração de novas espécies para
a área (Figura 10). Existe evidência de que as taxas de extinção são maiores em áreas
pequenas, que suportam populações menores, do que em grandes áreas (Diamond 1984).
40 Capitulo Dois
FIGURA 12 |
Diferenças na homeostase fisiológica entre espécies
de caranguejos, À concentração osmótica do sangue |
se adequa áquela do ambiente em Maja, um
caranguejo marinho. Hemigrapsus e Carcinus, que
são caranguejos litorâneos que experimentam
flutuações maiores de salinidade, regulam a
concentração osmótica de seu sangue. (De Prosser
e Brown 1961)
Concentração osmótica do sangue
a -
Hemigrapsus
Maja
Lis e este ima E
0 10 20
Concentração osmótica do ambiente
espécies que para outras e um dos maiores desafios da biologia evolutiva está na
compreensão do porquê algumas mudanças adaptativas são mais prováveis que outras.
Virtualmente todos os fatores ambientais variam. É importante distinguir a variação
espacial da temporal. Os fatores que afetam o veado-de-cauda-branca (Dama virginiana)
no Maine não afelam, de modo apreciável, sua sobrevivência na Flórida. Populações
locais expostas a diferentes estados do ambiente podem tomar caminhos evolutivos
bastante diversos. Entretanto, a escala espacial sobre a qual o ambiente varia depende,
efetivamente, da distância sobre a qual os membros da espécie tipicamente se deslocam.
Deste modo, uma única população genética da borboleta migratória monarca (Danaus
plexippus) experimenta os regimes de temperatura tanto do Canadá quanto do México,
enquanto diferentes populações de uma espécie não migratória vivem em regimes de
temperatura bastante distintos em diferentes latitudes,
A variação temporal no ambiente pode ser descrita de diversos modos. A GAMA
ABSOLUTA da variável inclui extremos que podem ser bastante raros; um inverno realmente
frio uma vez em um século ou uma explosão populacional de um inseto desfolhante
que, ordinariamente, apresenta pequena ameaça à uma determinada espécie de árvore,
podem ter um impacto dramático sobre a população. Tais eventos incomuns devem fazer
parte da experiência evolutiva de todas as espécies, mas, raramente, podemos determinar
seu impacto sobre a evolução, mesmo em termos teóricos (Lewontin 1966).
Tipicamente os organismos desenvolvem adaptações à gama de variação mais
experimentada. (Isto pode ser descrito estatisticamente pela variância; veja o Apêndice
I) Por exemplo, espécies estuarinas de caranguejos podem se aclimatar (isto é, se
ajustarem fisiologicamente) a uma gama maior de salinidades do que as espécies mais
exclusivamente marinhas (Figura 12). A aclimatação fisiológica, a modificação do
comportamento (incluindo aprendizado) e a indução enzimática estão entre os modos
pelos quais o fenótipo de um individuo animal ou vegetal pode mudar durante sua vida
para fazer face às demandas de um ambiente mutável (Schmalhausen 1949, Thoday
O Contexto Ecológico da Mudança Evolutiva 41
FIGURA 13
Plasticidade fenotípica adaptativa em resposta a
condições ecológicas: diferenças não-genéticas na
forma da folha em Sagiftaria sagiltifolia sob tondições
terrestres (esquerda) e aquáticas (direita)
1953, Slobodkin 1968), Não apenas a magnitude, mas também a previsibilidade da
variação ambiental, afeta o curso da evolução. Por exemplo, mi sazonais nas
zonas temperadas são previsíveis, mas a época exata em que ocorrem não o são; muitas
aves adaptaram-se à mudança sazonal empregando um evento previsível, a mudança do
fotoperiodo (comprimento do dia), como uma deixa para reprodução e migração. Por
outro lado, a chuva é tão imprevisível em muitos desertos, de ano a ano, que algumas
aves de deserto entram em condição reprodutiva não em resposta ao fotoperíodo, mas
diretamente à disponibilidade de água ou vegetação verde.
Um aspecto importante da variação ambiental é sua frequência. O efeito da oscilação
de frequência depende da velocidade de resposta da função fisiológica que é afetada
pela mudança ambiental. Por exemplo, devido ao seu grande tamanho, um leão têm
uma taxa metabólica relativamente baixa e pode facilmente acumular gordura, de modo
que ele necessita apenas de uma boa refeição a cada poucos dias; mas se o alimento
for assim infrequente para um mussaranho, ele morrerá rapidamente devido à sua taxa
metabólica bem mais alta. Deste modo, um ambiente que é efetivamente constante para
um grande homeotermo pode ser letalmente inconstante para um pequeno,
Muitas vezes é útil distinguir entre flutuações ambientais com um período menor
que o tempo de vida de um organismo individual (VARIAÇÃO DE GRANULAÇÃO FINA) é
aquelas com um período maior (VARIAÇÃO DE GRANULAÇÃO GROSSA) (MacArthur e
Levins 1964). A variação de pranulação fina é frequentemente contornada com alterações
homeostáticas na fisiologia ou comportamento que são reversíveis. A adaptação à variação
de granulação grossa frequentemente favorece uma mudança de desenvolvimento para
um dos diversos fenótipos alternativos irreversíveis. Por exemplo, se o rotífero Brachionus
42 Capítulo Dois
é exposto no início da vida aos produtos químicos que exsudam do rotifero predador
Asplanchna, ele desenvolve longos espinhos protetores (Gilbert e Waage 1967). Em
muitas plantas semi-aquáticas, a forma das folhas maduras depende de se elas estão
submersas ou não durante seu desenvolvimento (Figura 13). A dislinção entre variação
ambiental de granulação fina ou grossa é responsável pela heterogeneidade tanto espacial
quanto temporal, A variedade de espécies vegetais numa floresta é um mosaico de granu-
lação fina para um macaco folivoro que, durante sua vida, pode amostrar todas as plan-
tas disponíveis. Entretanto, para um individuo de vespa da galha que atravessa todo o
seu desenvolvimento em uma única folha, a floresta é um ambiente de granulação grossa.
Escalas temporais da mudança ambiental
As consequências da variação ambiental dependem, em parte, da escala temporal
sobre a qual uma variável flutua, Existe alguma variação na escala de tempo fisiológico,
durante a vida de um organismo individual, ou porque o individuo se desloca de um
ambiente a outro ou porque é tamponado por mudanças se permanece no mesmo lugar.
Uma consequência importante de tal variação é a seleção de genótipos que apresentem
habilidades de homeostase ou que podem evitar exposição a condições adversas (p. ex.
através de dormência). Existe variação também numa escala de tempo ecológico maior
que uma geração - mudanças em variáveis físicas ou biológicas que trazem alterações
na densidade populacional, incluindo a extinção local. A sucessão ecológica é apenas
um exemplo de tal mudança: as primeiras espécies da sucessão, tais como os dentes-de-leão,
são excluídas localmente pelas espécies de outros estágios serais posteriores e persistem
apenas onde outras porções de hábitat favorável se abrem em algum outro lugar. Enquanto
habitats favoráveis se tomarem disponíveis numa taxa razoavelmente constante, entretanto,
tais populações podem ser consideradas como experimentando um ambiente
aproximadamente constante, ainda que muitos individuos que compõem estas populações
possam experimentar um ambiente em deterioração.
À medida que considerarmos espaços de tempo mais longos, a variação na escala
ecológica se transformará numa variação na escala de tempo geológico, Um novo
ambiente que persista por várias ou muitas gerações irá trazer, frequentemente, mudanças
na composição genética da população por seleção natural, assim como mudanças na
densidade populacional. Algumas alterações ambientais não ameaçam a população de
extinção, mesmo que esta não se adapte com modificações em sua composição genética,
oulras podem causar a extinção, a menos que a população se adapte geneticamente,
ouiras ainda não podem ser contrabalançadas pela mudança genética e resultam em
extinção.
É bom ter em mente que as mudanças ambientais não são, algumas vezes, tão
grandes quanto parecem para uma espécie em particular, porque a espécie pode apresentar
propriedades que filtram essas mudanças - a habilidade de procurar microhábitats
adequados, de se aclimatar e assim por diante. Entretanto, é também importante perceber
que a mudança ambiental é universal e difusa. Durante o final do Pleistoceno (a uns
meros 12000 anos atrás), a maioria das comunidades ecológicas modernas não existiam
em suas localizações atuais, nem consistia da mistura peculiar de espécies que coexistem
hoje. Há cinquenta milhões de anos atrás, o ancestral do gambá parecia muito com seu
descendente moderno, mas ele se deslocava entre creodontes, condilartros, titanotérios e
numerosas outras criaturas que, desde então, se extinguiram.
Hereditariedade:
Fidelidade e
Mutabilidade
a »
mA caldo;
Rr ES A:
qe s A, “ e
Capítulo Três
só
“O germe fertilizado de um dos animais superiores, sujeito como é a tão vasta série de
mudanças desde a célula germinativa até a velhice, talvez seja o objeto mais maravilhoso da
natureza. É provável que dificilmente qualquer tipo de mudança que afete um dos pais não
deixe alguma marca no material germinativo. Por outro lado, pela doutrina da reversão o ovo
torna-se um objeto muito mais maravilhoso, pois, além das mudanças visíveis que val sofrendo,
precisamos crer que ele contenha uma infinidade de caracteres invisíveis apropriados para
ambos os sexos, para os dois lados do corpo e para a extensa linhagem de machos e fêmeas
ancestrais, separada do presente por centenas ou mesmo milhares de gerações; e estes caracteres,
como aqueles escritos em papel com tinta invisivel, permanecem prontos para desenvolverem-se
sempre que a organização for perturbada por certas condições conhecidas ou desconhecidas.”
Desde seu início o estudo da Evolução esteve sempre inseparavelmente ligado ao estudo
da hereditariedade. Nesse trecho do livro A Hariação dos Animais e das Plantas sob
Domesticação (Volume IL, pp 35-36), vemos Darwin, em 1868, lutando para desenvolver
uma teoria da transmissão dos caracteres, sem saber que Mendel havia publicado à
solução, dois anos antes. Vemos Darwin caindo em erro - mudanças que afetam os pais
não deixam marca no “germe” - mas vemos também, que com seu discernimento ele
percebeu o fato da variação oculta e a distinção crucial entre GENÓTIPO e FENÓTIPO, O
genótipo é o projeto de um organismo, o conjunto de instruções para o desenvolvimento
recebido dos pais. O fenótipo é a manifestação, numa série de etapas do desenvolvimento,
da interação dessa informação com fatores fisicos e químicos - o ambiente, no sentido
bem amplo - que permite que o projeto se realize.
DOIS PRINCÍPIOS DA GENÉTICA
Entre os princípios mais importantes da hereditariedade estão os de que o fluxo de
informação do genótipo para o fenótipo é unidirecional e de que as unidades hereditárias
transmissíveis mantêm sua identidade de geração para geração. A visão predominante
sobre hereditariedade na época de Darwin era a da HERANÇA POR MISTURA: à prole
intermediária obtida do cruzamento entre um animal grande e um animal pequeno era
interpretada da mesma forma que a cor intermediária de um corante resultante da mistura
de soluções forte e fraca. Entretanto, se os fatores hereditários perdessem sua identidade
e se tomassem intermediários quando combinados, a variação (variância) entre os
organismos de uma população seria dividida pela metade, em cada geração e desapareceria
rapidamente. Mutações deveriam então ter que surgir em taxas muito elevadas, para
entrar no cômputo da variação, mas a hereditariedade é em geral tão fiel que as taxas
de mutação, evidentemente, não são tão altas. Darwin estava tão angustiado com este
problema que afinal admitiu que o ambiente poderia induzir variação hereditária e veio
a listar a herança de características adquiridas através de influências do ambiente como
uma força evolutiva importante.
Com a descoberta dos genes por Mendel, esse problema desapareceu. A planta com
flores rosa produzida pelo cruzamento de plantas vermelhas e brancas não transmite
fatores que determinem descendentes com flores rosa; ao contrário, alelos que determinam
cor branca e cor vermelha se combinarão novamente para produzir plantas com flores
brancas e vermelhas. Os mesmos princípios são válidos para as características poligênicas:
caracteres com variação contínua os quais são afetados pela ação combinada de genes
de vários ou muitos locos, cada um dos quais com um pequeno efeito no carter (Figura
1, veja também a Figura 3 no Capítulo 5).
4ó
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 47
Em
Nenhuma variação
devido ao ambiente
Frequência na
população
3
TT
e
Um par dê genes |
(Ma x Ma) Ea it o gd ame ii —
14M 2Aa 1aa
ap 12.5 porcento de variação
devido ao ambiente
Dois pares de genes L 20]
(AaBb x AaBb) À 1. a
4A
14ABB 2habb JAMbb 24288 laabh
2aaBb 19808 2A48b od no
30
Três pares de genes 1 [DS 25 porcento de variação
devido ao ambiente
| 10)
Cinco I | | | |
pares dé genes a q
Fenótipo
A B
FIGURA 1
Variação continua. A abcissa representa um caráter fenotípico tal como a altura e a ordenada
a frequência de fenótipos na população. (A) Todos os indivíduos de um genótipo tem,
exatamente, o mesmo fenótipo, À medida que aumentamos o número de locos (pares de alelos
ou genes) diminuimos a contribuição de cada um ao fenótipo, o número de classes fenotípicas
aumenta. (B) Para um par de alelos, sobrepomos a variação fenotípica que cada genótipo
expressa devido à variação no ambiente. Em um ambiente altamente variável, os genótipos
podem se sobrepor consideravelmente em fenótipo. Tanto (A) quanto (B) representam segregação
na geração F> de genes não ligados em um cruzamento entre heterozigotos. (A, de Strickberger
1968; B, de Allard 1960)
A réplica fiel de novas mutações torna desnecessária a teoria da herança de
características adquiridas, que, além do mais, é desmentida pelos fatos. Não há evidência
de que a resposta adaptativa do corpo de um organismo ao ambiente será traduzida
reversamente, por exemplo de moléculas de proteína ao DNA das células germinativas.
Entretanto, as experiências dos pais podem influenciar as características da prole
em alguns casos. Organismos herdam não só cromossomos, mas citoplasma, principalmente
no ovo. A HERANÇA CITOPLASMÁTICA (revista por Jinks 1964 e Grun 1976) geralmente
é baseada na transmissão de elementos que se auto-replicam, como as mitocândrias,
cloroplastos e partículas de virus intracelulares. Em protozoários ciliados, a organização
molecular da superfície celular age como um gabarito para a superfície celular adicional,
formada após a divisão celular, e portanto alterações não genéticas da superfície são
transmitidas de uma geração para a outra, Além disso, EFEITOS MATERNOS, persistindo
geralmente por somente uma geração, podem surgir se a prole for afetada por elementos
constituintes do citoplasma do ovo. Estes, algumas vezes, são influenciados pelo estado
fisiológico da mãe.
Alguns experimentos tiveram resultados intrigantes. Por exemplo, Durrant (1962),
que estudou linho, e Hill (1967), que estudou tabaco, ambos descobriram que variações
50 Capitulo Três
Na HIBRIDIZAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLÉICOS, fragmentos de DNA são desnaturados para
formar fitas únicas, que através do pareamento de bases formam duplex com outras fitas
simples ou de DNA ou RNA. Quanto mais complementares forem as sequências das duas
fitas pareadas, mais estáveis serão as duplas e mais alta a temperatura necessária para
dissociá-las. A força da associação, então, é a medida do grau de complementaridade
em séquencias de pares de bases, por exemplo, do DNA de duas espécies. À cinética
da reação permite que se estime o número de cópias de uma sequência de DNA; por
exemplo, se o DNA desnaturado de um único organismo tem muitas cópias de uma
sequência, uma taxa alta de encontros com sequências semelhantes resultará em formação
rápida de duplex. Da mesma forma, misturando-se o RNA mensageiro (mRNA) de um
organismo com o seu DNA, a cinética da associação entre eles pode ser usada para se
estimar a diversidade dos diferentes mRNAs.
Um mapa parcial da sequência de pares de base de uma região de DNA pode ser
obtido com o uso de ENZIMAS DE RESTRIÇÃO. Essas enzimas bacterianas, que normalmente
funcionam para atacar DNA alienígena, como os de virus, cortam o DNA em certas
sequências reconhecíveis; por exemplo, a enzima EcoR1 (da bactéria Escherichia coli)
reconhece a sequência GAATTC. O padrão de fragmentos de DNA produzidos pela “digestão”
com esta enzima pode ser usado para determinar-se quantas sequências de reconhecimento
ocorrem e o uso combinado de várias destas enzimas permite a determinação das posições
relativas e das distâncias entre essas sequências.
A sequência completa de pares de base de um fragmento de DNA pode agora ser
determinada pela quebra da molécula através de reagentes que são específicos para cada
uma das quatro bases. Os métodos através dos quais a sequência é interpretada são
muito complexos para serem resumidos aqui (veja Lewin 1985, Capítulo 3).
A ESTRUTURA DO GENE
Como primeira aproximação, pode-se pensar num gene como uma sequência de DNA
que é transcrita num RNA de transcrição, que codifica um único polipeptídeo. Mas na
realidade genes são muito complexos (Figura 2) e extremamente difíceis de serem
definidos.
Início da
transcrição
Sítio de regulação
acima Quadro Codon Codon de
» VA mê) Pu poeleder GT Ag parada — AATAAA a
ii, [
Lo + Los o LL H-
Exon 1 Intron Exon 2 Sítio de
adição do
Poli (Ah
FIGURA 2
Diagrama de um gene eucarioto. O sitio anterior de regulação controla o início da transcrição.
A “caixa TATA”, com uma sequência semelhante a TATA, também auxilia a determinar o
sítio no qual a transcrição é Iniciada, Cada intron (região não transcrita entre regiões
traduzidas chamadas de éxons) começa com GT e lermina com AG, Acredita-se que o
mento do RNA depende da sequência AATAAA e de uma cauda de adeninas [Poli(A)).
(De Li, 1983)
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 51
Por um lado, algumas sequências de DNA codificam RNAs de transferência & RNAS
ribossômicos que não são traduzidos. Por outro, em bactérias, um único RNA transcrito
frequentemente contém informação para várias proteínas com funções diferentes, porém
coordenadas. Além disso, em eucariotos e alguns procariotos, o RNA transcrito de um
único “gene” geralmente consiste de regiões codificadoras (ÉXONS) separados por várias
ou muitas “sequências intermediárias” não codificadoras (ÍNTRONS). Esse transcrito primário
é processado por enzimas que formam uma molécula de mRNA, a partir da qual os
introns são entrelaçados. Um gene de colágeno na galinha tem o comprimento de 40.000
pb (40 Kilobases, kb), mas consiste de mais de 50 éxons curtos que juntos codificam
um transcrito de mRNA de aproximadamente 5.000 pb (5 kb). Os vários éxons de certos
genes parecem corresponder a diferentes regiões funcionais (domínios) do produto protéico
que os genes codificam, mas em outros casos esta correspondência não é evidente.
Muitas vezes um transcrito de RNA é emendado de formas variadas, produzindo diferentes
mensageiros, e em última análise, proteinas diferentes. Existem várias classes
estruturalmente distinguíveis de íntrons que, provavelmente, diferem quanto à sua origem
evolutiva (Sharp 1985).
Para completar nossa descrição da complexidade do gene, observa-se que a transcrição
de um gene requer que a polimerase reconheça um PROMOTOR, tipicamente uma sequência
curta não transcrita, anterior (ié, na direção 5) do ponto de início da transcrição.
Sequências que promovem ou que intensificam transcrição podem também estender-se
abaixo do ponto de partida e posições acima do promotor geralmente também regulam
transcrições. Os genes são frequentemente separados por “espaçadores” sequências que,
pelo menos em alguns casos, afetam a transcrição.
DNA REPETITIVO E NÃO REPETITIVO
O tamanho do genoma varia enormemente entre os diferentes organismos (Figura 3),
desde menos de 400 pb em algumas partículas semelhantes a virus a mais de as pb
em complementos haplóides (gamético) de algumas plantas vasculares. O alto conteúdo
de DNA em algumas plantas é consequência da poliploídia (presença de conjuntos
múltiplos de cromossomos), mas a poliploidia não explica porque o complemento de
DNA de algumas salamandras é mais do que dez vezes aquele dos mamíferos, nem
porque ele difere mais de cem vezes entre espécies de salamandras. Numa estimativa
generosa da média de transcritos de RNA com 10.000 pb, o genoma médio de mamíferos
tem DNA suficiente para codificar mais de 300.000 genes. Em Drosophila o número de
genes funcionais foi estimado como sendo, aproximadamente, 10.000, com base na
estreita correspondência entre as posições de mutações e bandas que são visíveis em
cromossomos de glândulas salivares; mas este número de genes poderia ser responsável
por menos de 10% da quantidade de DNA. O número de transcritos de RNA diferentes
que pode ser distinguido durante o desenvolvimento do ouriço-do-mar Strongylocentrotus
purpureus é menor do que 20.000, as regiões codificadoras nestes transcritos deveriam
ser computadas para menos de 3% do complemento haplóide do DNA. O número de
genes estimado para codificar proteinas num eucarioto parece ser responsável por apenas
uma pequena fração do DNA.
Esse paradoxo foi parcialmente resolvido pela descoberta de que muito do DNA em
eucariotos consiste de sequências repetitivas, algumas das quais codificam produtos
gênicos e algumas que não codificam. Em contraste, o genoma em vírus, mitocôndrias,
(0861 “17 12 JauBem ad) rorunuredo
eps eu ado csomsusiio op sodnig sopriea sop um speo wa “aprojdey tn
SOaPHOSpnu ap saseq ap Sed ap OLMUNU O ooo opipatu “PN Sp sopnajuos sop omaadso O
Ff
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 55
a no b
DOE Prues eis em
cadeias homólogas
mn 1 [ de mofécutas pareadas
A B
de DNA duplex
b
a
um TT
o E a IN Permutas de cadeios hinrcadores Reçombinação
AaB entre marcadores
A B . sem recombinação AeB
8 do E B
a 5 IEOonEITT IEA MT
DE One JET MEL
1% A Piques são fechados A B
|
a
S,
Err F Ponto de permuta b SM
lt FIL movoso
e pela separação
e reparação
B debases
B
Piques em cadeias Piques em cadeias
ue originalmente .AS que não sofreram A
sofrem permuta permuta
B
Estrutura sofra rotação
ara forma planar
? A
FIGURA 5
Um modelo de recombinação entre moléculas pareadas de DNA, portadoras de sequências
diferentes hos sítios A e B (no mesmo gene ou em genes diferentes). Uma fita de cada duplex
de DNA é cortada, as extremidades livres se cruzam é são reunidas e o ponto de permuta
move-se por separação de pares de nucleotideos; ocorre então o reparo de nucleotídeos das
fitas eruzatlas, formando uma região de "hetero-duplex" em cada molécula. Um segundo par
de quebras encerra o movimento, A recombinação entre as posições À e B é observada, se
as fitas quebradas não são aquelas onde surgiram as quebras inicialmente. (De Lewin 1985)
denotada por R), que pode variar de efetivamente zero, para sítios muito ligados, até
OS que é a frequência de recombinação entre genes de cromossomos diferentes
(AGRUPAMENTOS INDEPENDENTES) OU entre genes do mesmo cromossomo que são tão
frequentemente separados por recombinação, ao ponto de se reunirem ao acaso. Dois
locos no mesmo cromossomo que são infrequentemente separados por recombinação são
56 Capítulo Três
ditos serem mais fortemente ligados que locos que são mais frequentemente separados
por recombinação.
De modo geral, cromossomos homólogos são arrastados para polos opostos na
primeira divisão meiótica pelo movimento de seus centrômeros. Isto resulta, nos gametas,
em uma segregação de 1:1 dos alelos dos dois cromossomos homólogos!?. Existem
casos de DISTORÇÃO DE SEGREGAÇÃO também chamados DESVIO MEIÓTICO nos quais um
alelo está em mais de metade dos gametas de um heterozigoto. Se a taxa de segregação
é conhecida e os gametas se unem ao acaso, as proporções genotípicas entre os
descendentes de cada par de pais pode ser predita probabilisticamente. Assumindo, por
exemplo, um cruzamento AM x AM e uma taxa de segregação de 1:1, a probabilidade
de que 2 gametas A se unam é (1/2), e a de dois gametas A' é a mesma e a de união
entre aca é2x 1/2 x 1/2, desde que a união de um ovo A com um esperma A' é
de um ovo 4 com um esperma A sejam eventos independentes entre si. Assim, os
genótipos AA, AM e A'A aparecem na progênie na proporção mendeliana conhecida de
Ea.
GENÓTIPO E FENÓTIPO
Pelo fato dos genes exprimirem seus efeitos no fenótipo via reações bioquímicas, eles
não operam in vacuo. Seus efeitos dependem do meio químico e físico em que essas
teações ocorrem. Muito frequentemente este ambiente depende de outros genes, de modo
que o efeito fenotípico num loco depende do genótipo em um ou mais de um loco; é
o fenômeno de EPISTASIA. O ambiente extemo também afeta a expressão fenotípica, às
vezes da mesma maneira que a alteração dos genes o faz. Por exemplo, fenótipos
alterados, chamados FENOCÓPIAS, que são similares às veias alteradas da asa apresentados
por mutantes tais como “crossveiniess” e "Curly", podem ser produzidas, em Drosophila
não mutante, por um choque de temperatura durante períodos críticos do desenvolvimento.
Um organismo não é apenas seus genes; é constituído de materiais derivados do ambiente,
sob condições ambientais que influenciam a taxa das reações bioquímicas. Se criássemos
individuos do mesmo genótipo com um amplo espectro de condições ambientais,
verificariamos que até certo ponto, virtualmente todos os genes variam em expressão
fenotípica. Algumas características, como o peso do corpo em animais ou a forma de
crescimento em plantas variaram mais que outras, tais como o número de vértebras
num mamífero ou a estrutura de uma membrana celular. As caracteristicas menos variáveis
são ditas mais altamente CANALIZADAS OU TAMPONADAS ONTOGENETICAMENTE num
conjunto mais restrito de canais de desenvolvimento.
Genótipos diferentes são canalizados em diferentes intensidades, de maneira que
alguns alelos são mais variáveis que outros em PENETRÂNCIA (a fração de indivíduos
em que o seu efeito fenotípico é manifestado) e em expressividade (a magnitude do
efeito fenotípico). Cada genótipo tem a sua própria NORMA DE REAÇÃO (Figura 6), uma
variedade de expressões sob diferentes condições ambientais. Em alguns casos, uma
norma de reação ampla, a produção de fenótipos muito diferentes sob condições ambientais
“O Neste livro desereverei os produtos da meiose como gametas. Isto não é verdade em samambaias e outras
formas com altemância de gerações, mas quais o produto da meiose é um gametófito haplóide que forma
gametas haplóides.
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 57
Ê
g
: ê
5 É
8 Ê
ê 8
a 2
Ê
é.
Temperatura + Temperatura
A B
E
| 5
| Alado E
TT— E
ê I a
8 Ii Ê
$ Áptero 8
E o — A e
z
É
Densidade populacional & Temperatura durante a pupação
Cc Db
FIGURA 6
Quatro Ilustrações esquemáticas de normas de reação reais, Em cada caso, o fenótipo
desenvolvido depende de condições ambientais; a norma de reação de um genótipo é a
variedade de diferentes expressões fenotípicas que este pode manifestar. (A) A resposta do
peso do corpo à temperatura em Drosophila e muitos outros insetos. (B) Número de facetas
do olho, em relação à temperatura, de diferentes genótipos mutantes no loco *Bar" em
Drosophila. (C) Uma mudança de desenvolvimento como encontrada em alguns afídeos que
desenvolvem asas em condições de superpopulações, durante um periodo crítico da ontogenia.
(D) Sensibilidade diferencial de dois genótipos de Drosophila a choque de calor que afeta o
desenvolvimento da veia transversal da asa (B segundo Hersh 194)
diferentes, é desvantajosa ou patológica, Nossa tendência para desenvolver escorbuto
quando privado de vitamina C, não é vantajosa. Porém com frequência, especialmente
se o ambiente flutua muito, o genótipo mais vantajoso é aquele cuja expressão fenotípica
varia com as condições predominantes. Exemplos incluem a capacidade de uma doninha
de desenvolver pelagem pigmentada no verão e branca no inverno, e a capacidade de
muitas plantas de produzir folhas duras e com muita cêra quando expostas ao sol, e
folhas de sombra mais delicadas. Da mesma maneira, algumas características
comportamentais - como nó fenômeno do aprendizado - são mais facilmente alteradas
por interação com o ambiente do que outras, e mais facilmente em algumas espécies
que em outras.
Como cada aspecto do fenótipo é um produto não apenas dos genes ou do ambiente,
mas da interação entre os dois, é uma falácia dizer que uma característica é “genética”
ou “ambiental”. Só podemos perguntar se as diferenças entre indivíduos são atribuídas
60 Capítulo Três
Substituição de valina poi
cido glutâmico à
posição & da cadeia de polipeptideo É
Globina anormal + heme
I
Hamoglobina anormal
Hemáceas falsiformes
Destruição rápida de Acúmulo de células e Acúmulo de células
células falsiformes interferência com a falsiformes no baço
circulação sanguínea
Anemia
/ Falha local no suprimento sanguíneo
Superatividade da |
medula óssea
Ouro Dano muscular | Dano no trato
| Dilatação cardíaco & articular gastrogntestinal
Aumento no na
um D Di
voluma de pulmonar | cora poa
medula óssea | | |
Fraqueza é Pequena desen. Pneumonia Paralisia Deficiên-
' lassidão Hi cla renal
“Tower || Função mental | | Deliiência || Aeumatismo | | Dor Dilatação e
skultr reduzida abdominal fibrose do baço
FIGURA 8
Efeitos pleiotrópicos da substituição de aminoúcidos na cadeia de hemoglobina humana,
que resulta em anemia falciforme. (De Raff e Kaufman 1983)
FIGURA 9
Modelo de regulação gênica em bactérias. (A) Os
genes estruturais no opêron estão inativos desde
que o gene operador esteja ligado a um repressor:
(B) Uma substância indutora de fora da célula
liga-se ao repressor, desreprimindo o operador.
Ocorre, então, transcrição do mRNA no gene
estrutural associado com o operador. (De
Strickberger 1968)
| Genes
estruturais
Gen regulador
À
A DNA
Sintese de mANA
pelo operan
pravinida
ANA
».
Reprossor —
Gen
operador
DNADEETITIIITIS Toe oo
|
A mBNA aa mANA
B
Rapressor E) Sintese
enzimática
Indutor ——+ (A Aepressor inativo
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 61
Os operons não foram identificados em eucariotos, embora sequências não transcritas
de DNA em posição acima de genes estruturais possam ter efeito regulador, uma vez
que mutações nestas regiões às vezes inibem a expressão gênica. Britten e Davidson
(1971; também Davidson e Britten 1973), extrapolando a partir do mecanismo conhecido
em operons bacterianos, sugeriram modelos de regulação gênica para eucariotos que têm
atraído considerável atenção (Figura 10). De acordo com esta proposta, cada gene
estrutural é governado por um ou mais genes receptores adjancentes, cada um dos quais
é ativado pelo produto de um gene integrador. Um “censor” associado a um gene
integrador responde a um estímulo (p. ex. um hormônio ou um fator indutor liberado
por outro tecido), levando o integrador a ativar os receptores. Se a mesma sequência
receptora estivesse associada com uma bateria de diferentes genes estruturais, eles seriam
regulados coordenadamente, como se pode esperar que ocorra na diferenciação de um
determinado tipo celular. Contudo há pouca evidência direta em favor deste modelo.
Embora o mecanismo de controle seja mal compreendido, grande parte, ou mesmo
a maior pare, da regulação da expressão gênica em eucariotos parece ocorrer pela
transcrição diferencial de genes nos diferentes tecidos e a momentos diferentes do
desenvolvimento ontogenético (Damell 1982). Entretanto, pelo menos parte da regulação
ocorre após a transcrição (Gilbert 1985). Em ouriço-do-mar, por exemplo, os tipos de
transcritos primários de RNA do núcleo (RNA nuclear heterogêneo ou hnRNA) parecem
ser os mesmos através de toda sua ontogenia; um subconjunto destes é transformado
em mRNA em cada estágio do desenvolvimento.
RNA ativador do gene
integrador opera através
do receptor (R)
Sequência sensor (S) controla Ganes estruturais (SG)
genes integradores(I) ativados pelo RNA ativador
através do receptor
5
=== =“.
—4 S | la | da [— =.
E
“
a
FIGURA 10
O modelo de Britten-Davidson para regulação coordenada de transcrição em eucariotos. Um
estimulo ativa o gene sensor (5), que estimula um gene integrador (ID. O produto do gene
sensor, um RNA ativador, ativa um ou mais receptores (R) que estimulam genes estruturais
associados (SG). Um integrador pode ativar diferentes receptores e um gene estrutural pode
ser estimulado por um Gu vários receptores que são ativados por diferentes integradores.
(De Gilbert 1985)
62 Capítulo Três
DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento de um organismo a partir de um ovo fertilizado inclui processos de
CITODIFERENCIAÇÃO, pelos quais as células adquirem diferentes feições bioquímicas e
estruturais e a MORFOGÊNESE, que é a aquisição da forma tridimensional de tecidos,
orgãos e estruturas. Na maior parte, os mecanismos de citodiferenciação e morfogênese
não são conhecidos em detalhe. Esta falha no nosso conhecimento, entre ação gênica
primária e desenvolvimento de fenótipos complexos, coincide muito com o que nós não
entendemos a respeito de evolução (Capítulo 14).
Os mecanismos de morfogênese incluem movimento celular, adesão celular, controle
localizado de divisão celular, interações entre tecidos e morte celular. Propriedades da
superfície celular controlam padrões de adesão específicos para cada célula, pelos quais
células de um determinado tipo aderem mais fortemente à do mesmo tipo do que a
outros tipos - um fenômeno que é importante para governar a forma. Em resposta à
estímulos que não são geralmente bem entendidos, células podem se mover como grupos
- como na gastrulação - ou como indivíduos, como no caso de células da crista neural
dos vertebrados, que finalmente vão se diferenciar em gânglios nervosos do sistema
autônomo, em células pigmentares dérmicas e outros tecidos. Grupos de células
frequentemente diferenciam-se e adquirem forma caracteristica, em resposta à INDUÇÃO
por outros grupos de células; por exemplo, o sistema nervoso central de vertebrados
diferencia-se em resposta a fatores indutores emanados da notocorda. Em alguns casos,
fatores indutores parecem formar um gradiente de concentração à medida em que eles
se difundem a partir da fonte com a concentração fomecendo “informação posicional”
que especifica o lugar de desenvolvimento das estruturas e a forma que elas tomam.
Por exemplo, um gradiente emanado da margem posterior do broto da asa de um embrião
de galinha, parece especificar a posição e forma dos dedos que se desenvolvem. Tal
gradiente numa substância indutora é o exemplo de um PRÉ-PADRÃO: um arranjo espacial
de fatores químicos que determinam a organização espacial de características tais como
pigmentos, ossos e estruturas epidérmicas.
A forma tridimensional de uma estrutura é influenciada em parte por fatores que
governam a taxa de divisão celular, de modo que células se multiplicam mais rapidamente
em alguns sítios ou dimensões que em outros. Não são compreendidas as causas de
variação local em taxas de divisão celular. Também não são conhecidas as causas de
morte celular localizada, que pode também influenciar a forma. Os dígitos de muitos
vertebrados devem sua forma, em parte, à morte de células nas regiões interdigitais.
Sabe-se que os mecanismos de desenvolvimento são muito mais diversos e complexos
do que eu venho discutindo e voltaremos a alguns deles em mais detalhes no Capítulo
14. Contudo, diversos princípios básicos de desenvolvimento devem ser enfatizados neste
ponto. As propriedades químicas e físicas das células e dos tecidos podem ser alteradas
por mutação dos genes. Entretanto a organização de proteinas de outras moléculas em
constituintes celulares dotam as células, tecidos e orgãos de algumas propriedades
"auto-organizantes” que afetam à forma. Por exemplo, células dissociadas “in vitro” irão
frequentemente se reagregar em grupos de células semelhantes e esses grupos podem
alcançar espontaneamente o mesmo arranjo espacial, em relação um ao outro, que existe
no embrião vivo. Grande parte da “informação” para fazer um embrião reside nos genes
e no conteúdo e organização do citoplasma do ovo fertilizado, que é por si mesmo
informado pelo genótipo da mãe. Mas esta informação genética é traduzida em estruturas,
Hereditariedade; Fidelidade e Mutabilidade 65
MAAR
Ny
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E = sz
[5 c
FIGURA 11
Diagrainas de metáfase e anúfase da meiose em poliplóides. (A) Um triplóide tipicamente
produz gametas com complementos cromossômicos desbalanceados, de maneira semelhante a
um autotetraplóide (B). Um alotetraplóide (C), se Formado através de poliploidização de um
híbrido entre duas espécies diplóides (com cromossomos "brancos" e "pretos", respectivamente)
forma gametas com complementos cromossômicos balancendos.
Uma INVERSÃO acontece quando duas quebras ocorrem no mesmo cromossomo, e
o segmento entre elas sofre uma rotação de 180 graus. Isto pode ocorrer se quebras
ocorrem no ponto de sobreposição de uma alça cromossômica. As INVERSÕES PERICÊNTRICAS
incluem o centrômero. Inversões PARACÊNTRICAS não incluem. Pelo fato de uma mutação
tal como uma inversão ser rara depois que aparece a primeira vez, ela será carregada
em condição heterozigótica. Durante a meiose em um heterozigoto (um HETEROCARIÓTIPO)
para uma inversão paracêntrica, os cromossomos pareiam formando uma alça (Figura
12). Se uma única permuta, ou recombinação, ocorre dentro da região invertida, uma
das fitas recombinadas fica sem o centrômero e então se perde. A outra fita recombinada
tem falta de alguns locos, tem outros em duplicata e possui dois centrômeros que
66 Capítulo Três
Para o gameta viável Para O gameta viável
— |
Se perde; forma gametas não
viáveis por causa das deleções
Lcd e LG MH 14
Sem cemrômero; perdido
FIGURA 12
Inversões eromossómicas em Drosophila. (A) Cromossomos em sinapse em uma Drosophila
pseudoohscura heterozigota para as sequências “Standard” e “Arrowhead", (B) O comportamento
das inversões na forma heterozigota (heterocariotípica). A permuta é suprimida porque seus
produtos não possuem centrômeros ou conjuntos substanciais de genes. (A redesenhado de
Striekberger 1968)
quebram o cromossomo quando ele se move para polos opostos durante a anáfase.
Consequentemente, nenhum múcleo filho recebe um complemento completo de genes, de
modo que os únicos gametas viáveis formados por um heterocariótipo, vem de células
nas quais não ocorreu permuta dentro da inversão. Por isso, a fertilidade de um
heterocariótipo com inversão é reduzida e, desde que gametas viáveis contenham
unicamente cromossomos não recombinantes, as inversões parecem suprimir a
recombinação.
Um cromossomo invertido pode ainda estar sujeito a outras inversões que podem
se sobrepor ou ficar dentro dos limites da primeira inversão. Em Drosophila, certas
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 67
regiões dos cromossomos das glândulas salivares podem ser identificadas pelos seus
distintos padrões de bandeamento, de modo que é possível identificar numerosas inversões
desse tipo e especificar os passos pelos quais elas aconteceram. Por exemplo, as sequências
de bandeamento
ABCFEDGH — ABCDEFGH + AFEDCBGH AFEDGBCH
podem ser derivadas cada uma da outra pelos passos indicados pelas setas, embora a
direção da mudança não possa ser especificada apenas a partir dessa informação.
Embora inversões paracêntricas geralmente causem esterilidade parcial em
heterozigotos, não o fazem em muitas das moscas da ordem Diptera, incluindo Drosophila.
Nestas moscas, não há recombinação cromossômica em machos, de modo que a produção
de esperma não é afetada, e a meiose nas fêmeas é organizada de maneira peculiar, de
modo que cromossomos dicêntricos passam para os corpos polares e apenas a cromátide
intacta é incorporada no núcleo do ovo.
Se ocorre recombinação dentro de uma inversão pericêntrica heterozigota, cada fita
recombinante tem apenas um único centrômero, mas parte da sequência gênica é repetida
e parte é eliminada. Por isso, gametas que recebem cromátides recombinantes são
inviáveis e a fertilidade do individuo heterocariotípico é reduzida. Isto tanto é verdade
nos dipteros, como em outros organismos,
Translocações
A troca de segmentos de dois cromossomos não homólogos é uma TRANSLOCAÇÃO
RECiPROCA (Figura 13). Quando as translocações ocorrem pela primeira vez na condição
heterozigota, cromossomos conseguem um pareamento gene a gene, assumindo posições
bastantes contorcidas. Das três maneiras óbvias nas quais os quatro membros desse
agregado podem se segregar dois a dois, apenas uma produz gametas viáveis com
complementos gênicos integrais. A heterozigosidade para translocações frequentemente
reduz a fertilidade a até 50 por cento e às vezes mais. Apesar disso, os cariótipos
típicos de espécies aparentadas diferem frequentemente por translocações reciprocas, de
modo que genes homólogos são carregados em diferentes combinações de ligação.
Fusão e fissão de cromossomos
Os cromossomos metacêntricos são aqueles nos quais o centrômero está aproximadamente
numa posição mediana; os acrocêntricos têm o centrômero bastante próximo a uma
extremidade. Os dois braços de um cromossomo metacêntrico em um organismo são
frequentemente homólogos a dois cromossomos acrocêntricos diferentes em outro.
Acredita-se que uma translocação recíproca entre os braços curtos de dois acrocêntricos
possa ser o mecanismo pelo qual o cromossomo metacêntrico pode surgir (uma “fusão
robertsoniana"). Inversamente, um metacêntrico pode se dissociar em dois acrocêntricos
por uma translocação recíproca, com um minúsculo cromossomo doador (Figura 14). Na
condição heterozigótica, um cromossomo metacêntrico usualmente se segrega normalmente
dos acrocêntricos homólogos com que pareia, de modo que os gametas geralmente são
euplóides (i.é, têm genoma haplóide completo).
70 Capítulo Três
Diração de transcrição
DNA: AGA TGA CGG TTIT GCA
RNA: UCU ACU GCC AAA CGU
Proteina: Ser— Thr— Ala— Lys— Arg
a Mudança na natureza de leitura 1
Transição A = G Inserção de T
GGA TGA CGG TIT GCA AGT ATG ACG GTT TGC A
Ceu ACU GCC AMA CGU UCA UAC UGC CAMA ACG
Pro— Thr— Ala— Lys— Arg Ser— Tyr— Cys— Glu— Thr
N Mudança na natureza de leitura 2
Transversão AT Deleção de T
TGA TGA CGG TTT GCA AGT ATGA CGG TTT GCA
ACU ACU GEC AAA CGU UCa U CU GEC AMA CGU
Thr— Thr— Ala— Lys— Arg Ser-— Ser— Ala— Lys— Arg
FIGURA 15
Exemplos de tipos de mutações pontuais. Note a magnitude da mudança causada pela mutação
estrutural e a reconstituição de grande parte da mensagem original por uma segunda mutação
estrutural,
As alterações de um único par de bases pode ter outros efeitos. A mutação de uma
trinca que codifica um aminoácido para um códon terminal (p. ex., UAU para UMA no
código de RNA) termina a tradução de medo que nenhum produto funcional seja formado.
A eliminação ou inserção de uma única base muda a “organização de leitura”, de modo
que a sequência é lida com uma nova série de códons, portanto alterando a sequência
de aminoácidos abaixo da região da lesão. Isto é uma MUTAÇÃO DE MUDANÇA
ORGANIZACIONAL ("ERAMESHIFT MUTATION"). Uma segunda inserção, ou eliminação, pode
reestabelecer a organização de leitura original, de modo que só parte da sequência de
nucleotídeos é lida nas trincas alteradas. Mutações do tipo mudança organizacional
parecem normalmente gerar produtos não funcionais.
No nível fenotípico, pode ser observada uma MUTAÇÃO REVERSA que é a reversão
de um alelo mutante à sua forma original. Contudo, a reversão verdadeira, num determinado
par de bases, é pouco provável, se todas as substituições de pares de bases fossem
igualmente prováveis, a probabilidade de uma reversão verdadeira numa sequência de
423 pares de bases (que é o comprimento da sequência que codifica a hemoglobina q
humana) seria 1/1269 (a saber: 1/423, que é probabilidade de mutação naquele sítio, x
1/3, que é a probabilidade da mutação no par de bases original).
Estudos em microbiologia mostraram que muitas mutações reversas resultam de uma
segunda substituição de amino ácido que restaura a função alterada através da substituição
em outro lugar na proteína (Allen e Yanofsky 1963). Assim, numa população, cada alelo
reconhecido pelo seu efeito fenotípico é, provavelmente, um grupo de iscalelos
fenotipicamente indistinguíveis, alguns com substituições de pares de bases que não
alteram a função da proteína e outros com substituições complementares, que em conjunto
mantêm a função da proteina. Uma vez que a maioria das mutações modifica a função
gênica ao invés de restaurá-la, a taxa de mutação reversa observada ao nível fenotípico
é muito mais baixa do que a taxa de mutação modificante.
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 71
Mudança recombinacional ao nível de gene
Genes adjacentes em um cromossomo são sequências diferentes de nucleotídeos em uma
única longa molécula. Assim, os mecanismos de recombinação não precisam atuar apenas
entre genes: também ocorre a RECOMBINAÇÃO INTRAGÉNICA. Num heterozigoto para
alelos que codificam, digamos, as sequências de amincácidos Val-Thr-Arg-Leu e
Glu-Thr-Arg-Gly, a recombinação poderia dar origem a nova sequência de polipeptídeos
Yal-Thr-Arg-Gly. Um polimorfismo da enzima O fosfoglicerado desidrogenase na codomiz
japonesa (Coturnix coturnix) parece ter surgido desta maneira (Ohno et al. 1969), Por
recombinação intragênica, variação cria variação, quanto mais alelos (haplótipos) existem
mais novos alelos podem vir a existir. Esse mecanismo poderia gerar novos alelos em
taxas bastante altas (Watis 1972, Golding e Strobech 1983). Novas sequências de pares
de bases, surgindo por recombinação intragênica, poderiam codificar aminoácidos diferentes
daqueles codificados pelas sequências dos progenitores.
O mecanismo de recombinação parece ser intimamente relacionado aquele da
CONVERSÃO GÊNICA, um fenômeno que foi amplamente estudado em fungos. No
heterozigoto, os quatro produtos (gametas) da meiose, deveriam portar os dois alelos
(di e 42), numa taxa de 1:1, Ocasionalmente, porém, eles ocorrem em proporções
diferentes, tal como 1:3, O alelo Ai foi substituido especificamente por um Az e não
por qualquer dos outros alelos (Aa, A4, etc), para os quais poderia haver mutado; parece
ter sido convertido em Az (ou vice-versa). Diversos modelos foram sugeridos para
conversão gênica. Em um modelo (Figura 16), uma quebra de ambas as fitas do duplex
de DNA em um cromossomo é corrigida por enzimas de reparo que retiram um pedaço
de DNA de cada lado da quebra e substituem a sequência ausente, copiando-a das fitas
homólogas do outro cromossomo, Isto transforma uma fita de DNA de um alelo na
sequência do outro alelo, A conversão pênica pode se estender por até milhares de
bases. Em alguns casos, a conversão gênica não é viciada (a conversão de 41 para Àz
é tão provável quanto de 42 para 41), mas casos de conversão gênica viciada têm sido
descritos em que um alelo é preferencialmente convertido no outro.
Genes em cromossomos homólogos nem sempre estão perfeitamente alinhados durante
a sinapse. À RECOMBINAÇÃO CROMOSSÔMICA DESIGUAL entre cromossomos desalinhados
(Figura 17) dá origem a uma região duplicada em tandem em um cromossomo e uma
deleção complementar no outro, cujo comprimento depende da magnitude do
desalinharmento. Uma duplicação pode ser vantajosa porque os genes duplicados podem
produzir maiores quantidades do produto gênico, como Hansche (1975) encontrou no
fermento. A duplicação do loco da monofosfatase ácida aumentou em frequência em
uma população de laboratório, porque a quantidade dobrada de enzimas permitiu às
células explorar mais eficientemente as baixas concentrações de fosfato do meio.
Eliminações de regiões codificadoras, porém, são usualmente deletérias.
A duplicação gênica tem sido muito importante na amplificação do tamanho e do
conteúdo de informação do genoma (Ohno 1970) e na geração de famílias de genes
que podem divergir na sequência de nucleotídeos (p. ex., a família das globinas).
Um evento de duplicação pode aumentar a probabilidade de uma subsequente
recombinação desigual, porque o gene na primeira posição em um cromossomo pode
reconhecer e se parear com o gene na segunda posição do outro. À recombinação
desigual geraria então um cromossomo com três cópias em “tandem” e um outro
cromossomo com uma.
72 Capitulo Trés
FIGURA 16
Um modelo de conversão gênica. (A) Duas moléculas
duplex de DNA, num par de cromossomos homólogos
1 e 2 Cada DNA duplex consiste de duas fitas
antiparalelas a e b, com as extremidades Y indicadas
por setas, Os genes exibem diferenças em quatro
pares de bases. (B) Uma quebra no gene 1 é
aumentada por enzimas de endonuclease; o aumento
estende-se à fita 1ó no estágio (C). (C) À extremidade
3º livre da fita 1b invade a duplex 2, deslocando
a fita Za numa alça que pode alongar-se
indefinidamente para a esquerda à medida que a
fita 15 sofre reparo. (D) A fita 1h é ressintetisada
à altura da extremidade 3º livre por adição de
bases de nucleotídeos complementares à fita 2h. A
falha na fita la é reparado através da adição de
bases complementares à alça na fita 2a. (E) A ponta
3º de 1b é ligada à extremidade 5º da parte intacta
de 1b, Existem agora dois pontos de permuta. (F)
Em cada ponto de permuta as fitas cruzadas são
quebradas é ocorre religação conforme indicado.
Os sítios 2 e 3 do gene 1 foram agora convertidos
à sequência do gene 2. (De Szostak ct ol 1983)
a A ã A
— e
B b 8 b
c c C o
Recombinação normal
FIGURA 17
'
Sitio: 1 2 3 4
la CL ADLÇÕT—a
1d — É — T — É — À meme
Bio T— 6— T— lc
b— A—G— A g—,
ta -— C—— A= -T—a
tb Gg = — À mm
28 = T =mg— Tg
bp AG A 6-5,
1a — O — -T —a
1 — G = = G —— T — A -—
da mt” e——
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a TI—& —— TD) -=— C —
ee A ai mt, pra E sir
a À a A
b b
a e 8 e
e c
Recombinação desigual
Geralmente, como à esquerda, a permuta é reciproca. Entretanto, em a permuta desigual,
como à direita, um segmento de um dos cromossomos, tendo como marcador o loco B, é
transferido para outro cromossomo. Dessa forma, um cromossomo sofre uma deficiência, que
se for muito grande causa inviabilidade, O outro cromossomo é portador de uma duplicação
em tandem para um ou mais locos, tais como B. Essa duplicação pode persistir e, algumas
vezes, é vantajosa.
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 75
A B
1 2.3 4
po [eo —
2 1
(o escapa
x
| EGRAS Tm
3 4
ss |
»o>>> 1 a 2 4
————— os |
FIGURA 20
Recombinação entre sequências repetidas pode resultar em deleções é inversões. Os retângulos
representam às repetições, com a polaridade da sequência dos pares de bases indicada pelas
setas no seu interior. (A) A recombinação entre duas repetições diretas retira uma delas e
elimina a sequência entre as duas cópias. (B) A recombinação entre duas repetições invertidas,
inverte a sequência entre elas. (De Lewin 1985)
foram especialmente bem estudados a esse respeito. Elementos P caracterizam algumas
linhagens de Drosophila, mas não outras (Linhagens M). Quando cromossomos portadores
de P são introduzidos numa linhagem com citoplasma de tipo M, uma síndrome chamada
DISGENESIA HÍBRIDA ocorre nas células germinativas das moscas hibridas (Kidwell er al.
1977, Engels 1983): recombinação ocorre nos machos, as progênies são altamente estéreis,
e tanto rearranjos cromossômicos como mutações gênicas aparecem com grande frequência
na progênie dos híbridos. Mostrou-se que a disgenesia híbrida em Drosophila melanogaster
aumenta ponderavelmente a variação genética do número de cerdas abdominais, um
caracter poligênico (Mackay 1984).
Elementos transponíveis podem exercer um efeito mutagênico, interrompendo regiões
estruturais ou reguladoras dos genes em que se integrem, pertubando assim a função.
Por outro lado, muitos elementos móveis incluem sinais de interrupção e início de
transcrição, podendo, assim, alterar a expressão gênica mesmo que não estejam inseridos
em uma região reguladora, Além disso, quando existem em um mesmo cromossomo
duas ou mais cópias de um elemento transponível, a recombinação entre elas pode vir
a causar uma deleção ou inversão da região intermediária entre elas (Figura 20). Uma
seguência eliminada por meio deste mecanismo pode vir a ser inserida, junto com os
tranposons que a carregam, em outra parte do genoma. É sabido que os elementos
transponíveis FB de Drosophila movem sequências de centenas de quilobases.
76 Capítulo Três
TAXAS DE MUTAÇÃO
As taxas de mutação são tipicamente quantificadas por meio de frequência com que um
novo mutante aparece na progênie de uma população de indivíduos não mutantes
(frequentemente uma população de laboratório). São, assim, expressas como o número
de mutantes por gameta por geração. Uma dada mutação pode ter surgido em qualquer
ponto da linhagem das células que leva âquele gameta, não obrigatoriamente durante a
meiose. Possivelmente, por esta razão, as taxas totais de mutação em organismos eucariotos
multicelulares, nos quais as mutações são contadas por geração de organismos, parecem
ser mais elevadas que em organismos unicelulares tais como as bactérias (Tabela ID.
A taxa espontânea de origem de uma dada classe de mutação cromossômica (p.ex.,
Uanslocação recíproca) é de cerca de 104 a 102 por gameta por geração (Lande 1979),
embora qualquer arranjo particular raramente apareça e possa de fato ser considerado
único, caso possa ser descrito com precisão suficiente. Tal precisão normalmente não
existe, especialmente quando as taxas de mutação são quantificadas em um loco particular.
Nos casos em que mutações são quantificadas por seus efeitos morfológicos (p. ex.,
mutação de vermelho para branco na cor do olho, no loco white de Drosophila), ou
ainda por seus efeitos na mobilidade eletroforética de enzimas (veja Capítulo 4), numerosas
alterações de DNA poderão ter o mesmo efeito fenotípico e muitas delas não serão
detectadas. A taxa média de mutação por par de bases de DNA em bactérias foi estimada,
através de uma variedade de métodos indiretos, em cerca de 101º à 10” por divisão
celular (Drake 1974, Lewin 1985) e em cerca de 10º por geração em Drosophila (Neel
1983).
Baseado nos seus efeitos morfológicos e fisiológicos, as mutações em locos individuais
parecem surgir a uma taxa de 10% a 10º por geração (Tabela Il); estimativas semelhantes
são conhecidas para proteinas individuais (Mukai e Cockerham 1977, Neel 1983). Contudo,
as estimativas podem variar muito de loco para loco, e fenômenos do tipo da disgenesia
híbrida tomam provável que as taxas de mutação de populações naturais possam ser,
esporadicamente, elevadas. Elementos transponíveis, bem como a mutação de genes que
afetam a replicação, podem elevar as taxas de mutação e, assim, serem chamados “genes
TABELA
Comparação entre taxas de mutação espontânea.
Espécie Pares de biso Taxa de mutação por Taxa de mulação por
Por genoma replicação de par de base genoma por geração
Bacteriófago lambda 47x 0! 24 x 10º 0,001
Bacteriófago T4 18 x 10º Li x 10* 0.002
Salmonella nyphimurium 38 x 10º 20 x 101º 0.001
Escherichia coli 38 x 109 40 x 101º 0.002
Neurospora crassa 45x 101 5.8 x 101! 0.003
Drosophila melanogaster” 40 x 10º 84 x 10! 0.93
(De Drake 1974)
“ Os dados de Drasophila são por genoma diplóide por geração de mosca é não por geração de células como
em oulras espécies.
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 77
TABELA HI
Taxas de mutação espontânea de genes específicos.
Mutação por 100000 células ou gametas
Espécies e loco
Frente Reversa
Escherichia coli
resistência à estreptomicina 0.00004
resistência ao fago TI 0.003
independência de arginina 0.0004
Salmonella typhimurium
independência de triptofano 0.005
Neurospora cCrassa
independência de adenina D.0008-0.029
Drosophila melanogaster
corpo amarelo 12
olhos castanhos 3
ausência de olhos 6
Zea mays (milho)
grãos adocicados 024
I por i 10.60
Homo sapiens
retinoblastitóma 12-23
acondroplasia 42-143
doença de São Vito (ou Huntington) os
Mus musculus (camundongo doméstico)
a (cor da pele) TI 0,047
« (cor da pelagem) 097 0
d (cor da pelagem) 192 0.04
In (cor da pelagem) 1.51 o
(De Dobahansky 1970)
mutadores” (p. ex. Ives 1950, Von Borstel et al. 1973). Por exemplo, o alelo mutT de
Escherichia colli aumenta a frequência de transversões de A -T para C-G em todo o
genoma. Uma vez que um alelo mutador está geralmente associado com as mutações
que ele causa e considerando que a maior parte das mutações é deletéria, os alelos
mutadores serão, junto com elas, frequentemente removidos da população pela seleção
natural; assim, alelos muladores parecem ser raros em populações naturais (Capítulo 9).
Não é possível estimar a taxa de mutação para cada um dos locos que contribua
para caracteres herdados poligenicamente, mas pode-se estimar a taxa na qual a variação
genética (variância) de tais características é aumentada por mutação (revisão por Lande
1976b). Estimativas de contribuição mutacional à variância de caracteres morfológicos
são, em geral, feitas numa população que tenha sido endocruzada (Capítulo 5), de modo
2 não ter variação genética inicial (p. ex., Clayton e Roberison 1955). A taxa de mutação
80 Capitulo Três
são competitivamente superiores a baclérias do tipo selvagem, se esses aminoácidos lhe
forem fomecidos (revisão por Dykhizen e Hartl 19833). Em populações humanas em
um ambiente livre de malária, a hemoglobina S que, em forma heterozigota causa a
anemia falciforme e em forma homozigota causa moléstia grave, é indubitavelmente
nociva. Quem teria suposto que um tal gene pudesse proteger contra a malária?
Frequentemente o ambiente (“background”) genético em que uma mutação surge
determina seu destino. O caso mais simples é aquele de um efeito de prioridade genética:
uma nova mutação possivelmente benéfica não é vantajosa se sua função já é desempenhada
por um gene estabelecido. Por exemplo, diversos mutantes de hemoglobina reduzem a
susceptibilidade humana à malária e alguns desses mutantes têm distribuições
complementares entre as populações dos trópicos do Velho Mundo; nenhuma aumentou
dentro da área de outras (Livingstone 1964). Além disso, o ambiente genético em outros
locos frequentemente determina se uma mutação é vantajosa, prejudicial ou neutra
(Capítulos 6 e 7).
CASUALIDADE DAS MUTAÇÕES
As mutações ocorrem ao acaso. Isto não quer dizer que todos os locos mutam à mesma
taxa, nem que todas as mutações imagináveis sejam igualmente prováveis. Nem quer
dizer que as mutações independem de efeitos do ambiente; substâncias mutagênicas no
ambiente, aumentam a taxa de mutação, À mutação acontece ao acaso, no sentido de
que a probabilidade de ocorrência de uma dada mutação não é afetada pela utilidade
que a mutação possa vir a ter. Como disse Dobzhansky (1970) “Pode parecer uma
deplorável imperfeição da natureza que a mutabilidade não seja restrita a mudanças que
favoreçam a adaptabilidade de seus portadores. Contudo, somente um Pangloss vitalista
poderia imaginar que os genes sabem como e quando mutar é bom para eles”.
A resistência a um agente causador de morte, tal como uma toxina, baseia-se em
alelos que já se encontram na população ou que aparecem por mutação, independentemente
da presença do agente. Dois experimentos elegantes ilustram este fato. Lederberg e
Lederberg (1952) usaram a técnica de replicar culturas bacterianas em placas para mostrar
que mutações para resistência a um dado antibiótico ocomem independentemente da
resistência à droga e não são induzidas por ela (Figura 22). Em um experimento
semelhante em conceituação, Bennett (1960) mostrou que a evolução da resistência ao
DDT em Drosophila baseava-se em mutações já presentes na população. Isto foi demonstrado
utilizando, como reprodutores, indivíduos irmãos das moscas mais resistentes de cada
geração. Estas moscas selecionadas não foram expostas ao DDT, mas no fim de 15
gerações, o estoque estava altamente resistente ao inseticida, embora nenhum de seus
ancestrais tivesse sido exposto a ele.
Tanto quanto sabemos, o ambiente não provoca o aparecimento de mutações favoráveis,
pode uma população acumular mutações antecipando a mudança em seu ambiente,
como veremos no Capítulo 6.
RECOMBINAÇÃO: A AMPLIFICAÇÃO DA VARIAÇÃO
A variação genética não decorre só de mutação, mas também de recombinação. Nos
eucariotos isto resulta de dois processos frequentemente, mas não sempre, associados
entre si. São a reprodução sexual (a união de gametas potencialmente diferentes) e a
Hereditariedade: Fidelidade e Mutabilidade 81
Placa sem penicilina
Colônias resistantes o
e sensíveis Placa com penicilina
A
4 Pressionado conta ==
3 Meio com penicilina 2 Placas guardadas “e 4” o veludo
a Tre
Ex a
ba
Apenas colônias resistentes
à penieilina crescem
Colónia Colônia Veludo
sensivel resistente
Sem crescimento Crescimento
FIGURA 22
O método de replicação em placas, mostrando que mutações para resistência à penicilina
surgem espontaneamente e não são induzidas por ela. No terceiro passo, conta-se o número
de colônias resistentes da placa sem penicilina; no quinto passo, conta-se o número de colônias
que conseguem crescer quando expostas à penicilina. Os dois números são iguais; assim, a
penicilina (passo 5) não está induzindo mutações para resistência. (Modificado de Seb er al,
1965)
formação de gametas geneticamente diferentes daqueles que se uniram para formar o
indivíduo que os produz. O segundo fato também acarreta dois processos que não estão
invariavelmene associados: segregação independente de cromossomos não homólogos e
recombinação entre cromossomos homólogos.
Esses processos variam muito entre organismos diversos. A reprodução sexuada pode
envolver dois indivíduos ou apenas um, como no caso de plantas auto-fertilizadas. Na
parienogênese ameiótica a meiose não ocorre e a progênie desenvolve-se a partir de um
ovo não reduzido. Alguns organismos uniparentais têm meiose, segregação independente
e recombinação cromossômica. Por exemplo, o número diplóide é reconstituído, em uma
forma partenogenética da mariposa Solenobia triquetrella, pela fusão de dois dos quatro
produtos da meiose. Alguns organismos, tais como os machos de Drosophila e muitos
outros dípteros, têm meiose normal, porém não têm permuta, Em machos da mosca
Sciara, são transmitidos aos espermatozóides apenas os cromossomos herdados da mãe,
de modo que a segregação de cromossomos pode ser qualquer coisa, menos independente.
Essas variações da maquinaria meiótica ilustram que as taxas de recombinação
evoluem. Até a frequência de recombinação pode estar sujeita a controle genético preciso.
Por exemplo, Chinnici (1971) e outros demonstraram que a frequência de recombinação
entre dois locos está sob controle genético e pode ser alterada por seleção artificial
82 Capitulo Três
(Figura 10 no Capítulo 9) sem afetar a frequência de recombinação no resto do
cromossomo,
As novas combinações de genes que surgem por recombinação podem conferir à
progênie propriedades que transcedem as de qualquer dos progenitores. Se, por exemplo,
+ e - representarem alelos em 5 locos afetando igualmente o tamanho do corpo, dois
progenitores com genótipos +--+-[-++-+ e --+-+H+-+- têm o mesmo tamanho: sua
progênie, porém, poderia incluir os genótipos +++++++++ & =====[==--=, cobrindo toda
a amplitude possivel de variação. Dessa maneira, variação pode aparecer muito mais
rapidamente do que apenas com mutação. Contudo, genótipos homozigotos extremos
aparecem com pouca frequência. Se os 5 locos que postulamos segregarem
independentemente, a probabilidade de um descendente ter o genótipo +++++[+++++ é
de apenas 1/1024, A maior parte dos indivíduos da população terá uma mistura de alelos
+e- e será de tamanho intermediário. Assim, a população contém variação latente para
genótipos extremos, mas esses genótipos são raros. Ademais, um genótipo insólito gerado
por recombinação será desmanchado pelo mesmo processo na próxima geração; assim,
a recombinação tende a estabilizar a amplitude de variação (Eshel e Feldman 1970,
Felsenstein 1974, Williams 1975). Contudo, a combinação recém-surgida pode ser
perpetuada se a recombinação for restringida. Inversões cromossômicas que suprimem a
recombinação cromossômica têm esse efeito, assim como a partenogênese.
FONTES EXTERNAS DE VARIAÇÃO
Adicionalmente à variação genética devida à mutação e recombinação, uma população
frequentemente tem variações genéticas que vieram de outras populações por FLUXO
gênico (Capitulo 5). Geralmente estas são populações da mesma espécie; em alguns
casos, porém, a hibridização ocorre entre espécies diferentes que estão em típico isolamento
reprodutivo, À gramínea Bothriochloa intermedia parece ter incorporado genes de numerosas
outras gramíneas: de B, ischaemum no Paquistão, de B. inscuípta na África oriental, de
Dichanhium annulamun no Pasquitão e na Índia, e de Capilipedium parviflorum no
norte da Austrália (Harlan e deWet 1963). A variação originária de hibridização
frequentemente transcende a variação de quaisquer das espécies progenitoras (Figura 23).
Algumas vezes, a hibridização pode proporcionar variação genética suficiente para
adaptação a ambientes que estariam, de outro modo, fechados à espécie. Populações de
laboratório, consistindo de híbridos entre as moscas de frutas Dacus tryoni e D.
neolumeralis, foram mais capazes de adaptar-se a altas temperaturas do que quaisquer
das espécies “puras”, levando Lewontin e Birch (1966) a postular que a hibridização,
que se sabe ocorrer naturalmente entre essas espécies, possa ter sido responsável pela
sua expansão territorial no século passado. A progênie dos hibridos herda alguns alelos
típicos das espécies progenitoras, mas às vezes também contém alelos característicos que
podem ter surgido nos hibridos, por recombinação intragência (Sage e Selander 1979,
Woodrulf 1981).
As plantas alopoliplóides são mais comuns em habitats rigorosos (Stebbins 1970) e
demonstram fartamente o sucesso evolutivo que os genótipos híbridos podem ter. A
alopoliploidia, em si, não cria novas feições morfológicas do tipo que distingue gêneros
ou outras categorias superiores da classificação, mas estoques alopoliplóides têm
frequentemente evoluído em linhagens filéticas que alcançam individualidade taxonômica.
Hereditariedade; Fidelidade e Mutabilidade 85
Lewin, B. 1985, Genes Il. Wiley, New York. 716 pages. Um tratamento detalhado e abrangente dos
aspectos moleculares da genética. A maioria das afirmações feitas neste capítulo sobre genética
molecular, e que não tenham sido especificamente reconhecidas, são baseadas nesse livro.
Gilbert, 5.F. 1985. Developmental biology. Sinauer Associates, Sunderland, MLA. 726 pages. Uma
abordagem clara e abrangente dos aspectos moleculares e organismicos da ontogenia.
Variação
Capítulo Quatro
Variação 87
A biologia evolutiva, como qualquer ciência, busca entender a complexidade da natureza
pela formulação de generalizações: nós tentamos simplificar, para facilitar a compreensão.
Assim fazendo, corremos o risco de perder muito da beleza e excitamento da biologia,
inerentes à extraordinária variedade de seres vivos. Entretanto, mais do que a estética
está em jogo, pois a variação está no coração do estudo científico do mundo vivo.
Enquanto predominava o essencialismo, uma visão que ignora a variação e acredita em
características fixas, dificilmente poderia ter sido concebida a possibilidade de mudança
evolutiva, uma vez que a variação é tanto o fundamento, como o produto da evolução.
O TEOREMA DE HARDY-WEINBERG
Em um cruzamento de laboratório entre uma linhagem homozigota dominante (44) e
uma homozigota recessiva (aa), 75 porcento da geração F5 tem o fenótipo dominante.
Um geneticista questionou, em 1908, se não era razoável supor que em virtude de sua
predominância numérica, o alelo dominante não se tomaria mais é mais comum e o
alelo recessivo mais e mais raro,
Se esta suposição fosse correta, os fenótipos predominantes existiriam não devido
às suas propriedades vantajosas, mas somente devido às suas proporções mendelianas.
A ciência da genética de populações nasceu em 1908, quando G.H, Hardy e W. Weinberg
provaram, independentemente, que a suposição do inocente geneticista não era verdadeira.
Suponha que uma população diplóide de reprodução cruzada consiste de N indivíduos
que se intereruzem ao acaso, de modo que seus genes se combinem em um CONJUNTO
Géxico comum. Em qualquer loco aulossômico, tal como o loco A, existem 2N cópias
gênicas. Se existem dois alelos, 4 € 4”, Os três genótipos 44, 44” € AºA' perfazem naa,
N4A! & MA4'4! em número, respectivamente. As proporções, ou FREQUÊNCIAS GENOTÍPICAS
nAAÍN, NAAN € nA AIN serão indicadas como D, H e R, respectivamente, Assim, D + H +
R= 1, As FREQUÊNCIAS ALÉLICAS (frequentemente chamadas de FREQUÊNCIAS GÊNICAS)
dos alelos 4 e 4” podem ser calculadas facilmente. À frequência de 4 é p = na/2n, onde
ma é o múmero de cópias de A representadas entre os membros da população e a
frequência de 4 é q = 1 -p = na4/2n. O número de alelos 4 é igual a duas vezes o
número de individuos 44 mais o número de heterozigotos ou na = 2n44 + na4', de
modo que p = na/2N = D + H2. Similarmente, q = & + H2.
Se o cruzamento ocorre ao acaso dentro das populações, a frequência de cada tipo
de cruzamento pode ser calculada; por exemplo, a frequência de cruzamentos 44 X 44
ente aquela entre 44 e 44" é 2DH (uma vez que existem duas possibilidades neste
caso, MA X AM E AM X AA, cada um com a probabilidade 04). Calculando-se a frequência
de cada cruzamento e a proporção de cada genótipo entre a sua progênie, demonstra-se
(Quadro A) que após uma Beração de cruzamento ao acaso a frequência dos genótipos
MAMA" € AA” será p”, 2pg e q”, respectivamente, não importando quais eram as Erequançho
originais p, H e R. Além do mais, entre essa progênie, a frequência de 4 é p' + 1/2
Qu) =p(p+q)=p- a mesma frequência alélica da geração anterior.
A abundância relativa dos alelos 4 e 4” não muda de uma geração para a outra; à
única mudança na composição genética da população é a redistribuição dos genótipos
em frequências que serão mantidas em todas as gerações subsequentes. Se um alelo é
dominante sobre o outro, é irrelevante: a dominância descreve o efeito fenotípico, não
a abundância de um alelo. Este, então, é o TEOREMA DE HARDY-WEINEERO, O fundamento
de toda a teoria genética da evolução: sob as condições que implicitamente assumimos,
90 Capítulo Quatro
(para locos que não se recombinam) a 1/2 (para locos com segregação independente).
Se os locos estão no mesmo cromossomo, então & é a distância de recombinação entre
os locos.
O conceito crítico na teoria dos locos múltiplos é a FREQUÊNCIA GAMÉTICA, Existem
nove genótipos zigóticos possíveis (AABB, AMBER, . .., A'A'B'B), mas apenas quatro
gametas possíveis (AB, AD', A'B, A''), que se unem ao acaso para formar os zigotos.
Chame as frequências destes gametas pelos respectivos simbolos go, gol, BIO & gir,
note que goo + gor + gi + gire 1. À frequência py do alelo 4 é goo + gol, uma vez
que estes são os únicos gametas que portam 4. À frequência pz de 5 é goo + gm e o
mesmo ocorre para os outros dois alelos.
Se a probabilidade de que um gameta contenha o alelo 4 é independente de que
porte o alelo 8, a frequência (go) do pamela AB é, então, o produto das frequências
dos alelos, pyp2. Do mesmo modo portanto, goi = piga, glo = qupre gu = giga. Os
gametas AB & A'B' São GAMETAS ACOPLADOS e 48" € 4'B são GAMETAS EM REPULSÃO,
O termo p, definido como D = googi! - goIgio expressa o grau no qual os gametas
em acoplamento e repulsão diferem em frequência. Se os alelos nos dois locos são
combinados casualmente em gametas, os gametas em acoplamento e repulsão são
igualmente comuns e D = (pipz x qrqa) - (pigz x qupa) = O.
Os alelos, entretanto, podem não estar combinados ao acaso, Por exemplo, se uma
população foi formada pela mistura de duas linhagens homozigóticas AMBB e A'A'B'B" em
números iguais, as frequências dos alelos py, p2, q! e q2 são todas iguais a 1/2, mas
apenas dois tipos de gametas são formados, AB e A'B, cada um com uma frequência
igual a 1/2. Deste modo p = (1/2 x 1/2) - (0 x 0) = 1/4. Diz-se que a população está
em um estado de EXCESSO GAMÉTICO ou “DESEQUILÍBRIO DE LIGAÇÃO”. Sendo chamado
frequentemente de “COEFICIENTE DE DESEQUILÍBRIO DE LIGAÇÃO”, D varia de + 1/4,
quando somente gametas acoplados existem, até - 1/4, quando todos os gametas estão
em sua fase de repulsão, assumindo-se que pi = p2 = 1/2.
Diversos aspectos interessantes são demonstrados no Quadro B. Para cada um dos
dois locos analisados separadamente, uma única geração de cruzamentos ao acaso
estabelece as frequências genotípicas p, 2 pq e q, exatamente como se o outro loco
não existisse, o teorema de Hardy-Weinberg mantém-se verdadeiro. Entretanto, o grau
de associação entre os alelos 4 ec» e entre A'e H' persiste por algum tempo. Existe
uma correlação entre os alelos dos dois locos, que é visível entre os zigotos como um
excesso de alguns genótipos (aqueles que portam as combinações AB e A'B) é uma
deficiência de outros (aqueles com as combinações Am" e A'B na sua constituição
genética). A força da correlação é medida por D, que declina gradualmente em direção
a O à medida que as recombinações agrupam os alelos em combinações casuais. A taxa
em que D se aproxima de zero (um estado de EQUILÍBRIO DE LIGAÇÃO) depende de
quão firmemente os locos estão ligados; o valor de D na enésima geração é Da = Do
(1 - Rn, onde Do é o valor inicial de D (Figura 2). Deste modo, mesmo se dois locos
estão ligados, as características que eles determinam na população não se correlacionam
necessariamente entre si. Por outro lado, duas características que são correlacionadas
podem ser determinadas por genes não ligados, porque até mesmo locos de segregação
independente podem exibir um certo grau de excesso gamético por um certo número
de gerações,
Variação 91
B Dois Locos
Sejam py e q as frequências dos alelos 4 e 4',e p: é qr as frequências de B e B' As
frequências iniciais dos gametas AB, AB', A'B e A'B' são go, 801, 810 & 11, respectivamente,
A frequência de um alelo é a soma das frequências dos gametas que o portam, por exemplo,
PL = go + gol.
Os gametas combinam-se aleatoriamente em zigotos; assim, a frequência de AABB é
gua), a de AABB' é Zg00 gol, a de AM'BB' é Zgoo gu + Zg10 gol, e assim por diante. A
frequência de cada tipo de gameta produzido por esta população de zigotos é a soma das
frequências dos zigotos que produzem o gameta, ponderada pela proporção dos gametas
dos zigotos do tipo apropriado. Note que o duplo heterozigoto sofre recombinação a uma
taxa R A proporção R2 dos gametas do heterozigoto em repulsão (AB'/A'B) são do tipo
AB e a proporção (1 - Rj/2 de gametas dos heterozigotos acoplados (AB/A'B") são do tipo
AB, isto é, aqueles produzidos sem recombinação. Assim, o gameta AB é produzido pelos
genótipos AB/AB, ABJAB', ABIA'B', ABJA'B' e AB'A'B . Sua nova frequência (g'oo) é
portanto:
am" = so + (1/2) 2800 go + (1/2) 200 gio + CL/2) (1 -R) Zgoo gut + (1/2) (R3 Zeno go
= oo + go goi + goo gia + goo gii = Rgoo gui + Rg1o gol
= goo (go0 + go + gio * gu) - R (go gu - gio gui)
Como o primeiro termo entre parênteses é igual a | é o segundo termo entre parênteses
se iguala ao coeficiente do desequilíbrio de ligação D, esta equação é simplificada para:
gor = go - RD
Assim, em uma geração, O excesso de gametas acoplados goo é reduzido por uma fração
proporcional à taxa de recombinação e à quantidade de excesso gamético. Do mesmo modo,
pode ser demonstrado que go” = gor + RD, gw = go + RDegn' = gu - RD. Essas
expressões descrevem a abordagem ao desequilíbrio de ligação.
Note que as frequências alélicas não se alteram; por exemplo, se pj" é a Frequência
de A na geração seguinte,
prego + gor = (go - RD) + (gor + RD) = goo + go = pi
Além do mais, cada loco visto separadamente está em equilíbrio de Hardy-Weinberg. Por
exemplo, a frequência de AM após uma geração é
(go + Zeoo'gor' + (gor = (go + goP = pi.
Premissas do Teorema de Hardy-Weinberg
O teorema de Hardy-Weinberg e suas extensões são baseados em certas premissas;
violações dessas premissas causam alterações nas frequências dos alelos, dos genótipos
ou de ambos. As discrepâncias entre uma população “ideal” de Hardy-Weinberg e as
populações reais são os ingredientes da evolução. As premissas subordinadas a este
teorema são:
92 Capítulo Quatro
FIGURA 2 025
A diminuição do desequilíbrio de ligação entre dois
locos, cada um com dois alelos igualmente
frequentes, a partir de um estado inicial de 9920
desequilibrio completo. O desequilíbrio de ligação
declina menos rapidamente para locos mais
intimamente ligados (aqueles com uma taxa menor 15
de recombinação, Rj. (De Hedrick 1983) a
010
0.05
0,00 -
o 5 10 15 20 2s
Geração
1. O tamanho da população é infinito ou efetivamente infinito. Mas em uma população
finita (real), a frequência de um alelo pode flutuar de geração a geração devido a
eventos casuais (deriva genética).
2. Indivíduos cruzam-se uns com os outros casualmente. Entretanto, o padrão de
enizamento em uma população frequentemente não é ao acaso e isto tem consequências
importantes.
3. Todos os alelos são igualmente competentes na sintese de cópias de si mesmo, as
quais se incorporam ao conjunto gênico nos gametas. Se os alelos diferirem quanto
à taxa de reposição, suas frequências podem se alterar, Esse fenômeno é chamado
de seleção, Um princípio óbvio é que os alelos segregam numa razão 1:1 nos gametas
produzidos por heterozigotos.
4. Não ocorre a introdução de novas cópias de qualquer alelo a partir de qualquer fonte
extema. Se ocorresse e se um alelo fosse introduzido numa razão maior que outro,
as frequências alélicas mudariam. Existem duas fontes possíveis de novas cópias:
migração de genes (alelos) a partir de outra população (fluxo gênico) e a transformação
de um alelo em outro (mutação).
VARIAÇÃO NAS CARACTERÍSTICAS QUANTITATIVAS
Nós iremos discutir, mais adiante, exemplos de variação genética nas características que
segregam como fenótipos discretos, mas, primeiramente, devemos considerar, de um
ponto de vista teórico, o tipo de variação que é mais evidente: as pequenas diferenças
entre indivíduos nas características como cor da pelagem, tamanho do corpo ou número
de ovos, A maioria das caracteristicas apresenta esse tipo de variação continua (ou
“quantitativa” ou “métrica” (Figura 3). Algumas características, tais como o número de
cerdas do escutelo em Drosophila, variam de modo discreto, somente porque uma mosca
pode ter 4 ou 5 cerdas, mas não quatro e meia. É possível demonstrar que essa é
apenas uma expressão discreta de um fluxo continuo de algum tipo de material empregado
na confecção das cerdas (Rendel 1967; Wright 1968). Tais características são denominadas
MERÍSTICAS (contáveis) ou “THRESHOLD" (descontinuas).
Variação 95
Quase toda característica é afetada por alguns ou muitos locos, cada um dos quais
contribui com uma quantidade tão pequena para a variação total que é extremamente
difícil de se realizar cruzamentos genéticos que possam determinar o genótipo de um
indivíduo e muito menos determinar as frequências alélicas nos locos individuais. Assim,
a caracteristica irá, frequentemente, variar em pequenas proporções de um indivíduo para
outro. Além disso, cada genótipo pode ser um tanto variável fenotipicamente, porque
seu desenvolvimento é diretamente afetado pelo ambiente e por eventos casuais durante
a ontogenia (“developmental noise”). Por exemplo, moscas Drosophila geneticamente
idênticas criadas num ambiente homogêneo variam levemente no comprimento da asa
e, frequentemente, uma única mosca é bilateralmente assimétrica devido a variações
incontroláveis nos mecanismos moleculares do desenvolvimento. A magnitude de toda a
variação não genética (normalmente denominada de VARIÂNCIA AMBIENTAL, VE) pode ser
medida de diversos modos (Capitulo 7), por exemplo, é possível obter-se um certo
número de indivíduos com o mesmo genótipo através da clonagem ou endocruzamento.
Então, qualquer variação fenotípica que eles apresentem é consequência do ambiente ou
de interferência durante o desenvolvimento, Por esse ou outros meios, é possível descrever
a variância fenotípica (Hj) como a soma da variância genética (5) e da variância
ambiental (VE), assumindo-se que os efeitos genéticos e ambientais no fenótipo são
independentes e aditivos:
Fp= Vo + Ve
No Capítulo 7, veremos que a variância genética aditiva, Va, é, algumas vezes,
apenas uma parte da variância genética total, Vg. Também veremos como é possível
medir a HERDABILIDADE uu?) de um caráter, a qual é definida, num sentido restrito,
como sendo
1 = VyVp
a proporção da variância do fenótipo que é atribuível aos efeitos aditivos dos alelos na
característica. É suficiente, no momento, dizer que quanto maior a herdabilidade, mais
a descendência dos filhotes se assemelha a seus pais e, na realidade, a magnitude da
semelhança fenotípica entre parentes oferece uma maneira de se medir a herdabilidade
de um caráter, Embora o componente genético da variação seja a matéria prima da
mudança evolutiva, muitas características possuem um considerável componente não
genético em sua variação (ié, possuem baixa herdabilidade). Moscas Drosophila, por
exemplo, são maiores se criadas em temperaturas mais frias ou em condições de baixa
densidade que em ambientes mais quentes ou com superpopulações, as formas de
crescimento da maioria das plantas é muito plástica e depende da luz, água e condições
do solo; o rotifero Brachionus desenvolve ou não espinhos, dependendo da presença ou
ausência de substâncias químicas produzidas por uma espécie predatória de rotifero
(Capítulo 2).
VARIAÇÃO EM POPULAÇÕES NATURAIS
A maioria das caracteristicas varia pelo menos um pouco; geralmente, o desvio padrão
fenotípico (a raiz quadrada da variância fenotípica) é de aproximadamente 5 a 10 por
96 Capímio Quatro
cento da média, Existem diversas maneiras de se demonstrar que, frequentemente (mas
não sempre), uma fração considerável dessa variação está fundamentada geneticamente.
Um método é demonstrar que existe uma correlação entre parentes. Boag (1983), por
exemplo, calculou a herdabilidade de diversas características numa população de tentilhões
de Darwin nas Ilhas Galápagos medindo agrupamento de adultos e seus descendentes e
descobriu que, mesmo em um ambiente natural variável, a maior parte da variação
fenotípica tinha uma base genética (Tabela 1). Esse método, entretanto, corre o risco de
confundir os efeitos genéticos com correlações não genéticas entre parentes, tais como
efeitos maternais (Capítulo 3) ou efeitos ambientais compartilhados por membros de uma
família. Um modo de excluir tais efeitos é transferir os filhotes casualmente entre ninhos,
de modo que sejam criados por indivíduos não aparentados. Smith e Dhondt (1980),
por exemplo, foram capazes de confirmar, através dessa técnica, que as características
morfológicas de pardais canoros (Melospiza melodia) eram correlacionadas com aquelas
de seus pais verdadeiros ao invés daquelas de seus pais adotivos.
TABELA 1
Herdabilidade de características morfológicas do tentilhão Geospiza fortis”
Coeficiente de Variância
Característica Média variação fenotápica Terdatbitidade
Peso corporal (g) 15,86 8,05 1,630 91 + 09
Comprimento do tarso (mm) 18,75 3,42 0,411 Ti + do
Comprimento do bico (mm) 10,74 6,64 0,509 65 £.15
Largura do bico (nun) 8,74 6,66 0,339 O +10
(Dados de Bong, 1983)
“As três primeiras colunas são de 44 aves adultas medidas em 1976; a coluna final provém dos dados
combinados de 1976 & 178. Varlâncias fenotípicas foram calculadas a partir da Tabela IV de Bosg. O
coeficiente de variação = 100 x (desvio padrio/média). As estimativas de herdabilidade são buscadas na
regressão dos valores da descendência sobre a média de seus dois pais, seguidas de seus erros padrões.
Quiro modo de se revelar a variação genética é selecionar artificialmente à mudança
de uma característica pelo cruzamento somente de indivíduos que estejam acima ou
abaixo da média da população, uma vez que a seleção é capaz de alterar uma população
de uma geração para outra somente se uma parte da variação for hereditária, A seleção
artificial em Drosophila conseguiu mudanças em numerosas características morfológicas,
assim como no comportamento geotáctil, sexual, taxas de desenvolvimento, fecundidade,
capacidade de dispersão, preferências alimentares, resistência a inseticidas e outras toxinas,
taxas de recombinação entre genes ligados e muitas outras (resumidas por Lewontin
19744). Efetivamente, a história do cruzamento de linhagens melhoradas de plantas e
animais domésticos atesta a presença da variação genética em quase qualquer característica.
A resposta à seleção é atribuída primariamente à variação genética pré-existente e não
à ocorrência de novas mutações à medida que a seleção acontece, uma vez que populações
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homozigóticas com alto índice de endocruzamento praticamente não respondem à seleção
(Clayton e Robertson 1955).
Na verdade, algumas características não respondem imediatamente à seleção.
Drosophila, por exemplo, normalmente possue um ccelo (olho simples) mediano anterior
e dois ocelos posteriores bilateralimente simétricos. É possível selecionar linhagens que
não apresentam o ocelo mediano ou que têm assimetria flutuante, isto é, ausência ao
acaso de um dos ocelos posteriores. Mas não foi possível selecionar uma linhagem que
deixasse, consistentemente, de ter um ocelo posterior específico (isto é, direito ou
esquerdo); parece que existem restrições de desenvolvimento na expressão da variação
genética (Maynard Smith e Sondhi 1960). Entretanto, mesmo alguns caracteres que
ordinariamente não demonstram variação fenotípica são geneticamente variáveis e podem,
algumas vezes, responder à seleção. Por exemplo, Drosophila melanogaster quase sempre
tem 4 cerdas no escutelo; contudo, introduzindo-se numa população de Drosophila um
alelo mutante que altera a via normal do desenvolvimento, a variação latente do número
de cerdas, causada por outros genes que não o alelo mutante, torna-se visivel e proporciona
uma base para uma resposta evolutiva à seleção natural (Rendel 1967, veja o Capítulo
7). Assim, existem variantes genéticas que são impedidas de se manifestar pela via do
desenvolvimento homeostático.
Polimorfismos visíveis
É impossível saber, pela genética clássica, se um gene existe e, muito menos, estudar
suas propriedades a menos que alelos altemativos naquele loco possam ser identificados.
Assim, os primeiros estudos dos genes nas populações foram focalizados em variantes
discretas, tais como os lipos sanguíneos ABO ou olhos brancos em Drosophila. Entretanto,
nas populações naturais da maioria das espécies, nós raramente encontramos uma
característica com dois ou mais fenótipos discretos que nos estimulariam a realizar um
cruzamento mendeliano. Populações de esquilos cinzentos do leste (Seiurus carolinensis),
por exemplo, contém ocasionalmente indivíduos negros, melânicos, mas tais “mutantes"
são raros. Por essa razão, os geneticistas clássicos distinguiram o tipo selvagem
predominante dos mutantes e assumiram que as populações eram geneticamente
homogêncas. Nessa visão clássica da estrutura populacional, um alelo do tipo selvagem
(frequentemente indicado como +) é predominante na maioria dos locos; a única variação
é devida a mutações ocasionais que, sendo aparentemente raras, devem ser deletérias.
Sob esse ponto de vista, a evolução é um processo muito lento, já que deve esperar
as raras mutações vantajosas que proporcionem adaptação à mudança ambiental.
Ocasionalmente, entretanto, dois ou mais fenótipos diferentes e discretos são
razoavelmente comuns em uma população. Quando o mais raro deles excede certa
frequência arbitrariamente alta - digamos, aproximadamente um por cento - esta condição
é chamada de POLIMORFISMO. Os padrões de coloração do ganso-da-neve [Chen
cacrulescens) e da cobra-rei da Califômia (Lampropeltis getulus) (Figura 4), por exemplo,
são tão dimórficos que, em ambos os casos, as diferentes formas foram descritas
originalmente como espécies distintas. Contudo, as formas de coloração interceruzam-se
livremente e, em ambos os casos, a diferença no padrão de coloração parece ser devida
a um único loco.
Alguns polimorfismos são TRANSITÓRIOS; observamos a população enquanto um alelo
está substituindo o outro. O caso mais famoso de tal polimorfismo é a forma melânica