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Guias e Dicas
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MACARTHUR, John - CAOS CARISMATICO, Notas de estudo de Bioquímica

CAOS CARISMATICO, JOHN MACARTHUR

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 19/08/2017

jaqueline-freitas-9
jaqueline-freitas-9 🇧🇷

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Baixe MACARTHUR, John - CAOS CARISMATICO e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! JoHN MACARTHUR John MacArthur, Jr O CAOS CARISMÁTICO Há Piel Editora Fiel O Caos CARISMÁTICO “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espiritu- ais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5.18-21). “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei” (Gl 5.22-23). SUMÁRIO Introduçã: A experiência é um teste válido da verdade? A viagem insuperável... Duas abordagens básicas do cristianismo O historiador carismático Vinson Synan registrou: Pedro era carismático? Paulo confiava na experiência: Entusiasmados, mas ingênvos..... A origem da teologia experiment: A batalha pela Bíblia se intensifica Deus ainda concede revelações?. O que significa a inspiração Conceitos modernos sobre a inspiração Revelação progressiva? ...... O cânon está terminado..... Como o cânon bíblico foi escolhido e terminado Profetas, fanáticos ou hereges? .............ceees Os profetas de Kansas City Montanismo........ Catolicismo romano Neo-ortodoxia....... Asseitas............. Do Sola Scriptura a “algo mais”... O Caos CARISMÁTICO Como devemos interpretar a Bíblia? ..............reeeemesesess 108 Três erros que devem ser evitados ...... ce ll1 Cinco princípios para a interpretação correta da Bíblia... Só mais uma coisa é necessária... Quatro textos bíblicos comumente mal interpretados Corte-a reto . Deus realiza milagres hoje O que são milagres? .............. O que podemos dizer sobre os milagres modernos? O que aconteceu com a era dos milagres?...... Quando e por que Deus usou milagres? Milagres são necessários hoje?.... Deus promete milagres para todos? .... O que tornou os apóstolos pessoas singulares?. O poder de Deus diminuiu?...... O que está por trás da “Terceira Onda” e aonde ela está indo? Sinais e maravilhas? Evangelismo de poder? Uma orientação bíblic Uma herança evangélica? Como atuam os dons espirituais? .... Dons espirituais e a mente humana Dons espirituais ou desventuras espirituais?....................207 Dons na igreja de Corinto Paganismo em Corinto A influência das religiões de mistéri: Visita à Primeira Igreja de Corint Desencaminhados pelos falsos dons Apenas o que tem valor é falsificado ...... INTRODUÇÃO Em 1978, quando a edição original deste livro foi publicada, eu não estava preparado para as reações amplas e diversas que ela produziria. É claro que esperava alguma reação. Quase todo livro pu- blicado sobre este assunto tem provocado divergências. As questões envolvidas parecem estimular as emoções mais profundas das pes- soas. Talvez não seja possível tomarmos qualquer posição sobre o movimento carismático sem incomodarmos alguém. No entanto, de forma muito curiosa, as expressões de concor- dância que recebi pegaram-me desprevenido. Literalmente, milhares de pessoas escreveram-me para agradecer pela tentativa de tratar bíblica e doutrinariamente da questão carismática. Entre elas, diver- sos pastores e outros líderes cristãos agradecidos pela abordagem bíblica de um assunto que eles temiam abordar. Fiquei perplexo com o número de cristãos que consideram o movimento carismático sem apoio bíblico, mas relutam em afirmar isso em voz alta. Nos anos seguintes ao lançamento do livro, obtive uma nova compreensão do motivo de existir tanta confusão a respeito dos dons carismáticos na igreja. Um poderoso fator de intimidação tra- balha contra os que tentam abordar esses assuntos de modo bíblico. A crítica à doutrina ou à prática carismática é vista, comumente, como algo divisivo ou grosseiro. Carismáticos extremistas podem promover, por meio de televisão e rádio cristãos, quase qualquer O Caos CARISMÁTICO idéia que imaginam, mas os que tentam examinar de forma crítica esses ensinos, à luz da Escritura, são compelidos a silenciar. Falo com base em experiência pessoal. Nosso programa de rá- dio Grace to You é ouvido diariamente em uma rede com centenas de emissoras. Quase todas elas compartilham de nosso entendimento doutrinário e compromisso com a suficiência absoluta das Escrituras. Contudo, a maioria delas hesita em transmitir séries de estudos que tra- tam de 1 Coríntios 12 a 14, Atos 2, Romanos 12 ou outras passagens que confrontam as discrepâncias carismáticas. Várias das emissoras possuem filosofias de trabalho que proíbem explicitamente qualquer ensino que desafia as crenças de seus ouvintes carismáticos. O diretor de uma rádio escreveu-me isto: “Por favor, reconsidere sua política de lidar com o movimento carismático e outros temas con- troversos em seus programas de rádio. Apesar de compartilharmos de suas convicções a respeito destes assuntos, muitos de nossos ouvintes não o fazem. Eles são queridos irmãos em Cristo, e não consideramos útilà causa de Cristo atacar suas crenças. Comprometemo-nos a manter a paz entre os irmãos e a unidade no corpo de Cristo. Obrigado por sua sensibilidade para com estas preocupações”. Esse tipo de raciocínio sacrifica a verdade em favor de uma paz superficial. Essa atitude permeia a igreja contemporânea. Na verdade, ela concedeu aos carismáticos extremados liberdade para apresentarem conceitos fantasiosos, enquanto impõe uma mordaça àqueles que lhes fazem objeção. Quem se pronuncia é inevitavel- mente tachado de divisivo, violento ou desamoroso.? O legado desse 2 Parece irônico que os críticos do extremismo carismático sejam tão fregiente- mente repreendidos por serem insensíveis e divisivos. Prestem atenção a estes comentários feitos pelo líder carismático Benny Hinn: “Alguém está me atacando por algo que ensino. Quero dizer-lhe algo, irmão: Cuidado... Procurei um versí- culo na Bíblia, mas não consegui achá-lo. O versículo que diz: 'Se você não gosta deles, mate-os'. Gostaria muito de tê-lo encontrado!... Francamente, você me enoja — é isso o que penso!... De vez em quando eu gostaria que Deus me desse uma metralhadora do Espírito Santo; eu arrancaria sua cabeça!” (Do programa INTRODUÇÃO posicionamento não é unidade e paz, apenas confusão e conten- da. À prova disso por ser vista nas centenas de igrejas, diretorias de missões, escolas e outras organizações cristãs que permitiram a infiltração da influência carismática sem lhe darem resposta. Em última análise, elas devem sacrificar completamente sua posição não-carismática ou sofrer os efeitos devastadores de uma divisão. Assim, o caos carismático se espalha, pois as vozes que pro- pagam ensinos excêntricos superam os fracos sussurros de quem desafia os cristãos a examinarem as Escrituras, para certificarem-se de tudo (At 17.11). Não é indelicado analisar diferenças doutrinárias à luz da Escritura. Não é necessariamente faccioso expressar desacordo com o ensino de alguém. Na verdade, recebemos o imperativo moral de examinar o que é proclamado em nome de Jesus, de expor e de condenar os falsos ensinos e o comportamento não- Praise-a-thon, da Trinity Broadcasting Network, em de novembro de 1990.) Paul Crouch não é muito mais caridoso. Ele disse a respeito de seus críticos: “Creio que eles estão condenados e a caminho do inferno; não acredito que haja redenção para eles... Digo: Vão para o inferno! Saiam da minha vida! Saiam do meu caminho!... Desejo dizer a todos os escribas, fariseus e caçadores de here- sias — todos vocês que vivem expondo pequenos erros doutrinários aos olhos de todos... Saiam da frente de Deus; parem de bloquear as pontes de Deus, ou Ele os fulminará, se seu não... Saiam da minha vida! não quero falar com vocês nem ouvi-los! Não quero ver a cara feia de vocês! Saiam da minha frente em nome de Jesus”. (Do programa “Praise the Lord”, da Trinity Broadcasting Network, em 2 de abril de 1991.) A cólera de Hinn e de Crouch foi dirigida contra homens e mulheres piedosos (muitos dos quais também carismáticos) que suscitaram questionamentos bíbli- cos válidos sobre alguns ensinos novos dos mestres da Palavra da Fé (ver Capítu- lo 12), propagados pela rede de televisão de Crouch. Crouch chamou a análisedos críticos de “esterco doutrinário”. Não conheço um único incidente, em nenhum lugar — e certamente não em um canal de televisão internacional que transmite programas ao vivo —, em que alguma pessoa tenha falado publicamente, com tanto desprezo pelos carismáticos, usando o mesmo tipo de linguagem rude e severa como a desses dois exemplos. Por que alguém deveria considerar insensível e desagradável o ser examinado quanto à sua doutrina, mas considera aceitável defender-se com ameaças tão grosseiras? O Caos CARISMÁTICO penetrar de forma subconsciente em seu cérebro, enquanto dezenas de milhares de passagens bíblicas subliminares são ouvidas em apenas uma hora. A leitura da Palavra é acompanhada de lindas músicas ungidas que criam a atmosfera de fé, pela qual se pode receber de Deus. Todos os dias chegam ao nosso ministério tes- temunhos surpreendentes a respeito de curas, vidas transformadas, salvação e milagres, à medida que a mente das pessoas é renovada para a Palavra de Deus.º * O evangelista Robert Tilton enviou pelo correio uma “moeda miraculosa” (na verdade, um amuleto inútil) a centenas de milhares de pessoas, com a promessa de um “milagre fnanceiro” àquele que seguis- se suas instruções e lhe enviasse “um cheque com a melhor oferta que você puder dar!” Um lembrete ameaçador estava gravado, em letras ma- nuscritas, na superfície inferior do folheto: “Apenas você e Deus sabem qual é sua melhor oferta”. Um jornal secular designa o programa de te- levisão Success-N-Life (Sucesso na Vida) — de Robert Tilton — como “o império de crescimento mais rápido na televisão cristã”.é + Um de meus assistentes participou de um encontro de homens de negócio carismáticos, em Chicago, no qual um sacerdote católico tes- temunhou que Maria lhe dera o dom de línguas, enquanto ele rezava o terço. À seguir, um pastor carismático, líder do encontro, levantou-se e exclamou: “Que testemunho maravilhoso! Vocês não se sentem felizes por que Deus não se prende às nossas idéias do que é doutrinariamente aceitável? Algumas pessoas tentariam desmerecer o testemunho des- te irmão, porque esse testemunho não se harmoniza com o sistema teológico delas. Entretanto, não importa como vocês foram cheios do Espírito Santo, conquanto que tenham recebido o batismo!” Os pre- sentes, centenas deles, irromperam em aplauso fervoroso e contínuo. Nenhum deles parecia questionar o caráter espúrio do testemunho que estava tão evidentemente em conflito com a verdade bíblica. 5 CHOOSE your weapons, saints of God. Charisma, p. 14-, 15, Sept. 1989. 6 THE PROPHET of prosperity. Dallas Times Herald, Dallas, 24 June 1990, Cad- emo, p.1. INTRODUÇÃO Esse acontecimento resume a tendência carismática de testar a doutrina de acordo com a experiência, em vez de agir de modo contrá- rio. As celebridades carismáticas mais notáveis e influentes raramente confessam lealdade sincera à autoridade da Bíblia. Os líderes carismáticos preocupados com a verdade bíblica — estou convencido de que existem muitos — deveriam ser a voz mais distinguível que clama contra esses abusos pelos quais são identificados. Infelizmente, poucos têm agido desse modo. Os que denunciaram o erro fizeram um serviço valioso; no entanto, eles mesmos têm sido atacados com crueldade por outros carismáticos. Eles são abordados por pessoas que citam o texto de 1 Crô- nicas 16.22 (“Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas”),? como se o versículo silenciasse todo o debate doutrinário — como se todas as pessoas que alegam possuir a unção divina falassem a verdade! Em decorrência disso, a maioria dos carismáticos tem falhado em não expor e rejeitar as influências mais obviamente antibíblicas e anticristãs do movimento. Em vez disso, a maioria dos carismáticos retrocede ao argumen- to de defesa mais fácil — quase todas as críticas ao seu movimento são injustas e duras. Os não-carismáticos, intimidados pela acusa- ção, são silenciados com eficácia. Alguém ainda se espanta com o fato de que tantos membros das igrejas estejam confusos? Visto que os não-carismáticos se tornam cada vez mais teme- rosos de questionar as alegações carismática, a influência desse movimento se espalha quase sem contestação. Valendo-se dos meios de comunicação modernos — especialmente a televisão —, o mo- vimento carismático alcançou todo o planeta, expandindo-se com velocidade admirável. O ensino carismático ultrapassou os Estados Unidos e Europa, chegando às partes mais remotas da América do 7 No contexto, este versículo proíbe a violência física contra os reis. De modo algum ele condena o escrutínio cuidadoso ou a crítica dirigida a pregadores e mestres. Essa aplicação viola a ordem inequívoca de 1 Ts 5.21: “Julgai todas as coisas, retende o que é bom”. O Caos CARISMÁTICO Sul, Oriente, África, Índia, Pacífico Sul, Europa Oriental e Rússia. O nome de Cristo é conhecido em quase todos os lugares. Milhões de pessoas em todo o mundo crêem, literalmente, que Deus tem conce- dido sinais, maravilhas e milagres em uma escala sem precedentes, desde os tempos bíblicos. Essas alegações continuam a se multipli- car a uma velocidade tão incrível, que mal podem ser catalogadas e, menos ainda, verificadas. Encontros fantásticos com Jesus e com o Espírito Santo são tratados como algo comum. Mensagens pessoais da parte de Deus já integram a rotina. Curas de todos os tipos são alegadas. É comum ouvirmos testemunhos comoventes a respeito de como Deus, em resposta à fé, corrigiu problemas de coluna, fez pernas crescerem e removeu tecido canceroso. Aparentemente, os apresentadores de programas cristãos são oniscientes e discernem que milagres e curas devários tipos ocorrem durante suas apresentações. Eles incentivam os telespectadores a participarem e tomarem posse dos milagres. Alguns desses milagres são muito bizarros: a nota de um dólar transforma-se em outra nota de vinte dólares, máquinas de lavar e outros utensílios domésticos são “curados”, tanques de combus- tível vazios tornam-se sobrenaturalmente cheios, e demônios são exorcizados de máquinas de auto-atendimento. Pessoas “caem” no Espírito; outras alegam ter estado no céu e regressado. Algumas afir- mam ter ido ao inferno e voltado! Experiências incríveis parecem ser a agenda do dia, ao passo que Deus — em um rompante hipercinético —, age de forma sobrenatural, equiparada apenas com os seis dias da Criação e as pragas do Egito! Alguns chegam a negar a eficácia do evangelismo sem milagres. Afirmam que a mensagem do evangelho é enfraquecida ou anulada, se não é acompanhada de sinais e maravilhas. Crêem que algumas pessoas necessitam ver sinais e maravilhas, antes de crer. Esse concei- to gerou um novo movimento, designado pomposamente “a Terceira Onda do Espírito Santo”, também conhecido como Movimento de INTRODUÇÃO parte dos carismáticos define o batismo do Espírito como uma ex- periência posterior à salvação, a segunda bênção que acrescenta algo vital ao que os cristãos receberem na salvação. O batismo do Espíri- to, crêem eles, é comumente acompanhado da evidência de falar em línguas ou, talvez, de outros dons carismáticos. Essa experiência é considerada essencial para todo cristão que deseja conhecer na sua própria vida a plenitude do poder divino e miraculoso. Se você é um cristão que não tem experimentado alguns fenôme- nos carismáticos sobrenaturais, talvez se sinta excluído. Talvez esteja pensando que Deus o considera um cristão de segunda classe. Se Ele se interessasse mesmo por você, você não teria experimentado um mi- lagre ou manifestado algum dom espetacular? Por que você não subiu a um nível superior de bem-aventurança espiritual? Por que não ouviu Jesus falar-lhe com voz audível? Por que Ele não lhe apareceu fisicamen- te? Nossos amigos carismáticos andam mesmo mais perto de Deus e possuem um conceito mais profundo do poder do Espírito Santo, uma experiência de louvor mais completa, uma motivação mais forte para testemunhar e maior devoção pelo Senhor Jesus Cristo? Talvez nós, os não-carismáticos, apenas não estamos à altura deles? Quando converso com cristãos que não passaram por experi- ências carismáticas, sinto frequentemente certa apreensão, medo e alarme. Parece que o movimento carismático separou os cristãos em “agraciados” e “não-agraciados” espirituais Apesar de haver dedicado minha vida à pregação da sã doutrina bíblica, centrada na obra do Espírito Santo na vida de cada crente, devo confessar que, de acordo com a definição carismática, encontro-me en- tre os “não-agraciados”. Admito ter perguntado a mim mesmo: todos os que passam supostamente por essas experiências incríveis estão falando a verdade? Estou perdendo aquilo que Deus está fazendo? Meus irmãos caris- múticos estão em um nível mais elevado na caminhada com Cristo? Creio que ansiedades semelhantes também ocorrem entre os próprios carismáticos. Será que algum participante dessas reuniões O Caos CARISMÁTICO é tentado a exagerar, dramatizar ou mesmo fingir algum milagre ou experiência especial, por causa da necessidade de acompanhar os ir- mãos aparentemente mais espirituais? Estou certo de que isso é verdade. Percebo sua ocorrência diaria- mente nas emissoras de televisão cristãs, à medida que as alegações carismáticas tornam-se mais fantasiosas. De quando em quando, desvenda-se alguma fraude. Certo evangelista conhecido nacional- mente foi encontrado usando um receptor de som no ouvido; por meio desse receptor, a esposa lhe passava informações supostamente reveladas pelo Espírito Santo. Outro curandeiro, menos conhecido, caiu em descrédito quando foi provado que ele incluía no auditório pessoas saudáveis que vinham com muletas e cadeiras de rodas para receber “cura”. Ainda piores são os consecutivos escândalos de natureza sexu- al ocorridos entre os líderes carismáticos aparentemente “cheios do Espírito” — uma “epidemia” nas décadas de 80 e 90. Esses aconteci- mentos foram catastróficos para a causa de Cristo em todo o mundo, minando o testemunho corporativo de todos os cristãos perante o mundo. Esses escândalos são o legado do movimento que se aprovei- ta de sinais e maravilhas como única prova irrefutável da verdadeira espiritualidade. Para autenticar essas afirmações, alguns líderes carismáticos recorrem a “milagres” fraudulentos ou simulados. A espiritualidade é considerada uma questão externa; a santidade de caráter não é essencial para quem crê que os fenômenos sobrenatu- rais validam sua reivindicação de falar em nome Deus. Esse sistema produz hipocrisia, trapaça, charlatanismo e fraude. Por favor, entenda: não estou dizendo que todos os líderes ca- rismáticos são corruptos — sei que isso não é verdade. Vários de meus amigos carismáticos estão comprometidos genuinamente com Cristo e são exemplos da piedade verdadeira. Tampouco alego que seu movimento é o único que produz hipócritas. Estou convencido, porém, de que os ensinos fundamentais do movimento carismático INTRODUÇÃO criam uma ênfase exagerada em evidências externas e, por isso, es- timulam afirmações mirabolantes, falsos profetas e outras formas de embuste espiritual. Onde essas coisas florescem, o escândalo é inevitável — e o movimento carismático foi marcado, na década de 80, por uma exagerada quantidade de escândalos. Agradeço a Deus pelos carismáticos que amam nosso Senhor com sinceridade e desejam obedecer-Lhe. Paulo escreveu: “Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado... com isto me re- gozijo, sim, sempre me regozijarei” (Fp 1.18). Alegro-me pelo fato que Cristo está sendo anunciado em muitos ministérios carismáti- cos e de que pessoas estão sendo ganhas para Ele. Contudo, isso não deve eximir o movimento carismático ou seus ensinos de passar pelo exame bíblico criterioso. A Escritura nos adverte: Julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1 Ts 5.21). À primeira vista, este livro talvez pareça acadêmico demais por causa do número de notas. Por favor, não se deixe levar pela im- pressão. Garanto-lhe que não achará o livro monótono ou abstrato. Porém, considerei importante apresentar os ensinos carismáticos em suas próprias palavras (sempre que possível) e ser meticuloso na documentação de todas as citações. Em quase todos os exemplos, citei material impresso em lugar de conversas pessoais, cartas e outras fontes informais. Somente no Capítulo 12, onde lido com o movimento Palavra da Fé, citei fitas cassetes de ensino e programas de televisão. Ao proceder assim, sei 13 Não estou afirmando que os carismáticos estimulam a dubiedade ou a hipo- crisia de modo voluntário ou conscientemente. Em qualquer filosofia que tende a mediar a espiritualidade por meio de padrões exteriores — quer se trate do lega- lismo fundamentalista, ascetismo hipócrita, pietismo comunitário, instituciona- lismo religioso, farisaísmo crônico, misticismo idealista ou monasticismo rígido — manter as aparências tende a tornar-se prioridade, ignorando a franqueza e a honestidade. No movimento carismático, as experiências espirituais extraordi- nárias são mais valorizadas do que a devoção moderada. Ainda nos admiramos do fato de que algumas pessoas sentem-se tentadas a exagerar ou a fingir? O Caos CARISMÁTICO “As experiências com Deus fornecem-lhes a base da fé”. Isto é exatamente o contrário do que deveria ser. A nossa fé deveria constituir a base das nossas experiências. A experiência ver- dadeiramente espiritual será o resultado da vivificação da verdade na mente cristã — ela não ocorre em um vácuo místico. É comum os não-carismáticos serem acusados de oposição à emoção e experiência. Permita-me declarar, de forma tão clara quanto possível, que creio na emoção e na experiência como resultados essen- ciais da fé genuína. Muitas de minhas experiências espirituais têm sido acontecimentos profundos, arrebatadores, que mudaram minha vida. Por favor, não pense, nem por um instante, que defendo uma religião fria, inanimada, baseada em um credo estéril ou em algum ritual vazio. Na experiência espiritual autêntica, a emoção, os sentimen- tos e os sentidos intensificam-se frequentemente, transcendendo o normal. Isso pode incluir fortes sensações de remorso pelo pe- cado, o poderoso sentimento de confiança que ultrapassa a dor de uma situação traumática, a paz inextinguível em meio às dificulda- des, o sobrepujante sentimento de alegria relacionado à confiança e à esperança em Deus, a aflição intensa por causa dos perdidos, o louvor alegre pela compreensão da glória de Deus e zelo mais intenso pelo ministério. A experiência espiritual é, por definição, uma conscientização íntima que envolve fortes emoções em res- posta à verdade da Palavra de Deus, ampliada pelo Espírito Santo, que é aplicada pessoalmente a nós. Os carismáticos erram por tentarem alicerçar seus ensinos na experiência, em vez de entenderem que a experiência autêntica ocorre como resposta à verdade. Muitas experiências carismáticas acontecem de modo independente do — e, às vezes, contrário ao — plano revelado e à operação divina indicada nas Escrituras. Quando 1 ANDERSON, Gordon L. Pentecostals believe in more than tongues. In: SMITH, Ha- rold B. (Ed.). Pentecostals from the inside out. Wheaton, TIL: Victor, 1990. p. 55. 26 A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? essas experiências se tornam o fundamento da fé pessoal, quase não há limitação para esse tipo de falsa doutrina. Vemos isso em muitos livros e programas de televisão. Vi- sões, sonhos, profecias, “palavras de conhecimento”, mensagens divinas particulares e outras experiências pessoais determinam o ensino. A Bíblia — quando consultada — é usada apenas como texto-prova ou distorcida para corroborar alguma interpretação nova. Não é incomum as passagens bíblicas serem tão distorcidas, que recebem um significado contrário ao que realmente ensi- nam. Kenneth Copeland, por exemplo, alega ter recebido muitas de suas interpretações exclusivas mediante revelação direta. Ao ensinar sobre o relato do jovem rico, em Marcos 10, Copeland buscava apoio para a afirmação do desejo divino de que seu povo tenha muitos bens materiais. As palavras de Jesus, no versículo 21, são bastante claras: “Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; então, vem e segue-me”. No entanto, Copeland afirma haver Deus lhe revelado que, na verdade, esse versículo promete dividendos monetários deste mundo. Copeland disse: “Esta foi a maior oportunidade de negócio já oferecida ao jovem, mas ele a recusou por desconhecer o sistema financeiro divino”.? Às vezes o suposto profeta desenvolve todo um conjunto de ensinos baseados na experiência — ou no capricho. O Dr. Percy Col- lett, por exemplo, um médico missionário carismático, desenvolveu uma grande série de mensagens celestiais detalhadas, todas basea- das em sua experiência pessoal extraordinária. Ele afirmou ter sido transportado ao céu durante cinco dias e meio, em 1982. Ele disse ter visto Jesus, o supervisor celestial da construção de mansões, e alegou que foi capaz de conversar face a face com o Espírito Santo. 2 COPELAND, Kenneth. Laws of Prosperity. Fort Worth: Kenneth Copeland Publi- cations, 1974. p. 65. O Caos CARISMÁTICO Um boletim que detalha, de modo exageradamente entusiasta, a jornada do Dr. Collett ao céu começa, por incrível que pareça, com estas palavras: Embora haja no cristianismo relatos abundantes de vislumbres da “outra” dimensão, por parte de pessoas que tiveram experiências “extracorpóreas”, o que aconteceu com o Dr. Collett difere dessas experiências. Ele foi “arrebatado ao terceiro céu”, como o foi o apóstolo Paulo. A diferença é que não foi permitido a Paulo dizer o que ele vira e ouvira, ao passo que ao Dr. Collett, quase 2.000 anos depois, foi ordenado fazê-lo? Collett oferece fitas de vídeo que narram os pormenores de sua per- manência no céu; e seus relatos são peculiares: “Tudo que Deus criou na terra existe no céu: cavalos, gatos e cães. Tudo que ele criou na terra exis- teno céu; mas, com relação aos animais, eles são perfeitos. Por exemplo, os cães não latem... Não há encanamento. Pode-se ir à Casa de Banquetes e comer o quanto desejar, sem qualquer tipo de encanamento” * Ele descreve: “O Departamento da Misericórdia é o lugar ao qual se dirige as almas dos bebês abortados, bem como as de alguns bebês com retardamento mental agudo. Ali, as pequeninas almas são treina- das por um período, antes de comparecerem perante o Trono de Deus”. Também afirma ter visto a Sala dos Registros “uma área imensa onde todas as palavras vás proferidas pelos cristãos são mantidas, até que eles prestem conta delas ou sejam julgados; então, naquele momento elas serão lançadas no Mar do Esquecimento”. Collett descreve a “Sala do vestuário” (onde anjos costuram nossas vestes), mansões em constru- ção, um “Elevador do Espírito Santo” e muitas outras visões incríveis.” 3 RELEE, Mary S. Interview with Dr. Percy Collett. Relfe's Review, report 55, p. 3, Aug 1984. 4 Tbid. p. 1-8. 5 Ibid. p. 5. 6 Ibid. 7 Ibid. p. 5-6. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? forma perfeita de uma figura, com o reflexo na água, de braços erguidos, como se abençoasse — do lado oposto de qualquer outra sombra. Acredito que Deus me concedeu uma imagem de $i mesmo para compartilhar. Esse item é assinado por “Dudley Danielson, fotógrafo”. Dud- ley forneceu o endereço e também informou que cópias em tamanho normal, em cores naturais, estavam disponíveis por dez dólares (ta- manhos maiores poderiam ser encomendados). Ele afirmou que o retrato abençoaria quem o recebesse. O que a Bíblia diz não parece incomodar Dudley: “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). Tampouco parece perturbá-lo o fato de que a Es- critura declara: “Deus é espírito” (Jo 4.24) e: “Homem nenhum verá a minha face e viverá” (Êx 33.20). Evidentemente, o que a Bíblia diz não é tão importante para ele como a “sensação de ouvir um voz”, o sentimen- to de paz e a proximidade de Deus. Dudley crê possuir uma fotografia de Deus e por dez dólares ele está disposto a compartilhá-la. A viagem insuperável Percy Collett não é o único carismático que crê haver estado no céu e retornado para falar sobre ele. No verão de 1976, no programa “Clube 700”, Marvin Ford contou sua experiência de morte, ascen- são ao céu e retorno. Ford afirma que a gravata usada naquele dia reteve o aroma do céu. Ele a guardava para cheirá-la todas as vezes que quisesse refrescar a memória a respeito dessa experiência. Umlíder carismático que está se destacando é Roberts Liardon. Ele afirma ter feito um grande passeio pelo céu, quando tinha apenas oito de idade, e o próprio Jesus Cristo o guiou pessoalmente. Ele recorda: Várias pessoas perguntaram-me sobre a aparência de Jesus. Ele tem cerca de 1,80m a 1,83m de altura; o seu cabelo tem um tom de castanho claro, nem muito longo, nem muito curto. Ele é o homem perfeito. Não importa o que você pensa sobre homem perfeito, Jesus o é. Ele é perfeito em tudo — em sua aparên- cia, conversa — tudo. Lembro-me dEle assim... O Caos CARISMÁTICO Andamos um pouco mais — e esta é a parte mais importante de minha histó- ria. Vi três armazéns a cerca de 450 ou 550 metros da Sala do Trono de Deus. Eles são compridos e bem amplos... Entramos no primeiro. Assim que Jesus fechou a porta atrás de nós, olhei ao redor com grande admiração! Em um lado do prédio, havia braços, dedos e outras partes externas do corpo. Pernas pendiam das paredes, mas a cena parecia natural, e não bizarra. Do outro lado do prédio, havia prateleiras repletas de pequenos pacotes de olhos perfeitos: verdes, castanhos, azuis, etc. Esse armazém continha todas as partes do corpo humano que as pessoas neces- sitavam na terra, mas elas não haviam percebido que essas bênçãos esperam por elas no céu... Estão disponíveis tanto para santos e como para pecadores. Jesus me disse: “Essas são as bênçãos que ainda não foram reivindicadas. Este prédio não deveria estar abarrotado. Deveria ser esvaziado todos os dias. Você deve chegar aqui com fé e obter as partes necessitadas por você e pelas pessoas de seu contato diário”. Liardon descreve muitas outras visões incríveis, testemunha- das no céu: o Rio da Vida, um estádio repleto de pessoas que ele afirmou constituírem a “nuvem de testemunhas” mencionada em Hebreus 12.1, e um armário com frascos de pílulas rotulados: “Paz” e “OVERDOSE DO ESPÍRITO SANTO”. Eis a descrição extraordinária de Liardon sobre o que aconte- ceu junto ao rio da Vida: Jesus e eu visitamos um braço do rio da Vida. Esse braço tinha a profundidade do joelho; era transparente como o cristal. Tiramos nos- sos sapatos e entramos na água. Vocês sabem qual foi a primeira coisa 12 LIARDON, Robert. Isaw heaven. Tulsa: Harrison House, 1983. p. 6, 19. Ênfase no original. 13 Ibid. p. 16-20. Sobre esse item, Liardon escreveu: “Pensei: que coisa! Overdoses matam pessoas. Mas, em seguida, raciocinei: bem, o Espírito Santo não matará você, eleotraduzirá” E acrescentou: “Quando Jesus me viu junto àquele frasco, ele riu. E quando Ele ri, é a coisa mais hilária que alguém já viu ou ouviu. Ele se inclina para trás com a gargalhada, e você pensa que Ele vai cair de tanto rir. Ele ri de verdade! Essa é uma das razões de sua força: Ele ri bastante. A alegria do Senhor á a força dEle, entende?” (Ibid. p. 20). A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? que Jesus fez comigo? Ele jogou água em mim! Eu voltei e o molhei; e participamos de uma luta com água. Nós nos molhávamos e ríamos... Era significativo para mim o fato de que o Rei da Glória, o Filho de Deus, usava seu tempo com o Roberts, de oito anos, e o molhava no rio da Vida! Ao regressar do céu, colocarei uma marca histórica nesse acon- tecimento, que dirá: “Esse foi o momento em que Jesus Cristo se tornou não só meu Senhor e Salvador, mas também meu amigo”. Sim, Ele se tornou meu Amigo. Agora caminhamos juntos e conver- samos. Quando ouço uma boa piada, corro até Jesus e o ouço rir por causa dela. E, quando ele ouve uma boa piada, conta-a a mim. Liardon também alega que, enquanto estava no céu, foi or- denado ao ministério pelo próprio Jesus. “Andamos um pouco e estávamos calados. Então, Jesus se voltou e tomou ambas as minhas mãos em uma das suas. Colocou a outra mão no alto da minha ca- beça e disse: Roberts, eu o estou chamando para uma grande obra. Você terá de ministrar e pregar como nenhuma outra pessoa; e será diferente de todos os outros... Vá, vá, vá como ninguém jamais foi até hoje. Vá e faça como eu fiz”. 1º A viagem de Liardon ao céu aconteceu supostamente em 1973. Seja como for, ele disse não ter contado nada a ninguém durante oito anos. Ele afirma que Jesus lhe apareceu mais duas vezes. A se- gunda vez é descrita como extremamente sagrada, e não pode falar sobre ela. Entretanto, a terceira vez foi um pouco mais mundana: A terceira vez em que via Jesus, eu tinha cerca de onze anos. Jesus entrou pela porta da frente de minha casa, enquanto eu assistia ao programa de televi- são Laverne & Shirley. Ele se aproximou e sentou-se no sofá, ao meu lado, olhou para a TV, e tudo neste mundo natural parou, como em um “clique”. Eu não con- seguia ouvir o som do telefone ou da televisão — escutava apenas a Jesus e tudo o que enxergava era a sua glória. 14 Ibid. p. 16-17. 15 Ibid. p. 22. O Caos CARISMÁTICO dois olhos dos seres humanos representam as duas testemunhas de Apocalipse 11.1. Verifiquei, com um médico, a informação so- bre os doze nervos cranianos e descobri que se trata, na verdade, de doze pares de nervos, ou seja, vinte e quatro nervos. Talvez seja melhor dizer que eles correspondem aos vinte e quatro anci- ãos mencionados em Apocalipse 4! Esse tipo de adulteração negligente da palavra de Deus deve- ria incomodar o coração de qualquer cristão. No entanto, o Dr. Eby foi questionado no programa a respeito de suas bases bíblicas? Não! Disseram-lhe que suas informações eram “substanciosas” — ou seja, significavam substancialmente algum tipo de verdade mais profun- da. Mais profunda em comparação ao quê? À Bíblia? Certamente, não. O Dr. Eby teve uma experiência, e pelo fato de que a aborda- gem carismática permite que a experiência valide-se a si mesma, ninguém questionou as afirmações dele. As idéias do Dr. Eby foram ouvidas em milhares, talvez milhões, de lares como exemplos das “coisas maravilhosas que Deus tem operado hoje”. Duas abordagens básicas do cristianismo Com certeza, Percy Collett, Dudley Danielson, Marvin Ford, Roberts Liardon, Aline Baxley e Richard Eby são, todos, exemplos extremos, mas não são incomuns. O testemunho deles representa o que se ouve comumente entre nossos irmãos carismáticos. Visto que grande quantidade de experiências é relatada, na literatura e na mí- dia religiosa, um padrão sutil e sinistro está se desenvolvendo. Em vez de corresponder à interpretação adequada da Palavra de Deus, o cristianismo está colecionando experiências fantásticas e insensatas. A Bíblia é manipulada para adaptar-se a essas experiências ou com- pletamente ignorada. O resultado é o misticismo pseudocristão. O misticismo é um sistema de crenças que almeja perceber a realidade espiritual à parte de fatos objetivos e comprováveis. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? Procura a verdade por meio de sentimentos, intuição e outras sen- sações interiores. As informações objetivas são frequentemente descartadas; portanto, o misticismo deriva sua autoridade de si mesmo. O sentimento espontâneo torna-se mais importante que o fato objetivo. A intuição sobrepuja a razão; a impressão inte- rior, a realidade externa. Veremos em breve que o misticismo é o âmago do existencialismo moderno, do humanismo e de muitas formas de paganismo — destacando-se o hinduísmo e seu aliado, a filosofia da Nova Era. O misticismo irracional encontra-se no âmago da experiência carismática. Ele subverteu a autoridade bíblica dentro desse movi- mento, substituindo-a por um novo padrão: a experiência pessoal. Não se deixe enganar, o efeito prático do ensino carismático é elevar a experiência pessoal a um plano superior, em detrimento do en- tendimento correto das Escrituras. Isto corresponde exatamente à advertência da mulher mencionada no início deste capítulo: “Ponha de lado sua Bíblia e seus livros e pare de estudar”. As “revelações” parti- culares e as sensações pessoais são mais importantes para ela do que a verdade eterna da Palavra inspirada de Deus. Existem apenas duas abordagens básicas da verdade bíblica. Uma é a abordagem histórica e objetiva, que enfatiza a ação de Deus entre os seres humanos — conforme as Escrituras ensinam. A outra abordagem é pessoal e subjetiva — enfatiza a experi- ência humana de Deus. Como devemos formar nossa teologia? Devemos nos dirigir à Bíblia ou às experiências de milhares de pessoas? Se nos dirigirmos às pessoas, teremos tantas opiniões quantos forem os indivíduos. Isto é exatamente o que acontece em todo o movimento carismático moderno. A teologia objetiva e histórica é teologia da Reforma, é o evan- gelicalismo histórico, é a ortodoxia histórica. Começamos pelas Escrituras. Nossos pensamentos, idéias ou experiências são valida- dos ou não mediante a comparação com a Palavra. O Caos CARISMÁTICO Por outro lado, o conceito subjetivo é a metodologia do catolicismo romano histórico. Intuição, experiência e misticismo sempre tiveram papel central na teologia católica." O conceito subjetivo também jaz no coração do liberalismo e da neo-ortodoxia (v. meus comentários sobre o assunto no Capítulo 3). Nesses sistemas, a verdade é determinada pela intuição e pela sensação. A verdade é o que sucede ao intérprete. O conceito subjetivo também é a metodologia do pentecos- talismo histórico, surgido nos primeiros anos do século XX. Os historiadores carismáticos traçam a origem do movimento moder- no a um pequeno seminário bíblico em Topeka (Kansas), dirigido por William Parham. Parham era adepto do movimento Holiness, o qual ensina que a santificação completa — o estado espiritual capaz de alcançar a perfeição absoluta nesta vida — pode ser obtida pelos cristãos mediante a “segunda bênção”, uma experiência marcante de transformação, subsequente à salvação. Parham era um propagan- dista entusiasmado da cura pela fé. Após uma experiência na qual ele afirmou ter sido curado de “uma doença cardíaca em sua pior forma”, jogou fora todos os remédios, cancelou seu seguro e recusou qualquer forma de tratamento médico pelo resto da vida. 2º Parham fundou o College of Bethel em 1900, e o estabeleci- mento encerrou suas atividades no ano seguinte. Todavia, o que aconteceu nesta escola em 1º de janeiro de 1901 espalhou-se por todo o cristianismo no decorrer do século XX. A metodologia bíblica usada pelo Bethel College era peculiar; empregava o conceito de “cadeia de referências temáticas”, popular naqueles dias. Os tópicos principais deviam ser estudados mediante 19 Quanto a uma abordagem edificante sobre o relacionamento entre a teolo- gia católica romana e o pensamento carismático, ver CLARK, Gordon H. I Corin- thians: a contemporary commentary. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1975. p. 223-227. 20 SYNaN, Vinson. The touch felt around the world. Charisma, p. 80, Jan. 1991. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? Depois disso, outros relataram o recebimento do Espírito San- to. A maior parte das pessoas testemunhou que não podia impedir o falar as línguas; quando tentavam falar inglês, outras línguas flu- fam. Todos os presentes acreditavam que estavam falando línguas terrenas reconhecíveis. De fato, Agnes Ozman afirmou ter escrito em chinês, apesar de nunca ter estudado o idioma.? Essas experiências foram amplamente avaliadas à luz de todo o contexto da Bíblia? A a exegese cuidadosa das passagens bíblicas sobre línguas foi usada para interpretar alguma das experiências dos alunos? Atentou-se à possibilidade de ter sido um fenômeno demoníaco? Pelo contrário, Synan registrou: “Essa experiência confirmou o testemunho e ensinamento de Parham, de que as línguas eram a evidência inicial do batismo no Espírito Santo”? Nenhum outro estudo bíblico sobre o assunto foi considerado necessário. Assim nasceu o pentecostalismo. Sessenta anos depois, o movimento carismático surgiu com a experiência de Dennis Bennett, reitor da Igreja Episcopal de São Marcos, em Van Nuys (Califórnia).?º Hoje, tanto o movimento pen- tecostal como o carismático baseiam-se em experiências, emoções, fenômenos e sentimentos. Como escreveu Frederick Dale Bruner: 26 Ibid. 27 Ibid. Com relação à aplicação a missões, Synan acrescentou: “O significado maior desse acontecimento para Parham jazia na crença de que as línguas eram “xenoglossolalia”, ou seja, línguas estrangeiras conhecidas, que o Senhor poderia conceder a futuros missionários, para a evangelização de outros países. Isso, mais tarde, solidificou-se na mente dele quando lingúistas e intérpretes estrangeiros e governamentais visitaram a escola e disseram que pelo menos vinte línguas e dialetos eram falados e compreendidos com perfeição”. (Ibid.) Entretanto, nenhuma dessas afirmações foi confirmada de modo independen- te. Se fossem verdadeiras, tornar-se-ia difícil explicar o fracasso do seminário naquele mesmo ano. Segundo as expectativas, Bethel deveria ter se tornado o maior centro de treinamento missionário da história da igreja. Porém, desconhe- ço qualquer missionário — de Bethel ou de outra organização carismática — que tenha usado as línguas na maneira concebida por Parham. 28 BENNETT, Dennis. Nine otlock in the morning. Plainfield, NJ: Logos, 1970. O Caos CARISMÁTICO Em resumo, o pentecostalismo deseja ser considerado cristianismo experi- mental, cuja experiência mais elevada é o batismo do crente no Espírito Santo... É importante observar que não é a doutrina, e sim a a experiência com o Espírito Santo que os pentecostais fazem questão de salientar.” Pedro era carismático? É interessante especular se Pedro seria um carismático, se vivesse hoje entre nós; porque ele mesmo falou em línguas, curou pessoas e profetizou. Também passou por experiências fantásticas. Por exemplo, ele testemunhou com os próprios olhos a transfigura- ção de Cristo, conforme relatou em 2 Pedro 1.16-18. Essa experiência o deixou atordoado e o levou a balbuciar algo a respeito de fazer três tendas naquele lugar: uma para Jesus, outra para Elias e outra para Moisés — porque estar ali era agradável a todos eles (Mt 17.1-4). Ele estava tão emocionado, por causa da ex- periência, que, como sempre, disse a coisa errada. Apesar disso, foi uma experiência incrível. Jesus pôs de lado o véu da sua carne e revelou sua glória, a glória a ser manifestada em sua se- gunda vinda. Pedro, Tiago e João vislumbraram a segunda vinda. Essa foi a “majestade” a respeito da qual Pedro falou em 2 Pedro 1.16. No entanto, Pedro baseou sua teologia em experiências seme- lhantes a essa? Leia 2 Pedro 1.19-21: Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia cla- reie e a estrela da alva nasça em vosso coração, sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nun- ca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo. 29 BRUNER, Frederick D. A Theology of the Holy Spirit, Grand Rapids: Eerdmans, 1970. p. 21. Ênfase no original. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? Uma melhor tradução do texto grego, no versículo 19, seria: “Te- mos a confirmadíssima palavra profética”. Outra tradução mais clara seria esta: “Temos ainda mais firme a palavra profética”. Mais firme em comparação ao quê? À experiência. Na verdade, Pedro estava dizendo que, embora a transfiguração tivesse sido uma experiência maravilho- sa, a Escritura era o teste mais fidedigno de sua fé. Ainda que houvesse contemplado o próprio Senhor em sua glória, Pedro estava certo de que a palavra de Deus, registrada por homens movidos pelo Espírito Santo, era um fundamento mais sólido para sua fé. O principal ensino de Pedro era exatamente aquilo que tan- tos carismáticos não conseguem entender: toda experiência tem de ser testada pela palavra mais firme da Escritura. Quando procuramos a verdade sobre a vida e a doutrina cristã, não podemos descansar apenas na experiência de alguémpessoal. Temos de alicerçar todo o nosso ensino na Palavra de Deus revelada. A maior deficiência do movimento carismático é dar mais valor à experiência do que à Pala- vra de Deus, para determinar o que é verdade. A maior parte dos carismáticos crê que o progresso na vida cristã significa possuir algo mais, algo melhor, alguma experiência eletrizante. Um ex-carismático, membro de nossa igreja, disse-me por que sua frustração crescia no movimento carismático: “Passa- se o resto da vida à procura de outra experiência”. A vida cristã se transforma em uma peregrinação de experiência em experiência; e, se cada experiência não for mais espetacular que a anterior, muitas pessoas começarão a imaginar que algo está errado. Ouvi certo homem na televisão dizer que guiava o carro quando, repentinamente, ele olhou e viu Jesus sentado a seu lado, em forma fí- sica. O homem disse: “Isso foi maravilhoso. Eu dirigia e conversava com Jesus; Ele estava sentado a meu lado”. Em seguida, ele afirmou: “Se tiver fé suficiente, poderá conversar com Jesus — Ele aparecerá para você!” A Bíblia diz a respeito de Cristo: “A quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e O Caos CARISMÁTICO solitários, de coração aflito, que andaram com o Senhor a caminho de Emaús (Lc 24.13-35)? À medida que prosseguiam pelo caminho, Jesus lhes abriu as Escrituras. Começando por Moisés e pelos Pro- fetas, ensinou-lhe o que se referia a Ele mesmo. Mais tarde, eles declararam: “Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” (24.32). Esses discípulos tiveram uma experiência; o coração lhes ardia no peito. Contudo, antes da experiência, o Senhor lhes abriu as Es- crituras. A Bíblia descrevem, repetidas vezes, a alegria, a bênção e a experiência (v. Sl 34.8; MI 3.10). Todas essas experiências, caso detenham valor, conformam-se totalmente com o plano de Deus re- velado nas Escrituras e procedem do estudo e da obediência à Palavra de Deus — e não da busca por algo além do que Deus nos revelou. Paulo confiava na experiência? O que dizer do apóstolo Paulo? À semelhança de Pedro, ele também foi alguém dotado de maneira incomum. E, com certeza, passou por experiências espantosas, como a conversão súbita na via- gem para Damasco. Viu uma luz tão brilhante que o cegou. Ouviu uma voz. Caiu ao chão. Num instante, ele foi transformado de assas- sino de cristãos em escravo do Senhor Jesus Cristo (At 9). Quando Paulo começou a pregar e ensinar, fez de sua experi- ência o ponto central da mensagem? O texto de Atos 17.2 e 3 torna clara a origem bíblica de seu discurso: “Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Es- crituras, expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio” (ênfase acrescentada). Mesmo depois que Paulo foi levado ao terceiro céu (2 Co 12.1-4), Ele não teve permissão de falar o que viu. Evidentemente, que Deus não achava que essa experiência causaria mais impacto ou credibi- A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? lidade à mensagem do evangelho do que a simples pregação de sua verdade. Isso contrata profundamente com a abordagem do movi- mento contemporâneo de sinais e maravilhas (ver Capítulo 6). Perto do final de sua vida, Paulo teve uma argumentação sobre a Palavra de Deus. Enquanto era mantido preso em Roma, “vieram em grande número ao encontro de Paulo na sua própria residência. Então, desde a manhã até à tarde, lhes fez uma exposição em tes- temunho do reino de Deus, procurando persuadi-los a respeito de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas” (At 28.23). É lastimável que muitos carismáticos não sigam os passos de Paulo. Em vez disso, seguem a trilha dos teólogos liberais e neo-ortodoxos, existencialistas, humanistas e pagãos. É inques- tionável que a maior parte dos carismáticos faze isso de modo involuntário. Eles diriam: “Cremos na Bíblia. Não queremos con- tradizer as Escrituras; desejamos defender a Palavra de Deus”. Apesar disso, os carismáticos são vítimas de uma terrível tensão, enquanto tentam defender a Bíblia e, ao mesmo tempo, fazem da experiência a autoridade prática. Os conceitos dos líderes e teólogos carismáticos demonstram esse conflito. Por exemplo, Charles Farah tentou harmonizar a tensão entrea palavra de Deus e as experiências. Atentando ao fato de que existem dois vocábulos gregos traduzidas por “palavra”, ele criou a teoria de que logos é a Palavra objetiva e histórica, e rhema é a Palavra pessoal, subjetiva. O problema com essa conceituação é que nem o significa- do do grego nem o uso neotestamentário fazem qualquer distinção desse tipo. Logos, disse Farah, transforma-se em rhema quando se dirige a você. O termo logos é forense, ao passo que rhema é expe- rimental. Farah escreveu: “O logos nem sempre se transforma em rhema, a Palavra de Deus para você”. Ou seja: o logos se transforma 31 FARA, Charles. Toward a theology of healing. Christian Life, v. 38, p. 78, Sept. 1976. O Caos CARISMÁTICO em rhema quando fala pessoalmente a você. O logos histórico e ob- jetivo, no sistema de Farah, carece de impacto transformador, até transformar-se em rhema — a palavra divina pessoal para você. Isso soa perigosamente semelhante ao que os teólogos neo-or- todoxos têm dito há anos: a Bíblia se torna a Palavra de Deus apenas quando se dirige a você. Todavia, a Palavra de Deus é a Palavra de Deus, quer alguém experimente o seu poder, quer não. A Bíblia não depende da experiência de seus leitores, para que se torne a Palavra de Deus inspirada. Paulo afirmou que a Escritura era capaz, em e por simesma, de tornar Timóteo “sábio para a salvação” (2 Tm 3.15). Ela não precisava da experiência de Timóteo para validá-la. E Paulo acrescentou: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educa- ção na justiça” (3.16). Ele declarou que as Escrituras eram inspiradas e úteis, e não que elas se tornariam inspiradas e úteis, dependendo da experiência do leitor. Evidencia-se que a Palavra de Deus é completa- mente suficiente. Entusiasmados, mas ingênuos Em sua maioria, os carismáticos parecem ser sinceros. Mui- tos deles parecem os judeus sobre os quais Paulo afirmou: “Porque lhes dou testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento” (Rm 10.2). Os carismáticos têm zelo sem conheci- mento; são entusiasmados, mas falta-lhes esclarecimento. Como afirmou John Stott: “Eles são entusiasmados, mas ingênuos” 2 Ao fazerem da experiência o principal critério da verdade, re- velam o que Stott designa “antiintelectualismo deliberado”.º Eles abordam a vida cristã sem a mente, sem pensar, sem usar o en- tendimento. De fato, alguns carismáticos dizem que Deus concede 32 Srorr, John R. W. Your mind matters. Downers Grove, IL: IVP, 1972. p. 78. 33 Ibid. p. 10. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? O humanismo é a filosofia que preconiza o poder ilimitado da humanidade.” Dêem às pessoas tempo e educação suficientes, e elas poderão solucionar qualquer problema. Sendo meio-irmão do exis- tencialismo, o humanismo estimula as pessoas a se auto-afirmarem e a serem alguém. Nesta era tecnológica, em que muitas pessoas se sentem apenas como um número, destituídas de um nome verda- deiro, o humanismo é muito atraente. Vivemos nos dias de fóruns dos ouvintes, dos programas de entrevistas e de trivialidades. Todos querem se fazer ouvir e acham uma oportunidade. O humanista, à semelhança do existencialista, não reconhece uma autoridade suprema. A verdade é relativa. A verdade é o que menos importa; a questão é: “O que você acha?” Inexistem absolutos, e cada um faz o que é certo aos próprios olhos (cf. Jz 21.25). O paganismo é outro exemplo de teologia experimental. A maior parte das crenças e práticas pagãs têm raízes nas religiões de mistério surgidas em Babel. No tempo de Cristo, as pessoas, em todo o mundo greco-romano, participavam de religiões de mistério, com seus múltiplos deuses, orgias sexuais, idolatria, mutilação e, talvez, sacrifícios huma- nos. Os historiados afirmam que os participantes dessas práticas pagãs experimentavam sentimentos de paz, alegria, felicidade e êxtase. 37 Quanto a uma avaliação do humanismo, ver GEISLER, Norman L. Is man the measure? Grand Rapids: Baker, 1983. 38 Quanto a um debate sobre a natureza absoluta da verdade, ver: - BARRETT, William. Irrational man. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1962. - SCHAEEEER, Francis A. How should we then live? Old Tappan, N.J.: Revell, 1976. O Caos CARISMÁTICO O historiador Samuel Angus escreveu: “O devoto poderia, em êxtase, sentir-se acima das limitações comuns, para contemplar a visão beatífica [Deus] ou, entregue ao entusiasmo, crer que estava inspirado por ou cheio de Deus — esse fenômeno é, em alguns as- pectos, similar às experiências dos primeiros cristãos a respeito do derramamento do Espírito” *º De acordo com Eugene H. Peterson, a teologia experimental também era o cerne do culto a Baal, a religião dos cananeus: A ênfase do baalismo era a ligação psicológica e a experiência subjetiva... A transcendência da divindade era sobrepujada no êxtase das sensações... O baalismo é a adoração reduzida à estatura espiritual do adorador. Seus cânones são: ser interessante, relevante e estimulante... O javismo [o judaísmo do Antigo Testamento] estabeleceu uma forma de adoração centrada na proclamação da palavra do Deus da aliança. O javismo ape- lava à vontade. A racionalidade do ser humano inteligente era destacada, quando este era convocado pessoalmente a corresponder à vontade de Deus. No javismo dizia-se algo: palavras que chamavam os homens a servir, amar, obedecer, agir de modo responsável, decidir... A distinção entre a adoração culto a Baal e a adoração a Javé equivale à distinção entre a abordagem da vontade do Deus da aliança, que deveria ser compreendida, conhecida e obedecida, e a abordagem da força cega e vital da natureza, que poderia ser apenas sentida, absorvida e imitada.*” Atualmente, com a ênfase exagerada na experiência, muitos adeptos do movimento carismático encontram-se perigosamente próximos de um tipo de neobaalismo! A experiência pode ser uma arma perigosa nas mãos de Satanás. Ele se deleita em fazer cristãos procurarem experiências em detrimento da Palavra de Deus. O cristianismo está em perigo. Temos sido vítimas do espíri- 39 ANGUS, S. The mistery-religions and christianity. New York: Dover, 1075. p. 66-67. 40 PETERSON, Eugene H. Baalism and yahwism updated. Theology for Today, p. 139-41, July 1972. A EXPERIÊNCIA É UM TESTE VÁLIDO DA VERDADE? to de experiências de nossos dias. O legado do misticismo, com sua prole filosófica e religiosa — existencialismo, humanismo e paga- nismo — se alastrará por toda a igreja, se não formos vigilantes. As experiências podem ser produzidas por fenômenos psicológicos, fisiológicos ou demoníacos. O único teste verdadeiro para toda expe- riência é este: está de acordo com a Palavra de Deus? A batalha pela Bíblia se intensifica O aclamado livro de Harold Lindsell The Battle for the Bible (A Batalha pela Bíblia)! foi bem intitulado. A batalha pela Bíblia tem durado séculos e intensificou-se há pouco mais de cem anos. Desde o final do século XIX até o início da década de 1920, teólogos liberais e neo-ortodoxos lançaram um ataque frontal contra a autoridade bíblica, acusando, abertamente, a Bíblia de erro. Agora o segundo ataque, mais sutil, vem da porta de trás, e as pessoas enredadas pelo cristianismo de experiências parecem liderar a investida, atacando a Bíblia por questionarem a sua suficiência. Esse tipo de experimenta- lismo mina a autoridade da revelação divina, do mesmo modo como o liberalismo o tem feito durante várias décadas. Um artigo escrito por Robert K. Johnson, publicado na revista Christianity Today (Cristianismo hoje), descreve a recente mudança na teologia evangélica: Os evangélicos estão começando a... analisar a viabilidade de uma teologia baseada na experiência. Influenciados pelos defensores da abordagem carismática (por exemplo, Michael Harper, Robert Mumford, Dennis Bennett, David Wilkerson, Larry Christenson) ou da abordagem relacional (por exemplo, Bruce Larson, Keith Miller, Charlie Shedd, Wes Seeliger, Ralph Osborne), os evangélicos estão começando a elaborar suas teologias em torno do que significa para o homem o estarna presença de Deus [e não em torno da verdade objetiva da Palavra de Deus]. 41 LiNDSELL, Harold. The battle for the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1976. O Caos CARISMÁTICO dificuldade para encontrar a linguagem teológica adequada ou maneiras de relacionarmos o acontecimento às várias doutrinas da fé cristã”. “º Receio que a igreja contemporânea perca a batalha pela Bíblia. Hoje, pouquíssimos cristãos assemelham-se aos bereanos, que “receberam a pala- vra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (At 17.11). Devemos nos comprometer com o estudo das Escrituras, permitindo que nossa experiência com a Palavra viva proceda desse estudo, e não de impressões pessoais, fenômenos sobrenatu- tais ou de outras evidências potencialmente falsificáveis ou desconfiáveis. Assim, nossa experiência conduzirá à maior e mais pura alegria e bênção imagináveis — por estarem enraizadas e firmadas na verdade divina. 46 Ibid. CAPÍTULO 2 DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? “Deus me disse...” tornou-se o refrão do movimento carismático. Profecias particulares e esquisitas são proferidas por todos os tipos de pessoas que evidentemente crêem que Deus lhes fala. Sem dúvida, amais infame delas é a profecia de ameaça de morte proferida por Oral Roberts. Em 1987, Roberts contou à sua audiência nacional que Deus o ameaçara “chamar ao lar”, se não conseguisse levantar oito milhões de dólares até à data marcada por seus credores. Nunca saberemos se e como essa ame- aça seria cumprida; no último minuto, Roberts recebeu o cancelamento da punição na forma de um cheque de quantia elevada, proveniente de um proprietário de uma pista de corrida de cães, na Flórida. Apesar disso, dois anos mais tarde, quando Roberts foi obri- gado a fechar seu centro médico, City of Faith (Cidade da Fé), que custou muitos milhões de dólares e estava sediado em Tulsa, ele per- guntou a Deus o motivo. E afirma que Deus lhe respondeu: Deus falou em meu espírito: “Eu o fiz construir o City of Faith com tama- nho suficiente para atrair a atenção do mundo todo à fusão de minhas ondas curativas de oração e medicina. Entretanto, eu não queria que essa revelação se localizasse em Tulsa. Chegou o momento em que desejo que esse conceito da fusão de minhas ondas curativas seja conhecido de todas as pessoas e se espalhe por todas as gerações futuras”. E, de forma tão clara como sempre O ouvia em meu espírito, o Senhor me deu uma impressão: “Você e seus sócios conseguiram fazer a fusão da oração e da medicina para o mundo todo, para a igreja e para todas as gerações”. Ele disse: “Está consumado”. O Caos CARISMÁTICO Então, perguntei: “Depois de oito anos tu nos farás fechar o hospital e, depois de onze anos, a escola de medicina?” Ele disse: “Sim, a missão foi cumprida do mesmo modo como o meu Filho, depois de três anos de ministério público, disse na cruz: Pai, está consumado”! Podemos ficar boquiabertos ante à arrogância de Oral Roberts, mas ele não é o único carismático que acredita receber revelações particulares da parte de Deus. A maior parte dos carismáticos sente, em um tempo ou outro, que Deus fala com eles de modo específico, ou por meio de voz audível, impressão interior, visão, ou simples- mente por usá-los como meio para compor músicas, poemas ou anunciar profecias. Linda Fehl, fundadora do Rapha Ranch, vende fitas cassetes contendo a canção intitulada The Holy Ghost (O Espírito Santo). Ela afirma que essa música lhe foi dada pelo Espírito Santo, enquan- to era curada de câncer.? O responsável pelas publicações de uma editora cristã disse-me, certa vez, que recebe semanalmente manus- critos de carismáticos que afirmam que Deus os inspirou a escrever artigos, canções ou poemas.” Meu amigo editor reparou que esses 1 Oral Roberts: victory out of defeat. Charisma, p. 88, Dec. 1989. 2 THE TAPES that are healing the Nations. Charisma, p. 69, Dec. 1988. Anúncio. 3 De vez em quando, um dos livros “inspirados” acha quem o publique. O livro The Vi- sion (Old Tappan, N.J.:Spire, 1974), escrito por David Wilkerson, é um desses exem- plos. O livro tem por subtítulo “A Thrilling Prophecy of The Coming of Armageddon” (Uma Profecia Sensacional sobre a Vinda do Armagedom). “Estou profundamente convencido de que esta visão procede de Deus, de sua veracidade e de que ela se cum- Wilkerson escreveu (p. 12). Todavia, essas afirmações não estavam corretas. Wilkerson predisse: “A natureza liberará sua fúria com intensidade crescente na pró- xima década. Haverá curtos períodos de alívio, mas quase todos os dias a humanida- de testemunhará a ira da natureza em alguma parte do mundo” (p. 36). Wilkerson previu um terremoto arrasador que daria início a um pânico em algum pontos dos EUA — “o maior e mais destrutivo da sua história” (p. 32). Ele previu muitas catás- trofes, incluindo o colapso financeiro mundial. Talvez a profecia mais irônica seja a previsão do declínio das doutrinas ligadas ao “pensamento positivo” (p. 25). Há pouco tempo recebi pelo correio outro livro supostamente inspirado. Um endos- so na contracapa do livro, escrito pelo dr. T. L. Lowery, pastor-sênior da National DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? metedor.” Por mais irônico que pareça, após o relato desses casos, ele escreveu: “Amigos, vocês têm de perceber que existe uma linha tênue entre o fanatismo e a realidade. Muitas pessoas incorrem no erro de procurar experiências”.º Hagin jamais extraiu de suas histórias uma aplicação tão verdadeira como essa. Deus o transportou verdadeira e miraculosamente para es- ses carros, a fim de testemunhar atos de fornicação? Deus falou com Oral Roberts? Ele compôs uma canção para Linda Fehl? Jack Hayford realmente viu a Cristo levantando-se de seu trono junto a Deus? A profecia de Larry Lea era de fato “uma Palavra do Senhor”? Os cristãos têm recebido, pela inspiração do Espírito Santo, revela- ções diretas da parte de Deus? Hoje, as pessoas podem — quando escrevem canções ou livros, pregam ou ensinam, tomam decisões — afirmar com legitimidade que se encontram sob inspiração divina? Muitos carismáticos respondem um “sim” vibrante! Por exem- plo, J. Rodman Williams escreveu: A Bíblia tornou-se, verdadeiramente, uma co-testemunha da atividade de Deus no presente... Se hoje alguém tiver uma visão de Deus, de Cristo, é bom saber que isso aconteceu antes. Se alguém recebe uma revelação de Deus, é bom saber que a revelação também ocorria na comunidade dos primeiros cristãos. Se alguém diz: “Assim diz o Senhor” e ousa dirigir-se aos irmãos na primeira pes- soa — ainda que vá além das palavras da Escritura — isso também aconteceu há muito tempo. Quão singular e extraordinário! Se alguém fala na comunhão do Espírito a Palavra da verdade, isso não é uma expressão de seus próprios pensa- mentos e reflexões (por exemplo, se fala sobre algum assunto do dia); tampouco é uma simples exposição da Bíblia, porque o Espírito transcende observações pessoais, por mais interessantes e profundas que sejam. O Espírito, sendo o Deus vivo, se move entre e além dos registros do testemunho do passado, embo- ra esses registros sejam valiosos como modelo para o que acontece hoje.” 7 Ibid. p. 15-16. 8 Ibid.p. 16. 9 WILLIAMS, J. Rodman. The era of the Spirit. Plainfiled, N.J.: Logos, 1971. p. 16. O Caos CARISMÁTICO O que Williams disse? Eles afirmou que a Bíblia não é nossa fonte final de revelação divina, apenas um “testemunho” da revelação adicio- nal que Deus tem concedido hoje. Williams está dizendo que os cristãos podem fazer acréscimos à Bíblia — e que podem aceitar outros acrésci- mos como algo normal e convencional. Ele crê que a Bíblia é o “modelo” do que o Espírito Santo está fazendo hoje, ao inspirar os crentes. Esse é um conceito relativista e amedrontador, mas a sua po- pularidade está crescendo, à medida que o movimento carismático se expande. Edward N. Gross afirmou, ao observar essa tendência mortal na igreja contemporânea: Aera dos modelos chegou. Um modelo substitui a lei. Modelos são percepções humanas da verdade. São tentativas e, por isso, estão sujeitas a mudança, quando há novas informações. Esses modelos estão abertos e são testados constantemente. Mais nenhum cientista ousa afirmar que um único modelo é capaz de explicar to- dos os fenômenos conhecidos, por temer que alguma informação recém- descoberta prove que ele é um tolo, velho e precipitado. O mundo científico progrediu da velha abordagem (sistemas fechados) para a nova (sistemas abertos) Se a Bíblia é um sistema de verdade fechado, sem a outorga de nenhuma revelação nova, dada por meio de profetas ou apóstolos inspirados, a “aborda- gem de modelo” é uma ferramenta errônea e perigosa para a hermenêutica. Não deve haver confusão nesta área. O ensinamento ortodoxo do cristia- nismo sempre afirmou que a revelação divina, especial e salvífica à humanidade, restringe-se aos ensinos das Escrituras... Esta é a questão. Se a Bíblia é completa, ela representa um sistema de ver- dade fechado. Se ela envolve um padrão fixo e absoluto de verdade, os ensinos da Escritura podem ser verificados e enunciados de forma dogmática. Se Deus ainda concede novas revelações, a verdade divina ainda está sendo revelada progressi- vamente. E, se este for o caso, nosso dever é ouvir com fé os profetas de hoje, à medida que eles desvendam a verdade de Deus por meio de representações mais novas e mais claras do que as encontradas na Escritura. Poucos cristãos consi- deram as sutilezas dos “profetas” modernos um aprimoramento das verdades santificadoras apresentadas na Palavra. Certamente, eu não as considero.' 10 Gross, Edward N. Miracles, demons & spiritual warfare. Grand Rapids: Baker, DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Tampouco eu. A Bíblia é um sistema de verdades fechado, comple- to e suficiente — e nada lhe pode ser acrescentado (Jd 3; Ap 22.18-19). Ela contém todas as verdades espirituais que Deus desejou revelar. O que significa a inspiração? A palavra inspirado provém de um vocábulo latino que significa “soprar em”. Infelizmente, ela não transmite o verdadeiro significado do vocábulo grego traduzido por “inspirado”, que foi utilizado nas Es- crituras. Na realidade, o conceito de soprar em não se encontra em 2 Timóteo 3.16 (“Toda a Escritura é inspirada por Deus”). Essa Interpre- tação tem enganado muitas pessoas quanto ao verdadeiro significado de inspiração. Elas presumem que Deus teria soprado algum tipo de vida divina nas palavras de quem escreveu os documentos originais da Escritura. No entanto, o vocábulo grego que expressa a inspiração é the- opneustos, que significa “soprado por Deus”. Literalmente, o versículo deve ser lido: “Toda Escritura é soprada por Deus”, ou seja, a Bíblia não é um conjunto de palavras sobre as quais Deus soprou vida divina. Ela é o próprio sopro de Deus! A Escritura é o próprio Deus falando. Esta é uma verdade que as pessoas se mostram propensas a entender de maneira equivocada. A inspiração não significa que a Bí- blia contém revelação de Deus ou que partes importantes da verdade revelada encontram-se nas Escrituras. Também não significa que ho- mens transcreveram a verdade de Deus com as palavras deles ou que Deus só auxiliou os escritores. A inspiração significa que as palavras da Bíblia são as palavras do próprio Deus. Cada palavra da Escritura foi exalada por Deus. O Senhor disse a Moisés junto à sarça ardente: “Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar” (Êx 4.12). Jeremias, o profeta chorão de Judá, recebeu esta incumbência: “Tudo 1990. p. 150-152. O Caos CARISMÁTICO escritores bíblicos como pessoas qualitativamente distintas dos in- térpretes pós-canônicos”.º E continua: Se a igreja possuísse uma compreensão mais dinâmica da inspiração divina no século XX, seu testemunho e alcance seriam mais eficazes. É bom e correto proteger o caráter distinto da Bíblia, mas pensar apenas em termos de sua inspi- ração como totalmente diferente do tipo de inspiração de nossos dias é um preço altíssimo a pagar. Os cristãos necessitam hoje do mesmo senso de serem moti- vados e enviados por Deus como o tinham os escritores e intérpretes bíblicos. Em sentido genuíno, a dificuldade de interpretar o relato da revelação de Deus, nesta era complexa, requer tanta inspiração e sabedoria de Deus quanto as exigia o processo de interpretação nos tempos bíblicos. 'º Com efeito, muitos carismáticos crêem exatamente assim. A verdade, porém, é que não existe um modo de “proteger o caráter dis- tintivo da Bíblia”, se Deus inspira novas revelações hoje. Se o cânon ainda está aberto, e se Deus ainda outorga novas profecias, canções e palavras de sabedoria, devemos procurar, com toda a diligência, compilar e estudar essas revelações mais recentes, juntamente com as Escrituras — e, talvez, com mais cuidado, pelo fato de lidarem mais especificamente com nosso tempo e cultura. Alguns carismáticos realmente pensam assim.” Todavia, isto éum erro do pior tipo. O cânon não está aberto. A Palavra de Deus, constitu- ída pelo Antigo Testamento e Novo Testamento, é um milagre ímpar. 15 Ibid. 16 Ibid. p. 319. 17 Um artigo recente da revista Charisma recomendou o seguinte: “Para medi- tarmos sobre novas profecias pessoais, devemos registrá-las integralmente, se possível. Se alguém se aproxima de nós dizendo que tem uma palavra de Deus, devemos pedir à pessoa que espere um momento, até conseguirmos um gravador de áudio ou ainda pedir à pessoa que a escreva. Se a palavra vier de alguém do púlpito, durante uma reunião que não está sendo gravada, devemos tentar escre- ver o quanto conseguirmos, obtendo, ao menos, os pontos principais” (HAMON, Bill. How to receive a personal prophecy. Charisma, p. 66, Apr. 1966). 66 DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Ela foi reunida num período de 1500 anos. Mais de quarenta homens de Deus, profetas e apóstolos, escreveram as Palavras divinas — cada letra, cada palavra — sem erro e com harmonia perfeita. Nenhum hino é digno de ser comparado com a Bíblia. Nenhuma profecia moderna, ou palavra de sabedoria, está no mesmo nível da eterna Palavra de Deus. Céus e terra passarão, a Palavra de Deus permanecerá (Mt 5.18). Revelação progressiva? Os carismáticos se esforçam para explicar como a suposta revela- ção que eles recebem por meio de línguas, profecias e visões combina-se coma Escritura. J. Rodman Williams, como vimos, alega que esses fenô- menos carismáticos são apenas novas manifestações do que ocorria nos tempos bíblicos: “É bom saber que... Se alguém diz: Assim diz o Senhor” e ousa dirigir-se aos irmãos na primeira pessoa — ainda que vá além das palavras da Escritura — isso também aconteceu há muito tempo”. Sua explicação dos dons espirituais é um argumento em prol da revelação contínua: “No Espírito, a comunidade presente é a arena da presença vital de Deus, assim como o era qualquer outra comunidade dos rela- tos bíblicos. Na verdade, à luz do que podemos aprender e aceitar com seriedade deste testemunho passado, podemos esperar novos aconte- cimentos hoje e no porvir”.º Williams continuou e descreveu como as novas revelações surgem. Ele enfatizou muito o “dom de profecia”: Deus fala na profecia. É algo simples, profundo e surpreendente! Na comuni- dade, a palavra pode ser proferida subitamente por qualquer um dos presentes; deste modo, um “Assim diz o Senhor” irrompe entre os congregados. Isso ocorre, frequen- temente (mas nem sempre), na primeira pessoa: “Estou contigo para abençoar-te” e possui a direção de “eu-tu”. Ela não ocorre em uma língua celestial, e sim na língua 18 WILLIAMS, J. Rodman. The era of the Spirit. Plainfield, N.J.: Logos, 1971. Ên- fase acrescentada. 19 Ibid. Ênfase no original. O Caos CARISMÁTICO materna de quem fala, com suas inflexões, cadências e modos. De fato, pode até fal- tar refinamento ao discurso ou conter erros gramaticais; pode ser uma mistura de vocabulário bíblico tradicional com expressões cotidianas; também pode ser titube- ante ou fluente — isso não importa. Na profecia, Deus usa o que encontra e, por meio de instrumentos humanos frágeis, o Espírito anuncia a Palavra do Senhor... claro que Tudo isso, repito, é bastante surpreendente e extraordinário. muitos de nós estamos acostumados com as sentenças proféticas registradas na Bíblia e dispostos a aceitá-las como Palavra de Deus. Acostumamo-nos com os “Assim diz o Senhor” de Isaías ou Jeremias, mas dar ouvidoshoje a Tom ou Mary, no século XXI, falando da mesma forma... Muitos de nós estamos convictos de que a profecia terminou na época do Novo Testamento (a despeito de toda evi- dência neotestamentária em contrário), até que mediante a arremetida dinâmica e repentina do Espírito Santo, a profecia ressurgiu. Agora, admiramo-nos de que tenhamos interpretado erroneamente, por muito tempo, o Novo Testamento!” Isso equivale a afirmar que os exemplos correntes da profecia ca- rismática são revelações divinas idênticas às Escrituras. Essa declaração é preocupante pela possibilidade evidente de fraudes e erros cometidos pelos profetas modernos. Williams reconheceu esse perigo e escreveu: A profecia não pode ser recebida, de maneira alguma, como algo casual. Visto que ela a própria mensagem de Deus para seu povo, a comunidade tem de prestar atenção séria e diligente a cada palavra proferida e aplicá-la à sua vida. Além disso, por causa do perigo constante do abuso da profecia — a pretensão de ter uma men- sagem da parte de Deus —, há necessidade de discernimento espiritual! Embora Williams admita o risco, em nenhuma parte de seu livro ele descreve como a “atenção séria e diligente” e o “discerni- mento espiritual” devem ser usados para distinguir o verdadeiro do falso. Talvez, posteriormente, Williams tenha percebido os problemas que produzira, pois tentou esclarecer suas opiniões no Logos Journal: 20 Ibid. p. 27-28. 21 Ibid. p. 29. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Há vários anos, um de meus queridos colegas de ministério disse-me: “Larry, enquanto orava por você, outro dia, tive uma visão. Eu o vi com grandes orelhas, semelhantes às do 'Mickey Mouse". O restante do seu corpo parecia nor- mal, exceto as orelhas do tamanho das de um elefante. Quando pedi ao Senhor que me contasse o significado da visão, o Espírito do Senhor me respondeu e disse: “Larry Lea melhorou sua audição; desenvolveu ouvidos espirituais” Os carismáticos abandonaram a exclusividade da Escritura como Palavra de Deus; e o resultado é a competitividade espiritual. O anseio por algo novo e esotérico substituiu a firme confiança na Palavra de Deus, estabelecida pelo cristianismo histórico. Isto é um convite à falsificação satânica. Confusão, erro e engano diabólico são os resultados inevitáveis. Melvin Hodges é um pastor carismático que tem admitido suas reservas quanto às “novas” revelações, Ele disse: Atualmente, muitas pessoas tentam elevar os dons de profecia e reve- lação a um nível impróprio. Existem exemplos de igrejas governadas pelos dons de inspiração. Diáconos foram escolhidos, e pastores, removidos ou ins- talados por profecias, resultando em desordem. A causa é óbvia. A profecia nunca teve o objetivo de usurpar o lugar dos ministérios de governo ou do dom da palavra de sabedoria. Paulo ensinou que o corpo é formado de muitos membros, e não de um só. Se a profecia usurpa o papel da palavra de sabedo- ria ou da palavra de conhecimento, o corpo todo será dominado por um único ministério, isto é, o de profecia. Em outras palavras, todo o corpo passa a ser governado pelo membro profético. O conceito da infalibilidade da voz profética tem confundido mui- tas pessoas. Alguns pensam ser pecaminoso questionar o que consideram a voz do Espírito. Entretanto, no ministério de todos os dons, existe coo- peração entre o divino e o humano.” 25 LEA, Larry. Are you a mousekateer? [sic]. p. 9, Charisma, Aug. 1988. 26 Hopees, Melvin L. Spiritual gfts. Springheld, Mo.: Gospel Publishing House, 1964. p. 19-20. O Caos CARISMÁTICO Observe que Hodges menciona “os dons de profecia e revelação”. É evidente que ele crê que Deus está ortorgando novas revelações hoje. Ao mesmo tempo, ele está perfeitamente cônscio dos proble- mas causados na igreja pelas chamadas declarações proféticas. Do começo ao fim, ele evita a conclusão de que o “dom de profecia” possui menor autoridade do que a Bíblia. Apesar disso, ele deseja advertir os carismáticos a não levarem as profecias tão a sério ou dar- lhes muita ênfase. Ele procura uma forma de solucionar a confusão, mas não há jeito. Quando a “declaração profética” é equiparada, em qualquer grau, à “revelação divina”, o resultado é a confusão total. A Bíblia perde sua característica exclusiva, e todas as conseguências nefastas, descritas por Hodges, ocorrerão indubitavelmente. Nem todos os carismáticos concordariam com a afirmação de que os problemas relacionados ao abuso das profecias seja exagera- do. Alguns culpariam o uso equivocado do dom por parte de pessoas ignorantes. Sua resposta ao problema seria a oferta de treinamento. Certo grupo deu início a uma “Escola de Profetas”. Sua propaganda afirma em parte: Talvez você se sinta chamado para ser um oráculo do Senhor e tenha en- contrado dificuldades para explicar suas experiências, ou para encontrar alguém a quem pudesse contá-las e aprender com elas. A Escola de Profetas foi planejada para ajudar a dar base e clareza aos milhares de sonhos e visões que constituem a marca dos ministérios de profetas e videntes, bem como para auxiliar na res- tauração do ministério profético no corpo de Cristo. Existem muitas pessoas desiludidas e desencantadas com o ministério profético, por causa dos abusos e do uso equivocado dos dons. Não reaja de forma exagerada, pois, se você teve a experiência amarga de passar pela imitação, saiba da existência da realidade a ser descoberta... Abusos e representações equivocadas ocorrem apenas por causa de ignorância abominável. Venha e seja treinado na Escola de Profetas, preparando- se, de forma adequada, para cumprir o destino que Deus escolheu para você!” 27 BERNARD Jordan presents the monthly school of the prophet. Charisma, p- 31, Dec. 1990. Anúncio. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Entendo isso como uma maneira peculiar de lidar com o problema das falsas profecias. Alguma escola é capaz de ensinar aos profetas as- pirantes como usar o seu “dom”? As pessoas podem ser ensinadas a dar “base e clareza” a seus sonhos e visões? A distinção entre a profecia falsa ea verdadeira é apenas uma questão de estudo? Creio que não. À falsa profecia não éum pecado de menor impor- tância. Deus falou aos israelitas: “Minha mão será contra os profetas que têm visões falsas e que adivinham mentiras” (Ez 13.94). A lei prescrevia um remédio severo para os falsos profetas: Porém o profeta que presumir de falar alguma palavra em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto. Se disseres no teu cora- ção: Como conhecerei a palavra que o Senhor não falou? Sabe que, quando esse profeta falar em nome do Senhor, e a palavra dele se não cumprir, nem suceder, como profetizou, esta é pala- vra que o Senhor não disse; com soberba, a falou o tal profeta; não tenhas temor dele (Dt 18.20-22). Não havia outra chance. O falso profeta — qualquer pessoa que profetizasse algo que não acontecia — deveria ser morto. Alegar que se fala em nome do Senhor é uma questão séria. Apesar disso, alguns carismáticos crêem que todo crente dese- joso de obter revelações divinas pode recebê-las. O mesmo exemplar da revista Charisma, que continha o anúncio da escola de profetas, também apresentava um conjunto de fitas de áudio com a promessa de ensinar aos crentes “como ouvir a voz de Deus”. Lê-se na propa- ganda: “Ouvir voz de Deus em toda necessidade e situação é herança dos crentes”. Jerry Hester, o narrador das fitas, apresenta “Seminá- rios de Ouvir” que “instruem como conversar com Deus em um nível íntimo durante as 24 horas do dia” é 28 Do ONLY prophets hear God's voice? no! Charisma, p. 112, Dec. 1990. Anúncio. O Caos CARISMÁTICO Como o cânon bíblico foi escolhido e terminado Judas 3 é uma passagem crucial a respeito da completude de nos- sas bíblias. Essa declaração, escrita por Judas antes da finalização do Novo Testamento, previa o encerramento completo do cânon: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convos- co, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”. No texto grego, o artigo definido que precede a palavra fé aponta para uma fé única, “a fé”. Não há outra. Passagens como Gálatas 1.23 (“Ouviam somente dizer: Aquele que, an- tes, nos perseguia, agora, prega a fé”) e 1 Timóteo 4.1 (“Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé”), indicam que esse uso objetivo da expressão “a fé” era comum nos dias dos apóstolos. O erudito em grego Henry Alford escreveu que a fé “neste versículo é objetiva: a suma da fé cristã” * Observe também a expressão fundamental “uma vez por todas”, em Judas 3. A palavra grega neste versículo é hapax, que se refere a algo realizado de uma vez por todas, com resultados permanentes e sem necessidade de repetição. Nada precisa ser acrescentado à fé que “uma vez por todas” foi entregue aos santos. George Lawlor, escritor de uma excelente obra sobre Judas, fez o seguinte comentário: A fé cristã é imutável. Isso não significa que homens e mulheres de cada gera- ção não precisam encontrá-la, experimentá-la e vivê-la; significa, sim, que toda nova doutrina, embora sua legitimidade possa ser asseverada de forma plausível, é uma doutrina falsa. Toda alegação de transmitir uma revelação adicional ao que já foi ou- torgado por Deus, neste corpo de verdade, é falsa e precisa ser rejeitada. *! 30 ALrorD, Henry. Alford's greek testament. Grand Rapids: Baker, 1980. vol. IV, p. 530. 31 LAWLOR, George L. Translationand exposition of the Epistle of Jude. Philadel- 76 DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Em Judas 3, a palavra “entregue” também é importante. No grego, ela éum particípio aoristo passivo, indicando, no contexto, um ato realiza- dono passado sem qualquer elemento de continuidade. Neste exemplo, a voz passiva significa que a fé não foi descoberta por homens, porém dada aos homens por Deus. Como Ele o fez? Por meio de sua Palavra — a Bíblia. Assim, por meio das Escrituras, Deus nos deu um corpo final e completo de doutrinas. A fé cristã repousa sobre a revelação objetiva e histórica. Isso elimina a possibilidade de qualquer profecia inspirada, visão ou de outras formas de nova revelação, até que Deus fale outra vez por ocasião do retorno de Cristo (Cf. At 2.16-21; Ap 11.1-13). Enquanto isso, a Bíblia nos adverte sobre o perigo dos falsos pro- fetas. Jesus disse que em nossa época “surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt 24.24). Sinais e maravilhas não provam que al- guém fala em nome de Deus. João escreveu: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, por- que muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 Jo 4.1). Por fim, a Escritura é o teste de todas as coisas; é o padrão do cris- tão. De fato, a palavra cânon significa “regra, padrão ou vara de medida”. O cânon da Escritura é a vara de medida da fé cristã... e está completo. É evidente que, no decorrer da história, livros espúrios foram apresentados como parte genuína das Escrituras. Por exemplo, as versões bíblicas católicas incluem os Apócrifos (escritos na mesma época em que alguns livros do Antigo Testamento foram produzidos; no entanto, eles foram excluídos da literatura canônica). A Igreja Ca- tólica Romana recebeu esses livros como parte da Bíblia; no entanto, é claro que eles não integram as Escrituras.”º2 Contêm erros históri- cos, geográficos e teológicos. phia: Presbyterian & Reformed, 1972. p. 45. 32 Quanto a uma discussão proveitosa sobre os livros apócrifos, ver GEISLER Norman L.; Nix, William E. A general introduction to the Bible. Chicago: Moody, 1986. Capítulos 15 e 17. O Caos CARISMÁTICO Apesar de Jerônimo (345-419 d.C.) ter sido, claramente, o por- ta-voz da exclusão dos livros apócrifos do cânon, alguns dos antigos pais da igreja (principalmente Agostinho) os aceitaram, embora não como se fossem iguais ao Antigo Testamento hebraico. Mais tar- de, no século XVI, os reformadores afirmaram o princípio de Sola Scriptura — a verdade de que só a Bíblia é a revelação detentora de autoridade — portanto, negaram aos apócrifos lugar entre os es- critos inspirados. A Igreja Romana reagiu contra os reformadores no Concílio de Trento (1545-1563), ao declarar que todos os livros apócrifos era canônicos. Protestantes e católicos têm mantido essa disparidade até hoje. O cânon do Antigo Testamento foi aceito pelo povo de Deus desde o tempo em que seu último livro foi escrito. Como os judeus sabiam quais livros eram inspirados? Eles escolheram os livros escri- tos pelos porta-vozes de Deus reconhecidos. Estudaram esses livros cuidadosamente e não encontraram neles erros de história, geogra- fia ou teologia. Os cristãos da igreja primitiva aplicaram testes similares para provar quais livros do Novo testamento era autênticos e quais não. O teste-chave era a autoria apostólica. Cada livro do Novo Testa- mento deveria ter sido escrito por um apóstolo ou por um auxiliar deles. Por exemplo, Marcos, que não era apóstolo, foi companhei- ro de Pedro. Lucas, que também não era apóstolo, trabalhou com o apóstolo Paulo. O segundo teste usado pela igreja primitiva era o do conteúdo. Atos 2.42 diz-nos que, na primeira reunião da igreja, os crentes se dedicaram à oração, à comunhão, ao partir do pão e à doutrina dos apóstolos. Mais tarde, quando consideravam quais escritos deveriam ser aceitos, perguntaram: “Isto concorda com a doutrina apostólica?” Esse teste era muito importante, porque todos os heréticos tentavam introduzir-se na igreja. Contudo, seus erros doutrinários eram facilmente observáveis, por contradizerem o en- sinamento apostólico. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? Espírito Santo é o de outorgar-nos poder quando pregamos, ensi- namos, escrevemos, conversamos, testemunhamos, pensamos, servimos e vivemos. Ele nos leva à verdade divina e nos direciona à vontade de Deus para a nossa vida. Entretanto, o Espírito Santo faz isso por intermédio da palavra de Deus, nunca à parte dela. É um equívoco referir-se à inspiração e à revelação como se estas fossem o ministério do Espírito Santo em guiar e dar poder. Usar expressões do tipo “Deus me disse”, ou “Essa idéia não foi minha; recebi-a do Senhor”, ou “Essas palavras não são minhas; o Senhor me entregou uma mensagem” confunde a questão da direção do Espírito na vida dos crentes. Dar ensejo a esse tipo de confusão é algo que nega o caráter único e a autoridade absoluta da Escritura. Os termos e conceitos de Efésios 5.18-19 e 2 Pedro 1.21 não devem ser confundidos. Ser cheio do Espírito e falar uns aos outros com salmos e hinos não é a mesma coisa que ser movido pelo Espírito Santo para compor a Escritura inspirada. CAPÍTULO 3 PROFETAS, FANÁTICOS OU HEREGES? Talvez o aspecto mais preocupante do afã do movimento carismático por novas revelações seja a maneira negligente e indis- criminada pela qual tantas profecias questionáveis são recebidas como verdade divina. Os profetas de Kansas City Um grupo de supostos profetas, em Kansas City, demonstra quão longe tem ido o abuso da profecia no movimento carismático. Um livro que promove as atividades do grupo tornou-se, de ime- diato, um best-seller internacional.! Centenas, talvez milhares, de igrejas ao redor do mundo estão usando os padrões de ministério profético que estão de acordo com os “Profetas de Kansas City”. Todos esses homens, associados a uma única igreja — antes designada Kansas City Fellowship, mas agora chamada Metro Vi- neyard Fellowship — dizem que não gostam de ser rotulados como “profetas”. Preferem se autodesignar pessoas que têm o “dom profé- tico”. Em outras palavras, eles não crêem possuir um ofício detentor de autoridade semelhate ao dos profetas do Antigo Testamento. Tampouco afirmam ser infalíveis. Ao contrário, todos os Profetas de Kansas City admitem ter profetizado falsamente.? 1 PyrcHEs, David. Some Said It thundered. Nashville: Oliver Nelson, 1991. 2 Ibid. p. 109. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? No entanto, as profecias proferidas por esses homens são rece- bidas por milhares de pessoas como a verdade revelada por Deus. O pastor da Metro Vineyard, Mike Bickle, encoraja ativamente o reba- nho a aceitar as profecias modernas como um meio divino de revelar a verdade para a igreja. Um dos videntes mais expressivos da igreja, Bob Jones, afirma que Deus lhe fala anualmente no Dia da Expiação (judaico). De acordo com a terminologia de Jones, o Senhor o coloca “sob o Cajado do Pastor” e lhe dá uma mensagem referente a toda a igreja em relação ao ano seguinte.” Nos últimos anos, Bickle e Jones têm proferido e explicado as profecias perante a congregação, encorajando as pessoas a agir de acordo com as profecias, como se fossem a Palavra de Deus. A profecia do Cajado do Pastor, proferida por Jones, em 1989, incluía uma nova explicação do motivo por que tantas profecias mo- dernas não se cumprem. Jones afirmou: [Deus] disse: “Se eu liberasse agora 100% da rhema, a responsabilidade seria tremenda, e vocês teriam tantos Ananias e Safiras em seu meio, que seriam incapazes de crescer — as pessoas ficariam bastante amedrontadas”. No entan- to, ele disse: “Se a profecia fosse correta, ela mataria, em vez de amedrontar as pessoas e conduzilas ao arrependimento”... Isso foi o que ele me disse; portanto, acredito que, se eu acertar dois terços dela, estarei em uma posição muito boa. Bickle acrescentou: “Com relação aos dois terços: a primeira vez que Bob me disse isso, eu repliquei: dois terços?. Ele respondeu: “Sim, é o maior nível que esta nação já vislumbrou até hoje. Este é o mais alto de todos os níveis”. 3 Jones, Bob. The shepherd's rod. Kansas City, Mo.: Kansas City Fellowship, Oc- tober 1989. Cassete sonoro. 4 Tbid. 5 Ibid. Bickle não é mais um defensor tão aguerrido de Jones como antes. Em no- vembro de 1991, John Wimber distribuiu uma circular às igrejas Vineyard infor- mando que Jones passava por um processo de “restauração”, após a confissão de ter O Caos CARISMÁTICO Admiravelmente, na avaliação de cinco páginas a respeito de como discernir falsos profetas, White não menciona nem mesmo uma vez a exatidão ou a fidelidade como teste! De fato, ele declara explicitamente a crença de que esses não são testes válidos das credenciais do profeta. Crê que profecias falsas não desqualificam, necessariamente, a pessoa para falar em nome de Deus. E conclui a sessão sobre o discernimento dos falsos profetas com essas palavras: “É claro que os profetas são seres hu- manos. Portanto, eles podem cometer erros e mentir. E não precisam deixar de ser profetas por causa de seus equívocos e erros”. Essa declaração deixa transparecer a ignorância a respeito do que a Escritura afirma sobre profecias inspiradas. O dom profético no Novo Testamento (Rm 12.6; 1 Co 12.10) está relacionado com a declaração, e não com a revelação. O profeta do Novo Testamento “fala aos homens, edificando, exortando e consolando” (1 Co 14.3). Ele é um pregador, não uma fonte de revelação contínua. Está incumbido de anunciar, e não de predizer; ou seja, ele proclama a verdade já revelada. De modo geral, ele não é um condutor de novas revelações. Na igreja primitiva, antes da finalização do Novo Testamento, alguns profetas foram enviados por Deus em determinadas ocasiões para exortar a igreja com mensagens inspiradas, à medida que o pro- feta falava. Isso era necessário para instruir a igreja sobre questões 11 Ibid. p. xvi. Ênfase no original. White procura apoio para sua declaração em uma interpretação dúbia de 1 Reis 13.7-32. Às vezes, imagina-se que a passagem versa sobre o verdadeiro profeta que profetizou palavras falsas; entretanto, observe que o falso profeta da narrativa não é identificado como “homem de Deus”, ao passo que o profeta honesto (porém desobediente) da passagem recebe essa identificação. 2 Reis 23.18 identifica o falso profeta como “o profeta que viera da Samaria”. Ele po- deria ser um vidente incrédulo com poderes de origem demoníaca — por essa razão, expressou seu pedido supersticioso (1 Rs 13.31). Observe também que ele não foi punido imediatamente pela mentira, embora o “homem de Deus” que ele enganou tenha morrido por causa de sua própria desobediência. Na Bíblia, existem vários exemplos de homens injustos que profetizaram cor- retamente. Todavia, não há um exemplo de um verdadeiro profeta de Deus que tenha proferido falsa profecia, enquanto falava em nome de Deus. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? ainda não tratadas pela Bíblia. Esse aspecto revelador da profecia foi exclusivo à era apostólica. A perspectiva carismática contemporânea, que transforma todo profeta em instrumento de revelação divina, deprecia a Escritura e a profecia. Ao permitir que os profetas misturem erros com mensagens supostamente “procedentes dos lábios de Deus”, os carismáticos têm aberto as portas a falsos ensinamentos, confusões, erros, fanatismo e caos. Como poderia a mensagem genuinamente inspirada por Deus ser corrompida por erros oumentiras? A profecia inspirada deveria estarno mesmo nível da Escritura. É a própria Palavra de Deus. Toda revelação profética continha um “assim diz o Senhor” — explícita ou, ao menos, implicitamente. A profecia reveladora não era a opinião ou a especula- ção do profeta. Tampouco era simples impressão de sua mente. Não era um palpite ou adivinhação. Não era clarividência. Era uma palavra da parte do Senhor (cf. 1 Sm 3.1; Jr 37.17). E, visto que o profeta falava em nome de Deus, ele era reputado com o mais elevado padrão de confian- ça — e julgado com a maior severidade, caso profetizasse falsamente (Dt 13.1-5; 18.20-22). 12 12 Algumas pessoas imaginam que a distinção entre a profecia do Antigo e a do Novo Testamento negue o princípio de Deuteronômio 3.1-5 e 18.20-22. Ale- gam que os profetas na era da igreja não devem ser julgados de acordo com a fidelidade de suas profecias, pois a profecia no Novo Testamento possui caráter diferente da profecia do Antigo. Wayne Grudem (The gift of prophecy in the New Testament and today. Wheaton: Crossway, 1988.), por exemplo, argumenta que há dois níveis de profecia no Novo Testamento. Um deles é a profecia apostóli- ca, infalível e equiparável à profecia do Antigo Testamento e à Palavra de Deus escrita e inerrante. O outro é o dom de profecia, que tem por objetivo edificar, encorajar e consolar. Com isto eu concordo. Todavia, diferentemente de Grudem, não creio que esse segundo nível de profecia possua caráter revelador. Grudem acredita que os profetas de hoje pronunciam mensagens que lhes foram reveladas por Deus, de modo sobrenatural. Contudo, ele crê que essas mensa- gens nem sempre são precisas. Infelizmente, Grudem jamais responde ao óbvio dilema criado por essa posição: como é possível que uma mensagem revelada por Deus contenha erros? Por definição, falsas profecias não procedem de Deus. Quanto a uma excelente discussão sobre o caráter infalível da profecia inspirada O Caos CARISMÁTICO Élógico que o profeta, ao transmitir uma revelação, tornava-se porta-voz das próprias palavras de Deus. Toda revelação profética autêntica era verdadeira, confiável einerrante, como a própria Escri- tura. De outro modo, tornaríamos Deus mentiroso ou deveríamos minimizar o significado da revelação e aceitar o nível secundário de inspiração. Teríamos de criar uma teoria de acordo com a qual, de al- gum modo, Deus capacitaria os profetas contemporâneos a entregar mensagens que seriam verdadeiras para ele mesmo, mas não teriam autoridade como Escritura. Isto é exatamente o que alguns apologis- tas da profecia carismática moderna tentam fazer. Bill Hamon, por exemplo, lidera uma rede de “ministérios pro- féticos”. Ele escreveu: É daro que o ministério profético não foi dado à igreja a fim de suplantar a Bíblia. Qualquer “acréscimo” recente à Escritura, outorgada como mensagem profética e aceita como infalivelmente inspirada, deve ser falsa. Em vez disso, o ministério profético traz iluminação e explicação sobre o que já foi escrito, tor- nando-o pessoal aos crentes.“ Entenda que, ao falarem sobre a profecia, Hamon e outros ca- rismáticos se referem a uma nova revelação divina. Hamon crê que “todas as profecias pessoais são condicionais, quer suas condições se- jam apresentadas com clareza, quer não”.* Isto é, as profecias “podem ser canceladas, alteradas, revertidas ou reduzidas; porque esse tipo de profecia, para se realizar, exige a participação e a cooperação adequada de quem recebe a palavra profética”.“ Portanto, no esquema de Hamon, o fato de que uma profecia deixa de se cumprir não é uma prova de sua do Novo Testamento, ver o Apêndice 3 — Is the New Testament Gift of Pro- phecy Fallible? — em Norman Geisler, Signs and Wonders (Wheaton, IL: Tynda- le, 1988), p. 157-162. 13 HaMoN, Bill. How to receive a personal prophecy. Charisma, p. 63, Apr. 1991. 14 Ibid. p. 65. 15 Ibid. Ênfase no original. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? superior de seu abdome lhe dirá quão importante uma “profecia” realmente é. Isto é um absurdo total. Não achamos esse tipo de conselho na Bíblia. A sensação que a parte superior de seu abdome transmite não diz nada sobre a veracidade ou não de uma profecia. Você pode estar sofrendo de indigestão! Quantas pessoas, ao seguirem esse tipo de con- selho, ouvem um autodenominado oráculo falar e manipular membros de igrejas para doarem suas economias ao ministério do profeta? Esse modo de pensar permeia o movimento carismático. Por fim, muitas profecias não passam de sensações. Essa é a razão por que o erro e a confusão são tão desenfreados nas congregações lide- radas por aqueles que chamam a si mesmos de profetas. Recebi uma fita de áudio de um desses pastores-profetas, James Ryle, pastor da Boulder Valley Vineyard, no Colorado. Ryle descreveu com detalhes alguns de seus sonhos, que ele considerou revelações proféticas da parte de Deus. Segundo os sonhos de Ryle, Deus está pronto para ungir músicos cristãos com a mesma unção concedida aos Beatles. Ele cita uma palavra do Senhor: “Chamei esses quatro moços de Liverpool para mim mesmo. Havia um chamado divino na vida deles; eles foram dotados por minha mão; eu os ungi, porque ti- nha um propósito — desencadear um avivamentos carismático com o avivamento musical em todo o mundo”. O que aconteceu? De acordo com Ryle, Deus lhe disse: “Os quatro moços de Liverpool desertaram e não serviram em meu exército. Servi- ram a seus próprios propósitos e usaram o dom para favorecer o outro lado”. Ryle afirmou que Deus lhe disse que suspendeu a unção em 1970 ea reteve desde então. No entanto, Ele está a ponto de liberá-la nova- mente à igreja.?º Ryle é jovem, bem-preparado, articulado e tem pregado a respeito de sua profecia em várias igrejas. Fitas de audio dessas men- 20 RYLE, James. Sons of thunder. Longmont, Colo.: Boulder Valley Vineyard. Pre- gado em 1º de julho de 1990. O Caos CARISMÁTICO sagens circulam em vários países, e milhares de pessoas recebem sua profecia como verdade absoluta da parte de Deus. No entanto, permanece o fato de que, desde o término do câ- non, nenhum avivamento genuíno ou movimento ortodoxo foi liderado, em momento algum, por pessoas cuja autoridade se baseava em revelações par- ticulares da parte de Deus. Diversos grupos têm afirmado receber novas revelações, mas todos eles têm sido fanáticos, hereges, sectários ou frau- dulentas. Carismáticos e não-carismáticos precisam considerar se há um paralelo entre esses grupos e o movimento carismático moderno. Montanismo Montano, originário da Frígia, no século II d.C acreditava ser um profeta enviado por Deus para reformar a igreja mediante o ascetismo, a prática da glossolalia e a continuidade das revelações proféticas. Duas falsas profetisas, Priscila e Maximila, foram instru- mentos para difusão do montanismo. Eusébio, um dos pais da igreja, escreveu: “[Montano] incentivou duas mulheres e encheu-as com o espírito bastardo, para que proferissem dizeres insanos, absurdos e irresponsáveis”? Alguns historiadores interpretam isso com o sig- nificado de que as mulheres falavam em línguas. Hipólito escreveu sobre os montanistas: Eles têm sido enganados por duas mulheres, Priscila e Maximila, a quem consideram profetisas, asseverando que o espírito Paracleto penetrou nelas... Exaltam essas mulheres acima dos apóstolos e de todo dom da graça, de modo que alguns deles chegam a dizer que há nelas algo superior a Cristo... Introduziram novidades como jejuns e festas, abstinências e dietas de raízes, transformando essas mulheres em autoridades”? 21 Citado em BETTENSON, Henry. (Ed.). Documents of the christian church. Lon- don: Oxford, 1963. p. 77. 22 Ibid. DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? O montanismo se espalhou rapidamente por toda a igreja pri- mitiva e alcançou Roma na segunda metade do século II. Eusébio descreveu a procedência e a extensão do movimento: Montano, dizem, expôs-se inicialmente aos ataques do adversário, por causa do desejo desenfreado de liderança. Ele era um neófito e foi possuído por um espírito; repentinamente, começou a entrar em um tipo de transe extático, a falar palavras ininteligíveis, profetizando de forma contrária ao costume da igreja — a tradição mantida desde os tempos primitivos. ... Alguns dos que ouviram essas afirmações espúrias repreenderam-no como aalguém possuído por um demônio... relembrando a advertência do Senhor de se guardarem, com vigilância, da vinda e do surgimento de falsos profetas; outros, no entanto, foram arrebatados, e não poucos se ensoberbeceram, consi- derando-se possuídos pelo Espírito Santo e detentores do dom de profecia * Tertuliano, um dos mais destacados pais da igreja, converteu- se ao montanismo nos últimos anos de sua vida e descreveu assim um culto de adoração montanista: Agora temos entre nós uma irmã, a quem foram concedidos dons de re- velação, usados na igreja nos cultos dominicais, na forma de visões extáticas do Espírito... Depois que as pessoas saem, no fim do culto, é costume dela relatar- nos o que viu... “Entre outras coisas”, ela diz, “foi-me mostrada uma alma em forma corpórea, semelhante a um espírito; não se tratava de um objeto desprovi- do de qualidade, e sim de algo paupável, macio e translúcido, de coloração etérea, sob a forma totalmente similar à de um homem”. Isso parece familiar? A descrição de Tertuliano assemelha-se ao que ocorre em igrejas carismáticas de nossos dias. Montano e seus seguidores afirmavam receber de Deus revela- ções que complementavam a Palavra comunicada por Cristo e pelos 23 Ibid. 24 Ibid,, p. 78. O Caos CARISMÁTICO O Santo Sínodo Geral e Ecumênico de Trento... tendo sempre em vista o objetivo da remoção dos erros e da purificação do evangelho preservado na igreja — anteriormente prometida pelos profetas nas Sagradas Escrituras —, anun- ciado pela primeira vez por boca de nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, para ser pregado pelos apóstolos a toda criatura como fonte da verdade salvífica e da disciplina da conduta; percebendo que essa verdade e disciplina estão conti- das nos livros escritos e nas tradições não escritas — recebidos pelos apóstolos dos lábios do próprio Cristo ou pelos mesmos apóstolos mediante o ditar do Espírito Santo — foram passados de geração em geração até chegarem a nós; seguindo o exemplo dos Pais ortodoxos, este Sínodo recebe e venera, com afeição e reverência iguais e pias, todos os livros no Novo e do Antigo Testamento... e as mencionadas tra- dições... como procedentes dos lábios de Cristo ou do falar do Espírito Santo, em sucessão preservada e ininterrupta na Igreja Católica. De acordo com essa declaração, Deus tem supostamente conce- dido revelações por meio da Igreja Católica Romana, desde os dias do Novo Testamento. Das “tradições não escritas... passadas de geração em geração até chegarem a nós”, há um curto passo até à infabili- dade do papa, que, de acordo com o dogma católico, é o sucessor de Pedro. A teologia católica ensina que, ao pronunciar-se ex cathedra (como pastor e mestre de todos os cristãos), o papa o faz com auto- ridade apostólica absoluta e infalível. Dois exemplos de acréscimos “infalíveis” à Escritura e de tradição nos últimos anos são: Nabula papal de 8 de dezembro de 1854, intitulada Ineffabilis Deus (Deus inefável", Pio IX decretou solenemente que a “a bendita Virgem Maria foi, desde o primeiro momento de sua concepção, por graça singular e privilégio do Deus todo-poderoso, com vistas aos méritos de Cristo Jesus, o Salvador da raça huma- na, preservada imune de toda mancha do pecado original; [isso] foi revelado por Deus e, portanto, [deve ser] firme e totalmente crido pelos fiéis”. *" O último acréscimo à longa lista de doutrinas católicas... surgiu em 1º de 30 BETTENSON, Henry. (Ed.). Documents of the christian church. London: Oxford, 1963. p. 261. Ênfase acrescentada. 31 McBRIEN, Richard P. Catholicism. Oak Grove. Minn.: Winston, 1981. p. 880. 9% DEUS AINDA CONCEDE REVELAÇÕES? novembro de 1950, com um pronunciamento ex cathedra do papa Pio XII, do tro- no de São Pedro, de que o corpo de Maria foi ressuscitado do túmulo logo após sua morte e seu corpo e sua alma foram reunidos, elevados aos céus e entroni- zados como Rainha do Céu. A esse pronunciamento foi adicionada a advertência costumeira: “Todo o que, de agora em diante, duvidar ou negar esta doutrina, terá se afastado completamente da fé católica”. *? Esses dois decretos possuem dois pontos comuns. Primeiro, foram revelados à revelia da Escritura, como parte da “tradição” — revelações extrabíblicas. Segundo, os fiéis da Igreja Católica são admoestados a crer neles sem questioná-los, sob a ameaça de excomunhão. Uma vez que a doutrina católica dá ocasião a revelações adicio- nais que têm autoridade igual à da Escritura, ela é capaz de produzir um erro após outro, ao conceber ensinos não encontrados na Pa- lavra de Deus. Quando um grupo vai além da Escritura e permite a existência de outra fonte da verdade, as portas escancaram-se, e qualquer coisa pode passar por elas. O catolicismo acrescentou muitas tradições às Escrituras, como penitências, o purgatório, a infalibilidade papal, as orações pelos mortos e todo o sistema de sacramentos. Nada disso tem o apoio na Bíblia; mas são todos afirmados pelos fiéis católicos como verdade divina revelada por meio da igreja. Será que os carismáticos não têm estabelecido, de modo se- melhante, tradições particulares? Por exemplo, em vários círculos carismáticos, “cair no Espírito” é uma expressão comum. Quem “cai no Espírito” é derrubado, sem os sentidos ou em transe, pelo toque de algum suposto transmissor do poder divino. A prática pos- sui mais pontos comuns com o ocultismo do que com a Bíblia (ver Capítulo 7). 32 BOETTNER, Loraine. Roman catholicism. Philadelphia: Presbyterian & Refor- med, 1962. p. 162. O Caos CARISMÁTICO Conversei com um carismático que me disse: “Sim, é fundamen- tal cair no Espírito. Na verdade, não se deve passar mais do que duas ou três semanas sem ele”. Um ex-carismático disse-me não existirem limites. Às vezes, torna-se uma competição para saber quem “cai” mais frequentemente. Perguntei a um amigo carismático: por que você faz isso? Sua resposta foi: “Por que esta é a maneira como o poder de Deus vem sobre mim”. Que passagem bíblica afirma isso?, perguntei. Ele res- pondeu: “Bem, não há nenhuma passagem”. Nenhuma passagem bíblica? Então, onde achamos autorização para essa prática? Na tradição pentecostal? A metodologia católica romana e a carismática andam de mãos dadas neste ponto. Neo-ortodoxia A teologia neo-ortodoxa alega que a Escritura não é objetiva- mente a Palavra de Deus, mas tem o potencial de falar ao coração das pessoas em momentos significativos, quando essas lhe permitem. De acordo com a neo-ortodoxia, Deus jamais pretendeu falar por meio da Palavra; em vez disso, Ele se comunica de um modo pessoal, em revelações particulares, quando O encontramos. A neo-ortodoxia acredita que a Bíblia é um bom modelo e uma tes- temunha dinâmica, mas não é, de forma intrínseca, a Palavra de Deus. A Palavra deve ser consultada como uma aplicação. Ou seja, ela se toma Palavra de Deus apenas quando fala ao coração humano. À primeira vista, isso talvez pareça bom, mas existe um erro fatal. Este ensino relega total- mente a revelação divina ao âmbito da subjetividade. Abre a porta para que cada pessoa defina a verdade em termos individuais, transformando sen- timentos em regra absoluta. À semelhança do movimento carismático, a neo-ortodoxia procura encontrar a verdade na experiência humana. Norman Geisler e William Nix definem de modo claro o ponto de vista neo-ortodoxo:
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