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Guias e Dicas
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Gentil Lopes - ANÁLISE REAL (Com Espaços Métricos), Notas de estudo de Engenharia Elétrica

Gentil Lopes - ANALISE REAL (Com Espaços Métricos)

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 19/08/2017

adrianojpn
adrianojpn 🇧🇷

4.5

(32)

41 documentos

1 / 1137

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe Gentil Lopes - ANÁLISE REAL (Com Espaços Métricos) e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Elétrica, somente na Docsity! lim x → 0 x = 1 lim n→∞ ( 1− 1 n ) = 0 0, 999 . . . = 0 9 10 + 9 10 2 + 9 10 3 + · · · = 0 lim n→ ∞ ( 1 1 + 1 n ) = 0 s 0 1 2 1 X d(0, X) = 0 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C o n e x o p o r C a m i n h o s ! r 0 1 1 s A s B Análise Real (com espaços métricos) Gentil, o iconoclasta 2 0 1 7 Análise Real (com espaços métricos) Gentil, o iconoclasta 1a edição Boa Vista-RR Edição do autor 2017 Um aspecto relevante a ser ressaltado é quanto as demonstrações ma- temáticas. Existem autores que preferem as demonstrações mais curtas e elegantes; não é o meu caso, explico: para minha apreciação particular pre- firo as mais curtas e elegantes, não obstante, como autor, digo, quando estou transmitindo uma ideia ao estudante áı é diferente no sentido de que a de- monstração mais curta nem sempre é a mais didática e compreenśıvel ao aluno. Ademais, uma demonstração compacta não raro esconde (camufla) a interrelação dos conceitos envolvidos, muitas vezes não mostra como as ideias estão interconectadas (imbrincadas); assim é que, por exemplo, uma demonstração de apenas três linhas em livros congêneres, aqui deliberada- mente a fazemos até em uma página inteira − dando ênfase à articulação dos conceitos envolvidos. Concordo integralmente com o pensamento do matemático Chaitin, expresso a seguir Se uma prova é “elegante” , se for o resultado de duzentos anos de enjoado polimento, ela será tão inescrutável como uma direta revelação divina, e será imposśıvel adivinhar como alguém poderia tê-la descoberto ou inventado. Ela não lhe fornecerá nenhum insight, nada, provavel- mente nada em absoluto. (Gregory Chaitin/Metamat!) Uma outra justificativa é quanto a diagramação deste livro. Depois que minha Universidade trocou o giz pelo pincel não consegui me adaptar, assim é que hoje em dia utilizo bastante pdf’s de livros, projetando-os como slides; o presente livro foi escrito com este propósito, tanto é que existem páginas que são quase um slide; são duas as vantagens principais: nem o professor perde tempo escrevendo e nem o aluno perde tempo anotando − prestar atenção na explicação do professor é muito mais produtivo. Fazer a diagramação de um livro com textos, apenas, é fácil, dif́ıcil se torna quando existem muitas fórmulas, figuras e diagramas; ademais, uma complicação adicional aparece quando, por razões didáticas, devemos forçar que uma figura esteja “ao lado” da explicação correspondente; ou que o enunciado de um teorema não pule de uma página para outra, ou que − de preferência − o enunciado e a prova de um teorema estejam em uma única página (para efeitos de projeção, como slide). Não sou diagramador profissional, fiz o que pude tendo em conta todas estas variáveis. Por oportuno, posso afirmar que este livro − como encontra-se − é resul- tado de muitos anos de trabalho e dedicação, inclusive em muitas ocasiões deixei de ganhar “mais dinheiro” para me sobrar mais tempo para meditar e refletir sobre muitas questões (e resultados) aqui presentes − sem falar em sábados, domingos e feriados sacrificados −; pois bem, ele chegou em tuas mãos leitor, de graça (grátis), sem te custar um único centavo . . . o meu pedido é que sejas pelo ao menos razoável na hora de criticá-lo. Ademais, para escrever meus (vários) livros nunca tive nenhuma equipe me assessorando (contribuindo), é eu e eu mesmo! 4 Aproveito também este prefácio para chamar a atenção para um tópico que coloco em destaque no sumário deste livro: “Dois erros seculares cometidos pelos matemáticos” É isto mesmo! Há mais de dez anos venho tentando chamar a atenção para dois erros que os matemáticos vêm cometendo, já conversei com alguns deles (doutores, inclusive) mas estão fazendo “ouvidos de mercador”. Consta que “cientistas” contemporâneos de Galileu se recusaram a ob- servar os céus pela luneta para não verem a derrocada de suas crenças; outros tentaram refutar as conclusões de Galileu, como, por exemplo, de que a lua possuia crateras e o sol manchas solares . . . Engraçado, nunca imaginei que na matemática pudesse acontecer algo similar!. Veja bem, não estou dizendo que “semana que vem” − ou na próxima edição deste livro − mostro meus argumentos, não, eles encontram- se na página 309 deste livro para quem se dispuser a examinar, com a “mente livre”. O que estaria acontecendo? O que acontece é que é muito dif́ıcil, quase imposśıvel, que eminentes matemáticos tenham se equivocado − ao longo dos séculos − e que eu, um mero zé-ninguém, possa estar com a razão (contra todos eles) . . . Finalmente, permita-me também dizer que a história das ideias é, penso eu, o melhor meio de aprender matemática. Sempre detestei os compêndios. Sempre detestei livros cheios de fórmulas, livros secos, opiniões descoradas, sem personalidade! Os livros que eu amava eram livros em que transparece a personalidade do autor, livros com montes de palavras, explicações e ideias, não só de fórmulas e equações! (Gregory Chaitin/Matemático e cientista da conputação/Metamat!, p. 32.) Esse é um livro que “transparece a personalidade do autor, livro com montes de palavras, explicações e ideias, não só de fórmulas e equações! ” Gentil, o iconoclasta Boa Vista-RR, 08 de agosto de 2017. 5 FUNDAMENTOS |: Gio » DOS NUMERO NÚMEROS entil, o iconoclasta Disponível para [ —ebah ——T PasseiDicio T — Soibd ] Hodos oe fred do autor - | iiestgce.glS2VO | hlpsigoo.giHmouPT | Iúpsiigos g!CrUUAZ ogle Drive download em: ipsigoo.gl ips:ligoo gl ipsiigoo.gl hitps:ligoo giaBrogv gentiliconociastagigmail com 7 Derivada 647 7.1 A derivada de uma função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 649 7.2 A regra da cadeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 664 7.3 Máximos e Mı́nimos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673 7.4 Teorema do Valor Médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 681 7.5 Fórmula de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 694 7.6 Interpolação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 725 7.7 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 735 8 A Integral de Riemann 747 8.1 Definição da integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 749 8.2 Propriedades da integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 799 8.3 Teorema fundamental do Cálculo . . . . . . . . . . . . . . . . 809 8.4 Condições necessárias e suficientes para a integrabilidade . . . 817 8.5 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 847 9 Sequências e Séries de Funções 855 9.1 Convergência pontual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 857 9.2 Convergência uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 871 9.3 Importância da Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . 889 9.4 Séries de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 900 9.5 O Teorema de Arzelá-Ascoli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 906 9.6 O Teorema da Aproximação de Weierstrass . . . . . . . . . . 911 9.7 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 922 9.7.1 A Série Binomial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 932 • Apêndice: Uma função cont́ınua sem derivada em nenhum ponto 937 • Apêndice: Uma Curva de Preenchimento Espacial . . . . . . . . 946 9.8 Exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 982 10 A Curva de Peano e o Cubo Hipermágico 989 10.1 A curva de Peano no cubo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1018 10.1.1 O cubo hipermágico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1022 10.1.2 O universo esculpido em um palito de fósforo . . . . . 1028 • Apêndice: Produtos cartesianos infinitos . . . . . . . . . . . . . . 1033 11 Consultas 1045 11.1 Elementos de Lógica & Demonstrações . . . . . . . . . . . . . 1045 11.1.1 Operações Lógicas sobre Proposições . . . . . . . . . . 1046 11.1.2 Técnicas (Engenharia) de Demonstração . . . . . . . . 1050 11.1.3 Funções Proposicionais/Quantificadores . . . . . . . . 1058 11.2 Conjuntos, Funções e Famı́lia de conjuntos . . . . . . . . . . . 1064 11.3 Conjuntos Equipotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1081 11.3.1 Conjuntos Enumeráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . 1085 11.4 Relações binárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1094 9 10 Capı́tulo 1 Os Números Canônicos Não constituirá então uma vergonha para a Ciência estar tão pouco elucidada acerca do seu ob- jeto mais próximo, o qual deveria, aparentemente, ser tão simples? Menos provável ainda é que se seja capaz de dizer o que o número é. Se um conceito que está na base de uma grande ciência oferece dificuldades, inves- tigá-lo com mais precisão com vista a ultrapassar essas dificuldades é bem uma tarefa inescapável. (Frege/Os Fundamentos da Aritmética) Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848-1925) foi um matemático, lógico e filósofo alemão. Trabalhando na fronteira entre a filosofia e a matemática, Frege foi um dos principais criadores da lógica matemática moderna. Introdução Quando nos referirmos aos números canônicos teremos em mente os números naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, cujos śımbolos são: N, Z, Q, R, C respectivamente. Os entes (objetos) matemáticos evoluiram − e evoluem − ao longo do tempo. Por exemplo, isto aconteceu com o conceito de função, mas este já está fechado; digo, hoje existe unanimidade entre os matemáticos a respeito do que seja uma função, entretanto, o mesmo não aconteceu com o basilar conceito de número; em poucas palavras, ainda hoje os matemáticos não sabem o que é um número − da mesma forma que os biólogos não sabem o que é vida, se é que isto serve de algum consolo. 11 A Identidade de um Elemento Uma outra distinção que se faz necessária é quanto a natureza (identi- dade) de um elemento. Perguntamos: afinal de contas o par ordenado (3, 2) é um vetor ou um número complexo? Respondemos: o par ordenado (3, 2), por si só, não é nem uma coisa nem outra, é apenas um elemento do conjunto R2. Agora dependendo do contexto em que nos situamos, este elemento pode ser um vetor, um número complexo, ou ainda um número hipercomplexo. Se, por exemplo, o par ordenado (3, 2) estiver inserido na estrutura de espaço vetorial∗ ele será um vetor, se estiver sendo manipulado na estru- tura números complexos ele será um número complexo, e se estiver sendo manipulado dentro da estrutura “Hipercomplexa” será um número hiper- complexo. (ver fig., p. 13). Portanto, enfatizamos, é a estrutura que confere “dignidade” (identi- dade, status) a um elemento. Vejamos uma analogia. Xadrez: Suponhamos que desejamos jogar xadrez mas não dispomos das peças, apenas do tabuleiro. Não há o menor problema: feijão → Rei arroz → peões milho → torres ... ... ... podemos substituir as peças por cereais. Por exemplo, um caroço de feijão fará o papel de rei, os peões serão substituidos por grãos de arroz, as torres por caroços de milho, etc. Observe mais uma vez que é a estrutura que confere a “dignidade” (iden- tidade) de um elemento: um mero caroço de feijão de repente vê-se promo- vido a “rei” ao participar da estrutura xadrez. ≡ (equivalentes) ∗ Se estiver sendo operado segundo as regras que definem um espaço vetorial (p. 13). 14 Isomorfismo entre sistemas numéricos Isomorfismo: é uma palavra formada pelos radicais gregos iso, que sig- nifica “idêntico” e morfo, que significa “forma”. Formas idênticas. No contexto dos isomorfismos podemos mais uma vez apreciar a dife- rença entre conjuntos e estruturas. Dois objetos isomorfos são idênticos como estruturas, não obstante seus conjuntos subjacentes possam ter ele- mentos de naturezas distintas. Por exemplo, observe o conjunto das peças do xadrez,         A = e um conjunto formado por grãos de cereais (arroz, feijão, milho, etc.),         B = , , , . . . Como conjuntos A 6= B, já que têm elementos de naturezas distintas. No entanto, podemos jogar xadrez substituindo cada peça por grãos de cereais, como já assinalamos anteriormente. Portanto as duas estruturas (jogos) a seguir são equivalentes, ou isomorfas: A = (A, regras xadrez ) ≡ B = (B, regras xadrez ) Ou ainda, ... ... ≡ Veremos que é assim mesmo que acontece com os números na matemática − Ou com os sistemas numéricos (“conjuntos numéricos”). 15 1.1 Os Números Naturais Pouco a pouco, procuro liberar suavemente o esṕırito dos alunos de seu apego a imagens privile- giadas. Eu os encaminho para as vias da abstração, esforçando-me para despertar o gosto pela abstração. Enfim, acho que o primeiro prinćıpio da educação ci- ent́ıfica é, no reino intelectual, esse ascetismo que é o pensamento abstrato. Só ele pode levar-nos a dominar o conhecimento experimental. (Bachelard/A formação do esṕırito cient́ıfico) No nosso entendimento o maior obstáculo, até os dias de hoje, para a compreensão do que seja número reside no “apego a imagens privilegiadas” e que somente pelas “vias da abstração” é que encontraremos a sáıda. Já estive focando nesta questão dos números em alguns livros didáticos e, sinceramente, a sensação que me veio é que beira ao desrespeito ao estu- dante o modo como os números são apresentados em muitas destas obras. A t́ıtulo de contextualização vejamos dois exemplos de introdução dos números naturais. 1o ) Uma obra clássica∗ define assim os números naturais: Para todo conjunto x definimos o SUCESSOR x + de x como o con- junto obtido pelo acréscimo de x aos elementos de x; em outras palavras: x + = x ∪ {x }. Estamos agora prontos para definir números naturais. Não há outra alter- nativa, defini-se 0 como um conjunto com zero elementos; assim devemos escrever (como o fizemos): 0 = ∅. Se todo número natural deve ser igual ao conjunto de seus predecessores, não temos nenhuma outra escolha ao definirmos 1, ou 2, ou 3; devemos escrever: 1 = 0 + (= {0 }), 2 = 1 + (= {0, 1 }), 3 = 2 + (= {0, 1, 2}), etc. É isto o que eu considero um desrespeito ao estudante. Veja bem, não estamos aqui criticando a lógica do desenvolvimento, mas a apresentação. A pergunta que todos fazemos é: por que devemos aceitar que estes são números naturais?. Até este momento do desenvolvimento o autor não jus- tifica. ∗Halmos, Paul R. Teoria ingênua dos conjuntos. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2001. (p. 72) 16 Quais são as regras que definem os números naturais? Respondemos, os números naturais são definidos pelas seguintes regras (“jogo”): A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ N : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ N : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado PBO) : Todo subconjunto não vazio de naturais possui um menor elemento. N PBO significa “Prinćıpio da Boa Ordem”, o significado de ordenado está dado na página 1121. O que é mesmo um número natural? Respondemos: um número natural − não obstante o nome − não é “algo” que se encontra na natureza, é qualquer śımbolo que possa ser manipulado segundo esta lista de regras. Modelos numéricos para os naturais Todas as formas em que os números naturais podem se apresentar, sejam como conjuntos ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } }, . . . sejam como sequências binárias 0 0 0 0 0 0 . . . = 0, 1 0 0 0 0 0 . . . = 1, 0 1 0 0 0 0 . . . = 2, 1 1 0 0 0 0 0 . . . = 3 sejam como ideogramas chineses { { N= ... { 0 ... { 1 ... { 2 ... { 3 ... { 4 , , , , , . . . todos estes são tão somente modelos, isto é, as especificações do quadro amarelo podem ser implementadas em qualquer um destes conjuntos de śımbolos. 19 Podemos, alternativamente, ver um sistema numérico como um “sistema de processamento de informações ”, tal como um computador. Podemos di- zer que no quadro amarelo acima temos o software (conjunto de instruções) que caracteriza os números naturais. Na computação um mesmo software pode rodar em vários hardwares, (Software) - Um mesmo software (conjunto de instruções) pode rodar em hardwares distintos De modo análogo, o software de qualquer∗ “conjunto numérico” pode rodar em diversos “hardwares” (conjunto de śımbolos), resultando em diversos modelos para um mesmo sistema numérico; por exemplo, observe os naturais rodando em três hardwares distintos: N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } }, . . . } N = { 0 0 0 . . . , 1 0 0 . . . , 0 1 0 . . . , 1 1 0 . . . , 0 0 1 . . . } { { N= ... ... ... ... ... , , , , , . . . (Software dos Naturais) O que estamos chamando de “software dos naturais” é o conjunto de instruções que comparece no quadro amarelo da página 19. À pergunta: Por que este conjunto de instruções caracteriza (define) os números naturais? Respondemos: Porque isto é de consenso entre todos os matemáticos. Não esqueça que toda a Matemática é uma livre criação humana. ∗Refiro-me aos números canônicos. 20 1.2 Os Números Inteiros O fascinante é que, simples como são os números inteiros e os pri- mos, ainda assim é fácil propor questões diretas e claras a seu respeito que ninguém sabe como responder, e podemos dizer que nem mesmo da- qui a dois mil anos, nem sequer os melhores matemáticos do mundo, saberão! (Gregory Chaitin/Metamat!) Não é raro encontrarmos livros didáticos que, após exibir o conjunto Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } (1.1) como sendo os números inteiros, afirmarem que este conjunto está munido de duas operações (adição e multiplicação) satisfazendo um certo número de propriedades. Ora, mas o que faz dos inteiros serem os inteiros é justamente estas duas operações com as citadas propriedades; dizemos, estas (operações e propriedades) devem vir antes dos śımbolos na definição de número in- teiro. . . . “Apego a imagens privilegiadas”. De modo geral, podemos constatar que o mesmo abuso (estupro, pode- mos dizer) cometido na apresentação dos números naturais se repete para os números inteiros, e os demais. Ainda aqui valem objeções semelhantes às que fizemos antes, por exem- plo, podemos dizer que o conjunto de śımbolos dado em (1.1), é apenas um modelo − dentre muitos posśıveis − para os números inteiros. Por exemplo, dois outros são Zppppp p p p p p p 0 1 0 1 1 1 1 1 ... 0 0 1 1 1 1 1 1 ... 1 0 1 1 1 1 1 1 ... 0 1 1 1 1 1 1 1 ... 1 1 1 1 1 1 1 1 ... 0 0 0 0 0 0 0 0 ... 1 0 0 0 0 0 0 0 ... 0 1 0 0 0 0 0 0 ... 1 1 0 0 0 0 0 0 ... 0 0 1 0 0 0 0 0 ... 1 0 1 0 0 0 0 0 ... . . . . . . 0 1 2 3 4 5-1-2-3-4-5 os números inteiros azuis, Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . }, que são sequências binárias infinitas, e os números inteiros vermelhos . . . , , , , , , , , . . .{ }Z = ... ... ... ... ... ... ... que são ideogramas chineses. Todos estes conjuntos de śımbolos modelam a mesma estrutura (números inteiros). Nota: A rigor, estas são apenas representações binárias, um número inteiro é uma classe de equivalência. (p. 1107) 21 Nós assumimos o ponto de vista construtivo na matemática, assim é que definimos os números racionais através da seguinte lista de especificações: A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ Q : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ Q, ∃ − a ∈ Q : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ Q : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ Q∗, ∃ a−1 ∈ Q : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado Q Colocamos em destaque a principal propriedade algébrica que diferencia este sistema do anterior − números inteiros, ver p. 22. Com esta propriedade, que garante a existência de inverso multiplicativo, estaremos aptos a resolver, em Q, equações do tipo: ax = b, assim: a−1 (ax) = a−1 b ⇒ (a−1 a)x = a−1 b ⇒ 1 · x = a−1 b ⇒ x = a−1 b. Por oportuno, se alguém perguntar a você leitor o que é um número racional, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo acima e entregue-lhe. Um número racional é um śımbolo manipulado segundo estas regras. Não é suficiente defininir o que seja uma sereia. Para que uma definição seja de alguma utilidade em matemática, é necessário exibirmos pelo ao memos um exemplar da coisa definida. A pergunta é: teremos condições efetivas de exibir um “exemplar” de Q? De outro modo: o sistema numérico definido pelas especificações constantes no quadro amarelo acima é construt́ıvel? (posśıvel?). 24 Felizmente a resposta é pela afirmativa, a bem da verdade, podemos construir os números canônicos a partir do sistema mais primitivo dos números naturais, assim: N → Z → Q → R → C Aqui cabe uma observação: definimos os números naturais pelo quadro ama- relo que consta na página 19, perguntamos se não estamos definindo uma se- reia; digo, de fato existe um sistema numérico satisfazendo as especificações daquele quadro? Ainda aqui a resposta é pela afirmativa, podemos exibir vários modelos para os números naturais; por exemplo, podemos construir este sistema a partir do conjunto vazio∗ ∅ → N → Z → Q → R → C Neste caso os números naturais serão conjuntos. Podemos ainda construir este sistema a partir da sequência binária infinita 0000 . . . → N → Z → Q → R → C Neste caso os números naturais serão sequências binárias infinitas. Podemos ainda construir este sistema a partir do ideograma chinês → N → Z → Q → R → C ... Neste caso os números naturais serão ideogramas chineses†. N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } }, . . . } N = { 0 0 0 . . . , 1 0 0 . . . , 0 1 0 . . . , 1 1 0 . . . , 0 0 1 . . . } { { N= ... ... ... ... ... , , , , , . . . (Software dos Naturais)         A =         B = , , , . . . ∗Esta construção pode ser vista em livros de Teoria dos Conjuntos. †Como já afirmamos anteriormente, estas duas últimas construções encontram-se em nosso livro [10]. 25 1.4 Os Números Reais O nosso tratamento dos números reais será mais minucioso uma vez que este sistema é o fundamento da Análise Real, objeto deste livro. Ainda aqui o estupro continua . . . perdão, eu quis dizer, achamos um insulto ao estudante o modo como alguns autores introduzem os números reais. Vejamos, numa obra t́ıpica (Pena, Fernando; Miranda, Virǵınia. Te- oria dos Conjuntos. Coleção Ciência e Técnica- Lisboa: Instituto Piaget, 2006.) a definição de números reais. DEFINIÇÃO Um corte de Dedekind (esquerdo) é um subconjunto X de Q tal que: 1) X 6= ∅ e X 6= Q; 2) para quaisquer x, y ∈ Q, se x < y e y ∈ X, então x ∈ X; 3) X não tem máximo em Q. DEFINIÇÃO Um número real é um corte de Dedekind em Q e o conjunto dos números reais R é o conjunto de todos os cortes de Dedekind em Q. Logo depois desta definição o autor vomita na cara do leitor o seguinte: EXEMPLO √ 2 = {x ∈ Q : x < 0 ∨ x2 < 2 } é um corte de Dedekind em Q. Note-se que o conjunto satisfaz trivialmente as três propriedades anteriores. Perguntamos: por que √ 2 é igual a este conjunto? Não é verdade que “o conjunto satisfaz trivialmente as três propriedades anteriores.”. Perguntamos: por que um número real é um corte de Dedekind??! Per- guntamos, sendo assim por que um número real não pode ser uma torre do xadrez? uma sereia? um pato? ou uma galinha? por que não? Se nos permitem, só mais uma perguntinha: se por acaso um número real for uma galinha, podemos dizer que o pintinho é um número racional? inteiro? natural? ou seria mesmo um número complexo?. Ora pois, se um número é simplesmente um objeto (no caso corte de Dedekind) por que, reiteramos, ele é um tal tipo de objeto e não um outro? 26 Uma definição para números Introdução Vimos na página 11 que Frege (1848-1925) considerava uma vergonha para os matemáticos não saberem o que é número. Mas Frege faleceu em 1925, e hoje, os matemáticos sabem o que é um número? No já referido artigo do Prof. Adonai Sant’Anna, O que é um número?, ele escreve: Não existe, em matemática, uma definição universalmente aceita para esclarecer o que é, afinal, um número. Isto implica dizer que os matemáticos ainda hoje não sabem o que é número. O que me deixa pasmo é a passividade e resignação dos ma- temáticos frente a uma questão de tamanha relevância como esta. Per- guntamos: será que eles não se dão conta de que esta questão reverbera em muitas instâncias da matemática? Eu, particularmente, me recuso a ceitar a inexistência de uma definição para número, me sinto constrangido, envergonhado mesmo, com uma tal situação. Há muito tempo tenho elucubrado sobre esta questão. Enquanto os ma- temáticos não me dizem o que é um número vou propor uma definição em caráter provisório; esta definição estará valendo − para mim, pelo ao menos − até que algum matemático a substitua de modo satisfatório. Uma condição necessária Todos os números canônicos N → Z → Q → R → C e mais alguns números por mim pesquisados na internet, tais como: − Número Complexo Hiperbólico; − Números Surreais; − Números Bicomlexos; − Números Hipercomplexos-2D; − Números Tessarines; − Números Perplexos; − Números Quaterniões; − Números Octoniões; − Números Sedeniões. possuem um denominador comum: Duas operações, uma chamada de adição e outra chamada de multiplicação. Pois bem, este será o nosso ponto de partida para a definição de número. 29 Para iniciar, o que chamaremos de uma estrutura numérica é uma lista de propriedades envolvendo duas operações, uma chamada de adição e a outra de multiplicação. Por exemplo, a estrutura numérica que caracteriza os números naturais é: A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ N : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ N : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado PBO) : Todo subconjunto não vazio de naturais possui um menor elemento. N Como mais um exemplo, a estrutura numérica que caracteriza os números complexos é: A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ C : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ C, ∃ − a ∈ C : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ C : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ C∗, ∃ a−1 ∈ C : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c I ) ∃ a ∈ C : a2 = a · a = −1 C 30 Uma estrutura numérica deve ser implementada em uma lista de śımbolos. Um número é um śımbolo que faz parte de alguma estrutura numérica. Isto é o que chamamos de uma condição (apenas) necessária para que um śımbolo seja um número. Uma condição suficiente O matemático irlandês William Rowan Hamilton (1805-1865) ao perce- ber que os números complexos poderiam ser representados por pontos no plano, isto é, por pares ordenados (x, y) de números reais, teve a ideia de generalizá-los para pontos no espaço a três dimensões, isto é, para ternos ordenados (x, y, z) de números reais. Por nada menos que dez anos Hamil- ton procurou pelos números na terceira dimensão, sem lograr sucesso. Antes de conhecer esta história eu havia definido uma multiplicação de ternos (x, y, z) e criei os números que denominei de “Números hipercomple- xos 3D”∗. Muitos anos depois, me deparo com uma prova de que os números 3D − chamemo-los assim − são imposśıveis (p. 95). Analisando esta prova me dei conta de que ela assume a hipótese de que a multiplicação deve ser associativa e distributiva. De fato, a minha multiplicação de ternos não é nem associativa e nem distributiva. Aqui está a estrutura numérica. A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ H : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ H, ∃ − a ∈ H : a+ (−a) = 0 M1 ) ∃ 1 ∈ H : a · 1 = 1 · a = a M2 ) a · b = b · a M3 ) ∀ a ∈ H∗, ∃ a−1 ∈ H : a · a−1 = 1 HI ) ∃ a ∈ H : a2 = a · a = −1 e − 1 · a 6= −a. H-3D O que estaria acontecendo? É simples: para Hamilton que exigia as duas citadas propriedades, os números 3D não existem; para mim, que abri mão destas propriedades, os números 3D são uma realidade.† Conclusão: quem é e quem não é número na matemática passa a ser uma questão subjetiva. Perceberam por onde passa o problema para se definir número? ∗Ver página 103, inclusive aplicação. †Lembramos que o próprio Hamilton teve que abandonar a propriedade comutativa da multiplicação para criar os números quaterniões. 31 para citar apenas as principais. Um matemático de primeira linha, − L.E.J Brouwer (1881-1966) −, rejeitou um postulado bimilenar da lógica aristotélica (Prinćıpio do Ter- ceiro Exclúıdo), inclusive contrapondo-se à posição de outros eminentes ma- temáticos, a exemplo de David Hilbert (1862-1943). ∗ ∗ ∗ O segundo argumento para a rejeição do TEX [Lei do Terceiro Exclúıdo] que é objeto de nosso estudo é a noção de existência. As matemáticas construtivistas divergem da matemática clássica principalmente no que con- cerne a noção de existência, pois enquanto para esta última a existência de um objeto matemático é assegurada por uma realidade independente da mente, para os intuicionistas a existência de um objeto matemático só é posśıvel quando é analisada em termos de construções mentais, rejeitando a existência transcendental dos objetos matemáticos. Neste sentido “existe” é sinônimo de “pode ser constrúıdo”, e a exigência de uma construção men- tal para a afirmação da existência dos objetos matemáticos legitimaria a rejeição da validade do TEX para domı́nios infinitos de julgamento. [. . . ] Outra noção matemática reformulada pelo Intuicionismo, a fim de legi- timar a rejeição do TEX, é a noção de infinito. Para os intuicionistas, a concepção clássica do conceito de infinito estaria amparada na crença in- dubitável na validade do TEX. Pois na matemática Clássica o infinito é entendido como atual. Isto significa, em poucas palavras, que o infinito pode ser concebido como uma entidade completa, acabada: todos os seus elementos podem ser pensados num ato único, ou ainda, o infinito como objeto. A crença no infinito como totalidade acabada, como um objeto matemático, legitimaria o uso do TEX. A alegação de Brouwer é que a matemática clássica seria favorável ao TEX por tratar domı́nios infinitos usando o mesmo racioćınio usado em operação em domı́nios finitos. A fim de combater esta compreensão clássica, o Intuicionismo desenvolve sua noção matemática de infinito entendendo-o como potencial, ou seja, um processo através do qual um número cresce, impossibilitando a crença indubitável na validade universal do TEX, uma vez que seria humanamente imposśıvel verificarmos caso a caso um conjunto que está sempre a crescer. Desta forma, os intuicionistas afirmam a validade do TEX apenas para domı́nios finitos, devido a nossa capacidade de verificar neste caso se (A ∨ ¬A).∗ ∗FONTE: A Rejeição do Prinćıpio do Terceiro Exclúıdo e suas Consequências na Aritmética de Heyting/Jackeline Nogueira Paes. (Dissertação) 34 Dáı por que dizer-se que consciência e objeto são binômios in- separáveis, correlativos e complementares do que denominamos reali- dade. Real é aquilo que existe em uma (ou para uma) consciência e de acordo com a estrutura condicionada e condicionadora dessa mesma consciência. Procurar saber o que seja a realidade (o objeto de inves- tigação) independentemente da consciência e de nosso aparato cognitivo- senśıvel não tem sentido, pois precisamos da consciência para pensar nessa suposta “realidade independente”, que será sempre, à proporção que a pensamos, uma realidade para “uma” consciência, uma realidade pensada. (Marcelo Malheiros/A Potência do Nada, p. 22) Procurar saber o que seja “o objeto de investigação” − no nosso caso número − independentemente da consciência e de nosso aparato cognitivo- senśıvel não tem sentido, pois precisamos da consciência para pensar nessa suposta “realidade independente”. “Tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, é desprovido de natureza inerente própria, ou identidade, inde- pendentemente dos meios pelos quais seja conhecido. Objetos percebidos, ou entidades observáveis, existem em relação às facul- dades sensoriais ou sistemas de medição pelos quais são detectados − não de modo independente no mundo objetivo.” (Wallace, B. Alan/Dimensões Escondias) (Ver [11]) 35 Adendo: Toda a matemática é dependente de uma ECR O leitor não se escandalize por nossa definição de número levar em conta a ECR (“consciência”) do “observador”, vamos mais além: afirmamos que toda a matemática encontra-se na dependência de uma ECR. Enfatizamos: existir significa existir em relação (com respeito) a uma ECR (“consciência”) − esta afirmação vai além da matemática. De momento vamos nos valer apenas de uma analogia: Suponhamos, por hipótese de trabalho, que um meteorito atingisse a Terra e dizimasse todos os homens da face do planeta, exceto alguns bebês e alguma tribo ind́ıgena. Na cena a seguir vemos, ao centro, um tabuleiro com as peças do xadrez, à esquerda a suposta tribo ind́ıgena, à direita um bebê remanescente. Pergunto: nestas circunstâncias o xadrez terá desaparecido da face da terra? A resposta é um rotundo sim!, uma vez que o xadrez não se constitui nas peças propriamente mas em suas regras. (ver p. 14) Nota: Que um ind́ıgena e um bebê tenham o potencial para vir a jogar xadrez, não resta dúvida, mas a questão em foco não é esta; a questão é, reitero, o xadrez terá desaparecido? Lembramos, o xadrez se constitui por suas regras, não por suas peças. De igual modo, a matemática, em particular os números, se constitue por suas regras, não pelos śımbolos adotados. Tem mais: afirmamos que se, na suposta hecatombe, todos os livros de matemática ficassem preservados nas bibliotecas (ou nos computadores), ainda assim a matemática teria desaparecido da face do planeta. A razão é que faltaria uma mente (cérebro) para decodificar os śımbolos cons- tantes nos livros de matemática. Vejamos uma analogia, na figura ao lado vemos uma página de matemática escrita em chinês. Perguntamos: isto é matemática para o lei- tor? Tem algum significado? De igual modo acontece com um livro de matemática (em português) relativamente à ECR de um ind́ıgena e um bebê, isto é, não existe ali matemática nenhuma, é simples assim! 36 1.4.1 O sistema R é um corpo Considere todo o exposto nas seções anteriores como uma tentativa nossa de contribuir com o basilar conceito de número. Agora vamos nos deter no sistema dos números reais, haja vista que este sistema é a matéria prima da Análise Real, objeto deste livro. O sistema dos números reais é per- feitamente caracterizado como um corpo ordenado completo. Vejamos o significado de cada um destes conceitos. Um corpo K é um sistema algébrico no qual valem os seguintes axio- mas: A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ K : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ K, ∃ − a ∈ K : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ K : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ K∗, ∃ a−1 ∈ K : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c K = (K, +, ·) Na matemática existem infinitos exemplos de corpos, por exemplo, nos sistemas numéricos canônicos, temos: N → Z → Q → R → C ︸ ︷︷ ︸ Corpos Devido a existência do simétrico podemos definir a operação (x, y) 7→ x− y de subtração, como sendo x− y = x+ (−y). Devido a existência do inverso podemos definir a operação (x, y) 7→ x/y de divisão, como sendo x/y = x · y−1. O elemento neutro 1 é também conhecido por elemento identidade. Uma observação trivial, no entanto pertinente, é que o sinal “−”, em −a (quadro amarelo), não significa “negativo”, significa apenas oposto (aditivo). O śımbolo utilizado poderia ter sido um outro, por exemplo, ∀ a ∈ K, ∃ a′ ∈ K : a+ a′ = 0 39 Exemplo: Consideremos o conjunto Z2 = { 0, 1 } com apenas dois śımbolos. Vamos construir sobre este conjunto uma estrutura de corpo. Definindo a adição e a multiplicação como nas tábuas a seguir: + 0 1 0 1 0 1 1 0 · 0 1 0 1 0 0 0 1 A isto se acrescenta que todo śımbolo é ambiva- lente e até mesmo polivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de realidades diver- sas e mesmo contraditórias. (Léon Bonaventure) temos que Z2 = (Z2 , +, ·) é um corpo. (exerćıcio) Exemplo: Consideremos o conjunto Z5 = {0, 1, 2, 3, 4} no qual definimos a “adição” e “multiplicação” assim, x+ y = resto da divisão de x+ y por 5; x · y = resto da divisão de x · y por 5. Inicialmente observe que − devido ao Algoritmo da Divisão (p. 1124); ver lema 22, p. 1125 − estas operações estão bem definidas. Por outro lado, é fácil inferir que são comutativas e associativas. Observe as respectivas tábuas operatórias, + 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 1 2 3 4 0 2 3 4 0 1 3 4 0 1 2 4 0 1 2 3 · 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 0 0 0 0 0 0 1 2 3 4 0 2 4 1 3 0 3 1 4 2 0 4 3 2 1 Em Álgebra prova-se que o sistema algébrico (Z5 , +, ·) = Z5 é um corpo. O elemento neutro da adição é 0. O simétrico de cada elemento encon- tramos na própria tabela de adição. Veja: 0 + 0 = 0, 1 + 4 = 0, 2 + 3 = 0. O que significa dizer que usando a notação para oposto aditivo, adotada no quadro amarelo, podemos escrever: −1 = 4 e − 2 = 3. Aqui −1 e −2 não são negativos. O leitor saberia por quê?. O elemento neutro da multiplicação é 1. O inverso de cada elemento encontramos na própria tabela de multiplicação. Veja: 1 · 1 = 1, 2 · 3 = 1, 4 · 4 = 1. O que significa dizer que usando a notação para inverso multiplicativo, adotada no quadro amarelo, podemos escrever: 2−1 = 3 e 4−1 = 4. 40 Propriedades em um corpo Dos axiomas que caracterizam um corpo, decorrem − como corolário − muitas propriedades, por exemplo: Proposição 1 (Lei do cancelamento). Se x, y e z estão em K, e x+ z = y + z, então x = y. Prova: Por A4, há um elemento −z ∈ K, então, (x+ z) + (−z) = (y + z) + (−z) Assim, x+ ( z + (−z) ) = y + ( z + (−z) ) por A1 logo, x+ 0 = y + 0 por A4 Finalmente, x = y. por A2.  Nota: Em matemática existem muitas operações nas quais não valem a lei do cancelamento. Proposição 2 (O zero é elemento absorvente para a multiplicação). Qual- quer que seja x ∈ K, x · 0 = 0. Prova: Da igualdade 0 + 0 = 0, resulta x · (0 + 0) = x · 0 x · 0 + x · 0 = x · 0 por D) x · 0 + x · 0 = x · 0 + 0 por A2 x · 0 = 0 por Proposição 1.  Observe que não é trivial que x ·0 = 0 (você foi apenas programado para acreditar nisto), por exemplo, esta identidade, nos naturais vermelhos fica assim: · = que equivale a 1 · 0 = 0. Em um sistema algébrico (A, +, ·) um elemento não nulo a ∈ A diz-se um divisor de zero se existe b ∈ A, também não nulo, tal que a · b = 0. 41 1.4.2 O sistema R é um corpo ordenado Nos livros de Análise Real, os números reais são caracterizados por um conjunto de 12 axiomas, este número (excessivo, a meu ver) nos causa um certo desconforto, assim é que decidimos enfatizar a via construtiva destes números, por esta via necessitamos de um único axioma†. Neste subitem vamos nos ater especificamente a R e não a corpos em geral. Pois bem, definimos o sistema dos números reais R = (R, +, ·), pelo quadro a seguir: A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ R∗, ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado • Completo R = (R, +, ·) 0 → N → Z → Q → R → C Da perspectiva construtivista, chamamos as propriedades acima não de axiomas mas de “as especificaç~oes do sistema”. Veja p. 22. Desta perspectiva todas as propriedades deste quadro são demonstradas − nenhuma é assumida como axioma. Ademais, dependendo de quem seja o conjunto R, podemos ter vários modelos para o sistema dos números reais. No livro [10] construimos R por dois modelos: cortes de Dedekind e classes de equivalências de sequências de Cauchy, devido ao matemático Georg Cantor. Na página a seguir dizemos o que significa R ser ordenado. †O da indução para os números naturais: “Se zero possuir uma propriedade P, e se do fato de um número natural n qualquer possuir P, acarretar que o sucessor de n também possui esta propriedade, então todo número natural possui a propriedade P ”. 44 O significado de Ordenado está dado no quadro a seguir Ordenado 1a ) Ordem parcial: Definição 130, p. 1118. 2a ) Ordem total: Definição 133, p. 1120. 3a ) Compatibilidade com a Adiç~ao a ≤ b ⇔ a+ c ≤ b+ c 4a ) Compatibilidade com a Multiplicaç~ao a ≤ b e c ≥ 0 ⇒ a · c ≤ b · c Nota: Ao nos referirmos a um corpo ordenado temos em mente um corpo no qual existe (foi construida) uma ordem segundo este quadro. Positivo e Negativo Um das extensas “crises” na história da matemática − ao longo de milênios, podemos dizer assim − foi precisamente o entendimento do que fosse um número negativo. Descartes (1596 -1650) chamava de falsas as ráızes negativas de uma equação; Viete (1540 -1630) era mais radical: sim- plesmente rejeitava os números negativos. Um dos gigantes na matemática, Laplace (1749 -1827), certa feita profe- riu: “É dif́ıcil conceber que um produto de (−a) por (−b) é o mesmo que a por b ”. A estas alturas é desnecessário dizer que a causa principal da crise foi, mais uma vez, o “apego a imagens privilegiadas”. O que dificulta, não ra- ras vezes, o domı́nio dos conceitos na matemática − tais como número − é achar que estes encontram-se “fora da mente” do homem; como se es- tivessem “em algum lugar na natureza”, ou em algum lugar do Universo (“mundo das ideias”), como acreditava Platão e ainda acreditam os par- tidários do Realismo Matemático∗. Diante da revolução causada pela obra de Hankel, surge então a se- guinte indagação “seria posśıvel obter-se este ńıvel de compreensão sobre os números negativos, séculos antes?”. Se os antecessores de Hankel ∗O Realismo Matemático diz que a matemática é real, tem existência objetiva, como uma coisa. Nós, com nosso cérebro genial, descobrimos a matemática e criamos usos práticos para ela. Novos conceitos matemáticos seriam como espécies desconhecidas, só temos que encontrá-las e acrescentá-las à nossa caixa de ferramentas. (Publicação eletrônica) 45 dispusessem de um bom modelo capaz de sustentar as principais propri- edades sobre o conjunto dos números negativos, certamente a resposta para esta pergunta seria óbvia, sim. Porém a história mostrou que os dois principais modelos, comercial (d́ıvidas e bens) e geométrico (produto equivalente a área), possúıam falhas que de certo só serviram para des- nortear o racioćınio de grandes matemáticos que calcaram suas teorias sobre tais modelos. (Números Negativos: Uma trajetória Histórica/Publicação Eletrônica) [. . .] impotentes para ver os objetos cujas sombras não passam de sombras, ignoramos que elas são sombras e as tomamos por realidade. Esta impotência está ligada à passividade do esṕırito acostumado desde a infância a receber sem exames muitas crenças [. . .]. Ela revela a domi- nação dos interesses emṕıricos, prontos para afastar o interesse racional e para transformar a questão “o que é isso na verdade?”, em “o que é isso para mim?”. O verdadeiro apaga-se por trás do útil. (Simone Manon) Retomando, somente após estarmos de posse de uma ordem (quadro, p. 45) é que podemos definir (dizer) o que é positivo e o que é negativo. Definição 3 (Positivo e negativo). Um número real x é positivo se x > 0. • Se x < 0, então x é dito negativo. Teorema 1 (Tricotomia). Sejam x, y ∈ R, então uma e somente uma das possibilidades a seguir ocorre: x = y ou x < y ou x > y. Prova: Ver [10].  Corolário 1. Para todo x ∈ R há apenas três possibilidades: x = 0 ou x < 0 ou x > 0. Em função deste corolário é que podemos separar R nos três seguintes subconjuntos (disjuntos): R = R− ∪ { 0 } ∪ R+ Onde, R− = {x ∈ R : x < 0 } e R+ = {x ∈ R : x > 0 } Decorre da propriedade de compatibilidade com a multiplicação que R+ é fechado para a multiplicação. Isto vale em qualquer corpo ordenado. 46 Interregno cultural: O objetivo deste aparte é esclarecer em que sentido devemos entender as seguintes inclusões: N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C Como já vimos, uma estrutura é construida sobre um conjunto, por exemplo, R = (R, +, ·). Como conjuntos não é verdade que N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C porquanto estes conjuntos têm elementos de naturezas tão distintas quanto um caroço de feijão e um rei. ≡ (equivalentes no xadrez) Apenas para situar o leitor, compare os naturais em três versões N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } }, . . . } N = { 0 0 0 . . . , 1 0 0 . . . , 0 1 0 . . . , 1 1 0 . . . , 0 0 1 . . . } { { N= ... ... ... ... ... , , , , , . . . (Software dos Naturais) com os inteiros em duas versões (existem outras) Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } . . . , , , , , , , , . . .{ }Z = ... ... ... ... ... ... ... A inclusão entre estruturas se justifica porque em cada estrutura ob- temos um cópia da estrutura anterior. Nos inteiros, por exemplo, existe um subconjunto que podemos identificar com os naturais, estruturalmente falando, bem entendido − isto é, para efeitos do “jogo”.         A =         B = , , , . . . 49 Complementando, observe o diagrama a seguir: ([10]) N = { 0, 1, 2, 3, . . . } ϕ l l l l . . . Z̄ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } l l l l l l l. . . . . . Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } Dentro do modelo Z̄ dos inteiros existe uma cópia dos naturais; embaixo, Z é apenas uma notação simplificada para os “verdadeiros” números intei- ros, Z̄. Por sua vez, nos racionais encontramos uma cópia dos inteiros. Esta identificação é feita através de uma aplicação, da seguinte forma, Φ : Z Q n n1 ∴ Φ(n) = n1 Dizemos que o conjunto, (Φ satisfaz algumas condições) Φ(Z) = { n 1 : n ∈ Z } ⊂ Q é uma cópia algébrica de Z em Q. Identificamos Φ(Z) com Z. Assim como identificamos um número inteiro com a fração que tem por numerador este número inteiro e por denominador a unidade, podemos iden- tificar o número racional r com o número real r∗, esta identificação é feita através de uma aplicação, assim, (Ψ satisfaz algumas condições) Ψ : Q R r r∗ ∴ Ψ(r) = r ∗ Por exemplo, (ver [10]) p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 5 2 p2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 5 2 p2 ( 5 2 )∗ ∈ Rp−1p−2p−3p−4. . . Ψ Ψ(52) = ( 5 2) ∗ = { x ∈ Q : x < 52 } 50 Proposição 8 (Desigualdade de Bernoulli). Seja K um corpo ordenado. Se x ≥ −1, então (1 + x)n ≥ 1 + nx, para todo natural n. Prova: A prova se faz por indução sobre n, assim n = 1 =⇒ (1 + x)1 ≥ 1 + 1 · x X n = k =⇒ (1 + x)k ≥ 1 + k · x (H.I.) n = k + 1 =⇒ (1 + x)k+1 ≥ 1 + (k + 1) · x (T.I.) Multiplicando a hipótese de indução (H.I.) por (1 + x) obtemos (1 + x)k · (1 + x) ≥ (1 + k · x) · (1 + x) (1 + x)k+1 ≥ 1 + (k + 1)x+ kx2 ≥ 1 + (k + 1)x, que é a tese de indução (T.I.).  Intervalos Dados dois números a e b, com a < b, os seguintes conjuntos [ a, b ] = { x ∈ K : a ≤ x ≤ b } , ]−∞, b ] = { x ∈ K : x ≤ b } [ a, b [ = { x ∈ K : a ≤ x < b } , ]−∞, b [ = { x ∈ K : x < b } ] a, b ] = { x ∈ K : a < x ≤ b } , [ a, +∞[ = { x ∈ K : x ≥ a } ] a, b [ = { x ∈ K : a < x < b } , ] a, +∞[ = { x ∈ K : x > a } são chamados de intervalos. Os quatro intervalos da esquerda são limita- dos de extremos a e b. [ a, b ] é um intervalo fechado, [ a, b [ é um intervalo fechado à esquerda e aberto à direita, ] a, b ] é um intervalo aberto à es- querda e fechado à direita, ] a, b [ é um intervalo aberto. Podemos dar uma interpretação geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma: [ a, b ] a b [ a, b [ a b ] a, b ] a b ] a, b [ a b Os quatro intervalos da direita não são limitados: ]−∞, b ] é um intervalo ilimitado à esquerda e limitado à direita, ]−∞, b [ é um intervalo ilimitado à esquerda e limitado à direita, [ a, +∞ [ é um intervalo limitado à esquerda e ilimitado à direita, ] a, +∞ [ é um intervalo limitado à esquerda e ilimitado à direita. Podemos dar uma interpretação geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma: ]−∞, b ] b ]−∞, b [ b [ a,+∞ ] a a ] a,+∞ [ 51 (d) Sendo y 6= 0 vale x = y · x y e portanto, pelo ı́tem anterior: |x| = |y| · |x y |; desta desigualdade (e tendo em conta que |y| 6= 0, por ser y 6= 0) decorre que: ∣ ∣ ∣ ∣ x y ∣ ∣ ∣ ∣ = |x| |y| . (e) Temos |x| ≤ c ⇒ x ≤ c e − x ≤ c ( pois |x| = max{−x, x} ) ⇒ { x ≤ c x ≥ −c ⇒ −c ≤ x ≤ c. Reciprocamente, se esta última desigualdade se verifica, então x ≤ c e −x ≤ c, donde |x| ≤ c. (f) Basta por c = |x| e utilizar o ı́tem anterior.  As próximas desigualdades são utilizadas com bastante frequência: Proposição 10 (Desigualdade triangular). Se x e y são números quaisquer, então ∣ ∣|x| − |y| ∣ ∣ ≤ |x± y| ≤ |x|+ |y|. Prova: Utilizando os ı́tens (f) e (e) da proposição 9, obtemos −|x| ≤ x≤ |x| −|y| ≤ y≤ |y| − ( |x|+|y| ) ≤x+y≤ |x|+|y| =⇒ |x+y|≤ |x|+|y|. (e) + : Esta última desigualdade é conhecida como desigualdade triangular. Por outro lado, |x| = ∣ ∣(x− y) + y ∣ ∣ ≤ |x− y|+ |y| =⇒ |x| − |y| ≤ |x− y| |y| = ∣ ∣(y − x) + x ∣ ∣ ≤ |y − x|+ |x| =⇒ |y| − |x| ≤ |y − x| Sendo assim, temos    |x− y| ≥ |x| − |y| |y − x| ≥ − ( |x| − |y| ) =⇒ |x− y| ≥ ∣ ∣|x| − |y| ∣ ∣. Esta é a primeira desigualdade com o sinal menos. Para obter a desigualdade com o sinal mais, substituimos (nesta última desigualdade) y por −y.  54 Definição 5 (Distância em R). Sendo x e y números reais, chamaremos distância de x a y ao módulo da diferença x− y; a distância de x a y será designada pelo śımbolo d(x, y); sendo assim, por definição: d(x, y) = |x− y|. Segundo as proposições vistas para o módulo, assinalamos as seguintes propriedades para a distância entre números reais: (d1) d(x, y) ≥ 0 e d(x, y) = 0 ⇐⇒ x = y ; (d2) d(x, y) = d(y, x) ; (d3) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y). Esta última desigualdade é uma decorrência imediata da desigualdade triangular, assim: x− y = (x− z) + (z − y) ⇒ |x− y| = ∣ ∣(x− z) + (z − y) ∣ ∣ ⇒ ≤ |x− z|+ |z − y|. A distância d pode ser vista como a seguinte função: d : R× R −→ R (x, y) 7−→ |x− y| No próximo caṕıtulo estaremos generalizando a função distância para um conjunto arbitrário M , assim: d : M ×M −→ R (x, y) 7−→ d(x, y) Isto é, calcularemos a distância entre elementos de conjuntos arbitrários. 55 1.4.3 O sistema R é um corpo ordenado completo Agora veremos a última propriedade que caracteriza o sistema R, esta é precisamente a propriedade que o diferencia do sistema dos números racio- nais, e que torna posśıvel os números irracionais. A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ R∗, ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado • Completo R = (R, +, ·) Antes de enunciar a referida propriedade precisamos estabelecer alguns novos conceitos, é o que iremos fazer iniciando com: Supremo e Ínfimo Os conceitos de supremo e ı́nfimo são da máxima importância tanto no Cálculo quanto na Análise Real, como, ademais, em muitas outras áreas da matemática. O leitor não tenha a ilusão de ir muito longe na matemática sem uma perfeita compreensão destes conceitos. Antes definiremos: Definição 6 (Cota Superior/Cota Inferior). Seja K um subconjunto qual- quer de R. (i) Diz-se que um elemento µ ∈ R é cota superior de K se µ ≥ k para todo k ∈ K. (ii) Diz-se que um elemento ν ∈ R é cota inferior de K se ν ≤ k para todo k ∈ K. 56 Vejamos algumas aplicações do lema anterior: Exemplos: 1) Encontre o supremo de K = { x ∈ R : 0 < x < 1 } = ] 0, 1 [. Vamos mostrar que a cota superior µ = 1 é o supremo de K. Para tanto é suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que 1− ε < x. Para isto consideremos duas possibilidades: a) ε ≥ 1. Se ε ≥ 1 temos 1−ε ≤ 0. Neste caso, tomando por exemplo x = 1/2, resulta 1− ε ≤ 0 < x = 1 2 . b) 0 < ε < 1. Neste caso temos 0 < ε < 1 ⇐⇒ 0 > −ε > −1 ⇐⇒ −1 < −ε < 0 ⇐⇒ 0 < 1− ε < 1. ] [ 0 1 r ↑ 1−ε Vamos tomar, por exemplo, o ponto médio entre 1− ε e 1, isto é x = 1−ε+12 = 1− ε2 ] [0 1 r ↑ r ↑ 1−ε x e mostremos que este ponto satisfaz as duas condições desejadas: 1 a) x ∈ K. Pois 0 < 1− ε 2 < 1 ⇐⇒ 0 < ε < 2. e, por hipótese, ε < 1. 2 a) 1− ε < x. Pois 1− ε < 1− ε 2 ⇐⇒ ε > ε 2 . Resumindo: dado ε > 0 tomamos xε =    1 2 , se ε ≥ 1; 1− ε2 , se 0 < ε < 1. e teremos xε ∈ K e 1− ε < xε, o que prova que sup ] 0, 1 [= 1. 59 2) Mostre que supK = 1, onde K = { 1 2 , 2 3 , 3 4 , · · · , n n+ 1 , · · · } . Temos que nn+1 < 1 para todo n natural. Sendo assim 1 é uma cota superior de K. Consoante o lema anterior, dado ε > 0 devemos exibir um x ∈ K de modo que 1−ε < x. Ou ainda: para todo ε > 0 devemos encontrar n ∈ N de modo que 1− ε < n n+ 1 . Esta desigualdade é satisfeita para todo n natural se 1 − ε < 0 (ε > 1). Sendo assim consideremos 1− ε ≥ 0 (ε ≤ 1). Então, 1− ε < n n+ 1 ⇐⇒ (1− ε)(n + 1) < n ⇐⇒ n > 1− ε ε . Assim, dado ε > 0, escolhemos um natural nε > 1−ε ε e teremos 1− ε < nε nε + 1 . o que prova ser supK = 1. Proposição 11. Se µ for uma cota superior de K e µ ∈ K então µ = supK. Prova: Por definição de supK (e tendo em conta que µ é uma cota superior de K) podemos escrever x ≤ supK ≤ µ, ∀x ∈ K. Como, por hipótese, µ ∈ K temos em particular que µ ≤ supK ≤ µ, donde µ = supK.  A proposição que acabamos de provar nos permite obter alguns supremos a “olho nu”. Por exemplo, sup ] 0, 1 ] = 1. Porquanto 1 é cota superior de ] 0, 1 ] e pertence a este conjunto. Como mais um exemplo, consideremos, K = { 1 2 , 1 4 , · · · , 1 2n , · · · } Então, supK = 1/2. Isto se deve a que 12n ≤ 12 para todo n natural. Isto é, 1 2 é cota superior de K e pertence a K. 60 Definição 8 (́Infimo). Seja K um subconjunto qualquer de R. Se K é cotado inferiormente, uma cota inferior de K se diz ı́nfimo de K se é maior do que qualquer outra cota inferior de K. Em outras palavras: Um número ν ∈ R se diz ı́nfimo de um subconjunto K de R se satisfaz as duas condições: (i) x ≥ ν para todo x ∈ K; (ii) se λ é um número tal que x ≥ λ para todo x ∈ K, então ν ≥ λ. De fato, pela condição (i), ν é uma cota inferior de K, e pela (ii), ν é maior que qualquer outra cota inferior de K. O ı́nfimo ν de um subconjunto K de R, se existir, é único. De fato, se ν1 e ν2 são ı́nfimos de K, então ambos verificam as condições (i) e (ii) acima, logo ν1 ≥ ν2 e ν2 ≥ ν1 , donde ν1 = ν2 . Notação: Se ν for o ı́nfimo de K, escrevemos: ν = infK. A seguinte caracterização do ı́nfimo é útil em muitas situações: Lema 2. Seja K ⊂ R. ν = infK se, e somente se, ν for uma cota inferior de K e, dado ε > 0, existe k ∈ K tal que k < ν + ε. Prova: (⇒) Se ν = infK e ε > 0 então existe k ∈ K de modo que k < ν + ε. Vamos provar isto utilizando a técnica (T − 4) (p. 1053). Façamos H1 : ε > 0 ⇒ T: ∃ k ∈ K : k < ν + ε. H2 : ν = infK    H1 ∧ T̄ =⇒ H̄2 Suponha que não exista k ∈ K satisfazendo k < ν + ε. Isto é, suponha que k ≥ ν+ε para todo k ∈ K. Ora, se k ≥ ν+ε para todo k ∈ K, significa que ν+ε é uma cota inferior de K. Uma vez que ε > 0 temos que ν+ε > ν, logo não temos ν = infK (porquanto ν não é a maior das cotas inferiores de K). 61 Suponha, ao contrário, que supB < supA. Como supA é a menor das cotas superiores de A esta desigualdade implica que supB não é cota superior de A; logo existe x ∈ A de modo que x > supB. Como, por hipótese, A ⊂ B temos que x ∈ B e x > supB. Isto nos diz que supB não é uma cota superior de B. Absurdo!  A Propriedade Arquimediana de Q Definição 9 (Corpo arquimediano). Seja K um corpo ordenado. Dizemos que K é arquimediano se, dados a, b ∈ K, existe n ∈ N tal que n · a > b. Teorema 2. (i) O conjunto N ⊂ Q não é limitado superiormente; (ii) O ı́nfimo do conjunto X = { 1 n : n ∈ N } é igual a 0; (iii) Q é um corpo arquimediano. Prova: (i) Suponhamos, ao contrário, que N ⊂ Q é limitado superior- mente, isto é ∃ a b ∈ Q : a b ≥ n, ∀n ∈ N (1.4) Como, consideremos b > 0 (sem perda de generalidade), temos a, b ∈ Z∗+, isto é, a, b ∈ N∗. Sendo assim, b ≥ 1 e, assim, a ≥ ab . Se a > ab , como a ∈ N∗, encontramos uma contradição com (1.4). Se a = ab , então a+1 > a = ab e, como a ∈ N∗ resulta a+1 ∈ N∗ no que resulta novamente uma contradição com (1.4). Logo, N não é limitado superiormente em Q. (ii) Claramente, 0 é uma cota inferior de X. dado ε > 0, existe, pelo item (i) acima, um número natural n > 1ε , dáı, 1 n < ε, ou ainda, 1 n < 0 + ε, logo, pelo lema 2 (p. 61) (vale em Q) resulta que 0 efetivamente é ı́nfimo de X. (iii) Dados a, b ∈ Q, usamos o item (i) para obter n ∈ N tal que n > ba . Logo, n · a > b.  As três propriedades acima são equivalentes e valem não apenas em Q como, ademais, em todo corpo ordenado. No corolário a seguir reescrevemos a propriedade arquimediana para efei- tos de referências futuras, acrescentamos um item. Corolário 2. Se x, y ∈ Q, com x > 0, então (a) Existe n ∈ N de modo que n · x > y; (b) Existe n ∈ N de modo que 0 < 1 n < x; (c) Existe n ∈ N de modo que n− 1 ≤ x < n. 64 Prova: (c) A propriedade arquimediana nos assegura que existe um número natural n tais que x < n. Seja n0 o menor desses números naturais ∗. Então n0 − 1 ≤ x < n0 .  A reta racional é toda porosa Se observarmos a reta racional com uma “lupa suficientemente poderosa” haveremos de constatar que a mesma é toda porosa, isto é, com buracos por toda a parte. 1p 2p p0 − 1 2 1 2 − 5 2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . Vejamos um destes buracos mais de perto. Inicialmente observamos que uma simples equação tipo x2 = 2 não tem solução nos racionais. Ou ainda, a diagonal de um quadrado de lado unitário não pode ser expressa por um número racional. De fato, do teorema de Pitágoras decorre, 1 1 d =⇒ d 2 = 12 + 12 = 2 ⇒ d 6∈ Q. Os pitagóricos já tinham conhecimento de que: Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2. Este é o conteúdo da próxima pro- posição. ∗Estamos invocando o Prinćıpio da Boa Ordenação: “Todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento”. 65 Proposição 14. Se r ∈ Q então r2 6= 2. Prova: Utilizaremos a técnica (T − 3) (Redução ao absurdo, p. 1052) H =⇒ T ⇐⇒ ( H ∧ T̄ ) =⇒ f De fato, suponhamos que r = pq ∈ Q e que r2 = (p q )2 = 2. Podemos, sem perda de generalidade, supor p e q positivos e primos entre si (caso contrário podeŕıamos simplificá-los). Da última igualdade acima resulta p2 = 2 q2. Sendo 2 q2 um número par, p terá de ser par (porque o quadrado de um número ı́mpar seria ı́mpar), conseqüêntemente, q deverá ser ı́mpar, sob pena de possuir com p o divisor comum 2. E mais: já que p é par, poderá ser escrito sob a forma p = 2 k, para algum k inteiro. Sendo assim, teremos (2 k)2 = 4 k2 = 2 q2 =⇒ 2 k2 = q2, o que nos permite concluir que q é um número par. Portanto, q teria que ser ı́mpar e par, simultaneamente, o que é um absurdo.  Podemos concluir que a reta racional é “porosa” , isto é, possui buracos. Respaldados na proposição anterior construimos na figura a seguir um destes buracos, p p0 1 1d d Q O buraco assinalado foi obtido traçando-se um arco da circunferência centrada em 0 e raio igual à hipotenusa. 1p 2p p0 − 1 2 1 2 − 5 2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . ւ Nota: Observe que a “lupa suficientemente poderosa” nada mais é que a proposição 14. 66 Com efeito, seja q uma cota superior de α. Tomemos p = q − q2−22q , observe que, 0 < p < q ⇔ 0 < q−q 2 − 2 2q < q ⇔ 0 < 2q 2 − (q2 − 2) 2q < q ⇔ 0 < q 2 + 2 2q < 2 Ademais, p2 = ( q − q 2 − 2 2q )2 = q2 − 2q · q 2 − 2 2q + ( q2 − 2 2q )2 = 2 + ( q2 − 2 2q )2 > 2 Portanto, p < q e p2 > 2, como queŕıamos. Apenas a t́ıtulo de curiosidade observe que, o que garante a última desigualdade acima é que não temos q2 − 2 = 0, dáı a necessidade da proposição 14 (p. 66).  É o buraco, ou melhor, a ausência de supremo para o conjunto α p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 p2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 αp−1p−2p−3p−4. . . p2 p3 p4 . . . Q− α que impossibilita (torna imposśıvel) a resolução da equação x2 = 2 em Q. 1p 2p p0 − 1 2 1 2 − 5 2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . ւ A construção do sistema R dos números reais (ou ampliação do sistema Q dos números racionais) tem precisamente a finalidade de fechar todos os buracos da reta racional. 69 Teorema fundamental da Análise Matemática A importância do teorema a seguir, no sistema dos números reais, so- mente foi percebida − e perfeitamente compreendida − quase no fim do século XIX e, portanto, seu conteúdo não pode ser visto como intuitivo. Teorema 3 (Teorema do Supremo). Se X ⊂ R é um conjunto não vazio e limitado superiormente, então X tem supremo. Prova: Ver [10].  A importância desta propriedade dos números reais é que ela consegue “fechar” todos os (infinitos) “buracos” constantes na reta dos números ra- cionais − criando os números irracionais. A1 ) (a+ b) + c = a+ (b+ c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a+ 0 = 0 + a = a A3 ) a+ b = b+ a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a+ (−a) = 0 M1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M4 ) ∀ a ∈ R∗, ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b+ c) = a · b+ a · c • Ordenado • Completo R O teorema do supremo equivale à propriedade de ser “completo” do sistema de números reais. É esta pro- priedade que completa o sistema dos números racionais, acrescentando-lhe os números irracionais. Ou ainda, é esta propriedade que tráz à existência os números irracionais. Números Irracionais A existência de √ 2 O nosso objetivo agora será exemplificar como o teorema do supremo garante a existência de números irracionais. Vimos que a equação x2 = 2 não possui solução em Q, provemos que em R sim! Antes necessitamos da, A Propriedade Arquimediana em R Uma importante consequência do teorema do supremo é que o subcon- junto N dos números naturais não é limitado superiormente em R. Isto significa, em particular, que dado um real x, existe um número natural n que é maior do que x. Provemos isto: Proposição 15 (Propriedade Arquimediana). Para todo x ∈ R existe um natural n = nx tal que nx > x. Prova: Suponha que a tese não se verifica, isto é, para todo n natural ocorre n ≤ x. Sendo assim N é cotado superiormente. Pelo teorema do supremo existe µ = supN. Como µ − 1 < µ segue que µ − 1 não pode ser cota superior de N. Sendo assim existe um natural n0 satisfazendo n0 > µ − 1, então µ < n0 + 1. Como n0 + 1 é natural isto contradiz o fato de ser µ o supremo de N.  70 Corolário 3. Se x, y ∈ R, com x > 0, então (a) Existe n ∈ N de modo que n · x > y; (b) Existe n ∈ N de modo que 0 < 1 n < x; (c) Existe n ∈ N de modo que n− 1 ≤ x < n. Prova: (a) Pela proposição 15 existe um n ∈ N de modo que n > y/x, dáı n ·x > y. (b) Ainda pela mesma proposição existe um n ∈ N de modo que 0 < 1x < n, dáı 0 < 1 n < x. (c) A propriedade arquimediana nos assegura que existem números naturais n tais que x < n. Seja n0 o menor desses números naturais, então n0 − 1 ≤ x < n0 .  O ı́tem (c) acima, nos diz que todo real positivo situa-se entre dois naturais consecutivos. Como mais uma aplicação da propriedade arquimediana vamos provar a Proposição 16. Sejam a, b, ε ∈ R. Se ∀ ε > 0, a− ε ≤ b então a ≤ b. Prova: A prova será feita segundo a técnica (T− 1) (p. 1052). Assumindo a negação da tese, vamos mostrar que existe um ε > 0 de modo que a− ε > b. De fato, supondo a > b temos que a−b > 0. Pela propriedade arquimediana existe n0 natural de modo que 1 n0 < a− b. Tomemos ε = 1n0 . Então ε = 1 n0 < a− b ⇒ a− ε > b. o que contradiz a hipótese.  71 O número x ∈ R tal que x2 = 2 é denotado por √ 2. Observe que esta é apenas uma notação. Esta equação tem uma e só uma solução real positiva. Com efeito, supondo que existam duas soluções positivas a e b resulta: a2 = 2 e b2 = 2 ⇒ a2 − b2 = 0 ⇒ (a− b)(a+ b) = 0. Como a > 0 e b > 0, temos a+ b > 0, o que implica a− b = 0, logo, a = b. Os argumentos desenvolvidos no teorema 4 podem ser ligeiramente mo- dificados para provar que se a > 0, então existe um único b > 0 tal que b2 = a. Chamamos b de raiz quadrada positiva de a e denotamos por b = √ a ou b = a1/2. Utilizando o binômio de Newton (p. 1090) podemos demons- trar a existência de n √ a, a > 0 e n ∈ N. Enfatizamos, a t́ıtulo de curiosidade, o fato de que √ 2 é apenas uma notação para o número real x que tem a propriedade de que x2 = 2. En- tretanto, a bem da verdade, o śımbolo da “verdadeira” raiz quadrada de 2 difere do śımbolo √ 2, tanto quanto um caroço de feijão difere de um rei. ≡ (equivalentes no xadrez) Por exemplo, na construção do modelo dos reais pelo método de Dede- kind (cortes de Dedekind), observe a “cara” da raiz quadrada de 2. √ 2 = {x ∈ Q : x ≤ 0 } ∪ { x ∈ Q : x > 0 e x2 < 2 } Geometricamente temos, p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 p2 p3 p4 . . . Qp−1p−2p−3p−4. . . p0 p1 − 1 2 1 2 − 5 2 √ 2p−1p−2p−3p−4. . . No modelo dos reais pelo método de Cantor, a cara da raiz quadrada de 2 é mais assustadora ainda. (ver [10]) Brouwer tem como norma que toda definição seja construtiva, isto é, indique a maneira de obter os objetos definidos. [. . . ] Deste modo o intuicionismo afirma-se como uma forma de construtivismo de objetos matemáticos, onde a existência destes somente é posśıvel se for indicado um racioćınio mental que efetivamente nos permita aceder a eles. Portanto, o intuicionismo é também uma forma de anti-realismo. (Publicação eletrônica) 74 Interregno: A Matemática como arte e engenharia O matemático, como o pintor ou o poeta, é um desenhista. Se os seus desenhos são mais duradouros que os deles, é porque são feitos com ideias. (G.H. Hardy) Tenho enfatizado junto a meus alunos menos o aspecto utilitário da ma- temática, mas, sobretudo, sua vertente como arte e engenharia − tal como de fato ela é em sua essência. Assim como se desenvolve a sensibilidade para a música (ou outro tipo qualquer de arte) de igual modo desenvolve-se a sensibilidade para a matemática; digo, o enlêvo experimentado pelo artista também faz parte da experiência matemática. A verdadeira matemática conjuga arte com engenharia. No fluxograma a seguir Definição 6 (p. 56) Definição 7 (p. 57) Teorema do (p. 70) Supremo Propriedade Arquimediana (p. 70) Tricotomia (p. 46) x2 = 2 75 mostramos toda a engenhosidade necessária para a resolução da simples equação quadrática x2 − 2 = 0. As duas “caixas-pretas” no fluxograma indicam (muitos) outros resultados necessários, os quais não foram explici- tamente enunciados aqui. A construção dos números reais, de maneira lógica e fundamentada, só foi realizada no final do século XIX − Este é um caṕıtulo interessante na História da Matemática. Tendo em conta que até o ińıcio deste mesmo século os matemáticos não sabiam provar que (p. 43) (−1) · (−1) = 1 haveremos de concordar que a “resolução construtiva” da equação x2−2 = 0 foi um salto deveras vertiginoso. Laplace (1749 − 1827) com respeito a Regra de Sinais disse: “É dif́ıcil conceber que um produto de (−a) por (−b) é o mesmo que a por b”. De fato, pode-se afirmar hoje que, essencialmente, a consistência de toda a matemática existente depende da consistência do sistema dos números reais. Nisso reside a tremenda importância do sistema dos números reais para os fundamentos da matemática. (Howard Eves/Introdução À História da Matemática, p. 611) Engenharia Matemática: Assim como um engenheiro em eletrônica desenvolve e im- plementa seus sistemas eletrônicos de igual modo um matemático desenvolve e implementa seus sistemas matemáticos. Observe que uma é a perspectiva de quem projeta, outra é a do simples usuário. Na ma- temática acontece o mesmo: uma é a perspec- tiva de quem apenas a utiliza outra é a perspec- tiva daquele que projeta e implementa sistemas matemáticos. De outro modo: uma é a perspectiva da- quele que projeta e implementa um software computacional, outra é a do simples usuário deste software. Obviamente que não se necessita compreender o funcionamento de um celular (a ńıvel de hardware) para se usufruir de seus benef́ıcios, no entanto, com nossas observações, temos em mente estudantes de matemática − fu- turos professores −, estes sim, devem conhecer os “sistemas matemáticos” mais a fundo, a ńıvel de “hardware”. 76 Apenas para exibir mais um exemplo, o eminente Euler manipulava os números complexos sem ter uma efetiva compreensão do significado dos mes- mos (também os números negativos), veja como não estou exagerando: A ambivalência dos matemáticos do Século XVIII em relação aos números complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Ape- sar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma “Como todos os números conceb́ıveis são maiores ou menores do que zero ou iguais a zero, fica então claro que as ráızes quadradas de números negativos não podem ser inclúıdas entre os números posśıveis [números reais]. E esta circunstância nos conduz ao conceito de tais números, os quais, por sua própria natureza, são imposśıveis, e que são geral- mente chamados de números imaginários, pois existem somente na ima- ginação.” (Carmo, Manfredo Perdigão do, et alii, Trigonometria/Números complexos. Rio de Janeiro − IMPA/VITAE, 1992.) Perguntariamos a Euler se os outros números existem fora da imaginação. O outro ńıvel de resolução dos problemas matemáticos é oposto ao primeiro, é suficiente dizer que aqui existe um ńıvel de compreensão mais elevado. Processar śımbolos não é o mesmo que processar significado Um outro aspecto relevante que o aluno deve se dar conta é o de que, em matemática, processar śımbolos não é o mesmo que processar significados. É o que se dá com um número significativo de estudantes: processam (manipulam) śımbolos, mas não os significados por trás dos śımbolos. Uma analogia: o fato de alguém usar (operar) um controle remoto ou um celular não significa que este alguém compreenda como estes objetos funcionam, entre operar e compreender existe uma enorme distância. Um desafio a engenheiros e f́ısicos Apenas para contextualizar, sinceramente creio que nenhum engenheiro, ou f́ısico, é capaz de resolver a seguinte equação do primeiro grau: 2x+ 1 = 7 (1.7) tomando-se como conjunto universo os naturais, isto é, N = { 0, 1, 2, 3, . . . }. Claro, até por inspeção chega-se à solução correta: x = 3. Entretanto, quando digo resolver significa que, partindo-se da equação, deve-se chegar ao resultado x = 3. 2x+ 1 = 7 ⇒ · · · ⇒ x = 3 (?) E não apenas isto, mas também justificar (provar) todos os passos inter- mediários. Neste conjunto não contamos com oposto aditivo e inverso multiplicativo. 79 Apenas para situar o leitor − a respeito da não trivialidade desta equação − nos naturais vermelhos a mesma equação toma a forma: · + =x Saberia o engenheiro resolver esta equação? Sendo-lhe ensinado apenas as operações de adição e multiplicação neste conjunto. Os iniciantes não estão preparados para o verdadeiro rigor ma- temático; só veriam nisso vãs e fastidiosas sutilezas, perdeŕıamos nosso tempo se quiséssemos, cedo demais, torná-los mais exigentes. (Poincaré/A Ciência e a Hipótese) A calculadora HP PRIME resolve a equação 2x+1 = 7 em frações de segundos − Por sinal, equações muito mais complexas que esta. Um computador processa śımbolos mas não signi- ficado. O cérebro da maioria de indiv́ıduos que lida com a matemática apenas processa (manu- sea) śımbolos − tal como a HP PRIME. Quando, no ensino fundamental, o professor afirma que “mais vezes me- nos dá menos” e que “sinais diferentes, subtrai e dá-se o sinal do maior ” ele está simplesmente dando um comando de programação aos alunos; pro- gramando-os, tal qual um engenheiro programou a calculadora HP. Linguagens de programação de baixo ńıvel e de alto ńıvel Engenharia Matemática: As lingua- gens de programação podem ser classificadas em três tipos: − Linguagem de máquina (ou de baixo ńıvel): esta linguagem instrui a máquina com as operações fundamentais para seu fun- cionamento. Consiste na combinação de 0’s e 1’s para formar as instruções entend́ıveis pelo hardware da máquina. − Linguagem Assembly (ou mnemônica): É um derivado da linguagem de máquina e está formada por abreviaturas de letras e números chamados mnemônicos. − Linguagem de Alto Nı́vel: São aquelas que se encontram mais próximas da linguagem humana que da linguagem de máquina. 80 Esta é apenas uma analogia que pretendemos assinalar: A grande maio- ria de usuários da matemática − incluindo-se aqui engenheiros e f́ısicos − apenas processa śımbolos, como se programassem em uma linguagem de alto ńıvel, mais próxima do “entendimento humano”, digamos. Os ma- temáticos, que desenvolvem os sistemas matemáticos (numéricos, algébricos, topológicos, geométricos, etc.) trabalham em linguagem de baixo ńıvel. Por exemplo, no caso dos sistemas numéricos, vejamos alguns exemplos de como se passa da “linguagem de máquina” (ou de baixo ńıvel) para uma linguagem de alto ńıvel (“mais próxima da humana”): N = { ∅; { ∅ }; { ∅, { ∅ } }; { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } }; . . . }−→ −→ −→ −→ N = { 0, 1, 2, 3, . . .} LBN −→ LAN −→ Neste caso, o que estamos chamando de “linguagem de baixo ńıvel” (LBN) é o conjunto de śımbolos com os quais se implementa as especificações constantes no quadro amarelo da página 19. Zppppp p p p p p p 0 1 0 1 1 1 1 1 ... 0 0 1 1 1 1 1 1 ... 1 0 1 1 1 1 1 1 ... 0 1 1 1 1 1 1 1 ... 1 1 1 1 1 1 1 1 ... 0 0 0 0 0 0 0 0 ... 1 0 0 0 0 0 0 0 ... 0 1 0 0 0 0 0 0 ... 1 1 0 0 0 0 0 0 ... 0 0 1 0 0 0 0 0 ... 1 0 1 0 0 0 0 0 ... . . . . . . 0 1 2 3 4 5-1-2-3-4-5(LAN) → (LBN) → Z̄ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } l l l l l l l. . . . . . Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } (LBN) (LAN) Nos reais veja a raiz quadrada de 2 em linguagem de baixo ńıvel e em linguagem de alto ńıvel: { x ∈ Q : x < 0 ou x2 < 2 } −→ √ 2 São com os cortes de Dedekind (LBN) que se implementa (prova-se) todas as especificações do quadro amarelo da página 28. 81 Teorema 5 (Teorema dos intervalos encaixados). Seja [ a1 , b1 ], [ a2 , b2 ], . . . , [ an , bn ], . . . uma sequência de intervalos fechados, não-vazios e satisfazendo as duas se- guintes condições: (i) [ a1 , b1 ] ⊃ [ a2 , b2 ] ⊃ · · · ⊃ [ an , bn ] ⊃ · · · (ii) para todo ε > 0, existe um natural n tal que∗, bn − an < ε Nestas condições, existe um único número real µ que pertence a todos os intervalos da sequência; isto é, existe um único número real µ satisfazendo an ≤ µ ≤ bn , para todo natural n. Prova: Existência: Da figura seguinte (ou não) R[ [ [ p ↑ µ ] ] ] a1 a2 · · · · · · an · · · · · · bn b2 b1 s s s s s s extraimos o seguinte conjunto A = { a1 , a2 , a3 , . . . , an , . . . }. A é não-vazio e limitado superiormente, pois todo bn é cota superior de A. Assim, pelo teorema teorema 3 (p. 70), A admite supremo; seja µ tal supremo. Como µ é a menor cota superior de A, para todo natural n temos an ≤ µ ≤ bn Deste modo concluimos a prova da existência de um número pertencente a todos os intervalos da sequência. Unicidade: Para mostrar que nesta interseção não pode existir mais que um número iremos necessitar da hipótese (ii). Se ν for outro real tal que, para todo n, an ≤ ν ≤ bn teremos, para todo n, |µ− ν| ≤ bn − an Tendo em conta a hipótese (ii), obtemos para todo ε > 0, |µ− ν| < ε Logo, µ = ν.  ∗Ou seja: à medida que n aumenta o comprimento do intervalo [ an , bn ] tende a 0. 84 O sistema R é não enumerável Proposição 18. O intervalo unitário [ 0, 1 ] é não enumerável. (p. 1085) Prova: Suponhamos, ao contrário, que [ 0, 1 ] seja enumerável, assim: [ 0, 1 ] = {x1 , x2 , x3 , . . . } Construamos agora uma sequência de intervalos fechados I1 , I2 , I3 , . . . como descreveremos a seguir: Divida o intervalo [ 0, 1 ] em três partes iguais: p p 0 1 3 2 3 1[ 0, 1 3 ] [ 1 3 , 2 3 ] [ 2 3 , 1 3 ] •x1•x3•x2 Agora observe que x1 não pode pertencer a todos os três subintervalos acima (Se x1 é um dos extremos, então pode pertencer a dois dos subin- tervalos). Seja I1 = [ a1 , b1 ] um dos intervalos da figura tal que x1 6∈ I1 . Considere agora os três seguintes subintervalos fechados de I1 = [ a1 , b1 ]: [ a1 , a1 + 1/9 ] , [ a1 + 1/9, a1 + 2/9 ] , [ a1 + 2/9, b1 ] (1.8) p p 0 1 3 2 3 1[ 0, 1 3 ] [ 2 3 , 1 3 ] •x1•x3•x2 I1 1 3 2 3 p p 1 3 + 1 9 −→ ↑ 1 3 + 2 9 •x2 Isto é, dividimos I1 em três partes iguais. Do mesmo modo, seja I2 um dos intervalos em (1.8) com a propriedade de que x2 não pertence a I2 . E assim, prosseguimos indefinidamente. Deste modo obtemos uma sequência ( In ) de intervalos fechados e encaixados: I1 ⊃ I2 ⊃ I3 ⊃ · · · (1.9) tal que xn 6∈ In , para todo n ∈ N. Pelo Teorema dos intervalos encaixados, existe um número real y ∈ [ 0, 1 ] de modo que y pertence a cada um dos intervalos em (1.9). Sendo assim, temos y ∈ [ 0, 1 ] = {x1 , x2 , x3 , . . . } o que implica que existe um natural m de modo que y = xm . Assim, pela nossa construção y = xm 6∈ Im, e isto contradiz a conclusão anterior de que y pertence a qualquer intervalo em (1.9). Assim, nossa hipótese inicial, de que o intervalo [ 0, 1 ] é enumerável conduziu-nos a uma contradição. Portanto, [ 0, 1 ] é não enumerável.  85 Resumimos no fluxograma a seguir os resultados dependentes do teorema do supremo, veja: Teorema do (p. 70) Supremo Propriedade Arquimediana (p. 70) Intervalos Encaixados (p. 84) R é não enume- rável (p. 85) x2 = 2 Crise pitagórica 2300 anos (p. 73) O real é relacional Ainda que Bachelard tenha claramente percebido a primazia das relações sobre as substâncias que caracteriza as ciências naturais modernas e, talvez, até mesmo a lógica das visões de mundo modernas em geral – como pode ser visto no seu lema: “No prinćıpio era a relação” (Bachelard), Bourdieu recorre a Ernst Cassirer, o qual, em seu livro seminal Substância e Função, analisou brilhantemente a substituição da lógica aristotélica das substâncias por uma lógica funcional das relações gerativas que pode ser encontrada na matemática e na f́ısica modernas, bem como na geometria e na qúımica. Na medida em que a realidade dos objetos se dissolveu em um mundo de relações racionais, podemos de fato dizer, com Bachelard e Hegel, que “o real é racional” (Hegel), bem como, com Cassirer e Bourdieu, que “o real é relacional” (Bourdieu). (Grifo nosso) (“O real é relacional”: uma análise epistemológica do estruturalismo gerativo de Pierre Bourdieu/Publicação Eletrônica) Nota: Por nossa própria conta e risco generalizamos: Não apenas o real é relacional como, ademais, o abstrato também é relacional. Por exemplo, número é um conceito abstrato e é relacional − depende de uma estrutura. 86 Como dissemos, podemos ver os sistemas numéricos como sistemas de processamento de informações, compostos por duas partes: hardware e soft- ware. Por exemplo, os complexos podem serem vistos assim: C = (C, ρ ) Conjunto (hardware) Software(instruç~oes/quadro amarelo) Um hardware para os Complexos R2 0 r (x, y) O hardware que escolheremos para a implementação do sistema dos números complexos é o produto cartesiano R2 = { (x, y) : x, y ∈ R } de pares ordenados de números reais. No contexto dos números complexos é usual representa-se cada par ordenado (x, y) com o śımbolo z, isto é, z = (x, y). Operações As duas operações com as quais teremos condições efetivas de implemen- tar todas as especificações para os números complexos são dadas a seguir:    (a, b) + (c, d) = (a+ c, b+ d) (a, b) · (c, d) = (ac− bd, ad+ bc) Em nosso livro [10] provamos isto. A propriedade seguinte diferencia a álgebra complexa de todas as anteriores. Teorema 6 (Unidade imaginária). I ) ∃ z ∈ C : z2 = z · z = −1 Prova: Procuramos z = (x, y) satisfazendo, (x, y)·(x, y) = −(1, 0)⇔ (xx−y y, x y+y x) = (−1, 0)⇔ { x2 − y2 = −1 2xy = 0 Da segunda equação concluimos que x = 0 ou y = 0. Como x e y são números reais, concluimos da primeira equação que x = 0, logo, y = ±1. Portanto, existem dois números complexos satisfazendo a especificação do nosso “projeto” (construção dos números complexos), isto é, z = (0, 1) e z = (0, −1).  89 Unidade imaginária Vamos colocar em destaque um número complexo especial. Definição 11 (Unidade imaginária). Chamamos unidade imaginária e in- dicamos por i o número complexo (0, 1). Para a razão histórica do nome veja citação de Euler à página 79. Observe a localização geométrica deste número: C 0 ✉i = (0, 1) R R i2 = (0, 1) · (0, 1) = (−1, 0) = −1 Este número é praticamente onipresente na engenharia elétrica e na f́ısica, em particular na mecânica quântica, veja a equação de Schrödinger. − ℏ 2 2m ∂2Ψ(x, t) ∂x2 + V (x, t)Ψ(x, t) = iℏ ∂Ψ(x, t) ∂t i = (0, 1) Fractais Uma aplicação da álgebra dos números complexos dá-se na geração das imagens conhecidas como fractais, veja algumas: 90 Um novo hardware para rodar os complexos Agora vamos deduzir uma outra forma (indumentária) para a apre- sentação dos números complexos. Seja um número complexo arbitrário z = (x, y), temos: z = (x, y) = (x, 0) + (0, y) = (x, 0) + (y · 0− 0 · 1, y · 1 + 0 · 0) = (x, 0) + (y, 0) · (0, 1) Portanto, fazendo a identificação (a, 0) = a, obtemos: z = (x, y) = (x, 0) + (y, 0) · (0, 1) ↓ ↓ ↓ z = (x, y) = x + y · i Isto é: z = x+ y · i Sendo assim, todo número complexo z = (x, y) pode ser escrito sob a forma z = x+ y · i, chamada forma algébrica. Podemos utilizar o conjunto, C = { a+ bi : a ∈ R e b ∈ R } como um novo hardware (conjunto de śımbolos) para rodar (implementar) o sistema dos números complexos. De fato, adotando as seguintes definições a) igualdade: a+ bi = c+ di ⇔ a = c e b = d b) adição: (a+ bi) + (c+ di) = (a+ c) + (b+ d)i c) multiplicação: (a+ bi) · (c+ di) = (ac− bd) + (ac+ bd)i podemos implementar todas as especificações constantes no retângulo ama- relo da página 88. 91 Ademais, das duas equações abaixo: x2 + 1 = 0 (−1 · x+ x) · x + 1 = 0 Com o número i resolvemos apenas a primeira, ao passo que, com o número j resolvemos as duas. Operações As duas operações com as quais teremos condições efetivas de imple- mentar todas as especificações para os números hipercomplexos são dadas a seguir: (ver [10])    (a, b) + (c, d) = (a+ c, b+ d) (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d+ b |c| ), onde, na abscissa do produto, tomamos − se a c ≥ 0, tomamos + caso contrário. Provaremos agora uma importante propriedade do sistema H: Proposição 20. Para todo k ∈ R, e para todo w = (a, b) em H, a seguinte identidade se verifica: k · (a, b) = ( k a, |k| b ) = { (k a, k b), se k ≥ 0; (k a, −k b), se k < 0. Prova: De fato, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (k, 0) · (a, b) = ( k · a ∓ 0 · b, |k| · b+ 0 · |a| ) = ( k a, |k| b )  Desta proposição decorre um fenômeno que não ocorre em R ou em C. Corolário 4. Em H a seguinte identidade −1 · x = −x é falsa. Prova: De fato, tomando x = (0, 1), resulta, −x = −(0, 1) = (0, −1) −1 · x = (−1 · 0, | − 1| · 1) = (0, 1)  Nota: Mais uma vez perceba que se faz necessária a distinção entre conjunto e estrutura. Como elementos i = (0, 1) e j = (0, 1) são iguais, agora como números são distintos − as “regras do jogo” são distintas (quadros amarelos, pp. 88 e 92). 94 Apêndice Da impossibilidade de uma multiplicação no R3 Existe uma prova da impossibilidade dos números tridimensionais. Va- mos repetir aqui esta prova: A impossibilidade de um número complexo tri-dimensional. Examinaremos aqui o problema de introduzir uma multiplicação no espaço de três dimensões R3 de maneira que resulte uma generalização natural dos números complexos como pontos do plano (α, β) = α + β i, assim como estes são uma generalização natural dos números reais como pontos da reta sob a identificação (α, 0) = α. Em outras palavras, considerando os ternos ordenados de números reais (α, β, γ) com as identificações (α, 0, 0) = α e (α, β, 0) = α+ β i, e com as operações usuais de adição e multiplicação por escalares, a questão é: podemos definir uma multiplicação de vetores em R3 de modo que sejam válidos todos os axiomas de um corpo? Não é dif́ıcil mostrar que isto é imposśıvel. Com efeito, seja (α, β, γ) = α + β i + γ j (onde, é claro, j = (0, 0, 1)) e vamos supor que uma tal multiplicação está definida. Então podemos escrever i j = α0 + β0 i+ γ0 j onde α0 , β0 e γ0 são reais. Multiplicando ambos os lados por i à esquerda, obtemos −j = i2 j = i (i j) = i (α0 + β0 i+ γ0 j) = α0 i− β0 + γ0 i j. Substituindo agora i j por α0 + β0 i+ γ0 j, segue que (α0 γ0 − β0 ) + (α0 + β0 γ0 ) i+ ( γ20 + 1 ) j = 0, contradizendo o fato de que γ0 é real. Note que para chegar a uma contradição usamos apenas a associatividade e distributividade da multiplicação. Fonte: Bernardo Felzenszwalb. Álgebras de Dimensão Finitas. 12o Colóquio Bra- sileiro de Matemática. IMPA, 1979. 95 1.6 Exerćıcios 1) As provas das proposições seguintes devem se estribar apenas nos quatro primeiros axiomas de corpo − quadro amarelo p. 39 − e em proposições que já tenham sido previamente demonstradas. (i) se, para algum x ∈ K, x+ σ = x, então σ = 0. (ii) se x+ θ = 0, então θ = −x. (iii) −(−x) = x. (iv) −(x− y) = y − x; portanto −0 = 0. No exerćıcio (i) o leitor terá provado a unicidade do elemento neutro e no (ii) a unicidade do simétrico. 2) Neste exerćıcio utilize apenas axiomas de corpo e proposições que já tenham sido previamente demonstradas. (i) se z 6= 0 e z x = z y, então x = y. (ii) se x 6= 0, então x−1 6= 0 e (x−1)−1 = x (iii) se x y 6= 0, então x 6= 0, y 6= 0 e (x y)−1 = x−1 y−1. (iv) se x · u = x para todo x ∈ K, então u = 1. (v) se x · u = 1, então u = x−1. No exerćıcio (i) o leitor terá provado a lei do corte para a multiplicação. É importante atentar para o fato de que, numa igualdade destas, só podemos cancelar o fator comum aos dois membros quando sabemos, a priori, que este fator é não nulo − ou quando antepomos esta hipótese, numa eventual simplificação. Vejamos no que pode resultar uma displicência neste sentido: 3− 3 = 2− 2 3 · (1− 1) = 2 · (1− 1) 3 · (1− 1) = 2 · (1− 1) 3 = 2. 3) Se x ≤ y e y ≤ x prove que x = y. 4) Quando o Prof. Gentil (, o iconoclasta) afirma que os ideogramas chineses { { N= ... { 0 ... { 1 ... { 2 ... { 3 ... { 4 , , , , , . . . são números naturais, você acha que ele enlouqueceu? ou estaria apenas blefando? Prove sua afirmativa! 96
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