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Guias e Dicas
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bioenergetica EXCELENTE, Notas de estudo de Educação Física

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Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 08/09/2008

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luciano-cardoso-10 🇧🇷

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Baixe bioenergetica EXCELENTE e outras Notas de estudo em PDF para Educação Física, somente na Docsity! Bioenergética 1 BIOENERGÉTICA Paulo J. M. Santos1  Introdução  Sistema dos Fosfagénios  Glicólise  Oxidação  Funcionamento integrado dos sistemas energéticos  Principais conclusões da literatura acerca dos 3 sistemas energéticos  Calorimetria indirecta  Métodos de determinação do metabolismo aeróbio • Consumo Máximo de Oxigénio • Limiar Anaeróbio (LAN)  Referências 1 Professor associado da FCDEF-UP e regente da cadeira de Fisiologia Geral. Bioenergética 2 Introdução A Bioenergética constitui um dos principais blocos temáticos da Fisiologia, sendo essencialmente dedicada ao estudo dos vários processos químicos que tornam possível a vida celular do ponto de vista energético. Procura, entre outras coisas, explicar os principais processos químicos que decorrem na célula e analisar as suas implicações fisiológicas, principalmente em relação ao modo como esses processos se enquadram no conceito global de homeostasia2. A compreensão daquilo que significa “energia” e da forma como o organismo a pode adquirir, converter, armazenar e utilizar, é a chave para compreender o funcionamento orgânico tanto nos desportos de rendimento, como nas actividades de recreação e lazer. O estudo da bioenergética permite entender como a capacidade para realizar trabalho (exercício) está dependente da conversão sucessiva, de uma em outra forma de energias. Com efeito, a fisiologia do trabalho muscular e do exercício é, basicamente, uma questão de conversão de energia química em energia mecânica, energia essa que é utilizada pelas miofibrilas3 para provocar o deslize dos miofilamentos, resultando em acção muscular e produção de força. Para compreender as necessidades energéticas de qualquer modalidade desportiva, tanto a nível do treino como da competição, é importante conhecê-la profundamente. O sucesso de qualquer tarefa motora pressupõe que a conversão de energia seja feita eficazmente, na razão directa das necessidades energéticas dos músculos esqueléticos envolvidos nessa actividade. Será importante referir que o dispêndio energético depende de vários factores, entre os quais podemos referir a tipologia do exercício, a frequência, a duração e intensidade, os aspectos de carácter dietético, as condições de exercitação (altitude, temperatura e humidade), a condição física do atleta e a sua composição muscular em termos de fibras (tipo I e II). Referindo-se à avaliação da performance, alguns investigadores classificam as actividades em 3 grupos distintos - potência, velocidade e resistência (endurance) - aos quais associam um sistema energético específico, respectivamente, os fosfatos de alta energia, a glicólise anaeróbia e o sistema oxidativo. Como exemplos ilustrativos deste tipo de actividades podemos referir o lançamento do peso (potência), a corrida de 400m 2 Refere-se ao estado de equilíbrio no organismo com respeito a diversas funções e composições químicas dos líquidos e tecidos. É o conjunto de processos através dos quais se mantém o equilíbrio corporal. 3 Feixes de delicadas fibrilas longitudinais envolvidas por retículo sarcoplasmático e localizadas no interior de uma fibra muscular esquelética. As fibrilas são constituídas, essencialmente, por miofilamentos ultramicroscópicos espessos (miosina) e delgados (actina). Bioenergética 5 cedê-la para formar compostos de menor nível energético ou para ser utilizada, por exemplo, na contracção muscular. A grande função dos 3 sistemas energéticos é, precisamente, formar ATP para a contracção muscular, uma vez que o músculo esquelético é incapaz de utilizar directamente a energia proveniente da degradação dos grandes compostos energéticos provenientes da alimentação, como a glucose, os ácidos gordos (AG) ou os aminoácidos. A razão pela qual isso é impossível, tem a ver com o facto de só existir um único tipo de enzima nas pontes transversas de miosina - a ATPase – que só hidrolisa ATP. Por isso todas as outras moléculas energéticas têm de ser previamente convertidas em ATP, de forma a essa energia poder ser utilizada na contracção muscular. No entanto, nem toda a energia libertada pela hidrólise do ATP é utilizada na contracção muscular. De facto, apenas uma pequena parte dessa energia é utilizada no deslize dos miofilamentos, uma vez que a maior parte se dissipa sob a forma de calor. Aproximadamente 60-70% da energia total produzida no corpo humano é libertada sob a forma de calor. Mas este aparente desperdício energético assume-se como fundamental para que o ser humano se assuma como um organismo homeotérmico, i.e., um ser vivo com temperatura constante, permitindo-lhe funcionar 24h por dia, dado que o funcionamento enzimático está, em grande medida, dependente da temperatura corporal. Com efeito, a maioria do ATP gasto no metabolismo humano visa manter estável a temperatura corporal e não apenas assegurar energia para a contracção muscular, que representa apenas uma das vertentes da utilização desta molécula energética. Um exemplo do que afirmamos, pode facilmente ser constatado meramente observando o aumento da temperatura corporal que ocorre num indivíduo que realiza exercício e que resulta do facto dessa tarefa implicar uma maior degradação de ATP, logo uma inevitável formação acrescida de calor, conduzindo à activação dos mecanismos homeotérmicos de regulação localizados no hipotálamo. No entanto, convirá referir que apesar da extrema importância do ATP nos processos de transferência de energia, este composto não é o depósito mais abundante de ligações fosfato de alta energia na fibra muscular. Com efeito, a CP que também apresenta este tipo de ligações, encontra-se em concentração 4-5 vezes superior, sendo mesmo Bioenergética 6 possível aumentar as suas concentrações musculares através de suplementação ergogénica6 (de creatina) em 10-40%. As concentrações musculares de ATP e CP no músculo esquelético de um sedentário são de 6 e 28mmol/Kg músculo, respectivamente. Adicionalmente, as ligações de alta energia da CP libertam consideravelmente mais energia comparativamente às do ATP, cerca de 13 versus 11kcal/mole7 no músculo activo, respectivamente. A CP não pode actuar da mesma maneira que o ATP como elemento de ligação na transferência de energia dos alimentos para os sistemas funcionais da célula, mas este composto pode transferir energia em permuta com o ATP. Quando quantidades extras de ATP estão disponíveis na célula, muita da sua energia é utilizada para sintetizar CP formando, dessa maneira, um reservatório de energia. Deste modo, quando o ATP começa a ser gasto na contracção muscular, a energia da CP é transferida rapidamente de volta ao ATP (ressíntese do ATP) e deste para os sistemas funcionais da célula. Esta relação reversível entre o ATP e a CP pode ser assim representada: É importante referir que o maior nível energético da ligação fosfato de alta energia da CP, faz com que a reacção entre a CP e o ATP atinja um estado de equilíbrio, muito mais a favor do ATP. Portanto, a mínima utilização de ATP pelo fibra muscular utiliza a energia da CP para sintetizar imediatamente mais ATP. Este efeito mantém a concentração do ATP a um nível quase constante enquanto existir CP disponível. Por isso podemos designar o sistema ATP-CP como um sistema tampão8 de ATP. De facto, é facilmente compreensível a importância de manter constante a concentração de ATP, uma vez que a velocidade da maioria das reacções no organismo estão dependentes dos níveis deste composto. Particularmente no caso da actividade física, a contracção muscular está totalmente dependente da constância das concentrações intracelulares de ATP, porque esta é a única molécula que pode ser utilizada para produzir o deslize dos miofilamentos contrácteis. 6 Substância susceptível de potenciar a performance e que não é considerada dopante. 7 A energia nos sistemas biológicos mede-se em kcal. Por definição 1kcal equivale à quantidade de energia calorífica necessária para elevar em 1ºC a temperatura de 1kg de água a 15ºC. 8 Considera-se um tampão a mistura de um ácido com a sua base conjugada (sal) – ex: H2CO3/HCO3 - ou H2PO4 -/HPO4 2- - que quando presente numa solução reduz quaisquer alterações de pH que poderiam ocorrer na solução quando se adiciona a ela ácido ou alcáli CP + ADP + Pi CK ATP + C + Pi Bioenergética 7 Durante os primeiros segundos de uma actividade muscular intensa (ex: sprint), verifica-se que o ATP se mantém a um nível relativamente constante, enquanto as concentrações de CP declinam de forma sustentada á medida que este último composto se degrada rapidamente para ressintetizar o ATP gasto. Quando finalmente a exaustão ocorre, os níveis de ambos os substratos são bastante baixos, sendo então incapazes de fornecer energia que permitam assegurar posteriores contracções e relaxamentos das fibras esqueléticas activas. Deste modo, a capacidade do ser humano em manter os níveis de ATP durante o exercício de alta intensidade à custa da energia obtida da CP é limitada no tempo. Segundo vários autores, as reservas de ATP e CP podem apenas sustentar as necessidades energéticas musculares durante sprints de intensidade máxima até 15s. No entanto, dados mais recentes sugerem que a importância do sistema aláctico9 se situa para além dos 15s, tendo sido sugerido que continua a ser o principal sistema energético mesmo para esforços máximos com uma duração até 30s. Convirá ainda referir que, em situações de forte deplecção energética, o ATP muscular pode ainda ser ressintetizado, exclusivamente a partir de moléculas de ADP, através de uma reacção catalisada pela enzima mioquinase (MK). No entanto, na maioria das reacções energéticas celulares ocorre apenas a hidrólise do último fosfato do ATP, sendo bastante mais raras as situações em que ocorra a quebra do segundo fosfato. 9 Aláctico significa que não produz ácido láctico. ADP + ADP MK ATP + AMP Bioenergética 10 eficiente (a degradação total - aeróbia e anaeróbia - da molécula de glucose produz 36 a 38 ATP), é na realidade extremamente eficaz porque o músculo tem uma enorme capacidade de degradar glucose rapidamente e de produzir grandes quantidades de ATP durante curtos períodos de tempo. Claro que este processo conduz, inevitavelmente, à formação e acumulação de ácido láctico. esquelética. Em termos simples, pode definir-se fadiga como a incapacidade funcional de manter uma determinada intensidade de exercício. Bioenergética 11 Oxidação (Sistema Aeróbio) Vários autores consideram que, do ponto de vista energético, os esforços contínuos (cíclicos) situados entre 1 e 2min são assegurados, de forma semelhante, pelos sistemas anaeróbio (fosfagénios e glicólise) e aeróbio, o que significa que cerca de metade do ATP será produzido fora da mitocôndria e o restante no seu interior. No entanto, nos esforços de duração superior a 2min, a produção de ATP é já maioritariamente assegurada pela mitocôndria, pelo que esses esforços são apelidados de oxidativos ou, simplesmente, aeróbios. Com efeito, a produção de energia aeróbia na célula muscular é assegurada pela oxidação mitocondrial dos HC (glucose) e dos lípidos (AG), sendo pouco significativo o contributo energético proveniente da oxidação das proteínas (aminoácidos). Deste modo, as actividades físicas com uma duração superior a 2min dependem, absolutamente, da presença e utilização do oxigénio no músculo activo. Adicionalmente, também a recuperação após exercício fatigante é, essencialmente, um processo aeróbio, uma vez que sensivelmente _ do ácido láctico produzido durante o exercício de alta intensidade é removido por oxidação, enquanto os restantes 25% sofrem gluconeogénese15, voltando a formar glucose. Como já foi referido, no interior da fibra muscular esquelética existem organelos especializados designados por mitocôndrias que são responsáveis pelo catabolismo aeróbio dos principais compostos provenientes da alimentação, pelo consumo de oxigénio na fibra e pela homeostasia das concentrações celulares de ATP-CP. O termo oxidação refere-se à formação de ATP na mitocôndria na presença de oxigénio, i.e., à formação de energia aeróbia. Energia aeróbia significa a energia (ATP) derivada dos alimentos através do metabolismo oxidativo. Contrariamente à glicólise, que utiliza exclusivamente HC, os mecanismos celulares oxidativos que decorrem na mitocôndria permitem a continuação do catabolismo dos HC (a partir do piruvato), bem como dos AG (lípidos) e dos aminoácidos (proteínas). Apesar de já ter sido referido no ponto anterior, gostaríamos de voltar a recordar que dos 3 grandes grupos de compostos 15 Gluconeogénese é a formação de glucose a partir de precursores não glucídicos, i.e., compostos que não são HC, tal como o lactato, o piruvato, os aminoácidos e o glicerol. Este processo ocorre não apenas no fígado e rim, mas também no músculo esquelético, embora neste último caso o mecanismo ainda não esteja completamente esclarecido. Bioenergética 12 energéticos provenientes da alimentação, apenas os HC podem ser utilizados para produzir rapidamente energia sem recorrerem à utilização de oxigénio (glicólise), o que aliás acontece durante as actividades de intensidade máxima com uma duração entre 30s e 1min. A grande maioria das actividades do dia a dia são suportadas, na totalidade, pelo metabolismo aeróbio, sendo a oxidação mitocondrial dos ácidos gordos livres (AGL) a que assegura a maior parte do dispêndio energético muscular nas rotinas habituais. De facto, apesar de em repouso a produção energética ser assegurada em 40% pelos HC e em 60% pelos lípidos (fig.4), os gastos de glucose resultam, quase exclusivamente, do seu consumo pelo tecido nervoso. Efectivamente, em repouso o cérebro é o grande consumidor de HC do organismo, uma vez que é um tecido glucose-dependente, consumindo cerca de 5g de glucose por hora. Deste modo, nesta situação são os AGL a assegurarem a quase totalidade das necessidades energéticas musculares. Com efeito, um indivíduo sedentário pode passar vários dias sem ter necessidade de recorrer à glicólise muscular, a não ser, por exemplo, quando tem de correr mais de 30s para apanhar o autocarro para o emprego. Assim, as exigências do ponto de vista energético para actividades como dormir, caminhar ou, pura e simplesmente, estar sentado em frente a um computador, recorrem exclusivamente à produção energia aeróbica e mais especificamente ao catabolismo mitocondrial lipídico (ß-oxidação16 dos AG). Portanto, a maioria das nossas actividades rotineiras dependem da produção de ATP na mitocôndria na presença de oxigénio e não do metabolismo anaeróbio. O recurso mais acentuado aos fosfagénios e à glicólise implica outro tipo de actividades mais intensas. O impacto benéfico do exercício aeróbio sobre a saúde do indivíduo, tem sido referido em inúmeros trabalhos de investigação conduzidos ao longo das últimas décadas. Com efeito, muitos dos trabalhos que procuraram estudar as inter-relações entre a actividade física e a saúde, demonstraram claramente que o exercício regular de cariz aeróbio é susceptível de diminuir a taxa de mortalidade em sujeitos activos. De facto, os estudos epidemiológicos17 permitiram concluir que um indivíduo que faça actividade física regular, apresenta metade da taxa de mortalidade de um sedentário. Em grande medida devido às conclusões deste tipo de estudos, a inactividade física encontra-se, 16 A beta-oxidação constitui uma das fases do catabolismo dos AG e decorre na matriz mitocondrial, conduzindo à formação de componentes reduzidos (NADH e FADH2) e de acetil-CoA. Bioenergética 15 Funcionamento integrado dos sistemas energéticos Um aspecto fulcral na bioenergética, é a compreensão do funcionamento integrado dos 3 sistemas em termos de participação energética nos vários tipos de actividade física. Efectivamente, a acção destes sistemas ocorre sempre simultaneamente, embora exista a preponderância de um determinado sistema relativamente aos outros, dependendo de factores como a intensidade e a duração do esforço, a quantidade das reservas disponíveis em cada sistema, as proporções entre os vários tipos de fibras e a presença de enzimas específicas. A título meramente ilustrativo, gostaríamos de referir que, por exemplo, numa corrida de 100m planos, sensivelmente 80% do ATP produzido vem da degradação da CP, 15% da glicólise e 5% da oxidação (fig.2). Já numa corrida de 800m a produção de energia é assegurada em partes sensivelmente iguais pelos sistemas aeróbio e anaeróbios, enquanto numa corrida de 1500m a participação aeróbia sobe para cerca de 67% relativamente à anaeróbia (23% da glicólise e 10% dos fosfagénios). 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 10 30 50 70 90 11 0 13 0 15 0 17 0 19 0 21 0 23 0 tempo (s) co n tr ib u to e n er g ét ic o ( % ) aeróbio láctico aláctico 100m 200m 800m 1500m400m Figura 2. Contributo energético (%) dos vários sistemas em função do tempo de esforço (s). Na figura é claramente visível que os fosfagénios representam o principal sistema energético para esforços de intensidade máxima até 30s. Já a glicólise assume o papel preponderante nos esforços máximos entre 30s e 1min, produzindo cerca de 40% da energia total dispendida. A oxidação passa a assegurar mais de 50% do dispêndio energético quando os esforços têm uma duração superior a 2min. As linhas tracejadas verticais ilustram o contributo individual de cada sistema relativamente a algumas provas de corrida. Mas, independentemente, do contributo energético de cada sistema poder variar em função do tempo de competição, a ideia a reter é a de que todos os sistemas energéticos participam sempre integradamente e nunca de forma isolada. Um exemplo do que Bioenergética 16 afirmamos, é a constatação de que mesmo numa prova de velocidade pura, como é o caso dos 100m planos, cerca de 5% do ATP é produzido mitocondrialmente. Um outro aspecto fundamental, é a compreensão de que os vários sistemas apresentam potências energéticas distintas (quadro 2), i.e., capacidades diferenciadas para formar ATP por unidade de tempo (kcal/min). Com efeito, o primeiro sistema apresenta mais do dobro da potência da glicólise e quase quatro vezes a potência da oxidação, razão pela qual é o preferencialmente utilizado nos esforços de intensidade máxima e de curta duração. Potência (kcal/min) Capacidade (kcal disponíveis) Factor limitativo Fosfagénios 36 11 Rápido esgotamento reservas Glicólise 16 15 Acidose induzida pelo ácido láctico Oxidação 10 167280 Capacidade de transporte e utilização O2 Quadro 2. Comparação dos sistemas energéticos em termos de potência, de capacidade e do principal factor limitativo. O sistema dos fosfagénios apesar de ser o mais potente é o de menor capacidade, enquanto se verifica exactamente o oposto relativamente à oxidação (Brooks et al. 2000). Já quando nos referimos à capacidade de cada sistema (kcal disponíveis), temos de ter em consideração as reservas energéticas que cada sistema disponibiliza. Deste modo, apesar do primeiro sistema ser claramente o mais potente (36kcal/min), i.e., o que mais rapidamente permite ressintetizar ATP, é também, simultaneamente, o de menor capacidade (11kcal), uma vez que as reservas de CP são extremamente limitadas (28mmol/Kg músculo). Comparativamente com o terceiro sistema, verifica-se exactamente o oposto, dado que apesar de ser o menos potente (10kcal/min), é o que claramente apresenta maior capacidade (167280kcal), em grande medida devido às enormes reservas de triglicerídeos existentes no tecido adiposo (141000kcal), que constituem um substrato energético quase inesgotável para a oxidação mitocondrial (quadro 3). No entanto, embora as mitocôndrias sejam, indiscutivelmente, em termos absolutos, o principal local de formação de energia na célula, estes organelos não conseguem dar resposta às necessidades energéticas musculares durante os esforços de intensidade máxima com uma duração até 1min, precisamente devido à sua baixa potência em termos formação de ATP. Reservas Energia disponível (kcal) Glicogénio muscular 2 000 Glicogénio hepático 280 Bioenergética 17 TG tecido adiposo 141 000 Proteínas corporais 24 000 Quadro 3. Estimativa da energia total disponível (kcal) nos principais reservatórios do organismo. Em termos globais, as reservas de lípidos superam em mais de 60 vezes as reservas de glicogénio e em cerca de 6 vezes as de proteínas (Brooks et al. 2000). Assim, cada sistema apresenta uma série de condicionalismos específicos que limitam o seu papel enquanto fonte energética, circunscrevendo-o a determinados tipos de actividade física para os quais surgem como os mais adequados. Nesta perspectiva, o primeiro sistema é claramente limitado pelas escassas reservas musculares de CP, o que acaba por delimitar o seu papel aos esforços máximos até 30s. Durante um sprint prolongado até à exaustão, as concentrações de ATP mantêm-se relativamente estáveis até aos 10s (quebra de apenas 15-20% nos 2s iniciais), momento a partir do qual quebram acentuadamente, sensivelmente quando a deplecção da CP atinge 75-85% dos valores de repouso. No entanto, convém referir que, mesmo em condições extremas de exercício, nunca se verifica uma deplecção total do ATP, isto apesar de já terem sido descritas diminuições de 30-40% nas suas concentrações musculares. Já, em contraste, é possível verificar-se uma deplecção quase completa das reservas de CP no final de um sprint. O segundo sistema apresenta como principal factor limitativo a acidose celular que resulta da produção e rápida dissociação do ácido láctico, um produto secundário inevitável da actividade da própria glicólise. Com efeito, este é um dos ácidos mais fortes produzido no nosso organismo e, como se dissocia rapidamente, liberta uma grande quantidade de hidrogeniões (H+) que induzem fadiga, principalmente pelo facto de inibirem a PFK21 (fosfrutoquinase), a principal enzima alostérica no controlo da glicólise. No entanto, os efeitos da diminuição do pH são múltiplos e não se limitam apenas ao bloqueio da glicólise, interferindo igualmente com a contracção muscular (deslocando o Ca2+ da troponina C), estimulando os receptores de dor, promovendo náusea e desorientação, diminuindo a afinidade do O2 pela hemoglobina e também a taxa de lipólise adiposa. Felizmente que tanto as células como os fluídos corporais, possuem tampões, como o bicarbonato (HCO3 -) ou as proteínas celulares, que minimizam os efeitos do H+. Sem estas substâncias tampão, a libertação e acumulação de hidrogeniões baixaria o pH para cerca de 1.5, matando as células. Deste modo, por Bioenergética 20 activação mais rápidos26 e um menor consumo relativo de O2, o que permite assegurar uma maior produção de ATP por unidade de tempo em função do O2 disponível nos tecidos activos27. Um dos factores que contribui para a mobilização mais rápida dos HC, é o que resulta do facto do início da sua degradação até piruvato (glicólise) ser anaeróbia, decorrendo fora da mitocôndria, o que implica um número inferior de reacções. O catabolismo das proteínas e aminoácidos desempenha apenas um papel secundário nos esforços aeróbios, podendo assegurar um máximo de 5-10% do dispêndio energético total durante o exercício prolongado. No entanto, se durante o exercício mais intenso o glicogénio é o substrato energético preferencial, tal já não se verifica em repouso, uma vez que nesta situação já não existe uma disponibilidade limitada de O2, o que torna claramente vantajoso utilizar AG em vez de glucose. Esta é, aliás, a razão porque temos reservas de lípidos cerca de 70 vezes superiores às de HC, porque efectivamente 1g de lípidos liberta mais do dobro da energia comparativamente a 1g de HC. O quadro 4 resume e sistematiza as principais características dos três sistemas energéticos, referindo para cada um, a duração do esforço, o tipo de actividades em que estão maioritariamente envolvidos, indicando exemplos de eventos desportivos que recorram preferencialmente a esse sistema, a localização das enzimas intervenientes, bem como a velocidade de activação do processo, o substrato utilizado e a dependência ou não do O2. Características Fosfatos alta energia Glicólise anaer. Sistema oxidativo Tipo de actividade Potência Velocidade Endurance Duração do esforço 0 – 30s 30s-1min >2min Evento desportivo Sprints; Lançamentos; Saltos corrida 400m; nado 100m livres corridas 5-10km; maratona Localização enzimas Citosol Citosol Citosol e mitocôndrias Localização substrato Citosol Citosol Citosol, sangue, fígado e tecido adiposo Velocidade de activação do processo Imediato Rápido Lento mas prolongado Substrato utilizado ATP e CP Glucose; glicogénio glicogénio muscular e hepático e glucose; lípidos musculares, adiposos e sanguíneos; aminoácidos musculares, hepáticos e sanguíneos Presença de O2 Não Não Sim Quadro 4. Principais características dos três sistemas energéticos (Brooks et al. 2000). 26 A maior ou menor rapidez de activação dos sistemas energéticos prende-se com o número de reacções que têm que se desencadear até à obtenção de ATP. 27 A energia libertada pelos lípidos é de 5.6ATP por cada molécula de O2, comparativamente aos 6.3ATP/O2 libertados pelo HC. Bioenergética 21 Deste modo, durante os esforços sub-máximos de longa duração, o catabolismo oxidativo dos HC é o principal fornecedor de energia, no entanto, como o músculo tem concentrações reduzidas de glucose, a maioria do potencial energético provém da degradação do glicogénio28. Contudo, sempre que se verifica uma deplecção acentuada do glicogénio muscular com a inevitável quebra no rendimento, o exercício sub- máximo passa a ser prioritariamente assegurado pela mobilização dos AGL (apenas a baixas intensidades) e pelo glicogénio hepático. Nesta perspectiva, os eventos de endurance e a qualidade da performance são fortemente condicionados pela deplecção selectiva do glicogénio nas fibras musculares activas. O treino de longa duração aumenta a capacidade muscular de oxidação do piruvato e dos AGL, através do aumento da densidade mitocondrial29, do aumento da actividade e concentração das enzimas oxidativas, bem como da capilarização da musculatura treinada. Este tipo de adaptações musculares, conjuntamente com uma elevada percentagem de fibras tipo I e os aumentos observados na concentração da LDH-H30 com este tipo de treino, permitem explicar a capacidade acrescida destes atletas para remover o lactato do organismo31. Adicionalmente, se considerarmos que várias investigações sugerem que este tipo de treino pode ainda diminuir, de forma acentuada, a produção de lactato, por diminuição da concentração de algumas enzimas glicolíticas (ex: PFK e LDH-M), então começa a ser possível entender como os maratonistas de elite são capazes de correr mais de 2h a velocidades superiores a 20km/h e com lactatemias próximas dos valores de repouso (entre 2-3mmol/l). Este tipo de treino parece igualmente aumentar o conteúdo muscular de mioglobina32, facilitando o transporte do oxigénio da membrana celular até às mitocôndrias. 28 As reserves de glicogénio, no fígado e no músculo esquelético, estão limitadas a 2280kcal, o que representa, aproximadamente, a energia necessária para correr cerca de 32km. 29 As mitocôndrias do músculo esquelético aumentam, tanto em tamanho como em número, com o treino aeróbio, providenciando ao músculo um metabolismo oxidativo muito mais eficiente. Estudos em que indivíduos não treinados foram submetidas a treino aeróbio (por ex: 5 unidades de treino semanal de 50min de corrida contínua) durante períodos entre 4-5 meses, evidenciaram aumentos da densidade mitocondrial de 100-120%. 30 A LDH (lactato desidrogenase) é uma enzima glicolítica que apresenta duas fracções distintas: a fracção muscular (M) e a fracção cardíaca (H). De ambas as fracções, a LDH-H é a que apresenta uma menor afinidade pelo piruvato, logo a que tem menor actividade catalítica. 31 A teoria do “shuttle do lactato” de George Brooks baseia-se na ideia de que o lactato é, essencialmente, produzido nas fibras tipo II (particularmente nas tipo IIb) e removido nas fibras tipo I da musculatura activa. Recentemente este autor desenvolveu esta teoria, acrescentando-lhe o conceito do “shuttle intracelular do lactato” que permite explicar como ocorre essa remoção nas fibras tipo I. Este processo resulta do facto da mitocôndria ser capaz de captar e oxidar directamente o lactato, devido à existência de LDH a nível mitocondrial e à presença de transportadores específicos nas membranas mitocondriais, designados por transportadores de monocarboxilato (MCT). Em suma, mais mitocôndrias significam uma maior capacidade de remoção do lactato no músculo activo. 32 A mioglobina armazena O2 e liberta-o para a mitocôndria quando este escasseia durante a contracção muscular. Esta reserva de O2 é utilizada durante a transição de repouso para exercício, providenciando O2 para a mitocôndria no intervalo de tempo que Bioenergética 22 Várias outras investigações centradas no exercício prolongado permitiram concluir que: (1) durante o exercício realizado até 50%VO2max, os níveis plasmáticos de AGL aumentam continuamente, indicando a sua mobilização acrescida; (2) a intensidades superiores a 65%VO2max, em que o lactato sanguíneo aumenta e o pH diminui, a degradação lipídica começa a ser inibida; (3) o exercício intenso (>85%VO2max) é suportado predominantemente pelos HC, enquanto o exercício de baixa intensidade (25%VO2max) mobiliza, essencialmente, lípidos (fig.3); (4) a cerca de 65%VO2max a relação de utilização dos lípidos e dos HC equilibra-se. Este balanço é explicado por um fenómeno designado de crossover e pode ser observado na fig.4. decorre entre o início do exercício e a chegada do O2 à fibra em resultado do aumento da actividade cardiovascular. O papel da mioglobina durante o exercício físico ainda não está totalmente esclarecido, mas está comprovado que o treino de endurance pode aumentar o conteúdo de mioglobina no músculo entre 75-80%. Bioenergética 25 • Durante o exercício intenso (85%VO2max) a oxidação lipídica total é semelhante à que ocorre a 25%VO2max • A 85%VO2max a utilização dos AGL tende a diminuir devido à diminuição dos seus níveis circulantes • Os processos de catabolização lípídica são de activação lenta e funcionam a taxas significativamente mais lentas do que os processos que controlam o catabolismo dos HC • Durante o exercício prolongado a capacidade para utilizar lípidos como combustível assume-se como fundamental porque diminui significativamente o consumo de glicogénio (“efeito de poupança do glicogénio”) • Durante o exercício intenso (>65%VO2max) os níveis circulantes de AGL declinam, limitando a sua disponibilidade como fonte energética. • Os lípidos são uma fonte energética fundamental durante o exercício de intensidade baixa e moderada • Apesar dos AGL representarem apenas uma pequena parte da totalidade dos lípidos plasmáticos, o seu “turnover” (entrada e saída do sangue) é extremamente rápido • Deste modo, a contribuição dos AGL como substrato energético, tanto em repouso como em exercício, excede em muito a contribuição dada pelos outros lípidos, nomeadamente os TG • A captação de AGL pelo músculo esquelético depende, em grande medida, da sua concentração no sangue arterial. Por esta razão, a taxa de lipólise adiposa afecta directamente a captação de AGL pelo músculo. • Assim, quanto maior for o fluxo sanguíneo no músculo activo, tanto maior será o transporte, captação e utilização de AGL pelo músculo durante o exercício. • Deste modo, as melhorias a nível do Q e do fluxo sanguíneo induzidas pelo treino de endurance são um factor preponderante nas melhorias observadas relativamente à capacidade para oxidar lípidos durante o exercício • A captação de AGL no músculo activo é reduzida, mas o treino de endurance aumenta a sua captação e oxidação, contribuindo assim para uma poupança significativa dos HC • Os TG intramusculares não são mobilizados durante a maior parte das actividades, mas são, provavelmente, recrutados depois da deplecção do glicogénio • Os TG intramusculares são mobilizados durante a fase recuperação após exercício exaustivo que conduza à deplecção do glicogénio • Vários investigadores chegaram à conclusão que o músculo esquelético de um indivíduo não treinado tem uma capacidade oxidativa superior relativamente ao O2 que pode ser fornecido pela circulação. Então porque porque razão ocorrem aumentos de cerca de 100% da massa muscular mitocondrial após treino de endurance, enquanto o Q aumenta apenas 15-20%? • A resposta parece estar relacionada com o aumento da capacidade de utilização de AGL como combustível pelo músculo, nomeadamente em resultado do aumento das concentrações de carnitina e de CAT induzidas pelo aumento da massa mitocondrial • Os HC apresentam, comparativamente aos lípidos, processos de activação mais rápidos, um menor consumo relativo de O2, um catabolismo aeróbio/anaeróbio, uma maior produção de ATP por unidade de tempo • Durante o exercício prolongado realizado a uma intensidade igual ou inferior a 50% VO2max, os níveis sanguíneos de AGL aumentam continuamente, indicando a sua mobilização acrescida • A intensidades superiores a 65%VO2max, em que o lactato sanguíneo aumenta e o ph diminui a degradação lipídica começa a ser inibida • O exercício intenso (>85%VO2max) é suportado energeticamente pelos HC de forma predominante, enquanto o exercício de baixa intensidade (25%VO2max) é efectuado mairitariamente à custa da mobilização dos lípidos • A cerca de 65%VO2max a relação de utilização dos lípidos e dos HC equilíbra-se. Este balanço é explicado por um fenómeno designado de crossover Bioenergética 26 • A 70%VO2max cerca de 50-60% da energia necessária para manter esta intensidade deriva dos HC, sendo os restantes 40% supridos pelas gorduras • A intensidades baixas de exercício, verifica-se uma mudança progressiva da utilização dos HC para os lípidos como substratos energéticos • Apesar de todos os tipos de substratos energéticos contribuirem para suportar a performance na maratona, os HC, e não os lípidos, apresentam-se como a principal fonte. De facto, os sistemas energéticos são interdependentes, sendo errado ter a ideia que quando um se esgota, outro é activado de seguida • Atletas treinados aerobiamente apresentam um conteúdo de TG intramusculares significativamente superior aos de sujeitos não treinados • No músculo em repouso pouco glicogénio é catabolizado, estando a taxa de glicólise dependente da captação de glucose plasmática pelo músculo • No entanto, durante o exercício, a glicogenólise é fortemente estimulada, passando a ser o glicogénio o principal precursor da glicólise • Por exemplo, durante o exercício em steady-state a 65%VO2max a quebra de glicogénio pode exceder 4-5 vezes a captação de glucose plasmática • A contribuição das proteínas no aporte energético aos esforços de endurance tem uma importância menor do que a dos HC e dos lípidos, podendo suprir entre 5-10% das necessidades energéticas durante um esforço prolongado Bioenergética 27 Calorimetria indirecta O turnover33 energético nas fibras esqueléticas não pode ser avaliado directamente. No entanto, para esse efeito podem ser utilizados diversos métodos indirectos laboratoriais que permitem calcular a taxa e a quantidade de energia dispendida quando o organismo se encontra tanto em repouso como em exercício. Como referimos anteriormente, apenas cerca de 40% da energia libertada durante o catabolismo dos lípidos e HC é utilizada para produzir ATP, enquanto os restantes 60% são convertidos em calor, o que providencia uma forma de calcular tanto a taxa como a quantidade de energia utilizada em determinada tarefa motora. O cálculo do dispêndio energético através da técnica de medição de produção de calor corporal designa-se por calorimetria directa. No entanto, essa avaliação implica a utilização de calorímetros, equipamentos extremamente dispendiosos e lentos, em termos de obtenção de resultados, tendo como única grande vantagem o facto de medirem o calor directamente. Adicionalmente, apesar do calorímetro poder fornecer dados precisos sobre o dispêndio energético total, não pode detectar as alterações rápidas na libertação de energia. Por esta razão, o metabolismo energético durante o exercício intenso não pode ser estudado num calorímetro, razão pela qual os investigadores estudam, em alternativa, as trocas de O2 e CO2 que ocorrem durante a fosforilação oxidativa 34. Com efeito, o catabolismo oxidativo dos lípidos e HC depende da disponibilidade de O2 e conduz à formação de CO2 e H2O na mitocôndria. Por esta razão a quantidade de O2 e CO2 trocados a nível pulmonar são, normalmente, equivalentes às quantidades utilizadas e libertadas nos tecidos corporais. Deste modo, o dispêndio energético pode ser estimado, de uma forma simples, medindo os gases respiratórios. Este método de cálculo do gasto energético designa-se por calorimetria indirecta, dado que a produção de calor não é avaliada 33 Neste caso o termo “turnover” deve ser entendido como referindo-se à “renovação energética” e reporta-se a um estado metabólico celular constante em que a produção e o gasto energético na fibra esquelética se encontram equilibrados. No sentido mais lato, “turnover” significa a relação entre a produção e a remoção de determinada substância, i.e., a quantidade de material metabolizado num determinado período de tempo. 34 A fosforilação oxidativa é um processo que decorre na matriz mitocondrial e que conduz à formação de ATP na presença de O2. A formação deste composto energético resulta do transporte de electrões na cadeia respiratória e do bombeamento de protões que daí resulta, o que acaba por conduzir à formação de ATP nas partículas F. Neste processo o O2 é consumido, uma vez que funciona como o receptor final dos electrões provenientes da cadeia respiratória, sendo finalmente transformado em H2O. A produção de CO2 resulta, essencialmente, da actividade do ciclo de Krebs (descarboxilações). Bioenergética 30 Métodos de determinação do metabolismo aeróbio Quando pretendemos estudar o dispêndio energético numa qualquer actividade física recorrendo à calorimetria indirecta, temos de dispor, forçosamente, de métodos rigorosos e objectivos que permitam quantificar com exactidão as exigências metabólicas dessa actividade específica. Mas se, para além disso, pretendemos simultaneamente avaliar e comparar sujeitos com níveis de condição física diferenciada, então não devemos utilizar a mesma intensidade absoluta de exercício, mas sim seleccionar uma carga funcional que apresente o mesmo impacto fisiológico para cada um dos testados, de forma a podermos retirar qualquer tipo de conclusão válida dessa investigação. Por outras palavras, se queremos determinar, por exemplo, as diferenças na taxa de utilização de AGL durante o exercício, entre um fundista e um sujeito não treinado, não podemos naturalmente pô-los a correr à mesma velocidade absoluta, pois a solicitação funcional será sempre muito superior no indivíduo não treinado. Por essa razão, temos de recorrer a parâmetros fisiológicos objectivos que nos permitam encontrar intensidades relativas de exercício semelhantes para ambos os sujeitos. Só assim será possível encontrar uma carga funcional que seja equivalente para todos os testados, de forma a podermos passar à fase seguinte que, no caso do exemplo apresentado, seria a comparação do consumo lipídico recorrendo à calorimetria indirecta (medindo o QR) e/ou medindo directamente a concentração plasmática de AGL durante a actividade escolhida. Por este motivo, quando os propósitos do estudo envolvem a caracterização ou a comparação da condição aeróbia de um grupo de indivíduos, a maioria dos investigadores recorre principalmente a dois parâmetros fisiológicos: o VO2max e o limiar anaeróbio. De facto, a performance de longa duração é determinada tanto pela potência como pela capacidade dos sistemas de produção de energia. Enquanto a potência máxima aeróbia, expressa pelo VO2max, se refere à quantidade máxima de energia que pode ser transformada oxidativamente nas fibras musculares activas por unidade de tempo, a capacidade aeróbia, expressa pelo limiar anaeróbio, reporta-se à energia disponível para o trabalho aeróbio e reflecte a capacidade de manter uma determinada intensidade de exercício durante um período prolongado de tempo e com uma baixa concentração sanguínea de lactato. Bioenergética 31 Consumo Máximo de Oxigénio (VO2max) O VO2max é um parâmetro de avaliação da potência máxima aeróbia e corresponde à taxa máxima de captação e utilização de O2 pelo organismo durante um exercício de grande intensidade prolongado no tempo, em que sejam solicitadas grandes massas musculares. Alguns investigadores, consideram-no o melhor indicador da capacidade do sistema cardiovascular, uma vez que está directamente relacionado com o débito cardíaco, com o conteúdo arterial de O2 e com a capacidade extractiva de O2 a nível muscular (diferença artério-venosa). Como, em termos energéticos, as necessidades individuais variam consoante o tamanho do sujeito, o VO2max é habitualmente relativizado ao peso corporal e expresso em mlO2/min/kg (fig.5). VO2 = Q x dif. (art.-ven.) O2 VO2 exerc. = 30 l/min x 0.15 lO2 = 4.5 lO2 /min VO2max relativo 80Kg 60Kg 56mlO2/min/Kg 75mlO2/min/Kg VO2max absoluto 4.5lO2/min 4.5lO2/min Figura 5. O VO2max pode ser determinado recorrendo à equação de Fick, calculando o produto do débito cardíaco pela diferença artério-venosa de O2. De uma forma geral, utiliza-se o VO2max relativo e não o absoluto, para expressar a potência aeróbia dos sujeitos, uma vez que a massa corporal é um factor fundamental no cálculo do dispêndio energético. Isso mesmo pode ser aqui observado, num exemplo que compara dois sujeitos com peso distintos (60 e 80kg), que apesar de terem atingido o mesmo VO2max absoluto (4.5l/min), têm, de facto, potências aeróbias relativas distintas, o que é claramente evidenciado quando o seu peso corporal é contabilizado. O VO2max aumenta progressivamente até aos 18-20 anos, altura em é atingido um pico em ambos os sexos, após o que se observa um declínio gradual com a idade. De uma forma geral, o VO2max é 25% superior nos homens, relativamente às mulheres. Dentro da mesma faixa etária, as variações encontradas no VO2max podem ser principalmente explicadas pelas variações do volume sistólico máximo. Com efeito, o Qmax é responsável por 70-85% da limitação do VO2max. Existe uma variação muito menor tanto na FCmax como na extracção de O2 pelos tecidos. Bioenergética 32 Durante o exercício sub-máximo o Q é responsável por 50% do aumento do VO2 acima dos valores de repouso e a dif.(art.-ven.)O2 representa os restantes 50%. À medida que a intensidade de exercício se aproxima do máximo, o Q torna-se o principal factor39 (especialmente a FC) responsável pelo aumento do VO2 acima dos valores de repouso. Durante o exercício de intensidade máxima o Q é responsável por, aproximadamente, 75% do aumento do VO2 acima dos valores de repouso. Numa fase inicial, as melhorias operadas na performance de longa duração em consequência do treino aeróbio regular, resultam de incrementos de 15-20% no VO 2max, em grande medida, devidos a adaptações centrais a nível do Q 40. O incremento observado na dif.(art.-ven.)O2 é muito menos acentuado. Já as melhorias posteriores da performance resultam, em grande medida, de adaptações periféricas (musculares) que influenciam, essencialmente, o limiar anaeróbio. A capacidade de consumo de oxigénio varia de acordo com o tipo de fibras musculares. De facto, a capacidade das mitocôndrias em extrair oxigénio do sangue é 3-5 vezes superior nas fibras tipo I relativamente às fibras tipo II. Com o aumento da densidade mitocondrial, em consequência do treino de endurance, os fundistas de elite conseguem uma capacidade de extracção de oxigénio nos seus músculos, 10 vezes superior a indivíduos sedentários. A determinação do VO2max pode ser efectuada através de métodos directos e indirectos. Nos métodos indirectos recorre-se a testes sub-máximos e a avaliação do VO2max fundamenta-se na regressão linear entre o consumo de oxigénio e a frequência cardíaca (FC). Contudo, estes métodos devem ser encarados com alguma reserva dado que a FC se apresenta como um parâmetro de grande labilidade. Relativamente aos métodos directos, o VO2max é determinado pela análise do gás expirado, enquanto o indivíduo realiza um esforço incremental, habitualmente prolongado até à exaustão. Deste modo, à medida que a carga de trabalho aumenta, o consumo de oxigénio aumenta também, de forma linear, até atingir um ponto máximo que corresponde ao VO2max. 39 O débito cardíaco é o produto do volume sistólico pela frequência cardíaca. O volume sistólico atinge o seu valor máximo a 40%VO2max. Deste modo, o aumento do débito cardíaco para intensidades superiores a 40%VO2max é devido, exclusivamente, ao aumento da frequência cardíaca. 40 As melhorias observadas no débito cardíaco podem ser explicadas, na quase totalidade, por incrementos operados a nível do volume sistólico, uma vez que não se observam variações significativas a nível da FCmax com o treino de duração. Bioenergética 35 Uma vez determinado o VO2max torna-se então possível, não apenas hierarquizar os sujeitos em termos da sua potência máxima aeróbia, mas também definir faixas de intensidade que sejam semelhantes para indivíduos com condições aeróbias distintas. Muitos dos estudos que utilizaram a calorimetria indirecta como forma de determinar o tipo de substrato energético catabolizado a determinada intensidade de exercício, utilizaram precisamente diferentes %VO2max como método critério na definição das faixas de intensidade. Esta metodologia tornou assim possível perceber, em termos de solicitação energética, quais as situações em que o organismo recorre preferencialmente aos lípidos ou aos HC. Para uma melhor compreensão daquilo que afirmamos, podemos citar como exemplos algumas investigações que, recorrendo a este tipo de metodologia, chegaram às seguintes conclusões: (1) entre 55-85%VO2max são oxidadas quantidades semelhantes de AGL e TG musculares; (2) a 20-30%VO2max os AGL correspondem à totalidade dos lípidos oxidados; (3) as taxas máximas de oxidação dos AGL são obtidos a 40%VO2max; (4) a 25% e a 85%VO2max a oxidação lipídica total é semelhante; (5) a partir de 85%VO2max a utilização dos AGL tende a diminuir; (6) durante o exercício prolongado realizado até 50%VO2max, os níveis sanguíneos de AGL aumentam bem como a sua utilização; (7) o exercício realizado a intensidades superiores a 85%VO2max é suportado predominantemente pelos HC; (8) a cerca de 65%VO2max a relação de utilização dos lípidos e dos HC equilibra-se. Limiar Anaeróbio (LAN) No entanto, apesar de vários investigadores terem sugerido que o VO2max poderia ser um bom preditor do sucesso nos desportos de endurance, de facto, o vencedor de uma maratona não pode ser predito a partir da simples avaliação laboratorial do VO2max. Com efeito, neste tipo de esforços o que é fundamental é ser capaz de correr a velocidades elevadas, com uma baixa lactatemia e utilizando uma elevada percentagem do seu VO2max. Os bons maratonistas são capazes de correr uma maratona utilizando entre 80-90%VO2max. Por esta razão, as correlações mais elevadas com a performance no exercício prolongado, são encontradas para um parâmetro que expressa capacidade e não potência máxima aeróbia, habitualmente designado por limiar anaeróbio. Bioenergética 36 Actualmente, podemos considerar, basicamente, dois tipos de resposta metabólica ao exercício dinâmico de longa duração: (1) uma carga que pode ser mantida em steady- state por bastante tempo, em que as necessidades energéticas são supridas de forma totalmente oxidativa, caracterizada por uma baixa concentração de lactato resultante do equilíbrio entre a sua produção e eliminação; (2) uma carga durante a qual é necessária uma formação adicional de ácido láctico para suprir as necessidades energéticas, o que conduz à sua acumulação progressiva e à inevitável fadiga daí resultante em consequência da alteração do ambiente físico-químico das fibras. No entanto, entre estes dois estados metabólicos, existe um estádio de transição designado de limiar anaeróbio, que corresponde à intensidade máxima de exercício em que se verifica um equilíbrio entre a produção e a remoção de ácido láctico. Por outras palavras, o limiar anaeróbio corresponde a uma intensidade de exercício crítica, a partir da qual qualquer incremento da carga, por pequeno que seja, provoca a transição do metabolismo puramente oxidativo para o parcialmente anaeróbio, com o concomitante aumento progressivo da lactatemia. Assim, os bons maratonistas tem forçosamente de apresentar limiares anaeróbios elevados, porque só assim serão capazes de correr uma maratona utilizando percentagens elevadas do seu VO2max. Por este motivo, nem sempre o atleta com maior potência aeróbia vence este tipo de competição, dado que é determinante conseguir manter velocidades elevadas de corrida com baixas lactatemias. De facto, as concentrações sanguíneas de lactato no final duma maratona situam-se, habitualmente, entre as 2-3mmo/l. As principais conclusões dos estudos que confirmaram o limiar anaeróbio como parâmetro determinante na avaliação do exercício prolongado, são basicamente as seguintes: (1) de uma forma geral, este tipo de exercício é efectuado utilizando apenas uma fracção do VO2max; (2) a performance na corrida de longa duração é determinada pela capacidade de manter altas velocidades de corrida a uma elevada %VO2max e com baixa lactatemia; (3) dados laboratoriais recolhidos em corredores de meio-fundo e fundo indicaram uma baixa acumulação de lactato no sangue para cargas até 80%VO2max; (4) verificou-se a existência de um limite crítico (intensidade limiar) para além do qual qualquer aumento na velocidade de corrida determinava um rápido aumento da lactatemia; (5) os corredores com um limiar anaeróbio elevado são Bioenergética 37 frequentemente capazes de melhores performances do que corredores com um VO2max superior mas com um limiar inferior; (6) o VO2max revelou-se um critério insuficiente na avaliação da resistência de média (esforços entre 10-30min) e longa duração (>30min). A partir do início da década de 50 surgiu uma enorme variedade de designações e conceitos de limiar anaeróbio envolvendo tanto métodos de avaliação directa (invasivos), com recurso a doseamentos sanguíneos de lactato, como métodos indirectos (não invasivos) que recorriam à análise das alterações das trocas gasosas e da frequência cardíaca como forma de detectar o referido aumento das concentrações sanguíneas de lactato. Estes métodos procuravam detectar um determinado conjunto de alterações metabólicas e cardio-respiratórias através da utilização de protocolos de incremento progressivo de carga funcional, habitualmente, realizados em ciclo-ergómetro ou tapete rolante. No entanto, a validade da grande maioria destes métodos tem sido contestada por inúmeros investigadores. De facto, tem sido referido que tanto a duração, como o tipo de incremento da carga por patamar, influenciam de forma determinante o valor final encontrado para o limiar anaeróbio e muitos dos métodos sobrevalorizam frequentemente esse valor. Vários trabalhos tem indicado que a duração ideal de trabalho por patamar de carga se deve situar entre 5-10min e que a não observância destas indicações conduz frequentemente a equívocos sobre a utilidade do limiar anaeróbio. Pesquisas conduzidas por investigadores alemães com o objectivo de determinar qual a carga constante mais elevada que poderia ser tolerada com uma lactatemia estabilizada, referem um valor médio de 4mmol/l como correspondendo ao equilíbrio máximo de lactato - MaxLass46 (fig.6). 46 MaxLass ou Maximal Lactate Steady-State (Mader A. J. Sports Med. Phys. Fitness 31(1):1991).
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