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A construção da facticidade em Habermas, Notas de estudo de Cultura

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Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 19/09/2008

wellington-pereira-12
wellington-pereira-12 🇧🇷

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Baixe A construção da facticidade em Habermas e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! PENSANDO O MUNDO DA VIDA LOCALMENTE: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO DE PETER L. BERGER E THOMAS LUCKMANN PARA A COMPREENSÃO DO MODELO DE JUSTIFICAÇÃO DO DIREITO DE JÜRGEN HABERMAS Rodrigo Octávio Silva Martins∗ RESUMO Habermas supera a divisão metodológica de trabalho entre a sociologia e a filosofia. O Direito, segundo ele, encontra sua validade nos acordos idealizados obtidos lingüistico- pragmaticamente na sociedade. A sociedade moderna caracteriza-se pela crítica constante e pela autocorreção. Portanto a tensão entre facticidade e validade se perpetua: como parte do procedimento contínuo de produção e reprodução da sociedade e, conseqüentemente, do próprio direito. O presente artigo busca clarificar o resgate de sentido e a legitimidade das instituições, principalmente no contexto de sociedades concretamente consideradas. O que implica em se conferir capital importância às especificidades locais no contexto procedimental discursivo de justificação do Direito, buscando evitar ao máximo a possibilidade de “deturpação” dos consensos obtidos em discursos anônimos e idealizados. Para tanto se mostra útil a sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann. PALAVRAS CHAVES MUNDO DA VIDA; SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO; LEGITIMIDADE DO DIREITO. ABSTRACT Habermas surpasses the division of work between sociology and philosophy. The Law, according to him, linguistic-pragmatically gets its validity of the idealized agreements from the society. The modernity is characterized for the constant critic and it´s self- correction. Therefore the tension between facts and norms is perpetuous: as part of the ∗ Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF. 6446 continuous procedure of production and reproduction of the society and, consequently, the law. The present work intends to focus on the meaning and legitimacy of the institutions. It implies in the capital importance of procedural justification at local context of interactions, aiming to prevent to the maximum the possibility of "disfigurement" of the agreements obtained at anonymous and idealized discourses. At this scope it´s important the contribution of Berger and Luckmann´s Sociology of Knowledge. KEYWORDS LIFEWORLD; SOCIOLOGY OF KNOWLEDGE; LAW´S LEGITIMACY INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva por um lado compreender em que medida a sociologia do conhecimento como desenvolvida por Peter L. Berger e Thomas Luckmann ajuda a esclarecer o resgate de sentido e a legitimidade das instituições como identificados no modelo reconstrutivo habermasiano; e por outro a relevância desta teoria universalista no contexto de comunidades concretas de participantes livres na formação do direito. A legitimidade do direito, em Habermas, depende do consenso, que não pode ser confundido com unanimidade, com agregação de vontades individuais, e tampouco com uma opinião pública difusa. O consenso depende diretamente da qualidade da opinião pública. Desta forma, o princípio do discurso implica em requisitos exigentes. Embora autonomia pública e privada sejam co-originárias, há que se reconhecer retrospectivamente, como requisito para o exercício da democracia e da autonomia pública, a efetividade de direitos que assegurem as iguais condições de participação na formação da opinião e vontade, de livres participantes na elaboração do direito legítimo. Importa, assim sendo, investigar o mundo da vida e as interações cotidianas que traduzem em linguagem leiga os assuntos que interessam à sociedade. E justamente por não estar vinculado necessariamente aos códigos da linguagem especializada que os 6447 Outro conceito que é essencial a Habermas – que Berger e Luckmann também utilizam – é o de tradução. Estes clarificam que ocorre um processo de tradução entre as experiências não pertencentes ao cotidiano para a “realidade suprema” do mundo da vida. Tais processos de traduções abrangem desde sonhos a experiências místicas, passando por conhecimentos da física. Traduções que se tornam norteadoras da conduta ou de sua reorientação. O que remete, em Habermas, à tradução de linguagem sistêmica em linguagem coloquial. Berger e Luckmann abordam as modificações que podem ocorrer entre as relações mais simples do cotidiano e as relações distantes. Nas relações face a face, não só o que é falado, mas a forma como é dito, e as expressões gestuais e faciais são muito importantes: mesmo ao ter uma imagem hostil de um interlocutor, este, em uma interação direta, pode agir insistentemente, de forma oposta à expectativa, e acabar por mudar o padrão de comportamento de quem se engaja na conversação. Nesse nível de conversação é mais difícil ocorrer interpretações erradas e hipocrisia que em formas distantes de interação. Nesse caso, exemplifica as relações remotas que se desenvolvem, por exemplo, via cartas – hoje, o exemplo mais eficiente seria o do e-mail –, sendo mais fácil manter um padrão de descrédito quanto às intenções expressas pelo texto, uma vez que não ocorre a mesma “maciça demonstração de subjetividade alheia” (2005:43) Nas interações cotidianas, apreendemos os outros por padrões tipificadores, porém, sem caráter rígido, pois, no decorrer da interação, as tipificações recíprocas predeterminadas podem se alterar e readaptar em face de como se desenvolve concretamente a relação. Pelas tipificações que vão se tornando progressivamente mais anônimas à medida que se afastam das interações face a face, a realidade cotidiana se desenrola. De sorte que se desenvolvem “tipificações que não pretendem jamais tornarem-se tipificações” como “a opinião pública inglesa”, ou as que se referem aos relacionamentos com o passado e o futuro, remetendo às tipificações anônimas, geralmente vazias ou dotadas de conteúdo mítico, como as que se referem “aos pais fundadores” e “gerações futuras”. (Berger, 2005:52-3) A expressividade humana desenvolvida face a face, como ocorre, por exemplo, na demonstração de ódio, é alvo de objetivações. Pode-se objetivar, por exemplo, tanto por um objeto como uma faca fincada na cama do adversário, como através de um “x” pintado de negro na porta dele. (Berger, 2005:54-5), o que acarreta o 6450 problema da imprecisão entre o uso instrumental e significativo destas objetivações. O mais importante sistema de sinais é a linguagem, definida como sistema de símbolos dotados de sentido que se estende para além das interações face a face. Linguagem é toda expressão do pensamento interior ou exterior, o que não significa que seja a mesma coisa que língua. Esta é a expressão por palavras que fazem parte de um conjunto lingüístico adotado por uma sociedade. Toda língua, assim sendo, pressupõe a existência da linguagem e não o oposto. (Galuppo, 2002:105) A razão estrutura-se lingüisticamente: se expressa como linguagem e pela linguagem. O uso pré-lingüistico da razão, de acordo com Wittgenstein, é desprovido de sentido, já que não há como ser compreendido. Assim, conclui-se que a razão e a linguagem pressupõem-se mutuamente. (Galuppo, 2002:106) E isto importa diretamente na questão da divisão social do conhecimento. Na linguagem do cotidiano existe uma seara de clareza, de certezas diretamente acessíveis, e outras menos acessíveis, que se expressam por códigos específicos, não acessíveis diretamente, oriundos dos sistemas peritos, remetendo aos conhecimentos técnicos e científicos. O que não significa “um conhecimento maior geral das condições gerais em que vivemos. Significa (...) o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento”. (Weber, 1986:165) Berger e Luckmann, ao identificarem o desenvolvimento humano referido aos outros significativos e as origens da institucionalização, sedimentação e formas de legitimação e conservação da realidade, propiciam uma elucidação do modelo de legitimação do direito em Habermas. Mas, a teoria do discurso deste autor depende de um crescente anonimato em relação às opiniões e consensos que se formam na esfera pública, e que se desprendem do contexto das interações simples que se fazem no nível das interações face a face. Assim, como já visto, pensando com Berger e Luckmann há maior possibilidade de haver “equívocos” na comunicação. Importa destacar, em seu sentido filosófico, qual a concepção habermasiana sobre a modernidade: oposta à tradição tornou-se reflexiva, deve justificar a si mesma e, partindo de critérios próprios, tem de criar toda a normatividade. A busca de autocompreensão nas sociedades pós-tradicionais caracteriza-se não apenas pela “autoconsciência”, pela autocrítica em face da tradição e mais pelas idéias morais de 6451 “autodeterminação” e “auto realização”. (Habermas, 2001:170-1) Desta forma, a teoria que Habermas desenvolve dissolve a linha divisória entre teoria social e filosófica, que, por um lado, pretende superar os modelos meramente descritivos, como a teoria da escolha racional e a teoria dos sistemas, bem como as visões pós-modernas que proclamam a “superação” da autocompreensão normativa da modernidade, e, por outro, pretende evitar os modelos filosóficos puramente normativos (Habermas, 2001:167) A racionalidade em uma “modernidade construtiva ambígua” (Alvim, 2006:45) encontra a sua dupla face: a de dominação, identificada na racionalidade teleológica que busca adequar meios a fins (sistêmica); e a racionalidade comunicativa que se dá pela interação intersubjetiva entre indivíduos socializados em busca de entendimento através da linguagem, pressupondo a solidariedade. Neste escopo a racionalidade na modernidade encontra sua ambigüidade entre potencial dominador e emancipatório da razão em face do embate entre razão comunicativa, fundada na solidariedade, e a sistêmica, principalmente quando se trata do mercado, que visa a maximização na obtenção do valor dinheiro; e da burocracia, pautada pelo poder. Após a queda das concepções tradicionais de mundo, das certezas transcendentes, situa Habermas a razão comunicativa no contexto de uma teoria reconstrutiva da sociedade. Reconstrutiva, posto que a tematização inserida nos processos comunicativos conta, como pano de fundo, com o mundo da vida existente. O mundo da vida fornece apoio para um pano de fundo consensual, minorando o risco de eterno dissenso e colocando o discurso em um contexto identificável como familiar que se desdobra em convicções partilhadas de forma não problemática. Os pressupostos tidos como objetivos, incontestes, são criticáveis e sua validade é verificável na esfera comunicativa. Entretanto, uma vez obtido o consenso acerca do objeto inserido no contexto discursivo, se descola e passa a fazer parte do repertório de conhecimento presente no mundo da vida. Esta circulação comunicacional é, entretanto, interrompida quando se choca com o poder econômico e com o poder administrativo do Estado. Estes sistemas possuem códigos especiais diferenciados (linguagem técnica própria) e, embora no mundo da vida tudo possa, em princípio, ser traduzido em linguagem coloquial, aqueles sistemas “além de se diferenciarem da linguagem coloquial, foram desmembrados dela”. (Habermas, 2003a:82) 6452 humanos, apesar das discussões interculturais existentes sobre sua interpretação correta, falam uma língua na qual os dissidentes podem expressar o que sofrem e o que exigem dos seus regimes repressivos – na Ásia, na América do Sul e na África, não menos que na Europa e nos Estados Unidos. (2001:189) Assim, contando com o mundo da vida racionalizado das sociedades modernas, Habermas busca assegurar o procedimento que resgata a legitimidade da produção do direito e, neste ponto, aproxima-se da concepção de Berger e Luckmann quanto às origens da institucionalização. Para estes autores, a origem da institucionalização, é propiciada através da formação dos hábitos, e a convivência intersubjetivamente compartilhados por indivíduos que se observam mutuamente, se comunicam e estabelecem formas de agir em acordo comum nas interações simples. Exemplificam sua tese através de uma situação contrafactual, a do surgimento de uma sociedade entre indivíduos – previamente socializados – que, por algum motivo, terminam convivendo em uma ilha deserta. (Berger, 2005:81) A problemática se estabelece com as novas gerações. Para estas, as instituições que foram co- originariamente criadas endurecem e são apresentadas de forma objetiva, incontestável. As instituições tornam-se, então, históricas e perdem sua qualidade negociável se inserida a figura da “tipificação recíproca”; apresentam-se como realidade exterior aos indivíduos. Assim, todos os desvios de conduta em relação à ordem institucional passam a constituir desvios da realidade, ignorância, doença mental ou desvio moral. (Berger, 2005:93) Com a sedimentação da tradição e a perda de importância dada à origem das instituições é aberta a possibilidade de se legitimá-las, representando suas origens de formas “inventadas”, sem ameaça a sua efetividade. (Berger, 2005:97) Neste contexto, insere-se a questão da reificação no momento em que o processo de objetivação do mundo faz com que os indivíduos percam a compreensão de sua criação social originária, apreendendo-na como facticidade não humana. (Berger, 2005:123) Com a perda da faculdade de se reportar à origem das instituições pela memória e pela própria biografia, impõem-se explicações e justificações que a legitimem. A legitimação não importa apenas em valores, mas também em conhecimento; não diz apenas como se deve agir, mas, também, o porquê de ser das coisas. Assim, o conhecimento precede os valores na institucionalização. (Berger 2005:129) 6455 Quatro são os níveis de legitimação: o primeiro se dá na própria socialização, através das objetivações lingüísticas. Ex.: Uma criança conhece que a outra é seu “primo”, e isto lhe basta. Também pertence às legitimações desse nível todo de tipo de afirmação simples como “É assim que se faz as coisas” (Berger, 2005:129) O segundo nível se apresenta por explicações teóricas rudimentares, partindo de esquemas pragmáticos que se reportam a situações concretas. Nesse nível, estão as máximas, provérbios, lendas populares etc. No terceiro nível de legitimação se apresentam as teorias explicativas, especializadas, oriundas de pessoal dedicado especialmente a este fim, indo para além da prática e levando ao surgimento de desenvolvimentos puramente teóricos. As legitimações começam “a atingir um grau de autonomia em relação às instituições legitimadas e finalmente podem gerar seus próprios procedimentos institucionais.” (Berger, 2005:130) No quarto nível se apresentam os universos simbólicos que remetem a realidades diferentes da experiência cotidiana. Diferentemente dos estágios anteriores, os universos simbólicos passam a abranger todos os setores de ordem institucional. As ações legítimas passam a se reportar a “um quadro de referência cosmológico e antropológico”. (Berger, 2005:133) Berger e Luckmann entendem que, enquanto os universos simbólicos representam a legitimidade da ordem institucional em um plano mais genérico, os mecanismos de conservação do universo se referem à teorização (mitologia, teologia, filosofia e ciência) dos universos simbólicos conferindo legitimidade de segundo grau. (2005:143) Assim, desvelam um caráter artificial e de controle e manutenção nas ordens legitimadoras da realidade, que perde seu caráter de co-originalidade. Pode-se identificar que Habermas justamente procura resgatar, em seu modelo teórico reconstrutivo, a legitimidade perdida. Contando com o pano de fundo do um mundo da vida existente, busca, no entendimento intersubjetivo que se expressa na comunicação voltada para o entendimento, garantir que os indivíduos possam reconhecer as instituições criadas com base no consenso. Dessa forma, a teoria procedimental discursiva habermasiana possibilita que se institucionalize a livre formação de vontade intersubjetiva na escolha e problematização dos temas que interessam à sociedade e sua codificação pelo direito, que, assim entendido, constitui fonte legítima de integração social. Remete às origens da institucionalização como entendido por Berger e Luckmann: a co-originalidade que confere racionalidade e a 6456 garantia de que as decisões não são imutáveis, ou seja, podem ser alvo de revisões posteriores. Para tanto, a formação da opinião e vontade não pode se restringir às relações simples da interação face a face. Estas devem ganhar feições mais anônimas e se expressar em um espaço público de opinião, contando com a sociedade civil como caixa de ressonância que capta os estímulos da periferia e os canaliza para as esferas da política, dotando-lhes de visibilidade e, conseqüentemente, podendo abarcar os problemas que afligem a sociedade em larga escala. O espaço público ganha papel importante, pois dele deve proceder pressões não apenas pela identificação dos problemas, mas, sobretudo, pela tematização de formas abrangentes de deliberação política, a ponto de se conseguir que sejam assumidos pelo parlamento. No espaço público, as relações que se desenvolvem não estão fundadas na orientação dos atores pelo sucesso. Ao contrário, os participantes tomam parte em discussões fundadas na solidariedade, alimentando-se da liberdade comunicativa que simetricamente cabe a cada um. Estes diálogos se desenvolvem entre aqueles dispostos a participar em busca de entendimento. Os espaços públicos, embora conduzam a idéia de espaços físicos determinados, onde as interações se fazem entre presentes, se desligam cada vez mais deste contexto e se movem desses parâmetros de interações simples para a generalização da esfera pública que se desliga da presença física, integrando a presença “virtual” de pessoas distantes e prescindindo das interações face a face: entre aqueles expectadores, leitores, ouvintes etc. dispersos, o que é viabilizado pela mídia. (Habermas, 2003b:93) A generalização de contexto das opiniões da esfera pública acarreta no crescente anonimato dos participantes do discurso e exige a simplificação da linguagem, que se afasta da linguagem dos especialistas ou códigos especiais. A esfera pública, desta forma, se expressa liberada da necessidade de tomar as decisões que podem ser proteladas até serem efetuadas pelas instituições. A opinião pública assim formada, entretanto, não pode ser confundida com a opinião estatisticamente considerada por pesquisas de opinião, uma vez que não é uma opinião que se origina da agregação de vontades individuais. O mais importante é a consideração quanto á qualidade da opinião pública que circula, e não pura e simplesmente a sua generalização, o que nos remete às 6457 Ainda que a autonomia privada permita a opção de se ausentar do discurso e agir estrategicamente em face do direito posto, o que cabe ressaltar é que os discursos que não se pautam por entendimento, ou seja, qualquer tipo de tentativa de influênciação fundada em fins exclusivamente egoísticos e fundamentalismos de qualquer espécie, não devem são levados em conta. A esfera pública se engaja livremente em busca de consenso, pois está aliviada do linguajar técnico dos sistemas especializados e, porque, não atua diretamente sobre a normatização. É pelo processo legislativo que um parlamento sensível às influências comunicativas advindas da periferia transforma na linguagem do direito as políticas e regulamentações que mantém a integração social fundada na solidariedade. Dessa forma dá-se o reconhecimento de um direito legítimo, compreendido como racional entre todos os potenciais envolvidos pela norma, e não apenas aceito faticamente em face de uma codificação mais ou menos aleatória em razão de dissenso socialmente localizável na sociedade. A teoria habermasiana leva em consideração a discordância: os consensos obtidos socialmente e que influenciam o direito não representam respostas imutáveis. A esfera pública, como caixa de ressonância, pode continuar a ser acionada e, a força de melhores argumentos podem fazer com que minorias se tornem maiorias pelo convencimento racional entre indivíduos que buscam o entendimento. Assim, é de se concluir que para Habermas o direito legítimo depende do livre consenso institucionalizado pelo processo racional de legislação. O projeto habermasiano de democracia radical é reconstrutivo. Habermas entende que com a crise do paradigma do Estado Social não há como retornar ao paradigma do Estado Liberal e, dessa forma, apresenta o paradigma procedimental discursivo que busca conciliar as esferas pública e privada que, por sua vez, passam a ser vistas como complementares e dependentes uma da outra. CONSIDERAÇÕES FINAIS A despeito de criticas à teoria habermasiana, seja em face da contaminação dos discursos por ideologias reproduzidas estruturalmente, seja pela dificuldade que os indivíduos encontram para se reconhecerem como iguais em direitos e potencialidades (Moraes, 2006), situações que se reportam ao caso brasileiro, seja pela “privatização” 6460 do Estado (Neves, 2006:247ss), é possível pensar a possibilidade e a importância contrafactual na realização do discurso nos termos ideais. Desta forma, não se ignora que os homens ao criarem a sociedade não o fazem exclusivamente através de escolhas livres. A produção da vida social está ligada, também, à reprodução de estruturas sociais. A própria linguagem é estrutura que possibilita a formação do discurso e a realização do diálogo mas também é conseqüência destes processos. (Giddens, 1978:134) A produção e reprodução da sociedade e do próprio direito, portanto, não podem desprezar este aspecto de dualidade da estrutura. A tensão entre facticidade e validade do direito é a mola propulsora de seu procedimento de criação e recriação, nunca acabado. Em última análise, a formação do consenso provém de discursos que dependem de pressupostos idealizados que implicam em progressivo anonimato de opiniões e vontades livres que se descolam das pessoas e situações concretas em que surgem. Berger e Luckmann enfatizam que enquanto as relações que decorrem das interações face a face na vida cotidiana são menos problemáticas, as que se desenvolvem entre ausentes possibilitam - em maior grau - a possibilidade de “erros” ou “problemas” na comunicação. Tomando este importante aspecto em consideração se impõe a necessidade de se levar em conta as especificidades de uma comunidade concreta de participantes livres na formação do direito. REFERÊNCIAS ALVIM, Joaquim Leonel de Rezende. O modelo de direito procedimental-discursivo em Jürgen Habermas. Confluências, julho de. 2006, n. 05. BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 25ª. Ed., Petrópolis: Vozes, 2005 GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e Diferença: Estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 6461 GIDDENS, Anthony. Novas regras do método sociológico: uma crítica positiva das sociologias compreensivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2ª. Ed. vol 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003a HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2ª. Ed. vol II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003b MELLO, Marcelo Pereira de. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e Teubner. Tempo soc., Junho de 2006, vol.18, no.1. MORAES, Renato Almeida de. O Direito para além da Política: o princípio de justificação dos Direitos Humanos e a proteção das minorias identitárias. São Paulo: USP, 2006 (monografia – especialização em direitos humanos) NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006 WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5ª. ed., Rio de Janeiro:LTC, 1982 6462
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