Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

um Texto para Professores sobre Supercondutividade, Notas de estudo de Física

HISTÓRIA E TEORIA SOBRE A SUPERCONDUTIVIDADE

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 07/05/2009

brasilciencias
brasilciencias 🇧🇷

6 documentos

1 / 19

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe um Texto para Professores sobre Supercondutividade e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! 270 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 Tópicos de Fı́sica Contemporânea no Ensino Médio: um Texto para Professores sobre Supercondutividade (Topics in Contemporary Physics at high school level: a text for teachers about superconductivity) Fernanda Ostermann, Letı́cie Mendonça Ferreira, Cláudio J. Holanda Cavalcanti Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Fı́sica Av. Bento Gonçalves, 9500 - Caixa Postal 15051 91501-970 - Porto Alegre - RS - Brasil Recebido 27 de Outubro, 1997 Este artigo é dirigido a professores de Fı́sica do ensino médio com o objetivo de tratar um tópico de Fı́sica Contemporânea - supercondutividade - não só no contexto dos conteúdos trabalhados na escola média, mas também a partir de temas não abordados nesse nı́vel de ensino: conceitos básicos de Mecânica Quântica e Fı́sica do Estado Sólido. Existe consenso, em nı́vel nacional e internacional, quanto à necessidade de introduzir, já no ensino médio, conteúdos de Fı́sica Contemporânea no currı́culo. No entanto, normalmente, a Fı́sica ensinada nas escolas avança, no máximo, até o inı́cio do nosso século. Neste contexto insere-se este trabalho, pretendendo contribuir para a atualização curricular em Fı́sica. This is a paper directed to high school Physics teachers in which we attempt to present a topic in Contemporary Physics - superconductivity. This topic is discussed through high school Physics contents but also from subjects that are not treated in this level: principles of Quantum Mechanics and Solid State Physics. There is an agreement that it is important to introduce Contemporary Physics in high school Physics curriculum. However, usually, Physics teaching ends at the beginning of our century. The proposal of this text is to be a contribution to the updating of high school Physics curriculum. I. Introdução Este texto é dirigido a professores de Fı́sica do ensino médio com o objetivo de tratar um tópico de Fı́sica Contemporânea - supercondutividade - a partir de conteúdos trabalhados na escola média (por exemplo, eletromagnetismo e termodinâmica) e de temas não abordados nesse nı́vel de ensino: conceitos básicos de Mecânica Quântica e Fı́sica do Estado Sólido. A justificativa para a escolha deste tópico centra-se na sua atualidade, abrangência de várias áreas de conhecimento da Fı́sica, desafios envolvidos na descrição completa do fenômeno e, acima de tudo, nos avanços tecnológicos que suas aplicações poderão proporcionar no futuro. Além disso, existe consenso, em nı́vel nacional e internacional, quanto à necessidade de introduzir, já no ensino médio, conteúdos de Fı́sica Contemporânea no currı́culo. Como se sabe, normalmente, a Fı́sica ensinada nas escolas avança, no máximo, até o inı́cio do nosso século. São inúmeras as razões para a introdução de tópicos contemporâneos na escola média. Dentre elas, pode-se citar: • despertar a curiosidade dos estudantes e ajudá-los a reconhecer a Fı́sica como um empreendimento humano e, portanto, mais próxima a eles; • os estudantes não têm contato com o excitante mundo da pesquisa atual em Fı́sica, pois não vêem nenhuma Fı́sica além de 1900. Esta situação é inaceitável em um século no qual idéias revolucionárias mudaram a ciência totalmente; • é do maior interesse atrair jovens para a carreira cientı́fica. Serão eles os futuros pesquisadores e professores de Fı́sica. Neste texto, introduzimos o fenômeno da supercondutividade a partir de sua evolução histórica e de suas propriedades fundamentais (resistividade nula e efeito Meissner). A seguir, discutimos os aspectos gerais da transição supercondutora e as principais teorias Fernanda Ostermann et al. 271 que descrevem o estado supercondutor. A proposta é desenvolver os temas de forma mais qualitativa e conceitual, evitando-se, sempre que possı́vel, um tratamento matemático extenso e rigoroso. Este trabalho constitui apenas uma introdução ao assunto. O leitor interessado em aprofundar seus conhecimentos poderá consultar a bibliografia indicada ao final do texto. II. Evolução Histórica da Supercondutividade 1911 descoberto o fenômeno pelo fı́sico holandês Heike Kamerlingh Onnes (figura 1) (o que foi possı́vel com a liquefação do hélio em 1908). Pesquisando a resistividade elétrica do mercúrio, percebeu que este material perdia de forma completa e abrupta a sua resistividade ao ser resfriado abaixo de -269◦C (4K). Ele denominou de “supercondutividade” esse estado de resistividade zero (figura 2). Em 1913, recebe o Prêmio Nobel de Fı́sica. Figura 1: H. Kamerlingh Onnes (1853-1926), à direita, com seu assistente (Gilles Holst) no Laboratório de Criogenia da Universidade de Leiden, Holanda (figura retirada de Nobel, 1996). 1933 Os fı́sicos alemães W. Meissner e R. Ochsenfeld descobrem o fenômeno hoje conhecido como Efeito Meissner. A supercondutividade passa então a ser encarada como um novo estado da matéria. 1934 O fı́sico inglês F. London fórmula uma teoria sobre as propriedades eletrodinâmicas dos supercondutores; as equações de London são condições que complementam as equações de Maxwell. O modelo proposto é de dois fluidos (elétrons normais - superelétrons). A teoria descreve o fenômeno mas não “explica” a ocorrência da supercondutividade. 1950 Os fı́sicos soviéticos V.L. Ginzburg e L.D. Landau desenvolvem a chamada teoria fenomenológica (às vezes chamada macroscópica) para explicar as propriedades termodinâmicas da transição do estado normal para o supercondutor. Embora originalmente fenomenológica, a teoria provou ser exata e muito poderosa. Até hoje, a descrição de óxidos supercondutores de altas temperaturas crı́ticas é possı́vel com o uso deste formalismo. Tanto a teoria de London como esta última serviram para estabelecer relações entre diferentes fenômenos. No entanto, ambas são descrições matemáticas dos efeitos observados em laboratório, isto é, teorias fenomenológicas, incapazes de explicar o fenômeno como conseqüência das leis fundamentais da Fı́sica. 1957 A teoria microscópica da supercondutividade é formulada por Bardeen, Cooper e Schrieffer (teoria BCS). É uma teoria elegante mas matematicamente complexa e não pode ser adequadamente apresentada em um nı́vel elementar. A teoria BCS explica a origem da supercondutividade, dando fundamento às teorias de London, Ginzburg e Landau. Em 1972, seus formuladores ganharam o Prêmio Nobel de Fı́sica. A teoria mostrou explicar os fatos observados à época. Atualmente, os supercondutores a altas temperaturas crı́ticas ainda esperam por uma teoria que explique a natureza de sua origem microscópica. 1962 O fı́sico inglês B.D. Josephson prediz, baseado na teoria BCS, que dois materiais supercondutores em contato (junção) devem apresentar propriedades particulares. Tais fenômenos, hoje conhecidos como efeito Josephson, foram comprovados posteriormente em laboratório e permitiram mostrar conseqüências da fı́sica quântica em escala macroscópica. Em 1973, recebe o Prêmio Nobel de Fı́sica. Intensifica-se a busca por materiais supercondutores dotados de alta temperatura crı́tica. 1973 O fı́sico norte-americano B. Matthias descobre o composto Nb3Ge, com uma temperatura crı́tica de 23K. 274 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 hoje. A supercondutividade não é um fenômeno raro: aproximadamente metade dos elementos metálicos apresenta tal propriedade. Além disso, um grande número de ligas são supercondutoras. III.7 Efeito Meissner Os fı́sicos alemães W. Meissner e R. Ochsenfeld constataram que os supercondutores são diamagnetos quase perfeitos. Quando um material é submetido a um campo magnético, este penetra no mesmo, ainda que o valor em seu interior seja, de um modo geral, diferente do valor do campo aplicado. Nos supercondutores, em campos suficientemente pequenos, o valor do campo magnético no interior do material é zero: os supercondutores expelem o campo magnético, fenômeno conhecido pelo nome de efeito Meissner, em homenagem a um de seus descobridores. Em um primeiro momento, tal descoberta desorientou os pesquisadores, mas levou a duas conclusões importantes. Em primeiro lugar, ficou demonstrado que um supercondutor não é simplesmente um metal com resistividade zero, pois a resistividade nula não implica diamagnetismo perfeito. A supercondutividade deveria ser concebida como um novo estado da matéria, com propriedades muito particulares. Em segundo lugar, o efeito Meissner permitiu estabelecer que a transição do estado normal para o supercondutor é uma transição termodinâmica reversı́vel. Este aspecto do fenômeno será discutido mais adiante. Para se entender por que os supercondutores são diamagnetos perfeitos é interessante comparar seu comportamento com o de um condutor ideal (perfeito) quando estão em jogo duas variáveis que determinam o comportamento da supercondutividade no material: o campo magnético aplicado ( ~H) e a temperatura (T ). Deve-se distinguir, de um lado, um campo magnético aplicado externo (por exemplo, gerado por um ı́mã) e, de outro, um campo magnético presente dentro de uma amostra. Fixada a temperatura e o campo do ı́mã, o campo interior se ajusta automaticamente ( ~B = µ0( ~H + ~M)). O campo no interior da amostra é chamado indução magnética ( ~B) e diferencia-se do campo do ı́mã ( ~H). A grandeza ~M é chamada magnetização do corpo. III.7.a Propriedades Magnéticas de um Condutor Perfeito Seja um condutor ideal a baixa temperatura que não apresenta resistividade na ausência de campo magnético aplicado. Quando um campo é aplicado, de acordo com a Lei de Faraday-Lenz (campo variável no tempo gera corrente elétrica que se opõe a esta variação), aparecerão correntes induzidas sem resistividade que circularão na superfı́cie da amostra de tal maneira a criar um campo magnético dentro do material que seja exatamente igual e oposto ao campo magnético aplicado. Como essas correntes são persistentes (não há resistividade), o fluxo total dentro do material permanece nulo. A figura 7 ilustra esta situação: as correntes de superfı́cie i geram uma densidade de fluxo ~Bi que exatamente cancela o campo magnético externo ~Ha em qualquer ponto dentro do metal. Estas correntes superficiais são freqüentemente chamadas de correntes de blindagem. Figura 7: Distribuição de fluxo magnético em um corpo diamagnético (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). A densidade de fluxo criada pelas correntes superficiais persistentes não desaparece, é claro, na fronteira da amostra, mas as linhas de fluxo formam curvas contı́nuas fechadas as quais voltam através do espaço exterior. Embora a densidade deste fluxo em qualquer parte interna da amostra seja igual e oposta ao fluxo do campo aplicado, isto não é Fernanda Ostermann et al. 275 assim fora da amostra. A figura 8 mostra a distribuição de fluxo resultante da superposição do fluxo dentro e fora da amostra com o fluxo do campo aplicado. A configuração que surge é como se a amostra tivesse impedido que o fluxo do campo aplicado entrasse em seu interior. Um material no qual não há densidade de fluxo resultante em seu interior quando um campo magnético é aplicado chama- se diamagneto perfeito. Figura 8: Distribuição resultante de fluxo em torno de um corpo diamagnético (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). Considere, agora, a seguinte seqüência de eventos, mostrado no lado esquerdo da figura 9: 1. Um condutor perfeito encontra-se a temperatura ambiente em campo nulo. 2. Resfria-se o condutor até que ele atinja uma resistividade desprezı́vel. 3. A seguir, a uma baixa temperatura (na qual a resistividade é desprezı́vel), aplica-se um campo magnético. 4. Finalmente, o campo é retirado. Vê-se que, ao final do processo, o material não fica magnetizado. Para compensar a nova variação de fluxo, desaparecem as correntes de blindagem e ~Bi é, então, nulo. Considere, agora, uma outra seqüência de eventos, como mostra o lado direito da figura 9: 1. Um campo magnético é aplicado à amostra enquanto ela está à temperatura ambiente. A maioria dos metais (exceto ferromagnéticos, ferro, cobalto e nı́quel) tem seu valor de densidade de fluxo interno praticamente igual ao do campo aplicado. 2. A amostra é agora resfriada a uma baixa temperatura na qual sua resistividade elétrica vai a zero. Este desaparecimento da resistividade não tem efeito sobre a magnetização e a distribuição de fluxo, então, permanece inalterada. 3. Reduz-se, então, o campo magnético a zero. Conforme a Lei de Faraday-Lenz, correntes persistentes são induzidas na amostra, mantendo o fluxo no seu interior, resultando em uma magnetização permanente do material. É importante observar que, em (c) e (f) da figura 9, a amostra está sob as mesmas condições de temperatura e campo magnético aplicado, mas mesmo assim seu estado de magnetização é muito diferente nos dois casos. Da mesma maneira, (d) e (g) mostram diferentes estados de magnetização sob condições externas idênticas. Vê-se, então, que o estado de magnetização de um condutor perfeito não está unicamente determinado pelas condições externas mas depende da seqüência com que estas condições foram obtidas. Figura 9: Comportamento magnético de um condutor perfeito (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). III.7.b Comportamento Magnético Especial de um Supercondutor 276 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 Até 22 anos após a descoberta da supercondutividade, acreditava-se que o efeito de um campo magnético sobre um supercondutor seria como o mostrado na figura 9 do condutor perfeito. Entretanto, em 1933, Meissner e Ochsenfeld submeteram amostras de estanho e chumbo ao processo de resfriamento na presença de campo. Ao contrário do que ocorre com o condutor perfeito (figura 9f), observaram que o fluxo total dentro das amostras cancelava-se, isto é, elas espontaneamente transformavam- se em diamagnetos perfeitos (figura 9c). Este experimento demonstrou que os supercondutores têm uma propriedade adicional em relação aos condutores perfeitos: além de possuı́rem resistividade nula, os materiais supercondutores expulsam as linhas de fluxo do seu interior. Dentro de um material no estado supercondutor temos sempre, ~B = 0. Este efeito, no qual um supercondutor em presença de campo magnético expulsa de seu interior as linhas de fluxo, é chamado efeito Meissner. A figura 10 ilustra o comportamento de um supercondutor submetido aos dois processos anteriormente discutidos. Ao contrário do condutor perfeito, o estado final do supercondutor depende somente dos valores de campo aplicado e temperatura e não da seqüência na qual estes valores foram obtidos. IV. Termodinâmica da Transição Supercondutora A seguir, será analisado como a supercondutividade se manifesta e sua semelhança com outros fenômenos fı́sicos. Em particular, será verificado se ela cumpre os requisitos que caracterizam a chamada “transição de fase”. Uma transição de fase ocorre quando há uma singularidade na energia livre ou em uma de suas derivadas e é caracterizada por uma mudança abrupta nas propriedades de uma substância. As passagens vapor-lı́quido e lı́quido-sólido são transições de fase usualmente observadas sem dificuldades no dia-a-dia. Exemplo disto é a passagem do vapor d’água para a água lı́quida e desta última para o gelo. A fase de vapor é obtida mantendo-se a substância em alta temperatura (por exemplo, 400 K, ou seja, 127◦C); se esta for diminuı́da, o vapor é condensado na fase lı́quida; se o material permanece sendo resfriado, ele se solidifica. Figura 10: Comportamento magnético de um supercondutor (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). A temperatura pode ser controlada em laboratório de modo a induzir as transições de fase. No entanto, manipulando essa única variável, não é possı́vel prever quando ocorrerá a transição. A temperatura de ebulição da água diminui com a distância acima do nı́vel do mar, já que a transição lı́quido-vapor depende da pressão (a pressão atmosférica varia com a altura em relação ao nı́vel do mar). Fixando-se a pressão P e a temperatura T, a transição de fase de um dado número de átomos fica determinada: a cada valor de pressão P corresponde uma única temperatura T na qual se produz a transição. Em um determinado experimento, a pressão e a temperatura podem ser variadas de forma controlada, o que permite denominá- las de “variáveis termodinâmicas”. O diagrama de fase do sistema sólido-lı́quido-vapor está mostrado na figura 11. Fernanda Ostermann et al. 279 determinados experimentalmente aplicando-se um campo magnético paralelamente a um fio de material supercondutor e observando a intensidade na qual a resistividade aparece. V. A Teoria de London As primeiras idéias que contribuı́ram para a descrição da supercondutividade foram as relacionadas ao modelo de dois fluidos proposto por F. London, em 1934. Algumas propriedades podem ser entendidas com o simples pressuposto de que alguns elétrons, no material, comportam-se de maneira normal, aproximadamente como elétrons livres (elétrons normais), enquanto outros exibem comportamento “anômalo” (os superelétrons). Desenvolvendo esta idéia, London foi capaz de descrever a eletrodinâmica dos supercondutores a partir das Leis de Maxwell e com uma solução complementar que dá conta do efeito Meissner. Assim, partiu do princı́pio de que teria de modificar as equações usuais da eletrodinâmica a fim de descrever o efeito Meissner (é claro que as equações de Maxwell sempre permanecem válidas). Os elétrons normais continuam a obedecer à lei de Ohm ( ~j(~r) = σ ~E(~r) onde σ é a condutividade elétrica) mas há, agora, os elétrons responsáveis pela supercondutividade (os superelétrons), para os quais esta lei deve ser modificada. Da densidade total n de elétrons, há uma fração ns que se comporta de uma maneira “anormal” e representa os superelétrons. Eles não são espalhados nem por impurezas ou vibrações da rede, portanto, não contribuem com resistividade. Eles são acelerados livremente por um campo elétrico. Sua equação de movimento, então, é dada pela 2a lei de Newton: m∗ ( d~νs dt ) = e∗ ~E (5) Observe que e∗ ~E é a força resultante sobre os superelétrons (é só força elétrica; não há forças resistivas) e ~νs sua velocidade. Sabe-se, hoje, que estas superpartı́culas são pares de Cooper (elétrons pareados), para os quais: { m∗ = 2me e∗ = 2e Onde me é a massa do elétron e e é a carga do elétron. Se há ns superelétrons por unidade de volume se movendo com velocidade ~νs, há, então, uma densidade de corrente associada: ~js = nse∗~νs (6) Esta expressão pode ser entendida considerando-se um fio de comprimento l e seção reta A onde passa Ne∗ de carga total em um tempo t. j = i A = Ne∗/t A = N V · l t · e∗ = ns · νs · e∗ Derivando no tempo a equação (6), temos: djs dt = nse∗ d~νs dt (7) Comparando as equações (5) e (7), chega-se à 1a equação de London: d~js dt = nse ∗2 m∗ ~E 1a equação de London (8) Esta equação descreve a propriedade de resistividade nula de um supercondutor; não há campo elétrico no metal a menos que haja corrente variável no tempo. Esta expressão foi obtida sem o uso de forças dissipativas. Tomando o rotacional nos dois lados da equação (8): d dt (∇×~js) = nse ∗2 m∗ (∇× ~E) (9) Mas pela Lei de Faraday-Lenz: ∇× ~E = −∂ ~B/∂t (campo magnético variável gera corrente). Então, substituindo em (9) e com a Lei de Ampére ∇× ~B = µ0~js (corrente gera campo magnético) tem-se: ∂ ∂t (( 1 µ0 ) (∇×∇× ~B) + nse ∗2 m∗ ~B ) = 0 (10) Para obtenção do efeito Meissner, chega-se a uma condição complementar que é a 2a equação de London: ∇×∇× ~B + µ0nse ∗2 m∗ ~B = 0 2a equação de London (11) Utilizando a seguinte identidade vetorial: ∇×∇× ~B = −∇2 ~B +∇(∇ · ~B) (12) Mas pela lei de Gauss ∇ · ~B = 0 (não há monopolos magnéticos), então (11): ∇2 ~B − 1 λ2L ~B = 0 (13) 280 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 onde λL = ( m∗ nsµ0e∗2 )1/2 Considerando o caso unidimensional, a equação (13) se reduz a ∂2B ∂x2 = 1 λ2L B (14) cuja solução é do tipo B = Bae−x/λL (15) A solução acima indica que o campo magnético é atenuado numa fina camada de espessura λL na superfı́cie do material, caindo a zero no interior do mesmo. A quantidade λL, conhecida como comprimento de penetração de London, mede a extensão da penetração do campo magnético no interior do supercondutor. Logo, a 2a equação de London prevê a ocorrência do Efeito Meissner, pois sua solução indica que o campo tende a zero no interior da amostra. A figura 15 ilustra este fenômeno. Figura 15: Penetração do fluxo magnético no interior de um supercondutor (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). VI. A Teoria de Ginzburg-Landau Em 1950, os fı́sicos soviéticos L.D. Landau e V.L. Ginzburg formularam uma nova teoria, desta vez para explicar as propriedades termodinâmicas da transição do estado normal para o estado supercondutor. Assim como a teoria de London, esta também é fenomenológica, isto é, faz uso de suposições ad-hoc, cuja justificativa é que elas descrevem corretamente a transição de fase em campo nulo. No entanto, pode-se dizer que esta formulação representa um avanço em relação às idéias de London, na medida em que usa fundamentos de mecânica quântica para descrever o efeito de um campo magnético (ao contrário da teoria de London, que é puramente clássica). A teoria de Ginzburg- Landau envolve um tratamento matemático trabalhoso o qual aqui não será abordado em favor de uma discussão mais qualitativa. A primeira suposição da teoria de Ginzburg-Landau refere-se à idéia intuitiva de que um supercondutor contém uma densidade de superelétrons ns e uma densidade de elétrons normais n − ns, onde n é a densidade total de elétrons no metal. O comportamento dos superelétrons pode ser descrito por uma “função de onda efetiva Ψ” que tem a seguinte interpretação fı́sica: |Ψ|2 = ns. Além disso, Ψ 6= 0 no estado supercondutor, mas zero no estado normal. Assim, Ψ é o parâmetro de ordem da transição, existindo abaixo da temperatura crı́tica Tc e indo a zero acima de Tc. Ou seja, { Ψ = 0 se T > Tc Ψ 6= 0 se T < Tc É, então, assumido que a descrição termodinâmica do sistema pode ser feita expandindo a energia livre do estado supercondutor em potências de Ψ e que próximo a Tc é suficiente reter somente os primeiros termos desta expansão (esta abordagem está inspirada na teoria geral de Landau de transição de fase de 2a ordem). Esta expansão em campo nulo assume a seguinte forma: O problema central da abordagem de Ginzburg-Landau é encontrar funções Ψ(x, y, z) e ~A(x, y, z) ( ~A é o potencial vetor) que fazem com que a energia livre total da amostra seja mı́nima (princı́pio fı́sico de minimização de energia). Assim, Ginzburg-Landau minimizaram a energia livre com respeito a Ψ e ~A. Através destas duas minimizações, chega-se às chamadas equações de Ginzburg-Landau, que não serão aqui apresentadas por envolverem considerável trabalho matemático. Conseqüências das equações de Ginzburg-Landau: 1) Campo crı́tico termodinâmico (Hc) A teoria prevê a existência de um campo crı́tico termodinâmico como função da temperatura (Hc(T )) acima do qual o material passa do estado supercondutor para o estado normal (um campo magnético capaz de destruir a supercondutividade). A figura 13 representa a função Hc(T ). Fernanda Ostermann et al. 281 2) Comprimento de penetração (λL) A expressão do comprimento de penetração dentro da descrição de Ginzburg-Landau é obtida a partir da minimização da energia livre com campo aplicado em relação ao potencial vetor e assumindo que o parâmetro de ordem Ψ não varia com a posição, ou seja, ∇Ψ = 0. A expressão obtida é a seguinte: λL = ( m∗ |Ψ|2µ0e∗2 )1/2 Observa-se que a expressão acima é semelhante à expressão de London para λL, uma vez que dentro do formalismo de Ginzburg-Landau |Ψ|2 = ns. Quando T → Tc, λL →∞. 3) Comprimento de Coerência (ξ) A teoria de Ginzburg-Landau prevê a existência de uma outra grandeza fundamental relacionada à supercondutividade (juntamente com λL e Hc) - o comprimento de coerência ξ. A partir da minimização da expressão de energia livre sem campo aplicado em relação ao parâmetro de ordem, chega-se a uma equação que, se considerada unidimensionalmente, leva à definição do comprimento de coerência: ξ2(T ) = h2 2m|α| O comprimento de coerência ξ representa o comprimento ao longo do qual o parâmetro de ordem Ψ varia (mede a escala de variação espacial de Ψ). ξ também vai a infinito quando T → Tc. A seguir, será aprofundada a interpretação fı́sica de ξ no contexto da teoria BCS. VII. A Teoria BCS Até o momento, abordou-se uma visão puramente macroscópica da supercondutividade. Assumiu- se que alguns elétrons no material comportam-se como superelétrons com a misteriosa propriedade de poderem se mover através do metal sem sofrer nenhum tipo de resistividade, ao contrário dos elétrons normais. Foram discutidas que restrições são feitas no seu comportamento coletivo pelas leis do eletromagnetismo e da termodinâmica. Neste momento, será aprofundado o tema a partir de uma visão microscópica do fenômeno, tentando explicar por princı́pios fı́sicos como aparece esta propriedade dos superelétrons. Uma completa teoria microscópica da supercondutividade é extremamente complicada e requer conhecimento avançado de Mecânica Quântica. O objetivo desta seção será apenas esquematizar os princı́pios fı́sicos envolvidos. VII.1 Resumo das Propriedades do Estado Supercondutor Para entender-se a origem da supercondutividade, é interessante resumir as mais importantes propriedades dos supercondutores: 1) Resistividade zero e efeito Meissner: o efeito Meissner é a propriedade mais fundamental dos supercondutores. Ele incorpora a propriedade de resistividade zero na medida em que as correntes de blindagem diamagnéticas são constantes no tempo e não vão a zero enquanto o campo aplicado permanece inalterado. 2) Estrutura cristalina: estudos sobre a estrutura cristalina de supercondutores por cristalografia de R-X quando o metal é resfriado abaixo de sua temperatura crı́tica revelaram que não há mudança na estrutura da rede. Também foi encontrado que propriedades que dependem das vibrações de rede cristalina (como a contribuição da rede para o calor especı́fico) são as mesmas na fase normal e supercondutora. É claro, então, que a supercondutividade não está associada com qualquer mudança nas propriedades da rede cristalina. 3) Calor especı́fico eletrônico: quando um supercondutor é levado ao estado normal pela aplicação de um campo magnético, vê-se que a contribuição da rede cristalina para o calor especı́fico não se modifica, mas a contribuição dos elétrons de condução é bem diferente. Pode-se supor, então, que o estado supercondutor envolve alguma mudança muito drástica no comportamento dos elétrons de condução. 4) Ordem de longo alcance: há considerável evidência de diferentes fontes que os elétrons supercondutores possuem algum tipo de ordem de longo alcance. Em termos da teoria de London (modelo de dois fluidos), pode-se dizer que a concentração de superelétrons não pode ir a zero abruptamente na fronteira entre as regiões normais e 284 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 Figura 17: Interação entre os elétrons se dá por troca de fónon (figura retirada de Rose-Innes e Rhoderick, 1988). O caráter quântico dos elétrons (são férmions, ou seja, segundo o Princı́pio de Exclusão de Pauli não podem ocupar o mesmo estado quântico) faz com que o estado supercondutor não seja constituı́do simplesmente por um gás de pares. As leis fundamentais da Mecânica Quântica exigem que estes pares sejam incapazes de se movimentar de forma independente. Estes pares, na verdade, se movem coerentemente com a mesma velocidade (os pares de Cooper podem ser considerados bósons e, portanto, podem ocupar o mesmo estado quântico). Em um metal normal, a corrente elétrica se estabelece quando a maioria dos elétrons se move em uma dada direção preferencial. Um elétron pode ser espalhado por qualquer imperfeição da periodicidade da rede, como visto anteriormente. Isto faz com que ele mude sua direção e velocidade do movimento com a restrição imposta pelo princı́pio de exclusão de Pauli. Devido a esses espalhamentos, a corrente mantém-se constante somente se é mantido um campo elétrico aplicado; caso contrário, a resistividade faz com que a corrente elétrica decaia. Em um supercondutor, os pares de Cooper podem ocupar o mesmo estado quântico (como já foi dito, podem ser considerados bósons), não estando sujeitos, portanto, ao Princı́pio de Exclusão (válido para elétrons isolados). Para deter uma corrente formada por pares de Cooper, deve- se então deter simultaneamente todos os pares de Cooper que se movimentam com uma dada velocidade. É natural pensar que uma impureza ou pequenas vibrações da rede não possam deter o movimento de milhares de trilhões de pares de Cooper que se movem com esta velocidade. Se a energia térmica não for suficiente para destruir os pares, a corrente flui indefinidamente. O material apresenta então resistividade nula. VII.4 Analogias para o entendimento da interação elétron-fónon 1) Um processo macroscópico no qual há uma interação entre duas partı́culas resultante da troca de uma terceira partı́cula pode ser visualizado da seguinte maneira. Um jogador atira uma bola a um segundo jogador. Então, devido à conservação de momentum na ação de atirar e pegar a bola, cada jogador receberá um impulso que tende a retrocedê-lo em relação ao seu parceiro. Haverá uma aparente repulsão entre os jogadores embora não haja uma interação direta entre eles. Pode-se converter esta situação a uma atração, substituindo a bola por um bumerangue, mas agora os jogadores estão de costas um para o outro. Um deles atira o bumerangue que, inicialmente, se afasta do outro. Em seguida, o bumerangue faz uma curva (como mostra a figura 18) sendo agarrado pelo segundo jogador. Levando-se em conta os recuos de cada jogador (tanto o que lançou o bumerangue quanto o que o agarrou) o resultado efetivo é uma atração entre os dois jogadores devido à troca do bumerangue. Fernanda Ostermann et al. 285 Figura 18: Lançamento de um bumerangue. 2) O Efeito Colchão Esta analogia compara a rede cristalina a um colchão. Quando esta se deforma, há uma interação atrativa entre dois elétrons. Figura 19: Efeito Colchão. VII.5 Analogia para a ausência de resistividade devido ao movimento ordenado dos pares de Cooper: os elétrons brincam de dominós Pode-se comparar a supercondução à conhecida brincadeira de derrubar dominós enfileirados. Esse jogo funciona apenas se a fila estiver muito bem arrumada: assim, quando o primeiro dominó é derrubado, os demais caem inevitavelmente um após o outro, em um movimento de cascata. A figura 20 ilustra esta situação. Figura 20: Movimento ordenado que ocorre na supercondução (figura retirada da revista Superinteressante, 1987). 286 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica vol. 20, no. 3, Setembro, 1998 A figura 21 mostra o arranjo dos dominós na condução comum de energia elétrica pelos fios. Nesse caso, não há uma ordem adequada na fila de dominós: eles caem ao acaso, ou se chocando de raspão com as peças seguintes ou mesmo tombando no vazio. O movimento se interrompe e é preciso fazê-lo recomeçar com outro empurrão. Figura 21: Movimento desordenado na condução normal (figura retirada da revista Superinteressante, 1987). A supercondução, de fato, é apenas uma forma de organizar o movimento das partı́culas existentes no interior de um fio elétrico. Vê-se na figura 22 que o movimento dos elétrons e dos átomos se torna perfeitamente harmonioso. Os elétrons não se chocam com os átomos ou entre si mesmo, e nem a corrente se transforma em calor. Figura 22: Movimento harmonioso de átomos e elétrons (figura retirada da revista Superinteressante, 1987). A figura 23 representa o fluxo normal da eletricidade. Empurrados pela força dos geradores de energia - o que equivale ao empurrão nos dominós - os elétrons avançam aos trambolhões. Acabam, assim, transformando parte de sua energia em calor. Figura 23: Os elétrons avançam aos trambolhões (figura retirada da revista Superinteressante, 1987). VIII. Levitação Magnética Uma manifestação do efeito Meissner é a levitação de um magneto (ı́mã) acima de um material supercondutor. A figura 24 ilustra uma demonstração do fenômeno. Figura 24: Levitação de um ı́mã sobre o supercondutor (figura retirada da Enciclopédia Encarta, Microsoft, 1996). A presença de um ı́mã nas proximidades de um supercondutor induz supercorrentes (correntes sem resistência) na superfı́cie do material. Estas supercorrentes geram seu próprio campo magnético de tal forma que o campo magnético total dentro do supercondutor vai a zero. Os dois campos opostos, o do ı́mã e o outro induzido pelo supercondutor, fazem com que o ı́mã seja repelido pelo supercondutor, exatamente como dois pólos magnéticos iguais repelem-se um ao outro. Se a força repulsiva na superfı́cie do supercondutor é maior que a
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved