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HOMEOPATIA, Notas de estudo de Bioquímica

Bases da Homeopatia

Tipologia: Notas de estudo

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Baixe HOMEOPATIA e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! HOMEOPATIA Ruy Madsen Barbosa Neto Liga de Homeopatia – Medicina Unicamp Bases da Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 1 “Assim como um animal bem adestrado obedecerá ao dono, por maior que seja a perplexidade em que se encontre e por maior que seja a necessidade de adotar novos padrões de comportamento, assim também o racionalista convicto se curvará à imagem mental de seu mestre, manter-se-á fiel aos padrões de argumentação que lhe foram transmitidos e aceitará esses padrões, por maior que seja a perplexidade em que se encontre, mostrando-se incapaz de compreender que ‘a voz da razão’ a que dá ouvidos é apenas o efeito causal tardio do treinamento que recebeu.” Paul Feyerabend (“Contra o Método”) Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 4 SUMÁRIO Contexto.....................................................................5 Hahnemann.................................................................7 Organon..................................................................... 8 Homeopatia no Brasil.................................................9 Os Fundamentos.....................................................11 A Experimentação em homens sãos...........................11 Lei dos Semelhantes...................................................11 Conceito de Saúde e Doença........................14 A Energia Vital......................................................17 A Consulta Homeopática................................20 A Matéria Médica....................................................22 Diagnóstico..............................................................23 Hierarquização.........................................................24 Repertório Homeopático..........................................25 Farmácia Homeopática......................................30 Fontes.......................................................................31 Preparo.....................................................................32 Doses e Potências..............................................35 Leis de Hering,Supressão E Exoneração .....................................................................37 Similar x Similimum..............................................41 Agravação homeopática...................................42 Prognósticos.........................................................43 Unicismo e Pluralismo......................................45 Efeito primário e secundário........................47 Enfermidades agudas e crônicas...............48 Miasmas......................................................................49 Psora.......................................................................50 Sicose......................................................................54 Sífilis.......................................................................55 Importância dos miasmas.......................................56 Racionalidades médicas...................................59 Homeopatia e Pesquisas.................................61 A Natureza do medicamento homeopático.................64 Atividade farmacodinâmica das ultradiluições...........67 Hipóteses para o mecanismo de cura homeopático....68 Bibliografia.............................................................69 Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 5 I. CONTEXTO O estudo da história da Medicina, matéria da qual pouco (ou nada) se fala durante a formação médica, é um passo fundamental para se entender os conceitos e as práticas atuais. De onde vem o que é ensinado nas faculdades? Existem outras formas de se pensar a saúde, a doença e o tratamento? Se a experiência nos mostra que há varias práticas, então, por que uma determinada prática conquistou a posição de medicina oficial? Os povos do Oriente pensam sobre a medicina há milênios. As racionalidades médicas orientais mais importantes e utilizadas são a Medicina Tradicional Chinesa e a Medicina Ayurvedica. Essas racionalidades milenares não são ensinadas aos alunos de medicina. Como nasceu a medicina oficial do Ocidente - aquela que é ensinada durante a formação dos médicos? A Grécia antiga abrigou duas grandes escolas médicas nas cidades de CNIDO e COS. Em Cnido predominava o raciocínio analítico (decompor o todo em seus elementos constituintes). Em Cos predominava o raciocínio sintético (reunião dos elementos em um todo). Tais diferenças de pensamento levam a diferentes atitudes médicas. Para o médico de Cnido o que deveria ser estudado era a doença e a forma de se intervir nela. Já para o médico de Cos o importante era entender o doente em sua totalidade e aguardar as reações naturais. Hipócrates (460-350 a.C.), o pai da medicina, foi professor em Cós. Era um talentoso observador da natureza. Ficou famoso pelos seus aforismos, sentenças breves que transmitem seus conselhos médicos. Provavelmente, o Corpus hipocraticus (conjunto de obras atribuídas a Hipócrates) não foi escrito só por uma pessoa, mas por um grupo de alunos do grande médico que lançou as bases da medicina ocidental. Hipócrates se opõe à medicina mística, ensina a observar os sinais dos males que afligiam os doentes. Conclui que a doença é um processo natural. Os sintomas são reações do organismo. Como Hipócrates (e seus seguidores) não possuía uma terapêutica sistematizada, sua principal preocupação era não atrapalhar a força imaterial que naturalmente conduz à cura. Para o pai da Medicina, a função do médico deveria ser a de ajudar a vis medicatrix naturae, ou seja, a força natural de cura. Seus tratamentos baseavam-se em orientações comportamentais, higiênicas e dietéticas. Hipócrates concluiu que existem três maneiras de se tratar: “contraria contariis curentur” (sejam os contrários curados pelos contrários)- base da Alopatia. “similia similibus curentur” (sejam os semelhantes curados pelos semelhantes)- base da Homeopatia. “vis medicatrix naturae” – força de cura natural, a defesa do organismo. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 6 Esses caminhos apontados por Hipócrates foram sendo usados e comprovados ao longo da história da medicina. O maior nome da Medicina após Hipócrates é o de Galeno (138 – 201 d.C.). Grande anatomista e fisiologista. Foi médico dos gladiadores. Não aceitava a concepção hipocrática de “poder curativo da natureza”. Concebia o corpo humano como um instrumento da alma. As doenças eram, para ele, localizadas em órgãos do corpo. Para ele toda alteração correspondia a uma lesão em algum órgão. Propagou o método de cura pelos contrários, mas reconhecia a existência do método dos semelhantes. Seus pensamentos dominaram a medicina durante séculos. Como veremos são dois tipos de visão que predominam na história da medicina: o Mecanicismo e o Vitalismo. Grandes médicos ora defendem uma concepção, ora a outra. Os mecanicistas viam o homem como uma máquina, a doença como um defeito da máquina e a tarefa do médico como o conserto da máquina. Tal visão, baseada na filosofia grega, tem seu ápice na filosofia de René Descartes e na física newtoniana. Os vitalistas, por sua vez, conservaram a visão de totalidade do ser vivo, viam a doença como um desequilíbrio da força imaterial que mantém a vida. No período do renascimento destaca-se o nome de Paracelso (1493 – 1541 d.C.), o médico dos pobres. Indignou-se com a medicina de sua época e queria reformá-la. O verdadeiro médico, para ele, deveria basear-se na observação da natureza e não divagar em textos sem fim como fizeram Hipócrates e Galeno. Paracelso aceitava a Força vital conforme o ensinamento de Hipócrates, mas ao contrário deste, não se limitava a aguardar a reação do organismo, buscava meios de estimular a força vital. Com sua doutrina das assinaturas, Paracelso administrava substâncias que tivessem características (cor, forma, odor e sabor) semelhantes aos sintomas e órgãos afetados dos doentes. Por exemplo: a flor da Eufrásia é semelhante à íris, portanto era recomendada para doenças dos olhos. A cor amarela da açafroeira a tornava indicada para tratar a icterícia (coloração amarelada da pele e mucosas)... No século XVII surge Thomas Sydenham (1624 – 1689). Foi chamado de Hipócrates britânico. Também defendia a observação da natureza como base para a medicina. O dever do médico, para Sydenham, era ajudar a força vital a manter o equilíbrio, por isso os tratamentos que usava eram as orientações higiênico-dietéticas, tal como Hipócrates fazia dois mil anos antes. No século XVIII predominavam os tratamentos mecanicistas, que visavam eliminar do corpo aquilo que estaria causando a doença. Os métodos empregados eram: a sangria (retirada de sangue usando-se ventosas, sanguessugas e lancetas), administração de substâncias que causassem diarréia e vômito, além de irritativos sobre a pele. Acreditavam estar, desta forma, eliminando as impurezas. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 9 A medicina convencional, a qual chamamos de medicina oficial ou Alopatia para continuar usando a denominação dada por Hahnemann, utiliza, na verdade, os métodos alopático, enantiopático, tautopático, isopático e até homeopático. Excluímos deste estudo a Cirurgia, conjunto de técnicas que visa tratar enfermidades ou promover correções através da atuação direta sobre o organismo. A Homeopatia (tratamento pelo semelhante) não pode ser confundida com a Isopatia ou com a Tautopatia. HOMEOPATIA NO BRASIL Em 21 de Novembro de 1840 desembarcou no Brasil o médico francês Jules Benoit Mure, discípulo de Hahnemann. Foi o primeiro a divulgar a prática no país, por isso, em 21 de Novembro comemora-se, no Brasil, o dia da Homeopatia. HOMEOPATIA: termo criado por Hahnemann em sua obra “Organon da arte de curar” para designar o sistema médico baseado na lei dos semelhantes (“similia similibus curentur”). ALOPATIA: (do grego: alloion - diferente + pathos - sofrimento) termo criado por Hahnemann para designar a medicina oficial de seu tempo. Emprega remédios de ação diferente da doença que se visa tratar. ENANTIOPATIA: (do grego: enantio - contrário) baseada no princípio dos contrários (“contraria contrariis curentur”). Utiliza remédios de ação oposta à enfermidade natural. São exemplos desta terapêutica os medicamentos “anti”: antibióticos, antiinflamatórios, analgésicos, antiespamódicos etc. Confunde-se com a Alopatia. ISOPATIA: (do grego: isos - igual) método terapêutico que utiliza (para curar ou prevenir) o mesmo fator que aparentemente é a causa da doença. São exemplos: as vacinas e os soros. TAUTOPATIA: (do grego tautos - o mesmo) método terapêutico usado em algumas intoxicações. Consiste em usar doses menores da própria substância que intoxicou o organismo. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 10 Contando com o apoio do imperador Dom Pedro II, Benoit Mure funda em 1844 a Escola de Homeopatia do Rio de Janeiro. Devido ao seu baixo custo e eficiência, a Homeopatia, durante o período da escravidão, foi a única forma de medicina usada pelos escravos e pelas classes excluídas. No início do século XX, a Homeopatia cresce com a criação de ambulatórios e enfermarias nas forças armadas. Nesta época surge uma figura importante, o Dr. NILO CAIRO, que funda a Revista Homeopática do Paraná e escreve um livro de Homeopatia (ainda hoje muito difundido entre o público leigo). Em 1912, nasce a Faculdade Hahnemaniana de medicina e, em 1916, o Hospital Hahnemaniano do Brasil. A associação Paulista de Homeopatia (APH) é fundada em 1936, local onde passa a ser oferecido o curso de especialização em Homeopatia. Atualmente, em São Paulo, é a Escola Paulista de Homeopatia (EPH) que responde pelo curso de especialização com duração de três anos. Em 1952, torna-se obrigatório o ensino de técnicas de farmácia homeopática nas faculdades de farmácia do Brasil. Em 4 de Julho de 1980 a Homeopatia é reconhecida, no Brasil, como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina. Hoje é a 16ª especialidade em número de profissionais no país. Infelizmente, desde a introdução da Homeopatia feita por Benoit Mure em 1840, nosso país não mudou muito: persistem a miséria, a desigualdade social e o alto custo da saúde. Felizmente, também as características fundamentais da Homeopatia (baixo custo e eficiência) não mudaram. Uma medicina preocupada com a totalidade do doente e, por isso mesmo, preventiva; uma medicina que oferece possibilidade de saúde para todos e que não depende de alta tecnologia para atingir seus objetivos; uma medicina cujo medicamento custa ao redor de US$ 3 (três dólares) e que tem por princípio a prescrição de um único remédio por vez. Tais características fazem da medicina homeopática a mais adequada a um país como o Brasil. Por isso, vem crescendo a inserção da Homeopatia no sistema público de saúde. Somente o meio acadêmico permanece indiferente a esta realidade. As faculdades continuam formando profissionais da saúde que não possuem o menor conhecimento das bases da Homeopatia. Noventa e cinco por cento das escolas médicas brasileiras despejam no mercado, todos os anos, profissionais médicos que não poderão discutir outras opções de tratamento com seus pacientes. Esta postura adotada por grande parte do meio acadêmico não é apenas anticientífica, é também antiética. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 11 II. OS FUNDAMENTOS A Homeopatia, como toda racionalidade médica [veja conceito no capítulo XVI], é ciência e arte de curar. É ciência porque possui um conjunto de conhecimentos organizados e uma metodologia própria. As bases da Homeopatia, reconhecidas por Hahnemann após suas experiências, são: 1- Experimentação dos medicamentos em homens sãos; 2- Princípio da Semelhança (ou Lei dos Semelhantes); 3- Administração de medicamento único e dinamizado. A EXPERIMENTAÇÃO EM HOMENS SÃOS Esta foi uma das maiores contribuições de Hahnemann para a Medicina. Uma inovação dos métodos de pesquisa. A questão a ser respondida era: - Como descobrir possíveis efeitos curativos de determinada substância? Ao utilizar animais teremos sempre resultados parciais, falsos ou pobres em detalhes em virtude das características peculiares aos seres humanos. Ao utilizar pessoas doentes não saberíamos quais ações são devidas à droga e quais são devidas à doença. Assim, Hahnemann estabelece orientações para a experimentação de substâncias: o Em cada experiência deve-se estudar uma única substância diluída segundo o método homeopático; o Administrá-la repetidamente a um grande número de indivíduos saudáveis de ambos os sexos; o Observar e anotar as alterações que daí surgirem no estado físico e mental dos participantes. Com a experimentação, o pesquisador homeopata descobre várias manifestações que cada substância pode desencadear em uma pessoa que seja sensível a ela. Atualmente as experimentações de novos medicamentos são controladas usando-se o método epidemiológico. As descrições minuciosas de todas as alterações (sintomas) provocadas pela substância experimentada são chamadas PATOGENESIAS. O conjunto de patogenesias recebe o nome de MATÉRIA MÉDICA. LEI DOS SEMELHANTES Toda substância capaz de provocar determinados sintomas numa pessoa sadia é capaz de curar sintomas semelhantes que se apresentam numa pessoa doente. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 14 III. CONCEITO DE SAÚDE E DOENÇA Ao experimentar a quina, Hahnemann enriquece a Medicina com duas grandes idéias: o A lei dos semelhantes o A necessidade da experimentação em pessoas sãs Hahnemann descreve a sua experiência pioneira nestes termos: “Tomei, como experiência, duas vezes ao dia, quatro dracmas de boa quina. Meus pés e as extremidades dos dedos ficaram frios, fui ficando lânguido e sonolento, depois ocorreram palpitações do coração e o pulso ficou fraco, ansiedade intolerável, tremor, prostração de todos os meus membros, em seguida, latejo na cabeça, vermelhidão nas faces, sede e, resumindo, apareceram todos esses sintomas que são ordinariamente característicos da febre intermitente, um após o outro, sem, no entanto, o frio peculiar e o calafrio. Em suma, até mesmo esses sintomas que ocorrem regularmente e são especialmente característicos como o embotamento da mente, aquela espécie de rigidez dos membros e acima de tudo a desagradável sensação de entorpecimento que parece ocorrer no periósteo, espalhando-se para todos os ossos do corpo – tudo isso apareceu. Esse acesso durava duas ou três horas de cada vez e só reaparecia se eu repetisse a dose, caso contrário, não; interrompi a dosagem e fiquei com boa saúde”. Para Hahnemann, a totalidade sintomática provocada pela ingestão da quina era muito semelhante ao quadro de sintomas da Malária (febre intermitente). Vejamos como o quadro clínico da mesma enfermidade é apresentado nesta transcrição de um trecho do Harrison (famoso Tratado de Medicina Interna da atualidade): “Os primeiros sintomas da Malária são inespecíficos: mal estar, fadiga, desconforto abdominal e dores musculares seguidas por febre (...) náuseas, vômitos e hipotensão são comuns”. Comparando-se o trecho de Hahnemann (séc. XIX) e o trecho atual, percebe-se que muitos dos sintomas dos dois textos se equivalem, porém a descrição de Hahnemann é muito mais pormenorizada, rica em detalhes, levando em consideração a subjetividade, as sensações vividas durante a experimentação e que, obviamente, só poderiam ser descritas por ele. Para a medicina convencional importam os sintomas e sinais descritos objetivamente com a intenção de encaixá-los em alguma síndrome conhecida e, a partir daí, descobrir a etiologia (fator que causou o problema). O médico convencional busca coletar alguns dados do doente que apontem para uma causa dentre as inúmeras possíveis. Partindo do todo (o doente) chega na parte (a doença). Este raciocínio é chamado de reducionista. O médico Homeopata busca, além das alterações físicas do doente, outros sinais e sintomas que caracterizem aquela pessoa em sua totalidade. Das partes (sintomas) chega no todo (o doente). Este raciocínio é chamado sintético. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 15 A Homeopatia segue este raciocínio, pois só descobrindo a totalidade sintomática do doente (e não apenas da doença) é que se encontrará o medicamento mais semelhante possível para alcançar a cura. Outra grande diferença entre o pensamento homeopático e o da medicina convencional é quanto à função do médico. Um tratado de semiologia (Porto) de uso comum nas faculdades de medicina expõe: “... qual seria a preocupação fundamental do médico? É o diagnóstico. Pois lhe será possível atender aos dois outros (terapêutica e prognóstico)”. Hahnemann mostra sua visão sobre o tema no primeiro parágrafo do Organon: “A única e suprema missão do médico é restabelecer a saúde, que é o que se chama curar...”. Logicamente, o médico homeopata também se preocupa em diagnosticar as enfermidades de seus doentes, porém a terapêutica não está presa ao diagnóstico da doença (da entidade nosológica). O médico convencional, no entanto, fica de mãos atadas enquanto não descobre o nome da doença do paciente. Toda ciência e arte da Homeopatia estão voltadas para a busca do medicamento mais semelhante à totalidade da pessoa que se quer curar. As grandes diferenças entre as racionalidades homeopática e convencional podem ser explicadas pelas visões que cada uma tem acerca de saúde, doença e cura. A visão da Homeopatia é dada pelos parágrafos 9 e 19 do Organon. Parágrafo 9. “No estado de saúde, a energia vital imaterial que dinamicamente anima o organismo material, governa de maneira absoluta e mantém todas as partes do organismo em uma admirável atividade harmônica, tanto em relação às sensações e funções, de modo que o espírito dotado de razão que reside em nós pode empregar livremente estes instrumentos vivos e sãos para os mais altos fins da nossa existência”. A respeito deste parágrafo, James Tyler Kent, médico homeopata contemporâneo de Hahnemann, disse que é inacreditável como alguém conseguiu dizer tanto em tão poucas linhas. O parágrafo 9 descreve o que é a saúde para a Homeopatia: um equilíbrio dinâmico (sujeito a oscilações), mantido pela energia vital, que é a parte imaterial dos seres vivos. Para Hahnemann, a saúde está intimamente ligada aos objetivos de vida, à capacidade criativa do homem. A saúde não pode ser um fim, mas um meio. Dizemos que um tratamento verdadeiro visa a cura do doente por inteiro, ou seja, todas as esferas da vida da pessoa (desde o mental até o físico). O conceito de saúde atual, ditado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é “estado de bem estar físico, mental, social e espiritual”. Ainda que tal conceito supere a antiga Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 16 visão de saúde como ausência de doença e considere outras dimensões do ser humano, ele continua defendendo uma visão estática de saúde. Para a Homeopatia, a saúde está sujeita a flutuações, a interferências saudáveis, que podem até levar a um mal estar momentâneo, mas que não comprometem a capacidade criativa do sujeito. A saúde seria então um meio para se atingir os fins da existência, não um fim em si mesma. O parágrafo 19 do Organon diz: “As enfermidades não são mais do que alterações do estado de saúde do indivíduo que se manifestam por sinais mórbidos. A cura só é possível por uma volta ao estado de saúde do indivíduo enfermo. Então é evidente que os medicamentos nunca poderiam curar as enfermidades se não possuíssem o poder de alterar o estado de saúde do homem”. A enfermidade, em sua totalidade, pode ser conhecida através de sinais. E deve ser conhecida integralmente. Não apenas a alteração física deve ser considerada como enfermidade, mas todos os sinais que constituem aquele desequilíbrio individual. Cada pessoa tem a sua forma de adoecer. A entidade nosológica (ou seja, o nome da doença) é apenas parte de um universo que é a pessoa doente. Se quisermos alcançar uma cura completa não podemos nos ater apenas a uma parte da enfermidade. Curar é promover um retorno ao estado de saúde (equilíbrio dinâmico). Ora, o que mantém a saúde de nosso organismo é a energia vital, portanto o medicamento que promoverá a cura precisa ser capaz de afetar (influenciar) esta energia. Hahnemann recomenda o método da “experimentação no homem são” para descobrir de que maneira uma substância afeta a energia vital. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 19 suscetibilidade”, a medicina conheceu, por um lado, avanços grandiosos e, por outro, um processo interminável de “desumanização”. A arte da medicina passou a ser a arte da guerra. A preocupação médica foi deixando de ser o restabelecimento da saúde para ser o combate à doença. O vocabulário médico foi acrescido de termos bélicos: arsenal terapêutico, drogas de primeira linha, dose de ataque, inimigos multiresistentes etc... A medicina convencional passou a querer controlar a morte no âmbito coletivo e, por isso, sem perceber, foi deixando o individuo de lado. Atualmente percebem-se as conseqüências dessa opção: uma verdadeira crise de paradigma da medicina, deficiência na relação médico-paciente, tecnologia “fria” que separa o doente de seu médico, medicalização excessiva e grande procura por práticas ditas alternativas. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 20 V. A CONSULTA HOMEOPÁTICA Se, para a Homeopatia, a doença é uma perturbação da energia vital que se manifesta pelos sinais e sintomas, então o médico homeopata deve coletar essas manifestações para escolher, dentre as substâncias já experimentadas, aquela que provoque, num indivíduo saudável, sinais e sintomas semelhantes aos do doente que se quer curar. Ora, quando a energia vital está afetada, há manifestações na totalidade da pessoa. Quais sintomas devem, então, ser considerados? A resposta está no parágrafo 12 do Organon: “O que origina as enfermidades é a força vital afetada. Por isso, os fenômenos mórbidos acessíveis aos nossos sentidos expressam todo o interior, em uma palavra, revelam toda enfermidade...”. A observação que o médico faz do seu paciente deve ser integral. Deve descobrir não só as alterações físicas localizadas em algum órgão, não apenas uma entidade nosológica, mas todas as manifestações físicas e mentais que denunciam totalmente a perturbação da energia vital que rege a saúde. Assim, o médico homeopata não se preocupa com a totalidade por modismo ou preciosismo, mas porque não há outra maneira de descobrir o medicamento mais semelhante e, portanto, curativo. Parágrafo 18 do Organon: “... deduz-se inegavelmente que a soma de todos os sintomas e condições perceptíveis em cada caso individual de enfermidade, deve ser a única indicação, o único guia que nos leve à indicação do remédio”. O que são os sintomas para a Homeopatia? - Expressões da reação da energia vital. Os sintomas podem ser classificados em: Subjetivos, quando podem ser percebidos apenas pela pessoa que os comunica (ex: medos, sensações, ilusões...). Objetivos, quando podem ser notados por um observador (ex: alterações da pele, movimentações, pressão arterial...). Quanto à localização, os sintomas podem ser: Mentais. (ex: manifestações psíquicas, afetividade, inteligência, ilusões...). Gerais. (sintomas da interação com o ambiente. Ex: transpiração, sensibilidade ao tempo, sexualidade, apetite, sede...). Locais. (próprios de cada órgão ou região do corpo. Ex: dores, inflamações, pruridos...). Os sintomas locais são chamados de: o Funcionais ou reversíveis: quando provocam somente alterações da função. o Lesionais ou irreversíveis: quando, além da função, a estrutura do órgão foi afetada. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 21 Quanto à freqüência na população, os sintomas podem ser: Comuns: apresentam-se em grande quantidade de doentes e surgem nas experimentações de vários medicamentos. Esses sintomas têm pouco valor na consulta homeopática. (ex: dores, insônia, vômitos, cansaço...). Patognomônicos: são sinais e sintomas que quando estão presentes indicam obrigatoriamente uma determinada entidade nosológica. São muito valiosos para a medicina convencional, que visa diagnosticar a doença para poder instituir o tratamento. Para a Homeopatia esses sintomas têm valor relativo, pois, assim como os sintomas comuns, não contribuem na individualização do paciente. Característicos: são os sintomas comuns acrescidos de alguma modalidade. São chamados “sintomas modalizados”. Essas modalidades são fatores que melhor individualizam o sintoma, ou seja, aquilo que diferencia o sintoma de um doente para o outro. Ex: cefaléia (dor de cabeça) é um sintoma comum, aparece em vários doentes e vários medicamentos o provocam nas experimentações. Porém uma “cefaléia que piora com o movimento, piora por tossir e melhora com pressão externa” é um sintoma característico que aparece em poucas pessoas e poucos medicamentos o provocam. Podemos ter ainda “sintomas raros e peculiares”, que são ainda menos freqüentes e, por isso, ajudam muito na individualização do caso. Ex: paciente sente-se “como se não fosse amado por seus pais”; paciente sente “alegria durante as tempestades”. Para encontrarmos os sintomas que mais interessam em cada paciente, os sintomas que mais diferenciam uma pessoa de outra, é necessário colher uma história clínica completa e cuidadosa. A isso denominamos anamnese (coletar e anotar toda a história dos sintomas do doente). Logicamente, o paciente procura o médico por uma queixa específica, por uns poucos sintomas. Cabe ao homeopata não se prender a esses pontos que mais visivelmente incomodam o doente, mas sim encontrar outros sintomas mais profundos (“individualizantes”), que denunciarão toda a enfermidade e não apenas uma parte dela. Muitos médicos da medicina convencional também fazem uma anamnese completa. Porém, os sinais e sintomas comuns e patognomônicos bastam para que formulem o diagnóstico e instituam a terapêutica. Os sintomas modalizados, peculiares e raros interessam apenas ao homeopata, posto que este busca o diagnóstico individual da perturbação da energia vital para descobrir a medicação mais apropriada para cada caso. Por isso se fala que “o homeopata ainda nem iniciou sua história clínica quando o alopata já terminou”. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 24 A resposta é Hierarquização e Repertorização. HIERARQUIZAÇÃO Hierarquia é uma classificação por ordem, uma escala. Hierarquizar é organizar seguindo uma ordem. Em Homeopatia, a compreensão de qual sintoma é o mais ou o menos importante denomina-se “hierarquização dos sintomas”. Veja a orientação de Hahnemann (Organon, par. 153): “Na busca por um remédio homeopático específico devemos ter em conta, principal e unicamente os sinais e sintomas mais notáveis, singulares, extraordinários e característicos do caso patológico (...) Os sintomas mais gerais e indefinidos como perda de apetite, mal estar geral etc merecem pouca atenção quando apresentam este caráter vago indefinido, pois são observados em todas as enfermidades e em quase todas as drogas”. A busca do homeopata é por sintomas próprios do SUJEITO doente e não específicos da entidade nosológica. Logicamente, a queixa principal, a manifestação mais chamativa, aquilo que levou o doente ao médico será investigado. O médico homeopata, como qualquer outro médico, objetivando um diagnóstico clínico, solicitará os exames complementares que forem necessários e a opinião de outros especialistas. Porém, estas manifestações que levam a um diagnóstico clínico (à descoberta de qual é o nome da doença) constituem, para a Homeopatia, apenas uma imagem mais generalizante, evidente e impessoal do doente. A analogia com a observação de uma pintura é pertinente. Os sintomas mais comuns são aquelas formas óbvias que qualquer um percebe ao admirar um quadro, o próprio paciente nota, pois ele é o seu primeiro médico. É ele quem faz seu primeiro diagnóstico ao pensar que precisa de ajuda. Ele percebe que algo não está certo ou que alguma coisa falta no seu quadro. Um médico convencional, após uma análise superficial, dirá o que é que não está certo, quais são os desvios da normalidade que estão promovendo as manifestações incômodas (quais os erros grosseiros da obra). Mas, aqueles sintomas mais “singulares, extraordinários e característicos”, no dizer de Hahnemann, são os detalhes da pintura que poucos vêem. São os sintomas que conduzem à individualização do quadro, ao diagnóstico constitucional do doente. Uma mulher com pneumonia é diferente de outra mulher com pneumonia. O diagnóstico clínico é o mesmo, mas certamente o diagnóstico constitucional será diferente. Da mesma forma que uma mulher pintada por Monet é diferente de uma pintada por Renoir. Sendo necessários olhos atentos (“sentidos perfeitos”) para perceber os detalhes que individualizam uma obra da outra. Na Medicina convencional (Alopatia) as duas mulheres serão tratadas da mesma forma: - antibióticos. Na Homeopatia serão tratadas cada uma com seu medicamento individualizado (de acordo com a lei dos semelhantes). Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 25 A partir do momento em que dispomos dos sintomas mais característicos do sujeito doente passamos a ordená-los, ou seja, fazemos a hierarquização. Os autores homeopatas concordam que os sintomas mentais são os de maior valor (a personalidade, o intelecto, a afetividade, etc), depois os sintomas gerais (a relação com o clima, alimentação, transpiração, sexualidade etc) e por último os sintomas locais e físicos. Ressalte-se que os sintomas mais antigos (que se manifestam há mais tempo) têm mais valor que os sintomas recentes. Este é o esquema didático proposto pelo médico homeopata argentino Francisco Eizayaga para a hierarquização dos sintomas: I. Sintomas constitucionais (personalidade/ angústia principal/ sentimento predominante). II. Sintomas Individualizantes/ característicos: 1. Mentais (medos, ansiedade, tristeza, sonhos, memória etc) 2. Gerais (desejo alimentar, sede, sono, transpiração etc) 3. Locais (sintomas físicos raros, sensações localizadas etc) III. Sintomas comuns (transtornos funcionais, lesões orgânicas, dores etc). CASO CLÍNICO 2 “Mulher, 50 anos, queixa-se de dor de cabeça desde os 20 anos. Vê pontos brilhantes antes das crises de dor. Sente-se cansada todos os dias. Dores nas mamas durante as menstruações. Desde que sua mãe morreu, sonha com ela e tem a sensação de ver seu rosto. Tem medo do escuro e de que algo ruim possa acontecer. Deseja alimentos salgados e peixes.” Quais sintomas seriam mais valiosos para individualizar esta senhora: o que a diferencia de outras pessoas? 1- A dor de cabeça? – certamente não, este é um sintoma físico, localizado, muito comum. 2- O desejo de sal e peixes? – estes são sintomas gerais, mais valiosos. 3- Os medos, sonhos e ilusões? –estes são sintomas mentais muito significativos para a Homeopatia. Provavelmente, a paciente procurou o médico por causa das dores de cabeça, pois é isto que mais a incomoda. Porém, o homeopata precisou descobrir sintomas que melhor caracterizem (individualizem) esta paciente. Escolheu então os sintomas mentais e gerais (por serem mais valiosos) para buscar no Repertório o medicamento mais apropriado, conforme a lei dos semelhantes. REPERTÓRIO HOMEOPÁTICO Repertório homeopático é um dicionário dos sintomas registrados na matéria médica. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 26 Nos livros de “matéria médica”, cada capítulo corresponde a um medicamento com a lista de sintomas que o mesmo provocou nas experimentações. O “Repertório” segue o caminho inverso: procura-se determinado sintoma e este é seguido da lista de medicamentos que o provocam. O médico homeopata, após recolher a totalidade característica do doente numa consulta completa e detalhada, elege os sintomas mais e menos importantes, ou seja, faz a Hierarquização. É necessário eleger sintomas e não utilizar todos, pois seria inviável trabalhar com um universo tão grande de características mentais e físicas que compõem um ser humano. Mas, para termos certeza de que esses sintomas escolhidos retratam mesmo a totalidade do doente, o quadro de sintomas hierarquizados deve ter ao redor de cinco sintomas bem característicos e significativos. É a chamada síndrome mínima de valor máximo. Depois, procura-se no repertório estes sintomas, buscando quais são os medicamentos que nas experimentações produziram tal conjunto de sintomas. Este processo de consulta ao repertório chama-se Repertorização. Se apenas um medicamento “cobrir” todos os sintomas hierarquizados, então este será, provavelmente, o melhor remédio para o paciente. A dificuldade ocorre quando mais de um medicamento “cobre” todos os sintomas, ou então, quando nenhum medicamento consegue cobrir o conjunto. Receitaríamos, então, mais de um medicamento para o paciente? Não. Um dos fundamentos da verdadeira homeopatia é a administração de um remédio único por vez, da mesma forma que em cada experimentação os participantes sãos ingeriram apenas uma substância. Qual a saída? No repertório, os sintomas recebem uma pontuação: • Sintoma que só apareceu em uma experimentação daquela substância = 1 ponto. • Sintoma que também apareceu em novas experimentações da mesma substância = 2 pontos. • Sintoma que surgiu na experimentação, nas novas experimentações e que foi confirmado na clínica (pela cura dos doentes que apresentaram este sintoma) = 3 pontos. Depois de eleger a totalidade sintomática do doente (ou seja, os sintomas que melhor individualizam aquele paciente), o médico procura o medicamento que cobre essa totalidade. Mas, além de cobrir a totalidade sintomática, o medicamento precisa Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 29 Ou seja, o sintoma “Medo de ficar louca” aparece na matéria médica de 47 medicamentos; porém apenas 4 medicamentos apresentam em suas matérias médicas todos os sintomas da Síndrome Mínima de Valor Máximo da paciente. Esses quatro medicamentos são: Calcarea sulphurica, Magnésia carbonica, Pulsatilla e Natrum muriaticum. -Receitaríamos os quatro medicamentos para nossa paciente? Não. Uma das bases da original Homeopatia Hahnemaniana é a administração de uma única substância por vez, da mesma forma que nas experimentações cada experimentador ingere apenas aquela substância cujos efeitos estão sendo pesquisados. Um daqueles quatro medicamentos deve ser o mais semelhante possível ao caso da paciente. Deve-se, portanto, conferir a pontuação de cada medicamento. O quadro repertorial deste caso é assim representado: Sintoma A Sintoma B Sintoma C Calcarea sulphurica 1 1 1 Magnésia carbonica 1 2 1 Pulsatilla 3 1 1 Natrum muriaticum 2 1 3 Calcarea sulphurica somou 3 pontos, Magnesia carbonica somou 4 pontos, Pulsatilla somou 5 pontos, Natrum muriaticum somou 6 pontos. A repertorização aponta para Natrum muriaticum como a melhor opção.O próximo passo seria conferir na matéria médica de Natrum muriaticum se a “imagem” da doente confere com a “imagem” do medicamento. A repertorização é apenas uma técnica e pode induzir ao erro se o homeopata negligenciar o estudo da matéria médica. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 30 VI. FARMÁCIA HOMEOPÁTICA A primeira publicação de Hahnemann relacionada à Homeopatia foi o “Ensaio sobre um novo princípio para descobrir o poder curativo das substâncias medicinais...”, publicado em 1796, em um importante periódico da Alemanha - o Jornal de Hufeland. Nesse texto, o fundador da Homeopatia comunica os resultados de suas experiências e lança as bases da primeira prática médica científica da história. No século XVIII, grande parte da terapêutica comumente utilizada era iatrogênica, ou seja, a medicina provocava mais sofrimentos e doenças naquelas pessoas a quem pretendia ajudar. A grande dúvida naquele tempo era: - como descobrir substâncias que fossem úteis para os cuidados médicos? Os achados e descobertas incidentais de alguns produtos ou práticas que melhorassem os sintomas dos pacientes não supriam as necessidades e não eram muito eficazes. Quando Hahnemann decide experimentar algumas substâncias conhecidas e anotar todo o tipo de manifestação que as mesmas provocavam em seres humanos saudáveis, o que ocorreu foi a descoberta de um método para conhecer a ação curativa das substâncias. A partir desse método experimental nascem os remédios homeopáticos. O final do parágrafo 19 do Organon diz: “... é evidente que os medicamentos nunca poderiam curar as enfermidades se não possuíssem o poder de alterar o estado de saúde do homem, dependendo unicamente disto seu poder curativo”. Em Homeopatia, são chamadas de medicamentos as substâncias administradas repetidamente a seres humanos saudáveis e que provocam o aparecimento de sintomas físicos e mentais. Tais substâncias são chamadas de remédios quando usadas para curar doentes que apresentem sintomas (físicos e mentais) semelhantes àqueles provocados em pessoas saudáveis. O doente comunica o que precisa ser curado, ou seja, sua totalidade sintomática. O medicamento, por sua vez, mostra o que é capaz de curar – o quadro sintomático que produz nos experimentadores sãos. O doente apresenta uma “enfermidade natural”. O medicamento provoca uma “enfermidade artificial”. Além de encontrar o método experimental para descobrir medicamentos, Hahnemann encontrou também um novo método para prepará-los: a Dinamização. Como saber se as substâncias altamente tóxicas e venenosas serviriam como medicamentos? Seria necessário que o método da experimentação em homens sãos fosse útil também para essas substâncias. Hahnemann não poderia submeter seus colaboradores a riscos nas experimentações. Decide, então, diluir as substâncias e Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 31 percebe que os sintomas continuam sendo provocados, porém sem os efeitos tóxicos das doses ponderais (ou seja, as doses que podem ser pesadas). Sintomas como: náusea, vômitos, diarréia, mal estar generalizado, convulsões, coma, são devidos à ação tóxica das doses altas de muitas substâncias. No entanto, doses pequenas produzem sintomas mais variados e “refinados” (mentais, emocionais e físicos). A partir dessa constatação, Hahnemann passou a utilizar as doses mínimas, chamadas doses infinitesimais, posto que se submete a substância original a diluições sucessivas indefinidamente. Entre cada diluição Hahnemann também agitava vigorosamente o medicamento, sendo este ato chamado de sucussão. O conjunto Diluição + Sucussão é chamado Dinamização. FONTES Os medicamentos homeopáticos têm origem nos três reinos da natureza: vegetal, animal e mineral. • Reino vegetal: contribui com o maior número de medicamentos homeopáticos. No preparo podem ser usadas plantas inteiras ou apenas suas partes (flores, folhas, frutos, sementes...). Há condições ideais para o plantio e colheita, respeitando-se sempre a maneira original da composição do medicamento. • Reino Animal: podem ser utilizados animais inteiros ou produtos de origem animal, secreções fisiológicas ou mesmo patológicas. • Reino Mineral: podem ser utilizados sais, metais, ácidos, bases... Em princípio, qualquer substância orgânica ou inorgânica pode ser submetida ao método homeopático de preparação medicamentosa. Porém, teoricamente, tal substância somente deveria ser utilizada na prática médica homeopática depois de ter passado pelo método da experimentação em pessoas sãs. Alguns exemplos de Medicamentos Homeopáticos e suas fontes: Vegetal 1. Plantas inteiras. Ex: Pulsatilla (anêmona dos ventos), Rhus toxicodendron (Hera-venenosa)... 2. Partes de plantas. Ex: Allium cepa (cebola), Belladonna... Animal 1. Animais inteiros. Ex: Apis mellifica (abelha), Formica rufa (formiga)... 2. Secreções normais. Ex: Lachesis (veneno da cobra surucucu), Lac caninum (leite de cadela), Sepia (tinta de um molusco)... 3. Produtos patológicos. Ex: Medorrhinum (corrimento da gonorréia), Malandrinum (crosta do casco do cavalo)... Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 34 3- Fluxo Contínuo é um método para o preparo de altas potências. Só é possível sua realização com aparelhagem própria. Uma corrente ininterrupta do solvente dilui e agita o medicamento ao mesmo tempo. Não é um método perfeito do ponto de vista Hahnemaniano, mas na prática clínica demonstra resultado. APRESENTAÇÃO Os medicamentos podem ser comercializados sob a forma líquida ou sólida (tabletes, comprimidos, pó e glóbulos). As apresentações mais comuns na prática da Homeopatia são as formas líquidas e os glóbulos. Os glóbulos são esferas de sacarose, previamente embebidas na forma líquida correspondente à potência desejada. Por exemplo: “Sulphur CH 30 – gotas” é a substância Sulphur diluída na escala 1:100, 30 vezes, seguindo o método hahnemaniano, com 100 sucussões a cada nova potência. Para se preparar “Sulphur CH 30 – glóbulos” basta embeber as esferas de sacarose com algumas gotas da forma líquida. O MEDICAMENTO Por fim, medicamento homeopático é toda substância submetida à dinamização (diluição + sucussão), passível de provocar sintomas em pessoas saudáveis e de curar esses sintomas quando prescrita a doentes segundo a Lei dos Semelhantes. Se uma substância for preparada segundo os métodos da farmácia homeopática, mas for administrada a um doente sem a devida consulta homeopática, com intuito de “melhorar” algum sintoma, ou se esse medicamento for prescrito visando apenas o alívio de uma determinada doença – tais práticas não configuram a verdadeira Homeopatia. Não existem remédios homeopáticos para dor de cabeça, para emagrecer, para pressão alta... O que existe na Homeopatia são medicamentos individualizados para cada doente. A Homeopatia é a medicina do doente, não da doença. O professor Paulo Rosenbaum resume muito bem essa característica ao dizer que a Homeopatia é uma “medicina sob medida”. A medicina que não apenas leva em consideração o doente, mas que tem no sujeito doente seu fundamento é a Homeopatia. Por isso, usar remédio homeopático para tratar doenças específicas é um erro conceitual, é fazer Alopatia com medicamentos destinados ao uso homeopático. Homeopatia é Totalidade. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 35 VII. DOSES E POTÊNCIAS Em Homeopatia, dose é a freqüência com que o medicamento será administrado. Na farmacologia convencional, a indicação das doses costuma ser calculada para cada quilograma de peso do paciente e pode ser controlada através da concentração da substância no sangue. Esse método é válido para medicações de ação química, que apresentam doses ponderais (que podem ser medidas). O medicamento homeopático age no organismo pela lei dos semelhantes. Não tem ação química, trata-se de uma informação, de uma “energia”. É um medicamento ultradiluído. Portanto, quando estudamos Homeopatia, não podemos falar de dose como quantidade, mas sim como freqüência de uso do remédio. Há um segundo fator além da freqüência: a potência, ou seja, o grau de dinamização do medicamento (quanto foi diluído e sucussionado). Essa potência é expressa em números segundo o método de dinamização utilizado. Por exemplo: CH 30 (trigésima potência do método de dinamização hahnemaniano na escala centesimal), K 200 (ducentésima potência do método de dinamização de Korsakov), LM 4 (quarta potência do método de dinamização hahnemaniano na escala cinqüenta milesimal). Um médico homeopata, ao prescrever o remédio dinamizado, se interessa menos pela quantidade de gotas ou glóbulos que o paciente irá ingerir do que pela freqüência das tomadas e potência do medicamento. Quanto à freqüência, o remédio pode ser prescrito em: • Dose única: o paciente tomará o remédio na potência indicada apenas uma vez. • Doses repetidas: o remédio será administrado a cada intervalo de tempo determinado. No caso das doses repetidas, o homeopata pode optar por prescrever o remédio no chamado “método plus”, que consiste em diluir algumas gotas ou glóbulos do remédio na potência indicada em um copo com água e administrar uma porção ao doente agitando-se a mistura a cada nova tomada. O “método plus” nada mais é que Na farmacologia clássica há noção de dose-efeito, ou seja, maior dose significa maior efeito. Na Homeopatia essa noção não é válida. O que realmente importa é se o medicamento tem ou não similaridade com o doente. Se não for respeitada a lei dos semelhantes o paciente pode tomar litros do remédio e nada acontecerá. No entanto, se houver semelhança entre a pessoa e o medicamento, somente algumas gotas são suficiente para mobilizar a energia vital. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 36 uma nova dinamização antes de repetir a tomada do medicamento; tal procedimento permite que o tratamento ocorra com progressivo aumento da potência. Quanto à potência que deve ser utilizada não há consenso entre os homeopatas. Alguns autores advogam que potências menores estimulam maior reação na esfera física do doente, enquanto potências maiores provocariam mais a esfera mental. Outros autores, no entanto, relembram que se o remédio está corretamente indicado então ele provocará mudanças na totalidade do doente, independentemente da potência e da dose. O aumento da potência só serviria para que a energia vital não se “acostumasse” a um estímulo repetido. Apesar das novas compreensões, o estudo dos prognósticos de James Tyler KENT (abordados a seguir) ainda nos permite classificar as potências em baixas, ótimas e altas: • Diz-se que uma potência está baixa quando o medicamento está corretamente indicado, mas não se percebe alteração nos sintomas do paciente. • Diz-se que a potência é ótima quando o remédio é o similimum e cura o doente sem agravação dos sintomas (corresponde à 4ª possibilidade evolutiva –ver a seguir). • Diz-se que a potência é alta quando o remédio, corretamente indicado, promove agravação dos sintomas (corresponde à 1ª, 2ª e 3ª possibilidade evolutiva –ver a seguir). Quando o paciente está em tratamento com um remédio homeopático em determinada potência e, após confirmar que o remédio é mesmo o mais indicado para o paciente, o médico percebe que a melhoria não progride além de certo limite – esse é um sinal de que a potência deve ser aumentada. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 39 Um médico preocupado com a totalidade do paciente perceberia que os vários problemas não estão separados, mas intimamente relacionados. O que ocorreu nesse caso foi uma supressão por uma terapia paliativa. A perturbação da energia vital manifesta-se em todas as esferas. No início do caso, a esfera física estava afetada em maior grau, mas após a terapia convencional a principal manifestação está na esfera emocional. A doença se aprofundou. A cura verdadeira ocorreria, primeiramente, com a melhoria dos sintomas mentais e emocionais, com posterior e gradual melhoria das crises asmáticas e da função intestinal. Esse é um caminho de cura que respeita as leis de Hering, ou seja, uma cura de dentro para fora. CASO CLÍNICO 5 Homem, 40 anos. Há 10 anos apresenta dor de cabeça intensa, com sensação de opressão. Piora progressiva ao longo do tempo. A dor o obriga a ficar deitado por vários dias, impedindo qualquer atividade. Tem muito medo de alturas e forte desejo por doces. Sente-se incompreendido, desamparado e abandonado. O médico homeopata conclui que o medicamento mais semelhante ao caso é Argentum nitricum. Dois dias após ter tomado o remédio, o doente passa a apresentar sinusite com abundante secreção de catarro durante um mês. Todos os outros sintomas melhoraram. Discussão do caso: facilmente percebemos que o caminho de cura foi respeitado após ser introduzido o correto tratamento homeopático. Os sintomas emocionais e físicos melhoraram com surgimento de sintoma periférico (sinusite). Houve exoneração, melhoria do centro para a periferia. De órgãos mais importantes para menos importantes. _________________________ As observações de Hering a respeito do caminho de cura foram completadas por outro médico discípulo de Hahnemann, o Dr. James Tyler Kent. Esse homeopata percebeu que as diferentes enfermidades que uma pessoa sofre ao longo da vida se curam na ordem inversa de sua aparição. À medida que os sintomas atuais vão desaparecendo (respeitando as leis de cura de Hering), reaparecem sintomas antigos. Problemas que a pessoa sofreu em outra época e que acreditava terem desaparecido, na verdade estavam “por baixo” do quadro atual. A melhor analogia para o entendimento dessa constatação de Kent é a raspagem da parede de uma casa. Camadas de tinta foram sendo superpostas ao longo do tempo. Com a raspagem vão aparecendo, uma a uma, as camadas antigas, encobertas (suprimidas) até ser encontrada a cor original. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 40 CASO CLÍNICO 6 (ilustração das leis de cura) Rapaz, 14 anos, apresentou amidalites repetidas vezes. O tratamento indicado foi a extração das amídalas. Dois meses após a cirurgia, começa a sofrer de crises de falta de ar com chiado no peito. È feito o diagnóstico de Asma que é, então, tratada com medicação convencional (corticóides). Em seguida passa a ter dores de estômago que melhoram quando se alimenta. Após exames é feito o diagnóstico de úlcera duodenal. Procura, então, um médico homeopata. Na consulta, mostra-se um jovem impulsivo, emagrecido. A mãe refere que ele é mal humorado quando acorda, ansioso quando tem que esperar. Não tolera ruídos, encoleriza-se quando é contrariado. A dor no estômago melhora com calor sobre o local e piora quando se deita de bruços. Na repertorização o homeopata utilizou apenas sintomas do quadro atual e optou por administrar o medicamento Chelidonium. Na consulta seguinte, o médico homeopata percebe que a dor de estômago melhorou muito, porém os sintomas mentais não se modificaram. Realiza nova repertorização, desta vez abarcando a totalidade sintomática. Prescreve, então, o medicamento Lycopodium. Depois de alguns dias, o estado geral do doente melhora, apresentando ganho de peso. Após um mês, apresenta nova dor de estômago. Recebe nova dose da medicação e desenvolve crise asmática. Um mês depois, apresenta secreção nasal abundante e, em seguida, cessam todos os sintomas. Discussão do caso: Neste exemplo observa-se a supressão (caminho centrípeto do aprofundamento da doença) ocasionada pela amidalectomia, com aparecimento da asma, esta última também suprimida com tratamento convencional. Observa-se, também, o retorno dos sintomas antigos: após desaparecimento do sintoma recente (dor de estômago) reaparece a crise asmática suprimida um ano antes. Em seguida, percebe-se a exoneração com a descarga nasal e melhoria de todos os outros sintomas. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 41 IX. SIMILAR X SIMILIMUM Com o caso clínico anterior (n°6) podemos tecer considerações sobre a diferença de medicamento similar e similimum. Pode-se indicar um medicamento de duas formas: 1- Tomando como base a enfermidade atual, manifestada pelos sintomas atuais modalizados. Encontraremos, assim, um medicamento que cobre parcialmente os sintomas e provoca alívio no doente. É denominado “similar”. Trata-se de um efeito paliativo, passageiro. Não cobre a totalidade característica do doente. Esse tipo de conduta é usado no quadro agudo, quando o paciente está passando por uma “crise”. É um remédio “circunstancial”. No exemplo anterior houve melhora da dor de estômago pela introdução de Chelidonium, um medicamento que apenas cobria os sintomas atuais e não a totalidade do paciente. 2- O ideal da Homeopatia é a descoberta do remédio que seja o mais semelhante possível à totalidade do caso. Um medicamento que é escolhido após serem considerados os sintomas mais característicos (mentais, gerais e físicos) do doente e que promove a cura de maneira “rápida, suave e permanente”, seguindo as leis de Hering, esse é um medicamento “similimum”. Um medicamento que promove o tratamento do sujeito inteiro, seu temperamento e constituição. Um medicamento que cure a tendência ao adoecimento, ou seja, o miasma. É também chamado de “medicamento de fundo” ou “constitucional”. No exemplo anterior, muito provavelmente o similimum do paciente é Lycopodium. ________________________________ CONSTANTINE HERING Nasceu em 1800 na Alemanha. Estudou Medicina em Leipzig. Como era assistente de um médico antagonista da Homeopatia, recebe a missão de escrever um livro contra a prática homeopática. Passa, então, a estudar as obras de Hahnemann e repetir experimentos. Nessa época fica doente e é curado por um tratamento homeopático. De perseguidor passa a ser grande admirador e pesquisador da Homeopatia. Escreveu vários livros e ficou conhecido por estabelecer os caminhos da cura: as leis de Hering. Morreu em 1880. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 44 Interpretação: a melhoria não dura o tempo que deveria durar. Rápida agravação como na 3ª possibilidade, porém não é duradoura a melhoria. Duas alternativas: remédio correto com potência baixa ou paciente gravemente afetado em órgãos vitais. 7ª possibilidade: melhoria parcial de todos os sintomas. Interpretação: o remédio está correto, pois age na totalidade, mas a reação da energia vital não ultrapassa certos limites impostos por condições próprias do doente. Por exemplo: um paciente que fuma há muito tempo possui capacidade pulmonar já limitada, seus sintomas melhorarão, mas o tratamento não devolverá a capacidade original definitivamente perdida. 8ª possibilidade: remédio produz uma patogenesia. Interpretação: paciente é hipersensível e o remédio desperta novos sintomas como se fosse uma experimentação. Os sintomas são próprios da substância administrada e desaparecerão quando o doente parar de usar o remédio. 9ª possibilidade: ação dos medicamentos sobre os experimentadores. Interpretação: a possibilidade anterior (8ª) é a ocorrência de novos sintomas em uma pessoa doente que está sob tratamento. Já esta 9ª possibilidade é o surgimento de sintomas em experimentadores, ou seja, pessoas sadias que se submeteram voluntariamente a uma pesquisa homeopática. 10ª possibilidade: surgem sintomas novos. Interpretação: após administração do remédio, aparecem sintomas que o paciente nunca observou. Se neste caso for excluída a 8ª possibilidade, então, a prescrição está errada e não há similitude entre remédio e doente. 11ª possibilidade: retorno de sintomas antigos. Interpretação: o remédio é similimum e o doente está no caminho de cura. Reaparecem enfermidades antigas que foram suprimidas. A cura das várias enfermidades ocorre na ordem inversa do seu aparecimento. A primeira suprimida será a última a reaparecer para só então desaparecer por completo. 12ª possibilidade: supressão dos sintomas. Interpretação: se um paciente apresenta erupções na pele e, após tomar o remédio, percebe melhora, mas em pouco tempo volta com sintomas cardíacos dizemos que houve uma supressão. O remédio foi escolhido segundo sinais exteriores, segundo sintomas que não correspondem à totalidade. Ocorreu o aprofundamento da doença, seguindo um caminho centrípeto, ou seja, das extremidades ao centro, de órgãos não vitais para órgãos vitais. È um simples desaparecimento de sintomas e não uma verdadeira cura. Uma supressão que pode ocorrer após a instituição de qualquer tipo de terapêutica, inclusive com Homeopatia, se esta tiver seus fundamentos negligenciados por quem a pratica. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 45 XII. UNICISMO E PLURALISMO A Medicina não é somente ciência, é também arte: permite que cada médico a exerça imprimindo suas próprias marcas, conforme sua experiência. Segundo Lemos Torres, citado por Paulo Rosenbaum: “A Medicina é ciência no conteúdo e arte na sua aplicação”. Com o tempo, a Homeopatia foi assistindo o surgimento de algumas vertentes com práticas distintas. Basicamente, podemos discernir duas escolas dentro da Homeopatia, dois modos de praticá-la: o Unicismo e o Pluralismo. o Unicismo – tratamento com remédio único, individualizado, objetivando o similimum (o remédio mais semelhante ao caso). o Pluralismo – tratamento com uma mistura de medicamentos, chamados “complexos homeopáticos”. Na verdade, a diferença não se limita à prescrição. A forma do tratamento é reflexo da visão que se tem sobre saúde, doença e cura. A administração de vários “princípios ativos” por parte da prática pluralista tem, por objetivo, sanar vários problemas pontuais. Receita-se o remédio de acordo com a tendência do mesmo em influenciar determinado órgão ou sistema do corpo. A Homeopatia original (fundada, desenvolvida e aperfeiçoada por Samuel Hahnemann e seus sucessores) tem como uma de suas bases a descoberta e a prescrição de um remédio único, individualizado e dinamizado para a cura da totalidade sintomática do sujeito doente. Remédio para o doente, não para a doença. Uma única substância é dada para os experimentadores nas pesquisas patogenéticas em seres humanos saudáveis. São colhidos todos os tipos de sintomas que aquela determinada substância em estudo é capaz de provocar. Portanto, após recolher a totalidade sintomática de um doente, o homeopata deverá colocar toda sua ciência e arte na busca por uma única substância conhecida que abarque essa totalidade de seu paciente. São vários os argumentos contra a prática pluralista: 1. Só conhecemos a ação das substâncias administradas individualmente nas experimentações em homens sãos. 2. Desconhecemos as interações entre as várias substâncias de um “complexo homeopático” (são vários medicamentos juntos ou tornam-se um novo medicamento? ). 3. Se ocorrer melhora não saberemos qual a droga foi responsável. 4. O alívio de sintomas não é cura, há risco de supressão (12º prognóstico de Kent). Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 46 Por que existem médicos homeopatas pluralistas? Somos tentados a responder que prescrever várias substâncias é mais fácil do que buscar, no universo de medicamentos conhecidos, o remédio similimum, o mais semelhante ao caso. Além disso, quando o paciente apresenta queixas físicas bem pontuais, o médico acaba optando por administrar medicamentos consagrados que tradicionalmente aliviam os sintomas. Ocorrem curas utilizando-se a prática pluralista. Certamente porque, entre as várias substâncias prescritas, estava também o remédio correto, o remédio constitucional, mais semelhante ao caso. _______________________________ JAMES TYLER KENT Nasceu nos Estados Unidos em 1849. Praticou a medicina alopática até o dia em que sua segunda esposa, gravemente enferma, foi curada por um médico homeopata. Tornou-se um grande estudioso das obras de Hahnemann. Foi professor em várias escolas médicas homeopáticas e publicou livros que contribuíram para o aperfeiçoamento da Homeopatia: “Repertory”, “Lectures on homeopathic philosophy” e “Lectures on materia medica”. Morreu em 1916. Durante o século XX, o pensamento de Kent dominou a prática homeopática. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 49 XV. MIASMAS O termo “miasma”, ao longo da história da medicina, serviu para designar as emanações de locais ou de corpos em decomposição, que poderiam ser causas de doenças. Em Homeopatia, o termo miasma foi usado por Hahnemann para designar o mal que predispõe o organismo a enfermar-se de determinada maneira. Se o objetivo maior do médico é curar, então cabe a ele aprender o que é preciso curar em cada doente. Hahnemann descobriu que é necessário curar a disposição do organismo em enfermar-se. Tal disposição está presente em cada sujeito de maneira diferente. Se o médico coleta o conjunto de sintomas que corresponde ao estado atual do paciente e elege um remédio semelhante a esse estado, então, o resultado será, muito provavelmente, uma melhoria breve do paciente, um alívio e nada mais. Por longo tempo, Hahnemann e seus seguidores atuaram assim. Conseguiram bons resultados quando comparados com a medicina iatrogênica da época, porém não impediam as recaídas e novas manifestações de enfermidades. Hahnemann procurava a cura real e, para tanto, precisava saber a verdadeira causa que mantém as doenças. O fato dos sintomas atuais do paciente sumirem não significava cura, pois logo surgiam novos transtornos. A verdadeira enfermidade estava oculta. Após longos anos de observação e prática, Hahnemann encontrou o que denominou de “verdadeira natureza dos milhares de afecções que resistem ao tratamento”. Concluiu que existe um “mal” interno que se manifesta no organismo de tempos em tempos. Hahnemann observou três disposições que “condicionam o terreno”, ou três tendências ao adoecimento: são os Miasmas crônicos. O miasma crônico se expressa nos modos de vida da pessoa. Portanto, da mesma maneira que o homeopata faz o diagnóstico medicamentoso após coletar a totalidade sintomática do paciente, ele também elabora o diagnóstico miasmático. É através dos sintomas que se descobre a enfermidade inteira do doente. Os sintomas comuns, os sintomas característicos e os sintomas raros e peculiares mostram ao homeopata qual é o miasma predominante no caso. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 50 O remédio similimum (ou “remédio de fundo”, ou ainda “remédio constitucional”) é também chamado de remédio miasmático. Ele influenciará a energia vital perturbada pelo miasma crônico e estimulará o processo de cura. Importante salientar: um miasma crônico não é uma doença, mas sim um fator que desequilibra (perturba) a energia vital e, por isso, predispõe o organismo às enfermidades ao mesmo tempo em que condiciona as manifestações desse desequilíbrio. Quais são os miasmas crônicos? São três os principais: Psora, Sicose e Sífilis. PSORA A psora é a perturbação primordial da energia vital. É a psora que predispõe o organismo para todas as enfermidades, pois coloca a energia vital num estado de hipersensibilidade aos agentes agressores de qualquer natureza (emocional, microbiano, climático...). O termo psora significa “sarna”. No tempo de Hahnemann, essa palavra denominava um quadro bem mais amplo do que aquilo que chamamos de sarna atualmente. Englobava várias entidades patológicas que possuem em comum sintomas da pele: pústulas, exantemas e principalmente o prurido. As manifestações pruriginosas são a primeira forma de expressão física deste miasma crônico, por isso Hahnemann o chamou de psora. Segundo as leis de Hering, o organismo se cura de dentro para fora, do centro para a periferia, dos órgãos mais nobres aos menos nobres. É um processo centrífugo. A energia vital, cuja função é preservar o organismo, usa a exoneração, um processo de defesa que ocorre naturalmente. Portanto, a pele e as mucosas serão sempre as partes exonerativas por excelência, já que constituem a periferia do organismo. As alterações mais comuns da pele e mucosas demonstram o processo de liberação de energia necessário para a cura. O miasma crônico psora é a exacerbação dessa capacidade de defesa natural, dessa função exonerativa da energia vital. Por que existe a psora? Porque o caminho de cura normal foi, em algum momento, contrariado. A capacidade de defesa do organismo encontrou um obstáculo. Essa transgressão do curso natural de liberação de energia pode ocorrer objetivamente (com tratamentos supressivos), ou subjetivamente (erros do pensamento e da vontade). Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 51 A inibição do processo vital provoca uma tensão no organismo (podemos utilizar a analogia de uma panela de pressão cuja válvula de escape esteja obstruída). Para Hahnemann, a psora é o resultado da supressão de uma manifestação cutânea exonerativa. As interferências que uma pessoa sofreu ao longo de sua vida, e que impediram a trajetória natural de cura são supressões antigas. Essas acabam por intensificar a psora, deixando o organismo permanentemente suscetível. Os sintomas na pele, que surgem em uma pessoa afetada pela psora, mostram o esforço espontâneo da energia vital em restabelecer o caminho de cura previamente desrespeitado. As doenças podem ser entendidas como os variados aspectos que a energia pode assumir, desde o imaterial (transtornos mentais) até o concreto (lesão de um órgão). A supressão é a interiorização dessa energia, é a trajetória centrípeta que pode acometer órgãos mais importantes. A exoneração, ao contrário, é a “superficialização” da energia, é a trajetória centrífuga (de dentro para fora), caminho natural de cura, preservando porções mais importantes do organismo. Interessante notar que a palavra que denomina, em medicina, as erupções cutâneas avermelhadas é exantema, palavra de origem grega que significa “eflorescência”, “surgimento da flor”, ou seja, uma manifestação que aflora, que exterioriza um desequilíbrio interno. Sydeham, um grande médico da história, anterior a Hahnemann, já ressaltava que as manifestações cutâneas são saudáveis e preservam o organismo de muitas complicações. Ressalte-se que a psora não se limita aos sintomas da pele, ao contrário, quando está ativa produz quadros agudos e repetidos, comumente chamados de “crises”. São exonerações freqüentes em resposta a supressões antigas. São exemplos de manifestações da psora: crises de broncoespasmo, crises pruriginosas, inflamações repetidas, erupções nas mucosas etc... Todas essas bruscas exaltações das defesas do organismo são fenômenos psóricos. Os sintomas psóricos (sejam mentais, gerais ou físicos) melhoram com o aparecimento de erupções na pele. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 54 A psora é o conceito básico para entender o que é doença para a Homeopatia. Se esse miasma crônico é a origem de toda enfermidade, então, ele deve ser o objetivo de todo tratamento que se propõe curar verdadeiramente uma pessoa. Os livros de medicina detalham as diversas doenças em minuciosos mecanismos fisiológicos, que buscam explicar seu surgimento e evolução. Essa ciência denomina-se “patologia”. Constitui o estudo das entidades nosológicas, das doenças. Assim, cada uma delas possui um conjunto de características próprias, que a individualizam frente às demais; sendo o maior objetivo do médico convencional a classificação do problema de seu paciente sob o nome de uma das doenças conhecidas. Hahnemann, por sua vez, na contramão da medicina oficial, advertia que não existem doenças de caráter fixo e invariável. Cada doente expressará sua enfermidade a seu modo. Assim como não existem duas pessoas iguais, não existem duas pessoas que adoecem de maneira idêntica. Dois pacientes com enxaqueca apresentam, cada um, uma maneira diferente de expressar sua enxaqueca, sua maneira particular de adoecer. O estudo analítico das diversas entidades nosológicas faz com que o médico convencional perceba os problemas de saúde da vida do paciente como situações independentes. Tal como encontrado nos livros de medicina, cada problema é um capítulo novo, à parte do todo. Se o médico trata uma alergia de pele e, meses depois, o paciente apresenta depressão, então, irá tratar essa “nova” doença como se não houvesse relação entre as duas manifestações. A idéia de miasma crônico permite ao homeopata entender o modo com que o doente expressa seu desequilíbrio ao longo da vida. Hahnemann, em seu livro, “Doenças crônicas”, diz que os médicos de sua época tratavam os pruridos de pele com paliativos e, após a desaparição dos sintomas, deixavam seus pacientes com a certeza de que “agora tudo está certo, sem considerar ou ter a disposição para notar os transtornos que mais cedo ou mais tarde certamente seguir-se-ão, ou seja, a psora, que irá manifestar-se, a partir de dentro, em mil doenças diferentes”. Ao revisar esse parágrafo seis anos depois, Hahnemann constata, numa nova edição, que os médicos continuavam com a mesma atitude, “não se tornaram nem um pouco mais sábios ou mais humanos”. Qual seria a reação de Hahnemann ao saber que nada mudou 200 anos depois? SICOSE O miasma crônico chamado “sicose” predispõe o organismo às manifestações proliferativas. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 55 Surge em algumas pessoas anteriormente afetadas pelo miasma crônico fundamental, a psora. Hahnemann nomeou todos os estados crônicos segundo os sinais mais evidentes dos respectivos miasmas. Assim: - psora = sarna, prurido. - sicose = tumor, secreções. A palavra “sicose” se refere a “tumor”, pois as manifestações externas principais desse miasma crônico são as tumorações (verrugas, pólipos, tumores...), além das secreções patológicas. Hahnemann associou o surgimento da sicose com a supressão de infecções genitais, da mesma forma que associou a supressão dos pruridos com a origem da psora. Com a evolução da Homeopatia, outras associações foram sendo feitas para justificar o aparecimento desse estado miasmático crônico, por exemplo: as vacinações e outras inoculações repetidas de substâncias estranhas ao organismo como antibióticos e soros. Os transtornos dos doentes sicóticos melhoram com a liberação de secreções patológicas como catarro, pus e corrimentos; na pele, a exoneração mais comum são as verrugas. A sicose representa uma modificação patológica da capacidade reativa do organismo. A energia vital, que na psora expressa hiperfunção (para preservar o organismo através da exoneração) e produz sintomas funcionais, passa a produzir, na sicose, sintomas proliferativos (tanto mentais quanto físicos) que expressam uma disfunção. A sicose é a “perversão” da psora. São sintomas da sicose na esfera mental: perversão dos sentimentos, agressividade, exacerbação da sexualidade, egoísmo (hipertrofia do ego). Na psora vemos o prurido mental refletir-se no prurido físico. Na sicose vemos a hipertrofia do ego refletir-se na hipertrofia dos tecidos. São sintomas da sicose na esfera física: tumores benignos, verrugas, catarros, supurações... SÍFILIS O miasma crônico denominado “sífilis” predispõe o organismo às manifestações destrutivas. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 56 Assim como a sicose, também a sífilis surge em algumas pessoas previamente afetadas pelo miasma crônico primordial, a psora. O estado psórico é conseqüência de um distúrbio dos mecanismos normais de defesa do organismo, o qual se torna hipersensível. A psora possibilita, então, o aparecimento de outros miasmas – a sicose e a sífilis. o A sicose caracteriza-se pela tendência à proliferação, à hipertrofia. o A sífilis, por sua vez, caracteriza-se pela tendência à destruição. Essas tendências que caracterizam cada miasma crônico são percebidas sempre na totalidade do sujeito, desde a esfera mental até o físico. Por isso, um doente cujo miasma crônico predominante é sífilis apresentará sintomas com tendência destrutiva desde o mental até o físico. Na psora, o prurido da mente reflete-se no prurido da pele. Na sicose, a hipertrofia do ego reflete-se na hipertrofia dos tecidos. Na sífilis, a destruição da mente reflete-se na destruição dos tecidos. São exemplos de manifestações físicas do miasma sifilítico: as ulcerações. São exemplos de manifestações mentais do miasma sifilítico: a agressividade, o desejo de vingança, a tendência ao suicídio (autodestruição), sentimentos de ódio etc... Os transtornos do paciente sifilítico se aliviam com o surgimento de úlceras na pele e mucosas e com as secreções purulentas. O miasma psora é caracterizado pela hipersensibilidade do organismo. O miasma sicose é caracterizado pela disfunção do organismo. Já o miasma da sífilis leva à deficiência ou falta de reação natural do organismo. Enquanto o a sicose perverte a psora, o miasma sífilis inibe a psora. Não se pode confundir o miasma “sífilis” com a entidade patológica denominada “sífilis”. Hahnemann usou a doença sífilis como modelo para ilustrar as manifestações do miasma crônico caracterizado pela destruição, por isso utilizou o mesmo nome. IMPORTÂNCIA DOS MIASMAS Qual a importância do estudo dos miasmas? Para que serve na prática? A medicina se deparou, ao longo da história, com a incerteza. É comum ouvir que na ciência médica “não existe o sempre e não existe o nunca”. A experiência mostra que as pessoas adoecem de maneiras diferentes. Duas pessoas podem ter doenças de mesmo nome, porém muitos sintomas, a evolução e a recuperação certamente serão diferentes. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 59 XVI. RACIONALIDADES MÉDICAS A expressão “medicinas alternativas” é comumente utilizada para designar maneiras diferentes de se praticar a medicina. Tal expressão abarca um espectro muito amplo de práticas distintas do modelo oficial: Homeopatia, Acupuntura, Fitoterapia, Medicina Antroposófica, Ortomolecular, Florais de Bach etc... A palavra “alternativa” implica em oposição, exclusão de um modelo para a adoção de outro. “Alternativo” é entendido como oposto ao modelo biomédico (alopático, ocidental). Mas, o que ocorre normalmente é a possibilidade de junção e a utilização de duas ou mais práticas visando o bem do paciente. Por isso, um novo termo foi adicionado à expressão. Fala-se hoje em “Medicina Alternativa e Complementar”, em inglês utiliza-se a sigla “CAM”. Essa é a expressão usada atualmente em artigos científicos. Outra expressão muito utilizada é “práticas não convencionais em saúde”. Se os termos “complementar” e “não convencional” significaram a superação de um modelo baseado na visão de mundo cartesiana (analítico, pares de opostos), eles não deixaram de tomar como ponto de referência o modelo biomédico, ou seja, a medicina alopática, ocidental, “científica”, oficial. Assim, todas as maneiras distintas de se praticar a medicina seriam estudadas tomando como padrão o modelo convencional. Além disso, essas expressões definem sob um mesmo título os sistemas médicos altamente complexos (como a Homeopatia e a Medicina Chinesa) e as distintas práticas terapêuticas (como a Fitoterapia, os Florais de Bach etc...). A expressão que melhor define e distingue os sistemas médicos é “Racionalidade Médica”. Conceito elaborado pela socióloga Madel Luz, racionalidade médica é todo “sistema de proposições (...) verificáveis de acordo com procedimentos racionais sistemáticos (...) e de intervenções eficazes em face do adoecimento humano”. “A condição necessária - diz Madel Luz - para estarmos em presença de uma racionalidade médica é a existência de cinco dimensões fundamentais (morfologia, dinâmica vital, doutrina médica, sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica)”. Essas cinco “dimensões” são o que diferenciam uma racionalidade de outra. Se uma prática médica não possui essas cinco dimensões ela é considerada uma “terapêutica”. O estudo levanta quatro diferentes racionalidades médicas conhecidas, duas ocidentais e duas orientais: 1. A medicina ocidental contemporânea (biomedicina, ou alopatia, ou oficial, ou convencional). 2. A Homeopatia 3. A medicina tradicional chinesa Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 60 4. A medicina Ayurvédica As demais práticas são denominadas “Terapêuticas” por não preencherem todos os critérios de racionalidade médica: Fitoterapia, Florais de Bach, hidroterapia, cromoterapia, etc... As racionalidades médicas são compostas de “arte” (aplicação/tekné) e “ciência” (episteme). Historicamente, arte e ciência médicas não se separam. Medicina é tecné + episteme. A medicina convencional ocidental progressivamente promoveu a separação entre a “arte de curar” e a “ciência”. A “ciência” da medicina convencional tornou-se “ciência das doenças” (produção de conhecimento acerca das patologias) e superou em importância a “arte de curar”. Tal separação não ocorreu nas outras racionalidades médicas. Na Homeopatia a ciência (episteme) é voltada para a “arte de curar”, constituindo uma verdadeira “ciência da terapêutica”. Percebe-se, atualmente, a tentativa da medicina convencional de se apropriar da arte de curar de outras racionalidades, desde que sejam comprovadas cientificamente. Assim, quer-se provar a tecné de uma racionalidade utilizando a episteme de outra racionalidade médica. Como se um juiz de basquete pudesse utilizar suas regras para apitar uma partida de futebol. O exemplo mais marcante é o uso que médicos convencionais vêm fazendo da acupuntura no tratamento de algumas doenças específicas. A acupuntura constitui uma técnica (tecné /arte de curar) própria da racionalidade da Medicina Tradicional Chinesa, cuja episteme (conhecimento/ doutrina médica) é totalmente distinta da episteme da medicina convencional. Usar somente a técnica isolada de sua doutrina é uma postura incoerente. A mesma contradição pode ser notada nas: 1. Pesquisas que visam avaliar a eficácia da Homeopatia fora de sua episteme. 2. Utilizações de medicamentos homeopáticos predeterminados para algumas doenças. Homeopatia é uma racionalidade médica, portanto, dotada de ciência e arte de curar próprias. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 61 XVII. HOMEOPATIA E PESQUISAS Desde seu nascimento, a Homeopatia é alvo de críticas que são, na maior parte das vezes, infundadas. Proliferam os palpites e os preconceitos. Reina a mais completa e histórica desinformação nos discursos que querem desqualificar a medicina homeopática. Travou-se, ao longo do tempo, um embate entre homeopatas e médicos convencionais. Estes últimos, especialmente nos meios acadêmicos, rotulam a prática homeopática como uma atividade não científica. A Homeopatia é tradicionalmente vista como “alternativa” e é classificada ao lado (ou abaixo) de terapêuticas como a fitoterapia, os florais de Bach, a antroposofia etc... Tais práticas variadas, muito menos complexas do que a Homeopatia, possuem suas técnicas específicas e apresentam bons resultados, porém não podem equiparar-se com as racionalidades médicas, como a Homeopatia, a medicina tradicional chinesa e a medicina Ayurvédica, além da medicina convencional ocidental (ou Alopatia). Qual o argumento utilizado para desqualificar a Homeopatia? Repetem ad nausea que não há provas científicas, não há respaldo, não há pesquisas... Mesmo que tal argumento fosse verdadeiro, se um determinado fenômeno não foi ainda explicado, isso faz dele um objeto de estudo, um campo novo para a investigação, e constituiria uma postura não científica o não reconhecimento da necessidade de se pesquisar a Homeopatia. Felizmente, existem sim pesquisas sobre a Homeopatia. E muitas. Falta, porém, espaço no meio universitário para que a medicina homeopática seja ainda mais pesquisada, difundida e utilizada em benefício dos doentes. O meio acadêmico, sendo o locus da atividade científica, deveria impulsionar e encorajar o estudo da Homeopatia. A realidade, no entanto, continua sendo de preconceito, alimentado principalmente pelo desconhecimento das bases da Homeopatia. Apesar de ser uma especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, a Homeopatia não tem seus princípios ensinados na imensa maioria das faculdades médicas. Mas o que evidenciam as pesquisas sobre Homeopatia? • Primeiramente, evidenciam que os próprios pesquisadores desconhecem a verdadeira Homeopatia. • Percebe-se que os resultados a favor da Homeopatia não convencem os céticos comprometidos com a racionalidade médica convencional e, por Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 64 que o levou a buscar ajuda médica. Uma pesquisa cujo objetivo for somente o alívio ou desaparecimento de um determinado sintoma não estará de acordo com o modelo homeopático. 3. Atenção quanto à forma de prescrição. A Homeopatia original fundada por Hahnemann tem por princípio a administração de um remédio constitucional, dinamizado e único por vez. Uma pesquisa que utilize vários medicamentos (ou os chamados complexos homeopáticos) não estará avaliando a verdadeira homeopatia que, desde os tempos de Hahnemann, quer ser colocada à prova. 4. Tempo de observação. Na Homeopatia a observação da evolução do doente é essencial para a confirmação do medicamento ou para a percepção da necessidade de reavaliar o caso. O medicamento homeopático não cura pelo efeito primário, mas sim pela resposta da energia vital. O similimum (medicamento mais semelhante e, portanto, mais indicado para o caso) coloca o doente num caminho de cura cujos sinais devem ser respeitados (agravação homeopática, leis de Hering e retorno de sintomas antigos). Portanto, toda pesquisa precisa contar com um tempo longo de observação (6 a 12 meses) para que sejam notadas as mudanças profundas que o tratamento homeopático visa provocar. A NATUREZA DO MEDICAMENTO HOMEOPÁTICO Muito mais do que as pesquisas sobre a eficácia do tratamento homeopático, o tópico de maior polêmica é a pesquisa básica sobre a natureza do medicamento. Pesquisa básica em Homeopatia é todo estudo que visa compreender o fenômeno das ultradiluições. Muito embora esse seja um campo de estudos para os físicos e os químicos, os médicos homeopatas são, desde o tempo de Hahnemann, alvo dos mesmos questionamentos sobre o “absurdo” das diluições infinitesimais. Os medicamentos acima da 12ª potência da dinamização hahnemaniana na escala centesimal, ou simplesmente, acima de CH 12, ultrapassam o limiar de dispersão da matéria (da ordem de 10-24, segundo o número de Avogadro), ou seja, a partir dessa dinamização não existiria mais nenhuma molécula da substância original. Um medicamento desse tipo não pode ter seus efeitos explicados pela farmacologia clássica, que se preocupa com o peso (gramas, miligramas...) e concentração dos remédios (miligrama por mililitro...). No estudo das diluições infinitesimais não faz sentido falar em peso, concentração etc... Ao analisarmos quimicamente o remédio homeopático na Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 65 forma líquida encontraremos apenas água e álcool que são os solventes, apenas veículos que transmitem a informação do remédio para o organismo. É impossível para a farmacologia clássica usar seus próprios conceitos para entender a farmacologia homeopática. Assim, muitos pesquisadores, por não conseguirem adotar novos modelos de pesquisa, tomam o caminho mais fácil: o ceticismo comodista frente ao fenômeno das ultradiluições. O filósofo Friedrich Nietzsche diz que frente ao desconhecido o primeiro instinto humano é: “qualquer explicação é preferível a falta de explicação”. Por isso, os céticos comodistas passaram séculos dizendo para si mesmos que a ultradiluição é impossível, buscam o alívio, pois o desconhecido é perigoso. Excluem o imprevisto das possibilidades e, pior, impedem a sua investigação. Um livro de farmacologia convencional (Rang – Dale) muito utilizado pelos alunos de medicina ilustra bem já em seu primeiro capítulo essa postura preconceituosa frente à farmacologia homeopática: “O sistema (da Homeopatia) rapidamente desviou-se para o absurdo: por exemplo, Hahnemann recomendou o uso de diluições de 1: 1060, equivalente a uma molécula na órbita de Netuno”. Para a farmacologia clássica, entender a ação dos remédios é estudar “interações químicas convencionais entre fármacos e tecidos”. Para a Homeopatia, entender a ação dos remédios é observar aquilo que provocam na totalidade (mental-geral-físico) do sujeito. A pergunta que sempre se fez é: - Será possível que a água, na qual a substância foi diluída, possa produzir efeitos farmacológicos mesmo na ausência da substância? Hahnemann respondeu à mesma questão nestes termos: “Algo que de fato ocorre deve ao menos ser possível”. Para o bom cientista, primeiro vêm os fatos e depois as explicações. E o fato é este: há 200 anos os homeopatas observam curas e patogenesias desencadeadas por medicamentos ultradiluídos. A experiência mostra que existe efeito. A pergunta, portanto, deveria ser: - Como a água, na qual a substância foi diluída, pode produzir efeitos sem que as moléculas da substância estejam presentes? Muitos estudos têm sido direcionados para desvendar o fenômeno da ultradiluição. Até hoje nenhuma explicação foi tão difundida quanto a teoria da “memória da água”. A substância dissolvida deixaria na água uma marca que permaneceria mesmo em diluições extremamente altas. Essa marca seria Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 66 fruto do rearranjo das moléculas de água, que conservariam a energia (o frequencial) da substância original. Poderíamos comparar a ultradiluição com a gravação de uma música, ao ouvi-la não se está ouvindo o cantor, mas a impressão permanentemente arquivada do som. O imunologista francês Jacques Benveniste foi o mais famoso defensor da hipótese da memória da água. Um de seus artigos científicos, publicado na revista Nature em 1988, comprova os efeitos das ultradiluições. Os responsáveis pela revista aceitaram publicar o artigo desde que a pesquisa fosse repetida posteriormente para comprovação. A postura antiética dos responsáveis pela revista configurou um dos maiores exemplos de sensacionalismo já vistos no meio científico. Benveniste aceitou as condições, porém os resultados não foram observados na repetição do experimento que contou com analistas no mínimo não especializados para julgar e repetir os experimentos A partir daí, o autor foi alvo de grandes injustiças e perdeu o apoio financeiro para novas pesquisas. Todo essa agitação em torno das ultradiluições ocorre porque, se o efeito fosse comprovado, a farmacologia e a medicina convencional precisariam rever muitos de seus conceitos. Na verdade, muitos outros trabalhos já foram realizados por outros grupos e os resultados comprovam as evidências de Benveniste, fortalecendo a teoria da memória da água. O livro de Rang & Dale, citado anteriormente, ridiculariza as farmacologias não convencionais ao elogiar o famoso cientista Paul Ehrlich que afastou “a idéia de que a potência e especificidade da ação de algumas drogas as coloquem fora do alcance da química e da física, exigindo a intervenção de ‘forças vitais’ mágicas”. Ao contrário do que supõem os autores do livro, não é necessário para a Homeopatia “exigir a intervenção de forças vitais mágicas” para explicar o efeito de seus medicamentos. A existência de efeitos das ultradiluições é comprovada pela clínica homeopática e pelas experimentações em homens sãos. Surgem, então, duas questões: Em laboratório, comprovam-se as atividades farmacodinâmicas das ultradiluições? Qual seria o “mecanismo de ação” das ultradiluições? Seguem alguns poucos exemplos de pesquisas básicas sobre as ultradiluições. Bases da Homeopatia Ruy Madsen Barbosa Neto 69 BIBLIOGRAFIA ADAMS, K.E. et al. Ethical considerations of complementary and alternative medical therapies in conventional medical settings. Ann Intern Med, 2002. 137: 660-64. ALLEN, H.C. Sintomas-Chave da Matéria Médica Homeopática. S.Paulo: Dynamis editorial, 1996. BERGO, H; LUZ, H.S. Entrevista com Kent. Rio de Janeiro: I.H.J.T.K., 1996. BARROS, N. F. 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