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Guias e Dicas
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A Greve Geral - Peça de Teatro, Manuais, Projetos, Pesquisas de História

Agreve geral é uma peça de teatro escrita sob o pseudônimo de gafanhoto, que retrata a luta de trabalhadores sindicalizados em uma empresa fictícia, capitalitex s/a. A peça apresenta diálogos entre diretores e trabalhadores, revelando conflitos de interesse e a inevitabilidade de uma greve geral. O texto aborda temas como poder, capital, exploração, corrupção e traição.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 29/06/2009

helen-bezerra-8
helen-bezerra-8 🇧🇷

4.9

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Baixe A Greve Geral - Peça de Teatro e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para História, somente na Docsity! A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 1 A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 2 A GREVE GERAL Goulart Gomes Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks, com autorização do Autor. O Autor gostaria de receber um e-mail de você com seus comentários e críticas sobre o livro. A VirtualBooks gostaria também de receber suas críticas e sugestões. Sua opinião é muito importante para o aprimoramento de nossas edições: Vbooks02@terra.com.br Estamos à espera do seu e-mail. Sobre os Direitos Autorais: Fazemos o possível para certificarmo-nos de que os materiais presentes no acervo são de domínio público (70 anos após a morte do autor) ou de autoria do titular. Caso contrário, só publicamos material após a obtenção de autorização dos proprietários dos direitos autorais. Se algum suspeitar que algum material do acervo não obedeça a uma destas duas condições, pedimos: por favor, avise-nos pelo e-mail: vbooks03@terra.com.br para que possamos providenciar a regularização ou a retirada imediata do material do site. www.terra.com.br/virtualbooks A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 5 PERSONAGENS ANATOLE, sindicalista LUIZ, sindicalista IVAN, sindicalista JOSÉ, sindicalista BILL, diretor da Capitalitex SANCHEZ, diretor da Capitalitex ROBERTA, diretora da Capitalitex SEIS DEPUTADOS, três de partidos da esquerda (progressistas, socialistas) e três de partidos da direita (conservadores, neoliberais). SECRETÁRIO TRABALHADORES A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 6 CENA 1 SALA DO SINDICATO. Uma sala com diversas bandeiras nas paredes, nas quais predomina a cor verde, com símbolos triangulares, chaves de fenda e enxadas cruzadas em X, que representam os partidos trabalhistas e sindicatos. Existe também um enorme e velho retrato emoldurado de um homem de barba desgrenhada, com uniforme de revolucionário, dependurado na parede. Numa mesa, ao centro, três homens sentados fumam e bebem o que parece ser aguardente, enquanto conversam. Não há mais cadeiras. Ao canto, um caixote de madeira. Desenrolar-se-á o diálogo entre alguns líderes sindicais, a respeito da organização do movimento prestes a ser deflagrado. LUIZ: A terrível hora é chegada, aquela que não desejamos, mas para a qual por um ano inteiro somos preparados. IVAN: É sempre assim. Não há possível diálogo entre os que línguas diferentes falam. JOSÉ: É a eterna luta que tem sempre dado a vitória aos mesmos lutadores. Mas eles não podem amordaçar os vencidos senão temporariamente. IVAN: Engana-se, José. Não há vencidos, tampouco vencedores, porque para que tal é necessário o total aniquilamento do oponente, e esta glória a nós será dada. Quem luta, conquista: este é o lema do Comitê Unificado Proletário. LUIZ: Ouçam o rugir das nuvens e o levantar das marés. A trepidação sob os meus pés me diz que o terremoto está por vir. A hora é chegada. Por todos os cantos, em todas as partes há revolta e indignação. O limite da servidão humana é a consciência da sua dignidade. JOSÉ: A mão que segura nossas gargantas já nos sufoca, Luiz. Temos que tomar o poder para entregá-lo a quem o merece. Assim pensamos nós da Força Proletária. Chega Anatole. ANATOLE: Boa noite, senhores. Os outros o olham com desdém e respondem mal-humorados, como que insatisfeitos com a sua chegada. TODOS: Boa noite. IVAN: Sente-se. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 7 Anatole olha à sua volta e vê apenas o caixote onde pode se sentar. Apanha-o, senta. Sente algo beliscá-lo e levanta rapidamente, alisando as nádegas. Torna a sentar, acomodando-se. ANATOLE: Tenho notícias que a greve geral não tarda a ser deflagrada, Luiz. LUIZ: Nenhuma novidade, Anatole. Há muito nós, do Centro Geral do Proletariado trabalhamos com tal intuito. A greve geral é o primeiro passo para a construção do movimento que colocará os trabalhadores em seu devido lugar e banirá quem os explora, para sempre. ANATOLE: Dentre os trabalhadores que conheço, de nenhum ouvi tal pensamento. Pensei que buscávamos melhores condições de trabalho. Os sindicalistas irão se erguer, no início de suas falas, passando a caminhar em torno da mesa. LUIZ: E quem quer a fatia se pode ter todo o bolo! Não seja tolo, Anatole. O que aqui se constrói é o futuro. IVAN: Não cheguemos a tanto. Maiores salários, é o que eu digo. Que importa quem oferece a ceia, contanto que ela seja farta? Nenhuma revolução me interessa. Não estou aqui para morrer por causa alguma, nem que ela seja boa. Uns bons milhares de dólares, isto é o que interessa. ANATOLE: E as condições de trabalho? O bem estar do trabalhador? A redução da jornada de trabalho? Continuaremos sendo mutilados pelas mesmas velhas máquinas? Continuaremos a perder nossos dias e sacrificar nossas famílias apenas pelo dinheiro? JOSÉ: Muito bem, Anatole. Mas, precisamos do poder, porque é do alto que se toca as nuvens e se enxerga o chão. Nem o salário nem a revolução. A greve deve legitimar a nossa força e por as cartas em nossas mãos. A empresa para os seus empregados. ANATOLE, erguendo-se: Não foi isso o que eu disse. Apenas vejo dois cães em luta, na qual um atraca-se ao rabo do outro e giram infinitamente enquanto sangram, até caírem desfalecidos. E se arrancam os rabos, é só o tempo de cicatrizarem-se e novamente avançam, às orelhas, A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 10 ROBERTA: (Para si mesma) Pobre alma humana, refúgio de tudo que é torpe. Que Midas cancerígeno este, que transforma em podre tudo que toca. (Para os outros) Que prejuízo maior nos causaria: abrir mão de alguns dólares em prol desta gente que vende a sua vida e a sua liberdade para poder sobreviver e continuar se vendendo ou perder pela falta de produção e parada das máquinas por tempo indeterminado? Digam-me, senhores. SANCHEZ: O Destino é maior que nós, Roberta. Há uma mão invisível que rege o mundo dos negócios, assim nos ensinaram. Essa mão é mais forte e poderosa que todos nós juntos, que todos os trabalhadores juntos, que todas as vontades. BILL: E podemos considerar-nos felizes por saber que ela existe e poder seguir os seus desígnios. SANCHEZ: A greve geral é inevitável, assim como a participação dos nossos operários nela. Não que o queiramos, mas porque assim deve ser. A zoada do ar condicionado já está no máximo. ROBERTA: Não só no reino da Dinamarca há algo de podre. Exala daqui um odor tão fétido que nem o mais vil dos homens suportaria. Mais pobres que os miseráveis são aqueles que brincam com a sua vida. Nada há que se faça que lhes mude o raciocínio: aprenderam a só pensar estimulados pelo tilintar das moedas de prata. Todo homem tem seu preço, mas muitos são os que não valem pelo que se paga. Eu não tenho que fazer parte disso. Com licença, senhores. Roberta começa a retirar-se da sala. SANCHEZ: (Com ar de enfado) E esta maldita zoada que não para! Roberta volta-se da porta e aponta o ar condicionado. ROBERTA: É o Consciencious, senhores, é o Consciencious. Retira-se da sala. Entra o Secretário. SECRETÁRIO: Com licença, doutores. Estão aí fora quatro homens do sindicato que desejam lhes falar. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 11 BILL: Mande-os entrar. Sanchez corre a esconder a garrafa de uísque. Mais uma vez vai até o ar condicionado, puxando o fio da tomada. Entram Ivan, José, Luiz e Anatole, por último. BILL: Boa tarde, senhores. LUIZ: Poderia estar melhor. SANCHEZ: Queiram sentar-se. Sentam-se todos, exceto Anatole, que por não achar lugar ficará de pé, próximo à mesa. BILL: O que os traz aqui? LUIZ: A vontade do povo. SANCHEZ: E o que diz o povo? JOSÉ: Que é chegada a hora de lutar pelo que é seu. BILL: Não entendemos. A companhia não tem sido para os seus empregados um segundo lar? Sejam mais claros, por favor. IVAN: Nem todo teto que nos cobre pode ser de lar chamado. Nós somos a voz das massas, seus legítimos representantes. Lá fora um clamor se ergue, todas as forças proletárias se levantam, é chegada a hora da grande greve. Em menos de vinte e quatro horas o país estará completamente paralisado e nós também, a menos que nossas reivindicações sejam atendidas. SANCHEZ: E quais são elas? IVAN: Aumento de 100% nos salários... JOSÉ: ...eleições diretas para a diretoria da companhia... LUIZ: ...e a constituição de uma Comissão de Fábrica, que dirigirá a companhia juntamente com o seu presidente. BILL: Absurdo. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 12 SANCHEZ: Ridículo. ANATOLE, impaciente: E a reintegração dos companheiros demitidos? E os auxílios educacionais para nossos filhos? E a creche? E as condições de saúde e segurança? E nossa assistência médica? Onde foram parar as demais reivindicações dos nossos companheiros? LUIZ: Cale-se, Anatole. Nós sabemos o que fazemos. IVAN: Não há nada que o dinheiro não possa comprar. Só isto nos interessa. A César o que é de César. JOSÉ: E ao povo o que é do povo. ANATOLE: Não só de pão vive o Homem. (Enfia a mão no bolso e retira algumas moedas. Deixa-as na mão, espalmada, enquanto fala) É este metal que os iguala. Não se fala aqui do que necessita um Homem, mas de quanto ele vale. Um Homem, senhores, vale um Homem, isto é o que ele vale, e nada mais. (Atira as moedas ao chão; os diretores atiram-se ao chão para apanhá-las) Lancem os dados sobre o sudário. Repartam entre o si o fruto do saque. Não vejo aqui o menor vestígio de dignidade. O que está em disputa não é o muito que se pede nem o pouco que se quer conceder, mas sim a medida da força entre o que corrompe e o que se quer corromper: o preço das almas de quem já prostituiu o corpo. Eu vou embora. Anatole retira-se. Os sindicalistas se levantam. O ar condicionado volta a fazer barulho, mesmo desligado da tomada. LUIZ: Não dêem ouvidos a ele. BILL: São os arroubos da juventude. IVAN: Ele anda lendo demais, indo ao teatro. Isto não é bom. O saber amarga ao paladar e azeda o indivíduo. JOSÉ: Põe-nos além da realidade. Mas que zoada é esta? SANCHEZ: É o Consciencious (Aponta o aparelho). BILL: Mas, senhores, sentimos muito. Não podemos atendê-los. Dez por cento é o máximo que poderíamos conceder. Os senhores sabem, não é boa a situação financeira da empresa. Há comentários que pode ser vendida. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 15 LUIZ: Não há possível diálogo quando apenas um fala e outro se nega a ouvir. Ainda que façamos soar as trombetas de Jericó aos ouvidos daqueles malditos, nada fará abalar as suas convicções. Aquele que está sobre o dorso do animal não lhe pergunta sobre o seu peso, apenas cuida de cravar-lhe as esporas e açoitar seu lombo para que cumpra os seus propósitos. Assim é. IVAN: Mas você, Anatole, parece não estar a serviço da nossa causa. Vejo-lhe apenas trazer a espada e dividir o que antes se achava unido. Por que procuras trazer a dúvida aonde há certeza do que deve ser feito? ANATOLE: O que procuro, Ivan, é não deixar que estes homens sejam conduzidos ao precipício, como uma manada cega que nada vê. A capitalita está se exaurindo. Em breve a produção será tão pequena que nem compensará a extração. Outros minérios substitutos surgem e as empresas estrangeiras, como uma matilha de hienas vorazes, apenas esperam que a presa agonize para lançar-se a ela, roendo-lhe os ossos. E nós contribuindo para apressar nosso fim. JOSÉ: Tolices de um homem que só enxerga o próprio umbigo. Companheiros! É chegada a hora em que algo maior que nós acontece e nos chama à participação. Os séculos de exploração do homem pelo homem estão chegando ao fim. Não se trata apenas de uma mera campanha salarial, mas do passo decisivo para a implantação dos nossos ideais humanitários. É chegado o momento de transformar cada homem em uma arma. O que está em jogo não são apenas mais uns míseros dólares, mas o nosso destino: continuar a receber as sobras do que ganham nossos exploradores ou controlarmos e dividirmos igualitariamente o fruto do nosso trabalho. A indústria para quem trabalha nela! Ouvem-se vivas da multidão. LUIZ: E apesar de haver entre nós indivíduos infiltrados com o único objetivo de demover-nos dos nossos ideais (Olha para Anatole), não serão eles que nos farão recuar. Não se trata apenas de pensar em nossos próprios bolsos, mas de compreender a importância de cada um em construir a revolução que nos conduzirá a uma sociedade mais justa e mais humana, onde não haverá lugar para os exploradores e seus lacaios. (Olha de novo para Anatole). A multidão volta a gritar. IVAN: Greve, companheiros. Quem luta, conquista! A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 16 TODOS, exceto Anatole: Greve! Greve! Greve! ANATOLE: Um momento. Se é o desejo das massas, curvo-me a elas. Não serei eu a fruta podre que põe as demais a perder. Peço, entretanto, uma única coisa: não ouçam a mim, apenas mais um dentre nós, mas sim aos nossos representantes eleitos. Vamos aos nossos deputados e ouçamos o que eles têm a dizer. É meu único pedido. Eles, que vão aonde não podemos ir, têm conhecimento de dados que fogem à nossa curta visão. Que sejam eles a voz da nossa consciência, o farol em meio à tempestade a nos dizer em que porto devemos ancorar. Que me dizem? LUIZ: Está bem, Anatole. Prorroguemos por mais um dia a nossa decisão. Amanhã cedo procuraremos nossos líderes e saberemos deles que caminhos tomar. Ante os séculos de opressão que temos sofrido, um dia a mais não fará diferença. Amanhã, a esta mesma hora, estaremos aqui reunidos. E viva a greve geral. TODOS, menos Anatole: Viva! LUIZ: Viva a revolução! TODOS, menos Anatole: Viva! A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 17 CENA 4 SALA DOS DIRIGENTES DA COMPANHIA. No início da cena estão apenas BILL e SANCHEZ. Três deputados entrarão em cena, posteriormente. BILL: Tudo caminha melhor que o planejado, Sanchez. SANCHEZ: A greve geral veio a calhar. Era tudo que precisávamos. BILL: Pobres cordeiros, oferecem à tosquia até mesmo os seus lobos. SANCHEZ: Certamente nem precisaremos mais realizar aquele “investimento” junto aos nossos amigos do parlamento. BILL: De forma alguma! Agora que as coisas se aceleram, não podemos descuidar. Não vamos por tudo a perder por mais alguns milhares de dólares. São grandes os interesses em jogo. SANCHEZ: Que pretende fazer? BILL: Convidei-os para uma reunião, devem estar chegando. Aqui acertaremos os últimos detalhes. SANCHEZ: E a Roberta? BILL: Não saberá de nada, lógico. Ela não compreende a coisa como nós. Não sabe tirar vantagem das opiniões. Não é todo dia que se acha quem pague pelo que não vale nada, senão para quem o tem. Opinião é como bem de família: só tem valor afetivo, só presta para enfeitar estante. Entra o Secretário. SECRETÁRIO: Com licença, doutores. Os parlamentares chegaram. BILL, com avidez: Mande-os entrar, mande-os entrar. Entram três homens elegantemente trajados. BILL: Bem vindos, bem vindos. Queiram sentar-se. Aceitam uísque? A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 20 SANCHEZ: É o Consciencious (Aponta o ar condicionado). Está com defeito e ainda não consegui reparar. DEPUT. 1: Ah! Todos se erguem. BILL: Então, passem bem, senhores. DEPS.: Igualmente. Roberta foge antes que saiam. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 21 CENA 5 PARLAMENTO. Conversam seis políticos: três dos partidos de direita e três de partidos da esquerda DEPUT. 1: Belo discurso o que acaba de proferir, caro colega, apesar de não concordar com a sua opinião. DEPUT. 4: É de se esperar. Não é à toa que somos de partidos diferentes. DEPUT. 1: Mas são vários os seus colegas de partido que não pensam como você. DEPUT. 4: Devem ter suas razões. DEPUT. 1: E boas. DEPUT. 4: Quanto a mim, sei onde piso. Não estou voltado para interesses pessoais, mas coletivos. DEPUT. 1: Nós também. DEPUT. 5: Certamente a outras coletividades. DEPUT. 1: Diga-me, colega, que vale mais: o diamante lapidado ou o dourado anel que o sustenta? DEPUT. 5: O diamante, lógico. DEPUT. 1: Pois eu afirmo que nada seria de um sem o outro. Assim é com o universo em que vivemos. As coisas que aparentam ser de menor valor é que sustém as mais importantes. DEPUT. 4: Aonde quer chegar? DEPUT. 1: A fazê-los ver que as aparências enganam. DEPUT. 6: Isto é óbvio. DEPUT. 1: Agora mesmo: estamos às portas de uma importante votação. Mas temos que atender à vontade do povo. E o povo, coitado, é como uma criança, nem sempre tem noção do que é melhor para ele. DEPUT. 6: A voz do povo é a voz de Deus. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 22 DEPUT. 1: Concordo. Mas Deus mantém-se afastado dos negócios mundanos. Com tantos bilhões de planetas para cuidar, tem mais com o que se preocupar que com os nossos negócios. E é um negócio o que lhes propomos. DEPUT. 5: Esta casa não é lugar para negócios. DEPUT. 2: Então saiamos dela. DEPUT. 1: Calma. Deixem-me falar, ao menos. DEPUT. 4: Prossiga. DEPUT. 1: Ora, nós sabemos o quanto é importante para a satisfação do eleitorado de cada um de vocês a aprovação de determinados projetos. Para você (Aponta o Deput. 4), da bancada verde, a lei que protege o santuário ecológico das lontras cor-de-abóbora. Para você (aponta o Deput. 5), da bancada religiosa, a verba que garantirá a construção do maior templo do país. Você, colega da bancada ruralista (aponta o Deput. 6), a distribuição de máquinas agrícolas às cooperativas. Proponho uma troca de favores, entre cavalheiros. Principalmente agora, que estamos às portas das eleições. DEPUT. 4: O que, exatamente? DEPUT. 1: Aprovamos tudo isto... em troca de nada. DEPUT. 5: Nada? DEPUT. 2: Nada! DEPUT. 1: Queremos apenas que se omitam. E nem precisa ser publicamente. Acima de tudo, é preciso parecer honesto. Continuem a proferir seus discursos entusiasmados e a xingar publicamente os seus adversários. Nada os incomoda. Mas, na hora de votar, omitam-se! Deixem que as empresas estrangeiras que exploram a capitalita comprem as nacionais. Sejam mais liberais. DEPUT. 6: Não posso concordar. Tenho que defender os interesses do povo. DEPUT. 2: Nós também! Mas, coitados, se não sabem nem votar, como podem decidir o que é importante para a nação. Vejam o caso da capitalita. Quanto a nação não ganharia com os investimentos estrangeiros! DEPUT. 4: A capitalita não! É uma das maiores riquezas da nação. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 25 mostrando a importância da greve geral. Estaremos presentes nos palanques, nos piquetes, nas passeatas. A causa operária é a nossa causa. É nosso dever defender os interesses daqueles que nos elegeram. LUIZ: Muito bem. Era tudo que precisávamos ouvir. IVAN: Está satisfeito, Anatole? ANATOLE: Chamem o carrasco. A guilhotina está armada e acabamos de por nela nossas cabeças e as daqueles que nos acompanham. Não há mais o que fazer. Deus permita que eu esteja errado, Ivan. JOSÉ: Ora, não seja tão trágico. A luta está ganha. Comecemos já a realizar o planejamento de nossos próximos passos. Temos muito o que fazer. IVAN: Mas antes voltemos à assembléia. Comuniquemos à categoria nossas decisões. Saem todos. Estoura a greve. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 26 CENA 6 Sala dos diretores da companhia. Conversam Bill e Sanchez. Após, chegará Anatole. Mais uma vez fumam charuto e bebem uísque. SANCHEZ: Tudo conforme o planejado, hem, Bill? BILL: Sim, Sanchez. Nossos amigos do parlamento conseguiram convencer seus colegas sobre as vantagens de colaborar com os nossos objetivos. SANCHEZ: Lógico. Todos sairemos ganhando. Sabe, Bill, às vezes me questiono se é mais vil o metal ou quem dele faz uso. Quanto proveito temos tirado do poder do dinheiro, quantos temos comprado, corrompido, subornado... BILL: Nem o metal, nem quem o utiliza. Vil, meu caro Sanchez é quem o recebe. Observe: se você vai à feira e quer bananas, mas só encontra laranjas, você as leva? SANCHEZ: Claro que não. BILL: Então para nada serviu o seu dinheiro, nem o seu desejo. Mas se há quem as venda e, ainda mais, uma única pessoa a vendê-las, o que você faz? SANCHEZ: Pago por elas o quanto pedir. BILL: Assim é. Não houvesse os que se vendem, não haveria os que compram. É simples. Portanto, não atribua a si a culpa, mas aos que se mercam. Entra o Secretário. SECRETÁRIO: Com licença, doutores. Está aí um homem do povo, de nome Anatole, que deseja falar-lhes. BILL: Deve ser o tolo amigo dos sindicalistas. Mande-o entrar. Entra Anatole. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 27 ANATOLE: Com licença, senhores. SANCHEZ: Em que podemos ajudá-lo, jovem? ANATOLE: Venho em busca de uma alternativa para a greve que já dura três semanas. SANCHEZ: Veio em nome dos trabalhadores? ANATOLE: Vim em nome da minha consciência. Não é possível continuar este combate fratricida. Nas casas já não há mais comida. Pai está contra filho, mulher contra marido, irmão contra irmão. E não se vê luz no fim do túnel. Que queda-de-braço é esta? Não é para isto que se prestam as mãos. SANCHEZ: Mas nós temos feito todo o possível! Apresentamos uma proposta que atinge o limite das nossas possibilidades. Mais que isto lançaríamos a empresa na falência. BILL: Aliás, já não é boa a situação da companhia. Você sabe, há três semanas nada se produz. A população clama por uma alternativa. Carregamentos de importações tem sido enviados por nossas concorrentes do exterior, mas não tem sido o bastante. Estamos por um fio. ANATOLE: E vamos nos afogar na poça do nosso próprio sangue? O que será de todos estes homens se perderem seus empregos? BILL: Ora, Anatole, os tempos são outros. Não já ouviu falar que estamos na era do fim do emprego? Talvez seja até melhor para a maioria deles. O que prevalece, hoje, são as microempresas. Cada trabalhador é um empresário em potencial, cada um, um pequeno capitalista. ANATOLE: Mas se todos vendem, quem haverá de comprar? Voltaremos, acaso, aos tempos do escambo? BILL: A Natureza é cíclica. Talvez. Mas não se aflija por tão pouco. Há uma mão invisível que rege o mercado. Com o tempo, tudo se arranjará. Além do que, para os bons trabalhadores, como você, sempre haverá emprego. Compreendo a sua aflição, mas para que fique mais calmo, far-lhe-ei uma proposta. Mais que isto, uma promessa! Haja o que houver, nesta empresa sempre haverá um lugar para você... e talvez até melhor do que seu atual cargo. Portanto, tranquilize-se. Vá para casa e deixe que as coisas aconteçam naturalmente. Não se preocupe tanto com os outros... a sua parte está garantida. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 30 TRABALHADOR: Luiz, chegam notícias de que a greve geral está acabando. As demais categorias não suportam mais a intransigência dos patrões. O emprego está ameaçado; há uma legião de desempregados prontos a ocuparem os nossos postos. A fome já tomou conta dos lares. Temos que recuar. LUIZ: É tarde demais para voltar atrás. JOSÉ: Ora, Luiz, dois passos para frente e um para trás: assim se fazem as revoluções. TRABALHADORA: Luiz, soubemos agora que a companhia será vendida. Os atuais proprietários não suportaram tantos prejuízos e consideraram que é melhor perder parte a perder tudo. ROBERTA: É tarde demais para qualquer coisa. Está tudo consumado. IVAN: Enrolem as bandeiras. Vamos para casa. Uma multidão começa a aglomerar-se à volta dos sindicalistas. Anatole chega, já sabendo das notícias. ROBERTA: Eu soube da sua ida à companhia, Anatole. Imaginei que buscava alguma alternativa e quis ajudar. Vim até aqui para tentar convencer seus amigos, mas cheguei tarde demais. ANATOLE: Estes não são amigos senão dos que pensam como eles. Amigos são os que sabem discordar sem desrespeitar, aqueles que sabem que as pessoas não são melhores nem piores, mas apenas diferentes. Resta-nos o consolo de ter tentado, Roberta. Surge ao portão da companhia o Secretário, que trará as notícias da diretoria. SECRETÁRIO: Acalmem-se. Calma. Por favor, acalmem-se senhores. Tenho aqui comigo um informe da nova direção da companhia, dirigido a todos os trabalhadores. Queiram ouvir, por favor: Nós, novos proprietários da companhia CAPITALITEX, agora subsidiária da Capitality Union Inc., fazemos saber à coletividade dos empregados as seguintes decisões: A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 31 1o.) Serão mantidos nos seus cargos os atuais diretores da companhia, doutores Bill e Sanchez, por seus méritos na condução dos interesses gerais. 2o.) Será mantida a proposta inicial de reajuste salarial, em dez por cento, bem como as demais cláusulas acordadas. 3o.) Para iniciar a recuperação das perdas obtidas com a paralisação e ajustar a companhia à nova realidade do mercado globalizado, competitividade e exigência da qualidade em nossos produtos e serviços, será realizada uma redução de trinta por cento no nosso quadro de empregados. Os nomes dos empregados dispensados serão divulgados gradativamente. A partir de hoje podem considerar-se demitidos: Roberta Campbell, Anatole Rouen, José Petrovitch, Luiz Gilles e Ivan Martinez, que não mais terão permissão de acesso à companhia. As atividades serão retomadas amanhã, pelo que estamos convocando todos os trabalhadores a comparecerem no horário habitual de trabalho. IVAN: A nossa covardia foi a nossa derrota. Deveríamos ter persistido, ainda que sozinhos. JOSÉ: Nem todos têm a fibra necessária. Poucos são os que sabem lutar. LUIZ: Sim, infelizmente ainda temos entre nós muitos Anatoles, cânceres que corroem a mais sadia das carnes. ANATOLE: Que está dizendo, Luiz? Acaso não estive eu aqui, com vocês, ombro a ombro, todos os dias? LUIZ: Sim, mas também estiveste na companhia, conversaste com os diretores. Com que propósito? Certamente cuidavas em destruir o que aqui construías. ANATOLE: Está louco! Tenta retirar-se. Os outros trabalhadores o cercam. IVAN: Sim, Anatole. Quer que lhe agradeçamos a nossa derrota? JOSÉ: Sua própria amiga lhe traiu, Anatole. Ouvimos de sua boca, aqui, a sua traição. Se há um culpado, Anatole, é você. Algumas centenas de pais não terão sequer um pedaço de pão para por na boca dos seus filhos, graças à sua covardia. A GREVE GERAL – pseudônimo: GAFANHOTO 32 ANATOLE: Não. Não sabem o que dizem! LUIZ: Toma isto, Anatole. (Soca-o) É o preço da tua traição. IVAN: Recebe a tua cota (Chuta-o). JOSÉ: Esta é a parte que te cabe (Soca-o). Os trabalhadores se juntam em torno de Anatole e começam a espancá-lo. Roberta grita e tenta impedir, enquanto Anatole clama inocência. Cai ao chão e é massacrado. Roberta finalmente consegue afastar os trabalhadores. ROBERTA: Parem, parem, assassinos, monstros. Saiam daí. (Empurra os homens, toma nos braços Anatole, que agoniza) Pobre Anatole. Será este o fim de todo justo? Não há luz para os que buscam a verdade? ANATOLE: Ah! Roberta. Incomensurável é a maldade humana. Por isso os deuses se apiedam de nós. Não precisamos de algozes; o nosso egoísmo é o que nos corrói. ROBERTA: Caro foi o preço que pagaste. ANATOLE: Nada paguei, porque nada recebi. Tivesse valido de alguma coisa o meu esforço, morreria em paz. Fui idiota ao pensar que sozinho poderia mudar o mundo; talvez também eu tenha sido egoísta. Laissez faire... ROBERTA: Esta é a nossa natureza. ANATOLE: Não por muito tempo. Esta é uma lição que se aprende a duras penas. O que vale não é ter lutado a boa batalha, mas aprender a conquistar sem precisar dela. Os interesses são diversos. Apenas quando aprendermos que somos uma só carne, suor e sangue conseguiremos somar, porque saberemos dividir. Aí, então, eu sei, terá valido a pena. Anatole morre. Roberta beija-lhe as mãos. Os trabalhadores apanham o seu corpo, enrolam-no numa bandeira e retiram-no.
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