Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Febre e inflamação, Notas de estudo de Farmacologia

farmacologia

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 04/08/2009

ralph-anchieta-7
ralph-anchieta-7 🇧🇷

1 documento

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Febre e inflamação e outras Notas de estudo em PDF para Farmacologia, somente na Docsity! FEBRE E INFLAMAÇÃO FEVER AND INFLAMMATION Júlio C. Voltarelli Docente. Departamento de Clínica Médica (Disciplina de Imunologia Clínica) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP VOLTARELLI JC. Febre e inflamação. Medicina, Ribeirão Preto, v. 27, n. 1/2, p. 7-48, jan./jun. 1994. RESUMO: Esta revisão é dividida em três partes. Na primeira, a febre é integrada ao conjunto de eventos da resposta inflamatória, particularmente da reação da fase aguda, desde que a maioria dos pirogênios (endógenos e exógenos) estimulam ambas as respostas. São discuti- dos seus mecanismos patogênicos e regulatórios, seus efeitos benéficos e nocivos, concluindo com uma análise crítica da avaliação laboratorial da atividade inflamatória em doenças huma- nas. Na segunda parte, a fisiopatologia e o significado clínico de situações selecionadas de aumento de temperatura corporal são considerados. Assim, as inúmeras variáveis envolvidas na definição de estado febril são discutidas, bem como o valor cada vez mais limitado das curvas térmicas, e a problemática da febre como manifestação isolada ou predominante (febre de origem indeterminada) é subdividida em suas circunstâncias de ocorrência (clássica, hospita- lar, neutropênica e associada ao HIV ). A abordagem da febre com erupção cutânea é sistemati- zada, assim como a fisiopatologia e o diagnóstico da síndrome da fadiga crônica, das febres benignas, da insuficiência orgânica múltipla e das síndromes clínicas associadas à hipertermia. Finalmente, em vista das novas informações disponíveis sobre a participação das várias citoci- nas e de outros mediadores na patogênese e função protetora da febre e sobre o mecanismo de ação dos antitérmicos, são apresentados alguns critérios para auxiliar o clínico a indicar e selecionar a terapia antipirética para febre e hipertermia. UNITERMOS: Febre. Resposta Inflamatória. Reação de Fase Aguda. Febre de Origem Inde- terminada. Antipiréticos. 1 Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio:SEMIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA CLÍNICAS v. 27, n. 1/2, p. 7-48, jan./jun. 1994 Capítulo I A evolução exponencial das ciências médicas e da disponibilidade de novos recursos diagnósticos e terapêuticos tornou insuficientes, e muitas vezes ob- soletos, os conhecimentos semiológicos clássicos e complicou, sobremaneira, a missão cardinal do médi- co de dispensar o melhor atendimento disponível ao seu paciente. Há dez anos, publicamos, nesta mesma Revis- ta, revisão de cunho didático sobre a patogênese, fisi- opatologia e significado clínico da febre (Voltarelli & Falcão, 1984). Este conjunto de conhecimentos, em- bora válidos em seus princípios e úteis como guia in- trodutório, não são suficientes atualmente para o mé- dico avaliar e conduzir os casos de febre que se apre- sentam em situação ambulatorial ou hospitalar. Na- quela época, já se reconhecia a resposta febril como parte integrante da reação inflamatória aguda, sendo mediada predominantemente por uma citocina, a in- terleucina-1 (IL-1), de efeitos múltiplos sobre vários tecidos. Do mesmo modo, era reconhecida a partici- pação da febre nos mecanismos protetores do orga- nismo contra infecções e neoplasias, questionando-se, portanto, o uso rotineiro de antitérmicos em qualquer elevação da temperatura corporal. Neste período de dez anos, houve um enorme progresso no entendimento dos mecanismos bioquímicos envolvidos na reação inflamatória e na resposta febril, principalmente na par- ticipação de outros mediadores além da IL-1 e nas 2 Voltarelli JC suas interações neuroendócrinas. Além disto, surgi- ram novas condições clínicas associadas a febre, como a AIDS e as síndromes da fadiga crônica e da libera- ção de citocinas, e a terapêutica sintomática da febre continuou a ser avaliada criticamente à luz de novos conhecimentos farmacológicos e imunológicos. Estes avanços constituem o objetivo desta revisão, que per- siste em seu objetivo didático e seu enfoque clínico e não pretende repetir o conteúdo do artigo anterior. 1. A RESPOSTA DE FASE AGUDA Todos os organismos vivos, desde os procarion- tes até o Homem, possuem mecanismos adaptativos para responder a estímulos agressivos no sentido de manter o equilíbrio homeostático. Nos vertebrados, esta resposta inclui uma série de alterações bioquímicas, fisiológicas e imunológicas coletivamente denomina- das inflamação. Na maioria das vezes, os mediado- res inflamatórios (produtos de leucócitos e plaquetas ativados, do metabolismo do ácido araquidônico-prosta- glandinas e leucotrienos-e das cascatas da coagulação e do complemento) agem local- mente no sentido de restrin- gir as conseqüências e a ex- tensão do dano tecidual. Nes- te caso, o processo inflama- tório tem apenas repercus- sões locais (numa tendinite ou uma foliculite, por exem- plo) ou passa completamen- te desapercebido (como em microtraumatismos de pele ou mucosas) (Figura 1A). Em condições em que esta capacidade homeostática lo- cal é superada, ou pela mag- nitude do estímulo agressor ou pela insuficiência dos me- canismos reguladores, a res- posta inflamatória extravasa os limites do seu microam- biente e pode se manifestar de modo sistêmico em todo o organismo (Figura 1B) ou ain- da, dependendo da quantida- de de citocinas liberadas, pode ter conseqüências ca- tastróficas, na forma de choque circulatório grave. (Figura 1C)(1). Em 1930, foi descrita no soro de pacientes com infecções agudas uma proteína que precipitava o polissacarídeo C da cápsula do pneumococo (a prote- ína C-reativa ou PCR ) e em 1941 foi introduzido o termo “fase aguda” para descrever as alterações séricas observadas nestes pacientes (4, 5, 6, 54) . Atual- mente se sabe que, além das infecções, muitas outras formas de injúria tecidual, como trauma, isquemia, neoplasias e hipersensibilidade, desencadeiam altera- ções na concentração de várias proteínas plasmáti- cas, conhecidas como “proteínas de fase aguda” (PFAg). Elas constituem apenas uma parte da “rea- ção ou resposta de fase aguda” (RFAg) que inclui febre, leucocitose e anormalidades metabólicas que produzem variada manifestação clínica e laboratorial (vide Secções 2 e 4). Como mostra a Tabela I, na resposta inflamatória as várias PFAg exibem diferen- tes alterações na sua concentração sérica (muito ou LPS TNF IL-1 IL-6 IL-8 ou outro estímulo BAIXA [C] MODERADA [C] ALTA [C] Resistência Cérebro Coração periférica Leucócito Débito cardíaco Febre Célula Endotelial Fígado Vaso sanguíneo Trombo Proteínas de fase aguda Fígado Músculo Hipoglicemia INFLAMAÇÃO EFEITOS SISTÊMICOS CHOQUE CIRCULATÓRIO Ex.: tendinite, foliculite A B C Ex.: pneumonia, artrite reumatóide, infarto, neoplasia Ex.: choque séptico, SARA, politraumatismo, pancreatite aguda Figura 1 - Diferentes conseqüências clínicas do processo inflamatório, induzido por endotoxina bacteriana (LPS) ou outros estímulos, dependendo das concentrações ([C]) de citocinas liberadas no sítio da inflamação. As citocinas pró-inflamatórias IL-1, IL-6 e IL-8 podem ser estimuladas via TNF (setas grossas superiores) ou diretamente pelo estímulo desenca deante (setas finas superiores). Adaptada da ref. 1. 5 Febre e inflamação às linfocinas. A insulina, por exemplo, inibe a ação das citocinas do tipo IL-1 e IL-6 sobre os genes das PFAg, o mesmo acontecendo com o TGF-β em relação à IL-1. Além dos glicocorticóides e dos fatores de cres- cimento, vários outros componentes da cascata infla- matória possuem função inibitória, entre eles os anta- gonistas de receptores (para IL-1 e TNF) e, principal- mente, as citocinas do tipo Th2 (vide Secção 2.4.), que antagonizam a produção e as ações fisiológicas das citocinas do tipo IL-1 e IL-6. Deste modo, parece que as citocinas do tipo Th2 (IL-4 e IL-10 principal- mente) liberadas no sítio inflamatório, em conjunto com os glicocorticóides produzidos pela estimulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, são suficientes para re- gular o término da RFAg. De fato, a IL-10, por exem- plo, protege camundongos dos efeitos letais do cho- que endotóxico(6) e a corticoesterona é necessária para a sobrevivência de ratos ao choque hemorrágico. A Tabela III apresenta os mediadores dos principais fenômenos inflamatórios locais e sistêmi- cos, com suas respectivas manifestações clínicas e laboratoriais. 2. Funções fisiológicas e patológicas da reação de fase aguda A complexidade e multiplicidade dos eventos biológicos associados à RFAg dificultam sobremanei- ra a dissecção de seus efeitos protetores e agressores, os quais são, em sua grande maioria, ainda desconhe- cidos. Avanços recentes permitiram classificar estes efeitos da RFAg em três categorias distintas(4,5,6,47,48). 2.1. Ação biológica direta das PFAg Coletivamente, as PFAg agem, na sua maio- ria, como anti-proteases, fatores coagulantes ou cicatrizantes, com ação protetora contra a destruição tecidual associada à inflamação(2) (Tabela I). Recen- temente, verificou-se também que certas PFAg como a PCR e a antitripsina podem controlar retroativamente a função das citocinas indutoras da RFAg, estimulan- do, por exemplo, a síntese do inibidor solúvel de IL-1, o IL-1 RA(51). Algumas das PFAg podem ter efeitos patológicos quando produzidas cronicamente, como veremos a seguir(48) . SOCIMÊTSISESIACOLSOIRÓTAMALFNISONEMÔNEFSODSACITSÍRETCARAC:IIIALEBAT ATSOPSEREDOPIT SERODAIDEM SACINÍLCSEÕÇATSEFINAM SIAIROTAROBALE siacoLsatsopseR edadilibaemrepadotnemuA oãçatalidosaveralucsav seõçanimretsadoãçazilibisneS savitisnes lailetodneoãçavitA ,FAP,saninic,savitaosavsanimA a5C,4DTL ,animatsih,aninicidarb,GP aninotores ,MACI,4BTL,PCM,8-LI,1-LI a5C,FNT,MALE lacolrolac,ametire,amedE aiseglarepih,roD ,esoticogaf,aixatoimiuQ otnemasavartxe,oãçalugaoc ralipac sacimêtsiSsatsopseR gAFPsadacitápehoãçalumitsE aludemadNMPedoãçarebiL aessó acimâlatopihoãçalumitsE enumiametsisodoãçalumitsE ,MSO,11-LI,FNT,6-LI,1-LI FIL 3-LI,FSC-MG,FSC-G ,1-PIM,8-LI,FNT,6-LI,1-LI GP 6-LI,1-LI ­ eoinêgonirbif,otnemelpmoc ,SHV ¯ animubla esoticocueL omsilositrocrepiheerbeF edatsopseradaicnêiciferoiaM BeTsoticófnil alucélom:MACI,ogafórcamedadaviredacitátoimiuqaníetorp:PCM,4Doneirtocuel:4DTL,sateuqalpedrodavitarotaf:FAP :FIL,Manitatsocno:MSO,laromutesorcenedrotaf:FNT,lailetodne-acitícocueloãsedaedalucélom:MALE,oãsedaedralulecretni edsainôlocedrodalumitserotaf:FSC-MG,soticólunargedsainôlocedrodalumitserotaf:FSC-G,aimecueledrodibinirotaf ededadicolev:SHV,anidnalgatsorp:GP,1-ogafórcamedairótamalfnianíetorp:1-PIM,sogafórcamesoticólunarg .74.feradadacifidoM.oãçatnemidessomeh 6 Voltarelli JC A PCR, que se eleva rápida e precocemente na reação inflamatória aguda, parece contribuir para a resposta inespecífica de defesa anti-infecciosa atra- vés de múltiplos mecanismos. Sua capacidade de li- gação com vários componentes celulares (fosfocolina, presente na parede bacteriana, substâncias nucleares e fibronectina, proteína da matriz do tecido conjunti- vo) e com a membrana de neutrófilos e monócitos estimula muitas atividades biológicas ligadas a infla- mação, como a ativação do complemento, opsonização, quimiotaxia, fagocitose, produção de radicais livres e citotoxicidade. A PCR parece ligar-se também a lin- fócitos e plaquetas, ativando a citotoxicidade mediada por estas células e inibindo a atividade do PAF (“platelet activating factor”)(54). Por outro lado, outro grupo de PFAg, o SAA e SAP (amilóides séricos A e P) de cinética semelhante à PCR, podem trazer conseqüên- cias lesivas, principalmente na inflamação crônica. Nesta condição, a deposição de fibrilas amilóides A (produto de proteólise do SAA) em órgãos como o fígado, baço e rim pode causar amiloidose com con- seqüências até fatais. Do mesmo modo, a deposição de amilóide P, derivado do SAP, tem efeito acelerador em amiloidoses primárias e secundárias pela sua ca- pacidade de inibir enzimas proteolíticas que degradam as fibrilas amilóides. Além disto, a associação entre SAA e HDL (lipoproteína de alta densidade) poderia diminuir a capacidade da HDL de transportar coleste- rol e explicar a maior mortalidade por doenças cardio- vasculares em afecções inflamatórias crônicas como a artrite reumatóide(48). Por outro lado, várias citoci- nas pró-inflamatórias provocam hipertrigliceridemia, particularmente da fração VLDL (“very low density lipoproteins”), que pode ter um efeito benéfico neu- tralizando endotoxinas e vírus(21). 2.2. Papel da febre nas defesas orgânicas Nos últimos 15 anos, inúmeros estudos têm de- monstrado que pequenas elevações da temperatura corporal, semelhantes às observadas durante a res- posta febril, potenciam a defesa do organismo contra agentes infecciosos e células neoplásicas. Muitos des- tes estudos foram realizados em animais inferiores, invertebrados ou vertebrados poiquilotermos. Em ver- tebrados homeotermos, demonstrou-se a ação da fe- bre nas seguintes funções da resposta imune (revisto em 25, 26, 41): a) aceleração da quimiotaxia de neutrófilos e da se- creção de substâncias antibacterianas (peróxidos, superóxidos, lisozima e lactoferrina); b) aumento da produção e das ações antiviral e antitumoral dos interferons; c) estimulação das fases de reconhecimento e sensi- bilização da resposta imunológica, resultando em uma interação mais eficiente entre macrófago e linfócito T e maior proliferação destes últimos. As fases efetoras da resposta imune, como a citotoxi- cidade de linfócitos T e NK, são inalteradas ou mesmo deprimidas pelo aumento de temperatura; d) diminuição da disponibilidade de ferro, a qual limita a proliferação bacteriana e de alguns tumores. Este fenômeno é causado pela hipotransferrinemia da RFAg, pelo aumento da afinidade do Fe pela lactoferrina intracelular e pela menor produção de proteínas quelantes de ferro pelas bactérias. Recentemente, demonstrou-se também que a febre e alguns estímulos inflamatórios estimulam a produção de uma família de proteínas conhecidas como proteínas do choque térmico” (“heat shock proteins”, HSP), presentes em toda a escala animal e exibindo amplas interações com o sistema imunológico especí- fico e inespecífico. Entre estas, destaca-se a prote- ção conferida pelas HSP às células expostas à pró- pria hipertermia e a mediadores inflamatórios lesivos, como os radicais livres oxidantes e o TNF(39). Pelo menos uma destas proteínas, a HSP70 , parece funci- onar como um verdadeiro termômetro celular, regu- lando a produção de outras HSP e, indiretamente, de- sencadeando mecanismos de termoproteção(10). Des- te modo, as HSP constituem uma classe peculiar de proteínas de fase aguda intracelulares com proprieda- des antioxidantes e sua síntese na resposta inflamató- ria poderia explicar, pelo menos em parte, o valor adaptativo da febre. 2.3. Ações patológicas dos pirogênios endóge- nos A maioria das ações benéficas da febre sobre as defesas orgânicas, mencionadas acima, são medi- adas indiretamente por citocinas de efeito pirogênico secretadas na RFAg, principalmente IL-1 e TNF. En- tretanto, estas e outras citocinas, aliadas a substânci- as pró-inflamatórias como as prostaglandinas, produ- zem várias manifestações adversas, tanto na fase aguda como na fase crônica da reação inflamatória (Tabela IV). Muitas destas manifestações (sonolência, astenia, mialgia, lombalgia, artralgia, cefaléia e anorexia) cons- tituem apenas sintomas desconfortáveis da reação febril aguda, sem grandes conseqüências patológicas. Por outro lado, em estados febris de longa duração, 7 Febre e inflamação como na AIDS e em várias outras doenças crônicas, as ações metabólicas dos pirogênios podem ter signi- ficativa morbidade, causando desnutrição, osteoporo- se, anemia da doença crônica e fibrose em tecidos inflamados(9, 13-17, 20, 36). Além disto, um episódio único de febre (> 37,8 ºC) no primeiro trimestre da gestação duplica o risco de malformações do tubo neural no feto(20). O mecanismo patogênico destas alterações é multifatorial e incompletamente desvendado (Tabela IV). A anemia da doença crônica, por exemplo, pode ser atribuída à inibição central da eritropoese mediada pelo TNF e à hipotransferrinemia induzida pela rea- ção de fase aguda hepática, enquanto a fibrose asso- ciada à inflamação crônica pode ser decorrente da estimulação da síntese de colágeno e da proliferação fibroblástica. A caquexia observada em neoplasias e outras condições inflamatórias crônicas resulta da combinação entre anorexia, diminuição da síntese de albumina, miólise/lipólise, hipoglicemia e anemia(49), cada um destes distúrbios sendo mediado por um con- junto de citocinas, com participação variável das pros- taglandinas (Tabela IV). Nem sempre é possível atri- buir-se uma propriedade biológica a uma citocina indi- vidualmente, devido à complexa rede de interações entre elas. O TNF e a IL-1, por exemplo, induzem não só sua própria secreção como a de IL-6 e IL-8, as quais poderiam mediar ações biológicas inicialmente atribuídas àquelas citocinas. A administração terapêu- tica de IL-2, por exemplo, produz febre através da secreção de TNF, pois a IL -2 por si não tem proprie- dades pirogênicas(14, 58), o mesmo ocorrendo com o GM-CSF. De modo geral, a IL-1 e o TNF têm propri- edades superponíveis, pirogênicas e pró-inflamatórias e a IL-6 é a mais potente indutora de proteínas de fase aguda e a que melhor se correlaciona com a magnitude da febre e com a gravidade de doenças infecciosas (Secção 3). Por outro lado, ela inibe as ações inflamatórias da IL-1 e do TNF, pois é secretada por linfócitos do tipo Th2 (Secção 2.4). Os IFN, por sua vez, inibem as atividades osteoclástica e fibroblás- tica da IL-1 e parecem ter papel pirogênico e pró- inflamatório predominantemente em infecções virais e doenças auto-imunes (Secção 4). 2.4. RFAg em doenças parasitárias Em modelos animais de infecções parasitárias, a produção de PFAg tem mostrado efeitos contraditó- rios, seja protegendo o hospedeiro (como a PCR na malária do rato), seja contribuindo para a evasão do parasita, quando este incorpora a PFAg em sua mem- brana e elude a resposta imunológica (em Trychomonas, Leishmania e T.cruzi). Há poucos estudos de RFAg em parasitoses humanas; na malária, por exemplo, não há correlacão entre as alterações das PFAg e a evolu- ção clínica, medida pela magnitude e duração da febre e da parasitemia e pela gravidade da doença. Na es- quistossomose humana, ao contrário da murina, não ocorre aumento das PFAg no período de formação de granulomas hepáticos. Entre as parasitoses intestinais, a ancilostomíase induz, provavelmente, o maior estí- mulo para a produção de PFAg , enquanto infecções intestinais por giárdia e por Hymenolepis produzem os maiores graus de hipoalbuminemia em crianças, o que se correlacionou com retardo de desenvolvimen- to. As citocinas participantes da RFAg induzida por parasitas estão sendo extensivamente estudadas, mas não emergiu ainda um quadro coerente de seu perfil e suas interações nas várias doenças. O TNF e a IL-1 por exemplo, estão elevados na malária, tripanosso- míase e leishmaniose, o IFN-γ na doença de Chagas e a IL-6 na malária(47, 52). -OBAL-OCINÍLCSEÕÇATSEFINAM:VIALEBAT SOINÊGORIPSOLEPSADAIDEMSIAIROTAR SOCISSÁLCSONEGÓDNE SEÕÇATSEFINAM 1-LI FNT 6-LI NFI **erbeF aicnêlonoS *aixeronA **saiglarta,saiglaiM *esilópileesilóiM aimecilgopiH *aessóoãçrosbaeR aimenA *esoticocueL adugaesafedsaníetorP aimenilubolgamagrepiH *ralipacotnemasavartxE *oirótalucriceuqohC esorbiF ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ + ++ + + + + ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ _ + + ++ ++ ++ + _ _ _ + ++ + _ ++ ++ ++ _ _ _ + ++ _ ++ _ _ _ _ _ _ _ + _ _ sanidnalgatsorprop*etnemlaicrapuo**latotsodaidemsotiefe* .siadioretse-oãnsoirótamalfni-itnaropsodibini,otnatrop,e 10 Voltarelli JC elevação das PFAg; a maioria das viroses, a esclero- dermia, o lúpus eritematoso sistêmico e a colite ulce- rativa constituem alguns exemplos desta exceção(16). N estas doenças, a ausência da resposta hepática de fase aguda e de neutrofilia pode ser atribuída a inibi- dores circulantes d e IL-1 e TNF ou à participação do s IFN , pobres indutores de RFA g, como principais citocinas de fase aguda (vide Secção 2). No futuro, a quantificação sérica de citocinas poderá proporcionar, para o clínico, um entendimento fisiopatológico mais completo do processo inflamató- rio do que o proporcionado pelas PFAg , auxiliando o diagnóstico e, principalmente, a aplicação de terapêu- ticas específicas dirigidas aos efeitos destas citocinas (vide Secções 8 e 9). A experiência obtida até agora com dosagens imunoquímicas (radio imunoensaio e ELISA ) de citocinas em grupos limitados de pacien- tes com doenças inflamatórias permite tirar as seguin- tes conclusões (13-16): 1) o pico febril aparece algumas horas (1 a 2,5 h) após o das citocinas e não há corre- lação entre eles, nem quanto à cinética nem quanto aos níveis atingidos; 2) IL-1 e TNF permanecem ele- vados por um breve período, enquanto a IL-6 é a mais persistente, o que explica sua melhor corre lação com a febre e com as manifestações patológicas de várias doenças infecciosas; 3) pode haver dissociação entre a elevação plasmática das citocinas e a presença de sinais infla matórios, causada pela ligação destas cito- cinas com proteínas plasmáticas, inclusive PFAg, o u pelo uso de AINE, que inibem certas manifestações clinicas (Tabela IV), mas aumentam os níveis das ci- tocinas; 4) citocinas pirogênicas estão elevadas em várias doenças inflamatórias (septicemia, queimadu- ras, malária, rejeição a transplantes, artrite reu matóide), mas também em condições fisiológicas (ovu- lação e exercício físico) e até em alguns indivíduos normais. Por outro lado, deficiências na produção de citocinas foram observadas em várias doenças, com significado indefinido. Portanto, serão necessários muitos estudos para se determinar a sensibilidade e especificidade da quantificação das citocinas antes que possa ser usada na prática clínica. 4. PATOGÊNESE DA FEBRE E DAS MANI- FESTAÇÕES ASSOCIADAS Das várias consequências clínicas da RFAg, a mais importante do ponto de vista fisiopatológico e clí- nico é, sem dúvida alguma, a febre. Ela ocorre pela ação de algumas citocinas (os pirogênios endógenos) sobre os centros termorreguladores do hipotálamo, elevando o limiar térmico (que normalmente é contro- lado rigidamente em torno de 37ºC) e desenca deando respostas metabólicas de produção e conservação de calor (tremores, vasoconstricção periférica, aumento do metabolismo basal) (Figura 3). Quando a tempera- tura corporal ultrapassa o novo limiar, são desencade- ados mecanismos de dissipação de calor (vasodilata- ção periférica, sudorese e perspiração) que tendem a reduzi-la novamente. Deste modo, na resposta febril a termorregulação é preservada, ainda que em nível mais elevado, mantendo-se inclusive o ritmo circadiano fisiológico (tº máxima entre 16 e 20 h, mínima entre 4 e 6 h). TABELA VII: UTILIDADE DIAGNÓSTICA DAS PROTE- ÍNAS DE FASE AGUDA I. Diagnóstico diferencial Pileonefrite vs. cistite Pneumonia vs. bronquite Artrite reumatóide vs. osteoartrose Artrite psoriásica vs. psoríase Infarto do miocárdio vs. angina estável(30) Meningite bacteriana vs. meningite asséptica Tuberculose pulmonar vs. sarcoidose Trombose venosa profunda Apendicite aguda - Presença de infecção oculta . Em recém-nascidos . No pós-operatório . Superposta a doenças crônicas II. Monitoramento de atividade inflamatória Doenças reumáticas Artrite reumatóide juvenil e do adulto Polimialgia reumática/arterite temporal Lúpus eritematoso sistêmico Espondilite anquilosante Síndrome de Reiter Artrite gotosa aguda e crônica Vasculite sistêmica Outras condições Pancreatite Doença inflamatória intestinal Transplantes renal e de medula óssea(56) III. Indicadores de prognóstico Artrite reumatóide juvenil Artrite reumatóide do adulto Angina instável(30) Adaptada das ref. 5 e 54. 11 Febre e inflamação A geração de calor pela ativação simpática do “tecido adiposo marron” indepen dente de tremores musculares (termogênese ”non-shivering”) pode as- sumir papel proeminente em algumas situações clíni- cas (febre dos recém-nascidos, hipertermia maligna ou associada ao feocromocitoma) (35) . Há uma enorme variedade de pirogênios exó- genos (microorganismos intactos, produtos microbia- nos, complexos imunes, antígenos não-microbianos, drogas e outros agentes farmacológicos), mas apenas um número limitado de pirogênios endó genos foram identificados: as citocinas IL-1, TNF , IFN e IL-6 (1,13- 16,20,55) e, mais recentemente, entre outros, a IL-8 e o MIP -1(63, 64) (Figura 3). O mecanismo exato da ação pirogênica destas substâncias não é conhecido e pa- rece diferir entre estes dois grupos de citocinas: as quatro primeiras, ao caírem na circulação a partir do foco inflamatório, estimulam a produção de prosta- glandina E2 p or várias células (endoteliais, macrofá- gicas e até neurônios) na vizinhança dos centros termorreguladores hipotalâmicos, mais especificamen- te em uma região ricamente vascularizada e despro- vida de barreira hematoencefálica localizada na por- ção ânte ro-ventral do terceiro ventrículo (o ”orga num vasculosum lamina terminalis”, OVLT ) (Figura 4). A PGE 2 se difundiria para o centro termorregulador Corticóides Acetaminofeno AINE Dipirona? MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS OVLT Paraventricular PGE2 e outros derivados do AA AMP Ciclico CÓRTEX 1) Lesões Hipotalâmicas Neurolépticos Corticóides TERMOSTATO ELEVADO Morfna Clorpromazina Bromocriptina IL-8, MIP-1 Macrófagos Endotélio Astrócitos, Linfócitos, etc IL-1, TNF, IFN IL-6, IL-8, etc AINE Dipirona Corticóides Macrófagos Endotélio Astrócitos, Linfócitos, etc Núcleo Paraventricular Ativação Simpática Termogênese “Non-shivering” Produção de calor IL-1, TNF, IL-6, IFN Produção de calor Retenção de calor Vasoconstricção Ativação Simpática CONTRAÇÃO MUSCULAR ESQUELÉTICA Eferentes periféricos Centro vasomotor 2) Feocromocitoma 3) Exercícios 4) Anticolinérgicos Anestésicos Desidratação β-bloqueador α-bloqueador Pirogênios Exógenos Toxinas e outros produtos microbianos Antígenos. Complexos Ag-Ac. Drogas. Polinucleotídeos. Etiocolanolona Dantrolene D ip ri ro na Figura 3 — Mecanismos bioquímicos e fisiológicos envolvidos na patogênese da febre e hipertermia, localizando, através de linhas tracejadas, os prováveis sítios de atuação das drogas antipiréticas, tanto de ação central como periférica. A linha pontilhada indica a controversa mediaçao pirogênica das prostaglandinas produzidas no foco inflamatório e as setas tracejadas exemplificam mecanismos produtores de hipertermia (1 a 4). MIP-1: proteína inflamatória de macrófago-1, PG: prostaglandinas, CTR: centro termorregulador, PO/ HA: área pré-óptica do hipotálamo anterior, OVLT: “organum vasculosum lamina terminalis”, CRF: “corticotrophin releasing factor” ou fator liberador de ACTH. AINE: anti-inflamatórios não-esleroidais. Modificada da ref. 63. 12 Voltarelli JC adjacente, na área pré-óptica medial, estimulando a produção de AMP cíclico e inibindo a ativi dade dos neurônios sensíveis ao calor, deste modo acionando as respostas de geração e conservação de calor me- diadas pelos neurônios sensíveis ao frio e, assim, ele- vando o limiar térmico(9). O papel pirogênico das PG s produzidas no foco inflamatorio é controvertido, mas parecem ter importância secundária em função da sua meia vida e concentração plasmática diminutas (Figu- ra 3, linha pontilhada). A IL-8 e o MIP -1 agem inde- pendentemente das PG , provavelmente através do CRF (“corticotrophin releasing factor” ou fator liberador do ACTH ), que estimula diretamente as vias simpáticas de produção de calor(63, 64) (Figura 3). Es- tes mecanismos termogê nicos têm profundas impli- cações no entendimento da ação das drogas antipiréticas, como será discutido na Secção 9. A participação individual de cada uma destas citocinas nos vários tipos de RFAg e respostas febris e na gênese das manifestações clínicas associadas está apenas começando a ser estudada (13-16, 20). Com ex- ceção da IL-6(2) , os outros pirogênios endógenos se apresentam em diferentes formas químicas, com pro- priedades semelhantes mas não necessariamente superponíveis ( IL-1α e β, TNFα e β, IFNα, β, γ) . O IFNα, por exemplo, é produzido na maioria das infec- ções virais, onde é res ponsável, além da febre, pela sonolência e letargia que acompanham estas infec- ções. Uma mistura de IFN-α e γ foi encontrada no lúpus eritematoso sistêmico (LES) e em outras doen- ças auto- imunes (esclerodermia, síndrome de Sjogren). Como os IFN não induzem a produção hepática de PFAg , as doenças virais e o LES geralmente não produzem aumento da PCR e/ouVHS e neutrofilia. Esta é causada pela liberação de neutró- filos maduros da medula óssea e pela sensibilização da célula-tronco da medula aos fatores de crescimen- to hematopoéticos, ações estas mediadas pela IL-1 e IL-6; o TNF, ao contrário, atua como inibidor da he- matopoese e pode contribuir para anemia e caquexia observada em estados inflamatórios crônicos. A Ta- bela IV compara as propriedades biológicas dos prin- cipais pirogênios endógenos e seus papéis nas mani- festações clínicas da RFAg e a Tabela VIII reúne as principais alterações metabólicas produzidas pela res- posta febril. Alguns mediadores hipotalâmicos como a so- matotastina, a vasopressina-arginina e o hormônio es- timulante de melanócitos (MSH) têm ação inibitória sobre a resposta febril, sendo considerados verdadei- ros criógenos endógenos. Estas substâncias provavel- mente são responsáveis pela manutenção de um “teto térmico” (abaixo de 41ºC) mesmo nas respostas fe- bris mais intensas(16, 25) . Deste modo, a deficiência destes criógenos explicaria a dificuldade de a tempe- ratura corporal retornar a níveis basais em alguns pa- cientes febris. Mulheres grávidas (a partir do 2º tri- mestre de gestação) e neonatos, por outro lado, pos- suem concentrações aumentadas de vasopressina- arginina, a qual, por estímulo do eixo hipotálamo- hipófise-adrenal, produz um efeito criogênico e pode impedir a febre. Figura 4 - Mecanismo pelo qual a IL-1 (e possivelmente TNF, IL-6 e IFN ) agem sobre o “organum vasculosum lamina terminalis” (OVLT) para produzir febre. A IL-1 proveniente da circulação sistêmica estimula neurônios, células endoteliais e macrofágicas do OVLT a produzirem PGE 2, que se difunde para o centro termorregulador (POM : núcleo pré-óptico medial), onde vai inibir a ação de neurônios sensíveis ao calor e elevar o limiar térmico. CA: comissura anterior. POME: núcleo pré-óptico mediano. Reproduzida da ref. 9. 15 Febre e inflamação 38,3ºC (oral) [ou 37,8 (axilar)] observadas em várias ocasiões, 2) duração mínima de 3 semanas e 3) au- sência de diagnóstico etiológico após uma semana de investigação hospitalar. Esta conceituação foi usada por mais de 30 anos e visava, fundamentalmente, a excluir pacientes com doenças autolimitadas, em ge- ral infecções virais, que duravam menos de 3 sema- nas e outras doenças facilmente identificadas com exames subsidiários relativamente simples. Entretan- to, mudanças profundas na prática médica (com mai- or ênfase e rapidez na investigação ambulatorial) e no perfil nosológico da população (expansão de pacien- tes imunossuprimidos, incluindo os infectados pelo HIV e os submetidos a quimioterapia e terapia intensiva) levaram a uma redefinição da FOI e sua classificação em 4 categorias: clássica, hospitalar, neutropêni- ca e associada ao HIV (Tabela IX )(18). A Figura 5 mostra que as causas de FOI se distribuem pratica- mente em todos os sistemas orgânicos e aponta as doenças graves e tratáveis mais freqüentes que pro- duzem este problema clínico. T ALEBA ADANIMRETEDNIMEGIROEDSERBEFSADOÃÇACIFISSALC:XI ACISSÁLC RALATIPSOH ACINÊPORTUEN ADAICOSSA VIHOA º8,73>T(oãçinifeD )ropaditeperC satlusnoc3,mes3> edsaid3uo oãçanretni anetnesua,said3 edd2,oãçanretni savitagensarutluc ,lu/005<NMP,said3 sarutlucedd2 savitagen oirótalubmame,mes4 ,latipsohmed3>uo .sopVIH etneicapodmegirO ,edadinumoC uooirótalubma latipsoh odugaotnematarT ralatipsoh uolatipsoH oirótalubma ,edadinumoC uooirótalubma latipsoh aigoloitE ,aisalpoen,oãçcefnI uoangineb,oãçamalfni acitápoidi ,ralatipsohoãçcefnI -sópoãçacilpmoc erbef,acigrúric asotnemacidem sam,oãçcefnI meósadatnemucod %06a03 ,esomsalpoxot,VMC ,VIH,amofnil sairétcabocim acinílcairótsiH /csotatnoc,snegaiV siaminaesodatcefni ,seõçnevretnI sagord,sohlerapa sadassapesiauta ,acisábaçneoD sartuo,aiparetoimiuq edt,sagord aineportuen ,oãçcefniadoigátsE ,ocsiredserotaf sagord,sotatnoc ocisífemaxE ,nemôdbA ,oçab,saitaponeda seõçalucitra,solucsúm ,sonerd,sotnemireF adsoies,seretetac oirániruotart,ecaf ,sarbodeeleP ,seretetac,seõmlup oenírep ,acob,eleP ,sohlo,aitaponeda CNS,seõmlup oãçagitsevnI emegami,anitoR saispóib eanitorreveR megami,sarutluc ,megami,sarutluC saispóib ,airtemoticofniL ,oinârcTC,aigoloros saispóib açneodedopmeT seseM sanamesasaiD saiD sesemasanameS oãçagitsevniedopmeT sanameS saiD saroH sanamesasaiD atudnoC rative,oãçavresbO acirípmeaiparet leváiraV son-aiborcimitnA socirípme ,oãçirtun,TZA aixaliforp anaiborcimitna .81.feradadatpadA 16 Voltarelli JC 6.1. FOI clássica Corresponde grosseiramente à definição de Petersdorf mencionada acima, com exceção de que a exigência de uma semana de internação foi reduzida para 3 dias ou mesmo para 3 consultas ambulatoriais. As causas mais freqüentes continuam a ser as doen- ças infecciosas, neoplásicas e auto-imunes (“mani- festações incomuns de doenças comuns”), mas incluem um número significativo de casos classifica- dos como “hipertermia habitual” (vide Secção 6.5.1), ou não diagnosticados conclusivamente. A história clínica destes pacientes deve enfati- zar viagens a áreas endêmicas, contatos com outros pacientes portadores de doenças transmissíveis e com animais, uso de medicamentos e imunização prévia. O exame físico deve focalizar o abdômen, gânglios linfá- ticos e baço, músculos, articulações e artérias tempo- rais. Neste sentido, a ocorrência freqüente de febre (e de FOI ) em várias doenças reumáticas(61) exige um exame cuidadoso do sistema músculo-esquelético no paciente febril. Na investigação laboratorial, após exa- mes rotineiros de contagens sangüíneas, velocidade de hemossedimentação, sedimento urinário, sorologias, testes de hipersensibilidade cutânea, culturas de san- gue, urina e outras fontes, deve-se concentrar em exa- mes de imagem (radiografias contrastadas, ultras- sonografia, gamacintilografia, tomografia computado- rizada - CT e ressonância nuclear magnética - MRI) e biópsias. Estas podem ser rotineiras (fígado e medula óssea) ou orientadas por achados clínicos e laborato- riais (pele, pleura, gânglios linfáticos, rim, músculo, Figura 5 - Causas de febre de origem indeterminada distribuídas em praticamente todos os sistemas orgânicos. As mais freqüentes doenças graves e potencialmente tratáveis estão assinaladas em negrito. Reproduzida da ref. 28. Cérebro: Febre Factícia Artéria: Arterite temporal Poliarterite Granulomatose de Wegener S. de Churg Strauss Coração: Endocardite Mixoma atrial Pericardite Boca: Sepse oral Patologia dentária Área subfrénica: Abscessos Fígado: Infiltrações Cirrose Hepatorna Outros tumores Hepatite Abscessos Rins: Hipernefroma Infecção urinária Abscesso perinefrético Músculos: (Dermato) rniosite Trato genital: Neoplasia Sepse pélvica Doença venérea Articulações: Febre reumática Lupo eritematoso sistêmico Doença de Still Veias: Trombose venosa Pulmão: Neoplasia primária Neoplasia secundária Sarcoidose Tuberculose Embolia pulmonar Páncreas: Neoplasia Pancreatite Intestino: Neoplasia Doenças granulomatosas Tuberculose Esquistossomose Sistema retículo: endotelial: Neoplasia Brucelose Tuberculose Toxoplasmose Citomegalovirose Mononucleose Calazar Sangue: Malária Leucemia (Para) tifóide Salmonelose Septicemias SIDA/AIDS 17 Febre e inflamação nervo, intestino ou qualquer outro tecido). Embora não se tenha ainda demonstrado inequivocamente que os mais novos métodos de diagnóstico de imagem, como a MRI, tenham maior especificidade diagnóstica do que os mais tradicionais, como o CT, não há dúvida de que estes métodos, no seu conjunto, representaram um grande avanço no esclarecimento etiológico das FOI, diminuindo drasticamente a necessidade de procedi- mentos bastante invasivos, como a laparotomia explo- radora. Esta é ainda indicada nos raros casos em que todos estes métodos falham em produzir um diagnósti- co, em especial nos pacientes com alguma localização clínica, por exemplo, dor abdominal. Cada Serviço de Moléstias Infecciosas possui um roteiro diagnóstico próprio para FOI , baseado na epidemiologia e nos re- cursos locais e o do Hospital das Clínicas da Faculda- de de Medicina de Ribeirão Preto foi apresentado no artigo anterior(55). Após a investigação laboratorial, o paciente deve ser observado, com registro cuidadoso da curva térmica, evitando-se tratamentos empíricos que possam alterar esta curva ou mitigar uma infec- ção subjacente. 6.2. FOI hospitalar Esta categoria inclui pacientes hospitalizados para tratamento agudo (trauma, cirurgia, transplantes, queimaduras, câncer , terapia intensiva, por exemplo), nos quais não se identificou uma infecção na interna- ção. Não há limitação de idade, pois a FOI ocorre em muitos recém-nascidos, prematuros e idosos em tera- pia intensiva, mas pacientes com doenças crônicas e residentes em asilos são excluídos desta ca tegoria, porque mais provavelmente apre sentam FOI clássi- ca. Tanto a natureza da doença básica como as in- tervenções realizadas na hospitalização (medicamen- tos, cateteres, cânulas e outros artefatos) devem ser considerados na etiologia da FOI hospitalar (infecções hospitalares, cateteres infectados, embolia pulmonar, colecistite acalculosa, viroses transmitidas por trans- fusões, sinusite e febre medicamentosa são causas freqüentes). O exame físico deve focalizar-se na pele, ferimentos, locais de punção, pulmões, abdômen e trato urinário. Ele é particularmente difícil de ser realizado em ambiente de terapia intensiva; neste caso, deve-se repetir exames limitados periodicamente. A maioria dos pacientes com FOI hospitalar terão realizado freqüentes radiografias de tórax, con- tagens sangüíneas e testes bioquímicos, tenham ou não febre. Do mesmo modo, culturas de sangue e urina são rotineiramente coletadas se a temperatura se ele- va. O primeiro passo para a investigação laboratorial da FOI hospitalar é rever os resultados de exames disponíveis e focalizar novas possibilidades diagnósti- cas. Exames potencialmente úteis nesta situação são ultrassonografia e CT abdominais, mapeamento fun- cional da vesícula biliar, radiografia de seios da face, ecocardiografia, broncoscopia ou biópsia aspirativa pulmonar, exames para hepatite e pancreatite e para a toxina do C.difficile nas fezes. 6.3. FOI em pacientes neutropênicos Esta nova categoria de FOI é inteiramente dis- tinta da forma clássica e merece individualização de- vido à grande expansão do número de pacientes neutropênicos nos últimos anos, causada pela utiliza- ção crescente da quimioterapia citotóxica em doen- ças neoplásicas e não-neoplásicas. Ela é definida pela presença de febre repetida em paciente com menos de 500 neutrófilos/ul depois de 3 dias de investigação, incluindo pelo menos 2 dias de realização de culturas. O aparente paradoxo entre a presença de fe- bre na ausência de neutrófilos periféricos hoje é facil- mente explicado pela produção de pirogênios endóge- nos ( IL-1 , IL-6, TNF , IFN-γ e outros) por monóci- tos, macrófagos e células da matriz tecidual (estroma). No período de neutropenia pós-transplante de medula óssea, por exemplo, as células do sistema macrofági- co do receptor são apenas gradualmente substituídas pelos macrófagos do doador, enquanto o estroma per- manece do receptor (56) . Na anemia aplástica grave, mesmo na ausência de neutrófilos e monócitos circu- lantes, células do estroma produzem quantidades nor- mais de IL-1 e IL-6 e reduzida quantidade de IL-1RA, um inibidor biológico do receptor da IL-1(23), o que poderia explicar a ocorrência freqüente de FOI nesta doença, mesmo na ausência de infecção. Desde a década de 70 está bem estabelecida a relação estreita entre a redução do número de neutró- filos circulantes e a frequência de infecções, que se tornam proeminentes quando a contagem de neutrófi- los é inferior a 1.000/ul. Os fatores predisponentes estão bem estudados e incluem a natureza e estágio da doença básica, o grau e a duração da neutropenia, o tipo e número de ciclos de quimioterapia, a duração da hospitalização, a idade e o estado nutricional do paciente. São comuns as infecções bacterianas fo- cais, com ou sem bacteremia, envolvendo a cavidade oral, pele e partes moles, períneo, pulmões e eventu- ais cateteres. Ao contrário da FOI nosocomial, infec- 20 Voltarelli JC 6.5.2. Febre medicamentosa O uso de medicamentos constitui causa relati- vamente freqüente de febre, principalmente de FOI prolongada(7,20,45). Qualquer padrão febril pode ser observado, sendo mais comum o contínuo, embora oca- sionalmente o padrão héctico, com amplas variações diárias, possa confundi-la com uma infecção grave. A patogênese da febre medicamentosa pode estar liga- da 1) à contaminação da droga com pirogênios ou mi- croorganismos, 2) à ação farmacológica do medica- mento liberando pirogênios (como a penicilina pela destruição de treponemas ou drogas citotóxicas pela destruição de células neoplásicas), 3) induzindo pro- dução de PGE2 (anfotericina B) ou 4) alterando me- canismos centrais (neurolépticos) ou periféricos (anes- tésicos) de termorregulação, ou 5) a mecanismos imunológicos (formação de imunocomplexos ou sen- sibilização por linfócitos T). Somente nesta última ca- tegoria se observará o típico período de latência de 1 a 3 semanas entre a introdução da droga e o início da febre, além das manifestações indicativas de hiper- sensibilidade (eosinofilia, “rash” cutâneo, colestase e proteinúria). Embora qualquer medicamento possa cau- sar febre, os mais freqüentemente implicados são os antibióticos/quimioterápicos (principalmente os β-lactâmicos, penicilinas e cefalosporinas, sulfonami- das e antituberculosos), antiarrítmicos (quinidina e procainamida), anticonvulsivantes (hidantoinatos), anti- hipertensivos (metildopa) e antitireoidianos (propiltiou- racil). Na realidade, entre os medicamentos de uso comum, apenas os digitálicos parecem não ter o potencial de induzir febre(7). Usualmente, a febre medicamentosa regride 2 a 3 dias após a inter- rupção da droga suspeita, mas pode demorar mais tem- po, dependendo da velocidade de sua metabolização (até 3 a 4 semanas para compostos iodados, por exem- plo) . De qualquer modo, a defervescência associada à suspensão da droga constitui o único critério confir- matório de febre medicamentosa e evita outras com- plicações mais graves nos casos de reação de hiper- sensibilidade (citopenias, dermatite esfoliativa, vascu- lite, anafilaxia). Excepcionalmente, quando o medica- mento utilizado‚ indispensável (anfotericina B ou ou- tros quimioterápicos, por exemplo), a presença ape- nas de febre e “rash” cutâneo não contraindica a con- tinuidade da terapêutica. TABELA X: FEBRES BENIGNAS CLASSIFICAÇÃO PATOGÊNESE 1. Baixo grau (até 38,0ºC) • Hipertermia habitual Exagero do ritmo circadiano • Febre psicogênica Resposta a situações de estresse • Febre da internação Estresse da hospitalização • Síndrome da fadiga crônica Infecção viral crônica 2. Alto grau (acima de 38,0ºC) • Febre factícia - Clássica Manipulação do termômetro - Febre fabricada Auto-administração de pirogênios ou bactérias • Febre medicamentosa Contaminação, ação farmacológica ou hipersensibilidade • Febre ocupacional Idiossincrasia a polímeros ou metais gasosos • Distúrbios de mecanismos termorreguladores - Cutâneos Incapacidade de dissipar calor - Neurológicos Termorregulação central alterada • Distúrbios metabólicos Hiperprodução de etiocolanolona Aumento do metabolismo basal Adaptada das ref. 7 e 60. 21 Febre e inflamação 6.5.3. Síndrome da fadiga crônica Embora conhecida desde o tempo de Hipócrates e descrita como “febrícula” por Manningham em 1750, somente em meados da década de 80 emergiu como entidade nosológica distinta a “síndrome da fadiga crô- nica” (SFC), caracterizada por muitos sintomas inespecíficos, incluindo cansaço fácil, febre baixa e distúrbios neuropsiquiátricos. A pletora de casos rela- tados a partir de então levou o “Centers for Disease Control” (CDC) a publicar em 1988 uma lista de cri- térios diagnósticos para esta entidade(42) ( Tabela XI). A descrição inicial da síndrome em 1985 estabelecia uma ligação etiológica com o vírus Epstein Barr (EBV), devido à presença uniforme de anticorpos específicos para antígenos do EBV no soro dos pacientes, fato que não foi confirmado posteriormente. Outros vírus, como enterovírus, herpes simplex, herpes vírus 6, CMV e vírus do sarampo têm sido implicados como causa- dores da SFC. Mais do que uma etiologia específica, a presença de várias anormalidades imunológicas (di- minuição da atividade de células “natural killer”, alte- rações em níveis de imunoglobulinas, subpopulações linfocitárias e reações de hipersensibilidade tardia, além dos anticorpos antivirais) apóiam a existência de uma base orgânica para esta doença. Ressalte-se ainda que apenas uma minoria de pacientes apresenta aumento de VHS, o que‚ compatível com a etiologia viral aven- tada. As alterações laboratoriais imunológicas, asso- ciadas ao início súbito dos sintomas e à presença de manifestações objetivas no exame físico (febre, farin- gite, adenomegalia dolorosa) auxiliam a diferenciação da SFC de distúrbios psicossomáticos como a depres- são psíquica e a fibromiosite. Como não se conhece a etiologia, não há tratamento específico para esta con- dição bastante desconfortável e incapacitante (o aci- clovir mostrou-se ineficaz e a imunoglobulina EV teve resultados contraditórios). Uma abordagem psicosso- mática e sintomática precoce deve evitar a progres- são da doença e reintegrar o paciente a sua atividade normal, afastando o estigma de uma doença psiquátri- ca ou orgânica potencialmente fatal. 6.5.4. Doenças tropicais como causa de FOI Como a maioria dos estudos de FOI‚ realizado em países do hemisfério norte (Europa e EUA), de clima temperado, a contribuição de doenças infecto- parasitárias e outras típicas de clima tropical naquelas casuísticas‚ apenas esporádica, geralmente merecen- do relato de casos clínicos individuais em publicações TABELA XI: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA SÍNDRO- ME DA FADIGA CRÔNICA Critérios Principais 1) Fadiga persistente ou recorrente que: a) não melhora com repouso no leito ou b) reduz a atividade diária ≥ 50% 2) Exclusão de outras condições crônicas, incluindo doen- ças psiquiátricas pré-existentes Critérios Sintomáticos Secundários - Sintomas persistentes ou recorrentes por 6 meses: 1) Febre baixa (37 a 38,1ºC) ou calafrios 2) Dor de garganta 3) Linfadenopatia dolorosa cervical ou axilar 4) Fraqueza muscular generalizada 5) Mialgia 6) Fadiga prolongada (24 h) em seguida a esforço físico previamente tolerável 7) Cefaléia generalizada recente 8) Sintomas neuropsicológicos a) fotofobia b) escotoma c) esquecimento d) irritabilidade excessiva e) confusão f) dificuldade de concentração g) dificuldade de pensamento h) depressão 9) Distúrbios do sono 10) Início agudo ou subagudo dos sintomas Critérios Físicos 1) Documentados por médico pelo menos em duas ocasiões com intervalo mínimo de um mês a) Febre baixa (37,2 a 38,1ºC axilar ou 37,8 a 38,8ºC retal) b) Faringite não-purulenta c) Adenopatia palpável ou dolorosa em cadeias cervical ou axilar ( < 2 cm de diâmetro) Diagnóstico: 2 critérios principais acompanhados de: (2 critérios físicos + 6 sintomas secundários) ou 8 sin- tomas secundários Adaptada da ref. 42. 22 Voltarelli JC médicas. Em nosso meio, a elevada prevalência des- tas doenças e a experiência clínica acumulada no seu manejo geralmente resultam no estabelecimento rápi- do do diagnóstico, de tal modo que as doenças tropi- cais não constituem etiologia predominante em nos- sas casuísticas mais recentes de FOI (Tabela XII). Entretanto, muitas doenças tropicais, ocorrendo fora de sua zona endêmica ou apresentando manifestações atípicas, podem se apresentar, mesmo nos países tro- picais, como FOI e desafiar nossa capacidade diag- nóstica. Entre elas, poderíamos citar: a maária, a for- ma aguda da doença de Chagas, a necrose amebiana hepática, o calazar, a esquistossomose aguda, a paracoccidioidomicose (formas linfático-abdominal e disseminada), as helmintíases intestinais (formas pul- monares e invasivas), a hidatidose, triquinelose, filariose, larva migrans visceral e a febre reumática aguda (em adultos pode se manifestar de modo atípico). Na casuística do Hospital do Servidor Públi- co de SP entre 1975 e 1980, por exemplo, nenhuma destas doenças foi encontrada como causa de FOI entre 74 pacientes(27). Já no levantamento de 102 ca- sos de FOI internados no HCFMUSP entre 1963 e 1965, havia 35 protozooses, entre as quais 16 casos de malária, 10 de toxoplasmose adquirida (excluída das doenças tropicais), 6 de calazar e 3 de doença de Chagas aguda ou subaguda, além de 2 casos de paracoccidioidomicose e um de febre reumática(27). Entre 55 pacientes acompanhados em Belo Horizonte no período de 1978 a 1988, 2 apresentavam maária e 1 esquistossomose associada a salmonelose(27). A com- paração epidemiológica entre estes três Serviços está demostrada na Tabela XII e revela a preponderância da etiologia infecciosa, inclusive a causada por doen- ças tropicais, na casuística mais antiga. No HCFMRP, quando se emprega a nova classificação de FOI de acordo com o tipo de situação clínica(18), em anos re- centes (Tabela XIII), observa-se: a) a ocorrência de FOI clássica, hospitalar e neutropênica em todas as faixas etárias, com etiologias semelhantes às relata- das na literatura; b) pequeno número de casos de FOI associada ao HIV, somente em adultos, com aproxi- madamente metade deles sem diagnóstico etiológico; c) apenas dois casos de doenças tropicais (leptospirose e paracoccidioidomicose pulmonar) como etiologias de FOI clássica; d) a maioria dos problemas clínicos ro- tulados como “febre a esclarecer” não se enquadram nos critérios de FOI, geralmente acometendo crian- ças com virose respiratória ou diarréia infecciosa de curta duração. TABELA XII: CASUÍSTICA DE FEBRE DE ORIGEM IN- DETERMINADA EM TRÊS SERVIÇOS DE MOLÉSTIAS INFECCIOSAS BRASILEIROS Categorias HSPESP HCFMUSP BH Diagnósticas 1975-82 1963-65 1978-88 Infecção bacteriana 14 40 17 Infecção não-bacteriana 8 38 5 Colagenose 14 6 9 Neoplasia 13 6 10 Miscetânea 6 2 10 Sem diagnóstico 19 10 4 TOTAL 74 102 55 Doenças tropicais Malária - 16 2 Calazar - 6 - Doenças de Chagas - 3 - Blastomicose SA - 2 - Esquistossomose - 0 1 Febre reumática - 1 - TOTAL 0 28 3 HSPESP: Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, HCFMUSP : Hospital das Clínicas de São Paulo, BH: Belo Ho- rizonte: cinco hospitais. Adaptada da ref. 27. 7. AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM FEBRE E ERUPÇÃO CUTÂNEA A concomitância de febre e erupção cutânea (“rash”) ‚ um problema bastante freqüente na prática médica, tanto em adultos como em crianças e requer uma abordagem ordenada para se chegar ao diagnós- tico correto (59) . Para isto, deve-se determinar: 1) a classificação da lesão elementar dermatológica, 2) sua distribuição e 3) sem padrão de progressão, além 4) das manifestações extra-cutâneas. A história clínica não pode deixar de fornecer as seguintes informações: a) passado mórbido, incluindo ingestão de medicamen- tos nas últimas semanas e antecedentes alérgicos, b) viagens a zonas endêmicas, incluindo ambientes rurais e selvagens, c) exposicão ocupacional e solar, d) imunizações, e) doenças sexualmente transmissíveis, incluindo fa- tores de risco para AIDS, f) contato com pacientes febris ou portadores de in- fecções e com animais (domésticos ou silvestres). Do mesmo modo, o exame físico não poderá omitir, além das lesões cutâneo-mucosas, a presença 25 Febre e inflamação No paciente grave, são geralmente associadas a gan- grena periférica, coagulopatia de consumo e choque . A etiologia mais comum‚ a bacteriana, principalmente por gram-negativos produtores de endotoxinas, mas estafilococos, estreptococos (em pacientes asplênicos), listéria e fungos podem produzir quadro semelhante. Doenças infecciosas virais (coxsackie, echovírus, Eps- tein-Barr, CMV, sarampo atípico e febres hemorrágicas virais), riquetsioses (todas com exceção da febre Q) e protozooses (malária falcípara) também produzem “rashes” purpúricos. Entre as causas não-infecciosas, estão os vários tipos de trombocitopenia e de vasculi- te necrotizante (que geralmente produzem púrpura palpável, de etiologia auto-imune ou medicamentosa) e as erupções purpúricas causadas por capilarite, em que há extravasamento de sangue do vaso sem lesão da parede vascular. 7.2.6. Enantema São erupções presentes em mucosas, que de- vem ser cuidadosamente pesquisadas (na cavidade oral, nariz, conjuntiva, vagina, reto e glande) em todos os casos de exantema. Nas reações alérgicas as mu- cosas estão freqüentemente envolvidas. Na rubéola, as manchas de Koplick são patognomônicas, apresen- tando cor acinzentada sobre pontilhado avermelhado na mucosa jugal do último molar. Língua bastante avermelhada (“em framboesa”) sugere doença de Kawasaki, síndrome do choque tóxico ou escarlatina. Nesta e na mononucleose infecciosa podem surgir petéquias no pálato. Úlceras orais e nasais são co- muns em várias doenças imunológicas que apresen- tam exantemas (LES, doença de Behçet, síndrome de Reiter) e também em infecções por vírus coxsackie. 7.3 Erupção cutânea em pacientes imunossu- primidos Trata-se de problema bastante complexo devi- do ao grande número de microorganismos, muitos de- les atípicos, que podem infectar estes pacientes, além de inúmeras causas não-infecciosas (alérgicas, neo- plásicas, auto-imunes, idiossincráticas). Nestes casos, devem ser obtidas biópsias das lesões cutâneas e, além da histopatologia convencional, serem empregados os métodos mais ápidos e sensíveis para identificação de microorganismos (culturas, imunofluorescência, imu- nohistoquímica, biologia molecular). A infecção pelo HIV comumente produz erup- ções cutâneas, muitas vezes acompanhadas de febre. Na fase aguda, logo após a exposição ao HIV, muitos TABELA XIV: CAUSAS DE ERUPÇÃO CUTÂNEA E FEBRE Erupção máculo-papular - Doenças virais: sarampo, rubéola, eritema infeccioso, hepatite B, coxsackie, echovírus, CMV - Eritema polimorfo: idiopático, infeccioso, alergia medi- camentosa, síndrome de Stevens-Johnson Erupção nodular - Nódulos frios: fungos (Candida, blastomicose, histo- plasmose, esporotricose), bactérias (Nocardia, mico- bactérias atípicas) - Eritema nodoso: infeccioso (estreptococcia, tuberculo- se, sífilis, lepra), alergia a drogas, doenças auto-imu- nes, sarcoidose, leucemia, gravidez Eritema difuso - Eritrodermia esfoliativa: síndromes do choque tóxico, de Stevens-Johnson, estafilocócica da pele escaldada; necrólise tóxica epidérmica - Outras causas: reação medicamentosa, pênfigo foliáceo, psoríase, linfoma cutâneo Erupções vesículo-bolhosas - Causas imunológicas ou dermatológicas - Infecções: varicela, herpes simplex, eczema herpético, enterovírus, coxsackie Erupções pustulares - Doenças dermatológicas (psoríase pustulosa) ou infec- ciosas (pseudomonas pustulosa ou foliculite estafilo- cócica) - Associadas a artropatias: gonococcemia, meningococ- cemia, endocardite bacteriana, doença de Behçet, vírus coxsackie - Associadas a AIDS: paracoccidioidomicose, criptoco- cose, histoplasmose Erupções purpúricas - Infecções: bacilos gram-negativos, estafilococo, estrep- tococo, fungos, listéria, muitos vírus e riquétsias, P.falciparum - Causas não-infecciosas: trombocitopenias, vasculite necrotizante (auto-imune, medicamentosa), capilarites Enantema - Infecções: rubéola (mancha de Koplik), escarlatina (lín- gua “em framboesa”), mononucleose infecciosa, coxsackie - Causas não-infecciosas: doença de Kawasaki, LES, do- ença de Behçet, síndrome de Reiter 26 Voltarelli JC pacientes desenvolvem uma “doença de soroconver- são, semelhante à mononucleose infecciosa, com fe- bre, mialgia, cefaléia, urticária, meningite asséptica e um “rash” maculopapular geralmente confinado ao tronco. Lesões dermatológicas primárias na AIDS in- cluem dermatite seborréica, psoríase, ceratodermia blenorrágica da síndrome de Reiter, ictiose, melano- dermia, tumores, síndrome da unha amarela, erupção papular prurítica, vitiligo, teleangiectasias no tórax anterior e alopecia. Manifestações orais incluem can- didíase, leucoplasia pilosa, infecção herpética e sarcoma de Kaposi. Reações a droga são comuns em pacientes com AIDS; cerca de 50% dos tratados com trimetoprim-sulfametoxazol desenvolvem “rash” maculopapular eritematoso difuso acompanhado de febre, podendo evoluir para epidermólise e descama- ção (síndrome de Stevens-Johnson). Quadro seme- lhante pode se seguir ao uso de outras drogas, como pentamidina, dapsona e antibióticos. 8. SÍNDROME DA LIBERAÇÃO DE CITOCINAS Nos últimos anos, com o avanço do conheci- mento básico e aplicado da cascata inflamatória, a li- beração maciça de citocinas tem sido reconhecida como mecanismo fisiopatológico central em uma serie de condições clínicas de apreciável gravidade (Tabela XV). Nestas doenças, o estímulo inflamatório desen- cadeante tem como alvo primário o sistema macrofá- gico, que secreta, direta ou indiretamente, um conjun- to de citocinas (principalmente IL-1, IL -2, IFNs e TNF ), as quais, por seu efeito cascata, ativam vários ou- tros sistemas efetores (neutrófilos, coagulação, endo- télio vascular), produzindo múltiplas repercussões clí- nicas. Estas vão desde mani festações relativamente benignas (febre, leucocitose, hipermetabolismo) obser- vadas transitoriamente em pacientes tratados com fa- tores de crescimento ou cronicamente em pacientes infectados pelo HIV até os quadros catastróficos da insuficiência orgânica múltipla (IOM) provocada pelo choque endotóxico e por outras causas(12,46)(Figura 1). Apesar da importância reconhecida das citoci- nas como mecanismo patogênico nestas situações clí- nicas, a denominação “síndrome das citocinas” ou “sín- drome da liberação de citocinas” tem sido at‚ agora empregada de modo limitado. Ela ‚ usada, por exem- plo, para a ativação imunológica observada em alguns casos no início da hematopoese em transplante de medula óssea(33) ou como complicação da imunoterapia com anticorpo monoclonal anti-CD3. O melhor modelo da síndrome de liberação de citocinas ainda é o choque circulatório provocado por endotoxinas de bactérias gram-negativas (LPS), as quais ativam macrófagos e produzem, pela cadeia de eventos descrita acima, uma lesão global da microcir- culação (Figura 1-C), responsável pela insuficiência de múltiplos órgãos (Tabela XVI). Outros microorga- nismos (bactérias gram-positivas, vírus, fungos e pro- tozoários), particularmente em pacientes imunodepri- midos, podem produzir a mesma resposta inflamató- ria, levando à IOM . Do mesmo modo, a ativação in- travascular generalizada de células inflamatórias le- vando a lesões endoteliais e parenquimatosas consti- tui o mecanismo patogenético comum à síndrome da angústia respiratória do adulto ( SARA) ( mais do que uma insuficiência respiratória isolada) e à IOM se- cundária a politraumatismo, grandes cirurgias e pan- creatite aguda. Há várias evidências clínicas e laboratoriais de que, uma vez desencadeado o processo patológico, a evolução clínica da IOM depende muito mais da res- posta inflamatória do hospedeiro do que do agente eti- ológico. Podemos sumarizar estas evidências do se- guinte modo: 1) Há grande similaridade na apresentação clinica da IOM associada ou não a agentes infecciosos (cho- TABELA XV: CAUSAS DA SÍNDROME DE LIBERAÇÃO DE CITOCINAS Insuficiência orgânica múltipla - Choque séptico - Traumatismos graves - Grandes cirurgias - Queimaduras - Pancreatite aguda - Síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA) Terapêutica imunológica - Citocinas (IL-2, fatores de crescimento, IFN-γ ou α) - Anticorpos monoclonais (anti-CD3) Transplante de medula óssea - Início da função do enxerto Infecção pelo HIV 27 Febre e inflamação que séptico clássico e “estado séptico” sem com- provação microbiológica), 2) freqüentemente são acometidos órgãos distantes dos inicialmente lesados, 3) com um período de latência de dias a semanas en- tre a lesão primária e o desenvolvimento das dis- funções orgânicas, 4) o foco séptico não‚ identificado clinicamente ou na autópsia em 30% dos óbitos por IOM , 5) os avanços no tratamento das infecções sistêmicas não reduziram a mortalidade da IOM (de 50 a 80%), 6) há uma correlação, em vários estudos, dos níveis aumentados e mantidos de citocinas ( IL-1, IL-8, TNF e principalmente IL-6) com o prognóstico da IOM. O relativo insucesso da terapia etiológica da IOM, mencionado acima, associado aos resultados de- sapontadores obtidos com o uso de megadoses de cor- ticoesteróides em estudos controlados, tem levado a tentativas de desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas para a IOM , dirigidas mais especifica- mente aos fatores patogenéticos potencialmente rele- vantes(46). Assim, estão sendo testados ou preparados para tal, os anticorpos policlonais anti-endotoxina, já disponíveis comercialmente, com resultados controver- sos, anticorpos monoclonais anti-citocinas (IL-1, TNF, IL-6, IL-8) ou dirigidos contra outras substâncias pró- inflamatórias (fator tissular ativador da coagulação, moléculas de adesão), inibidores solúveis de citocinas ( IL-1RA , TNFr) (15) e mesmo citocinas inibitórias da reação inflamatória (TGF-β, IL-10). Enquanto estes estudos não produzem as armas terapêuticas eficien- tes para bloquear a IOM, os clínicos continuam a ofe- recer o melhor tratamento de suporte possível para estes casos e, baseados em resultados anedóticos, não controlados, costumam empregar, como recurso ex- tremo, altas doses de corticoesteróides na tentativa de inibir a casacata inflamatória como um todo e, particu- larmente, a produção e liberação de citocinas. Embo- ra tenha efeito decepcionante na maioria dos casos de IOM estabelecida, os corticoesteróides são eficientes em síndromes mais limitadas, como na SARA inicial, na toxicidade a fatores de crescimento e na liberação de citocinas observada no início da função hematopoética do transplante de medula óssea. TABELA XVI: CRITÉRIOS CLÍNICO-LABORATORIAIS DE INSUFICIÊNCIA ORGÂNICA MÚLTIPLA ÓRGÃO OU SISTEMA DISFUNÇÃO DEFINIDA INSUFICIÊNCIA GRAVE Pulmão Hipóxia exigindo ventilação SARA progressiva Fígado Bilirrubina >2-3 mg/dl, Bilirrubina >8-10mg/dl testes funcionais >2x do normal Rim Oligúria <500 ml/24h e creatinina >2-3 mg/dl Necessidade de diálise Aparelho digestivo Íleo e intolerância a alimentação enteral Úlceras de estresse e colecistite acalculosa Sangue TP/TTP > 25%, plaquetas <50-80.000/ul Coagulação intravascular disseminada SNC Confusão, desorientação Coma progressivo Coração e vasos Diminuição da fração de ejeção ou Resposta hipodinâmica refratária a suporte síndrome de extravasamento capilar inotrópico SNC: sistema nervoso central, TP: tempo de protrombina, TTP: tempo de tromboplastina parcial. SARA: Síndrome da angústica respirtória do adulto. Adaptada da ref. 12. 30 Voltarelli JC por exemplo, é considerada mais responsiva à indo- metacina e ao naproxeno do que à aspirina e ao ace- taminofeno. Dada a exigüidade de opções terapêuticas na antipirese (a dipirona, por exemplo, é o único antitér- mico disponível para uso endovenoso, mas é proscrita em países do hemisfério norte), o desenvolvimento de novos produtos está sendo perseguido avidamente, sendo os principais candidatos atualmente os inibido- res da IL-1, sejam anticorpos monoclonais, sejam an- tagonistas solúveis de seu receptor como a IL-1RA(15, 46 ) e os novos AINE que poderão bloquear seletiva- mente a atividade da COX -2(34, 53) . Os glicocorticói- des são também poderosos antipiréticos, atuando em diversas vias pirogênicas: 1) no bloqueio da metabolização do ciclo araquidôni- co, tanto da sua liberação pela fofoslipase A2 como da indução da expressão de COX 2(34), 2) no bloqueio, mediado pela lipocortina-1, da libera- ção e das ações biológicas do CRF(63) e 3) pela interferência na transcrição do RNA m de várias citocinas pró-inflamató rias, entre as quais a IL-1, IL-8 e TNF (Figura 2). Assim, ao contrário dos AINE, os corticoeste- róides têm uma ação anti- inflamatória mais ampla, revertendo aquelas manifestações clínicas mediadas por estas citocinas, inclusive por um mecanismo inde- pendente das prostaglandinas (Tabela IV) . Entretan- to, os múltiplos efeitos colaterais dos corticoesterói- des, principalmente sobre a função fagocítica e linfo- citária, limitam seu emprego como antipirético a situa- ções em que o processo inflamatório em si constitui um importante fator patogênico (meningite bacteriana complicada por vasculite, pericardite tuberculosa, sín- drome da angústia respiratória do adulto, por exem- plo) e em FOI não diagnosticada, mas em que se ex- cluiu, com razoável probabilidade, uma etiologia infec- ciosa. Finalmente, há um grupo de drogas de ação central que pode ser utilizada como adjuvante da antipirese pela sua propriedade de inibir os tremores musculares geradores do aumento de temperatura; são elas a morfina, a meperidina e a clorpromazina(20). Devem ser utilizadas com cautela devido aos seus efeitos colaterais (hipotensão arterial e depressão res- piratória); além disto, os fenotiazínicos combinados aos anticolinérgicos produzem hipertermia. 10. HIPERTERMIA Fisiopatologicamente, as hipertermias diferen- ciam-se dos estados febris porque nelas o limiar tér- mico hipotalâmico está preservado e o aumento da temperatura corporal ocorre por excesso de produ- ção e/ou falência de dissipação de calor ou ainda por disfunção do centro termorregulador (Tabela XVII)(38, 44). Este último mecanismo é o mais raro e o mais difícil de se documentar. Embora fisiologicamente dis- tintas, febre e hipertermia não podem ser distingüidas pela magnitude ou pelo padrão de elevação térmica. Há quatro formas de síndromes clínicas associadas ao aumento da temperatura ambiental (vide abaixo), formando um espectro de alterações superponíveis que acometem preferencialmente indivíduos idosos, parti- cularmente os alcoólatras, cardiopatas, psicopatas ou usuários de medicamentos que interferem na respos- ta vasomotora cutânea (neurolépticos, anticolinérgicos, diuréticos). 10.1. Conseqüências clínicas da hipertemia As características clínicas das principais sín- dromes térmicas são apresentadas abaixo e sumari- zadas na Tabela XVIII. 1) Cãimbras térmicas São as mais benignas, acometendo as extremi- dades em seguida a exercícios musculares intensos. São causadas por perdas salinas pela sudorese, re- postas apenas com água. A temperatura corporal es- tará normal ou ligeiramente elevada. 2) Exaustão térmica Também conhecida como prostração térmica, provavelmente é a mais comum das síndromes térmi- cas. O paciente sente fraqueza e sede, com uma vari- edade de sintomas neuropsicológicos (ansiedade, cefaléia, vertigem, parestesias, histeria, dificuldade de concentração e confusão mental). O quadro pode evo- luir para síncope ou choque térmico. 31 Febre e inflamação TABELA XVII: CAUSAS DE HIPERTERMIA Excessiva produção de calor - Exercício físico - Choque térmico (por exercício)* - Hipertermia maligna da anestesia - Catatonia letal - Tireotoxicose - Feocromocitoma - Intoxicação por salicilato, cocaína ou anfetamina - ”Delirium tremens” - Estado epiléptico - Tétano generalizado Reduzida dissipação de calor - Choque térmico (clássico)* - Desidratação - Disfunção autonômica - Agentes colinérgicos - Vestuários excessivamente oclusivos Disfunção hipotalâmica - Acidentes cerebrovasculares - Encefalite - Trauma cerebral - Sarcoidose e infecções granulomatosas - Síndrome neuroléptica maligna* *Patogênese multifatorial. Adaptada da ref. 44. 3) Síncope térmica É uma perda súbita da consciência causada por vasodilatação cutânea e conseqüente hipotensão sistêmica e cerebral. A pele estará fria e úmida, as pupilas dilatadas, o pulso rápido e se observa hipoten- são ortostática (redução da PA sistólica >20 mm/Hg quando se passa da posição supina para ortostática). 4) Choque térmico ou internação Constitui uma emergência médica, iniciando- se subitamente por sintomas neurológicos difusos se- melhantes aos observados na exaustão térmica e evo- luindo para inconsciência, coma e falência orgânica múltipla, com coagulação intravascular disseminada. A pele estará quente e seca, a temperatura geral- mente acima de 41ºC e a mortalidade é alta. O cho- que térmico pode acometer, em sua forma clássica, indivíduos idosos sedentários portadores de doenças crônicas em dias excessivamente quentes ou , em sua forma secundária a exercícios físicos, indivíduos saudáveis, geralmente atletas ou militares, mal acli- matizados a ambientes quentes e úmidos. 10.2. Fisiopatologia e tratamento A fisiopatogênese das várias síndromes térmi- cas é comum, incluindo desidratação (tanto aquosa como salina), aumento de produção de calor por exer- cício excessivo e, principalmente, falha dos mecanis- mos de eliminação de calor, comprometidos por con- dições mórbidas pré-existentes, medicamentos e imersão em ambiente adverso (quente e úmido). A magnitude da produção térmica, dos defeitos de adap- tação cardiovascular e da temperatura/umidade am- bientais determinam a gravidade do quadro clínico da hipertermia, a qual, ao contrário dos estados febris, deve sempre ser tratada. As medidas terapêuticas variam desde a simples reposição hidrosalina por via oral e repouso nas câimbras térmicas até o suporte hemodinâmico integral no choque térmico. Em todos os casos de hipertermia, a temperatura corporal deve ser reduzida com o emprego de métodos físicos (ar condicionado e ventiladores, compressas e banhos frios, massagem cutânea para estimular vasodilatação e cir- culação do sangue, administração de fluidos gelados no estômago, cólon ou peritônio ou mesmo circulação extracorpórea) e não com o uso de antipiréticos, que são ineficientes nesta situação. Em situações selecio- nadas, a terapêutica medicamentosa da hipertermia poder ser dirigida à inibição da contração muscular (pelo emprego do dantrolene na hipertermia maligna induzida pela anestesia) ou à potenciação de recepto- res dopaminérgicos (pela bromocriptina na síndrome neuroléptica maligna induzida por drogas antipsicóticas) (Figura 3). 32 Voltarelli JC 11. CONCLUSÕES Os estudantes que estão iniciando agora sua formação clínica, e mesmo os residentes que a estão completando, exercerão a maior parte de sua vida pro- fissional no próximo século. As mudanças experimen- tadas pela prática médica nesta última década já pro- duzem profundas contradições no perfil do atendimento médico, as quais se acentuarão consideravelmente nos próximos anos. O explosivo avanço tecnológico da Medicina, traduzido em métodos diagnósticos e tera- pêuticos cada vez mais sofisticados e dispendiosos, coloca o profissional médico no centro de uma com- plexa equação de interesses e prioridades. Ela inclui as pressões da sociedade e das empresas geradoras da nova tecnologia, no sentido de que ela seja usada, dos órgãos financiadores da saúde, para que os cus- tos sejam reduzidos, e da sua própria consciência pro- fissional, exigindo a melhor atenção médica para o paciente. Esta, infelizmente, nem sempre é fácil de ser determinada em face da avalanche caótica de in- formação científica, e até pseudo-científica, disponí- vel ao profissional e dos interesses extra-científicos envolvidos nas pressões mencionadas acima. A prio- ridade do paciente também não ser preservada sim- plesmente ignorando os novos conhecimentos e tec- nologias, os quais, como procuramos demonstrar nes- ta revisão, muitas vezes se traduzem em condutas clí- nicas de alto benefício para o doente. Mesmo a avaliação de um problema clínico comum e milenar como a febre coloca o médico face a vários dilemas e representa um desafio a sua com- petência profissional. Até há poucos anos, por exem- plo, a resposta febril era considerada como originada de pirogênios endógenos de natureza indefinida, secretados por neutrófilos e, que, por seus efeitos de- letérios, teria de ser tratada sintomaticamente em to- dos os casos, utilizando- se drogas antipiréticas de mecanismo de ação desconhecido e possuindo vários efeitos colaterais. Hoje, sabe-se que a febre‚ media- da pela ação central de citocinas pirogênicas macro- fágicas ( IL-1, IL-6, TNF, IFN, entre outras), direta- mente ou via prostaglandinas, integrando a reação in- flamatória aguda e desempenhando funções predomi- nantemente protetoras. Assim, apesar do desconheci- mento e preconceito ainda existentes na classe médi- ca e na população ainda levarem ao uso automático de antipiréticos em praticamente todos os episódios febris, esta situação deverá evoluir, no futuro, para a necessidade de avaliação criteriosa dos riscos e be- nefícios da antipirese em qualquer caso de febre. Além disto, o desenvolvimento de novas estratégias tera- pêuticas (como inibidores de interleucinas pirogênicas ou de bloqueadores seletivos das cicloxigenases) exi- gir do médico, antes de prescrever um antipirético, o conhecimento da cascata inflamatória, com suas vári- as redes (de citocinas, de prostaglandinas, de hormô- nios criogênicos e de outros mediadores) intervindo TABELA XVIII: CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DAS SÍNDROMES TÉRMICAS SÍNDROME POPULAÇÃO-ALVO PATOGÊNESE Tº PELE SINAIS E SINTOMAS Cãimbras Trabalhadores ou Perda salina N Úmida Consciente, espasmo térmicas atletas exercitantes muscular Exaustão Idosos tomando Depleção hidríca ↑ Idem Fraqueza, alterações térmica diuréticos ou qualquer ou salina neurológicas, desidratação ↓ um com ingestão hídrica Síncope Idem Vasodilatação ↑ Idem Taquicardia, hipotensão térmica cutânea ortostática Choque térmico - Clássico Idosos com ↓ dissipação ↑↑ Quente Calafrios seguidos de doenças crônicas de calor e seca alterações neurológicas, ↑ PA , coma, IOM - P/ exercício Atletas ou militares ↑ produção de ↑↑ Quente e Alterações psíquicas mal aclimatizados calor úmida seguidas das mesmas manifestações acima IOM: insuficiência orgânica múltipla. Adaptada das refs. 38 e 44.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved