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Guias e Dicas
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Desenvolvimento sustentável: um discurso sobre a relaçãoentre desenvolvimento e natureza, Notas de aula de Psicologia

Trata-se do estudo de definições de desenvolvimento sustentável, elemento fundamental de repertórios interpretativos para a relação entre desenvolvimento e natureza. As definições respondiam a um questionário aplicado a 355 estudantes de vários cursos de uma universidade federal. Realizou-se uma análise de conteúdo que buscou a concepção de natureza e sua relação com desenvolvimento nessas definições. Foram encontradas três matrizes discursivas: (a) ?economicista?) ? a necessidade de desenvo

Tipologia: Notas de aula

Antes de 2010

Compartilhado em 29/08/2009

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thaisa-r-4 🇧🇷

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Baixe Desenvolvimento sustentável: um discurso sobre a relaçãoentre desenvolvimento e natureza e outras Notas de aula em PDF para Psicologia, somente na Docsity! 134 Matias, H. J. D.; Pinheiro, J. Q. “Desenvolvimento sustentável: um discurso sobre a relação entre desenvolvimento e natureza” DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM DISCURSO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E NATUREZA¹ Hugo Juliano Duarte Matias² José de Queiroz Pinheiro Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil Resumo: Trata-se do estudo de definições de desenvolvimento sustentável, elemento fundamental de repertórios interpretativos para a relação entre desenvolvimento e natureza. As definições respondiam a um questionário aplicado a 355 estudantes de vários cursos de uma universidade federal. Realizou-se uma análise de conteúdo que buscou a concepção de natureza e sua relação com desenvolvimento nessas definições. Foram encontradas três matrizes discursivas: (a) “economicista”) – a necessidade de desenvolvimento subordina a necessidade de preservação da natureza, cujo sentido é “recursos naturais”; (b) discurso “bem intencionado” – a necessidade de desenvolvimento subordina a de preservação da natureza, cujo sentido é “fragilidade”; (c) “esvaziado” – desenvolvimento e natureza são disjuntos. Conclui-se sobre a importância do estudo da atribuição de significado à natureza para explicar como as pessoas pensam a relação entre desenvolvimento e natureza, e sobre como essas matrizes discursivas podem justificar práticas sociais. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento sustentável; comportamento pró-ambiental; concepção de natureza; Psicologia Ambiental. SUSTAINABLE DEVELOPMENT: A DISCOURSE ABOUT THE RELATION BETWEEN DEVELOPMENT AND NATURE Abstract: This study presents the analysis of definitions of sustainable development, as a basic element of interpretative repertoires for the relation between development and nature. Three hundred and fifty five students of several courses of a federal university answered a questionnaire, providing the definitions, thereafter submitted to content analysis to examine the concept of nature and its relation with development. Three discursive matrixes were found: (a) the “economic bias” one – the necessity of development subordinates the need of nature preservation – nature is a “natural resources”; (b) the “good intentions” discourse – the necessity of development subordinates the necessity of preservation – nature is “fragility”; (c) the “empty” one – development and nature are separate. It is concluded that the attribution of meaning to nature is important to explain how people think about the relation between development and nature, and that these discursive matrixes may justify social practices. KEYWORDS: Sustainable development; pro-environmental behavior; concept of nature; Environmental Psychology. O tema do desenvolvimento sustentável tem feito convergir interesses políticos, científicos e da sociedade de modo geral, já que, num contexto de agravamento da crise ambiental e do aumento de consciência dessa crise, o desenvolvimento sustentável foi e continua sendo apre- sentado como uma proposta e tentativa de solucionar tal problema. Esse tema tem despertado o interesse de cientistas sociais, ecólogos, planejadores urbanos, economistas e políticos. Também de psicólogos de diversos países, o que se evidencia pelo surgimento de pesquisas e expres- siva bibliografia acerca de temas relacionados ao desen- volvimento sustentável (Bonnes & Bonaiuto, 2002; McKenzie-Mohr & Oskamp, 1995; Oskamp, 2000; Pol, 2002; Schmuck & Schultz, 2002). Segundo Pol (2001), no que diz respeito à crise ambiental, esse conceito tem a vantagem de se apresen- tar como ponto de encontro entre interesses econômicos de desenvolvimento, que não podem ser ignorados, e in- teresses ecológicos de preservação das condições Psicologia & Sociedade; 20 (1): 134-143, 2008 135 ambientais de vida. Principalmente, traz consigo a virtu- de de promover o reconhecimento de fatores comportamentais, sociais, etc., como incorporados à questão ambiental, o que coloca a Psicologia como saber estratégico no enfrentamento dos problemas ambientais, melhor dizendo, problemas humano-ambientais, e o pró- prio homem como objeto de pesquisas no que diz respei- to aos problemas ambientais e à sua solução (Pinheiro, 2003; Schmuck & Vlek, 2003). Segundo o Informe Brundtland (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988), o desen- volvimento sustentável é aquele que garante “atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas” (p. 9). Essa definição comporta alguns elementos importantes como o fato de que, para gerar sustentabilidade, é neces- sário combater a pobreza com o desenvolvimento econô- mico, um compromisso intergeracional, e a idéia de que o planeta dispõe de uma quantidade limitada de recursos e de uma capacidade limitada de dar condições à vida como a conhecemos. Embora isso possa ser considerado como o mainstream do desenvolvimento sustentável (Frey, 2001), há diversas tendências. O conceito é impreciso e compor- ta várias interpretações, muitas vezes carregadas de utopismo (Drummond, 1999), e as várias teorias que o circunscrevem se correlacionam a ideologias políticas di- ferentes (Frey, 2001). É um conceito com muitos defen- sores e críticos; certamente, um tema sobre o qual não há acordo. Tal situação de desacordo conceitual e ideológico sobre o que é, ou deveria ser, o desenvolvimento susten- tável se impõe sobre o discurso político-social acerca da relação entre desenvolvimento e natureza, gerando várias concepções sobre essa relação, tanto naqueles que diri- gem a sua fala à sociedade como na própria sociedade (Aragonés, Raposo, & Izurieta, 2000). O conhecimento é, em geral, considerado como condição para o comportamento, muito embora essa in- fluência varie de acordo com o tipo de conhecimento, sua utilização e a situação em questão. Nesse sentido, e a despeito da polêmica que reveste a relação entre conheci- mento e conscientização ambientais e ações de conser- vação ecológica (Frick, Kaiser, & Wilson, 2004; Kollmuss & Agyeman, 2002; Scott, 2002), o comportamento pró- ambiental depende, ao menos em parte, da maneira com que a pessoa adquire e organiza informação sobre o am- biente e de como a converte em ações no ambiente (Corral, 2001). É nesse sentido que a literatura aponta para o fato de que diversas concepções de desenvolvimento susten- tável podem ser correlacionadas a outras variáveis comportamentais e ideológicas, de forma que se tornam mais compreensíveis os comportamentos e modos de pensar das populações estudadas no que concerne ao meio ambiente. Sob a suposição de que diferentes concepções de desenvolvimento sustentável estariam relacionadas a ou- tras variáveis, Aragonés et al. (2000) e Aragonés, Izurieta e Raposo (2003) realizaram uma análise lexicográfica de definições de desenvolvimento sustentável dadas por es- tudantes universitários e compararam os resultados des- sa análise aos resultados de uma auto-avaliação, feita pe- los estudantes, sobre seu posicionamento político. Che- garam à conclusão de que três discursos distintos acerca de desenvolvimento sustentável se correlacionaram a três posicionamentos políticos distintos. Nunes (1999) havia realizado uma pesquisa em que analisou a ocorrência, nas definições dadas por estudan- tes universitários para desenvolvimento sustentável, de temas que compõem uma definição amplamente aceita. Ao comparar esses resultados com os escores obtidos pelos estudantes na escala de Ecocentrismo e Antropocentrismo (Thompson & Barton, 1994), cons- tatou que foi significativa a associação entre baixos esco- res de ambientalismo antropocêntrico e a ocorrência do tema “preocupação com gerações futuras” na definição de desenvolvimento sustentável. Esse resultado apontou para a necessidade de se considerar a relação entre o modo como as pessoas vivenciam o tempo e o seu com- portamento pró-ambiental. Embora tenha sido possível encontrar várias con- cepções acerca do que é desenvolvimento sustentável e sobre a relação entre desenvolvimento e natureza, as de- finições estudadas, tanto na Espanha quanto no Brasil, se mostraram muito pobres em conteúdo. Com relação ao Brasil, isso atesta também pesquisa realizada por Crespo (2001), em que estudou o conhecimento dos brasileiros sobre meio ambiente. Ela constatou, entre outras coisas, que, para boa parte dos brasileiros, desenvolvimento eco- nômico e meio ambiente são duas coisas que não se afe- tam necessariamente, ou seja, que é perfeitamente possí- vel o desenvolvimento econômico que não cause nenhum dano à natureza. O estudo que passamos a relatar é um recorte de um outro mais amplo, um estudo exploratório que teve como objetivo a construção, a partir de bases empíricas, do conceito de conduta sustentável (Pinheiro, 2005). Nele, se investigou a definição de desenvolvimento sustentável fornecida por estudantes universitários, em conjunto com indicadores de comportamento pró-ambiental, perspec- tiva temporal e informações sócio-demográficas. Seguindo estratégia de análise empregada em estu- do anterior de nosso grupo de pesquisa (Pinheiro, Maux, & Nunes, 2000), inspecionamos o conteúdo das defini- ções de desenvolvimento sustentável (Pinheiro et al., 2005) para analisar a inclusão pelos respondentes das cinco categorias que, segundo a literatura da área (Barbieri, 1997; Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desen- volvimento, 1988), integram o conceito: sustentabilidade 138 Matias, H. J. D.; Pinheiro, J. Q. “Desenvolvimento sustentável: um discurso sobre a relação entre desenvolvimento e natureza” sentidos dispersos pelos conjuntos de respostas, então reunidas segundo suas semelhanças semânticas e recorrências temáticas, depois do processo de categorização das respostas e seu cômputo. Resultados e discussão O primeiro conjunto de resultados se refere às for- mas como a dimensão natureza/meio ambiente foi expres- sa nas definições dos participantes, as palavras utilizadas para isso, quaisquer expressões ou sentenças cujo objetivo tenha sido esclarecer o sentido que se pretendia dar a essa dimensão; material esse agrupado segundo afinidades de sentido em três quadros temáticos de referência diferen- tes, conforme visto anteriormente (Tabela 2). Como se pode ver na Tabela 3, a maioria dos parti- cipantes expressou a dimensão natureza/meio ambiente com idéias pouco definidas e de difícil discernimento – agregadas dentro da categoria M, que é definida como uma idéia inespecífica de natureza/meio ambiente. Ora, se o sentido dado à relação entre as duas dimensões da definição de desenvolvimento sustentável depende do sig- nificado atribuído a cada uma dessas dimensões separa- damente, um significado indefinido para a natureza/meio ambiente torna a relação representacional entre essa di- mensão e desenvolvimento inevitavelmente empobrecida. Tabela 3 Distribuição da freqüência das categorias de natureza/meio ambiente Categorias Freqüência % Nenhuma 114 32 M 134 38 R 88 25 N 19 5 Total 355 100 Em segundo lugar, vem o conjunto de idéias que se referem à natureza/meio ambiente como reserva de re- cursos naturais (categoria R, definida pela idéia de que natureza/meio ambiente é o conjunto de bens naturais disponíveis ao homem). Essas idéias, em comparação ao conjunto de idéias apresentado como meio ambiente (M), são mais específicas para conferir significado à dimen- são natureza/meio ambiente, por fazer referência às suas características, lançando mão de um campo lexical mais amplo – isto é, mais palavras e idéias diferentes para dar significado a essa dimensão – e ao mesmo tempo, mais coeso para significar a idéia de recursos naturais. O terceiro conjunto de idéias se refere à natureza/ meio ambiente como a um sistema autônomo (que se enquadram na categoria N, de idéias que definem nature- za/meio ambiente como uma estrutura com leis dinâmi- cas próprias). Essa última é uma categoria pouco melhor definida que a categoria M, também está circunscrita a um campo lexical amplo, mas com a peculiaridade de ser mais complexo (por exemplo, há referências a florestas ao mesmo tempo que ao entorno urbano na construção do sentido da dimensão natureza/meio ambiente). Note-se que 114 participantes, dentre os 355 respondentes (32%), não produziram nenhuma idéia que pudesse expressar, minimamente, a dimensão natureza/meio ambiente. Esta hesitação em tentar responder com uma definição de desenvolvimento sustentável também deve ser interpretada como índice do conhecimento dos respondentes acerca dos temas relativos ao meio ambien- te. Esses são resultados coerentes com aqueles encontra- dos no relato de Crespo (2001), em que se vê que a maior parte dos brasileiros só consegue representar a idéia de meio ambiente como consistindo em fauna e flora. O segundo conjunto de resultados se refere às op- ções sintáticas e semânticas realizadas pelos respondentes – ou seja, o lugar que ocupa cada uma das expressões que se refere a uma das dimensões na oração –, os ver- bos e os qualificativos que se referiam especificamente à relação entre desenvolvimento e natureza/meio ambiente. A Tabela 4 mostra que é alto o número de pessoas que não produziu respostas que contivessem as duas dimen- sões para representar a relação mútua entre desenvolvi- mento e natureza/meio ambiente (132 participantes, qua- se 40% do total). A maioria dos participantes que repre- senta a relação entre desenvolvimento e natureza o faz atribuindo maior importância ao primeiro. Em seguida, a representação da não-relação entre essas duas dimensões; a representação de equilíbrio nesta relação; e a represen- tação que prioriza a natureza. Tabela 4 Freqüência das Categorias da Relação Desenvolvimento-Natureza Categorias Freqüência % _________________________ Nenhuma 132 37,2 D>N 117 33,0 D‘“N 62 17,4 D=N 25 7,0 D<N 19 5,4 __________________________ Total 355 100,0 Psicologia & Sociedade; 20 (1): 134-143, 2008 139 Segundo o estudo de Crespo (2001), em que ela relatou a opinião dos brasileiros sobre o que deve ter pri- oridade, a preservação do meio ambiente é o que aparece como prioridade (p. 17). No entanto, esse estudo tam- bém apontava um crescimento do número de pessoas que acreditava na prioridade para o desenvolvimento eco- nômico em relação a um estudo realizado anteriormente por ela mesma. Os resultados acima apresentados pare- cem mostrar a realização daquilo que era uma tendência, já que à maior parte das respostas foi atribuído mais im- portância ao desenvolvimento. Outra informação impor- tante é que esse mesmo estudo de Crespo também apon- tava a crença dos brasileiros em que o desenvolvimento econômico, tal como se realizava no Brasil, não se correlaciona a qualquer dano causado à natureza (p. 18). Essa idéia encontra ressonância na categoria, neste tra- balho, que apresenta uma idéia semelhante (D‘“N), sen- do aquela que obteve o segundo maior número de ocor- rências, isto é, a idéia amplamente difundida entre os uni- versitários respondentes de que não há relação necessá- ria entre o desenvolvimento econômico e os problemas ambientais, desde que se trate do desenvolvimento sus- tentável. O terceiro conjunto de resultados foi gerado pelo cruzamento entre a primeira categorização (concepção de natureza) e a segunda (relação desenvolvimento-natu- reza), dando origem aos dados constantes da Tabela 5. Algumas características das respostas apresenta- das dão notícia da complexidade e multiplicidade das re- presentações da relação entre desenvolvimento e nature- za/meio ambiente: todos os respondentes que deram uma resposta válida à questão (n = 218) apresentaram essa relação como potencialmente assimétrica, isto é, o de- senvolvimento é sempre potencialmente danoso à natu- reza/meio ambiente, e o desenvolvimento sustentável é sempre apresentado como uma alternativa a isso. Ora, isso é um índice bastante eloqüente da aprovação dos respondentes com respeito à idéia que fazem de desen- volvimento sustentável. Mesmo que pensemos em expli- car isso pela desejabilidade social vinculada à aprovação do desenvolvimento sustentável, isso só torna mais forte a argumentação em favor de que esta é uma idéia de ampla penetração no discurso social. Com relação ao modo como as ocorrências se dis- tribuem na Tabela 5, o que parece mais relevante é a maior freqüência de três conjuntos de dados entre as 12 possibilidades, as quais chamamos “matrizes de repre- sentação discursiva”, tendo em conta a importância de suas características discursivas para o discernimento do modo como os respondentes pensam a relação entre D e N: D>N e Meio Ambiente (51/218, ou 23%); D>N e Re- cursos Naturais (57/215, ou 26%), e D`”N e Meio Ambi- ente (47/215, ou 22%). Tabela 5 Resultado do cruzamento entre categorias da relação desenvolvimento-natureza (D x N) e Concepções de Natureza Relação D x N M (meio ambiente) N (natureza) R (recursos naturais) Total D=N 14 4 7 25 D>N 51 6 57 114 D<N 5 6 6 17 D?N 47 1 14 62 Total 117 17 84 218 Denominamos esses três conjuntos de dados de matrizes de representação não apenas por causa de sua maior freqüência em relação aos outros, mas também por causa de certa coerência e sentido que podem ser atribuídos a eles. As pessoas que pensam a dimensão natureza como Recursos Naturais (R) representam a re- lação entre desenvolvimento e natureza com um modo de se expressar em que a necessidade de desenvolvimen- to vem primeiro e se faz uma concessão às necessidades de preservação da natureza, ou seja, desenvolvimento prepondera sobre natureza. As pessoas que pensam a dimensão natureza como Meio Ambiente (M) se dividem entre aquelas que dão mais importância a desenvolvimento numa relação em que as dimensões desenvolvimento e natureza/meio ambiente estão em tensão (D>N), e aque- las que têm em mente a não-relação entre desenvolvi- mento e natureza/meio ambiente (D‘“N). Tendo em con- ta nosso objetivo de investigar a relação entre desenvolvi- mento e natureza/meio ambiente a partir da concepção de natureza, podemos pensar que esses resultados nos sugerem que uma concepção de natureza mais “acaba- da” (R ou N) é mais compatível com uma forma de re- conhecimento da relação mutuamente implicativa de D e N (principalmente: D>N); o outro lado dessa equação é a compatibilidade entre M (categoria pouco definida para expressar natureza) e D‘“N (o não reconhecimento da relação mutuamente implicativa de D e N). E, não obstante, as freqüências sugerem um certo “trânsito” entre essas representações, o que seria a ocorrência de M & D>N. Pela observação das características semânticas de cada uma das matrizes de representação, extraímos o seguinte exemplo de definição que apresenta a primeira das matrizes: 140 Matias, H. J. D.; Pinheiro, J. Q. “Desenvolvimento sustentável: um discurso sobre a relação entre desenvolvimento e natureza” É um desenvolvimento que consome o ambiente (re- curso) de forma que esse ambiente consegue se res- tabelecer, tornando possível a continuidade do de- senvolvimento. Por exemplo, se uma empresa corta árvores, deve ser possível que mais árvores cresçam para compensar, caso contrário as árvores acabariam e o desenvolvimento, conseqüentemente, também. Nessa definição, a dimensão N comparece como “ambiente (recurso)”, e quando é qualificada com um exemplo, ela é “árvores”, árvore-recurso, e como tal, pode “acabar”. O tipo de relação entre D e N, se estabe- lece, primeiramente, como uma relação de “consumo”, mas um tipo de consumo específico, um que permita, que conceda ao ambiente consumido que se “restabele- ça”. Ora, o restabelecimento do ambiente-recurso tem seu sentido em “tornar possível a continuidade do desen- volvimento”, e assim, o desenvolvimento está no come- ço e no fim, e o lugar reservado ao ambiente recurso é o de meio. Esse tipo de relação semântica é que se torna índice para que o tipo de relação entre D e N seja categorizada como assimétrica e com maior importância para D, numa relação entre D e o ambiente-recurso (R). Essa matriz de representação (R & D>N) sugere a reprodução de um discurso “economicista”, que leva em conta a natureza como um bem a ser utilizado pelo ho- mem, segundo as suas necessidades e capacidade de uso e aproveitamento, servindo aos objetivos de desenvolvi- mento, no entanto, uso e aproveitamento limitados pela disponibilidade dos bens naturais. Por isso, ainda que re- conheça sua importância (da natureza/meio ambiente), isso se articula à idéia de que a escassez de recursos naturais põe em risco as condições de desenvolvimento. Como é composta pela idéia de que garantir o desenvolvimento deve ser o objetivo do desenvolvimento sustentável, o que está na base da preocupação ambiental que esse tipo de repre- sentação agrega é, essencialmente, uma ambientalismo de base antropocêntrica; e, porque o que dá sentido a essa preocupação é o perigo de escassez dos recursos naturais, desconsidera as características estruturais e sensíveis de natureza/meio ambiente, pela suposição implícita de que “em não se retirando muito, não haverá impacto”. Exclui, também, a idéia de que o homem faz parte de natureza/ meio ambiente. Essa representação é economicista porque o contexto de produção de sentido para a dimensão natu- reza/meio ambiente é o discurso econômico, as mobiliza- ções de sentido referentes a essa dimensão são matizadas pelas categorias desse discurso: como “recursos naturais”, o valor que se agrega à natureza/meio ambiente é vincula- do à idéia de produção de riquezas e, desse modo, sua representação também; o modo como é apresentada a re- lação entre desenvolvimento e natureza/meio ambiente é o “uso racional”, pelo homem, dos recursos naturais, o que implica o cuidado com o ambiente como uma concessão. Em comparação a outras ocorrências, essa é uma repre- sentação organizada e coerente, e talvez isso indique sua pertença, como repertório interpretativo das relações entre desenvolvimento e natureza/meio ambiente, ao discurso social. Figura 3. Discurso “economicista”. Na minha concepção Desenvolvimento Sustentável é uma forma de conduzir o progresso, utilizando os recursos tecnológicos sempre em favor do bem-es- tar das pessoas, porém tendo sempre uma preocupa- ção com o meio ambiente para não deixar que a natu- reza seja prejudicada e, futuramente, os seres huma- nos venha a sofrer com isso. Aqui a dimensão N é apresentada sem qualificadores que especifiquem o seu significado, a não ser aqueles que apontem para a sua fragilidade e o perigo que decor- re do “progresso” como acontecimento. Quanto à rela- ção entre os esforços para a consecução do progresso e o “meio ambiente”, se afirma o “favor” ao “bem-estar das pessoas”, e em seguida se tem uma oração subordi- nada que, embora operada por uma conjunção adversativa, tem valor concessivo, para dizer de uma “preocupação- sempre”, que não chega a ser combativa, mas apazigua- dora, e uma intenção protetora cuja demanda é constan- te. A concessão é o sentido mais fundamental para a rela- ção entre D e N. A segunda matriz de representação (M & D>N) sugere a reprodução de um discurso “bem intenciona- do”. Essa intenção, que se faz discernível nas respostas que fazem parte desse grupo, não traz consigo outros elementos que a qualifiquem. O desenvolvimento é apre- sentado como necessário, embora afete de algum modo à natureza/meio ambiente. Esta é apresentada como frá- gil e em perigo, e, no entanto, não são discerníveis suas características, aquelas que contribuem para a sua fragi- lidade, tampouco as características situacionais que de- terminam o perigo que é aludido para dizer sobre a natu- reza/meio ambiente. Ora, a exigüidade de significado para a dimensão natureza/meio ambiente empobrece as possi- bilidades de sentido acerca da relação entre as duas di- mensões, a qual, com respeito a essa matriz discursiva, também se apresenta como uma concessão e uma de- manda constante de proteção para natureza por ser con- tado sempre o risco a ela, e mais nada inteligível, além disso. Essa se torna uma preocupação, de certo modo, “irrefletida”, sem motivos claros, por carecer de recur- sos semânticos para a apreciação da relação entre desen-
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