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Psicólogo no Serviço Público de Saúde, Manuais, Projetos, Pesquisas de Psicologia

O artigo tem o objetivo de conhecer a atuação dos psicólogos diante das queixas escolares de crianças encaminhadas aos serviços públicos de saúde do município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. - Autoras Estela Cabral e Sandra Maria Sawaya.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 03/11/2009

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Baixe Psicólogo no Serviço Público de Saúde e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Psicologia, somente na Docsity! 143Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares É conhecida a enorme quantidade de crianças comqueixas escolares encaminhada pelas escolas aos psi-cólogos nos Centros de Saúde. Estudos revelam que 50 a 70% das crianças e adolescentes encaminhados aos ser- viços públicos de saúde têm como queixa dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento na sala de aula ou fora dela (Machado, 1991; Souza, 1993). Nesta úl- tima década, várias pesquisas (Boarini, Guimarães & Lu- zia, 1990; Mello, 1997; Patto, 1990; Santos, 1990; Silva, 1994) têm analisado criticamente as concepções e o direcionamento que a Psicologia tem dado ao atendimento das queixas escolares, no momento em que os psicólogos deixaram de exercer atividades nas escolas e centralizaram sua atuação nos Centros de Saúde. Além disso, essas pes- Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares: os psicólogos nos serviços públicos de saúde Estela Cabral Sandra Maria Sawaya Universidade de São Paulo Resumo Este trabalho tem o objetivo de conhecer a atuação dos psicólogos diante das queixas escolares de crianças encaminhadas aos serviços públicos de saúde do município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, uma vez que ela pode fornecer dados importantes para a análise da formação profissional do psicólogo. Foram realizadas entrevistas individuais, semi-estruturadas a partir de um roteiro, sendo estas gravadas e transcritas, o que permitiu uma análise quantitativa e qualitativa das respostas de 19 psicólogos que participaram do presente estudo. Os resultados mostraram que esses profissionais ainda compreendem a queixa escolar como um problema da criança pobre e de sua família, passível de ser analisado e tratado fora do contexto da instituição escolar, na qual o fracasso escolar é produ- zido. Embora os profissionais apontem a participação da escola na produção das dificuldades escola- res das crianças, o foco de intervenção dos problemas apresentados ainda é o atendimento individua- lizado das crianças e dos seus familiares. Apesar dos avanços teórico-metodológicos presentes nas novas compreensões das queixas escolares, eles ainda não se fazem suficientemente presentes na atuação desses profissionais. Palavras-chave: Formação profissional e Psicologia, Problemas de aprendizagem, Atuação do psicólogo. Abstract Conceptions and professional performance in face of the needs of children with school problems: Psychologists in the public health services This work aims at characterizing the performance of psychologists in the public health services in the City of Ribeirão Preto, São Paulo State, in face of the needs of children presenting school problems, since they can be an important source of information for the education of such professionals. Individual semi-structured interviews were recorded and transcribed, allowing quantitative and qualitative analyses of data from 19 psychologists who participated in this study. The results showed that psychologists still regard school problems as inherent to poor children and their families and that they can be treated out of the contexts in which they were produced – the school institution where the complaint has originated. Although professionals point out the participation of the school in the production of children’s difficulties, the focus of intervention in problems presented is still the individualized assistance to children and their families. In spite of the theoretical and methodological improvements found in the new understanding of school problems, they are still not present in the performance of these professionals. Key-words: Professional education and psychology, Learning problems, Psychologist’s performance. Estudos de Psicologia 2001, 6(2), 143-155 144 E. Cabral e S. M. Sawaya quisas vêm propondo aos psicólogos que atendem crianças e adolescentes com queixas escolares novas perspectivas de atuação profissional (Machado & Souza, 1997). O presente estudo tem por objetivo analisar se as con- tribuições destas pesquisas críticas vêm sendo incorporadas pelos psicólogos em sua atuação nos serviços públicos de saúde do município de Ribeirão Preto-SP e também discutir questões que envolvem a formação profissional do psicólo- go, tendo em vista que as novas políticas educacionais têm tornado urgente essa discussão. Já na década de 80, Patto (1987), com o objetivo de conhecer a maneira como os psicólogos representavam a realidade social e escolar e o desempenho desses profissio- nais nas escolas no município de São Paulo, chamava a aten- ção para os equívocos e incompreensões presentes na for- mação do psicólogo em relação ao atendimento dos proble- mas escolares das crianças provenientes das camadas popu- lares. Convictos de que os alunos eram deficientes e/ou di- ferentes e que os professores não os compreendiam em suas deficiências (p. 173), a atuação dos psicólogos focalizava dois aspectos: os alunos e os professores. Com o intuito de desenvolver nos alunos atitudes e comportamentos espera- dos pela escola, realizavam treino de agilidade motora, tra- balhavam com a disciplina e obediência às regras escolares, isto é, buscavam a integração da criança desajustada aos padrões de comportamento desejados e a eliminação dos comportamentos inadequados (p. 185). Com os professo- res, o trabalho voltava-se à sensibilização deles para os as- pectos educacionais tais como a discussão do processo de aprendizagem e suas dificuldades, buscando auxiliá-los no desempenho mais eficiente da sua tarefa, embora não discu- tissem as posturas autoritárias que poderiam estar influenci- ando os comportamentos indesejados dos alunos. Todavia, quando os psicólogos eram questionados sobre a eficácia de sua proposta de atuação, mostravam-se muito insatisfeitos com esta forma de trabalho com os alunos e os professores, sentindo-se angustiados e impotentes diante do fraco resul- tado que obtinham (p. 186). Nessa mesma direção, Almeida (1992), com o objetivo de investigar e compreender as concepções que os psicólo- gos escolares tinham das dificuldades de aprendizagem, veri- ficou que eles acreditavam que tais dificuldades advinham de deficiências dos alunos, de atraso cognitivo ou de proble- mas emocionais, relacionados à desestruturação familiar, isen- tando a escola, os fatores psicopegagógicos e o processo ensi- no-aprendizagem da responsabilidade pelos problemas esco- lares (p. 265). Tal postura levava os psicólogos a direcionarem a sua atuação apenas para os aspectos individuais do aluno. Da mesma forma, Yamamoto et al. (1990), mostrando a situação da Psicologia Escolar em Natal (RN) e caracteri- zando o trabalho desenvolvido pelos psicólogos nesta cida- de, observou que a maior atenção centrava-se no aluno, fi- cando em segundo plano a atuação junto à escola, aos pro- fessores e aos pais. Em uma outra direção de estudos, Silva (1994), fazen- do um levantamento da demanda infantil por atendimento psicológico em um Centro de Saúde-Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP), verificou que era gran- de a quantidade de crianças encaminhadas com queixa es- colar e, assim, mostrou que o sistema educacional funda- mental tinha a tendência a atribuir as dificuldades escolares dos alunos a problemas intrapsíquicos e/ou orgânicos. Em outras palavras, as causas das dificuldades de aprendiza- gem, antes atribuídas às condições adversas de saúde (como a desnutrição e verminoses) das classes menos favorecidas da sociedade, passaram a ser atribuídas também aos proble- mas psicológicos (p. 39), o que levou ao aumento da procu- ra por serviço de psicologia infantil nos centros de saúde. Fazendo uma análise das estratégias de atuação do psi- cólogo nestas queixas, Souza (1993) revela que muitas ve- zes este profissional de saúde não consegue compreender claramente o motivo pelo qual a criança foi encaminhada para o serviço de psicologia. Tampouco a família ou a crian- ça sabem explicar os motivos do encaminhamento. E, em algumas ocasiões, “durante o processo de psicodiagnóstico, as mães trazem informações da escola dizendo que seu filho havia deslanchado no aprendizado, sem que se tivesse ainda por parte do psicólogo qualquer dado mais concreto a res- peito das causas da problemática dessas crianças, aponta- das pela escola” (p. 270). Tais fatos, somados a vários ou- tros, como a atribuição, pelos psicólogos, de possíveis cau- sas emocionais aos problemas escolares, têm revelado o seu desconhecimento a respeito da escola de onde vêm essas crianças e o que se passa em seu interior. Oliveira e Bruns (1992), com o objetivo de caracterizar a atuação dos psicólogos que trabalham nas redes de ensino na cidade de Ribeirão Preto - SP e região, apontou o quanto a legislação favorece o trabalho de diagnóstico do psicólogo nas escolas. A lei, ao exigir avaliação psicológica no enca- minhamento de crianças para classes especiais, fortalece a atuação do psicólogo como avaliador do desempenho da cri- ança, de forma que o sistema ajuda a acentuar uma imagem reducionista do aluno, valorizando a avaliação psicométrica (p. 49). Concluem ainda que, apesar de as escolas reconhe- cerem a importância do serviço de psicologia, há necessida- de de uma revisão crítica da identidade do psicólogo escolar e da especificação de seu papel profissional (p. 50) para que, de fato, ele possa auxiliar as escolas no equacionamento das dificuldades escolares. Na mesma direção, partindo de considerações históri- cas para mostrar a contribuição da Psicologia à Educação, Del Prette (1993) aponta que a atuação do psicólogo tem sido fortemente influenciada por um referencial teórico-me- todológico advindo da Psicologia Clínica, o qual limita sua 147Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares ... a questão assim, crucial que acaba influenciando aí o desenvolvimento das crianças... são os pais, que não têm nível de instrução e que não podem proporcionar a essas crianças uma estimulação fora da escola... (sujeito 1) A meu ver, as principais causas são de caráter social, atual- mente abrangendo todas as classes; o desemprego, falta de infra-estrutura, falta de comida, a alimentação é deficien- te, os pais não sabem como lidar com seus filhos, cobram muito e não cobram nada, os pais não conseguem colocar limites para os filhos, têm dó da criança. Também a crian- ça falta da escola porque não tem dinheiro para o ônibus, também problemas na família, doença na família, mães doen- tes mentais, pais alcoólatras, separação dos pais... (sujeito 4) ... crianças que vêm aqui com a dificuldade de aprendiza- gem são crianças que estão com problemas emocionais também, ou relativo à própria dificuldade de aprendiza- gem, porque eu vejo a dificuldade de aprendizagem uma pontinha lá de alguma coisa que não está bem e que está refletindo...ou a estrutura familiar, ou a organização inter- na da criança comprometida, ou é a relação com a escola que não está bem, ou é um atraso mesmo da criança, que a criança tem. Então a dificuldade de aprendizagem está li- gada num monte de coisas. (sujeito 7) Mas é possível verificar também que a escola e seus problemas internos estão presentes nas análises críticas de alguns destes profissionais. Para eles, a escola também contri- bui para as dificuldades das crianças devido à sua falta de infra-estrutura, às mudanças constantes no sistema educacio- nal e à sobrecarga de trabalho dos professores (17%). Refe- rem ainda que o modo de atuar da escola, isto é, a existência de classes numerosas, do preconceito com que é vista a cri- ança de classes populares e do descompromisso para com ela, dificulta aos professores dar uma melhor atenção aos alunos. A escola está com dificuldade de manejar os fatores adver- sos da própria escola, né, o número excessivo de alunos, a escola sem muitas condições materiais, a escola sem pro- fessor preparado.... a escola não está preparada pr’a rece- ber a criança com dificuldade de aprendizagem. (sujeito 8) Bom, aí é a parte da família... agora, relacionado à escola, está (sic) as próprias mudanças ocorridas na área da edu- cação e que eu acho que as crianças que estão passando Tabela 1 Freqüência e porcentagem das queixas escolares que motivam o encaminhamento de crianças para o atendimento psicológico Queixas escolares que motivam o encaminhamento das crianças N* %** Problemas de aprendizagem - crianças que não acompanham o ritmo da sala de aula, não aprendem, têm lentidão para aprender, dificuldade na alfabetização, falta de atenção e de concentração, problemas psicomotores 20 31 Problemas de comportamentos - indisciplina, agressividade ou hiperatividade 19 30 Problemas emocionais - inadaptação, fobia escolar, experiências negativas na escola, problemas de relacionamento com a professora ou com outras crianças, insegurança ou timidez 11 18 Outros relacionados a questões escolares – problema de fala, gagueira, problemas familiares, separação dos pais, drogas em casa ou doenças dos pais 8 13 Deficiência Mental 3 5 Encaminhamento para a classe especial 2 3 Total 63 100 * Número de vezes que cada queixa é apontada pelos psicólogos. ** Porcentagem sobre o total das queixas mencionadas pelo grupo. Tabela 2 Freqüências e porcentagens das causas atribuídas pelos psicólogos às dificuldades escolares Causas das dificuldades escolares N* %** Meio social do aluno 38 31 Aluno 28 22 Escola e o sistema educacional 21 17 Modo de atuar da escola em relação ao aluno 21 17 Corpo docente, técnico e administrativo 15 12 Escola na sua função político-social 1 1 Total 124 100 * Número de vezes que cada causa das dificuldades escolares são apontadas pelos psicólogos. ** Porcentagem sobre o total de causas mencionadas pelo grupo de psicólogos. 148 E. Cabral e S. M. Sawaya agora pela escola estão sofrendo demais, porque elas estão pegando todas essas mudanças e estão até mesmo cobaias, né, porque o professor ainda está buscando uma nova for- ma de atuar com a criança. E então, eu acho que é um período difícil... (sujeito 12) ... são muitas né ,... mas muitas é a forma que a escola está lidando com a criança, né,... já rotula, acha que aquela criança já não vai, não melhora, não adianta, acham que já fizeram tudo... (sujeito 13) ... depois da questão social, eu vejo a questão da escola, que realmente quer que o aluno se adeqüe (sic) a ela e ela não se adequa (sic) ao aluno, né, e tem o número de alunos por classe que é absurdo, e o professor está sobrecarrega- do demais, ele não tem auxílio, são classes enormes e não tem um auxiliar ali com ele... Francamente, eu acho muito lindo o que se fala e as mudanças, mas na prática eu achei que culminou num... e, tudo o que já está acontecendo aqui, e aí agora essa mudança de adequar a idade, eu nem sei como chama, eu esqueci... de colocar a criança na idade , né, no grupo de idade que ela freqüenta. A criança de 11 ano foi colocada na 5ª série sem saber sequer ler ou escre- ver, e as classes ficaram muito heterogêneas, muito gran- des, e assim não vejo uma saída para isso, e aí vai acabar em violência, muita agressividade... (sujeito 14) Os professores e o corpo técnico e administrativo (12%) também são mencionados pelos psicólogos como causado- res das dificuldades escolares dos alunos. ... há falta de recursos materiais e físicos, o governo não ajuda, mas o professor precisa ser mais criativo, procurar trabalhar mais com a criança. Ela acaba ficando sem estí- mulo para o processo de aprender. (sujeito 15) Ainda que alguns profissionais mencionem a existência de problemas internos da escola, mostrando algumas práti- cas educacionais inadequadas, não chegam a formular uma análise mais abrangente das questões em jogo que permita perceber a participação da instituição–através das suas rela- ções, concepções e práticas – na produção das dificuldades escolares das crianças. Apenas alguns poucos psicólogos apresentam uma com- preensão mais abrangente destas dificuldades, focalizando também os problemas da escola na sua função político-soci- al que mantém em suas relações, mecanismos de domina- ção e discriminação de uma classe menos favorecida e que estigmatiza as crianças como menos aptas. ... e não acredito que seja só um problema da criança porque acontece muitas vezes aqui que alunos de uma mesma sala são encaminhados. Então você começa a perceber muita se- melhança e aí você começa a suspeitar: será que esse pro- blema é da forma que a professora está ensinando, ou é só atribuir a culpa na criança, no aluno? Então, é preciso fazer uma análise da família, da escola como um todo. (sujeito 2) ... A questão da própria escola que não altera os métodos...ela até tem propostas e tal, mas não muda a ca- beça do professor, não vai investir no professor para que ele se atualize. Então fica (sic) aulas maçantes e chatas, né? ... Ah! O desconhecimento do professor do processo de aprender, porque o professor não sabe como a criança aprende.... então, ele avalia, e ele discrimina, ele não valo- riza o que a criança traz, né, do seu meio cultural. Então, tudo isso contribui para as dificuldades”. (...) A mais im- portante, eu acho que é difícil falar do fracasso escolar sem ter uma parcela da própria escola. A escola fica num jogo de empurra para a saúde, para a família, a culpa é do pai, da mãe, porque os pais se separaram, porque isso e porque aquilo... também é do psicólogo que não quis aten- der minha criança, é o médico que não deu remédio, a fono que não falou o que é que tinha que fazer, e não tinham a sua parcela. Se eles entendessem a sua parcela de investi- mento no fracasso escolar... e eu entendo as dificuldades que existe (sic), todo um sufocamento destes profissionais aí, e eu não estou julgando ninguém. Acho que não ser ou- vido por ninguém e ser jogado uma política por cima da sua cabeça e falar “Olha, faça isso: a partir de hoje não tem mais reprovação, a partir de hoje você não vai poder colocar zero para seu aluno”. É difícil. Então eu acho que a escola..., mas não enquanto professor, diretor, né, mas a escola como um todo, como uma função política e social. (sujeito 11) Os modos de atuação, como se verá a seguir, mostram- se, então, em consonância com as concepções que orientam a percepção desses profissionais dos problemas a serem tra- balhados com as crianças. A Tabela 3 demonstra que 94% dos psicólogos utili- zam os testes psicodiagnósticos como medida de avaliação das supostas capacidades individuais das crianças, ainda que esses mesmos profissionais façam críticas a estes instrumen- tos quanto à sua possibilidade de caracterizar os problemas e potencialidades dos alunos. Também se observa que 63% deles buscam complementar as informações desta avaliação com o uso das anamneses, procurando assim identificar na família ou nos dados de saúde da criança as possíveis cau- sas dos problemas escolares apresentados. O segmento a seguir ilustra essa afirmação. Como a criança vem de uma queixa específica da dificul- dade de aprendizagem, tá, eu costumo começar sempre com uma avaliação, de como é que tá essa criança, e aí, eu uti- lizo teste...e também eu observo essa criança no jogo, em atividades pedagógicas, como ela se sai, para decidir que caminho tomar e para ver que outras dificuldades a crian- ça apresenta, onde estão as falhas que possam estar inter- ferindo na aprendizagem ...Detectando alguma coisa nes- se sentido, ou às vezes alguma falha em termos de proces- sos cognitivos básicos ou então em termos de alguma de- fasagem psicopedagógica, eu faço um planejamento de um trabalho psicopedagógico. E em geral, eu vou estar ten- tando ver então, a partir da história que eu coleto dos pais..., 149Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares na verdade eu sempre começo pela anamnese, né, pela his- tória com os pais (...) em geral eu pego a história da crian- ça, o que está acontecendo, se essa criança já vinha com história de problemas relacionado a problemas de com- portamento, que possam estar interferindo na escola... Tam- bém vejo se tem alguma coisa que está ligada ao relacio- namento dela dentro da escola, e a partir dessa primeira avaliação é que planejo então o trabalho, seja o trabalho que eu vá ter uma atuação mais psicopedagógica, ou um trabalho que eu vá ter mais um atendimento clínico (...) de tempos em tempos também solicito a presença dos pais (...) porque eu acredito que se a família não apóia, o tempo que eu tenho não adianta muito. (sujeito 1) No que diz respeito à atuação do profissional psicólo- go, as orientações por eles referidas tomam duas direções: o “atendimento psicopedagógico” e a “ludoterapia”. O “aten- dimento psicopedagógico”, segundo a descrição dos profis- sionais consiste em atividades que têm o objetivo de desen- volver habilidades que favorecem o processo de aprendiza- gem como atividades de leitura, interpretação de texto, jo- gos para desenvolver raciocínio, memória, percepção, aten- ção, discriminação visual, habilidades psicomotoras e cognitivas, para desenvolver o pensamento lógico. Inclui-se ainda a discussão de temas que procurem desenvolver habi- lidades sociais para a convivência social. Já o “atendimento ludoterápico” é utilizado com o objetivo de resgatar a auto- estima, promover na criança uma relação prazerosa com a aprendizagem e com a escola, além de ajudar a melhorar seu relacionamento em classe. Os psicólogos caracterizam- na por atividades lúdicas, de dramatização, brincadeiras, expressão gráfica, trabalhos de artesanato, música, relaxa- mento, meditação, técnicas comportamentais ou psicodramá- ticas, bate-papo ou conversas sobre as dificuldades que a criança apresenta ou sobre os fatos que ocorrem na escola, sempre visando trabalhar os sentimentos da criança frente às situações vivenciadas. Embora declarem uma preferência pelas atividades lúdicas no atendimento das queixas escolares, os dados re- velam que 42% dos profissionais realizam essas atividades junto com as atividades psicopedagógicas (2 + 4). A esco- lha por estas duas técnicas de atendimento revela uma preo- cupação voltada para a ação prática, com objetivo de adap- tar a criança a comportamentos esperados pela escola. No entanto, quando atuam desta forma, parecem desconsiderar as fundamentações teóricas específicas de cada modelo de atuação, mostrando uma confusão ao mesclarem diversas abordagens sem levar em consideração os aspectos contra- ditórios presentes nelas. Outro trabalho utilizado é o de orientação de pais, reali- zado por 52% dos psicólogos, o qual tem por objetivo, se- gundo as declarações feitas, promover em casa o desenvol- vimento dos comportamentos esperados para o bom desem- penho escolar das crianças. Visa a orientar os pais quanto à Trabalho realizado pelos psicólogos N % 1. Avaliação psicodiagnóstica (uso de testes) 18 94 2. Atendimento ludoterápico 14 74 3. Entrevista de Anamnese 12 63 4. Atendimento psicopedagógico 11 58 5. Orientação de pais 10 52 6. Não atuam (realizam triagem e encaminhamentos para psicólogos) 9 47 7. Encaminhamentos para outras áreas da saúde 8 42 8. Entrevista com professora 7 37 9. Inscrição e triagem 6 32 10. Relatórios/Planejamento/ Devolutiva 6 32 11. Reunião equipe multiprofissional * 3 16 12. Avaliação sem uso de testes 2 10 Associação de áreas de trabalho 1 + 3 12 63 2 + 4 8 42 1 + 2 + 3 8 42 Tabela 3 Freqüência e porcentagem dos psicólogos no trabalho que realizam * Parte do projeto realizado pela Secretaria Municipal de Saúde da Ribeirão Preto, para atender à demanda de crianças e adolescentes com as queixas escolares. 152 E. Cabral e S. M. Sawaya as críticas produzidas a este respeito pela teoria construtivista de alfabetização (Ferreiro & Teberosky, 1991). Discussão Ao caracterizar as concepções que orientam as formas de atuação profissional dos psicólogos que atendem à de- manda de crianças encaminhadas com queixas escolares aos serviços públicos e instituições não-governamentais em Ri- beirão Preto–SP, algumas reflexões devem ser feitas a res- peito de como tem sido tratada a questão dos problemas es- colares e qual tem sido o papel da psicologia nesta área. Os resultados mostraram que a compreensão que ainda se tem da queixa escolar, por grande parte dos psicólogos, é que esta advém de um problema individual, pertencente à criança encaminhada e entendido, na maioria das vezes, como de âmbito emocional ou cognitivo, decorrente das supostas conseqüências das suas condições de vida sobre o seu de- sempenho escolar. Assim, acreditam que ao desenvolverem um trabalho dirigido à compensação de supostas defasagens cognitivas, à eliminação de comportamentos inadequados e ao tratamento de supostos problemas emocionais, podem eliminar os problemas escolares. Dessa forma, as práticas de avaliação e trabalho psicopedagógico são coerentes com esta compreensão, como se o funcionamento psíquico e os processos mentais envolvidos na aprendizagem acadêmica da criança pudessem ser entendidos e trabalhados de forma independente da análise do contexto institucional onde os problemas escolares são produzidos. Embora a literatura aponte o quanto a psicologia vem nas últimas décadas questionando sua atuação profissional, buscando outros caminhos para o entendimento dos proble- mas escolares das crianças e adolescentes de classes popu- lares e produzindo uma revisão crítica das formas de análise da criança pobre e suas condições de vida como a única res- ponsável pelo seu fracasso escolar, ainda assim uma boa parte dos psicólogos utiliza estes referenciais teórico-metodológi- cos para trabalhar com as queixas escolares. Muitos estudos vêm revelando que as dificuldades es- colares são produzidas pelas práticas, crenças e pelas redes de relações ocorridas no interior da instituição escolar (Carraher, 1982; Collares & Moyses, 1996; Patto, 1990; Souza, 1993), mas elas não se fazem ainda suficientemente presente nas concepções dos psicólogos pesquisados, e consequentemente não se buscam formas alternativas de atu- ação profissional. Observa-se que nem mesmo os avanços já obtidos na área clínica que integram o social e o psíquico e não concebem a criança separada do contexto social e esco- lar, (Bleger, 1985; 1992; Boarini & Borges, 1998; Bohoslavsky, 1997; Costa, 1984; Freller,1997; Kupfer, 1992; Moffat, 1984), têm sido incorporados aos discursos desses profissionais. Por outro lado, os psicólogos demonstram a necessida- de de entrar em contato com a realidade escolar, mas nota- se que seu preparo profissional, apesar do alto nível de qua- lificação acadêmica, não lhes forneceu os elementos neces- sários a uma compreensão psicossocial da dinâmica escolar capaz de analisar a escola como uma instituição feita de su- jeitos sociais (professores, alunos, equipe técnica e pais), os quais se relacionam entre si e dirigem as concepções que orientam as práticas educativas e seus resultados. Em ou- tras palavras, não aparecem em seus relatos, para a grande maioria deles, uma visão mais abrangente dos problemas escolares como decorrentes de concepções e práticas edu- cacionais produtoras de dificuldades de aprendizagem. Um trabalho de intervenção institucional que vem sen- do realizado desde 1995 por alguns alunos de graduação em psicologia escolar da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le- tras da USP, junto a algumas escolas de Ribeirão Preto (Pioto et al., 1997) vem confirmando a existência de diversos fato- res intra-escolares na produção das dificuldades de apren- dizagem das crianças e a necessidade de um trabalho do psicólogo voltado à analise das relações interpessoais e in- tersubjetivas que são produzidas na instituição educacional. No referido trabalho, observou-se que a crença da es- cola, também presente na visão de muitos psicólogos, de que as dificuldades em aprender se localizam nas crianças, tem levado a grande maioria destas às classes especiais para deficientes mentais, gerando indisciplina, comportamentos de apatia, indisposição para as coisas da escola, abandono da escola. E mais, tem contaminado negativamente a visão de muitos professores sobre a sua capacidade de escolarizar essas crianças tidas como deficientes. As práticas de remanejamento de classe e de série, du- rante todo o ano letivo, ainda são uma constante na escola, sem que se analise as suas conseqüências sobre os comporta- mentos das crianças na escola e no seu rendimento escolar. Muitas das queixas escolares que justificaram os encaminha- mentos para os psicólogos, como a da falta de “raciocínio lógico e abstrato para assimilar as contas de matemática” não se confirmam, quando um contato prolongado com es- sas crianças na escola, revelam-nas capazes de elaborar con- tas “de cabeça” em jogos e brincadeiras. Também o rema- nejamento quatro, cinco vezes durante o ano para classes, séries e professoras diferentes, inviabilizou a aprendizagem dos mecanismos de elaboração da “conta armada” que exi- ge a compreensão da base decimal - centena, dezena e unidade. O pressuposto de que a criança vai mal na escola por- que é proveniente de família desestruturada ou porque há desinteresse da família pela escola não se confirma a partir de um trabalho do psicólogo, com os professores, as própri- as crianças e suas familias, de resgate da história familiar e escolar. No entanto, essa percepção equivocada, baseada em preconceitos em relação às famílias pobres, culpando os pais pelas dificuldades escolares das crianças, têm definido as relações entre a escola e as famílias, levando-as ao não com- 153Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares parecimento às reuniões de pais e, em alguns casos, geran- do conflitos entre pais e professores, bem como vem crian- do um aumento da agressão dos pais para com as crianças. Estes aspectos todos, analisados a partir do contexto esco- lar, permitem perceber como as queixas de indisciplina, agressividade das crianças, apatia, falta de atenção estão di- retamente relacionadas a esses episódios. A soma de fatores como os baixos resultados obtidos muitas vezes pelas crianças de classes populares nos testes psicodignósticos, a culpabilização das famílias e mais re- centemente a culpa depositada no professor - cada vez mais alvo de preconceitos, sem que as suas condições de trabalho e os seus baixos salários sejam também considerados - têm levado muitos professores a desistir de ensinar e recorrendo aos preconceitos, encaminham estas crianças para os servi- ços de atendimento psicológico, na esperança de que eles poderão resolver a situação. Nas respostas dos psicólogos nota-se que há uma per- cepção das dificuldades por que passa a escola pública, mas, via de regra, a análise localiza-se em aspectos parciais da problemática escolar: na má formação dos professores, nas classes numerosas, no despreparo do profissional para lidar com sua clientela, nas dificuldades materiais e técnicas para os professores executarem seus trabalhos. Isto sugere a falta de uma visão mais crítica que incor- pore a compreensão da problemática escolar a partir de um novo modo de olhar a instituição, no qual se atente não só à criança, mas também no modo de a escola se relacionar com sua clientela, suas concepções e suas práticas internas como processos psicossocias. Em outras palavras, os psicólogos precisam olhar para as relações, concepções e práticas es- colares que fazem parte de um quadro social, político e eco- nômico mais amplo, presente na subjetividade dos indivídu- os que fazem a escola e que, por serem determinantes dos resultados escolares das crianças, devem ser objeto de in- vestigação e intervenção da psicologia. Mas para que os psicológos incorporem essa nova vi- são da problemática escolar, eles precisam partir de um referencial teórico-metodológico que compreenda o aluno e o professor como personagens envolvidos no conjunto de relações e sentidos que se estabelecem no interior da escola e na relação desta com sua clientela (Patto, 1985; Ezpeleta & Rockwell, 1989; Machado & Souza, 1997). Ao revela- rem outras compreensões das queixas escolares, estes estu- dos têm permitido uma redefinição das formas de atuação da psicologia nestas queixas. Eles vêm apontando a necessi- dade de uma revisão dos instrumentais de avaliação psicodiagnóstica, que, baseados em visões limitadas da in- teligência humana, não têm seus resultados confirmados quando o aluno é investigado em outros contextos que não o consultório ou a escola ou a partir de questões que meçam o seu conhecimento escolar. Dentro desta nova visão, o foco da intervenção parte de uma escuta orientada para se compreender as queixas esco- lares, levando o psicólogo a analisar os relatos dos professo- res, pais, crianças, equipe técnica e as circunstâncias que envolvem os vários protagonistas presentes no processo de escolarização. O trabalho de intervenção envolve vários aspectos da realidade escolar como a qualidade da relação professor-alu- no em sala de aula, as formas de transmissão dos conteúdos pedagógicos e as situações de ensino-aprendizagem propos- tas em classe, os vínculos existentes entre o professor e as famílias, a história pessoal e escolar da criança e como a escola e o professor se apropriaram dela, a definição de cri- térios para a seleção do aluno por classe e por professor, a concepção de disciplina pelos professores e pela instituição e as formas pelas quais as normas disciplinares definem as relações da instituição com seus alunos, as concepções que a instituição possui de sua clientela e de suas capacidades de aprendizagem. Sabe-se que a qualidade da relação professor-aluno é determinante do processo ensino-aprendizagem, não só em seus aspectos cognitivos, mas também psicossociais. No cotidiano escolar, tem-se observado que a avaliação que os professores fazem dos alunos está permeada por uma visão preconceituosa que, tomando-os como incapazes - muitas vezes ratificados pelo psicodiagnóstico – relega a segundo plano as situações de aprendizagem e a transmissão de con- teúdos escolares, produzindo dificuldades escolares para o aluno. Nesta postura, justificam o encaminhamento para os psicólogos (Patto, 1990). Outro aspecto que chama a atenção é a indisciplina, que vêm sendo apontada como uma das maiores queixas da es- cola em relação aos alunos. Quando analisada no contexto em que surge, ela revela-se portadora de múltiplos signifi- cados e sintoma de vários conflitos presentes na escola, como a revolta gerada pelo encaminhamento para a classe especi- al, tida em muitas escolas como lugar de punição para onde vão aqueles que ninguém quer, tornando o aluno alvo de agressão dos outros colegas. As próprias normas disciplina- res muito rígidas (como atitudes de suspensões, encaminha- mentos para o conselho tutelar ou até mesmo para a delega- cia) acabam gerando conflitos, pois havendo um aumento da violência dos pais contra os filhos que tiveram advertên- cias na escola, muito provavelmente esta retorna para a es- cola sob a forma de comportamentos violentos do aluno com o professor e os colegas. Também a falta de regras claras da própria escola em relação aos alunos e aos professores cria relações interpessoais baseadas na arbitrariedade, no autoritarismo, no privilégio de interesses particulares, e ge- ram revolta pelas injustiças cometidas. Outra fonte de conflitos e revolta, que gera indisciplina, são as agressões baseadas em preconceitos contra o pobre, 154 E. Cabral e S. M. Sawaya o negro e a mulher, presentes nas relações das crianças entre si e com a professora, o que interfere diretamente no desem- penho escolar das crianças e nas possibilidades de ensino do professor. Enfim, todos estes aspectos não podem mais passar despercebidos pelos psicólogos que atuam na queixa esco- lar e não podem ser ignorados em sua prática profissional. É conhecida a precariedade dos cursos de psicologia e sua parcela de responsabilidade na formação dos profissionais que atuarão nestas queixas, seja pela quase ausência de crí- ticas à compreensão de que a criança pobre e sua família são responsáveis pelo fracasso escolar, seja pela visão parcial com que analisam a escola oferecida a estas crianças (Souza, 1996). A forte influência de uma visão médico-hospitalar na psicologia (Pessotti, 1975) deixou também raízes profun- das na formação dos psicólogos e na maneira de compreen- der as contribuições da psicologia no processo educacional. Esta visão imprimiu na ação dos psicólogos uma linha niti- damente clínica, norteada sobretudo por atuações diagnósti- cas e curativas, nas quais predomina um atendimento psicoterapêutico individualizado ao aprendiz com queixa escolar, visto como portador de características pessoais in- compatíveis com a aprendizagem e o ajustamento escolar. Nesse contexto, pode-se entender as dúvidas e confu- sões destes psicólogos quanto às concepções de que dis- põem no seu exercício profissional, apontadas em vários momentos de seus depoimentos pois, ao não incorporarem uma análise mais ampla sobre a compreensão da queixa es- colar, não buscam um referencial teórico-metodológico que dê conta de entender o que se passa na realidade das escolas públicas no Brasil. Além do mais, faz-se necessária uma revisão dos ins- trumentais de avaliação psicodiagnóstica das crianças, para que eles permitam o conhecimento da realidade escolar na qual a criança está inserida, já que as relações também são determinantes das respostas das crianças aos testes. É pre- ciso que os instrumentais de avaliação consigam expressar como os vários protagonistas compreendem os fatos e pro- cessos escolares vividos e que sentidos atribuem a eles no contexto escolar. As contribuições trazidas pela psicologia institucional, tal como proposta por Bleger (1992), e as mudanças nas maneiras de compreender as queixas escolares (Machado, Sayão & Souza, 1997; Machado & Souza, 1996; Patto, 1990; Sawaya, 1999) vêm apontando caminhos para um trabalho na escola, seja na vertente dos grupos operativos de Bleger, seja através das contribuições com base em Winnicott , seja ainda nas contribuições de Lacan pela análise da “circula- ção discursiva” que se dá na escola. Estas perspectivas teó- rico-práticas vêm fornecendo ao psicólogo embasamento teórico para auxiliar o professor a repensar a sua prática docente, os objetivos da escola, as formas da escola perce- ber o aluno e se relacionar com ele. Conclusão O presente estudo vem confirmar que as concepções dos psicólogos sobre as causas das queixas escolares das crianças de camadas populares e a sua ação são indissociáveis. Em outras palavras, vimos que são as con- cepções de que eles dispõem que orientam a sua ação pro- fissional. Este trabalho aponta a necessidade de se rever o papel do psicólogo que atua junto às crianças portadoras de queixa escolar, o qual deve incluir, em sua atuação profis- sional, a análise e a intervenção na instituição escolar. Acre- ditamos que a solução para a mudança da postura do psicó- logo não se encontra na inovação técnica que passe a produ- zir maiores índices de “cura” (definida em termos da integração das crianças à escola que aí está), ou nos aperfei- çoamentos técnicos que promovam mudanças na sua práti- ca profissional, como muitos estudos e experiências profis- sionais têm alertado. Este estudo partilha das teses de que só uma mudança no “esquema referencial”, isto é, nas concepções dos profis- sionais acerca das crianças e famílias pobres e suas capaci- dades, no “conjunto de experiências, conhecimentos e afe- tos com os quais o indivíduo pensa e atua” (Bleger, 1985, p. 67) em relação às questões escolares, pode transformar sua prática profissional. O ponto de partida precisa ser repensar a prática tal como ela está constituída, redefinindo as metas de formação profissional. Qualquer busca de caminhos alter- nativos para a psicologia escolar esbarra numa tarefa maior - a formação teórico-conceitual através dos cursos de gradu- ação e pós-graduação que efetivamente preparem o profis- sional e desenvolvam nele uma visão crítica que integre os diferentes aspectos da realidade social e política da sociedade. Apesar do aumento crescente de publicações e relatos de experiência voltados para a revisão crítica do conheci- mento acumulado pela psicologia e dos resultados positivos dos novos rumos da psicologia escolar em alguns centros de pesquisa e intervenção, o que aparece em cena ainda é uma prática profissional baseada em discursos, muitas vezes não sustentáveis do ponto de vista científico, havendo coexis- tência de recortes de várias teorias que utilizam modelos de intervenção baseados apenas em procedimentos técnicos e preconceitos de moda. Assim, os resultados nos remetem a que os cursos de formação em psicologia ainda formam profissionais para atuar na solução dos problemas individuais e levam o psicó- logo a acreditar que o trabalho a ser feito não é transformar uma sociedade autoritária e excludente, mas integrar à soci- edade que aí está os seus membros desgarrados, delinqüen- tes e doentes, conforme à visão ideológica da classe domi-
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